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Jíl'í,íí- z^jiir-íà jiciií jilíÃ- j1 v,íí- í,; A jic ---n jj.
PORTUGAL
ArNTIGO E MODERNO
DECIMO SEGUNDO VOLUME
PORTUGAL
ANTIGO^EJODERNO
DICCIONARIO
Historloo, Blog-raphloo e Etyrnoloffloo
OE TOOIS as CIOIOES, tLIS E FfiEGUEZIAS DE PflfiTUGiL
E DE GRANDE NUMERO DE ALDEIAS
por bftamil^í^^troYfic^Es^^im^^ homens celebres,
ou oor mnP°^ ««'«^ Bofa^^s^r fa"rSlial"^ob^^^ tiveram ' logar.
ou por monumentos de qualquer na\ureza?allf existentes
NOTICIA DE muiTAS CIDADES E OUTRAS POVOAÇÕES DA LUSITAHIA
DK QUE APENAS RESTAM VESTÍGIOS OU SOMENTE A TBADI(l0
POR
Augnsto Soares de Azeredo Barbosa de Pinho Leal
E CONTINUADO POR
Pedro Augnsto Ferreira
8«^. ro™.do e. neolo,a pela "^ede^S^V^—^ Conc.ç.o
LISBOA
LiTRARiA Editora dk Tavares Cardoso & Irmão
6 — Largo do Camões— 6
1890
10 o
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LiBRARY
V
VIM
VIMARANES e VIMARÃES— Assim se
denomiDaram outr'orã a cidade de Guima-
rães e a quinta oode a infanta D. Sancha
fundou em 1210 o exlincto convento de Cel-
tas, junto de Coimbra,
V. Guimarães, tomo 3.», pag. 3S0, eol. 2.'»
e Cellas n'este diecionario e no supple-
mento.
Vimarano foi nomo próprio d^liomem e
talvez possa dizer-se que Vimaranes, Vima-
rães e Guimarães são patronimicos de Vi'
marano.
Um dos filhos d'el-rei D. AfTonso I, o ca-
tholico, de Leão (739-753), chamava-se Fí-
marano e leve uma filha D. Eneca, a qual
casou com D. Sancho de Estrada, duque de
Santilhana.
VOLUME XII
VIM
VIMEIRO (não Vimieiro) — freguezia do
concelho e comarca de Alcobaça, districto
de Leiria, diocese de Lisboa, província da
Estremadura.
Orago S. Sebastião; — fogos 233, — habi-
tantes 1:010.
Ignoramos o titulo que hoje tem o seu
parocho, mas até 1834 foi vigairar4a da
apresentação do D. Abbade geral d'Alcoba-
ça, por ser uma das muitas freguezias eom-
prehendidas nos coutos d'aquelle famosa
convento.
A Chorographia Portu^ueza nem sequer a
mencionou; — o Port. S. e Profano, bem co-
mo o Flaviense, o Diecionario Abreviado de
José Avelino d'Almeida e o sr. João Maria
Baptista na sua Chorographia Moderna, con-
1432 A VIM
VIM
fundiram esta parochia de S. Sebastião do
Vimeiro, concelho d' Alcobaça, com a de S.
Miguel do Vimeiro, concelho da Lourinhã,
pois o Port. S. e Profano apenas mencionou
ã de S. Miguel do Vimeiro, dizendo que era
da apresentação do D. Abbatíe geral de Al-
cobaça, em vez de dizer que os D. abbades
d'Alcobaça apresentavam a de S. Sebastião
de Vimeiro, que não mencionou. Por seu
turno os outros auctores citados dizem que
a batalha de que logo fallaremos, ferida em
i808 entre o exercito anglo- luso, comman-
dado por Lord Welington, e o exercito fran-
cez de Junot, teve logar n'esta freguezia de
S. Sebastião do Vimeiro, concelho d'AIco-
baça, quando é certo que a dicla batalha se
í eriu no Vimeiro da Lourinhã.
V. o Vimeiro seguinte.
Custa realmente a crer que o sr. João Ma-
ria Baptista (desculpe-nos s. ex.» por quem
é) sendo um militar d'alta patente,— coronel
d'arlilheria,— quasi contemporâneo da dieta
fealalha e tão consciencioso e meticuloso na
sua Chorographia, aliás tão lacónica, apesar
dos seus 7 grossos volumes, acceitasse sem
escrúpulo tão flagrante erro histórico, — er-
ro que s. ex.* no 7." volume confessou e re-
parou.
Passemos adiante.
O Flaviense em 1852 (não podemos ir mais
longe) deu a esta parochia 143 fogos; — o
censo de 1864 deu-lhe 203 fogos e 917 ha-
bitantes,—e o de 1878 deu lhe 210 fogos e
997 habitantes.
Comprehende as aldeias seeuintes:— Fi-
meiro, séde da parochia,— Gaiteiros, Pedras-
Gaio, Ribeira do Mareie, Sortão, Canos, Ar-
rotêa Nova e as quintas e casaes do Vimei-
ro, da Matta, d^Alem, do Marquez, do Ou-
teiro, do Vigia, dos Serafins, da Raposeira»
de Baixo e Ruiva.
Demora a povoação do Vimeiro na que-
brada de um monte e na orla de uma veiga
esplendida ou grande bacia circumdada por
altos montes^ em grande parte arborisados.
avistando se d'elles o mar, — e dista 5 kilo»
metros da estrada real a macadam n.* 63 de
Alcobaça a Leiria, para S.;— 11 do oceano,
para E. S. E.;-- -os mesmos li d'Alcobaça
para S. S. 0.— e 82 de Lisboa.
Ignora-se a data da instituição d'esta pa-
rochia. O livro mais antigo que actualmente
se encontra no seu arehivo parochial diz
respeito ao anuo de 1695, mas Fr, Fortu-
nato de S. Boaventura, monge cistereiense,
falia da Granja do Vimeiro, como existente
já em 1296, data em que, segundo se sup-
põe, foi feita uma delimitação das fregue-
zia s dos Coutos, em virtude da qual ficou a
Granja do Vimeiro comprehendida no termo
da parochia da Alvorninha.
Diz a tradição que a primeira matriz d'es-
ta parochia do Vimeiro foi uma capella do
Espirito Santo, fundada por alguns devotos
antes da erecção da freguezia— e que esta
foi criada por el-rei D. Sebastião.
Eslava a dieta capella a pequena distan-
cia do adro da actual egreja, precisamente
no local que hoje occupa o cemitério. Por se
achar em minas foi demolida em 1850 a
1860 e o painel do seu retábulo foi transfe-
rido para a egreja parochial, onde se con-
serva ainda hoje 1886
Temploí:— a egreja matriz é uma bonita
capella particular na Quinla do Vimeiro que
foi do commendador Pedro José d'01iveira,
1 Em 1712 esta fregnezia de S. Sebastião
do Vimeiro era um dos coutos do convento
d'Alcobaça, termo e concelho d'este nome,
comarca (provedoria e corregedoria) de Lei-
ria, no patriarchado.
VIM
VIM 1433
digmo chefe da 1.» repartição do governo ci-
vil tdíe Lisboa, cavalheiro estimabilissimo, de
queíoa havemos de fallar muitas vezes, por
ter ssiido o primeiro proprietário e o cidadão
maiss benemérito d'esta freguezia.
Fcoi a dieta capella reedificada em 1745 e
estái muito limpa e muito bem repa-
radas.,
A. matriz é um templo modesto, com al-
tar--mór e dois lateraes. Suppõe-se que foi
feilaa pelos frades d'Alcobaça, por ser esta
fregçmezia couto d'elles, e está também hoje
muiit o limpa e bem tractada, — graças ao
muiitio benemérito commendador Pedro José
de (Oliveira, ha poucos annos fallecido, pois
por iniciativa sua e em grande parte a sua
custía foi feito o coro, soalhada a egreja,res.
taurrado o retábulo do altar-mór e construída
a caisa da residência parochial, bem como o
cemiiterio.
T;ambem s, ex.» muito generosamente fun-
dou, e dotou a esplendida casa de escola que
estai freguezia possue para os dois se-
xos..
Él um edifício elegante, espaçoso, bera aca-
bad(o e mobilado com todos os accessorios
que demanda uma casa escolar, incluindo a
habiitação do professor.
Aliem d'isso está muito vantajosamente si-
tuadlo e tem abundância d'ar e luz que en-
trama a jorros pelas suas vinte e seis amplis-
simcas janellas ? l . . .
Síatisfaz perfeitamente a todas as condi-
ções; da sciencia, da hygiene e da arte ; — é
ura dos raelhores edifícios do distrieto do
Leiria no seu género — e um padrão vene-
randlo que perpetuará a memoria do seu be-
nemterito fundador.
Dieus lhe pague em bênçãos tantos e tão
relewantes serviços prestados á sua terra
Dãtail.
Fallecea em Lisboa, no dia 9 d'abril de
1885), legando á junta de paroehia d'esta fre-
guez-.ia tres contos de réis em inscripções da
Juntta do Credito Publico, para eom o seu
rendiimento augmentar a côngrua do paro-
cho, impondo-lhe a obrigação de coadjuvar
e substituir o professor nos seus impedi-
mentos e faltas, e já em dezembro de 1882^
depois de concluir e mobilar o grande edi-
fício da escola, tinha dado á camará muni-
cipal de Alçobaça cinco contos de réis em
metal, para com o juro d'esta quantia pagar
ao professor e á professora da dieta es-
cola.
Outros muitos benefícios prestou a esta
freguezia o dr. Pedro. Assim era vulgar-
mente denominado aquelle santo homem,^
e foi elle coadjuvado em algumas das suas
obras por outro cidadão benemérito, filho
d'estafifreguezia,- o sr. João Fernandes, mui-
to digno de louvor lambem.
Em outro tempo fizeram -se n'esta paro-
ehia, com grande pompa, touradas, romaria '
e bôdo, as festas do Espirito Santo,— e tam-
bém foram muito luaidas as festas da sema-
na santa, mas de todas essas festividades
apenas resta a memoria! . . .
Banham esta freguezia dois regatos, que
se juntam na formosa quinta do Vmeiro e
desaguam no rio \Alfeizerão, depois de re-
garem as fertilissimas várzeas da Ribeira
do Mare te.
A N. da povoação do Vimeiro também
passa outro regato, que fertilisa diíTerenies
campos e as várzeas da quinta da JMatta,
pertencente ae sr. Pedro da Silva da Motta
Cerveira Montenegro de Bourbon, F. C. R.,
etc.
Este ultimo ribeiro desagua no rio Baça,
que banha a villa d'Alcobaça e desagua no
oceano, ura pouco ao sul da villa dá Peder-
neira.
O Alfeizerão morre também no Oceano,
no porto de S. Martinho.
Ha n'esta freguezia uma extensa malta
real— a Matta do Gaio, ou Matta Coutada —
1434 VIM
que foi do convento d'Alcobaça, bem como
a quinta do Vimeiro, da qual era depen-
dência.
A dieta malta ó quasi toda de carvalhos,
mas nos últimos annos n'ella se tem feito
grande plantação de eucalyplos e sementei-
ra de penisco e de castanhas.
Dentro d'ella, no sitio da Pena Gouvinha,
ha um manancial d'excellente agua potável
de que em tempo se proviam alguns frades
d'Aleobaça
Produeções dominantes,— vinho, cereaes
e fructa.
Palito métrico
Cerca de i kilomelro ao sul da povoação
do Vimeit^o demora, no termo d'esta fregue-
zia, a pequena aldeia do Sortão em uma es-
treita garganta formada por íngremes en-
costas e altos montes.
Foi ali, n'aquella pequena aldeia, que
nasceu João Rebello da Silva, afamado au-
ctor do Palito Métrico ou da Macarronea
Portugueza, obra interessantíssima e única
entre nós até hoje no seu género.
Segundo se lé no Diccionario Bibliogra-
phico, João Rebello da Silva cursava a Uni-
versidade de CoitEbra pelos annos de 1746
e chegou a tomar os graus na faculdade de
Iheologia ou na de cânones.
Era abril de 1774 entrou no serviço da
real casa e egreja de Nossa Senhora da
Nazareih, como coadjuctor do reitor d'a-
quelle sanctuario, dr. Manuel d' Andrade Tor-
res. Nomeado depois reitor effectivo da
mesma egreja, exerceu aquelle cargo até
agosto de 1780, data em que se retirou
para a sua casa do Sortão, onde viveu ain-
da alguns annos, fallecendo approximada-
mente em 1790, jà decrépito e contando
mais de 80 annos de idade.
As suas obras foram primeiro publicadas
avulsamente e quasi todas sob o pseudóni-
mo de Antonio Duarte Ferrão; mais tarde
porem foram colligidas com outras de di-
versos auctores e repetidas vezes impressas
no bem conhecido volume, intitulado Ma-
carroma Portugueza.
VIM
Innocencio lambem diz que o padre Joãa
da Silva Rebello publicou em 1775 uma
Elegia à estatua equestre d'el-rei D. José.
Al.» edição do Palito Métrico, hoje mui-
to rara, foi feita pelo seu auctor, o padre
João da Silva, em 1746, quando frequenláva
ainda a|Universidade.
Não ha muito que se via junto da dieta
aldeia do So)7ão,|debaixoldo arvoredo que
orla o regato que ali passa, uma casinha;,
espécie, de eremitério, onde o auctor da Ma-
carronea escreveu algumas das suas obras,
— segundo diz a tradição local.
A propriedade onde esteve a tal casinha
ainda é hoje de um seu parente — o sr. Joa-
quim Fernandes, das Eiras.
Que saudades eu tenho do tempo em que
me entretinha a ler o Palito Métrico! Ainda
sei de côr alguns trechos. Ahi vae um:
Forte aã Coimbram venit de monte Novatus,
Ut matriculetur. Nomen, si rite recordar,
Jan Fernandes erat. Paires misere, suorum
Ut formatus Doctor foret honra parentum.
É isto o que propriamente se chama la-
tim macarronico. Todos o entendem, embo-
ra Dunea soubessem declinar musa, musae,
comtudo ahi vae a iraducção dos 4 versos:
iii «ím bello dia marchou para Coimbra um
caloiro, com o fim de se matricular. Se bem
me recordo, chamava-se João Fernandes i.
Os paes o mandaram para Coimbra, para
que, depois de formado, fosse o senhor dou-
tor—A honra da familia.»
Prosegue o auctor com a jornada do po-
bre caloiro, descrevendo episodio» que fa-
zem rir um santo.
1 D'aqui veiu pelo contraste a locução
portugueza:--OM Cesar, ou João Fernandes.
VIM
VIM 1435
I;Ia elle em ura macho d'aluguel e, apenas
deixixou o horisonte da sua aldeia, principiou
a mmirar tudo com pasmo, fazendo pergun-
tas 3 ao arrieiro, que vae rindo do pobre mo-
ço e e
Corontat inauditas, illum empulhando, patra-
nhas.
P Pela volta do meio dia traetarara de co-
meier alguma coisa.
Nafam barriga sibi jantancli jam dabat horas.
i Pegaram nos alforges em que levavam de
meiereiída uma grande posta de toucinho e
setete broas com a competente borracha: —
•diririgiracn-se para a sombra d'ama arvo-
re e e
ToPotum toucinhim et tetas mnmavere boroas,
seterapre bebendo
])ó)onec borracha escorropichata ficavit t
Aliviados os alforges, o caloiro montou o
raaiaehinhO;, mas oppoz-se o arrieiro, dizen-
dolo lhe muito inchado:
iVíiVos quoque gens simínus et cavalgare sa-
bemus.
Irírra! super machum totum vult ire cami-
nhum?
DDesçat et in macho permittat me ire peda-
çuml...
E sem ceremonia deitou as mãos ao ca-
loloiro e pregou com elle no chão. O caloiro
dedeu-lhe um sopapo; logo se engalfinharam
0903 doi»;
Fervebant coques bofetataeque sonabant :
Murri et mosquetes pluiquam bagaçus ha-
viat,
mas por fortuna o caloiro
Omnibus in lutis semper de cima ficavit! . . .
Ficaremos 'também nós por aqui, para
não abusarmos da paciência dos leitores e
dos editores.
Bastam os leves trechos citados para se
formar ideia do talento e humorismo do au-
ctor e do merecimento do seu Palito iWe-
tiico.
AO sr. José Diogo Ribeiro, iliustrado pro-
fessor da esplendida f scola d'esta freguezia,
agradeço os apontamentos que se dignou
enviar-me, — apoctamenios que bem preci-
sos me foram, porqu^, alem da completa
mudez das nossas chorographias, esta paro-
chia não se encontra nos mappas, e de todas
as povoações dos coutos d' Alcobaça foi a que
menos referencias mereceu aos chronistas
da ordem.
V. O Mosteiro d' Alcobaça pelo sr. M. Viei-
ra Natividade (Coimbra 1885) pag. 40.
Terminaremos dizendo que os frades ti-
veram aqui, na sua grande quinta do Vimei-
ro, uma importante escola agrícola, — outra
na freguezia do Vallado, — outra na de Cel-
la— e outra na de Évora (d'esle concelho)
— todas nos seus coutos.
Vé-se pois que os frades se anteciparam
muitos séculos aos nossos governos na crea-
ção de escolas agricolas ou de quintas re~
gionaes.
Devem-lhes muito não só a agricultura,
mas todas as artes, sciencias e lettras ? I . . .
As primeiras aulas publicas que teve o
nosso paiz foram as do convento d'Alcoba-
ça, — ali se montou a nossa primeira phar-
macia também; — a um abbade d'aquelle con-
vento, a um prior de Santa Cruz de Coim-
bra e a outro de S. Vicente de Fóra se deve
em grande parte a creação da nossa Univer-
1436
VIM
VIM
«idade V-6 foi una jesuíta, — o Padre José
Monteiro da Rocha— qnem, a pedido do pró-
prio marquez de Pombal, organisou a facul-
dade de roathematica da nossa Universidade
na grande reforma de 1772;— foi o mesmo
jesuíta o primeiro lente portuguez da dieta
faculdade,— o primeiro director do observa-
tório astronómico de Coimbra — e o primei-
ro malhemalico de Portugal no seu tempo,
•etc, etc.
V. Canavezes n'e8te dieeionario e no sup-
plemento, onde esboçaremos a biographia
do grande mathemalíco; entretanto diremos:
1. °— Que nasceu de pães obscuros na vilia
de Canavezes, onde não tçm parentes al-
guns;
2. ?— Que teve dois irmãos, um dos quaes
foi para Braga; — ali se demorou muitos an-
Dos — e ali fez grande parte das figuras de
barro que ornam as capellas do santuário
4o Bom Jesus.
3. » — Que o outro irmão casou na villa de
Vallongo, concelho do Porto, onde deixou
descendentes, muitos dos quaes ainda vivem
n'esta data,— 1886.
Ainda se orgulha de ser parente de José
Monteiro da Rocha, embora por affinidade,
o ST. Antonio José da Silva e Sousa, cava-
lheiro respeitabilissimo e septuagenário, of-
ficial da Legião d^Honra, vice-consul da
França em Vallongo e hoje um dos primei-
ros proprietários d^aquelle concelho.
Desculpem-nos a digressão, pois pôde ser
muito util a quem se prcpozer escrever a
biographia de José Monteiro da Rocha, —
biographia já hoje difjlcil de organisar.
Como rectificação ao citado artigo Cana-
vezes, vol. 2." pag. 82, col. 2.* leia-se mar-
^uez de Pombal em vez de marquez de Pe-
nalva — e José Anastácio da Cunha em vez
de José Antonio da Cunha.
VIMEIRO, (não Vimieiro) — freguezia do
concelho da Lourinhã, comarca de Torres
Vedras, districto e diocese de Lisboa, pro-
víncia da Extremadura.
Orago. S. Miguel i; — fogos 13i,— habitan-
tes 560.
Em 1712 era um dos 2 curatos compre-
hendidos no termo e concelho da villa da
Lourinhã. O outro era S. Lourenço {dos
Francos) — ambos com egrejas paroehiaes da
apresentação dos seus freguezes, os quaes ao
tempo excediam o numero de 400 fogos — nas
duas freguezias,— segundo se lé na Choro-
graphia Portugueza, tomo 3.», pag. 37, in-
principio.
Diz ella: «O seu termo (da villa da Lou-
rinhã) tem duas Igrejas paroehiaes, S. Lou-
renço e S. Miguel. . . »
Estranhamos, pois, que o sr. João Maria
Baptista, citando a Chorogr. Port. diga na
sua Chorogr. Mod. que esta parochia de
Miguel ainda não existia no tempo do padre
Carvalho.
Existia, sim. senhor, — e jà então era do
mesmo concelho da Lourinhã, da mesma co-
marca de Torres Vedras e da mesma dio-
cese de Lisboa. ^
O Port. S. e Prof. diz que esta freguezia
de S. Miguel de Vimeiro em 1768 era da dio-
cese de Lisboa, mas que o seu parocho era
vigário da apresentação do D. abbade geral
do convento d*Alcobaça.
Confundiu esta freguezia de S. Miguel do
Vimeiro, que em 1712 era curato da apre-
sentação dos seus freguezes e que depois foi
apresentada pelo reitor da villa da Louri-
nha,— com a freguezia de S. Sebastião do
Vimeiro, couto dos frades d'Alcobaça e da
apresentação d'elles, como já dissemos,—
freguezia que o Port. S. e Prof. nem sequer
mencionoul
O censo de 1864 deu-lhe 118 fogos e 504
habitantes,— e o de 1878 deu-lhe 133 fogos
e 551 habitantes.
Quasi todas as nossas chorographias, ia-
* Veja-se a obra citada supra, pag. 134.
1 Os apontamentos que se dignou envisr-
me o administrador d'este concelho não di-
zem qual é hoje o título d' esta parochia.
VIM
VIM 1437
cluuindo a Chorographia Moderna, dão a esta
freeguezia o nome de Vimieiro erradamente,
pobis deve denominar-se Vimeiro, como lo-
do9s a denominam na localidade e como a
decnominou o administrador d'este concelho
noas apontamentos que se dignou enviar-me.
(Comprehende as aldeias seguintes: Vimei-
ro,), séde da parochia, e Toledo.
1 Vimeiro esta precisamente na margem di-
reiíita do rio Alcabrichel, que desagua no oc-
ceaano a 4 kilometros de distancia. Esta pa-
roochia dista pois 4 kilometros do occeano
panra E.;— 11 da Lourintiã para S.;— 20 de
Toorres Vedras para N. O.;— 30 de Peniche
panra S. S. E.— e 75 de Lisboa pela estrada
reaal a macadam n.° 61 de Lisboa a Peniche
— 6-e pela esirada municipal a macadam que
liga;a as povoações do Vimeiro e Toledo com
a ddicta estrada real n.° 61, na qual entron-
ca i a distancia de 5 kilometros da Lourinhã;
maas estas distancias devem modificar-se um
pouuco logo que se abra á circulação a 11-
nhaa férrea de Lisboa à Figueira, Torres
Veedras, Leiria e Alíarellos,— linha em cons-
truucção e que nos princípios do anno pro-
xinmo futuro (1888) deve abrir-se à cireu-
laçíjâo.
AV. Vias férreas, vol. X, pag. 477, col. 2.»
— ee t^illa Verde do concelho da Figueira,
vol.l. XI, pag. 1:094, coL 1.»
LHa n'esta parochia, na aldeia de Toledo,
umna quinta brasonada que foi vinculo do
monrgado Barbosa Vianna, desembargador
da ( casa da Supplicação, e è hoje proprieda-
de de um seu íilho e herdeiro, que ainda
vivfve.
PParoehiaslimitrophes:— Nossa Senhora da
Annnunciação e S. Lourenço dos Francos no
conncelho da Lourinhã,— e Nossa Senhora da
Luziz de A dos Cunhados, no concelho de Tor-
res ? Vedras.
TTemplos:— a egreja parochial em Vimeiro
—69 uma Capella do Espirito Santo em To-
ledoio. São templos muito humildes e a egreja
estáá muito arruinada.
FFestas religiosas : — S. Miguel, Espirito
Sannto, Nossa Senhora da Conceição, S. Se-
baststião e endoenças na semana Sianlfi. , . , .
VOLUME XI
Banham esta freguezia o rio Alcabichel a
O., que n'este ponto divide o concelho da
Lourinhã do de Torres Vedras e que des-
agua no occeano, no sitio do Porto Novo,
termo do dicto concelho de Torres Vedras,
— e um regato sem nome que circuita a po-
voação do Vimeiro a N. E.— e morre no Al-
cabichel.
Tem o dicto regato duas pontes na estra-
da municipal a macadam junto da povoação
do Vimeiro: uma moderna, outra muito an-
tiga.
Ha n'esta parochia 2 moinhos de vento,
— uma fabrica de cortumes e outra de quei-
mar vinho.
ProducçÕes dominantes ; — vinho, trigo,
milho, cevada, magníficos melões e melan-
cias.
O vinho é hoje a produeção principal
d'esta freguezia, d'esie concelho, d'esta co-
marca, d'este distr'cto e d'eãta província da
Estremadura, — provineia hoje riquissima,
porque toda está povoada de luxuosos vinhe-
dos e vende todo o seu vinho facilmente e
por bom preço (20 a 30)^000 rs. a pipa) para
França, para Lisboa e mesmo para o Por-
to (?/...) — pois com o auxilio dos vinhos
da Estremadura, da Beira e da Bairrada os
negociantes do Porto (salvas raríssimas ex-
cepções) fazem o milagre de pintar e expor-
tar com o nome de Vinho do Douro muito
mais vinho do que produz o Dom^o todo, de-
pois que a maldicta phylloxera aniquilou a
maior parte dos seus vinhedos.
Para evitarmos repetições, vejam-se os
artigos Villarinho de Coitas, Villarinho do
Bairro, Villarinho dos Freires, Villarinho
de S. Romão e Villa Real de Traz-os-Mon-
tes, vol. XI, pag. 1012 e segg.
O vinho do concelho de Torres Vedras,
bem conhecido em Lisboa como vinho de
Torres, é do melhor da Estremadura, muito
superior ao d'este concelho da Lourinhã,
mas em compensação os vinhedos d'este con-
celho são multo mais productivos. É trivial
aqui um milheiro de vides baixas ^ dar 2 a
Na Estremadura as videã são todas bai-
91
1438 VIM
VIM
3 pipas de 520 litros cada uma,— mas pre-
domina o vinho branco, hoje menos estima-
do 6 que costuma vender se por preço in»
ferior 25 % com relação ao timo de Torres
Vedras. j
O melhor de todo o concelho da Lourinhã i
é o d'esta freguezia do Vimeiro.
Para se formar idéa da riqueza d'e8ta pro-
víncia hoje, note-se que está toda coberta de
luxuosos vinhedos, custando a plantação do
milheiro de vides apenas 1 a 3 libras, — pre-
ço máximo, — emquanto que no Alto Douro,
na região do Port Wine, a plantação do mi-
lheiro de vides regula por 100 a 300^000
réis — e mais ? I . . .
V. Vicente (S.)— vol. X, pag. 519, col. 1.»
Alem d'isso no AUo-Douro, na região do
vinho flno, a producção máxima do milheiro
de vides, mesmo em tempo normal, regula-
va por uma pipa de 550 litros e por vezes
nas quintas mais afamados eram necessá-
rios 2 a 4 milheiros de vides para produzi-
rem uma pipa.
Mais: Em todo o Douro nunca houve rm
proprietário que colhesse 2:000 pipas por
anno, — nem mesmo a grande casa Ferreiri-
nha, da Regoa, avaliada em seis mil contos,
e que até hoje tem sido absolutamente a
mais rica do Douro i,— emquanto que hoje
n'esta província da Estremadura ha muitos
proprietários que colhem 2:000 pipas — e um
d'elles, o sr. Fonseca do Sanguinhal, tem co-
lhido 8 a 10 mil pipas por anno e comprado
ainda alguns annos outras 8 a 10 mil pipas
para negocio ?! . . .
È hoje absolutamente o primeiro proprie-
tário e o primeiro negociante de vinhos da
Estremadura— e talvez de Portugal e da Hes-
panhaf]...
O sr. Francisco Romeiro da Fonseca, vul-
garmente conhecido por Fonseca do San-
guinhal, nasceu em 29 de dezembro de 1820
xas. Não tem vinhedos em arvores, como se
vêem no Minho,— nem ramadas de esteira,
como no baixo Douro, nomeadamente nas
freguezias de Cambres.Samodães e Penajoia,
todas do concelho de Lamego.
» V. Villa Real de Traz-os-Montes, vol. XI,
pag. 1013, col.
na povoação do Sanguinhal, freguezia do Se-
nhor Jesus do Carvalhal, concelho d'0bid08,
onde tem vivido e vive na actualidade, ain-
da solteiro,— sendo filho legitimo de Fran-
cisco Antonio da Fonseca e de D. Maria Isa-
bel Romeiro, já fallecidos.
Seu pae também foi negociante de vinhos
e de aguardente na mesma povoação do
Sanguinhal.
O sr. Francisco Romeiro só nas suas qua-
tro quiotas do Sanguinhal, Paul da Amo-
reira, Perdigão e Bom Successo ^ colheu no
anno de 1886 approximadamente oito mil pi-
pas de vinho— e alguns annos tem queima-
do maia de vinte mH pipas de vinho seu e
comprado a diíTerentes lavradores n'este
concelho da Lourinhã e nos de Peniche,
Óbidos e Cadaval.
Os seus maiores armazéns são os das
quintas do Sanguinhal e Perdigão,— ^rmaL-
zens vastíssimos com vazilhame de bella
madeira para mais de dnco mil pipas ! ...
É um cavalheiro a toda aprova, honrado
e muito generoso, grande negociante e gran-
de proprietário e capitalista, podendo hoje
avaliar- se a sua fortuna em mil e quinhen-
tos contos de réisí. . .
Não ha muito (ainda no anno de 1886)
comprou elle por vinte e tantos contos os
Salgados de Peniche,^extensa propriedade
que muito generosamente deu a seu sobri-
nho José Maria Gomes Pinheiro.
As suas vinhas são talvez as primeiras do
nosso paiz pela sua vastidão e pelo seu es-
merado grangeio. Só em um anno já empre-
gou em adubos cerca de oito mil carros de
estrumei \. . .
Por vezes traz ao seu serviço 600 jorna-
leiros diariamente e não só lhes paga com a
maior pontualidade, mas sempre por preço
superior ao corrente, pelo que todos se em-
penham era o servir e o servem com o maior
zelo e fidelidade ! . . .
Ninguém paga melhor tanto aos seus jor-
naleiros como aos seus feitores, caseiros,
caixeiros e numerosos empregados, mas em
í Estas ultimas 2 quintas demoram no
concelho da Lourinhã; — as outras 2 no con-
celho de Óbidos.
VIM
VIM 1439
compensação ninguém na Estremadura é
mais bem servido.
Amor amare conpensalur.
A casa Ferreirinha, da Regoa, hoje muito
dignamente representada peia sr." D. Antó-
nia Adelaide Ferreira, viuva em primeiras i
núpcias do seu primo Antonio Bernardo
Ferreira, e era segundas núpcias do par do
reino Francisco José da Silva Torres, i é
muito mais rica e só nos seus vastos arma-
zéns de Villa Nova de Gaya já tem tido em
deposito quinze mil pipas de vinho do Alto
Douro, de 100 a SOOj^OOO réis e mais, cada
pipa, o que representa milhares de contos de
réis, mas nunca em um anuo comprou dez
mil pipas, nem colheu em todas as suas
quintas, incluindo a das Figueiras ou do
Vesúvio, que é o assombro do Douro, tanto
vinho como hoje colhe o sr. Fonseca do San-
guinhal.
Note-se, porem, a grande diíTerença no
preço do vinho do Alto Douro e do vinho da
Estremadura.
O vinho velho do Alto Douro, por exem-
plo o da iostituição da companhia fundada
pelo marquez de Pombal, se hoje se encon-
trasse autheniico, vender-se-hia por dez
contos de réis a pipa talvez, — e ainda no
anno de 1886 ali se vendeu vinho mosto a
901000 réis a pipa,— emquanto que o vioho
da Estremadura é vinho de mesa;— não pôde
coDservar-se durante séculos como o vinho
do Douro— e em mosto nunca se vendeu a
70^000 réis a pipa.
Raro é o que attinge o preço de SOjílOOO
réis.
Mais: O vinho da Estremadura, bem como
o da Bairrada e da Beira, mal pôde aguar-
dentar-se, porque não tem força para con-
sumir a aguardente,— emquanto que o do
Alto Douro recebe e consome quanta aguar-
dente lhe deitem, — tornando-se cada vez me-
Ihcrtl...
Estatística curiosa
A região vinícola do Douro, costumando
1 Era natural da freguezia dos Dois Por-
tos, concelho de Torres Vedras.
produzir 100:000 pipas de vinho, não pro-
duz actualmente 25:000, por causa da phyl-
loxera, mas em compensação nuoca produ-
ziram tanto as outras nossas regiões vinico-
las,— Beira, Bairrada, Minho e Estremadura,
—embora também já todas manchadas e
seriamente ameaçadas.
Também a França nunca importou do
nosso paiz tanto vinho como na actualidade.
Este anno essa importação afrouxou, mas,
para fazer-se uma idéa da nossa riqueza vi-
nícola e da nossa exportação para a França
e para outros paizes, veja-se a estatística
publicada na Gazela das Alfandegas de 17
do mez de dezembro de 1886 e que se refere
aos primeiros 9 mezes d'esse anno,— janeiro
a setembro.
A exportação fui de 16.171.S89 decalitros,
sendo vinho do Porto 3 049.823 decalitros,
vinho da Madeira 169 210 de ;alítros, vinho
comnoum 12.932.826 decalitros.
As principaes exportações do vinho do
Porto foram 1.221.393 decalitros para Ingla-
terra e 1.005.412 decalitros para o Brazil.
Vinho da Madeira 73.628 decalitros para In-
glaterra 25.571 para França e 20.576 para a
Rússia.
Do nosso vinho commum a exportação foi
de 10.923.976 decalitros para a França,
1.382.785 para o Brazil e 645.525 para di-
versos destinos.
Continua portanto este anno a exportação
em larga escala e apura-se que nos raezes
de janeiro a setembro do presente anno o
valor d'este riquíssimo producto ascende á
importante verba de 13:566 contos de réis,
devendo attingir no fim do anno 18 a 19
mil contos. Note-se porém que esta quan-
tia, apesar da sua importância, é de certo
muito inferior ao preço real do vinho ex-
portado, porque a base para os cálculos es-
tatísticos é a tabeliã ofllcial dos valores mé-
dios que designa apenas por 600 réis o va-
lor de cada decalitro de vinho commum e
de liíSOO o vinho licoroso do Porto ou Ma-
deira.
Prosigamos.
Ha Doesta parochia uma aula oíScial de
instrucção primaria mixta, para os dois se-
1440 VIM
VIM
xos,— e os Banhos do Vimeiro d'agua iher- i
mal, também denominados Aguas Santas,
por serem muito efflcazes para o tratamento
de molfíítias cutâneas. Demoram a 1 kilome-
tro da povoa(;ão do Vimeiro, na qual por
preço módico muiios habitantes costumam
dar hospedagem particular aos banhistas.
São 4 as nascentes e as aguas límpidas,
sem sabor nem cheire,— segundo se Jê no
Mappa de Castro, ultima edição, vol. 4.°, pag.
310.
A sua temperatura é de 24" c, sendo a do
ar livre 22».
Um kilog. d'e8ta agua, evaporado em sec-
co, dá O gr. 826 de residuo fixo.
A batalha
N'esta freguezia do Vimeiro, concelho da
Lourinhã (não na do Vimeiro, concelho de
Alcobaça, como disseram o Flaviense, J. A,
d'A1meida e o sr. J. M. Baptista) se feriu em
21 d'agosto de 1808 a batalha entre o exer-
cito anglo-luso de lord Wellington— e o exer-
cito francez de Junot.
A Inglaterra, vexada e opprimida pelo blo-
queio continental que nem lhe permitlia
abeirar-se de uma caixa de correio em toda
a Europa, resolveu abrir campanha no con-
tinente contra Napoleão e escolheu Portugal
para inicio da campanha — por muitas e
bem pensadas rasões.
Occorrem-nos as seguintes:
1. *— Porque em Portugal tinha muitos in-
teresses compromettidos d'envolla com o
brio da Inglaterra, pois nós nos havíamos
exposto à ira de Napoleão, por não querer-
mos adherir ao bloqueio continental.
2. * — Porque em Lisboa tinha a Inglaterra
um dos melhores portos do mundo para
abrigo e abastecimento da sua esquadra e
para embarque do seu exercito, no caso de
revez.
3. * — Porque Portugal era na Europa um
dos pontos mais afastados da França e que
mais difBcilmente podia ser soceorrido por
Napoleão. .
4. *— Por ver que Junot, tendo entrado em
Portugal como amigo, havia praticado os
maiores excessos e magoado vivamente a
nação toda.
5. »— Por saber que o pequeno exercito de
Junot se achava disperso por iodo o nosso
paiz sem poder abafar a conflagração que,
partindo de Traz-os-Montes, rapidamente se
alastrou pelo Minho, Estremadura, Alemtejo
e Algarve, ttndo o Porto como centro.
6. ' — Pur Contar com a valentia e animo-
sidade dos portuguezes, — com o auxilio da
Hespauha, igualmente ludibriada e esmaga-
da por Napoleão, -e com a barreira dosPy-
reueusy que são uma grande muralha ergui-
da entre a França e a Hespanha,— muralha
mais valente do que a erguida pelos chins
para te defenderem dos tártaros ^
Por estas e outras considerações a Ingla-
terra mandou embarcar uma divisão de
9:000 homens sob o commando do general
Arthur Wellesley, a quem deu instrucções
para se dirigir a Portugal,— a esta divisão
mar^dou unir outra de 5:000 homens, tira-
dos da guarnição de Gibraltar— e ficou pre-
parando reforços que deviam elevar se a
18:000 homens.
Wellesley desembarcou na foz do Monde-
go, no dia 6 d'agosto de 1808, com os seus
9.000 homens;— dois dias depois se lhe uni-
ram 08 5:000 de Gibraltar, sob o comman-
do do general Spenser, formando um total
de 14:000 homens de infanteria e 200 de ca-
vallaria— e a 10 marchou com esta força so-
bre Lisboa.
Em Leiria encontrou uma divisão portu-
gueza de 6:000 homens, enviados pela junta
do Porto, mas não quizeram passar d'ali sem
que lhes dessem rações diárias, ao que Wel-
lesley não pôde satisfazer, e por isso mar-
chou avante apenas com as forças inglezas
e poueo mais de 1:600 soldados portugue-
zes 2.
1 Se os Pyreneus se erguessem entre a
França e a Allemanha, aquellas duas nações
escusavam de gastar tanto dinheiro em ar-
mamento, em praças de guerra e em outras
obras de defesa— e podiam dormir a somno
solto; mas infelizmente a Hespanha nunca
soube tirar partido dos recursos que Deus
lhe deu I . . .
2 Hisloire de la guerre d'Espagne et de
Portugal nos annos de 1807 a 1813, pelo co-
VIM
VIM 1441
Na Roliça (V.) poz em fuga no dia 17 um
corpo de 3:000 francezes, commandados por
Laborde, que um pouco adiante tomou po-
sições em um alto, mas rapidamente foi ba-
tido e obrigado a fugir sobre Torres Vedras,
perdendo a sua artilheria e cerca de 400
homens
Wellesley não o seguiu, para não se afas-
tar da sua esquadra e poder cobrir o des-
embarque dos reforços que esperava de um
momento para o outro.
No dia 20 chegou à povoação do Vimeiro,
onde pernoitou, e n'e8se mesmo dia recebeu
da Inglaterra 4:000 homens, que muito tran-
quillameutft desembarcaram na praia pró-
xima e se lhe uniram, com os quaes o exer-
cito de Wellesley completou o eflfectivo de
19:000 soldados inglezes e 1:500 a 2:000
portuguezes; — total 19:500 a 20:000 ho-
mens.
A povoação do Vimeiro está em ura valle
fundo, erguendo-se a 0. até o mar, uma
grande elevação de terreno,— e a leste ou-
tros montes, por onde seguia a estrada da
Lourinhã Na frente (lado sul) da povoação
ergu«-i*e uma pequena eminência, um pouco
mais alta do que o terreno circumjaeente,
mas completamente dominada pelos montes
da direita e da esquerda.
Wellesley, não esperando ali o ataque, ti-
nha disposto o seu exercito do modo mais
commodo aos soldados. Ficaram seis briga-
das nas alturas a oeste da aldeia;— um bata-
lhão com algumas tropas ligeiras no mencio-
nado plató; — a cavallaria e artilheria de re-
serva no valle — e sobre as colliuas de leste
apenas alguns piquetes em observação.
No dia seguinte, 21, às 8 horas da ma-
nhã, appareceram numerosas forças franee-
zas marchando pelo caminho da Lourinhã,
mostrando-se dispostas a atacar a esquerda
ronel inglez John Jones, com annotações e
commentarios de Beauchamp, tomo I, pae.
37.
i V. Ventosa (a l.«) vol. X, pag. 283, co-
lamna
do exercito inglez, pelo que Wellesley rapi-
damente fez passar das colliuas a O. do Vi-
meiro para as collinas de leste 4 brigadas;
reforçou as tropas do plató—e collocou as
reservas convenientemente.
Eis a ordem da batalha:— a direita apoia-
va-se no mar e nas collinas próximas; — o
centro no montículo em frente da povoação
do Vimeiro — e a esquerda nas collinas de
leste.
Os francezes começaram por atacar em
grande força e columna cerrada o centro,
mas foram repellidos pela fuzilaria e por
uma carga de baioneta; — a brigada do ge-
neral Acland, marchando rapidamente da di-
reita sobre a esquerda, bateu-os de flanco,
pondo-os em desordem,— e a cavallaria in-
gleza acabou de os derrotar, tomando-lhes
sete peças d'artilheria.
Foi quasi simultâneo o ataque sobre o ca-
minho da Lourinhã.
Os francezes avançaram com intrepidez,
mas a brigada do general Fergusson bs de-
teve atp que chegaram outras brigadas que
os repelliram, depois de uma lucta porfiada,
tomando-lhes seis peças d'artllheria e fazen-
do-lhes muitas baixas.
O exercito inglez perdeu apenas 700 ho-
mens entre mortos e feridos;— foram mais
consideráveis as perdas do exercito francez,
que ficou completamente derrotado e, sendo
cinco vezes mais numeroso em cavallaria»
deixou no campo ao todo vinte e uma peças
d'artilherial
O exercito francez era commandado por
Junot, que empenhou na acção quasi todas
as forças de que podia dispor,— cerca de
12:000 homens de infanteria e 1:200 cavai-
los.
Retirou para os desfiladeiros de Torres
Vedras, fingindo-se muito animado e annun-
ciando aos quatro ventos que tinha alcan-
çado uma grande Victoria. Isto para conter
a insurreição na capital e no resto do paiz,
pois tractou immediatamente de negociar
uma capitulação; — tal foi a sova que le-
vou I
No mesmo dia da batalha e durante ella
recebeu o exercito inglez novos reforços que.
1442 VIM
VIM
não entraram em acção, e cora elles o gene- 1
ral Hew Dalrymple, enviado pela Inglaterra ]
para comraandar em chefe todo o exercito,
pelo que sir Arthur Wellesley lhe entregou
immediatamente o commando.
A oriuna aqui mesmo lhe sorriu, livran-
do-o de grande responsabilidade.
Tão gloriosas foram para Wellesley a cam-
panha de 1808 e as posteriores até o fim da
guerra da península, como foi vergonhosa
para Dalrymple a capitulação por elle con-
cedida a Junot, denominada convenção de
Cintra, pois lhe permittiu o retirar-se para
França com todo o seu exercito, levando ar-
mas e bagagens— e tudo quanto havia rou-
bado em Portugal,— e&lítnáo Junot completa-
mente perdido,— Portugal todo insurreccio-
nado — e o exercito ingiez com os últimos re-
forços elevado a 32:000 homens?!...
Gregos e troianos, — portuguezes e ingle-
ses censuraram abertamenle o tal sr. Dal-
rymple por assignar e raeiiflear a conven-
ção, negociada pelo seu logar-tenente Kel-
lerman, taxaudo-os de se terem vendido a
Junot?!. . .
Foi tal o escândalo— wífsmo na Inglaterra
— que o governo ingiez, para dar uma satis-
tação ao publico, submetteu a questão a um
conselho de generaes, ^que tudo julgaram
correcto — para salvarem a honra do con
vento.
Em uma nota ao historiador ingiez já ci-
tado, diz Beauchamp, historiador francez e
por consequência insuspeito:
«Foi o general Kellerman quem negociou
a convenção de Cintra, tão asperamente cen-
surada, e com rasão, na Inglaterra e em Por-
tugal, e elogiada com tanta emphase pelos
jornaes francezes, posto que teve por conse-
quência imraediata a evacuação de Portu-
gal. A dieta convenção foi honrosa para o
exercito francez, tanto mais que, estando já
envolvido pela insurreição ao norte e sul de
Lisboa, — Ott tinha de ser aniquilado com as
ermas na mão, ou de depor as armas, como
succedeu ao exercito francez da Andaluzia,
se tivesse de bater-se com um inimigo menos
generoso.*
Tal era o desanimo de Junot que logoD no
dia immediato á batalha mandou um pairla-
mentario ao exercito ingiez para negoci.-ar a
convenção e suspensão de hostilidades; imas
passemos adiante.
Ainda hoje no sitio da batalha se encon-
tram em escavações moedas francezas, nnui-
tas balas, restos de fardas, ossadas, etc.
Com a dieta convenção ficámos em 11808
livres dos francezes, mas tornaram a pejrse-
guir-nos em 1809, commandados por Scoult,
e em 1810, commandados por Massena.
Para evitarmos repetições vejam-se osí ar-
tigos—i/meída, Bussaco, Gojim, Louzã, Mlur-
cella, Óbidos, Passos da Serra, Pombal, Re-
dinha, Roliça, Seleaes, Torres Vedras, vol.
IX, pag. 634, 643, 650,668, 669 e ' 67(0,—
Villa Jusã e Villar Formoso.
O tal sr. Dalrymple, apesar da absolvMção
dos collegas, foi exonerado do eommandío do
exercito ingiez em operações no nosso paiz
e reintegrado no dieto commando sir Artlhur
Wellesley, que se portou valentemente e «com
o maior critério até derrotar o próprio Na-
poleão em Walerloo, depois de ter derroltado
os seus melhores generaes muitas vezes,, pe-
lo que se cobriu de gloria, de honras (6 de
riquezas.
O nosso governo o fez conde do Vimieiro,
marquez de Torres Vedras, duque de Viieto-
ria e gran cruz da Torre e Espada;— (deu-
Ihe uma pensão de 20:000 crusados em tduas
vidas— e uma baixella de praia no valoir de
117;115ÍS22 réis;— o seu governo o eltevou
à cathegoria de Lord— e o fez duque de We-
lington., etc, etc, — o governo da Hespaanha
o fez duque de Cidade Rodrigo e raarcquez
do Douro, etc, — e foi também princip»e de
Waterloo.
Falleceu em 14 de setembro de 1852, (con-
tando 82 aonos de idade— e em Brigtoni fal-
leceu no mez d'agosto de 1884 o seu flllho e
successor Arthur Ricardo Wellesley, 2.» (con-
de do Vimeiro, 2 » marquez de Torres Ve-
dras e do Douro, 2.° duque de Victoria e de
Wellington, príncipe de Waterloo, pair do
reino, conselheiro particular e estríbteiro-
mór da rainha Victoria, etc.
Contava 77 annos de idade.
VIM
VIM 1443
A carta
Fecharemos este tópico, transcrevendo
uma carta curiosissima que tem sido publi-
cada em diíTerentes jornaes e que ura ratão
de bom gosto dirigiu a Lord Wellington em
nome dos habitantes d'e3ta freguezia do Vi-
meiro.
Dizem que Lord Wellington a lêra e ap-
plaudira pela sua originalidade e impossi-
bilidade de ser traduzida em outra qualquer
lingua.
Eil-a.
111."»» e Ex."» Sr.
«Depois que V. Ex.* fez ir d' escantilhão
para França o fanfarrão Junot, tendo-o pos-
to em papos d'aranha nos campos do Vimei-
ro; depois que V. Ex.» fez sair com vento de
baixo o ladino Soult, da cidade do Porto,
obrigando -o a fazer vispere e ir com as calças
na mão para Gaslella; depois, que V. Ex."
disse ao zanaga Mas;éua: alto lá sr. Macá-
rio I e jogando o jogo dos sisudos lhe mostrou
as linhas com que se cosia, fazendo-o dar ás
trancas, e apanhar pés de burro, por ter da-
do com as ventas n'um sedeiro; depois que
V. Ex.» fez ir de catrambias a Berrier, da
cidade de Rodrigo* e ao caxóla Philippon
limpar as mãos á parede em Badajoz, como
quem diz faça que não me viu, e tendo-o
tem-ie Maria não caias; depois que V. Ex."
finalmente nos campos d'Arapiles zás, traz
nó cégo, desazou o macambúzio Marmont, e
o obrigou a contar a sua derrota p a pá
Santa Justa, tim, tim, por tim tim; foi en-
tão, Ex.""» Sr., que nós os pés de boi, portu-
guezes velhos, dissémos: este não é general
de cá, câ rd cá; tem amoras; não faz cancã-
burradas, nem deixa fazer o ninho atraz da
orelha; e, como prudente, umas vezes acom-
mette, e outras põe-se de conserva. Agora
podemos dormir a somno solto; o nosso mê-
do está nas malvas; a vinda do inimigo será
no dia de S. Nunca á tarde. Por tanto só
resta agradecer a V. Ex.» a visita que nos
fez, que desejamos não seja de medico, nem.
com o pé no estribo, devendo saber V. Ex.»
que estes desejos não são bazofias, nem pa-
rolas que leve o vento, mas sim ingénuos,
votos de corações agradecidos e leaes, em
os quaes tem V. Ex.» erguido com tanta jus-
tiça um tbrono de amor e respeito
De V. Ex.» etc.
Os habitantes do Vimeiro.*
Terminaremos dizendo que a occupação
d'esta freguezia data de tempos prehistori-
cos, como revela uma gruta que existe na
sua extremidade O., junto do logar de Ma-
ceira.
Ali se teem encontrado diíTerentes obje-
ctos de silex, — raspadores, estiletes, facas,
etc.,— muitos dos quaes guardou e conserva
o sr. dr. Xavier da Silva Freire, morador na
dieta povoação.
VIMENARIA, quinta ou herdade antiquís-
sima nas margens do rio Anços, concelho de
Soure.
Fr. Manuel da Rocha, no seu Portugal Re-
nascido, parte 1.» n." 30, copia uma escri-
plura do mosteiro de Lorvão, feita no anno
de 933,— eseriplura de venda da herdade de
Vimenaria, quod est juxta ribulo Anzo, e sup-
põe que ali D. Aflonso II, o Casto, de Leão,
derrotou os mouros em uma batalha A es-
ta opinião se inclina também José Barbosa
Canaes deFigueiredo e a sustenta com milita
erudição nos seus Apontamentos ácerca da
Villa de Soure, publicados nas Memorias da
Academia Real das Sciencias, tomo 3." da 2.*
serie, parle 1.» pag. 46 in-fine e segg.
Não temos outra noticia da tal quinta de
Vimenaria, que talvez tomasse o nome de
Vimeira ou Vimieira, — nem nos consta que
fosse povoação. Pelo menos hoje em todo o
nosso paiz apenas ha uma povoação denomi-
nada Vimeira na freguezia de Salir dos Mat-
tos, concelho das Caldas da Rainha,— e com
o nome de Vimieira apenas conhecemos a
povoação seguinte:
VIMIEIRA,— aldeia uuiea d'este nomo em
todo o nosso paiz.
Pertence á freguezia de Casal Comba, con-
celho da Mealhada. Produz vinho de mesa,
1 V. Portugal Renascido, parte 1." n.«» 29,
30 e 31.
1444 VIM
VIM
— é povoação muito antiga — e já foi muito
privilegiada, pois D. Manuel a menciona ex-
pressamente DO foral que em 12 de setem-
bro de 1514 deu a esta freguezia.
V. Casal Comba.
VIMIEIRO, — aldeia da freguezia de S.
Martinho de Sande, concelho do Marco de
Canaveses, na margem direita do Douro.
V. Sande, vol. 8." pag. 88, eol. l.',in fine-
Comprehende maia esta freguezia as al-
deias spguintes: — Loureiro, Reguengo, Vei-
ga, Villas, Villa Nova, Fundo de Villa, Casal
Bom, Carvalho, Malagarta, Sanflago, Samei-
ro, Gandra, Gontige, Arrifana, Lourentim,
Souto, Covilhã, Feijoal, Pinheiral, Terra See-
ca. Bouça, Quinta, Ribeiro, Zenha ou Aze-
Dha, Corredoura, Fonte da Estrada, Codexi-
do. Rua Nova, Fastelia, Chryslovam e Oli-
val;—os casaes da Boa Vista, Lamas, La-
meiros, Lameirão, Barregal, Espinheiro, Tri-
gaes. Torre, Foniella, Serrado, Outeiro Lon-
go, Lage, Agrella, Sandeiro, Villas, Valles,
Devesa, Levada— e as quintas de Gaiosa,
Toqueirão, Ladueiro, Fivida, Portella, Capa-
ncas, Olheirão e Outeiro de Lourido.
Desde que se abriu ao transito a linha fér-
rea do Dourotem abatido consideravelmente
o trafego da navegação d'este rio, mas ante-
riormente a maior parte dos habitantes d'esta
povoação de Vimieiro era formada por ma-
rinheiros rahellos e arraes, alguns d'elles do-
nos de muitos barcos desde os maiores de
70 a 80 pipas até os de 5 a 7, para passa-
gem, pesca e recreio, — arraes que foram
bons proprietários,— ordenaram e formaram
filhos — e fizeram a maior parte das casas da
dieta povoação.
O mesmo succedeu nas povoações de Cas-
tello de Paiva, Porto Manso, Porto Antigo,
Caldas d'Aregos, Mirão, Resende, Porto de
Rei, Frende, Barqueiros, Bernardo, Molledo,
Curvaceira, Carvalho e outras das duas mar-
gens do Douro, principalmente a juzante da
Regoa.
Conhecemos um dlstineto lente da nossa
Universidade epar do reino, filho de um dos
dictos arraes.
Foram muito notáveis os Lodos de Porto
Manso e os Corteses de Barqueiros, famige-
rados valentões,— e o sr. José Ignacio), do
Carvalho, que teve uma das primeiras coHlec-
ções de barcos rabellos e foi um dos priimei-
ros proprietários da freguezia de Fonteíllas.
Em annos de fortuna só um dos gramdes
barcos de 70 a 80 pipas costumava dair de
lucro 600 a 800í^000 réis; mas também (Cus-
tavam bom dinheiro ' e por vezes ficawam
feitos em estilhas logo na primeira viagem.
Nunca barco algum foi do Porto á Hefspa-
nha ou da Hespanha ao Porto sem deixcar a
bombordo ou a estibordo outros barcos 'des-
pedaçados,— tão perigosa foi sempre a naave-
gação do Douro I E por vezes no meesmo
ponto e DO mesmo dia se despedaçaraim 4,
5 e 6 barcos !
V. Pontos do Douro— e Douro n'este die-
cionario e no supplemento.
Voltando á dieta povoação do Vimieirco de
Sande, diremos que alem das casas doss ar-
raes e marinheiros, também conta uma (casa
antiga e nobre, denominada casa amarrella,
que foi do tenente general Alexandre; Al-
berto de Serpa Pinto. É hoje de seu Ifilho
Antonio de Serpa Pinto, irmão do genersal de
divisão reformado José Maria de Serpa ]Pin-
to, morador na sua casa do Reguengo, o)utra
casa nobre d'esta mesma freguezia de Sainde.
Uma filha do dieto tenente general cíasou
com o dr. José da Rocha Miranda de Figijuei-
redo e teve o nosso distincio explorador ;afri-
cano Alexandre Alberto da Rocha Sterpa
Pinto.
V. Sinfães, vol. 9." pag. 403.
1 Não custa menos de 600 a6S0W00i réis
um barco rabello de 70 a 80 pipas. Elless são
de madeira tosca, mas madeira muito vailen-
te, quasi toda castanho.
Só o casco regula por 300i^000 réisi,— a
vela por 150 — e os aprestes restantes, por
outros 150.
Note-se que as velas dos grandes baircos
rabellos são todas de linho. E de bom Ilinho
são todas as cordas dos barcos grandles e
pequenos.
A tripulação dos barcos grandes é díe 16
a 18 homens, comprehendendo 1 feitor, que
representa o arraes, ou dono do barco); — e
uma viagem redonda do Porto á Hespaanha
até volverem ao Porto demanda 20 a 30 dias
e por vezes o dobro e mais I . . .
VIM
Também ha na dieta povoação de Vimiei-
ro um grande armazém, mandado fazer no
principio d'este século pela Companhia dos
Vinhos, fundada pelo marquez de Pombal.
V. Porto, vol. VII, pag. 416, eol. —
Victoria, vol. X, pag. 397 e segg.— e Villa
Jusã.
A dieta povoação de Vimieiro é muHo Tpit-
toresca e saudável;— tem bons campos, bons
vinhedos e bons pomares de frueta, compre-
hendendo nnuitas laranjeiras.
Só o dono da casa amarella de Vimieiro
de Cima, o sr. Antonio de Serpa Pinto, ca-
sado e sem successão e que reside no Porto
a mainr parte do anno, costuma arrendar
por 500 a 600 mil réis a laranja dos seus
pomares. São os maiores do Douro, mas não
teem comparação alguma com os de Setú-
bal. Nós já visitamos ali um de 8:000 laran-
jeiras compactas e que tem sido arrendado
alguns annos por oito contos de réis'.., .
Também já vimos grandes pomares de la-
ranjeiras no Mondego e na villa de Monchi-
que, no Algarve, mas aquelle de Setúbal é
com certesa hoje o maior de todo o nosso
paiz.
A povoação de Vimieiro está defronte de
Tarouquella, freguezia do concelho de Sin-
fães, na outra margem (esquerda) do Dou-
ro, e dista cerca de 10 kilometros da foz do
Tâmega ou de Entre Ambos os Rios, para
montante,— e 7 a 8 da estação do Juncal, a
mais próxima, na linha férrea do Douro, pa-
ra jusante, ou para O. S. O.
VIMIEIRO,— couto e villa extinctos, hoje
simples freguezia do concelho, comarca, dis-
tricto e diocese de Braga, província do Mi-
nho.
Reitoria. Orago Sant' Anna— fogos 91,—
habitantes 388.
Em 1706 era vigairaria da apresentação
do collegio de S. Paulo dos jesuítas de Bra-
ga, depois collegio de religiosas ursulinas e
hoje seminário archiepiscopal;— rendia réis
iOmOO para o vigário e 200ií!000 réis para
os jesuitas,— e contava 60 fogos.
Em 1768, depois da extincção da Compa-
nhia de Jesus, era vigairaria da apresenta-
ção do padroado real ou da coroa;— rendia
VIM 1445
para o vigário 80|;000 réis— e contava 94
fogos.
o censo de 1864 deu-lhe 92 fogos e 410
habitantes,— e o de 1878 deu-lhe 89 fogos e
332 habitantes.
Em ambos os censos não ha
proporção entre os fogos e al-
mas.
Comprehende as aldeias seguintes:— ilfos-
teiroí, assim denominada, porque esteve
aqui o celebre mosteiro de que logo falla-
remos,~Picôlo, assim denominada porque
occupa o ponto mais alto da freguezia,—
Souto, assim denominada por. ser outr'ora
um grande souto de carvalhos,— Sawía Cruz
assim denominada por ter um antiquíssimo
cruzeiro, hoje substituído por duas cruzes
de pedra, aonde iam diffprentes c/amom ou
procissões que hoje se fazem ao redor da
&^re']?L,— Maçada, cujo nome tomou das vol-
tas que a estrada publica aqui descreve,—
voltas que n'e8tes sitios denominam também
maçadas, ^— Monte, por estar em uma p\evà-
q^o,— Estrada, por passar a meio d'ella a
via publica,— ilí/m, por ter em volta cam-
pos magníficos,— Borraro, Devesa, Bouça,
Corujeira, Gaião, Palharinha, Portôa, Ca-
chada, Pinheiro, Granja e varias quintas, to-
das habitadas. Mencionaremos apenas as
seguintes :
l.'—Do Mosteiro, na aldeia d'estp nome.
Comprehende grande parte dos bens que
foram do extincto convento de SanfAnna do
Vimieiro, entre elles a fíorta dos defuntos,
assim denominada por estar contigua á egre-
* Suppomos ser a séde da parochia, posto
que nem a Chor. Moderna, "tiem os meus
apontamentos o dizem, — nem esta parochia
se encontra nos mappas, nem nós a visita-
mos nunca, p^Io que estamos escrevendo a
medo e desde já pedimos desculpa d'alguma
inexactidão, que de bom grado repararemos
no supplemento, logo que alguém mais co-
nhecedor da localidade se digne apontar-nos
os lapsos.
2 Julgo muito próprio e bem merecido o
nome de maçada ou Maçada, mas algures
leio Maçada \
Dicant paduani.
1446 VIM
VIM
ja matriz, lado posterior, e ler sido outr'ora
cemitério.
Pertence ao sr. Estevam da Gosta Ribeiro
da Cruz, qae é iioje absolutamente o bomem
mais rico d'esta freguezia e um dos quarenta
maiores contribuintes d'esle importante con-
celbo.
Alem da mencionada quinta, possue ou-
tras muitas propriedades e boas sommas em
dinbeiro.
N'esta quinta nasceu o dr. Estevam Ri-
beiro, que foi desembargador da relação do
Porto.
2. »— De Antonio Joaquim Marques, na al-
deia de Maçada.
3. '— De Francisco Ferreira Lobo, na al-
deia Uo Pinheiro.
4. "— De João Baptista Gomes, na aldeia da
Granja.
De Ignacio Gonçalves ViUaça, na al-
deia do Alonte.
6.»— Dtí José Antonio da Gosta e Silva, na
aldeia de Portôa.
As mencionadas quintas são antes casaes
ou vivendas, puis comprehendem muitas pro-
priedades.
Demora esta freguezia na estrada real a
maeadam, u." 3, do Porto aos Arcos, por Vil-
la iSova de Famalicão, Draga, Villa Verde
Pico de Regalados, eic.,— e dista 2 kilome-
iros da estação de Tadim (a mais próxima)
na linha férrea do Minho;— 5 de Braga para
S. U.;— 50 do Por 10— e 387 de Lisboa.
Fregueziaslimitrophes: — Geleiros e Avel-
iôda a N.;— Fradellos e Priscos a S. e O.,—
e Geleu ós lambem a E.
Producções dominantes:— milho grosso,
vinho verde ou de enforcado, centeio, frucla
e hervagens, pelo que lambem engorda mui-
tos bois para* a Inglaterra, posto que esta
industria hoje se acha decadente.
V. Villar d' Andorinha.
Banha esta parochla pelo sul o rio Este ou
D'este, que toca em Braga e uo sitio áa^ Re-
torta desagua no Ave, um pouco a montan-
te de Villa do Gonda. Vide Este, Ateste e
Aliste.
Tem n'esta parochla um pontim ou ponte-
Ibâo na aldeia de Maçada, para passageou da
estrada real a maeadam n.^ 3.
Na dieta aldeia e na de hcôto ha umja in-
dustria antiga de certa importância: — to fa-
brico de cadeiras de pau.
Montes:— Avellêda a JN.; — Denimo oiu De-
nèmo (?) a E.;— a O. S. Bento; — a S. o imes-
mo de S. Bento e Maçada, — e ao sul ■ o de
Trezeste, talvez moditícação de Trans JEste,
alem do rio Este (?).
Nada oíferecem digno de especial rmen-
ção.
Apenas o de Maçada tem um penedo dleno-
minado Penedo do Ouro, cercado de leindas
de ihesouros encantados, — e outro pemedo
com o nome de . . . Mija Vaccas, — assiim de-
nominado, porque fórma um plató, ondde no
verão costumam reunir-se, descançar e...
as vaccas que andam pastando no (dicto
monte.
Ha lambem n'esta freguezia uma auUa of-
íicial de instrucção primaria para o sexo
masculino, na aldeia do Souío— aula (com-
mum as freguezias de Vimieiro, Gelieirós
e Avellêda, por estarem todas ires imuito
próximas.
N'este concelho de Bíraga,
n'esle dislricio e namaiorr par-
te ,d'e8ta província não siucee-
de como no Alemtejo, onde
muitas freguezias dislama la-
goas umas das outras.
Templos:— a egreja matriz e a capellla pu-
blica de S. Bento, a O. do monte que icomou
d'ella o nome.
A egreja é pequena, mas decente e; bem
conservada;— tem 12 melros de compriimen-
to e 6 de largura;— altar-mòr e 4 laueraes
com boa obra de talha, — e em um deíUes a
imagem de Santo Amaro, muito queridai d'es-
tes povos e lodos os aunos feslejadai com
pompa e grande romaria, concorrendo a ell^
muitos habitantes dos povos circumvisiinhos,
incluzivamenie de Braga.
A egreja foi construída no local onáie es-
j teve a do extincto convento. D'ella hojee ape-
nas resta a capella-mór, transformadla em
I sacristia da egreja actual.
VIM
VIM 1447
o convento
Não se sâbe quando aem por quem foi
fundado o convento de Santa Maria do Vi-
mieiro i,j_n'esia freguezia de SanfAnna de
Vimieiro, -nem a que.ordem primitivamen-
te pertenceu.
O chronista dos religiosos agostinhos cal-
çados diz que foi fundação d'elles, mas Fr.
Leão de S. Ttiomaz aponta-o como benedi-
ctino e benedictino foi com certeza desde os
princípios do século xii, contando já então
mais de 600 ânuos d existencial
Foi feito approximadamente na era de
670 (anno 632) pois Fr. Leão de S. Ttiomaz
cila uma eseriptura d'aquelle anno, na qual
86 doavam certas terras para se acabar e
aperfeiçoar o dicto mosteiro: Damus nos-
tram haereditaíem. . . utdomus Dei crescat,
et in finem aedificetis eam. Fada charla Era
DCLXX.
Em vulgar: «Damos a nossa herdade...
para que a casa de Deus cresça, e para que
acabeis de a edificar. Era de 670 (anno
632)..
Largo tempo durou este convento, até que
vindo á Hespanha D. Mauricio, 8.° geral da
congregação benedictina de Cluni, visitou a
rainha D. Theresa, mãe de D. AÍTonso Hen-
riques, e ella lhe doou o dicto convento no
dia 23 de maio de 1127, 2 annos antes de
fallecer, — segundo se lia em uma eseriptura
da sé de Braga.
Em virtude d'aquella doação íieou o di-
cto mosteiro pertencendo á congregação de
Cluni, segundo consta d'outra eseriptura en-
contrada no Livra dos Testamentos da mes-
ma só, a qual dizia que em agosto de 1134
Sigisberto, prior do convento de Vimieiro,
com 09 seus monges, trocou a egreja de S.
Martinho da Gandra por um casal em Celei-
ros, com o arcebispo bracarense D. João Pe-
culiar, 1." do nome e 3.» depois de S. Ge-
raldo.
Os geraes de Cluni mandavam de França
1 Benedictina Lusitana, tomo 1.», pag.
502.
para o convento de Vimieiro prelados ou
priores.
Passados muitos annos D. Gonçallo, ulti-
mo abbade perpetuo do convento benedicti-
no de Tibães, annexou-lhe ou uniu-lhe o de
Vimieiro e assim se conservou approxima-
damente cineoenta annos, até que por mor-
te de Ruy de Pina, 3.° abbade commendata-
rio de Tibães, ficou o dicto convento de Vi-
mieiro devoluto ao ordinário — eo santo ar-
cebispo D. Fr. Bartholomeu dos Martyres,
introduzindo os jesuítas na cidade de Bra-
ga, uniu o dicto convento ao collegio de S.
Paulo (hoje seminário) que os jesuítas fun-
daram na dieta cidade.
Extinctos os jesuítas, passaram para aco-
rôâ todos os bens d'elles,— incluindo os que
foram do convento de Vimieiro, do qual ho-
je nada, absolutamente nada resta, alem das
paredes da capella-mór, transformada em
sacristia da egreja actual d'esta parochial...
Nem o titulo conservou, pois sendo Santa
Maria o seu orago e muito provavelmente
o orago d'esta parochía também, porque a
egreja do convento era, segundo suppomos,
a matriz, — hoje — e desde séculos — o orago
I d'esta parochía é SanfAnna.
Dos jesuítas passaram para a Universida-
de de Coimbra vários collegios, incluindo o
de S. Paulo, de Braga, com todas as suas
rendas, das quaes fazia parte, como já disse-
mos, o extincto convento de Santa Maria do
Vimieiro, e por isso no archívo da Univer-
sidade, que representa muitos archivos de
differentes collegios que foram dos jesuítas,
se encontram vários documentos e pergami-
nhos muito curiosos, relativos ao convento
de que estamos tratando, tajjs são os seguin-
tes:
1.0— Do anno 1469.
É uma apresentação e confirmação, estan-
do o mosteiro vago e já sem frades.
2. °— Do anno 1510.
São umas lettras executórias com relação
á commenda de Tibaes e suas annexas, com-
prehendendo a egreja de Vimieiro, cujo con-
vento também n'aquella data não tinha fra-
des.
3. »— Do anno 1530.
1448 VIM
VIM
É uma apresentação e confirmação do ab-
bade e reitor de Santa Maria do Vimieiro.
4. " — Do mesmo anno 1530.
Executórias de bulias d'expeetativa.
5. °— Do mesmo anno íambem.
Refere- se a um casal de Treseste, na fre-
guezia de Ceieirós.
6. °— Do anno 1539.
Ê a união ao collegio de S. Paulo das egre-
jas de Santa Maria de Negrellos,~S. Julião de
Val Paços— e Santa Maria de Vimieiro, —
união feita pelo infante D. Henrique, arce-
bispo de Braga, que augmentou o collegio
com grandes ediflcios, para n'elle haver au-
las gratuitas.
É isto o que se lê no Catalogo dos Perga-
minhos da Universidade pelo sr. Gabriel Pe-
reira, Coimbra, 1880, pag. 82; mas a Bene-
dictina Luzitana, logar citado, diz que a
união foi feita pelo santo arcebispo D. Fr.
Bartholomeu dos Martyres ! . . .
6. °— Do anno 1391.
Lettras executórias de uma bulia de pro-
vimento do priorado de Santa Maria do Vi-
mieiro. Pergaminho bem conservado com o
sello igualmente bem conservado de Petrus
episcopus pacensis. João Bolanderi, monge do
mosteiro de Cluni... por morte de Henri-
que Forneri. ..—diz o citado documento, o
que prova claramente que o mosteiro em
questão se costumava governar pelos mon-
ges de Cluni.
7. "— Do anno 1488.
É a apresentação do arcebispo D. Jorge na
abbadia de Tibães, compreh^ndendo o con-
vento de Santa Maria de Vimieiro, e o auto
da posse em 22 de junho de 1489.
Sello nitido de Affonsus episcopus pampi-
Ion.
V. Catalogo citado supra, pag. 63, 80, 81,
82, 103 e 104.
Couto de Vimieiro
Esta freguezia outr'ora foi couto da gran-
de comarca (provedoria) de Guimarães, mas
sujeito à cidade de Braga, cujo ouvidor ia
a Vimieiro fazer uma audiência cada mez,
pelo que lhe davam um carro de pão. Era
da corôa e em 1706 tinha juiz ordinário e
simultaneamente dos orphãos, 2 vereadores,,
servindo de almotacéum d'elles, procurador
de eleição triennal do povo, e sob a presidên-
cia do corregedor do Porto (?l . . . ),— 2 ta-
belliães do judicial e notas que alternativa-
mente escreviam na camará e almotaçaria,
— um escrivão das sisas e um meirinho, —
todos da nomeação d'el-rei.
O dicto coMío comprehendia esta parochia,
a de S. Lourenço de Celeiros e a de Santa
Maria de Aveléda; a séde estava n'esta de
Vimieiro, mas a cadeia estava na de Celei-
rôs, em uma casa, hoje reedificada e deno-
minada Casa das Choças.
Da antiga cadeia ainda hoje se vêem al-
gumas pedras das janellas na povoação da
Misericórdia, freguezia de Ferreiros, d'este
concelho, no muro de uma bouça perten-
cente ao sr. Francisco Antonio da Silva Fer-
reira de Araujo, morador na aldeia da Es-
trada da mftsma freguezia de Ferreiros, rico
proprietário e um dos quarenta maiores con-
tribuintes d'e8te grande concelho.
Também foi villa e teve foral próprio, da-
do em Lisboa por D. Manuel a 4 de setem-
bro de 1517.
Livro de Foraes Novos do Minho, fl. 144,
V. col. 1.»
Não nos consta que tivesse foral velho;
pelo menos Franklin não o menciona.
VIMIEIRO,— íreguezi a extincta, hoje sim-
ples aldeia da freguezia de Romeu, concelho
6 comarca de Macedo de Cavalleiros, dis-
tricto de Bragança, província de Traz-os-
Montes.
Em 1706 contava 25 fogos e pertencia ao
termo da villa e do extincto concelho de
Cortiços, comarca de Moncorvo, e á com-
menda de Nossa Senhora da Assumpção de
Mascarenhas.
Também á mesma freguezia de Romeu foi
annexa a freguezia de Val de Couço, hoje
simples aldeia, que em 1706 contava 12 f@-
gos e pertencia ao termo da villa de Miran-
della, comarca de Moncorvo, e á dieta com-
menda de Mascarenhas.
Representa hoje, pois, a freguezia de Ro-
meu nada menos de 3 freguezias— e pelo
ultimo recenseamento de 1878 contava ape-
nas 76 fogos? I. ..
VliM
Bellesas do malfadado districto de Bra-
gança.
V. Villa Verde de Mirandella, tomo XI,
pag. 1094, eol. 2.»— e Villa Verde de Vinhaes,
no mesmo volume pag. 1099, uol. 2.» lam-
bem
Veja-se lambem Romeu, lomo VIII, pag.
246, col. 2.» O meu benemérito antecessor
deu-lhe 110 fogos. Foi lapso.
Também por lapso o sr. João Maria Ba-
plisia, na sua Chorog. Moderna, tomo 1." pag.
373, dix que o padre Carvalho menciona a
povoação de Vimieiro como pertencente á
freguezia de Cubunellas I . . .
O Padre Carvalho diz textualmente:
lEsle lugar (Vimieiro) he freguezia do lu-
gar de Romeo, lermo da wllà de Cortiços...*
—Chorog. Porívgueza tomo 1." pag. 453 mi-
hi,—e a pag. 441, fatiando da villa de Cor-
tiços, menciona a freguezia de Romeu como
pertencente ao termo d'aquflla villa e á di-
eta commenda de Mascarenhas.
Aproveitando o ensejo diremos que na fre-
guezia de Romeu ha uma mina d'ouro, pra-
ta e cobre, descoberta e manifestada pelo sr.
José Pegado, que já mandou vir da Allema-
nha um disiincio engenheiro para dirigir as
pesquisas, a que anda procedendo, e tracta
de formar uma companhia para a explora-
ção.
VIMIEIRO, — freguezia do concelho e co-
marca de Santa Cumba Dão, districto e dio-
cese de Viseu, província da Beira Alta.
Curato. Orago Santa Cruz; — fogos 132,—
habitantes 580.
Em 1708 era curato annexo ao priorado
de Santa Comba do Couto do Mosteiro, cujo
prior apresentava o cura, a quem dava o pé
d'allar e uma pequena côngrua, e recebia os
dizimos;— pertencia ao termo do extineto
Couto do Mosteiro, hoje simples freguezia
d'este concelho e comarca de Santa Comba
Dão, sendo n'aquelle tempo o dicto couto
dependência da comarca da Guarda,— e con-
tava esta freguezia de Vimieiro 70 fogos.
Em 1768 era curato da mesma apresen-
tação;—rendia para o cura apenas 30)^000
réis— e contava 83 fogos.
O censo de 1864 deu-lhe 98 fogos e 453
VIM 1449
habitantes— e o de 1878 deu-lhe 106 fogos
e 471 habitantes.
Comprehende as aldeias seguintes: — Vi-
mieiro, titulo, mas não séde da matriz, que
está um pouco isolada,— Rojão Grande, Val
da Porca, Lameirinhas, Casal Novo, A de
Martinho, Casal das Castinceiras, Coval, Cer-
radinho, Quinta e Bairro Novo ou da Esta-
ção, onde se fez a estação de Santa Comba^
na linha da Beira Alta.
CUma temperado e muito saudável.
Producçòes dominantes: — bom vinho de
mesa, cereaes, azeite e fructa.
Até 1882, data da ultima cireumscripção
diocesana, pertencia ao bispado de Coimbra.
Paroiihias limitrophes : — Santa Comba-
Dão, Ovoa, Pinheiro d'Azere e S. João d'A-
reias.
Demora em terreno accidentado, mas mi-
moso e fértil, na margem esquerda do rio
Dão, confluente do Mondego, e dista 3 kilo-
metros de Santa Comba-Dão para E.; — 9 do
Mondego (margem direita) para N.;— 45 da
estação (entroncamento) da Pampilhosa; —
57 de Coimbra pelas linhas férreas da Beira
Alta e do Norte;— 151 do Porto— e 276 de
Lisboa.
Viação
Poucas freguezias do nosso paiz estarão
tão bem servidas de communicações de to-
da a ordem, pois é cortada por duas linhas
férreas e por 3 estradas a maeadam; — tem
á sua disposição duas linhas telegraphicas
— e a via fluvial do Mondego, que é navegá-
vel desde o caes da Foz-Dão até à Figueira.
Linhas férreas
1. »— A da Beira Alta, que alravessa esta
freguezia e tem dentro d'ella a estação de
Santa Comba.
2. «— O ramal que deve partir da estação
de Santa Comba e seguir atravez d'esta fre-
guezia e d'outras para Vizeu.
Estradas a maeadam
I Estrada real n.° 48, de Mangualde ao
1450 VIM
VIM
porto da Foz-Dão, passando por esta fregue-
Zia.
2. »— Ramal que, partindo da aldeia do Ro-
jão Grande, entronca em Santa Comba-Dão
na estrada real n." 8, da Mealhada a Viseu.
3. » — Ramal que, partindo d'aqQelIe, vae
até á estação de Santa Comba.
Linhas telegraphicas
A da linha férrea da Beira Alta; — a do ra-
mal de Viseu, em Via de construcção,— e a
de Santa Comba, que p5e aquella e esta fre-
guezia, sua liraitrophe, em contacto com to-
da a rede telegraphiea do nosso paiz, da
Hespanha e da Europa.
Rios e ribeiros
1. " — Rio Dão, que banha esta freguezia a
N O. e desagua no Mondego a Qkilometros
de distancia, no caes da Foz-Dão, que foi
um caes muito importante e de muito mo-
vimento, antes da construcção da linha da
Beira Alta.
Rega e moe, e tem n'e?ta freguezia uma
boa ponte de pedra na estrada que vae para
Santa Comba-Dão. A dieta ponte foi cortada
em 1810 pelo exprcito francez de Massena e
reedificada em 1825 por el-rei D. .Mão VI,
de9pendendo-s6comareedifieação3;898(^05o
réis, — segundo se lê em uma inscripção gra-
vada na avenida esquerda da dieta ponte, do
lado d'esta freguezia.
2. » — Ribeiro do Vimieiro, que banha esta
parochia e desagua no Dão.
3. » — Ribeiro do Campo.
Banha esta freguezia e a de Pinheiro d' A'
zere—e desagua no Mondego a Skilometros
de distancia.
Templos
i." — Egreja matriz, muito antiga, bem
conservada e com pórtico d'areo de volta in-
teira.
Está em sitio pittoresco e agradável, mas
solitário, isolado e hoje completamente er-
mo; suppomos, porém, que ouir'ora foi po-
voado, pois ali se encontram ainda hoje se-
pulturas abertas na rocha e que datam pe o
menos do tpmpo da oecupação árabe.
É um dos templos mais antigos do fértil
valle do Dão e supp5e-se fundado pelos tem-
plários, bem como o de Santa Comba do
Couto do Mosteiro, que foi couto d'elle8, —
couto que comprehendia esta parochia, pelo
que até 1834 os priores de Santa Comba do
Couto apresentavam os curas d'esta fregue-
zia do Vimieiro.
^.'—Capella do Santissimo Sacramento.
Demora na povoação do Vimieiro e n'ella
está o sacrário com Santissimo permanente
— não na egreja matriz, pelo facto de se
achar isolada e exposta a profanações e rou-
bos.
Foi este o motivo porque se fez na povoa-
ção a dieta eapella e se collocou nVlIa o San-
tissimo; é porem um templo também muito
antigo e com porta d'arco de volta inteira.
Pertence á irmand-jde do Santissimo e é
publica.
3. »— Capella da Senhora da Agonia, na
mesma povoação do Vimieiro.
É também publica e tem uma linda ima-
gem da padroeira.
4. " — Capella de S. Simão, na aldeia do Ro-
jão Grande.
É também publica;— todas estão bem con-
servadas;— foram aindaha pouco tempn, bem
como a egreja, reparadas, — e todas são mui-
to antigas e teem pórticos de arco de volta
inteira.
b.»— Capella de na povoação do Vi-
mieiro. ,
Ê particular, mas muito linda, e pertencei
ao sr. dr. Antonio Xavier Pereslrello.
Festividades
i .*—De Santa Cruz, na matriz.
Logo a descreveremos.
2. » — Santissimo Sacramento.
É feita com grande pompa, á custa' da
irmandade no 3." domingo d'ago8to e tem
por complemento um anniversario no dia
29 do dicto mez, celebrando-se também n*e8-
se mesmo dia, de manhã cedo, a festa de
3. «— S. João da Degolação.
4. " — S. João Baptista.
VIM
5.« — Santo Antonio.
Esta? ultimas 4 festividades são feitas pe-
la irmandado do Santíssimo.
6 S. Sebastião.
É feita por mordomos particulares, mas
muito pomposa.
7.» — Senhorn do Rosario.
É fambpm feita com grande pompa pelos
seus mordomos.
S.'—S. Simão, a 28 de outubro, na sua Ca-
pella do Rojão Grande.
9.*— Coração de Jesus, na matriz.
• iO*— Santa Luzia, em Vimieiro, oa Ca-
pella do Santíssimo.
A mais pnmpnsa p apparatosa e de todas
a mais concorrida é a de Santa Cruz, feita
pela irmandade própria no 1.» dominero dp-
pois do dia 3 de maio, quando o dia 3 não
é domingo.
Logn de manhã, anies de principiara fes-
tividade, vepm as cruzes das frpguezias li-
mitrophes — Ovoa. Pinheiro d'Azere. S. João
d'ArPias e Cnuto do Mosteiro. — todas em
procissão e muito bem ornadas e enfeita-
das.
A que chpga em ultimo lograr e quo se
aprespnfa semprp r*om mais pompa c rique-
sa á a da freeruezia do Coutado Monteiro, da
qnal esta freguezia do Vimieiro até 1834 foi
annexa.
Passa por Santa Comba-Dão processíonal-
mpnte. spm o parocho de Santa Comba do
Couto do Mosteiro, tirar a estola e, quando
se aproxima da matriz do Vimieiro, vae o
parocho d'esfa freeuezía ao encontro d'ella,
também processionalmente com a irmanda-
de e a cruz do Vimieiro, muito povo, fogue-
tes e musica,— e em determinado sitio fazem
a cerimonia do encontro. O mordomo que
leva a cruz do Vimieiro ajoelha perante a
do Couto em signal de submissão e respeito;
—depois tocam as duas cruzes, como que
dando um osculo — e continua a procissão,
indo na frente a cruz do Couto, até á ma-
triz, onde dão tres voltas, como todas as ou-
tras cruzes, ao som da musica.
O parocho do Vimieiro vae também rece-
ber as outras cruzes e os parochos que as
VIM 1451
acompanham i, mas vae só. A única rece-
pção apparatosa é a da cruz do Couto.
Não se imagina o enthusiasmo do povo do
Vimipíro para assistir á ceremonia do en-
contro. Corrp em montão e ocpupa litteral-
mente o sitio e arredores, subindo aos mon-
tes e pejando inclusivamente as arvores. To-
dos querem ver a filJw. beijar a di-
zem elles, — referindo-se ao tempo pm que
esta parochia do Vimieiro era filial da do
Couto.
Muitos por essa occasiào não poderp con-
ter as lagrimas?!. . .
É uma ceremonia eloqupnte, edificante e
que revela a boa indole d'este povo. Con-
trasta com as touradas, delírio e vergonha
da Hespanha.
Segue- se a festividade na egreja. sempre
pomposíssima, — grande arraial e feira de ce-
bôlo, rêdes para peixe, sardinhas, bôlos, ar-
tigos de tenda, óptimas laranjas do fertilis-
simo valle de Besteiros, bom vinho do valle
do Dão, ete.
Ha n'esta parochia. no Bairro da Estação
ou Bairro Novo, duas hospedarias.- — uma de
Antonio de Oliveira,— outra de Maria Am-
brósia.
Chamou-se Vimieiro, por cultivar nos seus
ribeiros e regatos muitos vimes.
Tem cemitério parochial e duas aulas de
instrueção primaria elementar para os dois
sexos.
Nasceu n'esta freguezia o dr. Antonio Xa-
vier Perestrello, que foi redactor do Viriato,
jornal de Viseu, e governador civil de Por-
talegre.
Abunda esta parochia em agua potável
magnifica; — tem ares puríssimos; — é mimo-
sa de peixe fresco dos seus rios e do mar,
depois que se fez a linha da Reira, que lhe
deu estação própria; — abrigam-na ao sul a
serra da Estrella e ao norte a do Caramullo
— e não ha aqui doenças predominantes nena
memoria de epidemia alguma.
1 Não vae a cruz de Santa Comba-Dão,
freguezia límitrophe, por ser muito mais mo-
derna, embora seja hoje séde do concelho e
da comarca.
1452 . VIM
VIM
Em outubro de i886, falleceu repentina-
mente na estação da Pampilhosa, vindo em
'viagem do Porto, o súbdito fraucez Eugénio
Hertz, natural de Paris, mas domiciliado
n'e3ta freguezia de Vimieiro, onde casou no
tempo em que se andava construindo a linha
da Beira Alta.
Terminaremos dizendo que no dia 7 de
julho de 1882 foi esta parochia visitada pelo
ex."" sr. bispo-coude de Coimbra, que por
essa occasião ministrou o santo sacramento
do Chrisma a um grande numero de pes-
soas.
Ao muito rev. sr. Antonio Nunes de Sou-
sa, parocho actual d'esta freguezia, agrade-
ço 08 apontamentos que se dignou enviar-
me e que muito estimei^ pois tal freguezia
não se encontra nos mappas, e todas as nos-
sas ehorographias, iucluindo a Cliorographia
iWoderwa,— simplesmente a indicaram.
Bom serviço me prestou e a todos os cho-
rographos presentes e futuros I. . .
VIMIEIRO, — villa e freguezia do concelho
de Arrayollos, comarca d'Estremoz, distri-
cto e diocese d Évora, provinda do Aiein-
tejo.
Priorado e vigairaria!. . . — Fogos 450, —
habitantes 2:030.
Orago Nossa Senhora da Encarnação do
Sobral.
Em 1708 era prior da egreja d'esta fre-
guezia o deão d'Evora, que u'ella apresen-
tava 2 curas com o titulo de reitores; — con-
tava a freguezia 300 fogos: — era séde do con-
celho formado por ella e pela de Santa Jus-
ta;— pertencia o concelho a comarca d'Evo-
ra e tinha 2 juizes ordinários, vereadores,
procurador do concelho, escrivão da cama-
rá, juiz dos orphãos com seu escrivão, 2 ta-
belliàes do judicial e notas, 2 companhias
de ordenanças e 1 capitão mór, todos no-
meados pelos condes e senhores de Vimiei-
ro, dos quaes adiante fallaremos, sem con-
firmação regia,— e não entrava n'este con-
celho o corregedor, mas somente o prove-
dor d'Evora, por graça especial concedida
aos nobres condes.
Em 1768 era priorado da mesma apresen-
tação do deão d'Evora;— rendia para o seu
I prior ou cura 120 alqueires de trigo e em
; dinheiro 10^000 réis — e contava 293 fogos.
I O censo de 1864 deu lhe 406 fogos e 1 :608
habitante?,— e o de 1878 deu-lhe 448 fogos
e 2:027 habitantes.
Freguezias limiirophes : — S. Gregorio,
! Santa Justa, Vidigão, Casa Branca e Pavia.
As 3 primeiras pertencem ao concelho de
ArrayoUos, a 4.* ao de Souzel e a o.' ao de
Mora.
Producçòes dominantes; — azeite, cereaes,
boleta, bolola, carne de porco, là e cortiça,
pois tem grandes montados de azinho e de
sobro e cria muito gado suino e lanígero.
Também é mimosa de caça miúda: — le-
bres, coelhos e perdizes~e colhe algum vi-
nho, podendo e devendo colher muito mais
porque tem vastos chãos muito ferieis que
se adaptam perfeitamente á cultura das vi-
des, sendo a sua producção espantosa I
Já em 1708 o padre Carvalho disse que,
n'esta parochia, vinhas que demandavam
apenas 6 homens de cava, pruduziam duzen-
tos almudes de vinho, mas que esie era mol-
le e durava só até á paschoa.
Hoje succede o tnesmo e isto explica o fa-
cto de se cultivar aqui tão pouco viuho, mas
a causa prmcipal de ser tão raoUe é o atra-
so que (salvas raríssimas excepções) se nota
na cultura d'esta província, Homeadamente
no processo da viniticação.
N'esta freguezia e na maior parte do
Alemtejo nunca se pisaram nem pisam as
uvas. Espremem-se á mão sobre uma grade
de madeira e recolhe-se immediatamente o
mosto com o cango, sem fervura nem tra-
balho algum, em grandes talhas de barro de
100 a 200 almudes, — depois deitam-lhe por
cima um pouco d'azeite— e, passado algum
tempo, cobrem as talhas, grudando com
barro as tampas.
Não admira, pois, que o vinho seja moUe
e dure pouco tempo.
Pelo contrario os donos das grandes her-
dades que despresam a rotina e seguem os,
melhores processos de cultura e vinificação,
taes como o sr. José Maria dos Santos, de
Lisboa, par do reino e grande capitalista,
hoje o primeiro proprietário d'esta provin-
VIM
VIM 1453
cia, 03 herdeiros de José Maria Eugénio, a
viuva do grande proprietário e capitalista
José Maria Ramalho Diniz Perdigão, d'Evo-
ra, e outros já colhem no Álemtejo muito
vinho que dura annos.
Demora esta freguezia na estrada realn.»
70 d'£lvas a Montemor o Novo, em alegre e
vistosa planicie, na margem esquerda da ri-
beira de Tér ou Tera, uma das nascentes do
rio Sado, da qual dista 5 li^ilometrospara S.;
— 6 da estação d'Evora Monte (a mais pró-
xima) na linha férrea d'Estremoz á Casa
Branca, entroneaopento na linha do sul; — 18
de Arrayollos para N. E.;— 24 d'E8tremoz
para O.; — 30 d'Evora para N.; — 56 da es-
tação da Casa Branca; — 120 de Beja; — 151
de Lisboa;— 488 do Porto— e 618 de Valen-
ça do Minho.
Tem boa estrada real a macadam, tia mui-
to construída em substituição da velha es-
trada real d'Elvas a Lisboa por Arrayollos,
Montemor o Novo, e Vendas Novas,— e outra
estrada a macadam prestes a coDcluir-se,
para a estação da Venda do Duque na linha
de Extremoz a Évora e Casa Branca.
Banham esta freguezia a ribeira de Têra
e os ribeiros do Freixo e das Covas que
desaguam na dieta ribeira e teem no termo
d'esta freguezia 3 pontes:— a do Freixo, — a
da Brôa—e a da Farragelta,—mo\em 5 moi-
nhos de cereaes— e ba também n'esta paro-
chia 3 moinhos de vento.
Alem da villa do Vimieiro, comprehende
2 quintas:— a de S. José, pertencente aos
herdeiros da condessa do Lumiar, D. Luisa,
— e a Quinta Nova, pertencente a José Ma-
ria Queiroga.
Comprehende também muitas herdades
cora os seus respectivos montes, ou peque-
nos povoados. As principaes são as seguin-
tes :
— Claros Mbntes.
2. »— Brôa.
3. » — Místicas e
4. *— Farinha Velha, — todas 3 pertencentes
a Miguel Piteií^a Fernandes.
5. *— Fonte Santa, de José Maria Coelb».
VOLUME XI
6. «— Touregâ e
7. «— Preta.
8 "—Monte Soeiro, pertencentes estas ul-
timas 3 a José Lopes Aleixo.
9. *— Monte Branco, de Gabriel Antonio da
Silva Leite.
10. «— Ilha Fria, de Antonio Lopes Ferrei-
ra dos Anjos.
11. » — Frausta, de João Vieira.
12. »— Pratas, de Marcos Gonçalves d'Aze-
vedo Caruço.
13. *— Val da Pinta, de Manuel Maria Va-
rella Lopes.
14. *— Caeira, dos herdeiros da condessa
do Lumiar, D. Luisa.
15. *- Teja.
16. "— Penedas e
17. » — Viuvas, pertencentes todas 3 a Ma-
nuel Eduardo d'01iveira Soares.
A Chorographia Moderna menciona ainda
as seguintes herdades ou hortas:— Monte
Novo, S. Gens, Salvada, Lameira, Courella
da Anta, Cabeça do Freixo, Baldios, Bru-
nheira. Carreteira, Coxada, Canada, Olivei-
ras, Paço, Choupana, Trombeira, Moinho
Novo, Alvaro Annes, Monte da Estrada, Ven-
da da Moita, Val de Mouro, Caraxa, Cama-
roeira, Carrascal, Moinho do Cuerra, Santo
Espirito, Gorda, Tourega, Azinheira, Monte
dos Barrancòes, Monte da Rosalina, Olival,
Caeirinha, Horta do Poço do Chão, Horta de
S. Pedro e Horta Velha.
Todas estas hortas, herdades e quintas
davam um bom património para um pa-
dre.
A villa é uma grande povoação. Ainda
conserva a sua antiga casa da camará e ca-
deia em bom estado; o pelourinho já nao
existe; — tem 2 largos; — o da Praça e o da
Egreja,—e varias ruas, sendo principaes as
seguintes: — rua da Misericórdia, rua Direi-
ta, rua da Egreja, rua do Matto e rua de
Aviz.
Tem- um edifício particular, digno de
menção, denominado Palacio do Conde,
que foi dos condes e senhores de Vimiei-
ro, dos quaes passou para a condessa do
Lumiar, D. Luisa, e d'esta para os seus her-
I deiros.
92
1454 VIM
VIM
Templos
A egreja matriz,— a egreja da Misericór-
dia—a egreja do Espirito Santo, todas em
bora estado, — ^^e 6 eapellas, todas publicas:
— Santo Antonio, S. Braz, S. Sebastião, S.
Pedro, S. Gens e S. João,— esta ultima em'
ruinas.
A Chorographia Portugueza menciona
mais no termo d'e8ta yilla as eapellas se-
guintes: — Sant'AQna, Santa Luzia, Santa
Comba, Santo Estevam martyr e Santo Al-
castor t...
A matriz é ura bom templo, de uma só
nave.
A Misericórdia tem um pequeno hospital
que de pouco serve, porque são mui dimi-
nutas as suas rendas.
Em 1872, segundo se lê nos Estudos-.,
sobre o Município de Montemor o Novo (Coim-
bra, 1873) o seu rendimento total fui de
43^876 réis.
No mesmo anno rendeu a confraria de
Nossa Senhora da Encarnação do Sobral (a
padroeira) 77^1147 réis.
A confraria do Santíssimo, 94i2664 réis.
A confraria das Almas 9Í1100 réis.
São estas as 3 confrarias erectas na ma-
triz.
As festas principaes que hoje aqui se ce-
lebram são a de Passos, a do Santíssimo, a
da padroeira, a de Santo Antonio e as da
semana santa.
Dão vulgarmente á padroeira o titulo de
Nossa Senhora da Enfiarnação do Sobral ou
Soveral, porque diz a tradição que a ima-
gem da Senhora appareceu outr'ora escon-
dida no tronco de um sovereiro em uma
matta de sobro, no sitio onde hoje se vé a
matriz, que foi feita para n'ella se venerar a
dieta imagem e, por ser a egreja muito con-
corrida pelos fieis das eireumvisinhanças,
em volta d'ella com o decorrer do tempo se
formou a villa actual, contribuindo também
muito para o augmento d'esta villa o foral
que lhe deu el-rei D. Manuel em Lisboa no
dia 1 de junho de 1512.
Livro de Foraes Novos do Alemtejo, fl. 73,
col. 2.»
Veja-se também o Processo e a Minuta
para este foral na Gaveta 20, Maço 12, n.»
45.
Teve também esta villa um convento de
frades terceiros de S. Francisco (borras) com
a invocação de S. Francisco, fundado em
1554, mas desappareceu com a extincção
das ordens religiosas e nada resta d*elle
hoje.
Foi demolido e o seu chão é propriedade
de Francisco José Romero.
Tem esta villa duas feiras annuaas:— uma
no 1.» dia d'ago8to, — outra no dia 15 de
maio.
O concelho de Vimieiro foi extincto pelo
decreto de 24 d'outubro de 1855, pelo qual
passou para o de Arrayollos;— depois pas-
sou para o concelho d'Extremoz e para a
comarca de Montemor o Novo, — e por ul-
timo passou para o concelho d*Arrayollosi
e para a comarca d'Eslremoz.
Ha n'esta villa uma assembleia ou casa de
recreio;— 2 aulas offlciaes d'instrueção pri-
maria para os dois sexos; — um eollegio par-
ticular de instrueção primaria e secundaria
— e duas hospedarias na rua da Misericór-
dia.
Ha também n'esta parochia. na herdade
do Monte Branco, uma mina de cobre e d'ou-
tros metaes, mas parou ha annos a explora-
ção.
Esta villa nunca foi murada nem aeastel-
lada pelo facto de estar em planície e por
essa mesma rasão não é muito saudável o
seu clima.
Ainda em julho de 1856 aqui fez muitas
víctimas o cholera morbus.
Esta villa, pelo facto de ser cortada por
uma estrada militar importante, soffreu sem-
pre muito com os aboletamentos por ocea-
sião das^guerras que assolaram o nosso paiz,
nomeadamente esta província do Alemtejo
que, por ser muito plana e fronteiriça, foi
> Por decreto d'este mez de dezembro de
1886 o concelho d'Arrayollo8 foi elevado á
cathegoria de julgado municipal,~c3XÍaego-
ria nova, creada est'aiino de 1886.
VIM
VIM 1455
isempre o theatro da guerra nas luctas com
a Hespanha desde os princípios da nossa
monarchia. N*ella se feriram, alem d'oiitra8,
as grandes batallias do Campo d' Ourique,
Ameixial, Montes Claros e Linhas d' Elvas,
padrões de gloria para as nossas armas nue |
ainda hoje infundem respeito aos nossos
bons visinhos.
Houve e não sabemos se ha ainda hoje
n'esta parochia um grande iracto de terreno
denominado Bardeira, que em 1708 tinha
legoa e meia de comprimento e uma légua de
largura, comprehendendo uma exteosa mat-
ta, boas pastagens e muitas terras de semea-
dura que se davam aos habitantes da villa
para as cultivarem, pagando apenas o dizi-
mo, que era aliás uma contribuição bem
mais fórte do que todas as contribuições
d'hoje, mas menos violenta, porque se pa-
gava em géneros e na proporção da colhei-
ta, em quanto que hoje os proprietários,
embora não colham a semente^ teem de pa-
gar a mesmo quota, pois a lei da anullação
por sinistros é uma burla.
Ao longo da Bardeira corria por entre
penedos a ribeira do Freixo que fertilisava
muitas terras e criava muitos bordalos sa-
borosíssimos.
Era a dieta matta da Bardeira por assim
dizer logradouro commum da villa e orgulho
e riqueza d'ella, como os grandes campos de
Trancoso eram logradouro eommum da villa
d'este nome, a Devesa logradouro commum
de Castello Bodrigo, o Monte Meão logradou-
ro commum de Villa Nova de Foscôa, o
Monte Aljão logradouro commum da villa de
Gouveia, etc.
V. Trancoso, Castello Rodrigo, Villa No-
va de Foscôa e Gouveia n'este diccionario e
'no suppleraento.
Diz a Chorographia Portugueza que esta
villa se denominou Vimieiro por causa dos
muitos vimes que n'ella havia. Pode ser, mas
duvidamos, porque os vimes no nosso paiz
eram quasi exclusivamente applicados para
a empa das videiras e para os arcos do va-
silhame; não deviam pois ter grande consu-
mo no Alemtejo por ter poucos vinhedos es-
ta província e não usar de pipas nem de to
neis, mas de talhas de barro.
No Douro sim. Antes da maldleta phyllo-
xera destroçar os seus vinhedos, gastavam-
se contos <fe réis em vimes na empa e no va-
zilhame,— pipas e toneis,— cuja arcaria era
toda de pau, ligada por vimes. Hoje é quasi
toda de ferro, mas ainda em 1850 ioda a ar-
caria das pipas era de pau e de pau era tam-
bém a arcaria dos toneis grandes e peque-
nos ainda nos princípios d'este século.
Note-se também que os vimes demandam
terrenos húmidos, pantanosos, abundantes
d'agua, emquanto que o terreno d'esta villa
é bastante secco.
Isto mesmo reconheceu e confessou o pa-
dre Carvalho na sua Chorographia Portu-
gueza, pois diz textualmente o seguinte:
tHe terra muito secca, e carece de foQtes,
mas tem dous poços, que em annos de muita
esteriliidade se não seção, nem diminuem, e
são as agoas delles muy salobras, e grossei-
ras, porem muito proveitosas para os que
padecem estillicidio, ^ achaque que não ha
em esta villa.»
Sendo pois a terra tão secca e falta d'agua,
mal pode crer-se que abundasse tanto era
vimes e que d'elles tomasse o nome de Vi-
mieir"..
No que ella abundou foi em nobresa. Ain-
da em 1708 contava muitas faraillas nobres
com os appellídos de Araujo, Correia, Cas-
tilho, Gameiro, Caeiro, Paiva, Telles, Cala-
do, etc, avultando entre todas a do Palacio
do Conde ou dos
Senhores de Vimieiro
Em 1708 era senhor d'esta villa D. San-
cho de Faro e Sousa, cuja varonia é a se-
guinte:
O 2.° duque de Bragança D. Fernando, !.•
do nome, casou com D. Joanna de Castro,
filha, de D. João de Castro, senhor de Cada-
val, e teve
—D. Affonso, conde e senhor de Faro.
Casou com D. Maria de Noronha, filha ô
1 Humor que desce da cabeça; — espécie
de defluxo.
1456 VIM
VIM
herdeira de D. Sancho de Noronha, i.» con-
de de Odfcmira, senhor de Vimieiro, etc, e
teve
—D. Fernando de Faro, raordomo-mór da
rainha D. Catliarina e senhor efe Vimieiro.
Casou com D. Isabel de Mello e teve
— D. Francisco de Faro, senhor da grande
«asa de seu pae e 1." conde de Vimieiro, por
mercê de Philippe II, de 1614.
Casou com D. Maria da Guerra, filha de
Pedro Lopes de Sousa, embaixador d*el rei
D. Sebastião a Castella, e teve
— D. Sancho de Faro, 8.» senhor de Vi-
mieiro, etc.
Casou em Flandres com D. Isabel de Lu-
na e Carcomo, filha de D. Affonso de Luna,
mestre de campo em Flandres, e teve
— D. Diogo de Faro e Sousa, 9." senhor de
Vimieiro, veador das rainhas D. Maria Fran-
cisca e de D. Maria Sophia, mestre de cam-
po do Aleratejo, etc.
Casou com D. Francisca de Noronha, filha
de Gaspar de Faria Severim, secretario das
mercês, eic, e teve entre outros muitos fi-
lhos naturaes e legítimos
— D. Sancho de Faro, que segue, e D. Fer-
nando de Faro, clérigo, deputado da mesa da
consciência e ordens, sumiler da cortina de
el-rei D. Pedro II e de D. João V, e bispo
d'Elva8, sagrado em julho de 1714, mas fal-
leceu em outubro do mesmo anno. n'esta
villa do Vimieiro, no seu Palacio do Conde,
em viagem para Elvas, onde entrou já ca-
dáver.
D. Sancho de Faro foi IO.» senhor e 2."
conde de Vimieiro, titulo que renovou na
sua pessoa el rei D. João V em 1709.
Foi também governador de Mazagão, mes-
tre de campo general com o governo das ar-
mas nas províncias do Minho e Beira, go-
vernador e capitão general da Bahia, etc.
Casou com D. Theresa de Mendonça, * fi-
lha de D. Luiz Manuel de Távora, conde de
Atalaia, e teve entre outros filhos
—D. Diogo de Faro e Sousa, 11.» senhor e
, 3." conde de Vimieiro, coronel de infante-
I ria, etc.
I Falleceu em Estremoz no dia 16 de feve-
reiro de 1741, tendo casado em 1729 com
D. Maria Josepha de Menezes, * dama da
rainha D. Marianna d'Au8tria, e teve entre
outros filhos
—D. Sancho de Faro, 12." senhor e 4.»
conde de Vimieiro, etc.
Casou e teve
—D. João de Faro, 13.» senhor, 5.° conde
de e ultimo de Vimieiro, etc.
Falleceu sem successão em abril de 1801,
pelo que lhe succedeu sua prima eo-irmã
—D. Maria do Resgate Portugal Carneiro
da Gama Sousa e Faro, 3." condessa deLu-
miares, 14 ■ senhora do Vimieiro, etc.
Nasceu a 25 de março de 1771;— falleceu
a 26 de março de 1823 e casou duas vezes:
—a 1.» com Manuel da Cunha e Menezes, que
pelo seu casamento foi 3.» conde de Lumia-
res, etc.,— a 2.» com Luiz da Cunha Pache-
co e Menezes, viador da princeza viuva D.
Maria Benedicta.
Do seu primeiro matrimonio teve
—José Manuel da Cunha Faro Menezes
Portugal da Gama Carneiro e Sousa, 4.»
conde de Lumiares, 15.» senhor de Vimiei-
ro, 12.» d'Alcoentre, 15." do morgado de Paio
Pires, par do reino, ministro d'estado, mare-
chal de campo, etc.
Casou em 15 d'agosto de 1807 com D.
Luiza de Menezes, dama de S. M. a rainha
D. Maria I e 2.» filha do 1.» marquez de Val-
lãda.
Tiveram entre outros filhos
—José Felix da Cunha e Menezes, 5.» con-
de de Lumiares, 16.» senhor de Vimieiro,
etc.
Nasceu a 2 de julho de 1808 e casou a 8
de junho de 1835 com D. Constança de Sal-
danha e Castro, 2.* filha de João Maria Ra-
phael de Saldanha e de D. Maria Theresa
Braamcamp, e tiveram um filho único e suc-
cessor
—José Manuel do Santíssimo Sacramento
* Depois de viuva professou no convento
da Luz, em Lisboa, no dia 30 de maio de
1730 e falleceu no dia 5 de maio de 1740.
^ Esta senhora falleceu de bexigas em
1739.
VIM
VIM 14Õ7
da GuQba Faro Meoezes Portugal da Gama |
Carneiro e Sousa.
Nasceu em 13 de maio de 1836 e è o 6.»
conde de Lumiares, etc.
Casou em 13 de maio de 1858 com D. An-
na Amélia Pinto de Sousa Coutinho Bran-
dão Peresirello, filha do 4.' visconde de Bal-
semão Vasco Pinto de Sousa Coutinho e de
D. Maria da Penha Peresirello da Costa Sou-
sa de Macedo, que ainda boje (dezembro de
1886) vive.
Os actuaes condes de Lumiares teem cin-
co ou seis filhos.
Do exposto se vê que a representação dos
condes de Vimieiro passou para os condes de
Lumiares.
 memoria do meu antecessor
Nasceu n'esta villa e freguezia do Vimieiro
em 1782 e falleceu em 1834 na freguezia de
Santa Maria do Valle, concelho de villa da
Feira, José Mathias Barbosa Leal, tenente
quartel- mestre do batalhão de caçadores n."
3, casado com D. Rita de Cacia Soares de
Azevedo, da qual teve dois filhos,— José, que
falleceu de menor idade, — e Augusto que foi
o meu bom amigo e antecessor Augusto Soa-
res d' Azevedo Barbosa de Pinho Leal, bene-
mérito iniciador e principal auctor d'este
diccionario, cuja continuação nos foi tão in-
devidamente confiada.
Ao filho já rendemos preito no artigo
Vianna do Castello, vol. X, pag. 461, col. 1.»
è segg. 1— agora fallemos do pae, aprovei-
tando os apontamentos biographicos que elle
próprio escreveu em uma carteira que te-
mos sobre a nossa banca de estudo e que
são realmente curiosos.
«Nasci na villa do Vimieiro, comarca
d'Evora (diz elle) a 25 d'outubro de 1782;
* Vejam-se também os artigos— -Carwa-
Ihal, tomo II pag. i33,—Paradella, tomo VI
pag. 469, col. l.»,— Penamacor, no mesmo
volume pag. 593, col. Porto, vol. VII,
pag. 118, col. l.»— pag. 327, col. 2.» (nota)
— e pag. 352, col. 2.* também,— e Valle, to-
mo X, pag. 172. col. 2.«— 175, col. 2- tam-
bém,—e 176, também 2.* col.
— foram meus paes Mathias Martins e Anna
Maria Barregosa, naturaes da mesma villa
do Vimieiro, e meus padrinhos do baptismo
Antonio Coelho e Marcelina Angelica Fur-
tado.
«Em 1797 fui para Estremoz aprender a
cerieiro e ali passei tres annos.
«Em 25 de setembro de 1800 assentei
praça no regimento de artilheria d'Extre-
moz, que estava em Elvas.
«Em 1801 foi aquella praça atacada pelos
hespanhoes e não a poderam ganhar por ser
a praça mais forte do reino e ter de guarni-
ção 3 regimentos de infanieria, 3 d'artilhè-
ria, 1 de eavalleria e os regimentos de milí-
cias d'Evora, Beja, Villa Viçosa, Portalegre,
Estremoz e Campo d'Ourique, alem do muito
povo da cidade.
«Em 1 d'outubro do mesmo anno saiu o
meu regimento e principiou o meu fadário
das marchas e contramarchas. D'esta vez o
itinerário foi o seguinte: — ^Villa Viçosa, Re-
dondo, Évora, Montemór-o-Novo, Abrantes,
Gollegã, Santarém, Cartaxo, onde estivemos
15 dias, e Almoster, onde nos demoramos 5
dias, voltando para Santarém, onde estive-
mos 20 e nos passou revista S. A. R. o prín-
cipe depois rei D. João VI. D'ali marchámos
para Almeirim, Erra, Mora, Pavia, Extre-
moz, Borba e Elvas.
«Marcha e conlra-marcha legoas 80
«Em 1802 fui destacado para Estremoz,
onde estive 7 mezes e depois mais 6 com li-
cença.
«Em 28 de setembro de 1804 fui para o
cordão da peste, seguindo por Juromenha,
Terena, Monsaraz, Mourão, Moura e Serpa,
onde estivemos 5 dias, marchando d'ali para
Aldeia Nova e Aldeia do Sobral, onde esti-
vemos 4 mezes, no fim dos quaes regressa-
mos a Elvas.
«Marcha e contra-mareha legoas 42
«Em 1808 fui a Lisboa acompanhar um
regimento d'artilheria franceza; seguindo por
Estremoz, Vimieiro, Arrayollos, Montemor a
Novo, Aldeia Gallega e Lisboa, d'onde re-
gressámos a Elvas.
j «Marcha e contra- marcha legoas 60
I «Em 26 de junho de 1808 emigrei para a
1458 VIM
VIM
Hespanha com a maior parte do meu regi-
mento, por detêstarmos os francezes que en-
tão dominavam o nosso paiz. Apresentarao-
nos em Badajoz e d'ali fomos para Cidade
Rodrigo.
«Legoas de marcha 42
«Estivemos 8 dias em Cidade Rodrigo,
donde fugi para Portugal, que já se havia su-
^blevado contra os francezes, pois eu não po-
dia servir a Hespanha, quando o meu paiz
tanto necessitava d auxilio. Marchei por Gui-
naldo para Ladueiro e Idanha Nova, onde
me deram passaporte para Viseu, em cum-
primento das ordens do bispo d'aquella ci-
dade que, como presidente da junta de de-
fesa, mandara reunir ali toda a tropa dis-
persa. Segui pois para Viseu peia Covilhã e
Mangualde, havendo percorrido em toda es-
ta marcha legoas 56
«Assentei praça no batalhão dos Voluntá-
rios de Vizeu a 29 de julho de 1808. Deram-
me o posto de furriel e ali estivemos 3 me-
zes, no flm dos quaes marchámos para a
Guarda, onde recebemos armamento;— se-
guimos pela Covilhã para Penamacor, onde
estivemos 8 dias;— d'ali para Castello Bran-
co—e por ordem do general Silveira fomos
para Segura, onde estivemos 3 mezes.
«No dia 26 de fevereiro de 1809 passei a
2." sargento e no dia 1 de março do mesmo
anno fui nomeado l." sargento.
«No dia 27 de março fomos para Cebolaes,
onde recebemos fardamento e seguimos por
Abrantes, Thomar, Condeixa, Coimbra, Mor-
tágua, Tondella, Viseu, Castro d'Ayre, La-
mego, Regoa, Majam Frio (sic) até Amaran-
te. Como os francezes já tivessem retirado
do Porto, seguimos por Mondim de Basto,
Arco e Montalegre para a raia; havendo os
francezes entrado na Gallisa, marchámos pa-
ra Viseu por Chaves, Peso da Regoa e La-
mego.
«Total das minhas marchas e contra-mar-
^has até aqui, léguas 280
«De Viseu fomos para Azere, Pinheiro de
Azere, Thomar, Villa de Rei, Castello Bran-
co, Guarda, Alverca e Pinhel, ende estive-
mos dois mezes;— d'ali passamos para a Hes-
panha e fomos até às alturas de Salamanca»
donde voltámos pela serra da Gata, Ventas
de Cavallo, Sarça e Segura para Castello
Branco; demorámo-nos ali 15 dias e depois
fomos tomar quartéis de inverno em Punhe-
te, hoje Villa Nova de Constança, onde entrá-
mos a 6 de setembro de 1809.
«Total d'esta jornada, legoas. . . , . . 117
18Í0
«Salmos de Punhele para Coimbra, onde
estivemos 3 mezes; no dia 10 de março re-
cebemos armamento, correame e capotes no-
vos;—fomos para Figueiró da Granja e Tran-
coso;—d'ali passámos para o Campo da Ji-
zua, onde estacionámos 3 mezes, voltando
em seguida para Trancoso, quando os fran-
cezes,_eommandados por Massena, já esta-
vamisitiando a praça d'Almeida. Depois da
explosão dojcasiello e da rendição d'aquella
praça, marchámos de Trancoso por Andori-
nha e Santa Comba-Dào para o Bussaeo, on-
de se feriu a grande batalha d'este nome.
«Rompeu o fogo no dia 25 de setembro;
batemo-nos com os francezes toda a tarde e
elles não poderam ganhar nada. N'es8a noite
dormimos com as armas na mão ao longo da
serra;- no dia 26 fui para a frente com a
minha companhia e fiz fogo a maior parte
do dia, sendo grande a mortandade em um
e outro campo— e no dia 27 desde a madru-
•gada até á noute, foi o combate geral em
toda a linha.
«Do^meu batalhão morreram lalfereae
17 soldados e ficaram feridos 52.
«No dia 28 não houve fogo; tivemos des-
canço, masjretirámos á noite, porque os fran-
cezes, não podendo ganhar a serra, toma-
ram outro caminho. Fomos para Coimbra e,
seguindo a estrada de Lisboa, fizemos alto
nas Linhas de Torres Vedras.
' «Ali nos conservámos até que os france-
zes, não podendo romper as linhas, retira-
ram para Santarém. Fomos em seguimento
d'elle8. O meu batalhão ficou em Almoster;
depois passou para Calhariz, onde tivemos
muito fogo e ficaram feridos o meu capitão
e 3 soldados. D'ahi fomos para a quinta da
VIM
VIM 1459
Lapa, oDde estivemos um mez; e d'ali para
S. João da Ribeira, onde eu dei baixa como
doente, sendo obrigado a recolher-me ao
hospital de S. Viceote de Fora, em 23 de fe-
vereiro de 1811.
•Com esta marcha ultima percorri appro-
ximadamenie léguas 123
«Sahinilo do hospital em 22 de março de
1811, marchei de novo para o exercito. Fui
encontrar o meu batalhão na aldeia das Cin-
to Villas, no cerco da praça d'Almeida, e ali
estivemos até que os sitiados francezes lar-
garam fogo às muralhas e fugiram para a
Hespanha. Foi uma venda bem conhecida^
pois no sitio por onde cortaram a linha es-
tavam os nossos soldados todos avisados pa-
ra não fazerem fogo, porque ali havião de
passar dois Regimentos inglezes. Assim pas-
saram os francezes, e de tal fórma que os
nossos soldados se envolveram com elles,
porque iam muito callados e foram rompen-
do até que as sentinellas começaram a fazer
fogo.
«Mais ainda: A minha brigada, tendo ido
para Malpartida, n'es8a mesma noite tornou
para as Cinco Villas, para os francezes pas-
sarem, como passaram, por Mal Partida!...
Fomos no seu seguimento, mas só ao outro
."4ia, levando-nos os framíezes de dianteira 9
horas 1 . . . i
«Voltamos, tendo percorrido desde Lis-
t)oa léguas 60
«Marchámos pelo Sabugal, Castello Bran-
co, Villa Velha de Rodam, Nisa e Portalegre
para o Campo do Reguengo, junto de Cam-
po Maior, d'onde fui com uma diligencia a
Lisboa receber barretinas para o batalhão, e
lie Lisboa marchámos por Abrantes, Gavião,
, Nisa, Villa Velha de Rodam, Castello Bran-
co, Atalaia, Capinha, Almeida e Val de La
Mula até Villar de Cervos em Hespanha, on-
de encontrei o meu batalhão,— e logo mar-
chei com outra diligencia para Abrantes, re-
1 V. Villar Formoso, vol. XI, pag. 1217,
col. 1.', onde já fizemos menção d'este facto,
chamando para elle, como hoje chamamos,
a attenção dos nossos historiadores.
gressando outra vez a Villar de Cervos, na
Hespanha, tendo percorrido com estas mar-
chas e contra-marchas approxiraadamente
—léguas 195
«De Villar de Cervos marchámos por Gui-
naldo para Alfaiates, onde tivemos uma es-
caramuça com os francezes, retirando para
Freixo; d'ali tornamos a avançar por Espe-
ga e Carpio para o cerco de Cidade Rodri-
go, e, logo que se ganhou a praça, marchá-
mos por Pinhel, Lamego, Vizeu, Coimbra,
Thomar, Abrantes, Gavião, Crato, Villa Vi-
çosa e Elvas, para o cerco de Badajoz. To-
mada também esta praça, seguimos logo por
Elvas, Portalegre, Castello Branco, Lagiosa
e Pinhel até Salamanca. Tomámos ali o forte
e marchámos para Valhadolid, mas não pas-
sámos de Rueda, volvendo a Salamanca, on-
de demos e vencemos a grande batalha dos
Arapiles a 22 de junho de 1812.
«Derrotados 08 francezes, perseguimol-os
até Valhadolid, d'onde marchámos para Ma-
drid. Tomámos esta cidade e volvemos a
Valhadolid, d'onde fomos para Burgos e
d'ali marchei com uma diligencia a Santan-
der, nó dia 1 d'ouiubro, para conduzir du-
zentos mil cartuxos enviados da Inglaterra.
«Volvemos a Burgos no dia 16 do dicto
mez, tendo percorrido com estas marchas e
contra-marchas cerca de legoas 335
«A 21 d'outubro do dicto anno, surpre-
hendidos por tres grandes exércitos france-
zes, deixamos o cerco de Burgos e retira-
mos sobre Portugal, perdendo apenas 3 a 4
mil homens, em toda a jornada.
• Os francezes, apesar da sua grande su-
perioridade numérica, não transposeram a
fronteira, lembrando-se dos desastres que
haviam sofFrido no Bussaeo, em Fuentes de
Onor, Cidade Rodrigo, Badajoz, Arapiles e
Madrid, e da vergonha porque passaram em
frente das linhas de Torres Vedras, que os
estavam esperando.
• Como elles muito prudentemente fizessem
alto na fronteira, nós fomos tomar quartéis
de inverno para Penafiel, seguindo por Al-
meida, Lamego, Majamfrio e Amarante, ten-
do percorrido cerca de 104 léguas.
1460 VIM
VIM
•Demorámo-nos em Penafiel desde 12 de
dezembro de 1812 até 14 de maio de 1813»
data em que marchou a minha brigada para
a ultima campanha, e eu fui mandado com
um deposito para a Regoa, onde me conser-
vei até 13 de fevereiro de 1814, marchando
d'ahi com o trem de 3 corpos para o Porto,
onde embarquei no dia 7 de março para
Lisboa. Entreguei tudo no Arsenal e fui pa-
ra o deposito de S. Bento, d'onde no dia 1.»
d'agosto marchei para Penamacor, a unir-me
ao meu batalhão, ali estacionado, tendo per-
corrido cerca de 128 legoas.
1815
«Em 7 de março fui a Lisboa receber far-
damento para o meu batalhão e voltei a 18
de maio.
«Legoas 90
«Depois fui a Vizeu receber um mez de
soldo.
•Legoas 36
«Em novembro tornei a Vizeu para rece-
ber dois mezes de soldo.
«Legoas 36
1817
«Fui com uma diligencia a Abrantes.
«Legoas 44
«Mais 2 diligencias a Abrantes.
«Legoas 88
1818
«A 30 d*abril passei a sargento quartel
mestre e por isso n*e8se anno fui com outras
3 diligencias a Abrantes.
«Legoas 132
1819
•No dia 23 de junho foi o meu batalhão
destacado para Elvas, d'onde passou a aquar-
elar-se em Castro Marim, pelo que eu tive
de ir d'Elvas buscar a bagagem a Penama-
côr, d'onde segui para Castro Marim por
Castello Branco, Villa Velha de Rodam, Ni-
sa, Fronteira, Estremoz, Évora, Beja e Mér-
tola, onde embarquei.
«Legoas 122
1822
«No dia 22 de julho marchei com o) meu
batalhão para Lisboa.
«Legoas.. 43
«De Lisboa partimos no dia 15 de feve-
reiro com a expedição para a Bahia, íaonde
chegámos a 2 d'abril, contando 61 graius de
18 léguas cada um, o que prefaz
Legoas il;098
«No dia 3 de maio tivemos um grrande
combate com os americanos e outro nio dia
3 de junho. Elles ficaram desenganadios de
que não podiam entrar, mas no dia 2 cde ju-
lho flzemo-nos de vela para Portugall, por
falta de mantimentos, pois já estavamoos a
ração de farinha de pau e carne do seertão.
Custava 1 arrátel de vacca 800 réisj,— de
toucinho 480 réis,— de arroz 400 réis,",— de
farinha de pau 400 réis,— uma gallinhía róis
5^000,— um ovo 100 réis— e um pão d','arra-
tel 600 réis?l. . .
•Chegámos a Lisboa no dia 2 de scetem-
bro.
•Legoas H:098
«De Lisboa marchámos logo para Villa
Franca, aonde chegámos no dia 3, e d'aili fo-
mos para Abrantes, onde nos demorrámos
até 23 d'outubro.
«Quando chegámos a Lisboa traziaratos 62
soldados cegos com a debilidade, sendo» pre-
ciso que outros os acompanhassem e Itevas-
sem pela mão; mas deu-se-Ihes a comier fí-
gado de vacca, qua%i crú, e todos recujpera-
ram a vista prompta mente.
«De Abrantes seguimos para Estreemoz,
onde estivemos até 14 de maio de 18224— e
d'ali fomos para o nosso quartel de Ciastro
Marim, por Tavira.
«Legoas, desde Lisboa 87
«Desde que assentei praça, não conttando
muitas marchas e contra-marehas mienos
importantes, legoas, 44:221
Novos trabalhos
1826
«Agora contarei o que soffri porcaussada
Carta Constitucional.
VIM
VIM 1461
tNo dia 8 de novembro de 1826, das U
para a meia noite, retumbavam as cornetas
pelas muralhas de Castro Marim, tocando a
assembléa. Formou o meu batalhão com o
seu novo fardamento e marchámos para Ta-
vira, onde encontrámos o regimento de in-
fanteria n." 14 formado na praça e parte do
regimento de milícias. Proclamámos rei o
sr. D. Miguel I, ao som do hymno da pátria,
com muitos vivas e applauso da cidade, — e
no dia 9 marchámos para Faro. Ali fizemos
o mesmo, posto que o povo tentou defender
a cidade com o regimento de artilharia n.»
2, mas o commandante fugiu com o regi-
mento.
• No dia 11 marchámos para Albufeira, a
fim de nos unirmos ao regimento de infan-
teria n." 2, ali estacionado, mas o comman-
dante fugiu também com o dicto regimento,
pelo que os nossos commandantes volveram
para Castro Marim; — embarcámos tudo, e
fomos para Ayamonte, d'ali marchámos pa-
ra Ecija.
«Legoas 41
«No dia H de novembro proseguimos com
a nossa marcha e, depois de vários rodeios,
chegámos no dia 28 a Aracena, onde rece-
bemos de novo as armas.
«No dia 1.0 de dezembro marchámos para
Barrancos, povoação portugueza, aonde che-
gámos no dia 4;— d'ali fomos para Arron-
ches, aonde chegámos no dia 9. No dia 10
fomos atacados com forças muito superiores
pelo conde de Villa Flor.
«<Marehámos para Mourão, onde nos reu-
nimos com infanteria n." 17, cavallaria n."
2 e 90 homens de cavallaria 7, que o briga-
deiro Magece tinha aprisionado em Villa
Viçosa.
«Retirámos por Alegrete; — entrámos de
novo em Hespanha— e fomos até Sarça.
«Ali ficou minha mulher com
o meu filho José, para irem,
como foram, para Penamacor.
O Augusto 1 seguiu.
* O nosso benemérito antecessor,— ^wgfMS-
/o Soares d' Azevedo Barboza de Pinho Leal,
«No dia 16 marchámos para o Sabugal,
aonde chegámos no dia 18, pisando neve de
grande altura.
«D'ali fomos a Malhada Sorda, Almeida,
Pinhel e Coriscada, onde se nos uniu o regi-
mento de infanteria 6. Volvemos a Pinhel e
seguimos para Almeida;— tornámos a Pi-
nhel;—d'ali marchámos por Celorico para
Nespereira, junto da villa de Gouveia,— e
d'ali para a povoação de Curral, (?) (dis-
tante 2 legoas de Nespereira) aonde chegá-
mos no dia 29.
«N'este povo ficou o Augus-
to, por ser muito áspero o frio
e elle não poder acompanhar-
nos 1.
•Legoas 207
«No dia 31 de dezembro fomos por S. Paio
para a ponte da cabra * — e no dia 1 de janeiro
de 1827 para Villa Mendo, ficando um pi-
— que então contava apenas 10 annos e já
tinha acompanhado seus paes aa expedição
á Bahia e nas marchas e contra marchas pe-
la Estremadura, Beira Baixa, Alemtejo e Al-
garve.
Bem cedo começou o seu fadário, pois
tendo nascido na freguezia da Ajuda, conce-
lho de Belém, no dia 21 de novembro de
1816, foi baptisado em Penamacor no dia 30
do dicto mez e anno, tendo percorrido no
berço quarenta e tantas léguas I . . .
V. Vianna do Castello vol. X, pag. 461,
col. 2.»
Aos 10 annos de idade já elle tinha per-
corrido mais de 2:400 léguas!
1 O pobre Augusto meu antecessor, con-
tando apenas lÓ annos, ia gelado em uma
carga de bagagem, mettido entre dois bahús,
como elle próprio nos contou,— e sendo já
decrépito, ainda se recordava de ver de Nes-
pereira a villa de Gouveia, alcandorada na
pendente norte da serra da Estrella, e con-
servava outras muitas reminiscências das
terras que percorreu, mettido entre os ba-
hús.
Tinha uma memoria felicissima e conser-
vou as faculdades intellectuaes sempre lú-
cidas até os últimos momentos da vida.
2 Villa extincta, hoje simples freguezia, na
margem esquerda do Mondego, junto da
actual estação de Gouveia, na linha da Beira
Alta. V. Cabra.
1462 VIM
VIM
quete na poDte de Cabra, sobre o Mondego,
oode houve fogo com a divisão do Claudino.
«JNo dia 5 marcbamos para Coruche, on-
de se deu o combate e se reconheceu que
levávamos comnosco muitos constilucio-
naes l. . .
«Retirámos para Trancoso e seguimos por
Pinhel para Almeida.
«Legoas 19
*JNo dia 14 tornámos a entrar em Hespa-
Dha e fomos ler a Freixo de Espada á Cm-
ta, d'oude seguimos por Moncorvo, Villa
Flor, Mirandella, Murga, Campos, Granja e
Tazem, volvendo a Mirandella.
«JNo dia 3 de fevereiro marchámos outra
vez para a frente e fomos a Murga, Villa
Real, Moimenta, Villa Pouca d'Aguiar, Abrei-
ro, Alfandega da Fé, Mogadouro, Sendim e
S. Joannico.
«Legoas 110
*No dia 7 de março tornamos a entrar na
Hespanha e seguimos até Placencia, onde
nos tiraram os oíBciaes portuguezes e nos
dividiram por dilfcjremes terras em partidos
de 150 homens.
«Legoas 35
• Fomos a Burgos, Logronho, Arnedo, etc.
1828
«No dia 6 de janeiro estávamos em Caia-
horra, d'onde fomos para Castello Frio, etc.
volvendo no dia 9 de fevereiro ao Arnedo.
«Em 27 de março fomos a Calahorra as-
sistir a uma festa que o nosso regimento n.»
24 fez em acção de graças pela boa vinda do
sr. D. Miguel.
«No dia 15 d'abril me roubaram 13 du
ros em casa do patrão.
«Legoas 87
«No dia 1 d'agosto marchámos para Por-
tugal, seguindo oor Logronho, Burgos, Sal-
donde, i Villa Garcia, Penella e Bragança,
aonde chegamos no dia 12.
«Legoas 80
1 Aqui o regimento hespanhol de cavalla-
ria n." 2, tirou-nos as correias.
{Nota do biographado).
«D'alí fomos por Mirandella, Villa Real,
Lamego, Castro d'Ayre, Vizeu e Maniteigas
para Penamacor, aonde chegámos a 28 do
dicto mez d'agosto.
«Legoas desde Bragança 50
» » o Arnedo. 130
em 28 dias 1 . . .
«Estive com minha familia até 2 de se-
tembro em Penamacor, d'onde no dia 33 mar-
chámos todos para Castro Marim, poir Cas-
tello Branco, Villa Velha de Rodam, (Crato,
Évora, Beja, Mértola e Guadiana, ehejgando
a Castro Marim no dia 18 do dicto miez.
•Legoas 64
«De Castromarim fui em serviço ai Faro
7 vezes.
• Legoas 26
«No dia 14 de setembro de 1829 míareliei
de Castromarim com o meu batalhão) para
Lisboa por Mértola, Bejrt, Alcácer, Setiubal e
Moita, chegando a Lisboa no dia 27 do) dicto
mez.
«Legoas 46
«Total até aqui :
•Por agua, legoas 2:;566
«Por terra, legoas 2::787
Somma 5::353i
E note-se que elle contava as leguais pela
medonha craveira d'aquelle tempo. Hoje,
pela craveira actuai de 5 kiiometroí^s cada
uma, as taes 5:353 legoas danam conn cer-
teza mais de 7:000.
Vejam o fadário que passou o pobrre José
Mathias Barbosa Leali... E ainda (depois
accresceram as marchas e contra maarchas
até á convenção d'Evora Monte e qiie) se re-
duzem ao seguinte :
Em novembro de 1830 marchou dle Lis-
boa para o Porto, com passagem jpara o
corpo da _polieia d'esta ultima cidade..
Legoas. . 52
No dia 9 de julho, quando D. Pediro en-
trou no Porto, retirou o nosso biograiphado
com o seu corpo da policia para Olliveira
d'Azemeis, d'onde pasisou por Carvo»eiro e
Paço de Sousa para Ponte Ferreira.
VIM
VIM i463
Legoas 15
Dada a acção de Poate Ferreira, retirou
para Penafiel; — d'ali passou para S. Mamede
de Infesta.
Legoas 8
Depois passou para Villa Nova de Gaya;
— regressou a S. Mamede, — tornou a passar
o Douro para Santo Ovidio, em 9 d'agosto
de 1833;— d'aii foi a Ovar, Aveiro, Coimbra,
Thomar, Santarém, Rio Maior e Alcoentre; —
volveu a Santarém, — foi a Abrantes;— vol-
veu a Coimbra;— depois a Thomar— e a 16
de maio de 1834 assistiu com o filho Au-
gusto (meu antecessor j á batalha da Assei-
ceira, na qual o pobre Augusto ficou ferido
e prisioneiro e, depois da convenção d'Evo-
ra-Monie, regressaram a sua pequena casa
de Santa Maria do Valle, concelho da Feira,
vendo-se de repente pobres como Job, quan-
do a fortuna lhes sorria, pois o nosso bio-
graphado já era tenente quartel-mestre e o
filho Augusto alferes, não lendo completado
ainda 18 annos.
E para cumulo da desgraça, post toí tàn-
tosque labores o nosso biographado, sendo
um bom homem, sempre generoso e pro-
penso a valer aos seus inimigos polilicos,
nas represálias que se seguiram á conven-
ção d'Evora-Monte foi barbaramente assas-
sinado no dia 17 de junho de 1834, deixan-
do a viuva e o filho expostos a duras con-
tingências.
Foi sepultado na matriz de Santa Maria do
Valle, contando 52 annos incompletos e ten-
do percorrido até o dia 27 de setembro de
1829
Legoas 5:353
Mais até á convenção 180
Total 5:533
— só em serviço e pela contagem d'aquelie
tempo.
Deus o tenha em bom logar.
Fecharemos este tópico dando na sua in-
tegra dois documentos muito importantes
para a biographia do meu antecessor, pois
que é este o ultimo ensejo que se nos oíTe-
rece para fallarmos d'elle e não sabemos se
Deus nos conservará a vida até chegarmos
com o suppiemento ao artigo Valle, nem se
ainda por essa oceasião teremos a nosso car-
go este diccionario, pois estamos fatigadís-
simos e anciosos por nos vermos livres
d'elle.
Desde fevereiro de 1884 até hoje 31 de
dezembro de 1886 não temos posto ò pé fóra
do Porto, — nós que tanto gostávamos de
passeiar e viajar, — e estamos fazendo serão
até ás duas horas depois da meia noite, dan-
do cabo dá vista e da existência.
Os dois documentos são as certidões do
baptismo e do óbito do meu antecessor.
1.»
«Eu abaixo assignado certifico que a fl.
96 de um livro findo de Baptismos da fre-
guezia de Penamacor d'este bispado da Guar-
da, achei o assento do theor seguinte :
«AUGUSTO, filho legitimo do primeiro
matrimonio de ambas as partes de José Ma-
thias, sargento de Caçadores numero quatro,
natural do Vimieiro, bispado d'Evora, e de
Rita de Cacia Soares d'Azevedo, natural de
Fermedo, bispado do Porto; neto paterno de
Matheus Martins e de Anna Maria Barrego-
sa, naturaes do Vimieiro, bispado d'Evora,
e materno de Francisco Antonio Soares de
Azevedo, natural de Fermedo, e de Anna
Maria de Pinho, da dieta freguezia de Fer-
medo, nasceu aos vinte e um de novembro
de mil oitocentos e dezaseis ^ e foi baptisado
solemnemente por mim, coadjuctor abaixo
assignado, aos trinta dias do dieto mez e an-
no. Foram padrinhos Christovão Palba d' Al-
meida e Anna Bernarda, e foram testemu-
nhas o padre Luiz Antonio Toscano e Vi-
cente Lourenço, do que fiz este termo que
assigno, dia, mez e era ut supra. O coadju-
tor Alexandre da Silva Robalo Freire,— o
1 Não disse onde, — talvez de propósito,
para não se expor a censuras do prelado,
pois o pobre Augusto, meu antecessor, como
elle próprio me disse, nasceu na freguezia da
Ajuda, concelho de Belém; e foi levado para
Penamacor, onde os paes n'aquelle tempo
tinham o seu domicilio, e ali o baptisaram.
1464 VIM
VIM
padre Luiz Antonio Toscano,— de Vicente
Lourenço uma cruz. E nada mais continha
o dieto assento que fielmente copiei do ori-
ginal, a que me reporto. Guarda 26 de ja-
neiro de 1884. O cartorário João Antonio
Martins Manso.»
2.»
«José Pereira Baptista Neves, abbade da
freguezia de Lordello do Ouro, concelho e
diocese do Porto, ete. Certifico que do re-
gistro parochial d'esta freguezia consta o
termo do theor seguinte :
t Aos dois dias do mez de janeiro do anno
de mil oitocentos oitenta e quatro, ás qua-
tro horas da manhã, na casa numero trezen-
tos noventa e tres da rua de Serralves, d'esta
freguezia de Lordello do Ouro, concelho e
diocese do Porto, faileceu, tendo recebido os
sacramentos da Santa Madre Egreja, um in-
dividuo do sexo masculino, por nome Au-
gusto Soares d'Azevedo Barbosa de Pinho
Leal, de idade de sessenta e oito annos ^,
viuvo de D. Maria Rosa d'Almeida e Castro,
escriptor publico, natural da freguezia da
Ajuda, concelho de Belém, diocese de Lis-
boa, e morador na dieta rua de Serralves,
filho legitimo (ignora-se) o qual não fez tes-
tamento, deixou filhos e foi sepultado no ce-
BQiterio d'esta freguezia. E para constar la-
vrei em duplicado este assento que assigno.
Era ut supra. O coadjutor Ignacio Gomes da
Motta.»
• Está conforme ao original.
• Lordello do Ouro, 10 de maio de 1884.
• O abbade José Pereira Baptista Neves.»
Ambos estes documentos foram sollieita-
dos e obtidos por mim e bastante trabalho
me deu o primeiro !. . .
V. Vianna do Castello, vol. X, pag. 461,
col. 2.»
Terminaremos dizendo que junto da po- |
voação de Claro Monte ha n'esla freguezia, a
uma legoa de Vimieiro, uma fonte denomi-
nada por Fonseca no deu Aquilegio Medici-
* Incompletos, pois nascêra em 21 de no-
vembro de 1816.
nal, — Fonte de mata peixes, porque morrem
(diz elle) todos os peixes que se lançam
n'ella.
! VIMIOSO — Villa, freguezia e séde do con-
celho do seu nome, comarca de Miranda do
Douro, districto e diocese de Bragança, pro-
víncia de Traz-os-Montes.
Priorado.
Orago S. Vicente Ferrer, martyr.— Fogos
380,— habitantes 1:628.
Em 1706 era villa e concelho, commenda
da ordem de Christo e titulo de condado; —
pertencia á comarca (corregedoria e prove-
doria) de Miranda;— o seu paroeho era rei-
tor da apresentação da coroa, — e contava
300 fogos na villa e seu termo, que eompre-
hendia Valle de Frades, Campo de Viboras,
hoje parochias d'este concelho, — e as povoa-
ções de Serapicos e S. Joannieo, parochia»
extinetas, hoje annexas á de Val de Frades.
É isto o que se deduz da Chor. Port.
Em 1768 era reitoria do bispado de Mi-
randa e da apresentação da casa do infan-
tado;— rendia para o seu paroeho SOí^OOO
réis— e contava (só a villa) 241 fogos.
Em 1791 contava apenas 200 fogos,— se-
gundo se lê na petição que o paroeho Anto-
nio Fernandes de Araujo n'aquella data di-
rigiu á rainha D. Maria I, como administra-
dora do mestrado e chaneellaria da ordem
de Christo, pedindo augmento de côngrua.
Archivo parochial de Vimioso.
Em 1796, segundo se lé na Descripção da
provinda de Traz-os-Montes pelo dr. Colum-
bano Pinto Ribeiro de Castro, corregedor de
Moncorvo e juiz demarcante da dieta pro-
víncia*, esta villa e este concelho perten-
ciam á comarca (ouvidoria) de Villa Real,
por serem do infantado n'aquelle tempo, e
contavam 446 fogos com i:919 habitantes,
sendo 925 do sexo masculino e 994 do sexo
feminino,— eeclesiasticos seculares 9,— pes-
I soas litterarias 1, sem occupação 31, nego-
ciantes 5, barbeiros 3, lavradores 173, jor»
naleiros 22, fabricantes de lã 3, alfaiates 16,
sapateiros 25, carpinteiros 6, pedreiros 3,
* Códice n." 486 da Bibliotheea Municipai
do Porto.
VIM
VIM 1465
ferreiros 10, ferradores 1, moleiros 6, cria-
das 20,— criados 22 — e cardadores 1261 .. .
Note-se que ioda a ouvido-
ria contava 130 cardadores e
por consequência mais 4 so-
mente.
Era pois Vimioso n'aquelle
tempo a terra dos cardadores.
Toda a comarca de Miranda
não tinha um cardador, alem
dos de Vimioso!;— toda a co-
marca de Bragança tinha ape-
nas 13;— ioda a de Moncorvo
134 e toda esta província 277.
Pertenciam pois a Vimioso
cerca de metade dos cardado-
res da toda a provinda 1
Não tinha porem um único pastor, nem
um soqueiro, nem um mineiro, nem um al-
mocreve, nem um latoeiro, nem um fabri-
cante de courama, nem um surrador, nem
um boticário, nem um fabricante de seda,
nem um serralheiro? ! . . .
O censo de 1864 deu a esta villa 331 fo-
gos e 1:28S habitantes,— e o de 1878 deu-lhe
355 fogos e 1:548 habitantes.
Demora em alta, alegre, saudável e vistosa
planície na estrada de Miranda para Garção^
Bragança, entre as ribeiras de Maçans, a O.,*
e Angueira, a E., confluentes do rio Sabor,
distando de qualquer das duas 3 kilometros;
—30 de Miranda para O. N. O.;— 40 de Bra-
gança para S. E.,— 60 da linha de Zamora,
em Hespanha;— 80 da estação do Pocinho,
hoje a mais próxima em Portugal, na linha
férrea do Douro;— 254 do Porto pela estação
do Pocinho na linha férrea do Douro 2,-260
do Porto por Macedo de Cavalleiros, Miran-
della, linha férrea de Mirandella, também
prestes a abrir-se á circulação, e linha fér-
rea do Douro, na qual entronca a de Miran-
della, na estação do Tmo;— 591 de Lisboa
1 Esta villa era do infantado, mas entrava
n'ella o provedor de Miranda.
2 Foi aberta á circulação até o Pocinho no
dia 10 do corrente mez de janeiro de 1887.
pela estação do Pocinho— e 597 pela do Tua,
linha de Mirandella e Macedo de Cavalleiros.
Este ultimo trajecto é mais longo, mas
preferível por ser todo em linha férrea des-
de Lisboa atè Mirandella e por haver dili-
gencias d'ali até Macedo de Cavalleiros, res-
tando apenas 45 kilometros para viagem em
sella, emquanto que o primeiro obriga a
transpor em sella 80 kilometros de barran-
cos do Pocinho até Vimioso e a passar em
barca o Douro, que no inverno faz tremer os
mais valentes; será porem este trajecto o
preferido, logo que se construa a linha fér-
rea, hoje em estudos do Pocinho a Miranda
do Douro e que deve passar a pequena dis-
tancia de Vimioso.
Também trazemos em estu-
dos a continuação da linha
férrea do Tua, de Mirandella
á fronteira por Bragança, e ou-
tras muitas, de que fallaremos
no supplemento. Entretanto
vejam-se os artigos Vias Fér-
reas, vol. X, pag. 475 e 478 —
e Villarinho das Paranheiras.
Freguezias limitrophes : — Caçarelhos,
Campo de Víboras, Garção, Pinello e Valle
de Frades, todas d'este concelho, que com-
prehende mais as seguintes : — Algoso, An-
gueira, Argosello, Avellanoso, Matella, San-
tulhão, Uva, Villa Secca e Vimioso.
Total :
Freguezias 14
Fogos pelo recenseamento de 1878 2:556
Habitantes. . 10:445
Prédios inscriptos na matriz 23:655
Superflcie em hectares 55:669
Concelhos limitrophes:— Miranda do Dou-
ro, séde da comarca, — Mogadouro, Macedo
de Cavalleiros e Bragança,— m Portugal^
pois a N. confma com a Hespanha, distando
Vimioso apenas 10 kilometros da raia— e 15
da villa de Alcaniças, povoação hespanbola
importante, formada quasí exclusivamente
por contrabandistas.
Producções dominantes d'esta freguezia e
i466 VIM
VIM
d'e8te concelho: — cereaes, vinho, azeite, cas-
tanhas, batatas e lã, pois criam bastante ga-
do lanígero, muar e vaccum da celebre raça
mirandesa ^.
A producção do vinho era importante e
uma das mais rendosas, mas tende a desap-
parecer em toda esta província, porque a
maldita phylloxera invadiu e jà anoiquilou
a maior parte dos seus vinhedos.
V. Villa Real de Traz-os-Montes, vol. XI,
pag. 1012 a 1016,— Viílarinho de Cottas e
Villarinho de S. Romão,
Esta freguezia não comprehende aldeia.
Toda a sua população está concentrada na
Villa do seu nome. Apenas tem 2 quintas ha-
bitadas:—a de S. Thomé, de João Ferreira
Sarmento, de Bragança, coronel de eavalla-
ria n.° 7, — e a de Santo Amaro, ou Picadei-
ros dft .losé Ignacio Luiz Affonso e Manuel
José Alves, ambos de Vimioso, e de Joaquim
Bariholomeu, de Caçarelhos.
Todas as estradas d'esta freguezia e d'e8te
concelho são com pequena differença os mes- i
mos barrancos dos princípios da nossa mo-
narchia e talvez do tempo dos mouros e dos
godos. Apenas tem Já estudada e em prin-
cípios de construcção uma estrada munici-
pal a macadam om direcção á fronteira.
V. Villa Real de Traz-os-Montes, vol. XI,
pag. 1016 a 1018, onde se encontra uma li-
geira nota de viação d'esta província,— e
Villarinho dos Gallegos.
Templos
!.• — A egreja matriz, ampla, elegante, de
uma só nave, com tecto de abobada, duas
torres na fronteria, boas decorações e bem
conservada. 2 Apenas tem uma fenda na abo-
bada do tecto desde o terramoto de 1 de no-
vembro de 1755.
É um dos melhores templos d'esta pro-
víncia, depois da sé de Miranda e daf matriz
de Moncorvo.
^ V. Villarinho da Castanheira e Villari-
nho dos Gallegos.
2 É toda de bella cantaria de granito e de
architectura toscana.
A velha matriz de Vimioso estava f fóra da
Villa, cerca de 600 metros ao norte, nno sitio
do Calvário, assim denominado porquue para
memoria ali pozeram e se conservamn ainda
3 cruzes de granito.
Por ser pequena e se achar em ruiiinas, foi
no tempo de Filíppe I feita de novo > e tras-
ladada para a villa. Deu o ehão para'a ella o
morgado João Mendes Antas, mesnmo ena
frente da porta principal da sua cassa, pelo
que, sem pôr pé na rua, podia asssistir à
missa.
E não só deu o chão para a nova i egreja,
mas uma junta de bois com carro e i criados
durante os 25 annos que durou a comstrue-l
ção d'ella— e n'ella construiu a cappella do
seu morgado, dando-lhe a invocação t de Nos-,
sa Senhara da Conceição (até ali era i da Ma-j
gdalena) — capella que ainda hoje 1 lá se vô
com o brasão do fundador, ou dos , Mendes
Antas, dos quaes logo fallaremos.
Data pois a egreja actual dos flnsis do sé-
culo XVI. Não se sabe quando foi feitita a an-
tiga, mas consta que esta parochia fobi erecta
no tempo de D. Ramiro I, de Leão, poelos an-
nos de 824 a 850, e que este rei lhe t deu co-
mo orago S. Vicente, segundo se lia i em va-
rias inscripçòes encontradas quandoo se de-
moliu a egreja velha, e em outras qque pos-
teriormente appareeeram, nenhunma da|
•quaes hoje existe. |
2. ° — Egreja da Misericórdia, pertenncente á
irmandade d'este titulo, que é pobrire e não
tem hospital.
. Foi esta egreja fundada em 15553 por D.
Catharina de Quinhones, aya de D.'. Calha-
rina, mulher de D. João IIL
3. " — Capella de S. Sebastião.
É publica, espaçosa e muito eleganhte; — es-
tá fóra da villa em um grande larrgo, maaj
infelizmente em completo abandono > e muito
mal tractada !. . .
4.0 — Capella do Santo Christo, t também
publica e muito elegante.
Está hoje dentro do cemitério paarochiaí,
mas era muito mais antiga.
S°~Capel.la de Nossa Senhora dom Remé-
dios, no largo d'este nome, na extre-emidade
da villa, do lado de Bragança.
VIM
É também publica, muito querida do po-
vo e está muito bem traetada.
6. " — Capella de Nossa Senhora dos Anjos
e S. Jeronymo, lambem denominada Senho-
ra da Pereira, no monte d'e8te nome, em
sitio alto e com vastíssimo horisonte.
Era também publica, mas cahiu em mi-
nas e d'ella hoje apenas restam as paredes.
7. ° — Capella de S. Miguel, no valle d'este
nome.
Era também publica e está igualmente em
ruinas.
Ha n'esla parochia muitos valles amenos
e férteis, mas este de S. Mg^Me/é o mais mi-
moso e mais fértil de todos, abundantissi-
mo d'agua excellente de veia nativa, tanto
potável como de rega, e todo povoado de
campos, hortas, flores e de arvoredo frueti-
fero.
É o jardim de Vimioso e muito bem agri-
cultado por estar dividido em pequenas cou-
rellas por quasi todos os habitantes d'esta
parochia:
Capellas particulares
l* — Nossa Senhora da Conceição, na ma-
triz.
É brasonada e foi vinculada, como já dis-
semos.
Pertence á nobre familia Mendes Antas.
'i.*— Nossa Senhora da Conceição (outra)
na rua da fíopadoura.
Era tambpm vinculada, pertencente aos
Moraes Farias Sarmentos, e estava unida ás
casas d'elles. Foram seus últimos represen-
tantes Pedro José Faria de Sá Sarmento e
seu filho Carlos José Faria, o qual obteve
uma provisão regia para dpsfazer o morga-
do e depois empenhou e vendeu tudo ? I . . .
A dieta capplla está bem conservada e per-
tence hoje, bem como o palacete contíguo,
ao sr. Alfredo Augusto de Moraes Carvalho,
de quem logo fallaremos.
3.»— S. João Baptista.
Pertenceu * á nobre familia Ferreiras e está
incorporada na frente das casas que habita-
vam na rua da do Castello.
1 Esta Capella de S. João Baptista, hoje
VIM 1467
4. ? — Nossa Senhora do Bom Despacho, no
monte das Pereiras, pertencente á nobre ca-
sa dos Lousadas.
Está em ruinas.
Na dieta casa viveu ultimamente D. Bi-
biana Osorio d'Albuquerque, viuva de Ay-
res Ferreira de Sá Sarmento, pae de Fran-
cisco José Sarmento de Lousada, que foi co-
ronel dos Dragões de Chaves.
Os representantes d*esta familia acham-se
hoje dissiminados por Bragança, Chaves e
Tinhella, onde possuem boas casas.
A dieta sr.* D. Bibiana casou em segun-
das núpcias com João Mendes Antas, mor-
gado de Paradella.
5. » — S. Thomé, na grande quinta d'este
nome.
Éstá em ruinas.
6. » — Santo Amaro, ainda bem conservada
e distante de Vimioso 5 kilomelros.
Foi vinculada e pertencente á nobre fami-
lia Vasconcellos — demora na grande quinta
dos Picadeiros e nVIla jaz o ultimo adminis-
trador d'este vinculo, Quirino .Tosé de Sam-
paio e MpIIo, fidalgo respeitabilissimo, que
falleceu em 9 d'agosto de 1860, sendo por
sua morte retalhado o vinculo.
Logo fallaremos d'estas duas grandes
quintas em tópico especial.
7. ' — Nossa Senhora dos Remédios, na casa
dos Sousas Roboredos.
Famílias nobres
Até á extincção dos vincules foi . esta villa
de Vimioso um viveiro de nobresa, como a
de Villa Flor.
Teve 12 casas nobres:— Vasconcellos, An-
tas, Moraes Antas, Gamas, Sampaios, Farias
Sarmentos, Lacerdas, Pimenteis, Ferreiras,
Madureiras, Eças e Sousas, — não contando
as suas numerosas ramificações.
Das mais antigas eram os Vasconcellos e
Sampaios, ramo dos Vasconcellos por D.
Vasco Pires da Torre. Actualmente repre-
senta estas duas nobres casas o sr. João An-
profanada, ainda tem na frente o brasão dos
Ferreiras, mas hoje pertence a estranhos,
bem como a casa que foi dos Ferreiras.
1468 VIM
VIM
totiio de Moraes Antas, d'esta villa, neto mais
velho do ultimo representante Quirino José
de Sampaio e Mello.
O mesmo J. A. de Moraes Antas represen-
ta lambem a família do seu appellido como
única vergontea d'esta linhagem e ultimo
neto do ultimo representante d'ella— Ma-
nuel Ignacio de Moraes Antas,— penúltimo
capitão-mor de Vimioso.
Bepresenta a 1.* e 2.* familía, por se achar
extincto e retalhado o vinculo, que por mor-
te do seu ultimo administrador foi repartido
pelos seus herdeiros, dos quaes alguns já
morreram esmolando e outros seguem o
mesmo rumo, — graças á extincção dos vín-
culos 1,
Assim acabou uma das mais ricas e mais
nobres casas do Vimioso I. . .
A familia Mendes Antas, igualmente nobre
e salda do mesmo tronco, ainda se conserva
florescente.
Foi seu ultimo representante o ultimo ca-
pitão-mór de Vimioso, — Luiz José de Figuei-
redo Mendes Antas, fallecido em 1845,— e ó
seu digno representante actual José Maria
de Figueiredo Mendes Antas, filho do men-
cionado capitão-mór e que tem sido admi-
nistrador d'este concelho. Vive na casa pa-
terna. Da mesma familia ha um ramo em
Villa do Conde, representado por Luiz .4n-
tonio de Figueiredo Antas, e outro em Valle
de Fradinho, concelho de Macedo de Caval-
leiros, representado por D. Maria Augusta
de Figueiredo Antas, ali casada com Agos-
tinho Antonio Pires de Queiroz,— esta filha
legitima e aquelle filho natural do dicto ca-
pitão-mór.
A casa solar dos Antas, é o Paço das An-
tas, no concelho de Coura, da qual é hoje
senhor e muito digno representante Joaquim
José d' Antas Bacellar e Barbosa.
Da familia Gamas, restam só a tradição e
memorias de vários casamentos com diffe-
rentes indivíduos d'esta villa a principiar
pelo casamento de D. Juliana Dias da Gama,
* V. Villa Real de Traz-os-Montes, vol. Xí.
pag. 102!, col. 1.»
I filha do conde e vice-rei D. Vasco da Ga-
I ma, com Belchior Vaz Borralho, de Viimioso,
i de quem procederam D. Francisco Víaz Bor-
ralho Mendes Vasconcellos Figueiroa,, etc.
Da nobre casa dos Farias foi peumltimo
representante o morgado Pedro José de Fa-
ria Sá Sarmento, cujo filho aniquiloui toda a
casa, como ja dissemos, e morreu sollieiro e
sem successão.
Da nobre familia Lacerdas, que viivia na
rua da Oliveira, quasi defronte da cadeia
antiga, lambem apenas resta a memoriia, por-
que o seu ultimo representante, Manuiel Cae-
tano de Lacerda, já depois do meiadto d'este
século, sendo um grande proprietária) e fal-
lecendo solteiro, deixou lodos os seuis bens
a uma criada I . . .
A familia Pimenteis, uma das mais nobres
e mais antigas de Vimioso, acabou ha muito.
A nobre familia Madureiras transf(eriu-se
para Miranda do Douro e foi seu ultiimo re-
presentante um coronel de milícias d'2aquella
cidade.
Da nobre familia Eças de Vimioso já não
se sabe quem foi o seu ultimo repjresen-
tantd.
Suppõe-se que procedia d'algum dos 42
filhos de D. Fernando d'Eça, o 1." d'eíste ap-
pellido, filho do infante D. João e da, desdi-
tosa D. Maria Telles de Menezes, irmã da
rainha D. Leonor Telles de Menezesj, e quo
viesse para Vimioso no tempo de D. Mendo
Affonso Mendes de Vasconcellos, seu paren-
te, senhor d'esta villa.
Da nobre familia Sousas foi ultimo) repre-
sentante no 2.' quartel d'este século . José de
Sousa Roboredo Quina, grande proprrietario,
casado com D. Francisca, moradores na rua
da Malhada, mas um bello dia, enfaistiados
com o monótono viver de Vimioso, vende-
ram todos os bens que ali tinham ei foram
para Lisboa, d'onde não mais voltaraam.
Os Sampaios eram um ramo dos senho-
res de Villa Flor de Traz-os Montes..
A villa
Apesar da decadência d'esta prmvincia,
nomeadamente d'este malfadado distn*icto de
Bragança, hoje o mais pobre de todo to nosso
VIM
VIM 1469
paiz e o maia desprovido de melhoramentos
públicos, Vimioso é uma villa muito habitá-
vel e apresenta-se galhardamente.
Tem uma boa feira mensal no dia 10 de
cada mez, sendo muito importante a de 10
d'agosto, casas eommerciaes bem monta-
das,—um bom cemitério,— estação telegra-
phica desde fevereiro de 187S,— ricos pro-
prietários e bons edifícios públicos e parti-
culares, avultando entre elles a egreja ma^
triz a leste da Praça, e os novos paços do
concelho, construídos em 1863 a 1866, muito
sólidos e muito amplos, onde se aceommo-
dam perfeitamente a camará da villa, o tri-
bunal judicial, a cadeia, a administração do
concelho, a direcção da alfandega, e a re-
partição da fazenda, etc, a O. da dieta pra-
ça, no fundo da qual se ergue um lindo cha-
fariz.
Tem 3 bons largos: — da Praça, da Se-
nhora dos Remédios e do Castello,— e 7 ruas:
— De Traz, da Calçada, da Cadeia, da Ma-
lhada, da Portella, da Carreira dos Cavai-
los e dos Barreiros.
Tem duas aulas oflBciaes de instrucção
primaria elementar para os dois sexos e um
bom edificio escolar denominado do Conde
de Ferreira, porque foi feito com o subsidio
deixado por aquelle benemérito capitalista
portuense.
Ergue-se no local onde pompeou desde
séculos remotíssimos o castello de Vimioso,
que teve uma longa serie d'aleaides-móre8
e que foi terraplanado para a eonstrucção
da dieta escola, tendo servido os seus fossos
de cemitério da villa, desde 1834 até 1861,
data da eonstrucção do novo cemitério.
Desappareeeu completamente, mas quem
quizer saber o que íoi o Castello de Vimio-
so, no século xvi, encontra na Torre do Tom-
bo a planta fiel d'elle e d'outros muitos dos
nossos castellos e praças d'aquelle tempo,
mandada tirar por el-rei D. Manuel.
Este de Vimioso tinha uma torre e 3 bas-
tiões com suas casas- maltas, fossos, etc, o
que tudo foi arrasado em 1762 pelo conde
* Logo fali aremos da grande feira do S.
MigueCqae perdeu em 1762.
VOLUME XI
de Sarria, general hespanhol, na invasão que
teve legar n'aquella época.
De passagem diremos que ha n'e3te con-
celho um Castello também muito antigo, ain-
da ameiado e bem conservado, muito vistoso
e lindíssimo. É o Castello de Algoso.
Também teve esta villa uma atalaia no
sitio assim denominado a leste do Vimioso,
da qual ainda resta uma torre muito solida
com alguns metros d'altura.
Esta atalaia è anterior à nossa monar-
chia e talvez á oceupação árabe e goda— e
em volta d'ella se vê ainda restos d'um
grande fosso, o que tudo leva a crer que
houve ali um castro romano.
Também se encontram ainda no termo de
Vimioso vestígios de mais tres castros, que
o vulgo denomina castros dos mouros: — um
está no fundo do Valle de S. Miguel, ainda
com paredes bem conservadas;— outro na
margem esquerda do rio Angueira, junto do
moinho de José Marcos e da grande quinta
dos Picadeiros, no sitio da Terronha; — ou-
tro na Batoqueira, margem esquerda do rio
Maçans. Ali se vé também duas grandes ro-
chas, que são dois monumentos archeologi-
cos, muito dignos de especial menção. De-
nomina-se uma d'ellas Fraga do Muro e tem
dentro abertas a pico tres grandes salas, pa-
ra as quaes se entra a custo por um buraco,
também aberto a pico, no bojo do dicto pe-
nedo, a bastante altura do solo;— a outra
denomina se Forno da Batoqueira eiem den-
tro uma grande sala, para a qual se entra
por um grande orifício ao rez do chão, tudo
aberto egualmenie a pico !
Suppõe-se que foram esconderijos feitos
pelos ehristãos no tempo da oceupação
árabe.
Como velharia histórica mencionaremos
também o Prado de Cabanas, cerca de 4 ki-
lometros a leste de Vimioso, pois ali, no rei-
nado de D. Manuel, estanciaram os judeus
que de Castella Velha foram expulsos pelos
reis catholicos e que fugiram para Portugal,
entrando na villa de Alcaniças. No dicto
prado viveram aquelles infelizes tres annos;
depois a custo se foram estabelecendo nas
povoações de Vimioso, Argozello, Carrão,
Bragança e outras d'este distrieto, mal ima-
93
1470 VIM
VIM
ginando os trabalhos e perseguições que em
Portugal os esperavam lambem.
Ha finalmente em Vimioso duas hospeda-
rias;— agua potável exeellente em abundân-
cia,— uma nascente d'aguas férreas e outra
de aguas sulphureas no sitio da Terronha,
embora mal exploradas e mal aproveitadas
ainda.
Ha também n'e8te concelho varias minas
de cobre, chumbo, galena de prata, antimo-
nio e outros metaes, simplesmente registra-
das,—e grandes jazigos de mármore e ala-
bastro, dos quaes logo faltaremos.
Vicissitudes
Desde tempos muito remotos se fazia em
Vimioso, — no prado de S. Miguel — uma feira
franca annual importantíssima, denominada
de S. Miguel, que principiava no dia 29 de
setembro e durava um mez.
Era muito concorrida por gente de Por-
tugal e da Hespanha e multo abundante de
gados e fazendas de toda a ordem, mas aca-
bou no anno de i762, por occasião da guerra
com a Hespanha, e passou a fazer-se no Mi-
nho, no concelho de Refoios (hoje Cabecei-
ras de Basto) na freguezia do Arco de Baú-
lhe, no mesmo dia 29 de setembro,— e parte
d'e]la passou para Zamora, na Hespanha,
ainda hoje denominada Feira dos Botigei-
ros.
Vimioso soíTreu muito com a extincçào e
remoção da dieta feira e mais ainda com os
excessos de toda a ordem praticados pelo
conde de Sarria, general hespanhol que
n'aquella data (1762) invadiu, saqueou e
incendiou Vimioso, então vilia muito pros-
pera e florescente, e levou a flor dos seus
habitantes para Pamplona, onde todos mor-
reram prisioneiros, sem voltarem á pátria.
Os restantes membros das suas familias no-
bres foram viver em outras povoações: — os
Ferreiras em Bragança; — os Moreiras e Sa-
mêdos em Lisboa; — os Madureiras em Cha-
ves;— 08 Lousadas em Vinhaes, — e outros
acabaram de todo.
Apenas ficaram na villa os Mendes Antas,
03 Moraes Farias e os Seixas Pegados.
Contingências da guerra ! . . .
O antigo concelho de Vimioso comprehen-
dia apenas a parochia da villa, a de Valle de
Frades, a de Campo de Viboras — e as po-
voações de Sarapicos e S. Joannico, forman-
do uma commenda que foi de D. Antão,
conde d'Almada. Em 1835 foi Vimioso ele-
vado a cabeça de uma grande comarca, com-
prehendendo todos òs povos dos antigos con-
celhos d'Algoso, Miranda do Douro, Outeiro
e Vimioso; mas durou esta comarca apenas
até 1839, ficando então a villa de Vimioso
reduzida a séde de um pequeno concelho (o
actual) coraprehendendo apenas li fregue-
zias, já mencionadas, mas é um dos mais ri-
cos do districto de Bragança, porque produz
muitos cereaes (trigo, centeio, milho e ceva-
da) vinho, azeite, castanhas, balatas, linho,
legumes, hortaliça e fructa. Também cria
muito gado cavallar, muar, ovino, caprino
e suino; — tece muita lã e linho;— tem fabri-
cas de cortumes e ricas pedreiras de már-
more e de alabastro, em exploração, alem
de varias minas de difi'erentes metaes, sim-
plesmente registradas,- -e deve prosperar
muito com a linha férrea do Pocinho a Mi-
randa do Douro.
Bios
Banham esta parochia os rios: — Anguei-
ra ao nascente e Maçans ao poente, que
unidos morrera no Sabor a 30 kilomeiros de
distancia. Nos limites d'esta parochia tem
cada um sua ponte de pedra e movem nove
moinhos.
O Angueira nasce em Hespanha junto de
Alcaniças; entra em Portugal na freguezia
de S. Martinho, concelho de Miranda; — pas-
sa na freguezia d' Angueira, d'este concelho
de Vimioso, a qual tomou d'elle o nome; —
corta a meio a povoação e extincta parochia
de S. Joannico, onde tem uma ponte; — con-
tinua a correr de N. E. a S. O. até á fre-
guezia de Uva, que deixa á esquerda; — re-
cebe d'este lado, um pouco a jusante, uma
ribeira que vem de Genisio, concelho de Mi-
randa do Douro;— descreve depois uma cur-
va e corre de E. S. E. á O. N. O. por baixo
(â S.) da villa d'Algoso até formar juneção
VIM
VIM 1471
com o rio Maçam, tendo de curso total até
aqui mais de 40 kiiometros, attendendo ás
muitas voltas que dá.
O rio Maçans nasce na Hespanha em San-
ta Cruz de los Conejos, forma a raia desde
a povoação da Petisqueira até à freguezia de
Paradinha, conceiilo de Bragança, na ex-
tensão de 20 kiiometros; — depois entra todo
em Portugal e, correndo sempre de N. N. E.
a S. S. O., passa entre Vimioso e Garção; —
no termo d'Algo3o recebe o Angueira e, ca-
minhando para S. O., desagua no Sabor, ten-
do de curso total 60 kiiometros approxima-
damente.
Ambos regam e moem criando muito peixe
miúdo.
O rio Maçans, tomou o nome da aldeia de
Maçans, freguezia de Paramio, concelho de
Bragança;— o Angueira, na opinião do meu
benemérito antecessor, denomiaou-se pri-
m\li\3imente Auguieir a e Enguieira, por criar
muitâs enguias, e sigoiíica rio das Enguias,
mas na minha humilde opinião tomou o no-
me de anguis, a cobra, por ser muito tor-
tuoso e imitar no seu curso o movimento
das cobras, o que evidentemente revela a
simples inspecção do mappa.
Era vez de o denominarem Rio Torío, co-
mo denominaram outros semelhantes, de-
ram-lhe p nome de Anguieira, hoje Anguei-
ra,—lUo da Cobra.
Também pelo mesmo motivo alguém diz
que o rio Coura tomou o nome de coluber,
a cobra.
V. Angueira, Maçans e Coura.
Esta parochia já foi abbadia e reitoria.
Hoje é priorado.
Administrativamente foi sempre a séde do
concelho do seu nome; — judicialmente per-
tenceu à comarca (provedoria e corregedo-
ria) de Miranda e à ouvidoria de Villa Real,
depois que passou para a casa do infantado.
Também pertenceu à comarca do Moga-
douro, da qual por ultimo volveu à comarca
de Miranda, tendo sido também algum tem-
po comarca própria com juiz de fóra e ca-
pitão mór, como já dissemos.
Ecclesiasticamente pertenceu ao arcebis-
pado de Braga até 1545, data em que D.
João III creou o bispado de Miranda e ficou
Vimioso pertencendo a este bispado, que to-
mou o nome de bispado de Bragança depois
que o bispo D. Aleixo transferiu a sède epis-
copal para Bragança, em 1764.
V. Miranda, vol. V, pag. 333, col. 2.' m-
fine.
D. Manuel deu-Ihe foral em 5 de março
de 1516.
Livro de Foraes Novos de Traz-os-Montes ,
íl. 72, V. col. 1.»
Veja-se a Inquirição para este foral no
Corpo Chronologico, parte II, maço 11, Do-
cumento 154, — e os apontamentos para o
mesmo foral no Maço 9 de foraes antigos, n.°
14, onde sob o n.° 15 se encontra um dos
originaes do dicto foral de 1516.
Estranhamos que não tivesse foral velho ^
mas nem Franklin, nem o Portugaliae Monu-
menta, nem João Pedro Ribeiro d'elle fazem
menção.
Quintas
i Como já dissemos, ha n'esta parochia
duas grandes quintas:
1." — Santo Amaro ou Picadeiros, outr'ora
vincular, hoje de differentes possuidores,
por morte do seu ultimo dono, adminií»-
trador d'esle vinculo e senhor d'oulras mui-
tas propriedades— Quirino José de Sampaio
e Mello, como também já dissemos, ramo
dos Sampaios de Villa Flor e dos Mendes,
Antas e Vasconcellos, distinctissimos fidal-
gos de Vimioso.
É muito interessante, muito longa e ao
mesmo tempo triste e lúgubre a historia
d'e9ta quinta.
Em resumo diremos que nos principies da
nossa raonarchia esta quinta dos Picadeiros
era uma parochia, senhorio dos ascenden-
tes dos Mendes Vasconcellos; revoltando se
porem os seus habitantes contra o senhor
d'ella, homem muito poderoso, laes luctas e
desordens se seguiram, tantas mortes e tan
tas desgraças, que toda a parochia ficou re ■
duzida a dois moradores, caseiros do tal se-
nhorio ? ! . . .
Era a quinta dos Picadeiros uma das mais
vastas da província, porque ficou compre-
hendendo todo o chão da exlincta parochia.
1472 VIM
VIM
Antes de ser dividida e retalliada, linha
de eircumfereneia cerca de 10 kilometros;
— estava Da margem esquerda do Angueira,
que regava e feriilisava extensos campos
d'ella;— distava de Vimioso 4 a 5 kilometros
e 15 a 20 de Miranda, — e confinava a O.
com o rio Angueira;— Sl N. com o grande
Cabeço de Montouto;—SL E. com o monte Pe-
driço e termo de Caçarelhos, — e a S. com o
termo de Villa Chã da Ribeira (Vide) paro-
chia hoje também extincta e annexa á de
Uva.
Como prova do cataclismo por que passou
a desgraçada freguezia dos Picadeiros, ainda
hoje se vê no chão da quinta d'este nome
ruínas de casas, montões de pedras soltas,
alicerces de edificações e outros muitos ves-
tígios do seu antigo povoado.
É tão momentoso o facto alludido que não
podemos resistir á tentação de dar-lhe mais
algum desenvolvimento, aproveitando o que
se lê na própria genealogia dos Mendes Vas-
eoncellos ^, n'aquelle tempo senhores d'esta
Villa de Vimioso e de grande parte da tal
freguezia, depois simples quinta dos Picadei-
ros.
Genealogia dos Mendes Vasconcellos
D. João, fllho d'el-rei D. Pedro I, o cru, e
de D. ígnez de Castro, casou tres vezes: — a
1.* com D. Maria Telles de Menezes, que de-
pois assassinou; — a 2.» com D. Constança,
filha bastarda de D. Henrique de Castella; a
3.* com D. Maria Mendes de Vasconcellos,
filha e herdeira de Juanis Mendes de Vas-
concellos, senhor de Bragança, da qual teve
entre outros Olhos o seguinte:
!.• — D. Fernando Mendes de Vasconcellos.
Casou com D. Anna de Menezes, filha de
D. Pedro de Menezes, 1.° capitão de Ceuta,
i.» conde de Villa Reale 2,« conde de Vian-
na, 2 e teve
1 Vejam se os n." 268 e seguintes do 6.»
anno do Pombalense, onde o sr. Luiz Anto-
nio de Figueiredo Antas, residente em Villa
do Conde e aeiual representante de um dos
ramos dos Mendes Vasconcellos, publicou a
genealogia dMles.
2 V. Villa Real de Traz os-Montes, vol. XI,
pag. 9S3 e seg.
2. " — D. Mendo Affonso Mendes de Vascon-
cellos.
Foi senhor de Vimioso e casou cora D.
Luiza Vaz Borralho, filha de D. Francisco
Vaz Borralho, senhor de Urros, e d'e8te ma-
trimonio tiveram D. Mendo Mendes Vaz Bor-
ralho, balio de Leça, commendador d'Algo-
80, etc, — e
3. " — D. João Vaz Borralho, também se-
nhor de Vimioso.
Casou e teve
4. » — D. Francisco Mendes de Vasconcellos,
o heroe da pendência.
Foi também senhor da villa de Vimioso,
na qual instituiu o morgado da Torrem si-
tio da Carreira dos Cavallos, onde vivia, em
uma casa que n'aquelle tempo tinha uma
torre, e ao dicto morgado vinculou terras,
fóros e rendas que havia herdado dos seus
maiores na tal freguezia dos Picadeiros, on-
de possuía também casas nobres com uma
torre.
Casou com D. Ignez Taveira de Figueiroa,
da cidade de Salamanca, filha de D. João
d'Alva Figueiroa, regedor perpetuo d'aquel-
la cidade, senhor de Villa Maior, Almenares
e Tordilho e senhor de soga e cuchilo I . .
Casou em 1480 e, como a esposa tivesse a
família em Salamanca, ali fixou elle tam-
bém a sua residência durante 13 annos, ou
até 1493, data em que regressou a Vimioso,
onde, como senhor da víIla, foi muito bem
recebido por todos, exceptuando os habitan-
tes da freguezia dos Picadeiros que, na au-
sência d'elle, se haviam recusado a pasar
aos seus criados e procuradores as rendas e
foros e já deviam avultadas somraas de mui-
tos annos.
Tentou D. Francisco trazel-os a melhor
accordo, mas elles persistiram no propósito
de não pagarem, pelo que D. Francisco Men-
des, com o pretexto de fazer uma caçada,
foi um dia com os seus criados á povoação
dos Picadeiros, para ver se o» resolvia a pa-
garem-lhe os foros e rendas; mas, apenas
ali chegou, levantaram-se em massa os mo-
radores da freguezia e correram armados
contra elle com paus, pedras, espingardas,
fouces e forcados, pelo que D. Francisco te-
ve de acolher- se á sua torre com os seus
VIM
VIM 1473
criados, perecendo logo no primeiro recon-
tro um dos que elle mais estimava.
Cercaram e assaltaram a torre durante
dois dias, perecendo n'este assedio outro
criado de D. Francisco, varado por duas ba-
las que lhe atravessaram o peito, e ficaram
outros feridos, mas por seu turno foram
também feridos muitos dos assaltantes e
mortos cinco 1 . . .
Eram vésperas de JNatal ou de festa (1) e,
como ao soar da meia noite do dia 24 de de-
zembro de 1493, os sitiantes corressem to-
dos para a egreja a ouvir a missa do galo,
D. Francisco, aproveitando o ensejo, fugiu
com 08 seus criados para Vimioso. Passados
dias, foi procurar el rei D. João II, que en-
tão estava na villa d'Alvôr;— expoz-lhe a
triste occorrencia, pedindo-lhe perdão das
mortes feitas em defesa própria, e, como es-
tivesse a partir uma armada para Ceuta, of-
fereceu-se para ir n'ella.
El -rei o ouviu com attenção;— aeceitou o
seu offerecimento; — nomeou-o logo capitão
de mar e guerra — e com este posto partiu
D. Francisco Mendes a 2 de março de 1494
para a Africa, a bordo da nau Senhora da
Guia.
Mandou também logo el-rei ordem ao dr.
João Bernardes da Silveira, chanceller da
relação do Porto, para que fosse devassar do
caso succedido, com amplos poderes para a
execução de tudo o que fosse direito e jus-
tiça.
Partiu o chanceller immediatamente para
Bragança, aonde chegou no dia 22 de mar-
ço do dicto anno e d'ali partiu para Vimio-
so, aonde chegou no dia 24, acompanhado
por duas companhias de cavallaria e outras
duas de infanleria. Tratou logo de informar-
se e no dia 28 pelas duas horas da noite
mandou cercar toda a povoação dos Pica-
deiros e pôr sentinellas dobradas em volta
das habitações dos cabeças do motim, que
eram o capitão Antonio Duarte, — seu irmão
Francisco Duarte,— João da Costa, criado do
dicto capitão, e auetor da 1.* morte, — Pedro
Nunes Furão, Antonio Rilhado, Domingos
Annes, João Fernandes Piealho, Antonio Es-
teves e Francisco d' Almeida Bailão, que foi
quem matou o segundo criado.
No dia seguinte foram estes todos presos,
algemados e remettidos uns para o forte de
Bragança, outros para as cadeias de Algoso,
e Mogadouro, logrando evadir-se outros
muitos também comprehendidos na mesma
ordem de priâão.
O chanceller poisou em Vimioso no palá-
cio de D. Francisco Mendes de Vasconcello»
e ali deu andamento á devassa, no fim da
qual mandou ir do Porto para Vimioso um
carrasco e de Bragança os 7 presos seguin-
tes:— Antonio Duane, João da Gostn, Fran-
cisco d' Almeida Bailão, Pedro Nunes Furão ^
Antonio Rilhado, Domingos Annes e João
Fernandes Piealho.
Apenas chegaram a Vimioso os sete infe-
lizes, mandou-os metter em um quarto se-
guro e forte, com guardas dobradas, até o dia
16 d'abril de 1495, dia em que appareceram
levantadas tres forcas no monte do Sardual
ou Carvoal, em frente da extincia parochia,
hoje simples quinta dos Picadeiros.
Foram os presos postos em esteiras ata-
das a cavallos e assim deram tres voltas em
redor da praça e do pelourinho; — depois fo-
ram conduzidos em préstito até á capella da
Nossa Senhora dos Remédios, sendo exhor-
tados em lodo este tranzito por dois padres;
—na dieta capella se disse missa e fez uma
tocante pratica o padre Antonio Pimentel; —
depois foram levados para o patíbulo, con-
fessados e por ultimo enforcados.
Terminada a execução, foram-lhes corta-
das as cabeças. A do capitão, a do criado
d'este, a de Francisco d'Almeida Bailão e a
de Pedro Nunes Furão foram levadas para
a povoação dos Picadeiros e ali estiveram no
local do crime collocadas em altos postes até
que 08 bichos e o tempo as consumiram; —
as dos outros 3 ficaram espetadas nas for-
cas onde foram justiçados.
Os outros habitantes da pobre freguezia
dos Picadeiros fugiram aterrados para Cas-
tella, onde se estabeleceram junto da villa de
Alcaniças, no local ainda hoje denominado
Bimbineira, sendo-lhes confiscado tudo
quanto possuíam na freguezia dos Picadei'
1474 VIM
VIM
ros, pelo que ficou totalmente deserta e re-
duzida a uma simples quinta ?j. . A
Os presos que haviam ido para as cadeias
de Algoso e Mogadouro foram degradados.
D. Francisco Mendes de Vasconcellos re-
gressou cora a armada a Lisboa no dia 18
de novembro do mesmo anno de 1495 e, pas-
sados poucos annos, falleceu deixando entre
outros filhos
5. » — D. Estevam Vaz Borralho Mendes de
Vasconcellos Figueiroa, que foi também se-
nhor de Vimioso e administrador do morga-
do da Torre e da quinta dos Picadeiros.
6. " — D. Belchior Vaz Borralho^ que foi
também senhor de Vimioso e da quinta dos
Picadeiros, etc.
Casou com D. Juliana Dias da Gama, fi-
lha do conde D. Vasco da Gama, descobri-
dor e vice-rei da índia e tiveram
D. Francisca Mendes da Gama e
7. " — D. Francisco Vaz Borralho, também
senhor de Vimioso e da quinta dos Picadei-
ros, etc.
Não sabemos se casou. Succedeu-lhe sua
irmã.
8. ° — D. Francisca Mendes da Gama, que
fôi também senhora de Vimioso e da quinta
dos Picadeiros, etc
9. "— D. Sebastião Vaz Borralho Mendes
de Figueiredo Vasconcellos, também senhor
de Vimioso e da quinta dos Picadeiros, etc.
Casou e teve
10.0 — Pedro Mendes d' Almeida Figuei-
redo, que foi também senhor de Vimioso e
da quinta dos Picadeiros, etc.
Casou com D. Leonor da Gama Seixas Pe-
gado e tiveram, entre outros filhos,
11."— A Fernão Mendes d' Almeida Seixas
Pegado, que foi também senhor de Vimioso
e da celebre quinta dos Picadeiros, ele.
* É isto o que consta da genealogia dos
Mendes Vasconcellos, mas a tradição local
diz que os fugitivos foram eslabelecer se em
um sitio escarpado e quasi inaccessivel na
margem esquerda do Douro, junto da raia
e da povoação de Paradella de Mirandella,
mas em território hespanhol, onde forma-
ram a povoação ainda hoje denominada
Castro Ladron.
Casou com sua prima D. Maria Dias d' An-
ta s e tiveram
12. °— Z). Matheus d' Almeida Seixas Pega-
do, que foi também senhor de Vimioso e da
quinta dos Picadeiros, etc.
Foi d'e8ta familia o ultimo senhor de Vi-
mioso, posto que el-rei D. Sebastião em 1556
havia confirmado a D. Francisco Vaz Bor-
ralho Mendes de Vasconcellos o decreto de
6 de novembro de 1494 d'el-rei D. João II,
reconhecendo lhe o senhorio de Vimioso pa-
ra elle e seus descendentes. *
Casou com sua prima D. Antónia Dias
d'Antas e tiveram
13. " — Gaspar Mendes de Seixas PegadOy
suceessor de toda a casa de seus paes, des-
embargador, etc.
ií.'— Francisco Mendes de Seixas Pegado,
suceessor e administrador do morgado da
Torre e da quinta dos Picadeiros, etc.
Casou e teve
15. " — Gaspar de Seixas Pegado, suceessor
na quinta dos Picadeiros, ete.
Casou e teve
16. » — Joaquim de Seixas Pegado, sucees-
sor, capitão-mór de Vimioso, administrador
do morgado da Torre e quinta dos Picadei-
ros, ete.
Casou com D. Anna Garcia da Gama, da
qual teve duas filhas e um filho, sendo este
excluído da successão por haver nascido an-
tes do casamento.
Succedeu-lhe a filha
17. " — D. Marianna de Seixas Pegado, que
foi administradora do vinculo da Torre
quinta dos Picadeiros, ete.
Casou e teve
18. « — Bernardo José de Sampaio e Mello,
que succedeu no morgado da Torre e quinta
dos Picadeiros, ete.
Casou e teve
19. "— João Boptista Monteiro de Seixas,
suceessor e administrador do morgado da
Torre e quinta dos Picadeiros, capitão-mór
de Vimioso, etc.
Casou duas vezes, mas de nenhuma d'el-
* Quando fallarmos dos Mendes Antas
mostraremos as alternativas porque passou
o senhorio de Vimioso.
VIM
VIM 1475
las teve successão, pelo que lhe suecedea
seu tio
20.°— João Manuel de Sampaio Cabral de
Vasconcellos, filho 2.° de D. Marianna de
Seixas Pegado.
Era homem de gentil aspecto, muito ira-
ctavel e muito illustrado, formado em di-
reito pela universidade de Salamanca, F. C.
R., como os seus maiores, com 20í^000 réis
por mez de moradia e um alqueire de ce-
vada por dia; era porem muito altivo de gé-
nio e tanto que, tendo certa pendência com
o reitor de Vimioso, um bello dia, na praça
publica, à porta da egreja, em um domingo
e quando o reitor acabava de dizer a missa
conventual, ehicoteou-o desapiadadamenle
na presença de immenso povo, não se atre-
vendo ninguém a prendel-o, mas ad cautel-
Iam fugiu para Lisboa, onde viveu muitos
annos e ali estava ainda por occasião do
grande terramoto de 1755 e do attentado
contra el-rei D. José,— factos que registrou,
bera como outros muitos, em um livro ri-
camente encadernado, que elle denominava
o seu Livro d' Ouro.
Passados annos vendeu todos os bens que
havia adquirido em Lisboa e regressou a Vi-
mioso, onde com o produclo da venda dos
bens de Lisboa comprou varias proprieda-
des e uma casa dentro da villa, na rua da
Rapadoura, onde viveu e morreu,— casa tão
privilegiada que nenhum criminoso podia
ser preso logo que lançasse a mão a uma
argola de ferro, muito bem cinzelada, que
linha no portão e que ainda hoje lá se vê
toda carcomida.
Bom tempo era esse? ! . . .
Casou era Lisboa duas vezes:— a 1.» com
uma senhora já viuva, de quera não teve fi-
lhos;—a 2.* com D. Helena Rita da Cruz da
Silva Breyner, e teve entre outros filhos—
D. Raimunda Libania de Sampaio e Mello,
(de quem procede o sr. Luiz Antonio de Fi-
gueiredo Antas, de Villa do Conde,) e
^{.0— Quirino José de Sampaio e Meilo,
suceessor e administrador do morgado da
Torre e quinta dos Picadeiros, etc, dispu-
tou-lhe porem a successão seu primo José
Caetano de Faria Macedo Madureira, da villa
d'Algoso, e, depois de rija demanda, vieram
a um aecordo, ficando Quirino José com O
morgado da Torre e quinta dos Picadeiros*
sendo divididos pelos dois os bens livres.
Casou com D. Maria Lopes Garcia, de
quem teve numerosa successão e falleeeu em
1860, contando 88 annos de idade, sendo se-
pultado, como já dissemos algures, na sua
Capella de Santo Amaro, da quinta dos Pi-
cadeiros, que por sua morte foi retalhada e
dividida por differeoles, graças á extincção
dos vínculos. Foi Quirino José o ultimo admi-
nistrador do morgado da Torre de Vimioso
e da celebre quinta dos Picadeiros,— v^^X^
prepriedade que se conservou na mesma fa-
mília durante o longo período de quatro-
centos a quinhentos annos II...
Só de centeio produzia 5 a 6 mil alqueires
por anno,— alem de muita cevada e trigo se-
rôdio—e de grande ereação de gado laní-
gero, muar e vaccum.
Não produzia vinho nem fructa.
Quinta de S. Thomé
Já fizemos menção d'esta quinta, que é a
2." d'e8ta freguezia.
Foi dos Pessanhas das Arcas, e é hoje de
João Ferreira Sarmento, de Bragança.
Demora também na margem esquerda do
rio Angueira, ao norte e pouco distante da
quinta dos Picadeiros, em local muito apra-
zível e bastante fértil, sendo para lamentar
que os seus actuaes donos, aliás nobres e ri-
cos, não lhe prestem mais attenção por vi-
verem distantes (em Bragança)— e não tirem
d'ella o partido que podiam e deviam tirar.
Portugaes
Condes de Vimioso
marquezes de Valença
Esta villa de Vimioso foi titulo de conda-
do por mercê que el-rei D. Manuel fez em
1515 ou 1516 a D. Francisco de Portugal, fi-
lho de D. Affonso de Portugal, bispo d'Evo-
ra, neto de D. Affonso, l.» marquez de Va-
lença, e bisneto de D. Affonso, 1.» duque de
Bragança, filho natural d'el-rei D. João I, de;
quem procede a nossa casa real.
Procedem pois da mesma casa real o»
1476 VIM
VIM
condes de Vimioso, depois marquezes de Va-
lença, porque por morte do 1." marquez
d'este titulo (1460) o titulo não continuou
nos seus suceessores durante mais de 250
annos, até que foi renovado em 10 de março
de 1716, por el-rei D. João V, nomeando 2."
marquez de Valença o 8.» conde de Vimioso
D. Francisco de Portugal, 6.» neto do 1 »
marquez de Valença, como se vê do quadro
seguinte :
— D. Affomo, i." duque de Bragança, ca-
sou e teve
— D. Affonso, filho primogénito, i i.» mar-
quez de Valença, que teve
— D. Affonso de Portugal, bispo d'Evora.
V. Ourem, vol. Q." pag. 334, col. 2.» <; no-
tas.
Teve
— D. Francisco de Portugal, 1.» conde de
Vimioso e l.o neto do i." marquez de Va-
lença 2,
Teve
— D. Affonso de Portugal, %" conde Vi-
mioso.
Teve
— D. Francisco de Portugal, 3.» conde de
Vimioso, que falleceu sem filhos, 3 pelo que
lhe succedeu seu irmão
1 Teve também D. Fernando, filho segundo
1.» do nome e 2." duque de Bragança, o qual
continuou a suecessão d'esta sereníssima
casa.
2 O l." conde de Vimioso foi um dos ho-
mens de mais merecimento que tem tido
Portugal, — e a condessa sua esposa, foi o
modelo das esposas.
V. Anno Histórico, tomo 2.« pag. 401, —
e tomo 3.», pag. 458.
' Foi victima do seu patriotismo e da sua
dedicação ao infeliz D. Antonio, prior do
Crato.
Estando D. Antonio senhor das ilhas dos
Açores, foram ellas bloqueadas em 1582 por
uma armada hespanhola de 28 galeões, com-
mandada por D. Alvaro de Bazan, marquez
de Santa (.ruz.
Em soccorro das mencionadas ilhas foi
enviada por Gatharina de Medíeis, rainha de
França, outra armada sob o commando do
almirante Filipe Stroci, na qual iam o prior
do Crato e o 3.» conde de Vimioso D. Fran-
cisco de Portugal, que o seguiu sempre até
morrer.
J — D. Luiz de Portugal, 4.° conde de Vi-
mioso.
Teve
— D. Affonso de Portugal, 5." conde de Vi-
mioso e marquez d'Aguiar (da Beira) por
mercê d'el-rei D. João IV, de 1643 ou 1644,
como diz D. Luiz Caetano de Lima.
Teve
— D. Luiz de Portugal, 6.» conde de Vi-
mioso, marquez d'Aguiar, mestre de campo,
gentil homem da camará do príncipe D.
Theodosio, almirante de Portugal, ete.
Falleceu desastradamente em uma pen-
dência no anno de 1655 e, tendo casado duas
vezes, não deixou filhos legítimos, pelo que
lhe succedeu seu irmão
— D. Miguel de Portugal, 7." conde de Vi-
mioso, que teve
— D. Francisco de Portugal, 8." conde de
Vimioso e 2." marquez de Valença pela re-
novação d'e3te titulo, continuando nos filhos
primogénitos da mesma casa o titulo de con-
des de Vimioso, da qual saiu e para a qual
voltou.
V. Valença do Minho, vol. X, pag. 126,
coL 2.» e segg. ^.
Mosaico
Os edificios principaes d'esta villa hoje
são: — a matriz, os paços do concelho, a casa
de José Maria de Figueiredo Antas, a da Ra-
padoura, hoje de Alfredo Moraes Faria de
Carvalho, a de Antonio Claudino Fernandes
Pereira e a de Domingos José Dias, sendo
as duas primeiras muito amplas e brazona-
das.
A da Rapadoura ainda conserva a tal ar-
gola de ferro e tem cavallariças para 50 ca-
vallos ! . . .
No dia 26 de julho do dicto anno baleram-
se furiosamente as duas esquadras, sendo
derrotada a franceza, que perdeu 8 naus,
comprehendendo a capitania e almirante,
perecendo mais de dois mil homens, inclu-
indo o general Stroci e o conde de Vimioso.
D. Antonio salvou se em terra.
V. Crato.
» N. B.
O meu benemérito antecessor, log. cíí.,
VIM
o eemilerio foi eoastruido em 1861; — em
1866 foi aeciescentado, abrangendo com o
seu recmto a capella do Santo Ctiristo^ de
que ja íizamos meni^ão, — e em i88õ foi no-
vameottí accresceuiadu.
O clima de Vimioso ó saudável, mas frio.
As doença» predominantes são: — pueumu-
uias 6 rlieumaiiámo.
Ha na villa e no concelho apenas uma
pbarmaciâ.
Us 3 maiores proprietários da villa boje
são: — D. Fabia Liuauia Lopes, viuva de Car-
los de Moraes Azevedo, José Mana de Fi-
gueiredo Aulas e José Manuel Alves.
Os 3 maiores proprietários d'este conce-
lho são hoje 03 seguintes: — Adrião Alfonso
Freire, da fieguezia de Sauiulhào, — Manuel
Rodrigues Gepêda, da freguezia de Argo-
zello, — e D. Fabia Libauia Lopes, de Vi-
mioso.
Tanto esta villa como este concelho não
contam hoje enire os seus lilhos bacharel
algum formado ? 1 . . .
Emquanto a presbyteros ba 3 na villa,
sendo só um íilbo d'ella, — e na parte res-
tante do concelho 25, naluraes d'elle, mas
d'esses 2o residem 6 em concelhos estra-
Dbos.
Movimento parochial
1885
Baptisados 59
Óbitos 27
Casamentos 12
1886
Baptisados... 59
VIM
i477
disse que el-rei D. Manuel fez 1." conde de
Vimioso D. Francisco Portugal em 1516. O
mesmo se lê na Resenha das Famílias Titu-
lares, publicada era 1838 (por João Carlos
Feo e Manuel de Castro Pereira de Mesqui-
ta);— mas U. Antonio Gaetano de Sousa nas
Memorias dos Grandes de Portugal (pag. 210)
— e D. Luiz Gaetano de Lima na sua Geo-
graphia Histórica (tomo 2.° pag. 411) dizem
que D. Francisco de Portugal foi feito 1.»
conde de Vimioso em 1515 1 .. .
Óbitos 36
Casamentos
Movimento da sua estação telegrapho-postal
1885
Cartas 6:000
Bilhetes postaes 140
Amostras
Avisos de recepção. 2
Vales telegraphicos 8
Correspondência registrada 100
Vales nominaes 400
Impressos 480
Maços cintados (offlcial) 170
Cartas de offlcio (oflQeial) 1:800
Jornaes 5:900
Telegrammas oíBciaes 300
» particulares 800
> de serviço 24
» recebidos 1:200
Receita de vales 12:000 W
Contribuições do concelho no mesmo anno
Predial 5:659^110
Industrial 924^511
Decima de juros 203^000
Sello de verba 139^860
Sumptuária e renda de casas.. 294ái564
Real d'agua 1:129^158
Total 8:350:203
N'esta villa e n'este concelho não ha hoje
outra industria alem da dos alfaiates, sapa-
teiros, padeiros, carpinteiros, cardadores *
e creadores de gado lanígero, muar e vac-
cum; a mais importante, porem, é a agri-
cultura, da qual vivem quasi exclusiva-
mente esta villa e este concelho.
Nada, absolutamente nada hoje resta da
industria da creação do sirgo e flação da se-
da, industria importante outr'ora aqui, mes-
mo ainda no melado d'este século.
1 Em 1796 este concelho, sendo então
muito mais pequeno, contava 126 cardado-
res, como ja dissemos no principio d'e8te
artigo.
1478 VIM
VIM
Também foi outr'ora importante nas fre- |
guezias de Garção e Argozello a industria,
dos cortumes de couros e fabrico de sola e
de colla, mas d'essa industria hoje apenas i
ali resta uma ténue sombra.
Nas freguezias a leste d'este concelho e
mais próximas do de Miranda do Douro qua-
8i todos os homens usam as celebres capas,
bem conhecidas como honras de Miranda.
São feitas de magnifico burel e custam as
mais baratas 3 a 4i0OOO réis; — as melhores
9 a lomOO réis— e as de luxo 20 a 40^000
réis — e mais ?!...*
V. Miranda do Douro, vol. V, pag. 331.
Viação
Deve passar n'est8 concelho e n'esta villa
a estrada real a maeadam n.» 37, de Chaves
a Miranda do Douro, por Vinhaes e Bragan-
ça, já concluída e sprvida por diligencias
entre estas duas ultimas povoações, mas
ainda simplesmente estudada entre Bragan-
ça e Miranda e sem um kilometro construí-
do!...
Também d*e?ta viFa deve partir por Ise-
da a entroncar na estrada real n." 6, de Villa
Real a Bragança, na freguezia de Podence,
distante de Macedo de Cavalleiros cprca de
7 kilometros para N., a estrada districtal n.°
22, mas infelizmente até hoje apenas tem o
leito aberto e não empedrado na extensão de
3 kilometrosj a partir de Vimioso, devendo
comprehender o seu todo cerca de 40 kilo-
metros.
Também deve partir d'esta villa para a
fronteira, na direcção de Alcaniços, uma es-
trada municipal a maeadam, mas n'esta da-
ta,-- -janeiro de 1887, — apenas tem um kilo-
metro construído, á saída de Vimioso e atra-
vez da villa, formando uma estrada-rua des-
1 Custou SOíSlOOO réis uma das taes capas [
de burel, offerecida a S. M. el-rei o sr. D.
Fernando em 1860 pelo dr. José de Moraes
Faria de Carvalho, de quem logo faltaremos,
deputado ás cortes e dono da casa da Ra-
padoura. Foi feita a capricho por um al-
faiate abalisado e gastou com o feitio d'ella
sessenta diasfl.. .
I de a Capella dos Remédios até à do Santo
Christo.
I Total da moderna viação a maeadam em
! todo este concelho n'e8ta data, — um kilome-
tro1\...
E não é melhor a sorte dos concelhos vi-
sinhos, pois o de Miranda tem apenas 2 ki-
lometros construídos na estrada real a ma-
eadam n.» 9, de Miranda a Cflorieo da Bei-
ra,— estrada que só até o Pocinho, limite
d'este malfadado districto, mede H 2 kilo-
metros;— e os concelhos do Mogadouro e
Freixo de Espada á Cinta não teem um sô
kilometro construído.
Total — 3 kilometros em 2 comarcas e 4
concelhos í. . .
Que miséria, que vergonha, que desgraça
e que tristíssimo contraste com outros con-
celhos nossos, nomeadamente com o de Pa-
redes, no districto do Porto I
Sô o concelho de Paredes tem eonstrnidos
mais de 150 kilometros de estradas a maea-
dam reaes, distrietaes e municípaes. nau
contando a linha fprrea do Douro, qae o
atravessa de O. a E. e lhe deu ama estação
própria, mesmo encostada á villa, séde do
concelho; mas nunca o malfadado districto
de Bragança teve um homem tão dedicado
pela sua terra natal como osr. dr. José Gui-
lherme Pacheco, a quem a villa e o conce-
lho de Paredes devem quasi todos os seus
melhoramentos e emnellesamentos. *
V. Paredes, villa e séde de concelho e de
comarca, n'este diccionario, vol. VI pag. 479
e no supplemento; — Villa Real de Trai-os-
Montes, vol. XI, pag. 1016 a 1019,— e Villa
Viçosa no mesmo volume, pag. 1144, col, 2."
Parochos de Vimioso
È hoje absolutamente impossível organi-
sar uma lista completa dos parochos d'esta
freguezia, pois data do tempo de D. Rami-
I ro I de Leão, ou da 1.» metade do século xi,
* De passagem diremos que o sr. dr. José
Guilherme Pacheco nasceu no Brazil, quan-
do aquelle império ainda era colónia nossa,
mas fixou ha muitos annos a sua residência
em Paredes. É pois esta villa não a sua terra
natal, mas a sua pátria adoptiva.
VIM
VIM 1479
como já dissemos. Oeeorrem-nos apenas os |
seguintes : j
1. » — Nuno Gonçalves. ]
2. ° — Martim Affonso^ a quem succedeu j
3. » — Gonçalo Mendes Antas, apresentado \
por Francisco Mendes Antas, senhor de Vi-
mioso, com mero e mixto império.
Collou-se em Braga a 13 de janeiro de
1480. /
4.0 — Francisco Mendes Antas.
Tomou posse em 1528 e falleceu em
1542.
Por fallecimento d'e8te abbade os dízimos
d'esta parochia e das suas annexas (logo di-
remos quaes eram) foram addidos á ordem
de Chrislo, a qual formou com elles duas
commendas, uma de dois terços, que foi da-
da aos condes de Vimioso, — outra de um
terço que andou na posse de diversos com-
mendadores.
Também por morte d'este ultimo paroeho
esta abbadia passou a ter o titulo de reito-
ria, percebendo os paroehos a côngrua de
42^000 réis em dinheiro e 48 alqueires de
trigo, dada pelos commendadores, mais 600
réis para assistirem às festas da semana
santa. Os mesmos commendadores davam a
um cura ou coadjutor G^WO réis.
Em 1792 foi a côngrua dos reitores ele-
vada a 84iíí000 réis por provisão da rainha
D. Maria I.
5. » — Dr. Luiz Navarro, d'esla vllla.
Collou-se era Braga em 1544.
6. " — Dr. Luiz de Moraes, também d'esta
Villa.
Collou-se em Miranda do Douro em 1569.
Foi este reitor quem celebrou a primeira
missa na egreja matriz actual.
7. » — Gaspar Mendes Antas^ também de Vi-
mioso.
Collou-se em 1600.
8. " — Christovam Peres Soares.
Collou-se em 1008.
9. » — Thomé Ferreira, de Vimioso.
Collou-se em 1633.
10. " — Gonçalo Mendes.
Collou-se em 1638.
— Manuel Rodrigues Calado, natural
de Oliveira do Conde.
Collou-se em 1653.
12.° — Manuel da Cunha Camello, do Mo-
gadouro.
Collou-se em 1688.
13.0 — Dr. Lasaro de Seixas Pegado, de Vi-
mioso.
Collou-se em 1698.
14. » — Manuel d' Escobar Cabral, de Miran-
da do Douro.
Collou-se em 1708.
15. " — Antonio da Silva Sarmento, de Vi-
nhaes.
Foi apresentado pelo infante D. Francisco,
mas não chegou a eollar-se, porque falleceu
vindo de Lisboa.
16. " — Manuel de Figueiredo e Mattos, de
Bragança.
Collou-se em 1709.
17. " — Paschoal de Faria Moraes, de Vi-
mioso.
Collou-se em 1726.
18.0— Theotonio pinto da Fonseca, da villa
de Amarante.
Collou-se em 1766.
19. ° — Antonio Fernandes de Araujo, natu-
ral de Iseda.
Collou-se em 1784.
20. » — Manuel Antonio Lopes, também de
Vimioso.
Collou-se em 1804.
21.0 — Francisco Manuel da Rosa, também
de Vimioso.
Collou-se em 1847.
22. » — João José de Moraes Antas, lambem
de Vimioso.
Collou-se em 1852.
23. » — Mathias dos Santos Giraldes de Sou-
sa, natural do Peso da Regoa e que linha
sido abbade em Sanhoane.
Collou-se em 1868 e falleceu em 1883.
24. ' — José Fernandes Barreira, o paroeho
actual e paroeho muito digno.
Nasceu na freguezia de Deilão, concelho
de Bragança, em 12 d'agosto de 1841, sendo
seus paes Manuel Fernandes Barreira e Ma-
ria Joaquina Fernandes; frequentou o lyceu
de Braga de 1856 a 1860 e em outubro d'es-
te ultimo anno matriculou-se no curso do
seminário d'aquella cidade, coneluindo-o em
1480 VIM
VIM
1863; — tomou a ordem de presbytero em
Lamego no dia 24 de setembro de 1864;—-
foi professor regio de instrucção primaria
em S. Julião, coneeliio de Bragança, de 1864
a 1866, — perfeito no seminário de Bragança
desde 31 d'agosto de 1866 até 8 de nnaio de
1869 — e vice-reitor do mesmo seminário em
1870.
Foi parocho eneommendado de Deilão
desde junho de 1872 até junho de 1874,—
depois eneommendado de Meixedo até agos-
to de 1875 — e eneommendado de Salsas des-
de juQho de 1876 até 28 de dezembro do
mesmo anno, data em que se coUou na fre-
guezia de Miranda do Douro, tendo sido
apresentado por decreto de 13 de julho de
1876, depois de fazer concurso por provas
publicas, — e ali se conservou como parocho
até 5 de dezembro de 1883, exercendo tam-
bém nos últimos 3 annos as funcções de ar-
cypreste.
Foi apresentado em concurso documen-
tal n'esla egreja de Vimioso por decreto de
23 d'agosto de 1883 e n'ella se eollou em 22
de novembro do mesmo anno com o titulo
de prior, sendo-lhe concedidas as honras de
cónego da sé de Bragança por decreto de 26
de junho de 1884.
Annexas
Até 1799 os reitores de Vimioso apresen-
tavam curas nas fregaezias de Valle de Fra-
des, Serapieos e Campo de Viboras.
O cura de S Joannico era apresentado
pelo prior de Vimioso e pelo abbade de Ca-
çarelhos em annos alternados.
O cura de Val de Frades tinha de côn-
grua 8^1000 réis em dinheiro, 24 alqueires
de trigo e 12 almudes de vinho mosto.
O de Campo de Viboras 8^500 réis em
dinheiro, alem do pé d'altar, — e o de Sera-
pieos 8Í000 réis em dinheiro e 24 alqueires
de trigo, mas por provisão do prinelpe re-
gente a côngrua d'e8te ultimo cura foi ele-
vada a 28^000 réis em 1799.
Todas estas côngruas eram pagas pelos
commendadores, que recebiam os dizimes
da parcchia d'e8ta villa e das suas quatro
anoexas.
Senhorio de Vimioso
Foram senhores d'esta villa os Mendet
Antas, com mero e mixto império, jurisdic-
ção e vassalagem, por mercê de D. Sancho
II, feita approximadamente em 1242 a D.
João Vasques Antas, cognominado Beirão,
por viver na província da Beira, no casiello
de Longroiva, seu solar, feito por D. Fernão
Mendes de Bragança, seu 3.» avô, filho de
D. Mendo Alão ou D. Mendo de Bragança,
1-» senhor de Bragança, por mercê d'el-rei
D. Affonso Henriques.
V. Bragança e Longroiva n'este dicciona-
rio e no supplemento.
O senhorio de Vimioso foi hereditário na
familia Mendes Antas e n'ella se conservou
durante séculos, até que D. Affonso V o ti-
rou a D. Estevam Mendes Antas e o deu a
D. Francisco de Portugal, depois conde de
Vimioso, pelo que D. Estevam o demandou
perante o corregedor de Vizeu, commissio-
nado ad hoc. Durou a demanda até a morte
de D. Estevam, e os suecessores a abando-
naram por verem o grande valimento que
tinham na corte os condes de Vimioso.
É isto o que se lé na genealogia dos Men-
des Antas; mal pode porem harmonisar-se
com o que se lê na genealogia dos Mendes
Vasconcellos supra, pois n'ella se diz que o
senhorio de Vimioso foi também hereditário
na familia d'elles durante muitas gerações;
— que lhes fôra concedido (talvez confirma-
do) por D. João II em 1494 * — e confirmado
por el-rei D. Sebastião em 1556.
D. Affonso V reinou de 1438 a 1481 e, se
este rei deu o senhorio de Vimioso a D.
Francisco de Portugal, como podia elle ser
dado aos Mendes Vasconcellos, em 1494 e
confirmado em 1556? E se o senhorio de
1 Em 1494 era representante dos Mendes
Vasconcellos e já casado o tal heroe da pen-
dência,— D. Francisca Mendes de Vascon-
cellos, neto de D. Mendo Affonso Mendes de
Vasconcellos, o 1° que d'e8ta familia foi se-
nhor de Vimioso, — muito antes de 1494 e do
reinado de D. João II ? ! . . .
Vejam-se os n.°° 2 e 12 da genealogia dos
Mendes de Vasconcellos.
VIM
VIM 1481
Vimioso passou direetamente dos Mendes |
Antas no reinado de D. Affonso V (antes de i
1482) para D. Francisco de Portugal ou pa- i
ra 08 condes de Vimioso — e mais tarde d'es-
tes para a casa do infantado, — não sabemos
onde metter as gerações dos Mendes Vas-
concellos que tiveram o mesmo senhorio.
Valha- nos a senhora do Monte do Car-
mo I. . .
É certo que o senhorio de Vimioso foi dos
condes d'e8te titulo, dos quaes passou para
a casa do infantado. Anteriormente foi dos
Mendes Antan, e dos Mendes Vasconcellos, se-
gundo se lê nas suas genealogias, mas não
podemos harmonisal-as nem acceital-as na
sua integra.
Pessoas notáveis
Com rasão se orgulha Vimioso de haver
produzido muitas pessoas notáveis e bene-
méritas desde os tempos mais remotos, mas,
para não abusarmos da paciência dos leito-
res, mencionaremos apenas as seguintes:
1. » — O morgado João Mendes Antas, que
tanto contribuiu para a construcção da egre-
ja matriz actual,
2. »— D. Francisco Mendes de Vasconcel-
los, o heroe da pendência da quinta dosPí-
cadeiros, posto que lhe não invejamos o re-
nome.
3. » — Antonio José Joaquim de Miranda.
Segundo se lê nos apontamentos que em
1884 recebi do administrador d'este conce-
lho,— foi {credite posteri) formado em cinco
faculdades pela Universidade de Coim-
bra?!!!
Formando-se em todas as faculdades da
nossa Universidade, o que muito nos custa
a crer, nem sequer encontramos o seu no-
me no Diccionario Bibliographico de Inno-
ceneio ! . . .
Segundo informações ulteriores e fidedi-
gnas, Antonio José Joaquim de Miranda fal-
leceu n'e8ta villa de Vimioso, onde era pro-
prietário, roas nasceu na aldeia de Paradi-
nha, freguezia do Outeiro, concelho de Bra-
gança, cerca de 10 kilometros a N. N. O. de
Vimioso
1 V. Outeiro, tomo 6.» pag. 338, col. l.*—
Formou- se em maihematica {só em mathe-
matica) na Universidade de Coimbra e, se-
guindo a carreira das armas, assentou praça
de cadete em infaoteria n.»2i;~em 1808 foi
para França com a Legião Portugueza; — fez
a campanha da AUemanha em 1809 e a da
Rússia em 1812, sendo offlcial muito valente
e chegando ao posto de coronel de Coura-
ças. Foi o primeiro que passou a ponte de
Austerlitz e ficou prisioneiro em Moscow;
mas, feita a paz geral era 1814, voltou ao
seu paiz. Era muito illustrado, mas a cam-
panha e o captiveiro da Rússia tornaram-no
quasi louco; aioda assim em 1832 foi com-
mandante do Batalhão Sagrado, na Ilha Ter-
ceira, e em 1834 sub-perfeito de Setúbal,
Também foi coronel das milícias de Miranda
e governador civil nos Açores.
Era filho de Martinho Carlos de Miranda
e de D. Perpetua Maria Geraldes — e irmão
do notável estadista — Manuel Gonçalves de
Miranda, que nasceu na mesma povoação de
Paradinha do Outeiro no dia 30 de novem-
bro de 1781.
Formou-se também na faculdade de ma-
thematica era Coirabra e foi um mathema-
tico distinctissimo. Fez a campanha da guer-
ra peninsular até à batalha dos Arapiles,
onde ficou prisioneiro servindo de major de
brigada do general d^Urban, tendo sido feito
tenente por distincção no combate de Pue-
bla de Senebria em 1809. Em 1813 demit-
tiu-se do serviço militar, sendo capitão de
cavallaria n.« 12, e recolheu-seásuaeasade
Castellãos.
O dicto Manuel Gonçalves de Miranda foi
deputado às cortes de 1820 e nomeado mi-
nistro da guerra em 1822; mas, sendo muito
liberal, apenas viu hasteado o pendão do
absolutismo, emigrou para o estrangeiro.
Durante o cerco do Porto (1832 a 1833)
conservou-se alternadamente em Londres e
Paris, onde prestou relevantes serviços á
causa de D. Pedro, coroo presidente da com-
missão encarregada de agenciar navios, di-
nheiro e munições de guerra e de boeea pa-
e Paradinha do Outeiro no mesmo volume,
pag. 470, col.
1482 VIM
VIM
ra o exercito liberal, e só voltou ao seu paiz
no fim do cerco do Porto, depois de ser no-
meado prefeito da província do Douro por
carta regia de 19 de setembro de 1833.
Foi ministro da guerra por decreto de 20
de novembro de 1822; — ministro da mari-
nha por decreto de 20d'abrilde 1836;— mi-
nistro da fazenda por decreto de 28 de ju-
nho de 1840— e finalmente segunda vez mi-
nistro da marinha por decreto de 12 de
março de 1841. i
Era um caracter tão nobre e de tanta
exempção que, tendo exercido tão impor-
tantes cargos, o espolio que deixou era in-
ferior ao de um estudante quando deixa os
bancos da Universidadel ...
Casou cora D. Joanna Pereira de Sousa,
única herdeira de .«eu pae Antonio Caetano
Pereira de Sousa, C. O. C. e F. C. R., que
lhe legou uma importante casa na freguezia
de Castellãos, concelho de Macedo de Cavai -
leiros e suas immediações. D'este consorcio
teve seis filhos, sendo primogénito o se-
guinte:
Antonio José de Miranda, visconde de Pa-
radinha do Outeiro em sua vida, por de-
creto de 3 de maio de 1848.
Nasceu em Castellãos, concelho de Mace-
do de Cavalieiros, 2 a 21 de março de 1812;
— militou como voluntário liberal na guerra
civil entre D. Miguel e D. Pedro, até á bata-
lha da Asseiceira, onde o seu esquadrão,
2.* do regimento de cavallaria n ° 6, apri-
sionou o regimento d'infanteria n." 16 e um
batalhão de infantaria 12, com 3 bandeiras,
pelo que foi condecorado com a medalha da
Torre e Espada, bem como outras muitas
praças do referido esquadrão. Terminada a
guerra, deixou o serviço militar; — formou-
se também, como seu pae e seu lio, em ma-
thematica na Universidade de Coimbra, sen-
do premiado no 3.» anno; — em 1843 tomou*
assento na camará dos pares, como sueces-
1 Foi também par do reino e conselheiro
de estado vitalício, etc.
Falleceu no dia 5 d'abril de 1841.
2 V. CastellÕes ou Castellãos, tomo 2.°,
pag. 199, col. 1.»
sor de seu pae, — e em 1846, apenas se ma*
nifestou a revolução da Patuleia, organi-
sando-se em Bragança uma junta governa-
tiva em favor do partido dos Cabraes, ou da
rainha D. Maria II, foi presidente da dieta
junta e com grandes sacriflcios conservou o
distrieto de Bragança em obediência ao go-
verno de Lisboa, prestando relevantes ser-
viços á rainha, pelo que esta o agraciou com
o titulo de visconde.
Em 1847 foi governador civil do distrieto
de Bragança — e em 1831, vendo o seu par-
tido cartista, ou antes cabralista, sem repre-
zentaçào nas camarás nem na imprensa, e
por assim dizer morto, abandonou a politica
e não voltou á camará, recolheu-se á sua
casa de Castellãos, onde tem vivido até ho-
je,— solteiro e sem descendência. ^
Foi também tio paterno do sr. visconde
de Paradinha do Outeiro, o dr. José Antonio
de Miranda, bacharel formado em direito e
que seguiu a magistratura judicial. Falleceu
em Lisboa, sendo presidente da relação, ap-
proximadamente em 1854.
Martinho Carlos de Miranda, mencionado
supra, avô paterno do sr. visconde de Para-
dinha do Outeiro, era sobrinho do dr. Ma-
nuel Gonçalves de Miranda, magistrado que
figurou muito no reinado de D. José I, pois
foi amigo e valido do grande marquez de
Pombal, que o encarregou de variadas com-
missões, algumas de muita responsabilidade,
principalmente por occasião do attentado
contra a vida d'el rei D. José.
V. Chão Salgado.
Foi muitos annos intendente geral da po-
licia da corte e do reino, — cargo importan-
tíssimo n'aquelle tempo,— e terminou a sua
carreira na magistratura, sendo desembar-
gador da casa da supplicação e do paço.
Casou com sua prima D. Catharina de
Miranda e, como não tivessem filhos, no-
meou sueeessor e administrador dos vincu-
1 Tem o sr. visconde ainda vivos uma ir-
mã e um irmão, ambos com filhos.
O irmão, — dr. José Antonio de Miranda,
— seguiu a magistratura e aposentou-se sen-
do juiz de direito de Villa Real.
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ios que havia iostituido em Paradinha do ,
Outeiro e Rio Torto o mencionado seu so-
brinho Martinho Carlos de Miranda, avô do 1
sr. visconde de Paradinha, actual adminis-
trador e possuidor d aquelles vínculos e por
coDsequencia represeuianie do celebre des-
eiDbargador, amigo e valido do marquez de
Pombal ? I . . .
Descuipem-nos a digressão, pois quizemos
aproveitar o ensejo para consignarmos ião
interessantes noticias no lexto d este diccio-
nario.
Agora prosigamos com a lista das Pes-
soas notáveis, filbas de Vimioso.
4." — José Maria de Figueiredo Antas, — ca-
valheiro respeitabilissimo e a maior influen-
cia eleitoral d'eáie concelho.
É o representante actual da nobilíssima
casa dos Mendes Antas; — casou com D. Lú-
cia de Jesus Oliveira, da íreguezia de Gar-
ção, e tem os filhos segumtes :
— José Maria, que nasceu em 20 d'outu-
bro de 1859, e
— Abel Augusto, que nasceu em 18 de ja-
neiro de 1864.
o." — Joaquim José de Campos.
Falleceu no Porto eia 14 de janeiro de
1861, deixando entre outros legados 5:000
libras em fundos inglezes á Misericórdia
d'aquella cidade para ella administrar os
seus rendimentos e entregar annualmente
ao parocho de Vimioso 300iíí000 réis desti-
nados á sustentação do Laus Perenne, que
o mesmo capitalista e bemfeitor havia insti-
tuído na egreja de Vimioso em agosto de
1860.
6." — O dr. José de Moraes Faria de Car-
valho, senhor da nobre casa da Rapadoura,
deputado ás cortes em varias legislaturas e
magistrado honestíssimo.
Nasceu em Vimioso em 1815;— foi na re-
volução da Patuleia ajudante de campo do
general Jorge de Avilez, — casou em Bragan-
ça;— foi o ultimo bacharel formado fllho de
Vimioso— e falleceu em 1866, sendo juiz de
Direito em Braga e deixando os filhos se-
guintes:
1. " — Alberto Moraes Faria de Carvalho,
hoje (1887) governador de Damão.
Nasceu em Bragança em 1846; — casou
com D. Maria José Manoel de Vilhena, neta
paterna do marquez de Pombal e materna
do marquez de Pancas, da qual tem dois fi-
lhos.
É o primogénito e como tal representante
da nobre casa da Rapadoura.
2. » — Dr. Adriano Acácio de Moraes Car-
valho.
Nasceu em Bragança em 1848; — casou em
Braga com D. Maria Zulmira d'Araujo, da
qual tem dois filhos, — e é hoje (1887) com-í
missario geral da policia civil do Porto e
funccíonario muito digno.
S.°— Alfredo de Moraes Carvalho, enge-
nheiro de minas muito modesto, muito illus-
trado, muito trabalhador, ainda solteiro, e
dono da celebre casa da Rapadoura.
Foi um dos membros da Expedição Scien-
iifica, enviada pela Sociedado de Geographia
de Lisboa em 1881 à serra da Estrella, on-
de tivemos a honra de o conhecer e traetar.
Excessos tristes
Esta villa também teve o seu quinhão nos
excessos de que foi lhealro o nosso paiz, du-
rante a porfiada lucla entre liberaes e rea -
listas.
Em 1823, por exemplo, quando o general
Silveira, depois de acclamar absoluto D.
João VI eru Villa Real de Traz-os-Montes,
insurreccioaou esta província e marcharam
contra elle as tropas liberaes, obrígando-o
a internar-se na Hespanha, esteve em Vi-
mioso o brigadeiro Claudino e incendiou a
casa do reitor d'esta villa.
Também por essa occasião o mesmo bri-
gadeiro foi à villa da Bemposta, concelho do
Mogadouro, e incendiou as casas do capitão-
mór e do escrivão Galado. Na villa de La-
goaça tentou incendiar também as casas do
reitor, por haver hospedado dias antes o ab-
bade de Quínchães (concelho de Fafe) de-
pois governador do bispado de Pinhel, An-
tonio dos Santos Leal, de Moncorvo, realista
secretario particular e confidente do gene-
ral Silveira, etc, mas o Glaadino, a pedido
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de um seu companheiro, parte do enreitor,
poupou-lhe as casas, limilando-se a repre-
hendel-o, ordenando-lhe que desinfectasse o
quarto onde pernoitou Santos Leal ?\...
V. Moncorvo, no supplemento, onde dare-
mos a biographia de Antonio dos Santos
Leal e extractaremos uma interessante Me-
moria que possuímos em ws. deixada por
elle, historiando a mencionada revolução do
general Silveira.
Mármore e alabastro e
grutas prehistoricas
Na parte oriental d'esta freguezia e d'este
concelho de Vimioso, nomeadamente na
Quinta dos Picadeiros, e na occidental do
concelho de Miranda do Douro, nomeada-
mente na freguezia de S. Pedro da Silva, ha
grandes jazigos de mármore e alabastro
preciosos, nas margens do rio Angueira, cujo
leito é de mármore também.
Comprehendem estes jazigos cerca de 15
kilometros quadrados e n'elle9 se teem en-
contrado cavernas e grutas lindíssimas com
stalactites e stalagmites admiráveis, ossadas
humanas e outros vestígios de occupação
prehistorica.
Em 1852 o dístincto archeologo e enge-
nheiro de minas Carlos Bíbeiro, indo por
ordem do governo in?peccionar a mina de
estanho de S. Martinho d'Angueira, conce-
lho de Miranda do Douro, esteve em Vimioso
e ali se demorou oito dias, visitando os ter-
renos calcareos que abundam no termo da
villa, e disse aos donos de umas calfornei-
ras, ali em exploração, que elles calcinavam
mármore sacaroíde.
Ficaram os homens absortos e d'ahi em
diante vários indíviduns trataram de fazer
conhecidas aquellas pedreiras de mármore,
enviando amostras para diversas exposições
internaeionaes, onde foram muito aprecia-
das, particularmente na de Dublin e na do
Palacio de Cristal do Porto, em 1865.
Em 1884 foi dirigir a delegação da alfan-
dega de Bragança em Vimioso o sr. Luiz
Cardoso Pinto e, tendo noticia das taes pe-
dreiras, tratou logo de as pesquizar e man-
dou algumas amostras para o Porto, d'onde
lhe disseram que o mármore era excellente
e convinha adquirir o chão das pedreiras.
Continuando o sr. Cardoso com as pes-
quizas, indicaram lhe uma gruta no termo
da Granja de S. Pedro da Silva, gruta de-
nominada Buraco dos Ferreiros, cuja pedra
de cí)l ou mármore era alvíssima. Foi vel-a
e ficou surprehendido com a estruetura d'el-
la, toda cheia de stalactites e stalagmites, e
com as sinuosidades da Ribeira dos Ferrei'
ros, onde está a dieta gruta, da qual tirou
algumas amostras de pedra, que mandou pa-
ra o Porto, consultando os seus amigos. Dis-
seram-lhe estes que o mármore era tão fino
como o de Garrara — e que as pedras trans-
parentes eram alabastro!. . •
Besolveu então o sr. Cardoso fazer pes-
quizas em fórma e chamou de Villa Beal de
Traz-os-Montes os seus irmãos José e Fran-
cisco, para o coadjuvarem na empreza.
Foram elles e sem demora tractaram de
obter por compra e arrendamento a longo
praso o chão dosjasigos; — extrahiram amos-
tras dos melhores mármores e alabastros;
— foram com ellas ao Porto— e, tal era a bel-
leza e variedade dos espécimens, que ali sem
grande difRculdade se formou uma compa-
nhia para a exploração, da qual ficaram fa-
zendo parte os srs. Cardosos, devendo rece-
ber como descobridores vinte e cinco contas
de réis.
Em 1886. constituída a empresa, deram
principio á exploração dos mármores e ala-
bastros, chamando do Porto diversos operá-
rios entendidos no desmonte das pedras e
na sua regularisação e polimento, sob a di-
recção do sr. Francisco Cardoso, agente de-
legado da companhia, o qual se installou na
quinta de Santo Adrião, junto da capella de
Nossa Senhora do Rosario do Monte, limite
da povoação da Granja, freguezia de S. Pe-
dro da Silva, concelho de Miranda,
Tem corrido com regularidade a explora-
ção e feito remessas de mármore e alabastro
polidos e trabalhados para o Porto e Lisboa
e para os paizes estrangeiros.
O maior obstáculo ao desenvolvimento e
lucros d'esta empreza até hoje tem sido a
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VIM 1485
difflculdade do transporte até a linha férrea
do Douro, mas esta difflculdade tende a mi-
norar e desapparecer, logo que se construa
a linha férrea em estudos da estação do Po-
cinho até Miranda, pois deve passar muito
perto dos grandes jazigos.
São U as variedades d'estes ealcareos: —
6 de mármore— e 5 de alabastro.
O mármore branco é finíssimo, alvo de
neve, muito espelhante e sustenta o con-
fronto cora o melhor de Garrara, prestan-
do-se admiravelmente para todo o género de
esculptura. Os mármores de cores são raia-
dos de filetes azues, cinzentos e amarellados,
todos de lindíssimo aspecto, e, se não apre-
sentam uma estructura tão superior, sobre-
levam os melhores de Extremoz.
Dos alabastros um é de bella côr branca;
— os outros são acinzentados e amarellados,
de apparencia lindíssima pela variedade dos
lons e pelas estrias que apresentam na su-
perfleie polida e brilhante, e prestam-se
igualmente aos cortes mais delicados, como
já vimos no Porto em amostras de folhas^
flores e fruetos; é porem de suppor que ap-
pareçam novos typos de mais merecimento
ainda, quando a exploração atiinja maior
desenvolvimento.
Nova gruta
Em princípios de agosto de 1886 o sr.
Francisco Cardoso encontrou a pequena dis-
tancia da Gruta dos Ferreiros uma fenda em
uns penedos. Tratou logo de a sondar e,
entrando pela dita fenda, ajudado e acom-
panhado d'aiguns operários seus, foi avan-
çando e por fim deparou com a gruta que
um jornal d»" Zamora, Sena Vermeja, no seu
numero de 18 d'ago8to do dicto anno des-
creveu nos termos seguintes :
«Depois de visitármos todas as pedreiras,
6 admirarmos a grandeza, valor e importân-
cia d'este achado, que ha-de enriquecer
aquella região, dirigimo-nos á gruta, pou-
cos dias antes encontrada pelo sr. Cardoso.
Descemos flanqueando aquella immensa
montanha até chegarmos proximamente á
parte aonde fica a sua meia altura, e ahi ti-
VOLUME XI
i vemos de fixar a nossa attenção n'um pe-
I queno buraco, quasi occulto pela saliência
I de um penedo, o qual constitua a entrada
j para a caverna, aonde penetramos, providos
I de Iqzes, por aquelle pequeno buraco, indo
! um a um, como de gatas, por uma espécie
de corredor, que mede approximadamenté
quatorze metros de comprido, entrando d'el-
le para um espaço estreito entre duas ro-
chas, que dava ingresso ímmediato para uma
larga cova illuminada artificialmente, e que
constitue o fundo principal d'esta gruta. São
suas paredes interiores abobadadas, e me-
dirá uma extensão de cento e oitenta metros
quadrados, apresentando n'algumas partes
signaes evidentes da acção corrosiva da agua,
assim como nos seus maiores troços e por-
ções, primorosos e magníficos trabalhos, que
adornam fantasticamente as paredes d'este
antro tenebroso, e as entradas para differen-
tes compartimentos ou salas, que parecem
constituir uma brilhante e vasta decoração.
«O silencio profundo, que reina n'aquella
vasta e lúgubre solidão, illuminada- por meio
de archotes coUocados no seu interior, sua
estranha arehitectura, suas paredes festona-
das com milhares de desenhos caprichosos
e muitos d'elles de alabastrina alvura, as
infinitas estalactites e estalagmites de diver-
sos tamanhos que, suspensas do seu tecto,
brilham á luz incerta dos ditos archotes, os
diíTerentes pilares e columnas formados com
o mais raro primor, arremedando estranhas
e gigantescas figuras, que apparecem de es-
paço a espaço, contribuem no seu conjuncto
para despertar no animo mais sereno um
terror phantastico, e para que a imaginação
se perca contemplando e buscando a origem
d'esta maravilha, que, se foi conhecida em
épocas anteriores, perde-se na obscura noite
dos tempos.
Não é possível fazer uma descri pção deta-
lhada das muitas curiosidades naturaes, que
encontramos na nossa visita, durante a hora
e meia que empregamos em percorrer o in-
terior da gruta, nem me julgo competente
para isso; todavia darei d'ella um ligeiro
detalhe.
Depois de baixarmos oitenta e quatro de-
94
Í486 VIM
VIM
graus de uma escada de madeira proviso-
riamente collocada, com sua varanda de cor-
da resistente, a qual se apoia em barrotes de
ferro, eollocados de espaço em espaço, che-
gamos ao fundo da gruta, apreciando mais
perfeitamente, á medida que deseiamos, os
beilos e immensos depósitos ealcareos, as
enormes estalactites, que destacam suas al-
vas e caprichosas figuras, e porções da im-
mensa rocha cobertas como de neve petri-
ficada, e de musgo no mesmo estado.
Esta parte mais profunda é formada por
uma galeria bastante alta, de quatro a cinco
metros de largura, d'onde parlem saidas ou
entradas para outros pequenos compartimen-
tos, que ostentam caprichosíssimas pregas e
arrendados feitos na rocha, de transparên-
cia e alvura extraordinárias. O interior d'al-
guns, ou de quasi todos, está construído pe-
las mais raras formas de concreções calea-
reas, que dão logar á mais caprichosa archí-
teclura. Até agora o que mais chama a at-
tenção n'estes compartimentos e que terá
por certo de se conhecer pelo nome de sala
das ossadas, é aquelle em que se encontra-
ram vários restos humanos, vários craneos
de épocas distinctas, remontando alguns a
milhares d'annos, d'onde também se extra-
hiu um instrumento de guerra, de bronze
primitivo, e outros objectos prehistoricos de
grande valor, que serão dados preciosos pa-
ra os amadores de geologia e da antropolo-
gia. Ainda se conserva ali no solo, e n'uma
parte mais proeminente da rocha, um cra-
neo perfeitamente incrustado n'ella.»
As dietas grutas são interessantíssimas I
N'ellas se tem encontrado (diz o meu infor-
mador) ossadas humanas e de animaes an-
ti-diluvianos, taes como o mamuth (urso das
cavernas) rangi fer e masíodonto, — craneos
humanos que teem na abobada occipital e
paredes temporaes nove millimetros d'e8-
pessura. Um d'este8 conserva no maxillar
superior todos os dentes, mas de uma forma
exquisita, — curvos para fóra.
Um craneo mio-cephalo, fémures, tibias,
lacertes, cubetos, etc, — tudo encrustado em
staiagmites e stalactites,— e despojos e ins-
trumentos da epoea terciária mioceoa e
quaternária, de pedra e bronze.
Também nos consta que na freguezia de
Izeda, povoação de Serapicos e n'outrcs pon-
tos, já posteriormente se encontraram novas
grutas semelhantes àquellas.
Preço actual dos géneros em Vimioio
Trigo, 20 litros 800
Centeio, 20 litros 600
Cevada, i » 500
Castanhas, 20 litros 200
Sal, 20 litros 550
Batatas, 15 kilos 160
Lã preta, 15 kilos 2^250
» » » » 2,^250
Arroz, 15 kilos 140
Bacalhau, 15 kilos 2iS000
Vinho, 25 litros IMbO
Azeite, » » 3^250
Gallinhas, uma 260
Frangos, 1 140
Cabritos, 1 de tres mezes 500
Cordeiros, 1 de tres mezes 500
Coelhos, 1 140
Perdizes, uma 120
Lebres, uma 240
Ovos, um cento 670
Condução de mercadorias
Para Bragança — 1 arroba 80
Para a estação do Pinhão — por Mendo
de Cavalleiros, Mirandella, Miirça,
Alijó e Favaios — 1 arroba 240
É este o caminho que seguem.
Actualmente o concelho de Vimioso não
manda género algum para o Porto, por cau-
sa do preço das conducções. Apenas alguns
annos tem mandado cereaes.
Este beneficio de Vimioso deve render
hoje ao todo cerca de 300,^000 réis, compre-
hendendo 2OOí0OOO réis de derrama ou côn-
grua em dinheiro.
Aos ex.""" srs. Antonio Claudino Fernan-
des Pereira, de Bragança, — Luiz Antonio de
Figueiredo Antas, de Villa do Conde,— e
José Fernandes Barreira, digno prior actual
de Vimioso, agradeço os apontamentos que
se dignaram enviar-me.
VIN
VIN 1487
VINCOS,— portuguez antigo, —hoje brin-
cos, ornato mulheril.
Se alguma mulher levar vincos nas ore-
lhas, mando que lhos não tome nenhum, nem
lhos embargue. '
Cod. Alf. liv. V, tit. 47, § 5.
VINDA DO MEZ— ou vida do mez.
Era um direito real e consistia em se dar
de comer pelos colonos ou caseiros ao mor-
domo menor d'el-rei, um dia em cada mez,
ou doze comidas no anno — em própria espé-
cie ou em dinheiro.
Documento de Grijó do tempo d'el-rei D.
Diniz.
VINDIÇO, — que vinha de fóra da terra.
Nem vogado d^alhures, ou vindiço nom se-
rá ousado de usar do officio da vogaria con-
tra os davanditos poderosos.
Cod. Alf., liv. II, lit. 1», art. 23.
VINER,-- -vir, tornar. Do latim venire, vir.
tE as partessobrediíasnunca seerem iheu-
das de viner a outra demanda, per neuma
destas razoens.»
Doe. d'Aguiar da Beira, de 1289.
VINGAR QUINHENTOS SOLDOS, — locu-
ção usada entre nós no século xm.
Dizem uns que só os fidalgos de linhagem
podiam requerer a satisfação d*alguma in-
juria, sendo condemnado o aggressor em
500 soldos, não podendo os outros fidalgos
requerer mais do que 300 soldos em peoae
satisfação da injuria; — outros dizem que esta
locução principiou a usar-se depois que os
fidalgos, vassallos d'el-rei D. Bermudo, se li-
bertaram do tributo que pagavam aos mou-
ros por conta das cincoenta donzellas nobres,
--tributo imposto pelos mouros aos chris-
tãos em seguida á derrota d'estes na bata-
lha de Clavijo, o que hoje nao passa de uma
lenda pueril,
A opinião mais corrente é que a dieta lo-
cução— fidalgo que vingue 500 soldos— çvo-
veiu do acostamento que os taes fidalgos re-
cebiam annualmente do rei; mas uâo nos
satisfaz esta opmião, porque no Fuero Juzgo,
liv.'VIII, tit. 4. 1. 16, fallando-se da compo-
sição que deve dar o dono do animal que
por incúria sua matou algum homem, se diz:
Si matar orne ondrado, peche el Senor por
omecio quinientos soldos, e por orne libre pe-
che 800 soldos.
E no Cod. Wisig. 1. VI, tit. 5." 1. 14, se diz
que, morrendo o auctor de uma causa cri-
me, a quem o Juiz não desse audiência, pa-
gue o mesmo juiz à parte metade do homi-
cídio, ou 250 soldos.
Isto nos leva a crer que o fidalgo que vin-
gava 500 soldos era aquelle, cuja morte se
pagava com 500 soldos, — não menos.
Em Portugal tivemos também outr'ora
cavalleiros que vingavam 1:000 soldos, mas
estes eram os da primeira nobreza.
VINHA,— terreno plantado de vides.
Também oulr'ora se denominou t ma e via.
E vos emplazamos a dita terra, para que
nella ponhaes via.
Em alguns documentos antigos toraa-se a
vinha pelas videiras que a constituem. N'el-
les se diz, por exemplo:— «dows, ou tres, ou
mais milheiros de vinha* — i. é — de cepas.
Que tinha IV milheiros de vinha em uma
parte, e M e D (1500) cepas em outra.
No Atto-Douro ainda hoje se avalia a im-
portância e extensão das quintas pelos mi-
lheiros das vides que teem plantados. Assim
costuma ali dizer-se: — é uma quinta de tan-
tos milheiros; — ainda tem terreno para tan-
tos milheiros;— plantei tantos milheiros;—
a plantação custou tanto por milheiro, etc.
Note-se lambem que no Alto-Douro, na
zona do vinho fino, em tempo normal e nas
quintas mais bem grangeadas, o milheiro de
vides costumava produzir uma pipa de vi-
nho, mas por vezes nas quintas de vides ve-
lhas, mal grangeadas e de terreno magro e
ardente, que eram as que produziam o vinho
mais generoso, eram necessários 3 a 6 e mais
milheiros de cepas para darem uma pipa de
vinho. Em compensação o vinho era um né-
ctar ! Ganhava em qualidade o que pardia
em quantidade.
Ha também por excepção no Douro terre-
no, onde um milheiro de vides produz 3 a 5
1488 VIN
VIN
pipas de vinho, mas esse vinho é sempre in-
ferior.
Perde em qualidade o que ganha em quan-
tidade.
O mesmo suceede no Minho, Beira, Ana-
dia e Estremadura, nomeadamente no con-
celho da Lourinhã, onde a producção é es-
pantosa, mas o vinho muito ordinário e sem-
pre muito mais barato do que na parte res-
tante d'aquella província.
V. Villariça, Villarinko de Coitas, Villa-
rinho dos Freires, Villarinko de S. Romão,
6 Vimieiro da Lourinhã.
VINHA DA RAINHA,~freguezia do con-
celho e comarca de Soure, distrieto e dio-
cese de Coimbra, na província do Douro I...
Priorado. Fogos 430, — habitantes 1:850.
Orago. Nossa Senhora da Graça.
Em 1708 era priorado da provinda da
Beira, provedoria e bispado de Coimbra, co-
marca (corregedoria) e concelho de Monte-
mor-o-Vi^lhoj — e contava apenas 60 fogos.
Nada, absolutamente nada mais diz doesta
parochia a Chrographia Portugueza.
Em 1768 era priorado da apresentação da
mitra;--rendia 315^000 réis,--mais 420í^000
réis em fructos certos e 80^000 réis em fru-
ctos incertos,— total 815;í>000 réis?l... — e
contava 271 fugos.
Até á exiincção dos dízimos, ou até 1834,
foi um dos melhores benefícios do bispado
de Coimbra: não se espantem porem os lei-
tores, porque antes da extincção dos dízi-
mos tivemos abbadias de 10 a 20 contos de
renda por anno, tal era a de S. João de Lo-
brigos, no concelho de Santa Manha de Pe-
naguião, distrieto de Villa Real. E como se
fossem pouco os 10 a 20 contos por anno,
ainda aquelles felizes abbades receberam
também algum tempo uma peça de 8^000
réis por dia a titulo de inspectores das es-
tradas do Douro ? I . . .
Só do dizimo do vinho receberam alguns
annos 800 pipas, sem outra despeza, alem
da condueção para os seus vastos arma-
zéns.
V. Lohrigos, n'este diceionario e no sup-
plemento.
O censo de 1864 deu a esta parochia de
Vinha da Rainha 388 fogos e 1:696 habitan-
tes,—e o de 1878 deu-lhe 410 fogos e 1:708
habitantes.
A povoação de Vinha da Rainha, séde
d'esta parochia, está situada a meia encos-
ta do monte denominado ^Barril, na mar-
gem direita do rio do Pranto, do qual dista
2 kilometros para E.; — 12 da estação de
Soure, hoje a mais próxima, na linha férrea
do Norte, para O.; — 15 da beira mar para
E.,— 18 da cidade da Figueira para S. E.;
— 44 de Coimbra pela linha férrea do norte;
—163 do Porto— e 198 de Lisboa.
Este itinerário deve soffrer grande modi-
ficação logo que se abra ao transito a linha
férrea em construeção de Lisboa à Figueira
por Leiria e Torres Vedras, pois deve pas-
sar a pequena distancia d'esta freguezia.
V. Villa Verde, vol. XI, pag. 1:093, col.
2.» in fine.
Alem da povoação de Vinha da Rainha,
comprehende esta parochia as seguintes: —
Barroco, Barreiras, Casal dos Bacellos, Ca-
sal d^Almeida, Porto Godinho, Carrascal,
Formigai, Ervilhas, Feixe, Mira-Olho, Cabe-
ça Carvalha, Pedrogam, Salgueirinhas, Sa-
ca-Bolos, Val de Pedras e Queitide.
Algumas d'estas povoações são casaes com
poucos fogos; — as mais importantes são Pe-
drogam e Quietide.
Freguezias limitrophes: — Samuel e Ges-
teira a N. E., concelho de Soure; — Paião a
O., concelho da Figueira; — Louriçal e Al-
magreira a S., concelho de Pombal.
ProducçÕes dominantes: — vinho, milho,
trigo, azeite, favas, arroz, batatas e fructa.
Também é mimosa de caça miúda, de pei-
xe do rio e do mar— e de sezões, nas mar-
gens do rio do Pranto.
Templos
1.°— A egreja matriz, na aldeia da Vinha
da Rainha.
É elegante e vistosa, mas de uma só nave
e de moderna construeção, com altar-mór,
dois lateraes e decorações muito singelas.
Capella da Senhora do Pranto, na al-
deia de Pedrogam.
VIN
Tem grande romaria na 1/ oitava do Es-
pirito Santo.
3."— Capella da Senhora da Graça, na al-
deia de Queilide, ambas em bom estado.
Esta Capella de Nossa Senhora da Graça
outr'ora foi matriz. É publica e demora em
sitio alto, a N. e junto da estrada districtal,
n.» 58.
í.o— Capella de S. João Baptista, na al-
deia do Formigai.
S. Gonçalo, no palacete de Gonçalo
Tello.
Q»— Nossa Senhora do Carmo, na grande
quinta de Queilide.
Estas duas ultimas capellas são particula-
res.
A de Nossa Senhora do Pranto é antiquís-
sima. Jà em 1712 o auctor do Sanctuario
Marianno (tomo 4.», pag. 654 e segg.) não
pôde averiguar a data da sua fundação, mas
conta maravilhas pasmosas, operadas pela
imagem da Virgem.
Teve também festa e romagem a 18 de de-
zembro, dia da Expectação.
A Capella actual foi construída ha poucos
annos.
Banham esta freguezia o rio do Pranto
(o nome é sympaihíco, mas lúgubre)— e vá-
rios ribeiros e regatos anonymos, confluen-
tes do rio do Pranto, que nasce em um
monte, cerca de 4 kiloraetros a O. de Ver-
moil, concelho de Pombal;— caminha de S.
S. E. a N. N. O. em direcção ao Mondego, no
qual morre, depois de descrever uma gran-
de curva para S. ao abeirar-se d'elle.
Tem de curso total cerca de 48 kilorae-
tros, pouco declive e margens muito planas,
pelo que no inverno e mesmo na primavera
alaga e arrasa grande extensão da campina,
formando muitos pântanos, causando gran-
des prejuisos e tornando as suas margens
muito insalubres, principalmente depois que
a sacra fames auri as converteu em arro-
saes, verdadeiros focos de peste 1 . .
1 Este rio abunda em tainhas, barbos e
enguias — e tem 3 pontes: — duas de madeira
, e uma de pedra, denominada ponte do So-
VIN 1489
V. Vil de Mattos.
Por serem muito doentias as suas mar-
gens no verão e por causar tantas doenças,
tantas febres e tantas mortes lhe deram o
bem merecido nome de rio do Pranto.
Note-se que em algumas das povoações
margínaes todos os seus habitantes— ho-
mens, mulheres e creanças— tremem sezões
de mau caracter no verão— e o mesmo suc-
cede em outras muitas povoações do campo
de Coimbra, nas visinhanças do Mondego e
dos seus numerosos afíluent-^s,- e nos cam-
pos de Leiria, nas visinhanças do Liz, por
serem muito pantanosos e ardentíssimos no
verão
As margens do Liz, a jusante de Leiria, e
as do Mondego, a juzante de Coimbra, são
muito ferieis, mas muito insalubres 1 Deviam
estar todas povoadas de eucalyptos, attenta
a miraculosa propriedade d'estas lindíssi-
mas arvores para afugentarem as sezões e
outras febres; mas aíé/io/e infelizmente mal
se lobriga n'aquelles vastos pântanos um eu-
calypto. O que se vê é um enorme estendal
d'arrosaes,— ttm fóco de peste unido a outro
fóco?\...
Chamamos a attenção do governo para tão
momentoso assumpto,
Salus populi suprema lex est.
Terminaremos dizendo que o rio do Pran-
to se denomina também Louriçal, porque ba-
nha a freguezia d'este nome, cerca de 8 ki-
lometros ao sul ou a montante de Vinha da
Rainha, e no inverno é navegável desde a
Figueira até o Louriçal.
Também se denomina rio de Carnide, por-
que nasce junto da aldeia d'este nome, na
freguezia de Vermoil, concelho de Pombal.
Esta paroehia de Vinha da Rainha, per-
tenceu, como jà dissemos, ao concelho e co-
marca de Montemor- o Velho; depois passou
para o concelho de Abrunheira, comarca de
Soure, desde 1836 até 1844, data em que o
concelho de Abrunheira mudou a séde da
bral, entre esta freguezia e a do Paião. Ê
antiquíssima e por ella segue a estrada dis-
I irictal n.» 58 A.
1490 VIN
VIN
povoação d'este nome para a de Verride e
se ficou denominando concelho de Verride;
— finalmente, exlineto o concelho de Verri-
de, por decreto de 31 de dezembro de 1853f
passou esta freguezia para o concelho e co-
marca de Soure.
V. Abrunheira e Vf-rride.
A povoação de Abrunheira, que foi mui-
tos annos séde de concelho, era e é hoje
ainda uma simples aldeia da freguezia de
Revélles, concelho de Montemor-o-Velho.
Passa n'esta parochia de Vinha da Rai-
nha a estrada districtal a macadam n.° 58—
de Condeixa pela villa de Soure ao Louri-
çal—e d'esta parochia de Vinha da Rainha
segue um ramal, n.° 58— A— a entroncar
junto de Paião na estrada real a macadam
n." 58, da Figueira a Leiria.
Tem uma escola oflicial d'ÍQStrucção pri-
maria para o sexo feminino.
Aguas sulphureas
Ha no termo d'esta parochia dois peque-
nos montes, denominados Monte Barril, e
Monte Bicanho, em cujas faldas brotam
aguas thermaes, de que alguns doentes fa-
zem uso com proveito. Já tiveram casa de
banhos, mas hoje estão em completo aban-
dono.
Nos principies do ultimo século rebenta-
vam a N. do monte Bicanho, no sitio deno-
minado Banhos Velhos, mas, pelos annos de
i711 a 171 6 rebentaram no sitio onde hoje
brotam, no monie Barril, a pequena dis-
tancia da Capella da Senhora do Pranto, da
qual tomaram o nome.
Em 176i se construíram ali algumas ca-
sas de banhos, mas, passados annos, cahi-
ram em ruinas.
Ainda brotam nas faldas do monte Bica-
nho e ali alguns doentes vão banhar-se den-
tro de barracas feitas de ramos d'arvores,
mas são muito mais copiosas e eguaimente
medicinaes as do monte Barril ou da Se-
nhora do Pranto. Só uma das nascentes ex-
cede a quantidade de duas telhas, — diz José
Avelino d'Almeida.
O c,;:" ^-^ t^das as nascentes, mesmo ao
íir r ii:: > ;t :;j r í^.— ou 25 a 27 R.
A agua é transparente e clara com pouco
cheiro sulphureo, sabor desagradável e al-
gum tanto enjoativo. Colhida em um frasco
forma bolhas aéreas, o que prova ser leve-
mente mineralisada pelo gaz hydrogenio —
sulphurado e carbonato calcareo, ou de
soda.
Isto mesmo aecusam os reagentes, — diz
Almeida.
As aguas thermaes que brotam no termo
e ao norte d'esta freguezia são denominadas
Banhos do Pranto; — distam cerca de um ki-
loraetro da povoação de Vinha da Rainha;
— são sulphureas — quentes e muito concor-
ridas, pelas suas propriedades medicinaes,
mas estão ainda em grande abandono e mal
aproveitadas.
Brotam nas faldas do monte Barril, junto
da povoação da Azenha, da freguezia de
Samuel, e pertencem ao sr. José de Ornellas
da Fonseca e Nápoles, da cidade da Figuei-
ra;— mas a pequena distancia, nas faldas do
monte Bicanho e no sitio do Olho de Sam-
paio ou da Amieira, já no termo da fregue-
zia de Samuel, d'este mesmo concelho de
Soure, rebentam aguas congéneres, tam-
bém muito medicinaes, hoje pertencentes a
uma companhia que tem a séde em Lis-
boa e que ali ha poucos annos montou um
esplendido estabelecimento thermal, hoje
bem conhecido pelo nome de Caldas da
Amieira, com todos os commodos para os
banhistas.
Tem um luxuoso hotel, gabinete de leitu-
ra, salão de baile, jardins, bilhar, jogos de
sala, banheiras de mármore,* etc, — e du-
rante o tempo de banhos carreiras diárias
de char-à-bancs para a estação de Soure, na
linha férrea do norte, alem da via fluvial do
no do Pranto, que mesmo na estiagem ó na-
vegável desde Queitide até à Figueira e apro-
veitado por muitos banhistas d'aquella ci-
dade e das suas immediações.
São portanto já hoje muito aceessiveis as
Caldas da Amieira e mais aceessiveis fica-
rão logo que se abram ao tranzito a linha
férrea de Lisboa á Figueira por Torres Ve-
dras e Leiria — e o ramal que deve prender
a mencionada linha com a do norte em Al-
VIN
VIN 1491
farellos, passando a muito pequena distan-
cia das dietas Caldas.
Quinta de Queitide
Ha n'esta parochia uma quinta muito im-
portante, denomíQada quinta do Carregal ou
de Queitide, porque demora junto da povoa-
ção d'esie nome.
Pertence ao acreditado negociante, pro-
prietário e capitalista da cidade da Figueira,
— Joaquim Antonio Simões, hoje um dos ho-
mens mais ricos do di3iricto de Coimbra, ^
que a herdou de seu irmão João Antonio Si-
mões, 6 foi comprada por este em hasta pu-
blica ao governo, tendo sido do seminário
episcopal de Coimbra— -e anteriormente da
Compaahia de Jesus.
Só de arroz tem produzido alguns annos
a bagaiella de 250 moios ou 15:000 alquei-
res! .
O arroz é a sua produeção principal, mas
também produz algum milho e azeite e bas-
tante vinho,— cerca de 150 pipas por anno.
Tem, como já dissemos, uma linda ca-
pella,-~boas casas d'habitâção, armazéns,
celeiros e outras offlcinas,— e pôde compu-
tar-se o seu valor total em 50 a 60 contos
de réis.
É uma das melhores propriedades do dis-
tricto de Coimbra.
Ha também n'esta parochia outra quinta,
denominada de S. Domingos, pertencente a
Gonçalo Tello de Magalhães CoUaço, cava-
lheiro respeitabilissimo, dono da nobre Casa
de S. Gonçalo, a uoica brasonada que hoje
se vê n'esta parochia. É fidalgo d'anliga li-
nhagem e representante de muitas famílias
da nossa primeira nobreza.
Esta freguezia tem estação telegrapbo-
postal e confina ao poente com o concelho
da Figueira, servindo de linha divisória o
celebre rio do Pranto.
VINHAES,— aldeia da freguezia de Adau-
fe, concelho, comarca districto e diocese de
Braga.
1 V. Figueira, cidade, no supplemento a
este diceionario.
Temos no nosso paiz mais 5 aldeias, 2 ca-
saes 6 1 quinta com o mesmo nome de Vi-
nhaes. Não as mencionamos para não abu-
sarmos da paciência dos leitores.
VINHAES,-— Villa, freguezia e séde de con-
celho e de comarca, disiricto e diocese de
Bragança, província de Traz-os-Montes.
Abbadia. Orago Nossa Senhora da Assum-
pção;—fogos 430, — habitantes 1:900.
Em 1706 esta villa era abbadia da corôa
e sède do concelho do seu nome na comar-
ca (provedoria e corregedoria) de Miranda;
—rendia para.o abbade SOOiíiOOO reis;— cou-
tava 150 fogos intra muros, ou na villa e no
seu curato annexo extra-muros, ou no ar-
rabalde, com o titulo de S. Fagundo, que
era da apresentação do abbade da villa e
hoje se acha incorporado n'ella.
Em 1768 comprehendia as mesmas duas
paroehias:— Nossa Senhora da Assumpção
intra-muros, abbadia do padroado real com
os mesmos 150 fogos e 500)^000 réis de ren-
dimento,—e S. Fagundo extra-muros, cu-
rato da apresentação do abbade, com 36 fo-
gos e 50ií!000 réis de rendimento; mas o
Port. S. e Profano diz que S. Facundo era
abbadia do padroado real com 150 fogos e
500i2000 réis de rendimento,— e Nossa Se-
nhora da Assumpção, curato da apresenta-
ção do abbade de S. Facundo, com 36 fogos
e 50^000 réis de rendimento ? ! . . .
Na minha opinião foi lapso.
O Flaviense em 1852 deu a esta villa 284
fogos;— o censo de 1864 deu-lhe 405 fogos e
1:972 habitantes,— e o de 1878 deu lhe 426
fogos e 1:960 habitantes— ou mais 21 fogos
e menos 12 habitantes do que o censo de
1864.
Estão assim as nossas esta-
tísticas 1 Veremos se o censo
decretado para 31 de dezem-
bro do corrente anno de 1887
fica um pouco melhor.
Esta villa demora em sitio plano, muito
saudável, mas pouco vistoso, entre outeiros,
a S. do alto cabeço de Ciradella ou CidadeU
la, Ciradelha ou Cidadelhe, na margem es-
querda do ribeiro das Jrutas, confluente do
I rio Tuella, e na margem direita do rio d'este
1492 VIN
VIN
Dome, do qual dista 3 kilometros em iioba
recta— e 10 pela estrada real n.° 37, para
O. N. O.; — 20 da freguezia de Moimenta, na
raia, para S.;— 32 de Bragança para O.; 98
de Mirandella por Bragança, trajecto hoje o
mais seguido por ser todo feito em diligen-
cias;—1S3 da estação do Tua na linha fér-
rea do Douro, pela linha de Mirandella, pres-
tes a abrir- se à circulação;— 292 do Porto
pela estação do Tua— e 630 de Lisboa.
Atravessa a villa de Vinhaes a estrada
real a macadam n.° 37 de Chaves a Bragan-
ça, já concluída e servida por diligencias
entre Vinhaes e Bragança, achando-se po-
rem ainda muito atrasada a sua consirucçào
entre Chaves e Vinhaes.
Parte também d'esta villa para a fron-
teira uma estrada municipal em construe-
çào.
Freguezias liraitrophes:— Travanca a N.;
Villa Verde a E.;— Sobreiro e Alvaredo a
O.;— o Tuella a S. O.;— Nunes e Villar de
Peregrinos a S,, além do Tuella.
Produeções dominantes d'esta villa e d'es-
te concelho:— vinho, trigo, centeio, azeite,
batatas, castanhas, hervagens e fructa varia-
díssima de óptima qualidade, exceptuando
laranjas e amêndoas.
Também criam muito gado lanígero, muar
e vaecum da raça mirandesa;— teem muita
caça grossa e miúda nos seus montes e muito
peixe nos seus rios, nomeadamente trutas,
algumas de 12 arráteis, no rio Tuella e no
Ribeiro das Trutas, pois banham esta fre-
guezia e outras d'este concelho o rio Tuel-
la que vem da Hespanha^ e fórma a nas-
cente principal do Tua, confluente do Dou-
ro; — o ribeiro de Riaçós,—e o das Trutas
confluente do rio Rabaçal que desagua no
Tuella, e os dois, depois de unidos, formam
o Tua.
Desde tempos muito remotos a producçào
principal d'esia freguezia e d'este concelho
era o vinho, como está dizendo o seu nome
1 Nasce junto do logar dos Chãos, na ser-
ra de Senabria.
V. Tuella,
Vinhaes, — terra de vinhas ou de vinhedos.
Pela mesma rasão outras terras se denomi-
naram e conservam ainda os nomes de Vi-
nha, Vinhas,— Vinhal e Vinhaes, Vidago e
Avidagos, ete.
O vinho d'este concelho era de pasto ou
de mesa, mas de boa qualidade, pelo que
tinha venda remuneradora, o que tornava
este concelho ura dos mais ricos d'este dis-
tricio; mas infelizmente a.maldicta phyllo-
xera destroçou nos últimos annos a maior
parte dos seus vinhaes e o reduziu á penú-
ria, como a todos os d'e8ta província, cuja
produeção principal era o vinho.
V. Villa Real de Traz-os-Montes, \ol. XI,
pag. 1:012 a lM6,~Villarinho de Coitas^
— Villarinho dos Freires— e Villar inho de S.
Romão.
«Só a freguezia de Vinhaes (diz o meu íl- "
lustrado informador, filho d'ella) perdeu
mais de sessenta contos de reis por anno com
a extincção dos seus vinhedos, A exporta-
ção de vinho para a Gallisa era considerá-
vel—e a distillação para a Regoa e Porto era
considerabilissima, pois só na freguezia de
Vinhaes havia quatro machinas em serviço
permanente
«N'este concelho não havia pobres. Todos
tinham jornal certo no fabrico das vinhas e
do vinho; — homens, mulheres e creanças —
todos ganhavam dinheiro e viviam,— em-
quanto que hoje todos luctam com serias
difiBculdades. Os que eram ricos são apenas
remediados;— os que eram remediados são
pobres— e os que eram proletários são men-
digos I. . . *
Este concelho ainda produz muitas casta-
nhas e tem alguns castanheiros com troncos
admiráveis, que chegam a medir 12 metros
de circumferencia, mas já não colhe talvez
metade das castanhas que outr'ora colheu,
— 1." porque foram arrancados muitos sou-
tos para a plantação dos vinhedos;— 2." por-
que ha muito se não fazem novas plantações
de castanheiros, tanto n'esta como nas ou-
tras nossas províncias;— 3.» porque em todo
o nosso paiz os castanheiros e todas as ou-
tras arijom— pereiras, figueiras, cerdeiras,
larangeiras, ete,,— se acham muido doentes.
VIN
VIN 1493
o concelho
Comprehende este concelho as fregaezias
seguintes:— Agrochão, Alvaredos, Cabeça da
Igreja, Candedo, Cellas, Curopos, Edral,
Edrosa, Ervedosa, Fresulfe, Gestosa^, Mo-
freita, Moimenta, Montoulo, Nunes, Ousilhão,
Paco, Penhas Juntas, Pinheiro Novo, Quiraz,
Rebordello, Santa Cruz 2 Santalha, S. Jomil,
Sobreiro de Baixo, Soeira, Travanca, Tui-
zello, Val das Fontes, Valle de Janeiro, Villa
Boa d'Ou8Ílhão ^ Villa Verde, Villar da
Lomba, Villar d'Ossos, Villar de Peregrinos,
Villar Secco da Lomba e Vinhaes.
Total:
Freguezias 37
Fogos, pelo ultimo recenseamento. 4:543
Habitantes, pelo ultimo recensea-
mento 20:724
Prédios inscriptos na matriz . . 41:820
Superfície em hectares 72:307
Em 1706 comprehendia as parochias se-
guintes:— Vinhaes (Nossa Senhora da As-
sumpção, matriz) Vinhaes (S. Facundo, an-
nexa á matriz) — Moás (Santo Ildefonso) hoje
também simples aldeia annexa à matriz,—
Sobreiro de Baixo, Alvaredos, Candedo, Es-
pinhoso, (Santo Estevam) hoje simples al-
deia annexa á de Candedo, — Val Paço (S.
Pedro)— Curopos, Val de Janeiro, Rebordel-
lo, Val das Fontes, Nozédo sob Castello ou
Nozêdo de Baixo (Nossa Senhora da Espe-
ctação) hoje simples aldeia da freguezia de
Val das Fontes*— Rio de Fornos (Nossa Se-
nhora da Espeetação) hoje simples aldeia da
matriz de Vinhaes, ^ — Lagarelhos, hoje sim-
ples aldeia da freguezia de Villar d'0s80s,
1 Annexada civilmente á de Villar Secco
da Lomba.
2 Annexada civilmente á de Paçó.
3 Annexada civilmente á de Ousilhão.
4 Assim se lê na Chor. Moderna, mas o
meu antecessor disse que está annexa á de
Rebordello. Julgo ser lapso.
" O meu benemérito antecessor disse que
estava annexa á de Valle de Janeiro. Foi
lapso.
—Travanca, Villar d'Ossos, Tuizêllo, Cabeça
da Igreja, Nozêdo Trespassante ou Nozédo
de Cima, orago Nossa Senhora da Esperan-
ça, 1— Santalha, Pinheiro Novo, Pinheiro Ve-
lho (S. Thiago) hoje simples aldeia da fre-
guezia antecedente,— S. Pedro de Quadra,
hoje simples aldeia da freguezia de Tuizêl-
lo, 2— e Casares, hoje simples aldeia da fre-
guezia de Montoulo. V. Casares.
Em 1706 comprehendia, pois, este conce-
lho 25 freguezias, que hoje se acham redu-
zidas a 14, mas em compensação recebeu
outras já indicadas.
Em 1796 comprehendia as mesmas 25 fre-
guezias, com 1:422 fogos, 2:787 homens e
3:086 mulheres,— total 5:873 habitantes, 23
frades, 69 presbyteros seculares, 31 freiras,
9 senhoras recolhidas, 5 pessoas litterarias
(?) 184 sem oecupação, 12 negociantes, 3
boticários, 3 barbeiros, 5 cirurgiões, 394 la-
vradores, 373 jornaleiros, 4 fabricantes de
lã, 34 fabricantes de seda, ^ 38 alfaiates, 29
sapateiros, 33 carpinteiros, 14 pedreiros, 13
ferreiros, 6 ferradores, 2 moleiros, 60 pas-
tores, 85 criados e 116 erradas.
Não tinha um único almocreve, nem um
loueeiro, nem um fabricante de couraraa,
nem um cardador, segundo se lê na Des-
cripção da Província de Traz-os- Montes pe-
lo dr. Columbano Pinto Ribeiro de Castro,
corregedor de Moncorvo e juiz demarcan-
te da dieta província *.
Do exposto se vê que a industria da seda
foi muito importante em Vinhaes e Chacim
e muito mais em Bragança, ernquanto que
hoje se acha completamente morta em toda
a província de Traz-os-Montes, exceptuando
1 Foi reitoria da mitra e commenda da Or-
dem de Christo. mas hoje é uma simples al-
deia da freguezia de Tuizêllo.
V. Nozedo (o 1.») tomo 6." pag. 177, co-
lumna 2.*
2 V. Quadra e Tuizêllo.
' Em Murça n'aquelle tempo havia tam-
bém 8,— em Chacim 54 — e em Bragança
407 ?l. .—Total dos fabricantes de seda em
toda esta provinda— 503.
♦ Códice n." 486 da Bibliot. Municip. Port.
1494 VIN
VIN
Freixo de Espada á Cinta, onde ha boas fa-
bricas de sêda ainda tioje, — 1887.
WaqQelie lempo (1796) não havia ali uma
única.
No 2.» quartel d'este século ainda n'esta
província se apurou muito dinheiro na crea-
ção i)o sirgo para França. O mesmo suece-
deu na província da Beira, mas poucos an-
nos durou essa industria.
Ainda o concelho
No anno de 1885 pagou as contribuições
seguintes :
Predial 10:661ig399
Industrial 1:020^016
Renda de casas 380(^000
Decima de juros 387^^900
Sello de verba 247^694
Movimento da sua estação íelegrapho-postal
no mesmo anno
Objectos de correspondência re-
cebida 35:000
Sellos vendidos 17:700
na importância de réis 429ig000
Encommendas expedidas 77
» recebidas ..... 111
Correspondência em refugo —
objectos 56
Vales telegraphicos 47
na importância de réis 211jí[000
Vales nominaes 712
na importância de réis 7:220^000
Cobrança de recibos, lettras e
obrigações nacionaes 76
na importância de réis 126^000
Taxas cobradas, réis 800
» não cobradas 156
na importância de reis 21^000
Telegrammas transmittidos. . .
nacionaes offlciaes 129
Particulares 987
Internacionaes particulares 22
De serviço 18
Recebidos offlciaes 528
Particulares 892
De serviço 100
Os 3 maiores proprietários doeste conce-
lho hoje são os seguintes : ,
1. " — Manuel de Mello Vaz de Sampaio, da
freguezia da Espinhosa, concelho de S. João
da Pesqueira, hoje residente em Villar d' Os-
SOS, (Vide) representante dos viscoodes de
Montalegre.
2. ° — José Manuel Ferreira,— áa, povoação
de Salgueiros, freguezia de Tuizéllo.
3. » — A viuva Campilho e filhos, — D, Maria
da Gloria de Figueiredo Sarmento Campi-
lho, de Vinhaes, viuva de Antonio Annibal
de Moraes Campilho.
Os 3 maiores proprietários da villa são :
1. "— Manuel da Costa Pessoa, represen-
tante dos nobres condes de Vinhaes, de
quem logo fatiaremos.
2. °— A mencionada sr.» viuva Campilho e
filhos.
3. "— Leandro Albino Doutel.
Convento de Santa Clara
Teve esta villa dois conventos:— um de
freiras Claras, — outro de frades de S. Fran-
cisco, missionários varatojanos, ambos ex-
tinctos.
O primeiro foi fundado pelo dr Antonio
Alvares Ferreira, juiz de íóra na cidade da
Guarda ^, e por sua mulher D. Elena da No-
voa, natural de Vinhaes (ella), nas próprias
casas em que viviam, pelos ânuos de 1580 a
1587, como prova uma escriplura de doação
feita por elles em 24 de junho de 1587, na
qual se diz— que faziam doação do uso fru-
cto dos bens que elles doantes herdaram de
Pedro Ougueia Dalvão e Guiomar de Castro
1 Assim se lé nos apontamentos do meu
illustrado informador, ma» a Historia Sera-
phica diz que era corregedor de Miranda.
Talvez que de um dos cargos fosse promo-
vido ao outro.
Veja-se a Historia Seraphica de Fr. Fer-
nando da Soledade, tomo V pag. 739 a 756,
onde se encontra com relação a este convento
um bello artigo, mas tão longo, que apenas
faremos d'elle um leve extracto para poder-
mos levar as noticias d'este convento até á
sua extincção.
A chronica tem a data de 1721.
VIN
VIN 1495
— e da casa e egreja que fizeram no dicto
mosteiro, á abbadessa e madres do convento
de Santa Clara que se fundou n'esta villa,
etc.
Do exposto se vê que este convento já es-
tava fundado em 1587 — e sabe-se também
que no dia 30 d'agosto d'aquelle anno o bis-
po de Miranda, D. Jeronymo de Meneses,
apresentou n'elle as primeiras 3 freiras, sen-
do uma Maria de S. Boaventura, a quem deu
o cargo de abbadessa— e os de vigaria e tan-
gedeira às outras duas, cujos nomes se igno-
ram, mas a ehronica citada diz que as pri-
meiras fundadoras foram as madres soror
Anna de Belém, do convento de Villa do
Conde, reformadora do convento de Santa
Clara do Porto, e do de Santa Iria, de Tho-
mar, — e duas companheiras, uma do con-
vento de Santarém,— outra do de Figueiró.
Formada a communidade com as 3 frei-
ras nomeadas pelo bispo de Miranda (diz o
meu illustrado informador) e com outras
que professaram depois, pouco prosperou
este convento durante largos annos. Em 1648
achava-se elle em ruinas e habitado apenas
por duas freiras decrépitas e pobres:— Ca-
tharina da Trindade e D. Francisca, das
quaes uma viveu 105 annos e a outra pouco
menos.
Valeram-lhe 3 cavalheiros d'e3ta villa: —
Jeronymo de Moraes Valeacer, abbade de
Cellasjreguezia d'este concelho, — Francisco
Dourado e Antonio Colmieiro, os quaes o
restauraram e ampliaram, indo depois para
elle de Bragança 3 novas restauradoras: —
Maria da Encarnação, abbadessa, Maria dos
Sera/íns, vigaria, e Maria de S. Miguel, por-
teira, e com tanto zelo se houveram que em
pouco tempo a communidade attingiu o nu-
mero de 30 freiras.
Por fallecimento d'aquellas 3 religiosas i,
o provincial mandou para abbadessa Catha-
rina da Cruz, freira do convento de Ama-
rante e freira virtuosíssima, a qual no seu
1 A abbadessa e a porteira falleceram em
1659; — a vigaria falleceu alguns annos an-
tes.
triennio (1664 a 1667) elevou ao máximo
esplendor o convento, augmentando muito
a communidade, dando-lhe estatutos que vi-
goraram até á extincção e mantendo em to-
do o seu rigor a disciplina monástica.
Chegou a ver no côro reunidas 112 frei-
ras professas e o convento floresceu como
os primeiros do seu tempo até o principio
do século actual, começando então a deca-
hir pela falta de concorrência de noviças e
pela má administração das suas rendas.
Teve muita prata para serviço da egreja
e da communidade:— lâmpadas, candelabros,
grandes castiçaes para todos os altares, thu-
ribulos, naveias, cálices, vasos, pixides, cal-
deirinhas, gomis, cruzes, grandes salvas, etc.
etc.,— o que tudo se vendeu a pretexto de
reedificarem dois quarteirões do convento
— um que desabou em parte no anno de
1836,— outro que ardeu completamente em
1838; mas com certesa não gastaram nas
obras o produeto da venda de tanta pra-
ta I .. .
Também teve considerável rendimento
proveniente de foros e juros de dinheiro mu-
tuado,—rendimento que foi diminuindo com
a falta de dotes das noviças, principalmente
depois que acabaram as profissões, e mais
ainda depois que foram escandalosamente
levantando os capitães e remindo os foros»
até reduzirem as rendas à expressão mais
simples — e de todo as extinguiu a ultima
freira D. Maria da Encarnação, fazendo-as
reverter em proveito próprio e da sua famí-
lia, votando ao mais lastimável abandono o
convento, pelo que o prelado da diocese»
d'accordo com o governo, a expulsou e man-
dou para sua casa e fechou o convento, em
30 de janeiro de 1879, sendo entregue ao
parocho da villa tudo o que pertencia ao
culto— e o ediflcio e cerca, etc, á fazenda
nacional.
Assim terminou este convento que já con-
i tava cerca de tres séculos d'existencia e que
chegou a ser um dos mais ricos, mais popu-
losos e mais considerados.
Produziu muitas religiosas de preclara
virtude, como pôde ver-se na ehronica, en-
tre ellas uma por nome Anna Maria Garcia»
i496 VIN
VJN
cuja virtude se tornou lendária no convento
até à sua extincçáo
Sendo celeireira e tendo certa porção de
feijões para consumo, durante muito tempo
gastou o necessário á communidade sem se
notar diminuição no deposito, pelo que até
se fechar o mosteiro, íallando-se de qual-
quer coisa de rendimento, costumavam di-
zer:— isto rende como o feijão da madre Gar-
cia,— e ainda hoje em Vinhaes voga a mes-
ma locução.
A communidade teve sempre em muita
veneração um crucifixo que data da funda-
ção do convento, pelo que lhe deram a invo-
cação de Senhor Fundador. Tinha altar pri-
vativo no coro debaixo e é tradição firme
que, sendo esta villa cercada pelo exercito
castelhano, commandado por Pantoja e ten-
tando os invasores profanar este convento,
Catharina da Cruz, enião abbadessa, (1664
a 1667) reuniu a communidade em tão ne-
gra conjunctura, lançou mão d'aquelle cru-
cifixo e, oppondo-o como escudo a todas as
portas por onde os soldados pretendiam en-
trar, não lhes foi possível arrombal-as e fi-
cou illeso o convento.
Este facio prende com uma inscripção que
logo citaremos e ajuda a interpretal-a.
Este convento foi extincto, como já disse-
mos, em 30 de janeiro de 1879;— em julho
de 1882 o governo deu á camará municipal
o edifício e cerca para ali fundar os paços
do concelho, tribunal, etc, — e deu à irman-
dade da Misericórdia a egreja, coros e ca-
pellas do extincto convento para ali celebrar
os offlcios divinos.
A Misericórdia tomou posse da egreja,
mas, como esta se achasse em ruínas com o
peso dos séculos e com o lastimável aban-
dono a que a votou a ultima freira, foi pro-
fanada, removendo-se para o cemitério mu-
nicipal os restos mortaes das pessoas que
ali jaziam.
A camará, aproveitando a doação do go-
verno, demoliu o quarteirão N. do convento
© no seu chão levantou um soberbo e vis-
toso edifício, hoje prestes a concluir-se e que
deve custar vinte e tantos contos de réis,
destinado para paços do concelho, tribunal,
administração, conservatória, recebedoria,
repartição de fazenda, estação telegrapho-
postal, etc.
O convento dos frades franciscanos
Teve também esta villa um convento de
frades franciscanos, missionários do Vara-
tojo, fundado em 1751 por José de Morae»
Sarmento, benemérito e piedoso filho de Vi-
nhaes, como prova a inscripção que ainda
hoje se vê gravada junto da portaria, à en*
trada da egreja, do lado direito.
É a seguinte :
Fundou este Seminário Iosé
DE Moraes Sarmento, Fidalgo
DA Casa Real, Mestre de Cam-
* PO de Auxiliares, e natural
desta villa de Vinhaes, no
anno de 1751. Cedeo o padro-
ado DELLE NAS JHÃOS DE SUA
■ MaGESTADE, E FALLECEU no ANNO
DE 1762.
No lado opposto da mesma portaria se lê
esfoutra inscripção :
Sua Magestade Fidelíssima
ACCEITOU o padroado d'ESTE Se-
MINARIO, E O TOMOU PARA
SEMPRE NO SEU ReAL NOME,
E DE SEUS SUGCESSORES, DEBAIXO
DA SUA Regia e immediata
PROTECÇÃO, NO ANNO DE
1777.
Floreceu este Seminário e produziu como
os do Varaiojo e de Mezãofrio numerosos e
beneméritos evangelisadores até á sua ex-
tincção em 1834, seguindo então a sorte de
todos os outros conventos do nosso paiz;
mas a d'e8tes religiosos foi mais dura e cruel
ainda, porque os outros foram simplesmente
espoliados e expulsos, emquanto que estes
foram presos coroo faccinoras e conduzidos
para as cadeias da Relação do Porto com a
maior crueldade, sem lhes permittirem ao
menos que levassem mantimento para o pri-
VIN
VIN 1497
meiro dia, pelo que tiveram de fazer tão
longa e pemtsa marcha soffrendo as mais du-
ras privações e sempre cobertos de vaias e
apupos dos guerrillias, seus conductores, sem
haverem commetiido outro crime além de
predica do Evangelho e de se opporem com
a palavra e com o exemplo aos malvados
intuitos dos communistas e nihilistas d'a-
quelle tempo ou dos taes guerrilhas que pre-
tendiam apropriar-se do pruducto das es-
molas que guardavam no seu celleiro para
sustento da communidade e dos pobres que
diária e coostanteraenie soccorriam.
O convento era solidamente construído;—
tinha accommodações para numerosa com-
munidade— e uma excellente egreja, ainda
denominada a Egreja grande por ser a maior
da Villa,— templo vasto e sumptuoso de uma
só nave com cinco altares, ricas decorações
de talha dourada, imagens de primorosa es-
eulptura, telas de muito valor, eomprehen-
dendo uma copia da Virgem de Murillo, e
um côro riquíssimo, admiração dos enten-
dedores, no qual avulta um grande cruci-
fixo de madeira muito bem esculpturado e
tido em grande veneração. Foi feito, bem
como o do Senhor dos Perdidos, por Fr. Do-
mingos, leigo deste mesmo convento.
Na Capella mór existem as sepulturas do
fundador e de um seu irmão, cujas tampas
são de mármore branco, pedra raríssima e
carissima, jamais n'aquelle tempo, ao norte
do nosso paiz e em tão remoto cantão. '
Nas dietas lapides se lôem as inscripções
seguintes:
Na do fundador
Aqui jaz Jose he Moraes
Sarmento, FmALGO da Casa
DE Sua Magestade, Mestre
DE Campo de Auxiliares, Ca-
VALLEIRO PROFESSO NA OrDEM DE
Christo, fundador deste Se-
minário, E DA Ordem Ter-
ceira desta VILLA DE ViNHAES.
Anno de 1762.
1 Aquelle mármore ou foi de Lisboa ou da
Itália. Hoje podia ir das soberbas pedreiras
Na do irmão .
Aqui jaz Pedro be Mariz
Sarmento, irmão
DO fundador.
1766.
Tem á entrada da portaria, do lado es-
querdo, uma linda capella. dedicada ao Se-
nhor dos Perdidos e a Nossa Senhora das
Dores, cujas imagens são era ponto grande
e de óptima esculplura. Tanto a capella
como a egreja ainda existem abertas ao cul-
to e se conservam em bom estado, entregues
à junta de parochia, achando-se actualmen-
te erecta no vasto templo a confraria de
Nossa Senhora da Boa Morte, por bulia do
Santo Padre Pio IX, pelo que o dicto tem-
plo, denominado Egreja grande, também se
denomina Egreja da Boa Morte.
A mencionada capella do Senhor dos Per-
didos tem sobre a porta da entrada esta ins-
cripçãò:
Ille ego qui veniam, suplex si,
perdite, quaeris;
NaMQUE BENIGNUS EGO, VIRGO QUE
MOESTA PARENS.
Copiámos fielmente o que nos mandou o
nosso illustrado e muito consciencioso infor-
mador, mas— ou elle a copiou mal— ou o
gravador a deturpou.
No cimo do altar, sobre a imagem do Se-
nhor, lê-se o seguinte :
Eu sou o Bom Jesus dos
PERDIDOS. Vinde a mim.
Tem um bom claustro quadrado, com ar-
caria de granito, suspendendo os corredo-
res dos quatro quarteirões do convepto. Ser-
via também o dito claustro de cemitério.
de Vimioso, mas a sua condueção ainda as-
sim era muito dispendiosa, porque as dietas
pedreiras distam de Vinhaes cerca de 80 ki-
lometros de péssimo caminho, exceptuando
09 32 kiiometros de Vinhaes a Bragança.
V. Vimioso.
1498 VlN
VÍN
hoje profanado e exposto a toda a casta de
indecencias, achando-se ali muitas ossadas
de pessoas venerandas, sendo para lamentar
que a nobre familia, a quem hoje pertence
o extincto convento, ainda se não lembras.-
se de remover aquellas ossadas para o ce-
mitério publico.
É no dieto claustro que folgam e passeiam
livremente, licenciosamente, os soldados dos
dois destacamentos da villa que, ha muito,
costumam aquartellar-se no edifício do con-
vento, arvorando em cosinha do rancho a
lindíssima capella do capitulo— e em dis-
pensa ou deposito dos géneros do rancho a
capella de Nossa Senhora do Carmo — para
honra e gloria do século das luzes?.. .
Valha-nos Deus I
A meio do claustro ainda existe um cha-
fariz ociogono de granito, encimado pela es-
tatua da fama com a trombeta e um escudo,
no qual se lé a inscripção seguinte :
VOX MEA, QUAE TOTUM PER NOMEN
DETULIT AURAS,
DeFERT, QUI ACCLIVES CURRERE
FECIT AQUAS.
«Assim como outr'ora espalhei aos qua-
tro ventos muitos nomes,
Hoje espalho o do benemérito que fez jor-
rar aqui estas aguas.»
Na parte superior do edifício estão actual-
mente (emquanto se não ultima a nova casa
da camará)— os paços e a administração do
concelho, o tribunal judicial, a repartição da
fazenda, etc, por arrendamento que a ca-
mará paga ao sr. Manuel da Costa Pessoa,
dono do extincto convento, — e junto d'e8te
se conservam ainda a casa e o templo da
Ordem Terceira da Penitencia,— orâem mui-
to florescente e muito bem administrada. A
sua egreja é muito mais pequena do que a
dos frades, mas lindissima,— uma das mais
formosas do bispado de Bragança,
A Villa
Vinhaes tem hoje uma só freguezia que
representa quatro:— a antiga e actual de
Nossa Senhora da Assumpção, e as extin-
ctas de S. Facundo dos Bairros ^, Nossa Se-
nhora da Expectação de Rio de Fornos e a
da Santo Ildefonso de Moaz, hoje simples al-
deias da villa, que comprehende os bairros
do Carvalhal, Campo, Couce, Eiró, Bairro
d'Alem e Bairro da Boa Vista;— os casaes
do dr. João Ferreira, do Doutel, do Campi-
Iho e outros menos importantes, — e as quin-
tas da Ribeirinha, Armoniz e Ermida.
A povoação de Moaz demora em um mon-
te que tem de altitude 937 metros; pelo con-
irarifi a quinta da Ribeirinha^ que perten-
ceu á extincta parochla de Moaz, demora
em sitio fundo, abrigado, quente e mimoso,
na margem do rio das Trutas, e tem apenas
dois fogos.
Armoniz é também hoje uma simples
quinta e pertenceu á mesma freguezia de
Moaz, cujo parocho era da apresentação do
abbade de Vinhaes, que recebia os dízimos-
A quinta da Ermida tem uma capella de
Santa Engrácia e foi até 1834 prebenda do
cabido de Bragança, que recebia os dízimos
d'ella.
A povoação de Rio ie Fornos dista de Vi-
nhaes cerca de dois kilometros e foi fregue-
zia independente, cujo parocho era da apre-
sentação do reitor de Paçó; mas tanto a fre-
guezia de Rio de Fornos como a de S. Fa-
cundo e a de Moaz foram ha muito extin-
ctas e unidas á de Vinhaes— e assim se con-
servam.
Fica assim rectiflcado o que
disse o meu benemérito ante-
cessor nos artigos Ermida
(a vol. IH, pag. 48;— iíí
beinnha, vol. 8.» pag. 187, col
l.';—Rio de Fornos, no mesmo
volume pag. 193, col. 2."- e
Val de Janeiro, vol. X, pag. 53,
col. 1.» 2.
1 Facundo é modificação de Sahagum.
2 Note-se também que a matriz de Val de
Janeiro, templo muito singelo e sem coisa
alguma notável, demora no centro da povoa-
ção e não no outeiro, a um Idlometro de dis-
tancia, como disse o meu antecessor. Sup-
põe-se que esteve no tal outeiro, antigo cas-
VIN
Templos
{."—A egreja grande ou da Boa Morte, já
descripta e que pertenceu ao extincto Semi-
nário varaiojano.
2.0— A egreja de Nossa Senhora da
sMwpcõo,— matriz.
Demora no bairro do Castello.
3. " — Egreja da Misericórdia.
4. °— Egreja de S. Facundo dos Bairros.
P'ella fallaremos adiante.
5.0— Egreja de Nossa Senhora da Espe-
ctação de Rio de Fornos, na povoação d'este
nome e que foi também matriz d'aquella pa-
rochia.
6. *— Egreja de Santo Ildefonso de Moaz, na
povoação d'e9te nome e que foi também ma-
triz d'aquella parochia, hoje extineta.
7. °— Egreja do extincto convento das frei-
ras, hoje profanada.
8. " — Egreja da Ordem terceira da Peni-
tencia, já descripla.
Só estes 8 templos não se faziam hoje com
duzentos contos de réis l...
9. °— Capella do Senhor dos Perdidos, já
descripta.
10. °— Capella de S. Caetano, na rua Nova
da Villa, junto ao palacete dos condes de
Vinhaes e com ligação do palacete para ella,
por auciorisação da junta de parochia, pois
a dieta capella é publica.
U.»— Capella de S. Martinho, no Bairro
do Carvalhal.
12. " — Capella de Santo Antonio no Bairro
do Camjío.
13. "— Capella de Santo Agostinho, na quin-
ta de Armoniz.
14. "— Capella de S. Jorge, na quinta da
Bibeirinha.
tello, mas foi transferida ha séculos para o
local que hoje occupa.
No sitio do antigo castello está uma ermi-
da dedicada a Nossa Senhora da Assumpção.
Foi feita pelo padre Cypriano Ferro, de Val
de Janeiro, e approximadamente em 1850; —
uma faisca eléctrica devorou-a em 1883, —
mas foi logo reedificada pelos habitantes
d'aquella ffeguezia.
VJN 1499
1 15.° — Capella de Santa Engrácia, na quin-
ta da Ermida.
16. °— Capella do Senhor do Horto. Per-
tence á junta de parochia.
17. °— Capella do Senhor Morto. É parti-
cular e demora na cerca dos varatojanos.
18. °— Capella de S. Lourenco, no Bairro
do Campo. Suppomos ser a de Santo ^ Anto-
nio, supra.
19. °— Capella de S. Vicente, no Bairro
d'Alem, ambas mencionadas por Carvalho.
20. ° — Capella de Nossa Senhora da Oli-
veira.
Demora no palacete brasonado (Casa da
Corugeira) pertencente á nobre familia Cam-
pilho.
21. °— Capella de Nossa Senhora da Nati-
vidade.
Demora na rua de Baixo, na casa perten-
cente a José Antonio Machado, de Villar
d'Ossos, e a suas cunhadas — D. Maria Illu-
minata e D. Leopoldina Campilho.
22. » — Capella de Santa Catharina, no
bairro do Eiró, — no palacete brasonado de
que logo faremos menção.
23 ° — Capella de Nossa Senhora da Luz,
na Praça do Arrabalde.
Pertencia ao palacete brasonado que foi de
Estevam de Mariz, e de que logo faremos
menção, mas foi profanada e hoje serve de
cosinha a uma hospedaria montada em uma
parte do dieto palacete. A oulra parte está
arrendada a um negociante.
Estas ultimas 5 capellas são particulares
e todas se acham abertas ao culto, exceptu-
ando a ultima, que foi profanada, — e a de
S. Vicente, que foi demolida e era da nobre
familia Colmieiros.
Egreja de S. Facundo
É um templo venerando pela sua arehite-
clura, tradições e antiguidade.
Foi a primeira matriz d'esta parochia e
das parochias circumvisinhas até muitas le-
goas de distancia, pois é considerada como
a egreja mais antiga d'este bispado I. . .
A tradição diz que foi fundada pelos go-
dos e dedicada primitivamente á Santíssima
1 Trindade, como attestam ainda hoje vários
150 VJN
grupos de figuras esculpidas em granito aos
lados da sua porta priocipal.
Um d'e88es grupos tem 3 bustos que re-
presentam as 3 divinas pessoas da Santissi-
ma Trindade — Padre, Filho e Espirito Santo.
Outro grupo tem 3 bustos também, sendo
maior o do centro e parece representar as
3 pessoas distinctas da mesma Trindade
Santíssima.
Do lado opposto tem um só busto, mas em
ponto maior, e julga-se que representa—
Vm só Deus Verdadeiro.
Diz mais a tradição — que os Santos Fa-
cundo e Primitivo, cavalieiros gallegos, sen-
do perseguidos pelos mouros depois de um
combate, se acolheram á dieta egreja e n'ella
permaneceram algum tempo— e que, em
memoria d'este facto, sendo depois marty-
risados e canonisados, se deu á dieta egreja
o titulo de S. Facundo.
Em volta d'ella se fez o cemitério da villa,
que é ura cemitério esplendido, muito am-
plo e muito bem situado, com sólidos muros
e um grande porião de ferro, lendo por Ca-
pella a veneranda egreja de S. Facundo, que
o domina todo e lhe dà muito realce.
Demora este cemitério em sitio alto, are-
jado, alegre e vistoso e é sem contestação o
primeiro do districlo de Bragaeça.
Pessoas notáveis
Teve esta villa muitas famílias iilustres,
sendo as principaes — Colmieiros, Moraes
Sarmentos, Ferreiras, Marizes, Dourados,
Silvas,. Barretos e Pessoas, Serrões e Pimen-
teis, das quaes estão hoje aqui representados
os Silvas Barretos e Moraes Sarmentos pela
familia Campilhos, — e os Pessoas por Ma-
nuel da Costa Pessoa, filho do ultimo conde
de Vinhaes.— Dos Ferreiras Sarmentos Pi-
menteis, foi ultimo representante o coose-
Iheiro do Supremo Tribunal de Justiça—
Antonio Ferreira Sarmento, já falleeido
Antiguidades
O chão ã'esta villa e d'esta parochia foi
oeeupado desde tempos remotíssimos, como
se infere da lenda ou historia da egreja de
VJN
S. Facundo, que a tradição diz ser fundada
no tempo dos godos.
Também por aqui se demoraram os ro-
manos, pois ao norte da villa, no monte da
Vidueira, se encontraram em 1872 muitas
moedas romanas bem conservadas, que os
habitantes de Rio de Fornos malbarataram
e venderam a differentes especuladores.
Também revela muita antiguidade o no-
me do monte que se ergue a N da villa de-
nominado Ciradella ou Ciradala. A Cherogr.
Port. o denoraiaou Ciradelha e outros o de-
nominam Cidadella, Cidadelha e Cidadelhe.
Estes últimos nomes diminutivos de cida-
de, indicam a existência de uma povoa-
ção importante n'este sitio em tempos mui-
to remotos.
Vide Villa Pouca d' Aguiar, tomo XI, pag.
902, col. e segg.
Por seu turno Ciradella ou Ciradelha po-
de ser modificação de Cidadella ou Cidadelha
— ou proveniente de eira, que outr'ora si-
gnificava silvedo^ brenha, matta, bosque.
V. Villa Franca de Xira, vol. Xí, pag.
750, col. 2.»
No dicto monte se encontram ainda hoje
restos de edificações antiquíssimas, geral-
mente attribuidas aos mouros, masque tal-
vez fossem dos godos ou romanos — e é mui-
to provável que estes aqui tivessem algum
castro ou acampamento fortificado, porque
passava aqui uma das cinco estradas roma-
nas que de Braga se dirigiam a Astorga.
Esta seguia por Chaves para leste, apro-
ximadamente pelo traçado da nova estrada
real a macadara n." 37, de Chaves a Bra-
gança, atravez da villa de Vinhaes, segundo
se lê nas Memorias de Argote, tomo 1." pag.
359 e 398,— e tomo 2.» gag. 576, 590 e 713.
Grutero aponta um marco milliar ou pa-
drão encontrado em Vmhaes ou junto de
Vinhaes,— e Viterbo, lettra E, cita uma la-
pide encontrada também junto de Vinhaes
com a inscripção seguinte :
Jovi
O M.
Loviis
VIN
VIN 1501
I A I I X *
VOTO
L A P.
• Lovesia dedicou por voto e com generoso
animo ao grande Júpiter.*
Esta mesma ioscripção se encontra iocor-
reetamente copiada oo Poriugaliae inseri-
píiones romanae de Levi Maria Jordão, pag.
15, D.» 46.
Esta Villa outr'ora também se denominou
Povoa Rica e estava mais próxima do Tuel-
la,— segundo diz a tradição.
D. Affonso 111 lhe deu foral em Santo Es-
tevam de Chaves, a 20 de maio da era de
1291,— anno 1253 e não 1262, como diz o
Padre Carvalho. V. Livro 11 de Doações do
Sr. Rei D. Affonso III, fl. 16, in principio —
e Livro de Foraes Antigos de Leitura Nova,
fl. 104, col. 1."
D. Manuel em 4 de maio de 1512 lhe deu
lambem foral novo.
Livro de Foraes Novos de Traz-os-Montes,
fl. 8, V. col. 2.»
No Portugaliae Monumenta, vol. l." pag.
639, col. 2.*, SB encontra na sua integra o
foral de D. Affonso III. JN'elle diz que Vi-
nhaes e os seus termos lhe dariam 600 mo-
rabitinos da moeda corrente na localidade,
por todos os direitos e fóros que o rei deve-
ria haver na dita povoação de Vinaes, sendo
500 morabitinos pela renda da terra e 100
pela teneneia do seu eastello,— e que os 600
morabitinos seriam pagos nas 3 terças do
anno:— 200 no 1.° dia de março,— 200 no
i.° de julho— e 200 no 1." de novembro;—
que a justiça lhes seria administrada por
juizes da mesma villa — e, tquando elles IKa
não façam, appelíem para mim, que eu IKa
farei por mim ou por delegado meu*.
A isto se reduz o dicto foral, que é muito
lacónico e em latim.
Esta villa outr'ora foi murada, mas hoje
dos seus muros apenas restam pequenos
lanços, alguns ainda com ameias.
Também teve um eastello com duas tor-
res mandado fazer por D. Diniz,— segundo
VOLUME W
se lê na Chorographia Portugueza e nos
Diálogos de Martz, pag. 134,— islo porém não
è a expressão da verdade, porque, segundo
se lê no foral de D. Affonso III, esie eastello
já existia em 1253 e D. Diniz reinou de
1279 a 1325.
É possível que D. Diniz n'elle flzesse obras
importantes, mas com certeza não o fundou
de novo, como se lê em Mariz. Talvez o
restaurasse,— e D. Manuel o aperfeiçoou e
mandou levantar a planta d'elle e d'outros
muitos, — plantas e desenhos que podem
ver-se em um grande livro na Turre do
Tombo.
Noticias de Portugal por Severim de Fa-
ria, pag. 61.
Quando D. João I de Castella invadiu Por-
tugal em 1384, por morte d.'el rei D. Fer-
nando e a convite da rainha viuva D. Leo-
nor Telles de Meneses, foi o eastello de Vi-
nhaes um dos muitos que hastearam a ban-
deira hespanhola e recusaram obediência ao
Mestre d'Aviz, depois rei D. João I de Por-
tugal.
Europa Portugueza, tomo 2." pag. 247 e
3H.
Durante as profiadas luetas entre Portu-
gal e Hespanha, soffreram muito esta villa e
todas as nossas povoações da raia. Citare-
mos apenas um trecho da guerra dos vinte e
sete annos ou da Restauração.
Em 1666, achando-se em Lisboa o conde
de S. João, governador das armas d'esta
província, e sendo ella na sua auzencia go-
vernada pelo mestre de campo general Dio-
go de Brito Coutinho, foi este auxiliar o con-
de do Prado, governador de entre- Douro e
Minho, na lueta com os gallegos. Entretanto
D. Balthazar Pantoja, general da Gallisa, poz
a ferro e fogo a província de Traz-os-Mon-
tes.
Em 11 de julho do dicto aono de 1666 en-
trou por Montalegre e saqueou e initendiou
todas as povoações d'aquelle distrícto. No
dia 13 caiu sobre Chaves, mas foi repellido
pela guarnição; no dia 14 assaltou os loga-
res de Faiões e Santo Estevam, defendidos
pelo sargento-mór d'auxiliares Antonio de
Azevedo da Rocha com duas companhias de
95
Í502 VIN
VIN
ordenanças de Villa Real e, tomando as di-
etas povoações depois de algumas iioras de
lueta, degolou a guarnição, sem poupar os
capitães prizioneiros. O sargento-mór aeo-
Iheu-se com alguns soldados ao pequeno
Castello de Santo Estevam, mas teve de ren-
der-se, capitulando com a condição de serem
poupadas as vidas aos defensores; não res-
peitou porém tal condição o general gallego,
pois matou alguns dos nossos soldados e fe-
riu outros, entre elles o saVgento mór.
Proseguindo com a sua marcha, destruiu
Pantoja ainda varias povoações porlugue-
zas das margens do Tâmega e recolheu se a
Monte Rei, praça gallega a cavalleiro de Ve-
rim. Passados poucos dias volveu sobre Por-
tugal, entrando por Monforte e mandou co-
mo diversão para Barroso 40 cavallos. Foi
logo sobre elles com 6 companhias Francis-
co de Távora, tenente general de cavallaria;
— bateu-os, — lomou-lhes alguns cavallos — e
reeolheu-se a Chaves;— entretanto Pantoja
foi saqueando e incendiando varias povoa-
ções e poz cerco a Vinhaes.
Por seu turno o mestre de campo Diogo
de Brito, que estava em Chaves, entrou no
valle de Monte-Rei com 6 companhias de
cavallos e saqueou e incendiou 13 povoa-
ções, entre ellas Villaça, villa grande. Saí-
ram de Monte-Rei 250 cavallos contra os
nossos, mas foram batidos, perdendo 40, e
em seguida retirou- se Diogo de Brito para
Chaves.
Pantoja cora o seu exercito cercou o Cas-
tello de Vinhaes, defendido apenas pelo go-
vernador Estevam de Mariz, de quem logo
fallaremos, com os habitantes da vilIa e 50
auxiliares.
Os gallegos deram o assalto de noite; pe-
lejaram até á madrugada; forçaram uma das
portas, mas foi tão valentemente defendida,
que não poderam entrar, posto que durou
o combate todo o dia, pelo que retiraram i
para a povoação hespauhola de Mesquita,
queimando os arredores de Vinhaes e diíle-
rentes aldeias portuguezas, mas por bom pre-
ço pagaram os hespanhoes estes excessos!...
Apenas o conde de S. João recebeu eoi
Lisboa taes noticias, partiu para Traz-os-
Montes;— reuniu todas as forças disponíveis
— e foi procurar o Pantoja. Fez-se este im-
mediatamenie ao largo, retirando para Tuy,
mas o conde de S. João tantas entradas fez
na Galliza pondo tudo a ferro e fogo até
muitas léguas de distancia, e tão duramente
castigou os gallegos, que estes para intimi-
darem 03 filhos os ameaçavam com o nome
do conde; — e tantas contribuições de guerra
impoz a differentes povos gallegos da rala,
que sustentava com ellas a nossa cavallaria.
Mandaram os hespanhoes contra elle o ge-
neral D. Diogo Gasconha, que se havia co-
berto de gloria em Flandres, mas não se in-
timidou o conde de S. João. Pelo contrario
só com 1:000 infantes e 800 cavallos met-
teu-se de noite no valle de Laça. No dia se-
guinte D. Diogo, estando na praça de Monte-
Rei passando revista a 19 companhias de ca-
vallos e constando-lhe que as forças portu-
guezas se achavam no dicto valle, marchou
immediatamente contra ellas com toda a
força do seu commando, mas o conde de S.
João, depois de uma hábil manobra o envol-
veu e derrotou completamente, tomando-lhe
327 cavallos?!. . .
Salvou se D. Diogo com as. forças restan-
tes em debandada, aproveitando a escuridão
da noite e não mais se abeirou do conde de
S. João.
Foi esta a ultima acção memorável na lu-
eta dos 27 annos, pois deu-se em 1667 e pou-
cos mezes depois, — em 13 de fevereiro de
1668,— se fez a paz entre as duas nações.
Estevam de Mariz era filho de Rodrigo de
Moraes, da freguezia deTuizello d'este con-
celho de Vinhaes e na parede da casa que
fez n'esta villa se vê ainda hoje uma grande
inscripção allusiva ao facto mencionado su-
pra. Está ella muito mal gravada em lettras
inclusas bastante corroídas pelo tempo e só
em gravura pôde bem reproduzir-se; entre-
tanto ahi vae a copia que o nosso iliustrado
informador nos mandou :
Estevão de Mabis govkbnador des
TA VILLA, F.» DE R.« DE MoiíAlS DE TlO-
ZELO MANDOV FAZER ESTAS CASAS
VIN
VIN 1503
NA E. DE MDCLXVI ^ QUANDO PaNTOXA
GL. DO EXERCITO DE GaLIZA COM O
MAIOR Q. SE VIO NESTA PROVÍNCIA 2
E LHE DEFENDEO A MVRALHA CO
A GENTE NOBRE DA VILA E POV
QVA MAIS DE GHÀ (''') E CÒ PERDER MVTÃ
LEVANTOV O SITIO E QVELMOV AS
CASAS Q. FICAVÃO FORA DA MVRALHA
' N'este venerando edifício, hoje em aban-
dono, está uma hospedaria e uma loja de
commereio — e a sua capella, outr'ora dedi-
cada a Nossa Senhora da Luz, está profana-
da e servindo de cosinha da hospedaria I...
João Serrão
Nas ruínas da capelia da nobre família
Colmieiros d'e8ta vilia, no Bairro d' Alem, ap-
pareeeu ha annos a tampa de uma sepul-
tura com a inseripção seguinte : ^
Aqui está sepultado
João SerrXo de Moraes
e sua molher guio-
MAR Freire.
Este João Serrão de Moraes foi um dos fi-
dalgos que acompanharam el-rei D. Sebas-
tião na batalha d'Alcaeer Kibir, — a batalha
mais desastrosa que até hoje experimenta-
ram as armas porluguezas.
Ficando caplivo, passados annos evadiu-
se;— atravessou a Hespanha com trajos de
mendigo e, chegando a Vinhaes, tratou logo
de informar-se com relação á sua casa e á
sua família Ficando muito satisfeito com as
informações obiidjs, apresentou se á esposa,
que sem diíDculdade o reconheceu pelo an-
nel do casamento que tinha podido conser-
var e trazia ainda no dedo.
D'este João Serrão foi penúltimo repre-
sentante o 2.° barão de Paulos, aldeia da fre-
1 A era está illegivel, mas deve ser esta,
porque o facto deu se em 16G6, como se lé
no Portugal Restaurado.
2 Aqui faliam algumas palavras, talvez:—
cercou esta villa.
» A capella já não existe. Era dedicada a
S. Vicente.
guezia de Constanlim, concelho de Villa
Real, que teve um filho e duas filhas. O filho
morreu solteiro; — as filhas ainda vivem, sen-
do uma d'ellas surda e muda;— a outra, a
es."» sr." D. Maria do Carmo Osorio Col-
mieiro da Veiga Gabr;il Caldeirão, casou
com o sr, Manuel da Silveira Pinto da Fon-
seca, de Canellas, concelho da Regoa, neto
materno e actual representante do 1." mar-
quez de Chaves e 2." conde de Amarante,
bisneto do 1." conde d'este titulo e neto pa-
terno do 1." visconde de Várzea.-
Manuel da Silveira herdou d3s seus maio-
res e do seu sogro uma grande casa, mas
pela sua péssima administração compromet-
teu-a e perdeu-a toda, vendendo inclusiva-
mente o« bens que a esposa e a infeliz cu-
nhada tinham n'esta villa de Vinhaes, achan-
do-se no momento a braços cora duras pro-
vações toda aquella nobilíssima e riquíssima
família, que tão importante papel represen-
tou no tempo do marquez de Chaves?!. ..
V. Villa Real de Traz-os- Montes, vol. XI,
pag. 1:020.
Tem esta villa duas aulas oíBciaes de ins-
trueção primaria para os dois sexos,— func-
cionando a do sexo masculino em casa pró-
pria, feita com o subsidio do benemérito
portuense conde de Ferreira, pelo que se de-
nomina Escola do Conde de Ferreira.
Também, desde tempos muito remotos,
teve esta villa uma aula regia de latim, mas
foi supprimidaapproximadamenteem 1850,
—em pleno século xix, o século das luzes!...
Também esta villa tem uma irmandade da
Mizericordia, bastante antiga, mas prestes a
exiinguir-se pela sua má administração, que
offerece o mais lúgubre contraste com a da
Ordem Terceira da Penitencia, já mencio-
nada.
Horror!
No dia 15 de março de 1885 pernoitou na
estalagem de Val Paço, freguezia de Caro-
pos, d'este concelho, a 13 kilometros de Vi-
nhaes, um velho octogenário que da villa de
Chaves se dirigia para Bragança, com o fim
de visitar um filho, sargento de um dos cor-
pos da guarnição d'aquella cidade. No dia
1504 VlN
VÍN
seguinte de madrugada, proseguindo com a i
sua viagem, foi assaltado, roubado e barba-
ramente assassinado no Valle da Azinheira,
freguezia de Candedo, e os ladrões e assas-
sinos, para desviarem suspeitas do crime,
arrastaram o cadáver para uma matta dis-
tante cerca de 5 kilomeiros, onde foi casual-
mente enconirado, O regedor d'aqueila fre-
guezia participou immediatamente ião triste
Decorrência ao poder judicial. Fez se a au-
topsia e, graças á energia das auctoridades,
em breve foram presos e mettidos na cadeia
os reus de tão nefando e estranho crime; fo-
ram porem no julgamento absolvidos por
falta de provas.
A autopsia foi feita pelo facultativo da ca-
mará Alvaro Solari Alegro, e declarou entre
outras coisas, o seguinte:
Que o cadáver se achava no méio de umas
urzes em decúbito dorsal e completamente
mi;— que lhe faltava o dedo poUegar da mão
direita, por lhe haver sidocortaao; — que ti-
nha na parte posterior da cabeça uma feri-
da transversal com seis ceniimetros de com-
primento e um de largura e fractura dos
ossos do craneo;— que este ferimento foi
feito com instrumento cortante e perfurante
bem aguçado,— e que d'elle resultou a morte
por haver destruído órgãos essenciaes à
vida.
Ha muito que n'este concelho se não re-.
gistrava um facto tão revoltante.
Edificios
Tem Vinhaes bons edifícios públicos e par-
ticulares, avultando entre os primeiros— a
egreja grande, que foi dos frades,— a egreja
matriz— e os novos paços do concelho. En-
tre os edificios particulares merecem espe-
cial menção os seguintes :
1. °— O convento dos frades, hoje extineto
e propriedade particular de Manuel da Cos-
ta Pessoa, filho do 2.» conde de Vinhaes.
N'e8te edifício se vê ainda o escudo das
armas reaes portuguezas.
2. °— As Casas Novas, na rua Nova, pala-
cete brasonado que foi dos condes de Vi-
nhaes e é hoje do mesmo sr. Manuel da Cos- !
ta Pessoa. i
I ?.° — O antigo palacete, também brazonado,
feito na Praça do arrabalde por Estevam de
Mariz.
É hoje do morgado Manuel José Ferreira
Sarmento, das Aguieiras
4. °— O palacete lambem brasonado, deno-
minado a Quinta, que foi da familia Sar-
mentos Pimenteis, ultimamente representada
pelo conselheiro do supremo tribunal de
Justiça Antonio Ferreira Sarmento Pimentel,
fallecido em Lisboa em 1885, e hoje pela
viuva e filhos, herdeiros do finado.
O filho nnais velho, — Antonio Ferreira
Sarmento,— reside na villa de S. João da Pes-
queira.
5. ° — O palacete da Crvjeira, também bra-
sonado, pertencente à nobre familia Moraes
Campithos e por ella habitado.
6.0—0 palacete, também brasonado, que
foi dos antigos Ferreiras Sarmento'i Lousa-
das e que hoje pertence também a Manuel
José Ferreira Sarmento, morgado das Agui-
eiras.
Este ultimo palacete demora no Bairro do
Eirô;~os outros demoram na villa.
A egreja parochial
É um bom templo de uma só nave e ar-
chitectura simples e demora intra muros, no
ponto mais alto da villa, precisamente no lo-
cal onde esteve um antiquíssimo castello,
que foi substituído pela egreja matriz, como
succedeu em Mirandella e Villa Flor, n'esta
província, e em Ceia, na provinda da Beira
Baixa, sendo para lamentar que a esplendi-
da e magestosa matriz de Moncorvo não
fosse também feita no local do antigo Cas-
tello d'aquella villa, hoje occupado pelos
novos paços do concelho, pois brilharia mui-
to mais.
V. Moncorvo n'e8te diccionario e no sup-
plemento.
A matriz de Vinhaes tem ricos paramen-
tos e alfaias e está muito limpa e muito bem
tractada, o que em grande parte se deve ao
zelo do seu digníssimo abbade, o rev. Abi-
lio Augusto da Silva Buiça.
Tem altar-mór e 3 lateraes,— um da pa-
VIN
VIN 1505
droeira, representada por uma linda e gran- |
de imagem, ricamente vestida com as côres
do tempo; — outro do Senhor Jesus Crucifi-
cado,—e outro de Nossa Senhora do Rosa-
rio,— todos de beiía talha antiga dourada.
No allar-mòr esiá o Santissirao e no mes-
mo retábulo em duas peanhas lateraes se
vêem as imagens do Coração de Jesus e de
Coração de Maria.
Não tem lorre, mas campanário triangu-
lar com dois grandes sinos e ura d'elles com
o relógio municipal, feito por Joaquim José
Marques, da freguezia de Moreira, concelho
da Maia.
O smo maior ouve-se a 10 kilometros de
distancia 1. . .
Os habitantes de Moaz e dos Bairros, que
fazem parte da freguezia, ha muito que pe-
dem a transferencia da matriz para a Egreja
Grande, templo mais vasto e magestoso, mas
nada conseguiram ainda, porque a Egreja
Grande está em sitio fundo, insalubre e ex-
posto a inundações que por vezes teem che-
gado até á capella-mór 1.. . Alem d'isso fi-
caria exposta a ser roubada, o que não suc-
cede à matriz actual.
Esta villa teve durante muito tempo uma
delegação da alfandega de Chaves, mas em ja-
neiro de 1884 foi transferida para Bragança.
Dentro da parte murada e a pequena dis-
tancia da matriz está a cadeia e esteve o pe-
lourinho. Weste se viam as armas reaes por-
luguezas e tinha por emblema da villa um ho-
mem pisando vinho, alludindo aos vinhedos
que outr'ora, antes da invasão phylloxerica,
abundavam n'este concelho e constituíam,
como já dissemos, a sua principal riqueza,
hoje completamente annullada.
Tem a villa duas praças— a do Arrabalde
e a da Calçada. Na 1." se vê um grande cha-
fariz, denominado Fonle do Cano, — e a egre-
ja da Misericórdia, — duas obras importantes,
mandadas fazer no século xvii pelo benemé-
rito Estevam de Mariz Sarmento, já mencio-
nado repetidas vezes.
Alem da Fonte do Cano, tem esta villa ou-
tras, todas de bica, pois é muito abundante
'd'optima agua, tanto potável, como de rega.
Baroneza de conlrabando
Em março de 1885 apresentou-se no Por-
to, em casa de certa família rezidente no
monte das Antas, uma rapariga decentemen-
te trajada, lastimando-se e dizendo ser íilhá
da baroneza de Bragança e que tinha aban-
donado a sua casa, por não poder aturar o
tutor. Esta lenga-lenga, acompanhada de la-
grimas, commoveu a dona da casa, que muito
amoravelmente a recebeu; chegando porém
o marido e dirigindo-se á desditosa fidal-
guinha, notou que o palavriado d'esla não
revelava a cultura própria de tão alta estir-
pe e foi participar o caso a policia. Não se
fez esta esperar, mas a inirujona safou-se a
tempo, o que de nada lhe valeu, porque pou-
co depois foi presa na praça dtj D. Pedro
pela policia e, levada ao commissariado, ali
foi reconhecida como uma refinada ladra, já
presa tautas vezes que o seu retrato se via
enfileirado nas galerias da policia.
A supposta baronesinha era uma desgra-
çada, por nome Maria José d'Almendra, filha
de Vinhaes.
Mosaico
Os antigos paços do concelho eram muito
humildes. Demoravam no bairro do Castello
e são. hoje habitação do carcereiro, pois está
no mesmo ediflcio a velha e actual cadeia,
muito pequena e muito immunda.
Do pelourinho, que esteve junto da velha
casa da camará e da cadeia, nada existe.
Foi demolido ha annos, quando se calcetou
aquella estreita rua, porque impedia o tran-
zito, e, em vez de o removerem para outro
local e de o conservarem como um dos mo-
numentos mais importantes da villa, empre-
garam a sua pedra em diíTerentes obrSS do
município, despedaçando inclusivamente o
fuste da columna, as armas reaes e o bustOy
emblema da villa? !. . .
Das duas portas dos velhos muros ainda
existem os arcos bem conservados, bem co-
mo um postigo, cerca de 30 metros distante
da porta do norte, sobre a qual se venera
em um nicho a imagem de Santo Antonio.
Também houve sobre a porta do sul outra
1506 VIN
VIN
nicho com a imagem de Nossa Senhora das
Portas, que foi d'ali removida ha annos, não
sabemos para onde.
Ainda se conservam as duas torres que
defendiam as duas portas, mas uma das di-
etas torres eslá meio demolida.
A antiga estrada militar de Chaves a Bra-
gança atravessava esta villa, de N. a S., mas
não entrava no bairro murado. Passava ao
norte d'elle, como passa a nova estrada real
a macadam; mas esta, desde Vinhaes até o
rio Tuella, desviou-se muito do leito da an-
tiga estrada, para o sul, ficando muito mais
extensa, mas muito mais suave e atraves-
sando o rio Tuella em unca ponte nova, mui-
to elegante, de cantaria, com um grande ar-
co e um registro, ou outro arco mais peque-
no, tendo junto d'ella uma casa para os can-
toneiros e serviço das obras publicas, lam-
bem solida e bem acabada.
Ainda existe sobre o Tuella a ponte da
antiga estrada militar. Dista alguns kilome-
tros da nova ponte; ó de alvenaria, mas
muito solida;— tem cinco arcos — e denomi-
na-se Ponte da Ranea.
Um pouco a jusante d'e8ta ultima ponte,
no sitio denominado Rugidouro, desagua o
ribeiro de Riaçós, que nasce na serra de Ci-
radelha, junto da villa de Vinhaes;— tem
cerca de 3 kilometros de curso— e rega
muitos campos.
O rio de Trutas nasce na falda da serra
da Coroa, junto da povoação de Travanca;
—tem de curso approximadamente 15 kilo-
metros;—desagua no mesmo rio Tuella,
junto da quinta da Ribeirinha;— move gran-
de numero de moinhos— e tem um pontão
de madeira junto da aldeia de Travanca;—
uma linda ponte de cantaria de granito junto
da âTdeia de Rio de Fornos, na estrada mu-
nicipal em construcção de Vinhaes á fron-
teira;—outro pontão de pau entre Vinhaes
e a quinta de Soutello, freguezia de Sobrei -
ró, — e finalmente outro pontão de madeira
entre a povoação de Alvaredos e a quinta da
Ribeirinha, n'esta parochia de Vinhaes.
O Riaçós tem uma bella ponte de canta-
ria de um só arco, mandada fazer pela ca-
mará, um pouco a jusante do Bairro do Ei- I
rd,— e junto do mesmo bairro move um moi-
nho, denominado do Amador.
Cerca de 7 kilometros a N. N. O. de Vi-
nhaes passa n'este concelho, mas não toca
n'esta freguezia, um outro grande ribeiro
que tem diversos nomes e approximada-
mente 24 kilometros de curso;— caminha de
N. E. a S. O. — e desagua na margem es-
querda do rio Rabaçal, uma das nascentes
do Tua.
Nasce o dicto ribeiro ao norte da serra da
Coroa;— passa entre as povoações de Qua-
dra e Salgueiros com o nome de Ribeira de
Val de Remizio;—no termo de Villar d' Os-
sos chama-se Ribeira de Pias;— mais abaixo,
no termo da povoação de Teléas, freguezia
de Tuizello, chama- se Ribeiro da Lentilha^
— e não sabemos que nome ou nomes lhe
dão d'ali até o Rabaçal. ^
O novo cemitério foi eonstruido em 1874
a 1875.
Nem 08 alcaides-mores, nem os condes de
Atouguia, que foram muitos annos senhores
de Vinhaes, tiveram aqui palacete algum ou
residência própria.
A construcção dos novos paços do conce-
lho principiou em 1884.
Esta villa pouco soíTreu com a guerra pe
ninsular, porque os francezes não passaram
de Chaves para leste,— e lambem pouco sof-
freu durante as guerras civis posteriores,
alem do ineommodo proveniente do abole-
tamento das tropas.
Teera hoje esta villa e este concelho ape-
nas dois bacharéis formados:— João Fran-
cisco Ferreira, da quinta de Salgueiros, juiz
de direito em Serpa, — e Antonio Augusto
Gomes d'Almendra, d'esta villa, delegado do
procurador régio era Saiam.
Hoje as ruas prineipaes d'esta villa são:
— JfÍMa Nova, Rua de Cima, Rua de Baixo,
Rua da Crujéira, Rua das Freiras, Rua de
S. Francisco e Arrabalde.
Tem este concelho 3 pharmacias:~duas
na viila— e uma em Rebordello.
1 Fica assim rectificado o que algures dis-
semos do ribeiro das Trutas e do de Ria-
çós.
VIN
VIN 1507
Tem a villa 3 estalagens e uma hospeda-
ria na rua de S. Fraociáco, — outra estala-
gem no Arrabalde— e os largos seguintes:
l.o— Arrabalde. É o mais espaçoso; tem 1
bons edifícios na sua circumferencia— e o
bello chafariz denominado Fonte do Cano,
brasonado com as armas reaea porluguezas.
Largo da Calçada, junto dos novos
paços do concelho.
3.o_o adro da matriz, também espaçoso
e muito vistoso, pois domina toda a villa e
seus arrabaldes.
Tem finalmente a villa 2 feiras mensaes,
nos dias 9 e 23.
Hoje as principaes festas religiosas d'e8ta .
villa e d'esle concfclho são as seguintes :
1. a_A de Nossa Senhora da Assumpção,
(padroeira) a 15 d'ago8to.
2. «_A festa e romagem de Nossa Senhora
dos Remédios em Tuizello, no dia 8 de se-
tembro.
3. «_A festa e romagem de Nossa Senhora
dos Remédios também, na freguezia de Nu-
nes, no 1.» domingo de agosto.
4.._A festa dos Reis no templo dos ir-
mãos terceiros da villa, a 6 de janeiro.
5. » — A festa da Immaculada Conceição,
pela mesma ordem terceira.
6. ' — Finalmente nos ullimos annosa festa
do Santíssimo Coração de Jesus, pela mesma
ordem terceira.
Pessoas notaríeis
Com rasão se orgulha esta villa de haver
produzido desde os tempos mais remotos
muitas pessoas notáveis nas armas, lettras e
virtudes; mas, para não abusarmos da pa-
ciência dos leitores, mencionaremos apenas
as seguintes :
Simão da Costa Pessoa.
Foi 1." barão, 1.' visconde e 1.» conde de
Vinhaes, tenente general e governador das
armas d'esta província de Traz-os- Montes e
da do Minho, onde falleceu, na cidade de
Braga, em 30 de setembro de 1H48, tendo
nascido em Vinhaes em 15 de setembro de
1789.
Fez a guerra da península; foi um dos
7:500 bravos do Mindello; commandou as
forças do Algarve contra o celebre Reme-
chido, que aprizionou,— e em 1847 comman-
dou a divisão cariisla, que venceu em Setú-
bal o Sá da Bandeira, eic.
Casou com sua prima D. Maria Felicíssi-
ma de Moraes Sarmento, e era filho de José
da Costa Pessoa e de D. Josepha de Moraes
Sarmento.
Como fallecesse sem geração, suceedeu no
morgado da esposa o sobrinho d'ella — An-
tonio Annibal de Moraes Campilho, hoje tam-
bém finado e representado por seus filhos —
Augusto, Pedro, D. Felicíssima, D. Alcina,
D. Clotilde, D. Olinda e D. Ignez.
Simão da Costa Pessoa foi feito barão de
Vinhaes em 17 de junho de 1840,— visconde
do mesmo titulo em 2 de janeiro de 1847—
e conde a 27 de junho de 1862.
Manuel da Cosia Pessoa, 2." barão, 2 » vis-
conde e conde de Vinhaes, irmão do ante-
cedente.
Nasceu em 12 d'abril de 1795; foi também
tenente general, commandante e governador
das armas d'esta província de Traz-os-Mon-
tes e, sendo transferido para o commando
das armas do Alemiejo, pediu a sua refor-
ma;—foi eífectivamente reformado com o
posto de marechal do exercito— e falleceu na
sua casa de Vinhaes em 19 de dezembro de
1873.
Casou em 1840 com D. Maria Rosa Pinto
Cardoso, senhora do morgado dos Pintos
Cardosos, de Mirandella, viuva de Francisco
de Sousa Vahia, visconde da Pesqueira, e
teve os 2 filhos seguintes :
—Simão da Costa Pessoa, 3.» conde de Vi-
nhaes.
Reside na sua casa de Mirandella.
—Manuel da Costa Pessoa Pinto Cardoso,
irmão do antecedente e filho do 2." conde de
Vinhaes.
Casou em Villarelhos, freguezia do con-
celho d'Alfandega da Fé, e reside alternada-
mente ali e em Villas Bôas, freguezia do
concelho de Villa Flor.
V. Villarelhos e Villas Boas.
—João Ferreira Sarmento, barão,
visconde e 1." conde de Sarmento.
1508 VIN
VIN
Nasceu n'esta villa em 24 de junho de
1792 e viveu em Lisboa, onde casou duas
vezes,— a 1.» com D. Carlota Nogueira,— a
2." com uma dama da rainha D. Maria II,—
por nome I). Maria da Conceição Valle, hoje
condessa de Sarmento, que ainda vive em
Lisboa no seu palácio da rua Nova da Pal-
ma, viuva e sem successào.
O fallecido conde de Sarmento ainda tem
irmãos em Vinhaes— e foi ajudante de cam-
po d'el-rei D, Fernando, tenente general e
chefe de estado maior do eommando em
chefe do exercito, etc.
— O barão de Paulos, José Osorio Col-
mieiro da Veiga Cabral Caldeirão, natural
d'esta villa, onde viveu até que herdou a
grande casa de Villa Real e Paulos, para on-
de transferiu a sua residência, approxima-
damente em 1821.
— Antonio Colmieiro de Moraes, 2.» barão
de Paulos e filho do antecedente.
Foi general do exercito de D. Miguel e te-
ve um filho e duas filhas, aos quaes deixou
uma grande casa, hoje completamente com- '
promettida pela má administração do seu
genro Manuel da Silveira Pinto da Fonseca,
neío e actual representante do general Ma-
nuel da Silveira Pinto da Fonseca, 1." mar-
quez de Chaves e 2.» conde d'Amarante,— e
bisneto do general Francisco da Silveira
Pinto da Fonseca, 1." conde d'Amaraote.
V. Villa Real de Traz-os- Montes, vol. XI^
pág. 1020.
— Pedro Ferreira de Campos Sarmento,
ascendente da nobre família Ferreiras Sar-
mentos d'e8ta villa.
Foi lhe concedido brazão d'armas em il
de março de 17S4, sendo tenente de grana-
deiros em Bragança.
— Pedro Ferreira de Campos Sarmento,
avô do antecedente.
Foi mestre de campo na guerra da restau-
ração, etc.
Archivo Heráldico e Genealógico, pag. 545.
—Antonio Caetano de Moraes Campilho,
ascendente da nobre família Campilhos d*esta
villa e bacharel formado em direito, natural
da freguezia de Sobreiro, d'este concelho de
Vinhaes, onde foi juiz de fóra, etc.
Em 16 de maio de 1777 lhe foi concedido
o brasão d'armas seguinte: — escudo esquar-
tejado;—no 1.» quartel as armas dos Moraes;
—no 2.» as dos Soutellos;— no 3.» as dos Ma-
dureiras— e no 4.° as dos Sãs.
No citado Archivo Heráldico e Genealógico,
pag. 33, se encontra a sua genealogia até os
quartos avós maternos e paternos.
— Antonio de Moraes e Silva i, presby-
tero secular do habito de S. Pedro, natural
d'esta villa e n'ella professor régio de gram-
matica latina, filho de Luiz de Moraes, of-
ficial de infanteria, e de sua mulher Maria
da Silva.
Em 15 de fevereiro de 1796 lhe foi con-
cedido o brasão d'armas seguinte:— escudo
ovado e esquartelado;— no 1.° quartel as ar-
mas dos Sonsas;— no 2." as dos Moraes;— no
3.0 as dos Silvas— e no 4." as dos Regos.
Archivo Heráldico e Genealógico, pag. 76.
— Dr. João Francisco Ferreira e o
— Dr. Antonio Augusto Gomes d'Almen-
dra, — magistrados contemporâneos, dos
quaes já fizemos menção.
— Emiliano Antonio de Sousa, venerando
ancião e nosso bom amigo, que nos tem atu-
rado com resignação evangélica e subminis-
trado muitos apontamentos para este e ou-
tros artigos, pelo que mais uma vez lhe si-
gnificamos a nossa gratidão.
Nasceu n'esta villa em 4 de maio de 1807
e já completou 80 annos, pois estamos em
agosto de 1887.
Foram seus paes José Manuel de Sousa ~e
D. Joanna Magdalena da Veiga que, não sen-
do muito ricos, viveram e crearam seus fi-
lhos com decência e destinavam este para o
estado ecclesiastico, pelo que, tendo apenas
10 annos, obtiveram do ordinário licença
para elle andar tonsurado e cora vestes cie-
ricaes, quando ainda frequentava instrucção
primaria e se dispunha a estudar latim, co-
mo estudou, na antiquíssima aula regia
d'esta villa, fazendo exame em 1822— data
1 Não se confunda com o seu homonymo
e contemporâneo, o dr. e desembargador An-
tonio de Moraes Silva, natural do Rio de Ja-
neiro e auclor do celebre Diccionario da
Língua Portugueza, bem conhecido por Dic-
cionario de Moraes.
VIN
VIN 1509
em que se matriculou oa aula de lógica em
Bragauça.
No mesmo anno recebeu ordens menores
na povoação de Cernadilha, bispado d'A8-
torga, em Hespanha, ministradas pelo bispo
d'aquella diocese D. Guilherme Martins.
Em agosto de 1824, por occasião da festi-
vidade de Nossa Senhora da Assumpção, pa-
droeira d'esta villa, teve uma altercação com
o seu parocho na sacristia da egreja, pelo
que o joven minorista abandonou a carreira
ecclesiastica e no dia 1." de setembro do
mesmo anno assentou praça voluntariamente
DO regimento de infanieria n.° 12, em Cha-
ves, passando em dezembro seguinte para o
antigo batalhão de caçadores n." 9, aquarte-
lado em Santo Ovidio, no Porto;— n'aquelle
batalhão serviu até 1827,— e, porque o dicto
batalhão seguiu o partido liberal, opposto
aos sentimentos polilicos do nosso biogra-
phado, desertou para o partido miguelista,
de que era chefe o marquez de Chaves, com
o qual emigrou para a Hespanha, onde es-
teve até 1828.
Regressando á pátria e reunindo-se em
Lamego 204 praças do seu batalhão, que ti-
nham seguido o partido realista, foram es-
tas divididas pelos batalhões de caçadores
7 e 8, indo o nosso biographado para caça-
dores 7, batalhão que depois formou o re-
gimento de Caçadores do Minho, no qual mi-
litou até que, sendo brigadas, foi gravemente
ferido na acção do Campo Grande, junto de
Lisboa, em 10 d'outubro de 1833, e no anno
seguinte foi julgado incapaz do serviço acti-
vo e despachado alferes dos veteranos de
Miranda, onde nunca se apresentou, porque
desde aquella data até á convenção d'Evora-
monte se conservou era Santarém; — d'ali re-
gressou á sua casa de Vinhaes, onde vivcu
até 1886, data em que passou para a fregue-
zia de Mofreita, onde vive actualmente, na
companhia do rev. capellão do Recolhimento
das Oblatas do Menino Jesus, que muito o es-
timam e consideram por ser uma excellente
pessoa e um dos mais insignes bemfeitores
d'aquelle santo instituto.
V. Villa Verde, de Mirandella, vol. Xí,
pag. 1097,— e Mofreita n'e8le diceionario e
no supplemento.
Fr. Antonio de Jesus, missionário apostólico,
fundador do convento ou seminário da
Falperra.
Este Ínclito varão nasceu na aldeia da
Lama, freguezia de Parada, concelho de
Coura, era 1774, sendo filho legitimo de
Francisco Fernandes e de sua mulher Maria
Josepha d'Araujo, pessoas honestas, mas
pouco remediadas.
Desde a mais tenra infância mostrou pro-
nunciada vocação para o sacerdócio, mas
seus paes, por falta de meios para o ordena-
rem, não queriam que elle estudasse. A custo
consentiram que o pobre moço estudasse
gramraatiea latina com o professor régio An-
tonio Pereira, da freguezia de Formariz, n'a-
quelle concelho.
Vindo á sua parochia em missão os reli-
giosos franciscanos de Vinhaes, elle lhes pe-
diu para o acceitarem n'aquella ordem e,
acompauhando-os, recebeu o habito e pro-
fessou no seminário franciscano d'esta villa
de Vinhaes em 1789.
Foi um religioso perfeito, exemplar no
cumprimento dos seus deveres e guardião
zelosíssimo na educação dos noviços.
Depois de professar, só uma vez entrou na
casa paterna, a pedido de sua mãe.
Foi um estudante distincto, muito versado
em diversas linguas, — português, francez,
inglez, hebraico, italiano e hespanhol,— e nas
lettras divinas e humanas, sobre tudo na
verdadeira sabedoria que é o santo temor de
Deus, pelo que os homens piedosos muito o
estimavam e respeitavam— e os impios e jan-
senistas o calumniaram e perseguiram cruel-
mente.
Deu começo ao convento de missionários
apostólicos no monte da Falperra, em 1826.
mediante um breve do Papa Leão XII e lu-
ctando com grandes difflculdades, que ven-
ceu.
Era abril de 1833 recolheu-se Fr. Anto-
nio de Jesus ao seu convento da Falperra,
d'onde foi expulso em 1834, padecendo des-
de então grandes trabalhos e perseguições.
1510 VIN
VIN
Depois de 1834 foi constituido por Grego-
rio XVÍ vigário apostólico em todo o reino
de Portugal e admioistrador provisório do
arcebispado de Braga no calamitoso tempo
do scisma, contra o qual escreveu muito,
defendendo a unidade da Egreja e indicando
aos caihulicos portuguezes o caminho que
deviam seguir, pelo que se expoz à maior
perseguição.
A sua vida foi a de um santo, sempre
austero o penitente para comsigo,— aíTavel
6 benigno para com os outros, — e expirou
santamente em Mofreita, n'este concelho de
Vinhaes, a 20 d'outubro de 1841.
Publicou grande numero d'obra8 com re-
lação ás questões religiosas de Portugal, dei-
xando inéditas outras, algumas das quaes
teem sido dadas ao prelo* em nossos dias.
Mencionaremos apenas duas das mais notá-
veis:— Exposição da fè que professam os pa-
rochos e presbyteros ortodoxos de Portugal,
—impressa era 1841,— e a Historia abrevia-
da da decadência e queda da Egreja Lusita-
na., .—publicada em 1863.
A i.» foi dedicada pelo auctor á memoria
€ ortodoxia do Ex.'^° e Rev.""> Sr. D. Anto-
nio da Veiga, Bispo de Bragança, pois con-
vém notar-se que o santo e martyr bispo de
Bragança, D. Antonio Luiz da Veiga Cabral
e Camara, 1 foi o mestre de Fr. Antonio de
Jesus e que este em 1818, vendo-o a braços
com as maiores tribulações, foi a Roma in-
formar o Pontiflce Pio VII e felizmente con-
seguiu que o prelado fosse restituído à sua
diocese.
D. Antonio Luiz da Veiga foi um santo e
martyr e Fr. Antonio de Jesus um seu di-
gno diseipulo.
Veja-se no Progresso Catholico de 15 de
fevereiro do corrente anno de 1887 o inte-
ressante artigo que ao nosso biographado
dedicou o sr. Padre João Vieira Neves Cas-
tro e Cruz, nosso bom amigo e muito illus-
trado collega.
Muito mais podíamos dizer de Fr. Anto-
nio de Jesus, porque temos sobre a nossa
banca de estudo largo extracto de uma das
suas obras inéditas mais interessantes e que
se já estivesse publicada, com certesa abran-
daria o animo dos liberaes e ultra liberaes,
que tanto o teem ho&tilisado.
Intitula se ella : — i Narração abreviada
dos padecimentos que viu e como pôde alli-
viou Fr. Antonio de Jesus, Missionário Apos-
tólico do Seminário do Monte, nas prisões da
Torre de S. Julião da Barra, em dezembro de
J832, janeiro, fevereiro e março de 1833, . . .
. . .e outros acontecimentos posteriores, es-
cripta por elle mesmo.*
A dieta obra é guardada como relíquia
pelo muito virtuoso e venerando ancião Fr.
José da Santíssima Trindade, natural de
Villa Flor de Traz-os-Montes e ali residente»
que foi religioso professo no convento da
Falperra e que é hoje talvez a única ver-
gontea que ainda resta Q'aquelle seminá-
rio i.
Bem quizeramos transcrever alguns tre-
chos da dieta obra, mesmo por estar inédita
e exposta a desapparecer de um momento
para o outro, mas, alem de ser este artigo
menos próprio para a transcripção, vae mui-
to longo já. Reservamol-a pois para o sup-
plemento ao artigo Falperra ou Parada de
Coura; entretanto diligenciaremos dar co-
nhecimento d'ella ao publico em algum jor-
nal catholico.
N'ella conta Fr. Antonio em resumo e com
a auctoridade que lhe é própria, os relevan-
tes serviços que prestou com a maior dedi-
cação e abnegação e com risco da própria
vida aos presos políticos liberaes que peja-
vam a Torre de S. Julião, indo espontanea-
mente viver com elles, suavisando-lhes o ri-
gor do captiveiro, transferindo a muitos das
prisões mais lobregas para outras com luz
e ar, confortando-os a todos, repartindo com
todos os seus parcos recursos e esmolando
1 V. Villa Verde de Mirandella, vol. XI,
pag. 1097, — e Bragança, Fornos de Ledra e
Mofreita no supplemento a este diccionario.
1 V. Villa Flor de Traz-os-Montes, vol.
XI, pag. 735, col. 1.* e 2.*
VIN
VIN 1511
pelas ruas de Lisboa e pelas casas das suas
relações para valer lhes em Ião negra con-
juncíura.
, Com magua também conta por ultimo as
perseguições que solíreriam elle, o seu con-
vento e os seus seminaristas, depois da ex-
tineção das ordens religiosas, sem que lhes
valessem, como bem podiam e por gratidão
deviam, muitos dos íiberaes que elle tauto
beneíieiou no cárcere ? I . . .
No mesmo convento franciscano d'esta
Villa foi também religioso professo Fr. Se-
bastião de Santa Clara, escriptor publico.
É auctor da Voz da verdade aos portu-
{juezes, seduzidos pela wenííra,— opúsculo
impresso em i836 e que provocou em res-
posta o Exame critico,— segnaáo se lê no
Diccionario Bibltographico de Innocencio.
VINHAES O VELHO, — âliks — Unhaes o
Velho, freguezia do concelho da Pampilho-
sa, di.-tlricto e diocese de Coimbra,
Em 10 de junho de 1797 foi concedido
brasão d'armas a Antonio Fernandes Alva-
res de Carvalho, natural de Vinhaes (Unhaes)
o Velho, termo da Covilhã,— segundo se lé
no Archivo Heráldico Genealógico do nosso
bom amigo, o sr. visconde de Sanches de
Baêna, pag. 44, u.° i6i.
O dicto Antonio Fernandes era capitão de
uma companhia da legião auxiliar da ilha
Grande de Joannes, no Grão Pará, filho de
Manuel Fernandes, irmão de Antonio Fer-
nandes de Carvalho, capitão de uma das
companhias do Terço auxiliar da dieta ci-
dade,—bisneto de Miguel Alvares, primo de
Domingos Alvares Pereira, que militou nos
reinados de D. João IV, D. Alfonso VI e D.
Pedro II, em cujo tempo foi nomeado sar-
genlo-mór para os estados da índia.
Aquelle brasão d'armas foi o seguinle: —
escudo esquartelado; no 1.» quartel as ar-
mas dos Fernandes; no 2.° as dos Alvares;
no 3,° as dos Carvalhos — e no 4.» as dos Pe-
reiras.
Da mesma casa era natural D. Josepha
Maria Joaquina Alvares Pereira de Carva-
lho, filha de Manuel Fernandes e irmã de
Antonio Fernandes de Carvalho, menciona-
dos supra. Á dicia senhora em 29 de junho
de 1799 foi lambem concedido o brazão d'ar-
mas seguinte:— Uma lisonja partida em pa-
la; a 1.» de prata lisa e a 2.' esquarielada;
—no 1.° quartel as armas dos Fernandes;
no 2.° as dos Alvares; no 3.° as dos Carva-
lhos—e no 4." as dos Pereiras,— como se lô
no Archivo Heráldico, pag, 430, n.» 1699.
O mencionado Archivo He-
ráldico e Genealógico diz cla-
ramente Vinhaes-o- Velho nos
dois lugares citados, e não tem
erratas, mas, salvo o respeito
devido ao seu illustrado au-
ctor, leia-se Unhaes-o- Velho,
hoje freguezia do concelho da
Pampilhosa, dislricto e dioce-
se de Coimbra, na provinda
do Douro.
Solatium est miserisl»,.
Veja-se o artigo Unhaes o Velho, tomo X,
pag. 11, col. 2.»- e, aproveitando o ensejo,
accressentaremos o seguinte :
A povoação de Unhaes o Velho demora em
sitio fundo entre escarpada penedia, na fal-
da da Serra de Unhaes, parte integrante da
Serra da Estrella, precisamente na margem
direita e quasi na nascente do rio de Unhaes,
que tem cerca de 40 kilometros de curso e
morre na direita do Zêzere.
Dista da Pampilhosa, villa e séde do con-
celho, cerca de 20 kilometros para N. E.—
e 40 da villa da Covilhã para S. O., metten-
do-se de permeio muitos rios, ribeiros, ser-
ras e alcantilados barrancos, pelo que, len-
do pertencido ao concelho da Covilhã, pas-
sou para o da villa de Fajão, distante ape-
nas 15 kilometros, e, sendo extincto este
concelho por decreto de 2i d'outubro de
1855, passou para o da Pampilhosa.
Freguezias limilrophes:— Fajão a N. O.;
— Vidual de Cima a S. O.;— Dornellas a S.
E,— todas d'este concelho da Pampilhosa,—
e Bodelhão, concelho do Fundão, dislricto de
Castello Branco, diocese da Guarda, a E.
Comprehende as povoações ou aldeias se-
guintes:—ÍJn/iaes o Velho, séde da parochia,
— Means, Malhada do Rei, Seladinhas, Erve-
1512 VIN
VIN
dal, Povoa da Raposeira— e os casaes de
Azival e Aradas.
Clima saudável, mas áspero, variando com
a enorme differença das estações e da alti-
tude:—muito cálido em junho, julho e agos-
to na margem do rio e temperado nas en-
costas e serras;— nos outros mezes apenas
pôde viver-se na parte baixa, porque as en-
costas e serras estão quasi sempre cobertas
de neve.
Producções dominantes: — milho, trigo,
batatas, castanhas, hervagens, fructa e al-
gum vinho nas quebradas fundas e na mar-
gem do rio;— nas encostas e serras apenas
centeio, ordinariamente semeado e colhido
em agosto ! . . .
Também cria bastante gado lanígero e é
mimosa do afamado queijo da Serra da Es-
trella e de caça grossa e miúda: — lebres,
coelhos, perdizes, lobos e rapozas.
Também colhe muito peixe e muito sabo-
roso no seu rio, nomeadamente trutas.
Esta parochia pelo ultimo recenseamento
contava 123 fogos e 552 habitantes."
Denominou-se Unhaes o Velho para me-
lhor se distinguir de Unhaes da Serra, dis-
tante cerca de 20 kilometros para N. E., no
concelho da Covilhã.
A Unhaes da Serra, não a este Unhaes o
Velho, pertencem as afamadas ihermas de
Unhaes.
As suas aguas teem a mesma mineralisa-
ção das de Manteigas, que brotam cerca de
20 kilometros a N. E., mas na sua applica-
çâo— estas são admiráveis para tratamento
do rheumatismo— e aquellas para tracta-
mento de moléstias cutâneas, porque as de
Manteigas brotam em terreno extremamente
fundo, abafado e ardentíssimo de verão, no
leito do rio Zêzere, * eroquanto que as de
1 Em 1881, quando iamos com a Expedi-
ção Scientifica para a Serra da Estrella, che-
gámos no dia 4 d'agosto a Manteigas, onde
almoçamos esplendidamente e nos demora-
DQos, desde as 9 horas da manhã até ás 6 da
tarde. Quizemos entretanto visitar as suas
thermas, distantes apenas 2 kilometros, e
ainda fomos com o nosso bom amigo Lopes
Mendes, illustrado auctor da índia Pittores-
Unhaes brotam em sitio muito mais alto,
mais arejado e mais ffesco.
Em 1708 a freguezia de Unhaes o Velha
contava apenas 90 fogos— e o seu paroeho
era cura da apresentação do vigário de San'
ta Maria da Covilhã.
VINHAL,— terra de vinhedos.
É o singular de Vinhaes e tomou o nome
de vinha, como outras muitas nossas povoa-
ções, casat^s, terras, herdades e quiQia.x, v. g.
— Vinha, Vinhas, Vinhaes, Vinhaça, Vinhão,
Vinheira, Vinheirão, Vinheiro, Vinheiros,
Vinhó, Vinhos, etc— e de vide e videira to-
maram o nome as povoações, casaes, quin-
tas e herdades seguintes:— Fida/, Vidaesy
Vide, Vides, Vidago, Avidagos, Vidigão, Vi-
deira, Videiras, Vidigal, Vidigão, Vidiguei-
ra, Vidigueiras, etc.
Etymologia similhante á de Vinhal teem
os nomes de linhal, azinhal, pinhal, olival,
zambujal, meloal, morangal, cannavial, su-
magral, etc.
Com o nome de Vinhal, de que no mo-
mento nos occupamos, ha no nosso paiz 12
aldeias, i herdade, 1 casal e 3 quintas— e,
para não fatigarmos os leitores, fallaremos
apenas da nobre e antiga casa e quinta do
Vinhal, em Villa Nova de Famalicão.
Foi vinculada e constituída em morgado
por Francisco de Barros e Azevedo, familiar
do santo offlcio, filho de Manuel do Couto de
Azevedo e de sua mulher D. Isabel de Bar-
ros e Faria, da illustre casa de Val Melho-
rado, junto de Pombelro, em Riba-Vizella.
O instituidor foi também cavalleiro pro-
fesso da O. de S. Thiago e militou na guerra
ca, até o fundo da villa, mas o sol era tão
áspero que o valle do Zêzere parecia uma
fornalha candente !
Não tivemos coragem para avançar, posto
que estávamos vendo no fundo da estreita
e abafada ravina as humildes casas dos ba-
nhos que ao tempo constituíam aquella es-
tancia thermal.
A biographia do sr. Antonio
Lopes Mendes pôde ver-se no
artigo Villa Real de Traz -os -
Montes, tomo XI, pag. l:39i
in-fine e segg.
VIN
VIN 1513
da aeclamação com armas, cavallos e crea-
do8 á sua custa.
Oulro fidalgo cl'esta casa cuja família é
um ramo dos Azevedos, foi Francisco do
Coulo Azevedo, eav. prof. na mesma O. de
S. Thiago, que serviu i2 annos na índia,
aehando-se na conquista de Ceilão, Ormuz,
6 Candia e casou em Villa do Conde com
D. Angela Alvares da Cosia, filha de Anto-
nio Alvares da Costa, armado cavalleiro em
uma acção militar na índia por D. Manuel
Pereira, a 27 de dezembro de 1609.
O dr. Antonio Ribeiro de Queiroz Morei-
ra, senhor d'e8ia casa pelo seu casamento
com a herdeira d'ella— D. Thomazia Clara
d'Azevedo, — foi em 1835 o 1." presidente da
camará de Villa Nova de Famalicão.
V. tomo XI, pag. 820, col. 2.'
Esta casa e quinta do Vinhal demoram em
terreno mimoso e fértil e em sitio muito vis-
toso e pittoreseo, cerca de 4 kilometro a O.
de Villa Nova de Famalicão e no termo da
paroehia d'e8ia villa. Foram modernamente
restauradas e muito alindadas pelo seu
actual possuidor e representante, o sr. José
de Azevedo Menezes Cardoso Barreto, e nun-
ca ostentaram lanla louçania nem tiveram
tanto relevo, porque a linha férrea do Mi-
nho e a nova estrada a macadam da villa
para a sua estação na linha férrea cortaram
esta formosa vivtíuda de N. a S., exproprlan-
do-lhe 9:363 melros quadrados, no valor de
4:450iíOOO réis e dando-lhe mais mereci-
mento do que tinha anteriormente, pois fi-
cou muito mais accessivel para trens de to-
da a ordem. — O palacete domina um ex-
tenso lanço da via férrea, que passa em plano
um pouco inferior a 50 metros de distancia,
mettendo-se de permeio os jardins;— tem á
sua direita, distante cerca de 200 metros
para o sul, a estação da villa. — e amplas vis-
tas sobre a villa e seus formosos arrabaldes,
o que tudo torna hoje esta vivenda uma das
primeiras do Minho.
Foi também cortada pela via férrea do
Porto à Povoa e Famalicão em linha obli-
qua a O. do palacete, que ficou entre as duas
linhas, em contacto com as duas estacões, I
I
cercado de luxuosos vinhedos, bons campos, i
jardins e pomares, tudo vedado por muro8
e com solidas passagens sobre as raenciona-
das linhas.
Tem o palacete uma linda capella braso-
nada, com a invocação de Nossa Senhora do
Carmo. Foi também modernamente restau-
rada e feita de novo, mas é muito antiga.
N'ella celebrou o arcebispo de Braga D. Ro-
drigo de Menezes, em 9 e 10 de dezembro de
1704, quando ia tomar posse da sua diocese
e se hospedou n'esla casa.
Também na mesma capella ouviu missão
infante arcebispo D. José, quando na sua ida
para Braga se hospedou lambem n'e8ta
casa.
Tinha a capella n'aquelle tempo a invoca-
çã(» de S. Francisco; — depois, com a restau-
raçàp, tomou a de Nossa Senhora do Carmo.
A quinta é espaçosa e muito abundante
d'agua. Atravessa-a um ribeiro que nasce no
sitio da Forcada, freguezia de Bruffe;— jun-
ta-se em Villa Nova ao ribeiro de S. Thiago
d'Antas— e morre no Ave.
Succedeu a sua mãe D. Thereza Maria
d'Azevedo— n'esta casa e é actual possuidor
d'ella o sr. José d'Azevedo Menezes Cardoso
Barreto, luuço F. C. R. com exercício no
paço e cavalheiro de muito merecimento,
casado cora sua prima D. Mana Julia Fal-
cão Pinheiro d'Azevedo Bourbon e Meneses,
senhora da casa solar dos Pinheiros de Bar-
cellos, por doação testamentária de seu tio
materno conde d'Azevedo.
O actual senhor e representante d'esta ca-
sa do Vinhal é descendente por varonia e
lambera repressniante da nobre casa da Por-
tella, freguezia de S. Jorge de Cima Celhe,
junto de Guimarães, ^ — e a sua esposa é a
senhora e representante da casa solar dos
Pinheiros de Barcellos,— não o sr. visconde
de Pindella, como disse por lapso o meu be-
nemérito antecessor no artigo Guimarães,
vol. III, pag. 363, col. in-fine.
A nobre casa da Portella de Cima Celhe ó
um ramo segundo da do Paço de Nespe-
reira.
1 V. Celho (o 3.») vol. 2." pag. 229, col. i.«
1514 VIN
VIN
Vol. VI, V. pag. 33. I
Está pois actualmente na casa do Vinhal !
a representação das casas da Porfella e dos i
Pinheiros e deve representar as tres o filho
primogénito dos actuaes senhores da casa do
Fin/ia/, — Francisco Manuel de Menezes Pi-
nheiro d'Azevedo.
A casa solar dos Pinheiros de Bareellos
foi fundada pelo dr. Pedro Esteves e sua
mulher D. Isabel Pinheiro, filha de Martira
Lopes Lobo, da família do marquez d'Alvi-
to, e de D. Mor Esteves Pinheiro, da quinta
e torre d'Ovtiz. freguezia d'este nome, con-
celho de Villa Nova de Famalicão.
O dr, Pedro Esteves foi ouvidor das ter-
ras do l.» duque de Bragança e era filho de
Estevam Annes de Penella, parente e com-
panheiro do santo condpstavel — Teve um
primo também de nome Pedro Esteves, que
serviu nas guerras contra Castella no tempo
d'EI-rei D. Fernando,— casou com D. Maria
Annes, filha de João Annes Maceiro e de
Constança Garcez.— e, segundo dizem alguns
escriptores, foram os paes de Gil Pires e de
D. Tgnez Pires, mãe do 1.» duque de Bra-
gança.
Sustenta largamente esta opinião o douto
genealógico José da Costa Felgueiras Gajo,
no seu volumoso nobiliário em 32 grandes
fólios, que deixou á Misericórdia de Bareel-
los, em cujo archivo se guarda e pôde ler-?e.
A mesma opinião segue também o abbade
de Esmoriz no geu Apparato Genealógico,
tomo I, tit. Braganças, i mas a questão não
é liquida nem nós queremos envolver-nos
n'ella, mesmo porque o meu antecessor já
disse o bastante nos artigos Castanheira,
vol. II, pag. 160,- Guarda, vol. III, pag. 338,
— e Veiros, tomo X, pag. 260.
Na torre e casa solar dos Pinheiros de
Bareellos, visinha dos antigos paços dos du-
ques de Bragança, e na face que olha para
1 Esta obra ainda ms. comprehende 5 vo-
lumes;— foi do conde d Azevedo, que a en-
riqueceu com muitas notas— e é hoje do seu
sobrinho e herdeiro, dono da quinta do Vi-
nhal.
I elles, se vé junto da cornija uma cara com
! grandes barbas e uma mão puxando porel-
1 las,— figura que (dizem) allude à lenda do
Barbadão e está indicando que elle descen-
dia do fundador da dieta casa.
Deixo aos curiosos o trabalho de averi-
guarem a paternidade da commendadeira de
Santos.
Para as armas da nobre família do Vi-
nhal e suas allianças, vejam-se os citados
artigos Castanheira e Nespereira.
Vinhal também já foi appellido nobre.
Em uma composição que na era de 1306
(anno 1268) fez el-rei D. Affonso III com
Mendo Rodrigo de Briteiros e sua mulher
Maria Joanna, relativamente a certas terras.,
assignam com o rei vários ricos homens e
outros do seu conselho, entre elles.il/arímo
Johanis de Fmo/,— Martinho Joannes do Vi-
nhal.
Dissert. Ch^-onol. e Crit. de João Pedro Ri-
beiro, tomo 1.» pag. 270, n.° LVII.
Terminaremos dizendo que esta quinta do
Vinhal e a freguezia de Villa Nova de Fa-
malicão sofl'reram muito com os temporaes
de 1876.
Ás 4 horas da manhã do dia 1 de dezem-
bro do dieto anno rebentou sobre avillaum
grande tufão, acompanhado de trovoada me-
donha e de chuva diluviana, que inundou
muitas casas da villa e causou enormes pre-
juisos.
Na praça da Motta foi preciso salvar os
moradores pelas janellas. Cairam varias
pontes da linha férrea;— desappareceram
20 melros da mencionada linha e da estrada
a macadám junto da ponte do Vinhal,— en&
estrada de Villa Nova de Famalicão para
Guimarães desappareceu a solida ponte de
Villar, que foi levada na torrente pelos moi-
nhos que estavam a montante, na aldeia do
Molledo.
Houve também por essa occasião gran-
des inundaçõps na Povoa de Varzim,
Darque, Vianna do Castello, Braga, Porto,
ete.
VINHÃO, Sousão e Tinta.
Assim se denomina uma das muitas va-
riedades de cepas no Minho e no Douro.
VIN
VJN 1515
É uma das caslas que rebenta mais tar-
de, mas vinga bem, e dá muitos cachos; por
isso que vindo o fructo mais serôdio escapa
melhor aos frios e a sua producçao torna-se
mais regulando que n'outra8 castas mais têm-
poras que se queimam com as ultimas gea-
das. O sousão sendo uma das castas mais
tardias a produzir, é ao mesmo tempo uma
das mais precoces. Pinta e amadurece pri-
meiro que as outras variedades.
O sousão é lambem chamado vinhão por
produzir muito vinho; e tinta por excellen-
cia, por ser a casta mais abundante em côr
(oenocianina) que se cultiva no Minho.
Na verdade o seu mosto é excessivamente
carregado de côr, fazendo uma differença
muito grande de todas as outras castas n'esta
particularidade. É por assim dizer esta casta
que dá a côr aos vinhos.
Esta casta é a roais recommendada no dis-
trieto do Porto. Produz bem de embarrado,
em ramadas ou parreiras, em latadas ou
bardos e em vinha baixa igualmente, se-
gundo experiências feitas por alguns lavra-
dores do districto e no Douro, onde também
se encontra.
A cepa é grossa, forte, de pelle lisa, e
veste bem a arvore.
Varas ou sarmentos grossos, mas não mui-
to compridos, elásticos, com os merithallos,
olhos, peciolos das folhas, pedúnculos dos
cachos, e as gavinhas ou élos regulares, e
estas duplas ou bifurcadas.
Folha li?a e aberta, de fórma arredonda-
da, pubescente na pagina inferior, pouco es-
pessa e de côr escura, parecendo trilobada
em virtude de ter dois í-eios profundos, com
recortes grandes e direitos. Sua folha é uma
das primeiras a avermelhar e a cahir no ou-
tono. Cacho grande, cónico, pouco alado e
um pouco fechado; bago redondo, grande,
de pi-lle fina e muito rica em cenocianina, de
sabor doce e de côr preta, parecendo azu-
lada pein pó ou cera que cobre os bagos.
Encontram-se dois e tres cachos por sar-
mento.
VINHAS,— freguezia do concelho e comar-
ca de Macedo de Cavalleiros, districto e dio-
cese de Bragança, província de Traz-os-
Momes.
Abbadia. Orago S. Vicente,— fogos 115(1)
—segundo se lê nos apontamentos que se
dignou enviar-me o administrador d'este
concelho, mas julgo que se refere unica-
mente á povoação de Vinhas e não compre,
hende talvez n'aquelia cifra a povoação de
Castro Roupal, parochia exlincta e annexa
a esta de Vinhas ha muito tempo, tendo es-
tado a parochia de Vinhas annexa anterior-
mente á dieta de Castro Rovpal, que no
principio d'este século foi supprimida e di-
vidida por differentes, cabendo a esta de Vi-
nhas só a povoação de Castro Roupal, ma-
triz da extineta parochia.
Mais um meandro no laby-
riniho que formam as fregue-
zias d'este malfadado distri-
cto.
V. Castro Roupal, — Viãa
Verde de Mirandella, vol. XI,
pag. 1094,— e Villa Verde de
Vinhaes no mesmo vol. pag.
1099.
Em 1706 esta parochia de Vinhas era ab-
badia da apresentação do marquez de Tá-
vora na comarca e ouvidoria de Bragança,
bispado de Miranda;— rendia íim conto de
rm;— contava 90 fogos— e tinha como an-
nexas as 5 parochias seguintes:
1. »— S. Sebastião de Umãos ou Limões
(V. Limãos) com 70 fogos, hoje simples al-
deia da freguezia de Salscllas, d'este conce-
lho.
2. «— S. Vicente de Bagueixe, ainda hoje
contada entre as freguezias d'eate concelho,
mas prestes a extinguir se, pois conta ape-
nas 70 fogos, como em 1706, e está civil-
mente annexa à de Santa Marlha de Bor-
3 * — Nossa Senhora da Assumpção de Fas-
tro Roupal, que tinha então apenas 40 fo-
gos.
4.» — Santa Cruz de Gralhós (V. Gralhós),
que então contava 58 fogos e hoje é uma
simples aldeia da fregu'^zia de Nossa Se-
nhora da Assumpção de Talhinhas.
o.*— S. Giraldo de Bnnreses ou Baureses
(V. Banrezes) que então contava apenas 20
1516 VIN
VJN
fogos e hoje é uma simples aldeia da fre-
guezia de Val da Porca.
Vejam que salsada!...
Em 1768 esta parochia de Vinhas era um
simples curato da apresentação do abbade
de Castro Roupal'—o cura liuha apenas réis
6i^000 de côngrua, alem do pé d'altar, — e
contava 88 fogos.
O censo de 18641 deu -lhe 206 fogos (?!...)
e 5G7 habitantes —e o de 1878 deu-lhe 157
fogos e 659 habitantes.
Esta parochia eomprehende apenas a po-
voação de Vinhas, séde da matriz, — e a de
Castro Roupal, antiga séde da parochia d'es-
te nome.
Fez parle do concelho de Iseda, extincto
pelo decreto de 24 d'outubro de 1855, pelo
qual passaram para o de Macedo de Caval-
leiros, comarca de Mirandelia, e desde 1863,
data em que a villa de Macedo^de Cavallei-
ros foi elevada á cathegoria de séde de co-
marca também, ficou pertencendo ao conce-
lho e comarca de Macedo de Cavalleiros.
A povoação de Vinhas demora na antiga
estrada de Macedo de Cavalleiros para Ise-
da, Garção e Vimioso, na margem direita e
a O. da ribeira de Gralhós, confluente do
Sabor.
Dista da mencionada Ribeira 1 kilometro
para O ;— 13 de Macedo de Cavalleiros para
E. N. E.;— 35 de Bragança para S.;— 40 de
Mirandelia para E. N. E.; — 95 da estação do
Tua na linha férrea do Douro pela linha de
Mirandelia ou do Tua, ha pouco aberta á
circulação; 2— 234 do Porto— e 571 de Lis-
boa.
Freguezias llmitrophes: — Salsellas, Mo-
raes, Bagueixe e Talhinhas.
Producções dominantes:— cereaes, casta-
nhas, muita cortiça, batatas, azeite, vinho,
hervagens e frueta.
Foi muito considerável a sua produeção
em vinho, mas hoje produz pouco, depois
» Lisboa, tvpographia da Gazeta de Por-
tugal, 1866. '
2 V. Vias Férreas e Villarinho das Aze-
nhas.
que a phylloxera aniquilou a maior parle
dos seus vinhedos e quasi lodos os d*esta
província.
O seu vinho era muito bom, como vinho
de pasto ou de mesa, mas o melhor d'este
concelho era o da freguezia das Arcas.
Também produz muita lã, pois cria muito
gado de todas as espécies: lanar, muar, vac-
cum e suino,— e é mimosa de peixe das suas
ribeiras e de caça dos seus montes, tanto
grossa como raiuda:— lebres, coelhos, per-
dizes, lobos e raposas.
N'esta data (9 de março de 1887) já tra-
balha uma machina desde Mirandelia até á
estação de Frechas, para serviço da empresa
constructora, e temos quasi a certesa de que
esta linha se abrirá ao transito em agosto
próximo futuro, antes da grande romagem
de Nossa Senhora da Assumpção.
V. Villas Boas, freguezia do concelho de
Villa Flor.
Banham esta freguezia a ribeira de Gra-
lhós e vários ribeiros confluentes da dieta
ribeira, que vae para o Sabor, assim como
este rio para o Douro.
Ha n'esta parochia, junto da povoação de
Vinhas, uma pyramide geodésica na altitude
de 624 metros sobre o nivel do mar.
Templos
1. °— A matriz de Vinhas.
É elegante, de custosa e não vulgar archi-
tectura— e está bem tractada e bem conser-
vada.
A Capella mór é em forma de rotunda e o
corpo da egreja em esiylo gothico, recons-
trução dos fins do ultimo século.
Tem altar mór e 4 laleraes, todos com ri-
cas decorações de talha dourada, — 1 campa-
nário com 2 sinos,— boas alfaias, ele.
2. "— Egreja (antiga matriz) de Castro Rou-
pal, pouco espaçosa e bastante singella.
3. " — Capella de S. Sebastião, no fundo da
povoação de Vinhas.
Capella das Almas, no fim da rua do
Cabo, na mesma povoação.
5." — Capella de S. Gregorio, no alto da
Malhada.
Todas 3 são publicas— e a de S. Sebastião,
VIN
VIN 1517
que é a maior de todas, tem festa annual no
ultimo domingo d'ago8to.
6.0 — Capella de
É particular, posto que tem porta franea
ao publico, e está ainda nas casas da famí-
lia Valentes.
Hoje a festa principal é a de S Sebastião.
Como reminiscência do tempo em que esta
abbadia representava as 6 parochias men-
cionadas àupra e foi uma das mais ricas
d'este bispado, ainda conserva uma casa de
residência, que é um palacete,— a melhor
casa da povoação. Tem uma linda cerca
muito mimosa, com muita frucia, e teve um
bom jardim, etc.
Depois da residência parochial, as me-
lhores casas d'e8ta freguezia são — a dos Aju-
dantes, a dos Paradinhas e a dos Valentes^
que representam as tres famílias principaes
d'esta parochia.
Aqui não ha estrada alguma a macadam.
A mais próxima é a real n.» 6, de Villa Real
a Bragança, que passa em Quintella, cerca
de 10 kilometros a N. d'esta freguezia.
Em Castro Roupal houve um Castello an-
tiquíssimo, que data do tempo dos roma-
nos (I) segundo diz a tradição; mas d'elle
apenas resta hoje uma torre, que é a torre
da egreja, onde estão os sinos.
Ha n'esta parochia os dois mais soberbos
prados do districto. Foram ambos logra-
douro commum, mas hoje estão divididos
em courellas por todos os parochianos.
Eram foreiros á sereníssima casa de Bra-
gança e formam um lindo e amplo valle,
contíguo á povoação de Vinhas, que se er-
gue no cimo d'elle, dominando-o todo.
Por falta de boas vias de communicaçào,
costuma vender-se aqui no novo a rasa de
castanhas ou de batatas aeogulada, que cor-
responde a mais de 15 kilos, por 60 a 80
réis, — o litro do azeite por 140 a 160 réis —
e todos 08 outros productos agrícolas se-
guem a mesma proporção? 1. . .
Ha finalmente n'esta parochia uma aula
ofQcial de instrueção primaria para o sexo
masculino.
VOLUME XI
Costumes curiosos
N'esta freguezia todos os annos o regedor
em dia determinado manda tocar a concelho^
fazendo rufar um bombo por toda a povoa-
ção. Reunem-se immediatamente os paro-
chianos em um grande numero,— pelo me-
nos uma pessoa de cada casa,— e logo o re-
gedor expòe o motivo da reunião:— tapar os
dois grandes prados do concelho, que são
cultivados á folha, em annos alternados, fi-
cando um d'elles sempre inculto para pas-
tagem, — concertar os regos públicos, — le-
vantar as paredes caldas e nomear guarda-
dores para os gados, vinhas, campos, etc.
O regedor dá as suas ordens — e cum-
prem-se !
São logo eleitos 2 guardadores (guardas
ruraes) para os campos, vinhas e terrenos
cultivados; — multam e levam para a barreira
os gados que encontrara fazendo damno,—
mas por seu turno são multados os guardas,
quando exhorbitam ou se descuidam no des-
empenho das suas attribuições.
Nomeiam também guardadores para os
gados, que são divididos em differentes lo-
tes:—éguas, porcos, vaccas e bois.
O guardador das éguas recebe por cada
cabeça 2 alqueires de castanhas no inverno
— e 1 alqueire de centeio no verão.
O guardador dos porcos (são ordinaria-
mente mais de 100) recebe por cada um
2 arráteis de pão cosido, por semana;— e
1 quarto de centeio por mez.
Os guardadores das vaccas e bois nada
ganham, mas revesam-se alternadamente
um dia cada um, entre os donos do gado.
Outras muitas freguezias do nosso paiz
teem costumes semelhantes, que constituem
legislação local desde os tempos mais remo-
tos, mas de todas as nossas freguezias a que
mais se distingue n'este ponto é ade Villar
da Veiga no concelho de Terras de Bouro.
V. Villar da Veiga.
Terminaremos dizendo que ha no nosso
paiz mais 16 aldeias, 7 casas, 3 quintas, 3
sitios, 1 herdade e 1 moinho com o nome de
I Vinhas, alem de varias aldeias, casas e quin-
96
1518 VIN
VIN
tas eom os nomes de Vinhas da Vela, Vi-
nhas de Deus, Vinhas do Forno, Vinhas dos
Padres, Vinhas Velhas, Vinhas Mortas, etc.
que não descrevemos, por não oflferecerem
coisa aleuma notável.
VINHÓ ou Avinho, — aldeia ou quinta da
freguezia de Redondello, concelho e comarca
de Chave?, districto de Villa Real.
Na dieta aldeia ou quinta encontrou Tho-
mé de Távora em uma loja das casas que
foram de Francisco Lousão, proprietário
d'aquel]a freguezia, uma lapide que appa-
receu em uma veiga, entre a povoação de
Pastoria e Casas Novas, com a inscrípção
seguinte :
Camalus
BUBNI. F.
HIC. SITUS
EST. ANNOR
1
FRATER FACIE
NIV CURAVIT
Em vulgar : — Aqui jaz Camalo, filho de
Burno, que morreu de 33 annos, e seu irmão
lhe mandou fazer esta sepultura.
A d ida parochia de Redondello contava
pelo ultimo recenseamento 193 fogos e 846
habitantes,— e cnmprehende as aldeias de
Pastoria e Casas Novas — e as quintas de
Santa Cruz, Relva, Rio, Fenteira, Sebastião
de Miranda, Vidueiro e Vinhó ou Avinho.
V. Bedondêllo.
VINHÔ ou Avinhó, — freguezÍ3L extincta,
boje simples aldeia da freguezia de Matella,
concelho de Vimioso, comarca de Miranda
do Douro.
A freguezia de Matella, alem da povoação
cl'este nome, séde da matriz, comprehende
também a povoação de Junqueira, igualmen-
te parochia extincta.
Em 1706 a villa de Algôso, alem da fre-
guezia d'esle nome, comprehendia as seguin-
tes:—Fm/ió ou Avinhó—U&teWai, Junqueira,
1 Esta linha ?ó por meio de gravura pôde
reproduzir se. mas encontra-se, bem como
toda a inscripcão nas Memorias de Argotft,
tomo 1.» pag. 294.
1 Val certo, Mora, Urca, e Val de Algôso, to-
) das da apresentação do reitor de Algôso, —
Urrôs, então annexa á abbadia de Sendim,
termo de Miranda do Douro,— Travanca,
Tenor. Teixeira, Gregos e Granja de Gregos,
Saldanha e Figueira, iodas 5 annexas á ab-
badia de Travanca, — S. Pedro da SMva,
Granja de S. Pedro, Villa Chã da Ribeira e
Fonte do Ladrão, sendo estas ultimas tres
annexas à de S. Pedro da Silva.
V. Algôso, Avinho e Matella.
Na mencionada parochia de S. Pedro da
Silva, junto da capella de Nossa Senhora do
Rosario do Monte, está hoje a séde da explo-
ração das grandes minas de mármore e ala-
bastro, descriptas largamente no artigo Vi-
mioso.
Vide.
VINHÓ,— freguezia do concelho e comar-
ca de Gouveia, districto e diocese da Guar-
da, província da Rpira Baixa.
Priorado.— Fogos 206,— habitantes 8S0.
Oragn — Nossa Senhora da Assumpção.
Em 1708 era priorado da corôa e rendia
280^000 réis.
Em 1768 era do mesmo padroado; — ren-
dia 200fS000 réis— e contava 1Í2 fogos.
O censo de 1864 deu-lhe 183 fogos e 749
almas,— e o de 1878 deu-lhe 204 fogos e
826 almas.
Pertenceu ao bispado de Coimbra até
1882, data da ultima circumscripção dioce-
sana.
Demora em terreno fértil e suavemente
ondulado ao sopé e na pendente N. O. da
Serra da Estrella, na margem efquprda do
Mondego e precisamente na antiga estrada
real de Celorico da Beira a Coimbra pela
pontp da Mnrcella.
Dista 2 kilometrns p^ra S. E. da nova es-
trada real a macadam n.° 12, de Celorico da
Beira a Coimbra pela dieta ponte da Mur-
cella; — os mesmos 2 kilompfros para O. da
estrada real a macadam n.» 13. de Gouveia
a Mangnslde, cortando em angulo recto a
dieta estrada, real n.» 12; — os mesmos 2 ki-
lometros para N. da estrada municipal a
macadam de Gonvpia a Moimenta da Serra,
Mangualde da Serra e Ceia;— 3 kilometros
VIN
VIN 1519
da villa de Gouveia, séde do concelho, para i
N. O.;— 12 da margem esquerda do Monde- j
go para S.;— 27 da estação de Mangualde, a i
mais próxima, na linlia da Beira Alta, ' — I
53 kilometros da Guarda, séde do bispado
e do disiricto, pela estrada a macadam, — e
108 kilometros pela linha férrea da Beira e
pelas estações de Mangualde e da Guarda;
— 105 da estação da Pampilhosa, entronca-
mento da linha da Beira Alta na do Norte;
—210 do Porto e 336 de Lisboa.
Do exposto se vê que esta parochia está
muito bem servida de vias de communica-
ção, pois approximadamenle a 2 kilometros
de distancia é cortada ao nascente por uma
estrada a macadam que corre de N. a S. e a
liga com a séde do concelho e com a linha
férrea da Beira;— a igual distancia é corta-
da a N e S. O. por outras duas estradas a
macadam~e pstà em projecto eesludos um
ramal da povoação de Vinhó, até á estrada
real a macadam n." 13, de Gouveia a Man-
gualde.
Também no tempo da antiga viação já era
muito accessivel, pois passava pelo meio da
povoação de Vinhó a velha estrada real de
Celorico da Beira a Coimbra, pela ponte da
Murcella, como já dissemos. Atravessava este
concelho de nascente a poente por Figueiró
da Serra, villa de Mello, Nabaes, Nabainhos,
Sampaio, ponte do Chovido, na ribeira de
Gouveia, a Jusante da villa d'este nome e a
montante da povoação de Nespereira;— ia de-
pois a Vinhó, Lagarinhos, Pinhanços, etc.
Quando, approximadamenle em 1853, os
nossos engenheiros fizeram os estudos para
1 Gouvpia tem na mencionada linha esta-
ção própria, mas dista da de Mangualde 16
kilometros para E. Servirá pois só a parte
oriental do concelho. As freguezias restan-
tes demandam e demandarão sempre a esta-
ção de Mangualde por ser mais próxima e
pur terem para ella boas estradas a maca-
dam, eraquanto que para a estação de Gou-
veia já em agosto de 1881 deram principio
á esirafia que a deve ligar directamente
com a villa, mas ainda está longe da sua con-
clusão n'esta data, — abril de 1887.
I a construcção da Estrada da Beira, aestra-
1 da real n.° 12, em substiiuiijão da velha es-
i trada de Celorico a Coimbra, quizeram le-
i val-a com pequenas variantes pelo leito da
antiga, atravessando as povoações já men-
cionadas e a» villas de Gouveia e Ceia, com
o que muito lucravam aquelles dois conce-
lhos, pois a estrada cortaria as sédes d'el-
les e muitas das suas paroiíhias:— Ceia, San-
ta Marinha, Mangualde da Serra, Moimenta
da Serra, Gouveia, Sampaio, Nabacinhos,
Nabaes, Mello e Figueiró, — povoações muito
industriaes, e que hoje valeriam o dobro do
que valem; mas (credite posleril) oppose-
ram-se os habitantes das dietas povoações,
principalmente os da villa de Gouveia, — a
mais rica, mais importante e mais industrial
de Iodas ^.
Não comprehenderam o alcance da mo-
derna viação que ao tempo iniciávamos e
lembravam-se do muito que os povos d'este
concelho haviam pouco antes soffrido com a
guerra peninsular e com as guerras civis
posteriores: — abcletamentos, incêndios, sa-
ques, mortes, violações e roubos.
Em verdade no tempo de guerra soffrem
muito as povoações por onde passam as vias
militares, mas felizmente desde 1846 gosa-
mos uma paz oclaviana, que ao tempo mal
podia prever-se e por isso se opposerara,
mas bem se arrependeram e tanto que, mais
tarde, quando se traetava dos estudos para
a linha férrea da Beira, os mesmos que mais
pugnaram para que a estrada se afastasse
quanto ponsivel, foram os primeiros a pedir
que a linha férrea seguisse pela margem es-
querda do Mondego e se approxiraasse
quanto possível de Gouveia.
O grande industrial e grande proprietário
d'esta villa — Joaquim d'Almeida Rainha —
chegou a oíTereeer grátis não só todo o ter-
reno que a linha houvesse de cortar nas suas
quintas (note-se que era o maior proprieta-
i Só a villa de Gouveia tem hoje 13 fabri-
cas de lanifícios e o seu concelho 27 fabri-
cas,— e só uma das casas industriaes da villa
de Gouveia vale hoje 500 a 600 contos de
réis?!...
V. Villa Nova de Tazem.
1520
VIN
VIN
rio do concelho)— mas offereceu também
grátis iodas as travessas ou chulipas que
fdssem necessárias para a mesma linha no
termo do concelho de Gouveia, ou na exten-
são de 30 kilornetros approximadarnenie !. ..
Os engenheiros que estudavam a nova es-
trada da Beira, vendo a opposição das pró-
prias povoações que pretendiam beneticiar,
fugiram cora o traçado mais para o norte, o
que tanto prejudicou as dietas povoações
como facilitou os estudos e a construi-ção da
e&irada, pois corre atravez da planicie de-
serta ! No concelho de Gouveia apenas toca
Da pequena povoação de Villa Cortez, em-
quanto que para entrar na serie de povoa-
ções mencionadas e que demoram todas em
nível superior na raiz da grande serra, em
terreno bastanie aceidentado e declivoso, a
consirucção demandaria muitos muros de
supporte e as expropriações seriam muito
mais caras.
Os mesmos que se opposeram, empenha-
ram-se depois na consirueção de um ramal
de 4:336 metros para ligação da dieta estra-
da com a Villa de Gouveia , pois ficou isola-
da e alcandorada na encosta, e, construído o
ramal, *^8tabeleceram-se logo carreiras de
diligencias e de galeras (carros de mercado-
rias) entre Gouveia e Coimbra,— carros e di-
ligencias que fizeram muito bom serviço até
que se inaugurou a linha da Beira Alta.
Prosigamos.
Esta parochia não comprehende aldeias.
É formada pela única povoação de Vinhó;
apenas tem algumas quintas habitadas^ taes
são as seguintes :
1. « — Quinta de S. João, que foi do viscon-
de de Gouveia, pae do conde actual d'este
titulo, e é hoje da opulenta familia Rainhas,
de Gouveia, por compra que ao mencionado
visconde fez Joaquim de Almeida Rainha.
V. Villa Nova de Tazem e Gouveia n'este
diecionario e no suppleraento.
2. '— Quinta do Paul, que foi de José Ma-
ria Quirino e é hoje do dr. Antonio Maria
d'Almeida Serra, ambos da villa de Gou-
veia.
3. *— A quinta que foi de Jorge Botto Ma-
1 ehado e é hoje do seu filho natural e her-
j deiro Antonio Botto Machado^ dos quaeslo-
' go fa liaremos,
I 4.»— A quinta que foi de José Hygino
1 Freire Cabral, da villa de Gouveia, e é hoje
j dos seuH herdeiros.
j S.»~0 extineto convento e cerca das frei-
1 ras de Vinhó, ho]v tudo lambem pertencente
\ á opulenta familia Rainhas, d^ Gouveia.
I Adiante deseuvol veremos esí í tópico.
I Freguezias limiiruphes: — Nespereira, Rio
: Torto, Moimenta da Serra e as duas fregue-
zias da villa de Gouveia: — S. Julião e S. Pe-
dro.
De passagem diremos que a villa de Gou-
veia tem duas freguezias que dividem entre
si a parte urbana e rural de um modo sin-
gular e unico\
Todas as propriedades que possuir qual-
quer dos habitantes da freguezia de S. Pe-
dro,—-casas, campos, vinhas, montes, ele—
j embora estejam na freguezia de S. Julião,
! pertencem à de S. Pedro. Por seu turno to-
\ das as propriedades que possuir qualquer
j dos habitantes da freguezia de S. Julião, em-
i bora estejam na freguezia de S. Pedro, per-
I tencem a de S. Julião, e, logo que o pro-
! prietario mude a sua residência de uma tre-
I guezia para a outra, a essa ti a pertencendo
tudo o que possuia na qued. ixou, pelo que
toda a villa de Gouveia e o seu lermo per-
tencem promiscuamente aos dois parochos
— e, tanto para a administração dos sacra-
mentos, como para darem as boas festas aos
seus parochianos, cada um dos dictos paro-
chos atravessa constantemente a -freguezia
do outro ? I . . .
Em todo o nosso paiz não conhecemos
uma salgalbada assim ! . . .
Templos
1.0 — A egreja matriz actual, que era a do
extineto convento das freiras, do qual adian-
te fallaremos.
2.° —A velha matriz.
Demora, como a do convento, na mesma
povoação de Fm/id;— está bastante arruina-
da, mas ainda aberta ao culto;— tem altar-
VIN
mór e 4 lateraes com boas decorações de ta-
lha antiga dourada,— e torre com 2 sinos.
3.o—:Capella de S. João em sitio muito pit-
toresco, á ent ada (1b Vinhó, indo de Gou-
veia pela antiga estrada real.
Junto da dieta capella sh vé uma carva-
lha enorme, que a ensombra— e uma gran-
de presa d'agua, que no verão se divide por
differentes consortes.
í."— Capella de S. Lourenço na extremi-
dade opposta da povoação, pelo que o povo
canta :
Lindo logar é Vinhò ;
De !ong^í pai eco viiia ;
Tem S. .loão à entrada,
S. Lourenço á saida.
Ambas 5*ão publicas.
Teve também uma capella particular, de-
dicada a S. João, na quinta deste nome, mas
já não existe.
O Convento
Houve n'esta freguezia um convento de
religiosas franciscanas com a invocação da
Madre de Deus, na extremidade S. O. de Vi
nhó.
Foi f xtineto no meado d'este século por
fallecimento da ultima freira e deile puuco
mais resta hoje do que a egreja, ainda in-
lacta e sem reconstrucções, soffrivelmente
conservada e de bastante merecimento.
Tem altar-mór e tres lateraes,— um do la-
do do evangelho, e dois do lado da epistola,
alem de uma capelia d'este mesmo lado, de-
dicada ao Menino Jesus da Tia Baptista,—
mesmo em frente da porta da entrada, que
se abre na parede do lado do evangelho, so-
bre o terreiro do convento.
Á esquerda da dieta porta, entrando, Qea
o altar-mór— e á direita estavam os eòros,
hoje desmantelados e em ruinas, onde ain-
da se vê uma tela de bastante merecimento,
representando a Virgem, padroeira.
Na mencionada capella do Menino Jesus,
obra dos flns do ultimo século, alem da ima-
gem do Menino, está o Santíssimo Sacra-
mento, pois, como já dissemos, este templo
é boje a matriz da paroehia.
VIN
1521
A Tia Baptista do Ceo foi uma religiosa
d'este convento que se tornou muito notá-
vel pela sua piedade e viriudes e pela sua
particular devoção para com o Menino Je-
sus. Nas grandes aíílicções os povos da loca-
lidade e cireumviéinhanças corriam a soUi-
citar a intercessão da Tia Baptista para com
0 seu Menino, seudo quasí sen)pre certo o
deferimento, pelo que lhe erigiram uma lin-
da capella dentro da própria egreja do con-
vento e Ihs^ íiziTam e fazem ainda hoje gran-
de festa com feira aniiuai na segunda feira
da 1." oitava do Espirito Santo.
O tecto da egreja é apaioelado; tem 45
quadros de madeira pintados a oleo com
diversas imagens no corpo do templo,— e 18
na capella-mór, encaixilhados em boa talha
dourada, sendo lamLeni de talha dourada
íiniiga e de merecimento as decorações de
i todos os altares
No vão da tribuna do altar-mór, do lade
do evangelho, se vé interiormente, mettida
na parede, uma caixa de pedra com as os-
' sadas dos fundadores, encimada pnr um bra-
.'•30 d'aroias em escudo esquarielado, tendo
; no 1.° e 4.0 espaços 1 leão- e no 2.°e 3.° as
1 quinas. O mesmo brasão se vê sobre a porta
' da egreja,— 1)0 portão de entrada para o ter-
reiro—e sobre uma porta do convento.
i Na frente da dieta caixa ossaria se lê em
orthographia obsoleta a inscripção seguinte:
Esta sepultura he de
Francisco de Sousa e de
SUA MULHER D. ANTONIA
de Teyve, Fundadores
DESTA SkNTA CaSA. ElLE
FALLECEO A 2 DE MaYO
de 1S78, É ÉLLA A
17 d'abril de 1397.
Foi isto 0 que nós copiámos da própria
caixa ossuaria i em agosto de 1881, quando
regressávamos da Serra da Estrella com a
1 Tem um oriflcio aberto, por onde met-
temoa, como todos mettem, o braço e ainda
ao tempo ali se achavam duas caveiras e
differentes ossos humanos.
1522 VIN
VIN
Expedição Scientifica e visitámos este con-
vento com o nosso bom amigo Joaquim de
VaseoDcellos, muito illustrado e digno vogal
da Expedição.
V. Seira da Estrella no supplemento.
A mesma inseripção se encontra na His-
toria Seráfica (tomo V pag. 55) por Fr. Fer-
nando da Soledade, que dedicou a este ve-
nerando convento um largo tópico, desde
pag. 53 a 83— tópico muito digno de ler-se
e que nós mal podemos aqui extractar.
Do exposto se vê que este convento foi
fundado por Francisco de Sousa e sua mu-
lher D. Antónia de Teyve, não D. Francisca
de Teyve, como disse Jorge Cardoso no Agio-
logio Lusitano, tomo 1.° pag. 515,— lapso que
se encontra também na Chorographia Por-
tugueza, por haver copiado o Agiologio,—e
no Diccionario Chorograpkico de Almeida,
por haver copiado a Chorographia Portu-
gueza.—E foi fundado em 1573, como diz a
chronica, não em 1568, como diz João Ba-
ptista de Castro.
Francisco de Sousa, cognominado o bom,
por ser uma excellente pessoa e muito reli-
gioso, era F. C. R. e militou na índia. ^ Sen-
do já decrépito e não tendo Olhos, resolveu,
d'accordo com a esposa, fundar este convento
na sua quinta de Vinhó, quinta muito antiga
e que foi do dr. Gil d'Ocem, ou Dosem, ou
do Sem, como diz a chronica, seu ascenden-
te e chanceller-mór d'el-rei D. João I, a
1 Descendia de Gonçalo Annes de Sousa,
senhor de Mortágua, neto de Tristão de
Sousa, também senhor de Vinhó, etc.
O dieio Francisco de Sousa, por não ter
successão, fundou e dotou o convento de Vi-
nhó e instituiu herdeiro da parte restante da
sua casa seu sobrinho Francisco de Sousa e
Almeida, filho de sua irmã D. Brites de Sou-
sa, o qual casou no Porto com D. Anna Car-
neiro, filha única de Luiz de Valladares e de
D. Victoria Carneiro.
D'estes Sousas e Almeidas descendem os
senhores da nobre casa da Cavallaria e da
Torre e Paço de Villarigues, em Vouzella,
hoje muito dignamente representados pelo
sr. marquez de Penalva.
V. Vouzella.
quem este monarcha a doou, depois de a
confiscar ao traidor AÍTonso Gomes da Silva
que, sendo alcaide-mór na Covilhã, se ban-
deou por Castella i.
O nosso rei lh'a doou, estando no arraial
de Chaves em 30 de janeiro de 1386. Em
1506, sendo já de Francisco de Sousa, este
a deu ao seu cunhado Antonio de Teive, pa-
ra a unir a certo n)orgado que então insii-
' tuia, mas pouco depois, em março de 1567,
a desannexou do dicto morgado, vinculan-
do em vez d'ella 100^000 réis de juro, por
ser a dieta quinta muito própria para a fun-
dação do convento que projectava fazer, co-
mo fez, dando -lhe a invocação de Madre de
Deus, por ser a que já tinha a capella da
mesma quinta, — capella que foi substituída
pela egreja do convento.
Em 1573, estando já concluídas todas as
obras, o entregou por escriptura de 20 de
junho do mesmo anno a Fr. Nicolau de Je-
sus, custodio da custodia observante do Por-
to, com certas condiçõi s: — que seria 1.» ab-
badessa Antónia da Assumpção, sobrinha do
fundador e religiosa no convento francisca-
no da Guarda, d'onde já tinha vindo para o
novo convento; — que este, durante a vida
dos fundadores, não receberia freira alguma
sem licença d'elles, como seus padroeiros;
—que o numero das religiosas não passaria
de 33; — que a abbadessa seria sempre eleita
entre ellas e nunca tirada d outro conven-
to, etc.
Os fundadores deram logo para patrimó-
nio do convento oito mil cruzados (3:200)^000
réis) — somma importante n'aquelle tempo,
— e por sua morte o beneficiaram muito, le-
gando-lhe inclusivamente o titulo de pa-
1 Gil d'Ocem íoi pae do dr. Martim d'Ocem
do conselho do mesmo rei D. João 1, seu
embaixador ás cortes da Inglaterra e da
Hespanha repetidas vezes, etc— e suppomos
que d'elle descendia o lendário Pedro Cem,
—Pedro Pedrossem da Silva, — como elle as-
signava.
V. Nicolau (S.) do Porto, vol. VI, pag. 46,
col. 2,« e segg.— e Santarém, vol. VIII, pag.
588, col. 2.« e segg.
VIN
VIN 1523
droeiros, para que nenhum seu parente de \
fuiuro alltígasstí direito sobre elle. j
Gum as rendas que lhe deixaram os fun- !
dadores e com os doies das noviças chegou j
a ser um dos conventos mais ricos da ordem '
e a ler 50 religiosas professas. Alem d'ísso
foi sempre um modelo de virtudes e disei-
plma. ÍNunca demandou reforma durante a
sua larga existência;— pelo contrario muitas
religiosas d'elie foram em diversas datas re-
formar a disciplina d'outros conventos^ sen-
do um d tísies o de íi. Luiz, de Pinhel,— e
produziu muitas religiosas dignas de espe-
cial menção pela sua acrisolada virtude,
taes foram as seguintes :
—Antónia da Assumpção, 1.» abbadessa.
— Eugenia da iMatividade, 2.* abbadessa.
—Brites da JNazareih, 3.» abbadessa, na-
tural da Villa do Midões.
— Antónia de Jesus, lambem abbadessa,
natural de Penedono.
. — Francisca da Ressurreição, também ab-
bade&sa, natural da ilha da Madeira.
—Margarida das Chagas, natural da fre-
guezia de Casal Vasco ^.
—Mana de Jesus, uaiural da viila de
Ceia, filha do dr. Gaspar Rebello e de sua
mulher Maria Borges.
Teve uma mocidade bastante livre, mas
depois, qual outra Magdalena, regenerou-se;
— viveu santamente e sauiainenie acabou os
seus dias em 1628, contando 73 ânuos de
idade.
Tão virtuosa e penitente se tornou, que
d'ella faz menção o Agiologio Lusitano, a 24
de fevereiro.
— Maria do Lado, d'e9ta mesma freguezia
de Vinhó.
— Maria do Bosario, no século D. Maria
de Mello, natural de Casal Vasco.
Falltíceu em 1686.
—Ambrósia da Conceição, natural da villa
da Covilhã.
Foi desde menina um perfeito exemplar
de viriudtís, abbadessa e reformadora do
convento de S. Luiz, de PinheL
Se lermos a chronica ficamos assombra-
dos com a vida penitente, austera e virtuo-
síssima d'esias santas religiosas, cuja vida
é um contraste com a Índole d'este século;
a chronica porem não passa do anno 1721 e
por isso não menciona outras multas reli-
giosas de grande virtude que este convento
produziu desde aquella data até a sua ex-
tineção, avultando entre ellas :
—A Tia Baptista do Ceu, parente de José
Higino Pereira Cabral, da villa de Gouveia,
cavalheiro respeiíabilissimo e que falleeeu
ha poucos aunos.
Todos na localidade ainda hoje veneram a
memoria d'ella como a de uma santa; fes-
tejam pomposamente o seu Menino Jesus,
com festa e feira annual, como ella festejou
sempre,— e por essa occasião o povo nos
seus descantes, como prova de que não es-
quece a Tia Baptista e o seu tão caro Me-
nino, costuma cantar, entre outras, as coplas
seguintes, ao som do clássico adufe, — espé-
cie de pandeiro quadrado, que se toca eona
ambas as mãos e que é o instrumento favo-
rito e único do povo da Beira Baixa, herda-
do dos erminios, talvez:
Quando fordes a Vinhó,
Tirae o chapéu á cruz,
Que o Menino é mordomo
Da bandeira de Jesus.
Ó minha Tia Baptista,
A quem deixastes o ramo ?
Ás cachopas de Gouveia,
Ás de Vinhó para o anno. *
Vamos á Tia Baptista,
Cachopas andae, andae.
Que está lá uma fontinha.
Bebe d'ella quem lá vae.
i Ó minha Tia Baptista^
Tia Baptista do Ceu,
Só vos invejo uma coisa,
— Do vosso Menino o chapéu.
1 V. Casal de Vasco e Ramirão, tomo 2.»
pag. 143.
1 A Tia Baptista era sempre a juisa da
festa do seu Menino Jesus e costumava coe-
1524 VJN
VIN
Costumava ella veslir o seu Menino como
se fosse um general.
Ainda fm 1881 nós o vimos com farda,
calção 6 chapéu de dois bicos com plu-
mas I. . .
Talvez que os devotos folgasões se refe-
rissem ao espaventoso chapéu.
O edifício do convento era bastante espa-
çoso, mas pouco imponente e muito irregu-
lar, bem como o terreiro intra muros, onde
se fazia e faz ainda hoje a feira.
Quando foi extmcto, estava arruinado com
o peso dos séculos e mais se arruinou com
o abandono. Desabou parte, antes de ser ar-
rematado,—e o povo exerceu também sobre
elle grande vandalismo, roubando madeira
e pedra. Apenas se conservou intacto um
lanço, onde esteve a escola de instrueção
primaria d'esta freguezia,— lanço hoje res-
taurado e transformado em habitação par-
ticular, pertencente ao rev. José Alves Dias.
Tudo o mais,— edifício e cercas,— é da
opulenta família Rainhas, de Gouveia, que
demoliu quasi toda a parte restante do con-
vento para fazer, como fez, casas d'aluguel.
Tinha um bom claustro com columnas de
granito, algumas das quaes foram removi-
das pelos compradores para fazerem uma
ramada no quintal das casas que possuíam
em Gouveia. — casas que, por doação de
Francisco d'Almeida Rainha, filho do gran-
de industrial e capitalista Joaquim d'i^lmei-
da Rainha, são hoje do seu guarda-livros
Antonio de Gouveia Amarante, sitas no bairro
da Biqueira ou Regueira.
N'este convento de Vinhó acabaram os seus
dias as freiras dos extincios conventos fran-
ciscanos d' Almeida e de Nossa Senhora do
Couto.
Nos princípios da metade do ultimo se-
vidar para mordomas, em annos alternados,
as raparigas solteiras dos povos circumvisi-
nhos, dando-lhes nn? ramo, como signal da
eleição,— ramo de flores naturaes, muito cui-
dadosamente cultivadas por ella em um pe-
queno recinto vedado, que tinha na cerca,
ainda hoje denominado— a cerca do Menino.
culo os jesuítas fizeram um collegío esplen-
dido na Villa de Gouveia, sobre o palacete
do mestre de campo Antonio de Figueiredo
I Ferreira e que esie lhes doou com todos os
seus bens, comprehendendo magnificas pro-
priedades.
A fachada nobre do dicto collegio, ainda
hoje muito solido e com uma bella cerca,
tem amplas e formosas vistas para N. E. e
O. sobre a bacia hydrographica do Monde-
go, dominando um vastíssimo horisonte
muito regular e em forma de semi-circulo,
limitado a N. pela serra do Marãó, a O. pela
do Bussaco e a N. 0. pelas do Caramulo,
Gralheira e Mezio. D'ella se vê Mangualde a
30 kilometros de distancia e Vizeu a 50,
alem d'outras muitas povoações;— tem adi-
cta fachada a perspectiva d"um palácio e era
decorada pela fronteria da magestosa egreja
que teve no centro, ladeada por duas torres,
—egreja e torres que foram demolidas ap-
proximadamente em 1837 por Bernardo An-
tonio de Figueiredo Homem para fazer uma
fabrica de saragoças (?!...) quando com-
prou o dicto collegio e cerca, hoje proprie-
dade e habitação do conde de Caria, seu
herdeiro e sobrinho.
Sendo extinctos pelo marquez de Pombal
em 1759 os jesuítas, pouco depois de acaba-
rem o collegio, para elle se transferiram as
freiras franciscanas do convento d'Almeida,
mas também pouco tempo ali viveram, por-
que, sobrevindo a guerra da península, foi
o dicto collegio em 1811 arvorado em hos-
pital mihlar,- depois quartel de caçadores
n." 7,— sendo as freiras removidas para o
convento de Vinhó.
Por seu turno as do convento de Nossa
Senhora do Couto, na extíncta parochia de
Nabainhos, hoje annexa á de Nabaes, conce-
lho de Gouveia, achando-se a braços cora a
maior pobresa e reduzidas a uma única,
esta, approximadamente em 1840, para não
morrer de fome, passou para o convento de
Vinhó, distante cerca de 7 kilometros ao
poente,- indo a pobre senhora, já velhinha,
a pé, descalça, envolvida em andrajos e ba-
nhada em lagrimas, chorando a sua sorte e
a do seu tão querido convento, que hoje se
VIN
VIN 1525
acha também qaasi demolido. Apenas restam
a egreja, que foi sempre pequena e pobre,
— e a humilde casa do eapelião e confessor,
ao sul da egreja e do convento, metiendo-se
de permeio a antiga estrada mihtar de Celo-
rico a Coimbra.
Assim terminou o venerando convento de
Vtnhó, que jà contava 3 séculos d'exi8ten-
cia.
Também foi extincto era 1834 o convento
do Espirito Santo, de Gouveia.
Era de frades franciscanos; demorava a 2
kilomeiros do de Vinhó, para S.; foi com-
prado também por Bernardo Antonio Ho-
mem de Figueiredo, que o demoliu lambem
logo para fazer a sua fabrica de sarago-
ças? !■ . . Apenas hoje restam d'elle os es-
combros.
O convento era humilde e pequeno e ain-
da existe, mas muito mal traclado e habi-
tado pelo caseiro do meneiotiado conde de
Caria, seu actual possuidor.
V. Gouveia, vi lia da Beira Baixa, Mello,
Nabaes e Nabainhos, n'esle diccionario e no
supplemenlo.
As produiTÔes principaes d'e8ta freguezia
de Vinhó são vinho, azeite, cereaes e fructa
de caroço.
Também tem algumas larangeiras, mas
soÉfrem muito com o ar da grande serra
próxima e produzem pouco fructo e ruim.
Também abunda em pinheiros e carva-
lhos, gado lanígero e caça.
O seu clima é temperado, porque demora
na planieie, a 2 kilometros da raiz da gran-
de serra.
Nào é muito saudável, porque os seus ha-
bitantes, como a grande maioria dos d'esta
provinda da Beira Baixa e das da Beira
Alta e Traz-os Montes, não sabem o que é
limpesa nem hygieoe.
Fazem das ruas montureiras;— não caiam
nem lavam as casas;— vestem saragoça e
burel, que nunca lavam também, — não la-
vam lambem o corpo— e vivem na maior
imraundicie, em contado com as gallinhas^
porcos, bois e gado lanígero.
No momento está pesando cruelmente so-
bre esta paroehia a varíola, sem poupar
adultos nem creanças, tendo feito muitas vi-
ctimas.
Tem apenas uma escola oíficial de ins-
trueção primaria para o sexo masculino.
Pessoas notáveis
— Francisco de Sousa, jà mencionado su-
pra, ascendente dos actuaes marquezes de
Penalva, senhor de Vinhó e fundador do
convento, ao qual deixou as casas em que
viveu e fallpceu junto d'elle.
— Odr... Botto Machado, juiz da casa da
supplicação, F. C R., etc.
Casou com D. Rosa Amália de Figueire-
do e tiveram entre outros filhos o seguinte:
—Jorge Botto Machado, F. C. R. e senhor
da nobre e antiga casa dos Bottos Macha-
dos d'esta freguezia de Vinhó, alliados com
muitas famílias da principal nobresa d'esta
província e da da Beira Alta.
O dieto Jorge Botto foi o ultimo capitão -
mór de Gouveia, rival do Pitta Bezerra, ver-
gonha da família e da humanidade e o ter-
ror e açoute d'e8te concelho 1
Desde 1828 até 1834, ou durante o ephe-
mero reinado do sr. D. Miguel, praticou to-
da a casta de prepotências:— prisões,, se-
questros, espancamentos, ferimentos e mor-
tes, mas talis vita, finis ital. ■ .
Apenas em 1834 assumiram os liberaes o
poder, Jorge Bollo foi preso e mettido no
Limoeiro, onde falleceu,— e seria trucidado
pelo povo, como foi o Pitta Bezerra, se o
não encarcerassem tão depressa.
Falleceu solteiro, mas deixou um filho na-
tural, que legitimou e lhe succedeu,— nos
bens, não na ferocidade, pois é uma excel-
lente pessoa,- o sr. Antonio Botto Machado,
residente em Pinhel, onde casou.
A um seuhomonymo e ascendente— lam-
bem Antonio Botto Machado,— áe, Villa Cova
a Coelheira, freguezia do concelho de Ceia,
foi concedido em 13 de janeiro de 1780 o
brasão d'armas seguinte: — escudo partido
em pala ; na 1." as armas dos Boltos, na
2." a dos Machados, por ser filho de Jorge
Botto Machado, neto do capitão Antonio
I Botto Machado, bisneto d'outro Jorge Botto
i526 VIN
VIN
Machado, 3.» neto de Antonio Botto Macha-
do, 4." ueio de Jorge Botto e 5." neto de Di-
niz Botio, commendador da Ordem de Ch.
na Villa de Manteigas, todos descendentes de
Martini Esteves Butto, a quem D. Affonso V
fez fidalgo e deu brasão darmas em 1 de
abril de 1462, pelos seus relevantes serviços
na Africa.
Archivo Heraldico-genealogico do meu bom
amigo, o sr. visiionde de Sanches de Baêna,
pag. 33, n.» 121.
— Fr. Martinho dos Martyres, religioso
agostinho descalço de muita illustração e
virtudes.
Wasceu n'esta freguezia de Vinhó e pro-
fessou no seu convento d'Estremoz a 4 de
março de 1694.
— O dr. Antonio da Fonseca Mimoso Guer-
ra, do conselho de S. M. ele.
Nasceu lambem n'esta parochia e teve de
emigrar para França nos princípios d'este
século, por ser apodado ãe jacobino, ou par-
tidário dos francezes.
Era homem de grande illustração,— foi
depuiado ás cortes de 1826,— seguiu a ma-
gistratura—e morreu em Lisboa, sendo juiz
da relação.
As casas principaes d'e8ta parochia são as
seguintes:
1. '— A que foi do tristemente celebre Jor-
ge Botto Machado, ultimo capitão-mór de
Gouveia, hoje do seu filho.
É brasonada.
2. * — A de Bazilio Leitão, que veiu dos
lados de Coimbra e casou aqui com uma se-
nhora filha única e herdeira da familia Corte
Real, parenta dos Cortes Reaes de Fornos
d'Algodres.
Ê um edifício elegante e novo, feito pelo
mencionado Bazilio Leitão.
3. »— A que foi de Ignacio de Aragão e Pi-
na, hoje de seus filhos e herdeiros.
Tudas teem mimosos quinlaes regadios.
4. *— A do rev. José Alves Dias.
É uma parte do extineio convento, res-
taurada e habitada por elle.
Em um dos altares da egreja do extineto '
I convento se venera uma imagem de Nossa
I Senhora do Rosario, que o fundador trouxe
I da índia,— e tomou a invocação de Nossa
Senhora das Neves, porque na 1." festivida-
de que se lhe fez no convento a 5 d'agosto,
e por consequência era pleno verão, toda a
Serra da Estrella e a freguezia de Vinhó se
cobriram de neve,— diz o Sant. Marianno,
tomo 4." pag. 536.
Teve pomposa festa annual e era muito
querida dos habitantes d'e8ta parochia. Cos-
tumavam recorrer a ella nas grandes cala-
midades publicas e leval-aem procissão pe-
los campos em tempo de esterilidade.
VINHÓS, — freguezia do concelho e co-
marca de Fafe, districto e diocese de Braga,
província do Minho.
Vigairaria. Orago Santo Estevam;— fogos
92 —habitantes 380.
Em 1706 era vigairaria da commenda de
S. Thomé de Travaçôs no concelho de Monte
Longo, comarca de Guimarães;— rendia para
o vigário 40íí;000 réis e 100 para o commen-
dador;—contava 36 fogos — e era da apre-
sentação do reitor de Travaçôs.
Em 1768 era da mesma apresentação; —
rendia para o vigário SOí^OOO réis — e con-
tava 58 fogos.
O censo de 1861 deu-lhe 85 fogos e 304
habitantes,— e o de 1878 deu-lhe 81 fogos
e 316 habitantes, — menos fogos e mais ha-
bitantes! . . .
Nenhum d'elles nos satisfaz, nem os apon-
tamentos que recebemos da localidade, pois
uns dão-lhe 89 fogos — e os outros 96.
Valha-nos a Senhora do Monte do Car-
mo 1 .. .
Dista de Fafe 5 kilometros para N. O.; —
22 da estação de Villa Flor ou de Guima-
rães para N. E.; — 40 de Braga; — 78 do Por-
to—e 415 de Lisboa.
Comprehende as aldeias seguintes:— .ás-
sento, séde da parochia, *— Godim, Serna-
dello, Carvalho, Casa Nova, Outeiro, Outei-
ro da Linha, Outeiro da Vinha, Cachada,
^ Ha no Minho muitas aldeias denomina-
das Assento e quasi todas são sedes de pa-
rochia.
VIN
VIS 1527
Campo, S. Mamede, Lagar, Adegas e Deve-
sa,— segundo se lê ua Clior. Moderna, mas
parecem-Dos aldeias de mais para tão pou-
cos fogos.
Freguezias limitrophes: — Reveihe a E.; —
Travassos a iN.; — S. Vieenie a 0. — e Santa
Comba a S.
ProducçÕes dominantes : — milho, centeio
e vinho verde de enforcado.
Também é mimosa de caça dos seus mon-
tes e de peixe, nomeadamente trutas muito
saborosas, de um ribeiro que passa ao poente
6 junto da matriz — e desagua no rio de
Pombeiro, depois de regar e ferlilisar cam-
pos soberbos. Também move 2 moinhos de
cereaes e um lagar d'azeite e tem 2 pontes
n'esta freguezia, por uma das quaes, que é
a principal, corre a estrada disiricial a ma-
cadam de Fafe a Povoa de Lanhoso, mas
ainda não passou da aldeia de Regueixo, fre-
guezia de Travassos.
Clima temperado e saudável.
Templos: — unicamente a egreja matriz,
que é pequena e pubre, mas decente.
Já teve 2 capellas, — uma de Nossa Senho-
ra da Conceição no monte da Minholeira,
junto da matriz; mas d elia hoje apenas res-
tam alguns vestígios; — a outra era dedicada
a S. Mamede e estava na aldeia d'este nome,
mas já nem vestígios d'ella restam.
VINTE E QUATRO {Casa dos)— Era uma
junta de 24 homens, dois de cada oíTicio,
destinada para o bom governo das cidades
de Lisboa, Porto e outras, e representou em
Portugal um papel muito importante.
Data a sua creação do remado de D.
João L
Nenhum individuo podia fazer parte d'esta
junta sem ter 40 annos, nem entrava nos of-
ficios d'ella sem obter duas partes dos vo-
tos.
O alvará de 7 de outubro de 1781 deter-
minou o modo como havia de fazer-se a
eleição do juiz do povo.
O alvará de 3 de dezembro de 1781 esta-
beleceu o regulamento das ofifleinas da Casa
dos Vime e Quatro e a classifli^ação dos di-
versos grémios embandeirados dos oílicios,
— e determinou quaes delles annualraente
deviam dar homens para a dieta junta.
A Casa dos Vinte e Quatro da cidade do
Perto foi exiincta em 1661, como culpada
no motim que na mesma cidade occorrêra.
Em 1822 decretaram as cortes que os pro- .
curadores dos mesteres, e mais membros da
Casa dos Vinte e Quatro em Lisboa e em
outras terras do reino, continuassem a ser
providos na forma das leis e estylo, subsis-
tindo as suas attribuições em tudo o que não
fosse contrario ao systeraa constitucional.
(Carta de lei de 31 de euiubro de 1822.)
Em 1834 foi exiincta a Casa dos Vinte e
Quatro, juntamente com os logares de juiz e
procuradores do povo, mesteres e grémios
dos differentes oíBeios, ficando encarregadas
as camarás muuícipaes de darem as provi-
dencias que a tal respeito julgassem mais
acertadas e de consultarem acerca das que
excedessem as suas attribuições.
O decreto de 7 de maio de 1834 dava esta
razão :
»Não se coadunando com os princípios da
carta constitucional da monarchia, base em
que devem assentar todas as disposições le-
gislativas, a instituição do juiz e procurado-
res do povo, mesteres, Casa dos Vinte e
Quatro e classificação dos differentes gré-
mios—outros tantos estorvos à industria
nacional, que para medrar muito carece da
liberdade, que a desenvolva e da protecção
que a defenda: hei por bem... decretar o
seguinte :
•Ficam extinctos os logares de juiz", e pro-
curadores do povo, mesteres, Casa dos Vinte
e Quatro e os grémios dos differentes offl-
cios.»
VISEU ou Fízew, I— cidade antiquíssima
e muito importante ainda, séde do concelho,
da comarca, do districto e da diocese do seu
nome na província da Beira Alta, da qual é
também a capital.
i Alexandre Herculano e outros muitos
auetores escrevem Viseu com s, mas o sr.
Camillo Castello Branco (hoje visconde de
Correia Botelho) e outros escrevem Vizeu
com z. É licito pois adoptar qualquer das
duas formas.
1528 VIS
VIS
Demora em sitio relativamente alto e vis-
toso cora formosos e férteis arrabaldes, a 10°
38' 9" de latiiude e 1° 8', 7'/— E-de loogi-
íude pelo meridi;ino de Lisboa;— 1» 44', 57"
—O— pelo meridiano do observatório de S.
Fernando em Cadis;~7° 57".— O— pelo me-
ridiano de Greenwich;— 9" 42', 68"— E—
pelo da Ilha do Ferro; - 10° 17', 2"— O—
pelo meridiano de Paris,— e a 540 metros
d'altitude, contados do novo Hospital da Mi-
sericórdia, ponto mais alto de Viseu, extra
muros.
Está entre os rios Dão e Vouga, na mar-
gem esquerda do Pavia, confluente do rio
Dão, que desagua no Mondego.
É banhada a O. pelo Pavia, mas a Sé dista
d'elle cerca de 500 metros para E.;— 11 kl
lometros do rio Dão para O. N. O.;— 15 do
Vouga para S.;— 25 do Mondego paraN, N.
O.; 20 da estação de Nellas, a mais próxima
na linha da Beira Alta, para N. N. O.;— 87
da estação (entroncamento) da Pampilhosa
na linha férrea do Norte, para N. E.;— 71 da
cidade da Figueira, também para N. E.; — |
192 do Porto para S. E. »— e 317 de Lisboa |
para N. N. E. |
A cidade reveste uma pequena collina, {
ainda hoje toda povoada e encimada pela Sé,
que oecupa precisamente o chão do antigo
Castello romano, depois palácio real, mas a
povoação Já desce até ás faldas da collina e
se espraia pelos campos adjacentes.
Divide-se em duas párochias denomina-
das Sé Oriental e Occidental, que compre-
hendem a cidade propriamente dieta e as
povoações do aro até á distancia de 4 a 6
kilometros em volta de Viseu, achando se
as dietas povoações actualmente divididas
em 5 paròchias, denominadas annexas :—
Bio de Loba, Ranhados e S. Salvador per-
1 Pelas linhas da Beira Alfa e do Norte,
itinerário que hoje segue e que soffrerá
grande alteração e reducção logo que se
construa a linha férrea em estudos de Viseu
a Chaves pelos valles do Paiva e do Tâme-
ga, pois deve cortar a linha férrea do Dou-
ro,ter n'ella entroncamento junto da es-
tacão de Canaveses.
V. Villarinho das Paranheiras.
tencentes kfref^uezh Occidental dn Sé;— Or-
; gens e Abraveses á freguezia Oriental III
i Ponho aqui tres pontos de admiração e
mal caracteriso o dispauterio de semelhante
j divisão ecclesiaslica. É um cumulo no seu
! género e um facto incrível para quem fôr
estranho a Viseu, pois uniram á freguezia
Occidental as 2 freguezias orieniaes: — Rio de
Loba a E. N. E.— Ranhados a E. S. E.— e S.
Salvador demora a S. S. O.
Por seu turno pertencem à freguezia
Oriental as 2 occidentaes: — Abraveses a N. O.
~B Orgens a S. O. E para cumulo da tolice
á freguezia Oriental pertencem alguns po-
vos das annexas da freguezia Occidental—
e V. V. 1
A confu''ão é de tal ordem que muitas ve-
zes os próprios parochos e paroohianos se
enganam com a destrinça, pelo que não raro
se encontram nos livros da freguezia Orien-
tal assentos de Baptismos pertencentes á fre-
guezia Occidental, e v. v.
Antes de se crearem as 5 annexas, todo
o seu vasto chão pertencia, como pertence
ás duas antigas paròchias Oriental e Occi-
dental da Sé, cuja linha divisória linha por
base a rua Direita, que se prolonga de sul
a norte. Já n'esse tempo era grande a con-
fusão, porque a Sé, matriz commum das 2
freguezias, demora ao poente da dieta rua e
a distancia d'ella, mettendo-se de permeio
um labyrintho de ru5s, viellas e bilesgas,
Actualmente a nossa orfographia é um
cahos! Tende a operar-se n'eíla uma gran-
de transformação, entretanto cada escfiptor
e cada typographia adopta a que bem lhe
apraz. Dão-se mesmo grandes differenças
n'este ponto entre o nf^rte e o sul do nosso
paiz. Vamos pois na corrente emquanio a
I nossa Academia Real das Sciencias não le-
I gislar sobre o assumpto.
I Vem isto a propósito para dizermos que
i em Lisboa e na typographia d'eHte dicciona-
I rio costumam escrever freguezia com -z- e
I nós escrevemos freguesia com -s.- mas, para
I não fatigarmos os typographos da casa edi-
I tora, que são aliás arti.«tas consummados, na
revisão das provas deixamos de apontar
' aquella e outras divergências de ortogra-
' phia.
VIS
VIS 1529
todas mais tortas do que a mencionada rua
Direita, que é, como iodas as ruas Direitas, ;
sufflcientemeate lona. j
Já ifesse tempo pertenciam à freguezia \
Oriental muitas ruas, viellas, casais e ai- \
delas da cidade e du aro de Viseu que esta- I
vam au poente da Se, — e por seu turno per- j
tenciam a freguezia Occidental muitas ruas, |
viellas, casas e aldeias que demoravam ao i
nascente. j
A confusão era grande, mas depois da i
creação das annexas augmentou escândalo- i
sãmente, estupidamente, propositadamente, \
pois 'iò assim se explica o faeio estranho e !
único de mudarem o nome aos quadrantes. !
Quem pelos mappas liver de procurar as \
5 aunexas fique sabendo que as orientaes j
sào as occidentaes, e v. v. |
Isto só em Viseu I
Prosigamos.
As o mencionadas annexas são freguezias
autónomas e independentes na parle civil,
judicial e admiuisiraiiva, mas ecclesiaí^tica-
raente são ainda liuje simples curatos das
duas freguezias da Sé.
Todas 5 leem pui ocJios próprios e perma-
nentes, iud!< nominaes e por assim dizer coa-
djuclures do.s 2 paroclios ua Sé, pois tendo
todas sacrário e Santíssimo para mais fácil
adminis trairão dos sacramentos, nenhuma
d'ellas tem pia baptismal ! 1 Os baptismos de
todas as 5 annexas e das 2 freguezias Orien-
tal e Occidental são todos feilos em uma pia
única na Sé de Viseu? I . . .
Também só os dois parochos da Sé po-
dem assistir e assistem aos casamentos das
ô annexas e teem para elles livros de regis-
tro parochial, bem como para os Baptismos.
Nas annexas apenas ha livros d'obitos
desde 1857.
Em todo o nosso paiz não ha dispauterio
semelhante e ha muito devia ler acabado tão
anómalo estado de cousas.
Fique a cidade de Viseu constituindo as
2 parochias Oriental e Occidental, mas de-
crete-se a independência e autonomia com-
pletas, tanto na parte civil, como judicial,
administrativa e ecclesiastica, para as men.
cionadas S annexas, mesmo porque só as-
sim poderão viver com decência os pobres
curas, que hoje apenas teem de côngrua e
vencimento total 100^000 réis, deduzindo
ainda 4^000 réis para o cobrador 1— Ven-
cera menos do que um mestre-escola, pois
nada recebem do pé d'altar, o que é duro,
duríssimo, levultante, insupportavel !
Todos clamam, e gritam una voce e cotn
rasão ! . . .
As dietas annexas foram criadas em 1808
pelo santo prelado D. Francisco Monteiro
Pereira d'Azevedo, porque até então o sa-
grado Viatico lhes era levado da Sé ou das
capellas de S. Miguel do Fetal e de S. Mar-
tinho, í o que em rasão da distancia — 4 a 6
kilometros para os pontos extremos, — tinha
graves inconvenientes. Foi muito louvável
a resolução d'aquellB bispo, dando-lhes cu-
ras próprios, que elle subsidiava, como di-
remos quando fallarmos d'aquelle santo pre-
lado, mas desde então até hoje augmentou
consideravelmente o preço das subsistências,
— a população da cidade — e a das dietas an-
nexas. Augmentem se pois lambem os ven-
cimentos dos pobres curas — ou dé-se áquel-
les povos a desejada autonomia, mesmo por-
que, tendo elles na localidade egrejas e pa-
ruchos próprios, como leem ha muito, é uma
barbaridade obrigal os a irem a Viseu e a
transporem por vezes 4 a G kilometos para
se receberem e para baptisarem os seus fi-
lhos, perdendo tempo precioso eexpondo-se
aos raios do sol no verão, e aos vendavaes
no inverno — sem necessidade alguma I
Chamamos para este ponto
a aitenção do governo e dos
prelados visienses.
Note-se lambem que os parochos das 5
annexas e os dois parochos da Sé são todos
curas amoviveis. ISenhura d'elles é nem nun-
ca foi collado ? ! . . .
Em lodos 08 nossos cabidos ha como em
Viseu cónegos e meios cónegos, mas só no
1 Estas 2 capellas extra-muros eram con*
sideradas matrizes dos povos que depois
constituíram as S annexas
1530 VIS
VIS
aro. e na cidade de Viseu ha curas e meios-
curas I
Ainda as annexas
Não se imagine que as S parochias deno-
minadas annexas e que formam o aro e par-
te integrante da cidade de Viseu, ?ão povoa-
ções pequenas, insignificantes, pobres e sem
recursos para snsteotarem a sua autonomia.
Pelo contrario são mais populosas, mais ri-
cas 6 mais importantes do que a maior
parte das freguezias ruraes do nosso paiz,
como vamos provar, ampliando um pouco o
que já se disse de cada uma d'ellas nos ar-
tigos próprios.
Freguezia Occidental (I) da Sé de Viseu
1.* annexa
Rio de Loba ^
Nem a Chorogrnpina Portngueza nem o
Portugal S. e Profano mencionam esta fre-
guezia, porque foi, como já dissemos, criada
em 4808, emquanto que o padre Carvalho
escreveu a sua chorographia em 1706 a 1712
e Paulo Dias de Nisa escreveu o Port. S. e
Prof. em 1757 a 1768.
O mesmo succede e fica dito desde já com
relação ás outras 4 annexas.
E um dos 3 curatos da freguezia Occiden-
tal da Sé de Viseu, da qual a matriz de Bio
de Loba dista 2 e meio kilometros para N.
E., mas fera pontos distantes de Viseu 5 a
6 kilometros e talvez mais !
Em 1834, segundo se lê na Memoria offe- i
recida á camará de Viseu em 1838 por Be-
rardo, então ainda leigo e administrador
d'este concelho, esta parochia de Rio de Lo-
ba contava 237 fogos e 1:293 habitan-
tes (?!...) sendo 609 do sexo masculino —
e 684 do sexo feminino, — celibatários 746,
— casados 4S4, — viúvos 93. No mesmo anno
de 1834 nasceram n'esta freguezia 15 crean-
ças do sexo masculino e 16 do sexo femini-
no— e morreram 9 homens, 9 mulheres e 13
creanças.
1 V. tomo VIII pag. 194, col. 1.*
Em 1838, segundo se lê na dieta Memoria,
contava esta freguezia 318 fogos ! . . .
O Flaviense em 1852 deu-lhe 375 fogos;
—o censo de 1864 deu-lhe 423 fogos e 1:814
habitantes;— o de 1878 deu-lhe 160 fogos e
1:963 habitantes — e hoje (1887) segundo as
informações do seu rev. cura próprio, conta
492 fogos e 2:150 habitantes.
Orago~S. Simão.
Comprehende as aldeias seguintes: — Rio
de Loba, sede da parochia. — Barbeita, Povoa
de Sobrinhos. Gumirães. Travassos de Cima,
Travassos de Baixo, i— 3 quintas em S. João
da Carreira e 4 no Viso.
Parochias limitrophes:— Mondão a N.; —
Fragosella a E.:— Ranhados a S.;— Abrave-
ses e a Oriental da Sê de Viseu a 0.
Passam ao poente d'esta freguezia, cami-
nhando de sul a norte, a estrada districtal a
macadam, n.° 40, de Viseu a Aguiar da Bei-
ra,— e ao sul a estrada real n." 43, de Viseu
a Mangualde e Celorico.
Templos
1. °—A egreja matriz, muito acanhada.
2. °— Capplla de Nossa Senhora da Espe-
rança, na Povoa de Sobrinhos.
3 ° — Capella de Santo Antonio, em Bar-
beita.
4.°— Capella de S. Martinho, em Travas-
sos de Cima,
5 "—Capella de S. João e
6.»— Capella do Senhor dos Afflicfos,~em
Gumirães.
As 3 primeiras capellas são publicas;— as
ultimas 2 são particulares, perteneentes aos
herdeiros de Miguel Pinto, de Lourosa — e
todas estão bem tractadas.
Todos os annos vae de Vil de Moinhos, al-
deia da freguezia de S. Salvador, á dieta Ca-
pella de S. João, no dia do seu orago, uma
1 Note-se que estas duas ultimas aldeias
e as 3 quintas de S. João pprtencem a esta
parochia na parte civil, judicial e adminis-
trativa, mas ecdesi^sticamentp perteniíem,
como devera pertencer e«ta freguezia toda,
á freguezia Oriental da Só de Viseu.
VIS
VIS 1531
interessantíssima cavalhada, de que faremos
menção no tópico relativo á freguezia de S.
Salvador.
Producções dominantes: — vinho verde,
millio, centeio, trigo, batatas, feijões, cevada
e azeite.
Tem uma escola oíBcial TOíícío, de instruc- |
ção primaria para os dois sexos — e 2 cerai- |
terios paroehiaes:— umem Barbeita,— outro j
junto da matriz. i
Clima saudável e temperado. 1
É seu cura actual o rev. sr. Joaquim Ho- i
mera de Paiva Cardoso, a quera agradeço }
estes apontamentos, bem como ao sr. dr. Ni- j
colau Pereira de Mendonça, que se dignou
sollicilal-08 e enviar-m'os. i
I
Freguezia Occidental (!) da Sé de Viseu j
I
2.' annexa
Ranhados ^
A matriz d'esta parochia dista de Viseu
2 e meio kilometros para E. S. E. Está pois
do lado oriental, mas pertence à freguezia
Occidental e ao concelho, comarca, distri-
cto e diocese de Viseu.
Esta povoação de Ranhados foi muito pri-
vilegiada, pois era villa e séde de concelho,
pertencentes á ordem de Malta, mas suppo-
mos que nunca foi freguezia.
Não se estranhe a supposi-
ção, porque este ponto è obs-
curo e porque tivemos muitas
villas e sedes de concelhos sem
serem parochias, mas simples
aldeias.
V. Vicente de Pereira (S.) to-
mo X, pag. 562, col. 1.» e segg.
Em 1708, segundo se lê na Chorographia
Portugueza, era matriz d'estâ villa de Ra-
nhados a egreja de Nossa Senhora da Graça
de Fragosellas, o que nos custa a crer, por-
que Fiagoíeilas não pertencia ao concelho
de Ranhados e dista de Ranhados cerca de
10 kilometros para N. E. Mais natural era
pois que pertencesse a uma das freguezias
de Viseu, estando em contacto com ellas e
pertencendo a ellas todos os povos circuin-
visinhos de Ranhados, que constiiuiam e
constituem o aro de Viseu.
Desde 1808 é Ranhados uma das 3 anne-
xas da freguezia Occidental de Viseu— e an-
teriormente foi uma das muitas povoações
do aro, que tiveram por matrizes, como já
dissemos, as eapellas de S. Martinho e S. Mi-
guel do Fetal, extra-m.itros de Viseu, pelo
que, mesmo depois da criação das annexas,
os nubpntes de Ranhados eram obrigados a
ler banhos nas mencionadas eapellas e ali se
proclamaram até 18S7, approximadamente.
Foi o bispo D. .José .Joaquim d'Azevedo e
Moura quem poz termo a tal usança.
Esta parochia tem hoje como orago iVossa
Senhora da Ouvida, e o seu paroeho a si pró-
prio se denomina meio cura, por ser cura do
cura da fresupzia Occidental de Viseu e ter
a sen cargo a cura d'almas, desobriga, missa
conventual e registro dos óbitos, pertencen-
do ao cura da Sé a celebração e registro dos
casamentos e Baptismos e todos os proven-
tos do pé d'altar, como succede nas outras
annexas.
O Padre Carvalho em 1708 mencionou o
concelho, mas não a freguezia ãp Ranhados,
porque ao tempo ainda não existia. Também
por igual motivo não a mencionou o Portu-
gal S e Profano.
Em 1834, segundo se lé na Memoria que
Berardo nfTereceu á camará, esta freguezia
contava 71 (I) fogos e 441 habitantes i.
Em 1838, segundo se lé na citada Memo-
ria, contava 215 fogos.
O Flaviense em 1852 deu-lhe 231 fogos;
— o censo de 1864 deu-lhe 265 fogos e 1:064
habitantes;— o de 1878 deu-lhe 290 fogos e
1:192 habitantes— e hoje conta 310 fogos e
1:286 habitantes.
Comprehende as aldeias seguintes:— fía-
1 Aqui ha talvez erro de copia. Suppomos
1 V. tomo VIII pag. 46, coi. 2.» e segg. \ que Berardo diria 171 fogos.
1532 VIS
ViS
nhados, eéde da parochia,— Lagea, Alagôa,
Carvalhal, CabanÕes de Cima, Repeses e
muitas quintas, sendo as principaes:— Ju-
gueiros, Pedras Alçadas, S. Caetano, Santa
Eugenia, Santa Eufemia, Santa Lusia, Lava-
Mãos, Ariais e Viso.
Parochias limilrophes;— S. João de Lou-
rosa, Villa Chã de Sá, Fragosellas, Rio de
Loba e S. Salvador.
Templos
A egreja parochial da Senhora da Ouvida
e as capellas seguintes :
Santa Eulália.
2. » — Santa Eufemia, ambas publicas.
3. " — Santa Luzia.
L*— Senhora a Prenhe.
O nome que o povo dá de tempos imme-
moriaes à Senhora, invocação d'e8la capella
é Senhora a Prenhe, cuja imagem eslá hoje
na matriz e representa a Senhora no estado
de gravidez I Creio já estar profanada esta
capella, que pertence com a quinta junta aos
morgados de Santa Christina de Viseu, de
quem se falia adiante.
Não mencionamos mais duas, porque já
estão profanadas.
Na capella de Santa Eufemia ha todos Og
annos festa e grande romagem, que dura
dois dias.
Na de Santa Eulália o povo festeja não
só a padroeira, mas lambem S. Domingos e
Santo Antonio.
Na matriz, alem da padroeira, costumam
festejar S. João, S. Sebastião, Santo Antonio,
Santa Barbara e Santa Eufemia, sendo esta
ultima festividade a mais pomposa, por ser
feita á compita com os devotos que festejam
a mesma santa na sua capellinha, mencio-
nada supra.
No artigo Ranhados (Vide) contou o meu
benemérito antecessor a historia da dieta
capella e das laes rivalidades, extraetando o
que se lê no Santuário Marianno, tomo 5."
pag. S28 a 532, pelo que nós apenas accres-
centaremos o seguinte :
A 1.» invocação da dieta capella foi Nossa
Senhora da Orada, porque a sua padroeira
era a Virgem sob este titulo; depois tomou
suecessivamente os de Senhora do Rosario,
— Senhora das Neves—e por ultimo o de
Senhora da Ouvida, sob o qual é venerada
na egreja que lhe erigiram em Ranhados e
que é hoje a matriz.
Feito o novo templo em 1656, para elle no
mesmo anno irans^feriram da dieta capella
a imagem da Virgem e todas as outras que
ali se veneravam e eram — as de S. Francis-
co, Santo Antonio, S. Sebastião e Santa Eu-
femia, ficando a dieta capella fechada e de-
voluta.
Vendo isto os cónegos de Viseu e lendo
no ehustro da Sé duas imagens de Santa
Eufemia, levaram a oceultas e de noite (di-
zem) uma d'aquella8 imagens para a dieta
capella e foram no dia seguinte conduzil-a
em procissão para a Só. O mesmo repetiram
varias vezes, pelo que o povo se convenceu
de que Santa Eufemia fugia para a capella,
porque queria ser n'ella venerada.
Explosiu a devoção; não mais consenti-
ram que a imagem volvesse para a Sé— e
todos os annos lhe fazem festa pomposa com
romagem de dois diase extraordinária con-
corrência.
Por seu turno o parocho e os habitantes
de Ranhados capricham em festejar pompo-
samente também a imagem da mesma santa
que foi da capella para a matriz; mas até
hoje tem sido e continua a ser muito maior
a concorrência dos devotos á festividade e
romagem da capella.
O extincto concelho
Em 1708 o concelho de Ranhados conta-
va 176 fogos e 530 habitantes,—! juiz ordi-
nário, vereadores, 1 procurador do conce-
lho, 1 escrivão da camará e mais alguns ou-
tros ofíiciaes com jurisdicção no eivei, por-
que o pelouro criminal pertencia ao juiz de
fóra de Viseu.
Em 1836, data da sua extincção, i com-
1 O decreto de 6 de novembro de 1836
remodelou o concelho de Viseu e extinguiu
este de Ranhados e o do Barreiro, de que
logo fallaremos.
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VIS 153a
prehendia 277 fogos e i:018 habitantes, di-
vididos pelas povoações seguintes :
— Ranhados, villa e séde do oxtincto con-
celho, com H8 fogos e 419 habitantes.
Já então pertencia ecclesiasticanoente à
(regueria Occidental de Viseu.
— Paradinha com 59 fogos e 133 habitan-
tes, hoje da freguezia ecciesiastica de S. Sal-
vador.
Também pertencia ecclesiasticamente à
freguezia Occidental de Viseu.
—Lourosa de Baixo com 42 fogos e 177
habitantes.
Pertencia ecclesiasticamente à freguezia
de Lourosa, concelho de Viseu.
—Villar d'Orgem com 48 fogos e 225 ha-
bitantes.
Pertencia ecclesiasticamente à freguezia de
Povolide, então concelho próprio e hoje sim-
ples freguezia do concelho de Viseu tam-
bém.
— Remende com 6 fogos e 42 (!) habitan-
tes.
Pertencia ecclesiasticamente á freguezia
de Santos Evos, concelho de Viseu.
— Finalmente 4 easaes em Paço de Sil-
gueiros, com 4 fogos e 20 habitantes, per-
tencentes ecclesiasticamente á freguezia de
Silgueiros, concelho de Viseu também.
Nada tinha em Fragosellas.
É isto o que se lê na Memoria que Berar-
do offereceu à camará municipal de Viseu
em 1838 com outras multas noticias da ci-
dade, do concelho e do bispado de Viseu,
quasi todas extrahidas, como elle próprio
indica, das suas Noticias históricas de Viseu,
que deixou mss. e que posteriormente fo-
ram publicadas no Liberal, jornal de Viseu,
desde o n." 1 de 6 de maio de 1857, 1.» an-
no da publicação do dicto jornal, até o n.»
15 de 24 de junho do mesmo anno,— coUec-
ção hoje raríssima e que havemos de citar
muitas vezes, porque a temos sobre a nossa
banca de estudo,— graças ao ex."" sr. D.
Ruy Lopes, digno representante da nobilís-
sima casa de Santar, concelho de Nellas.
V. Santar.
As produeções dominantes d'esta fregue-'
zia de Ranhados são : — vmho, milho, trigo,
VOLUME XI
centeio, cevada, hervagens, hortaliça e fru-
cta.
Não tem fabricas, mas abundam n*ella
carpinteiros, fogueteiros e mulheres que
fiam e vendem linhas.
É banhada por um ribeiro denominado de
S. Domingos— e é servida por duas bellas
estradas a macadam:— a real, n." 43, de Vi-
seu a Mangualde e Celorico,— e a districtai,
n." 44, de Viseu a Nellas.
Ha também n'esta freguezia um cemitério
parochial, junto da matriz, — duas escolas of-
flciaes d'in8trucção primaria para os dois
sexos— e uma particular para meninas.
É seu cura -parocho desde 1855 (ha 32 an-
nos 1 . . .) o rev. sr. Bernardino Pais do Ama-
ral, a quem agradeço a maior parte d'estes
apontamentos, bem como ao sr. dr. Nicolau
Pereira de Mendonça, que se dignou soUi-
eital-os e enviar-m'os.
Terminaremos dizendo que do extincto
concelho e villa de Ranhados ainda hoje se
vô na povoação d'este nome— o pelourinho e
a casa da camará, servindo esta hoje de casa
da fabrica da matriz.
Já não existe a cadeia.
Freguezia Occidental da Sé de Viseu
5.* annexa
S. Salvador i
Demora esta freguezia a S. O. da cidade
de Viseu, da qual dista 2 e meio kilometros
a sua egreja matriz;— é parte integrante ou
uma das annexas da freguezia Occidental
desde 1808— e anteriormente foi como to-
das as outras annexas uma simples capella-
nia adjunta à cúria da Sé.
Pertence ao concelho de Viseu desde 6 de
novembro de 1836, daia em que foi remo-
delado este concelho e extincto o do Barrei-
ro, ao qual pertencia e que tinha por séde
a povoação de Vil de Moinhos, aldeia d'esta
parochia, — segundo diz Berardo na Memo-
1 V. Salvador, tomo VIII, pag. 359, col.
2.»— e o Santuário Marianno, tomo 5.', pa-
gina 317.
97
1534 VIS
VIS
ria que offereceu á camará em 1838. Elie
não é bem explicito n'este ponto, pois no
inappa do concelho do Barreiro, mencio-
nando todas as povoações que o conslituiam
apenas mencionou 3 d'e8ta parochia e foram
as seguintes :
—Povoa da Medronhosa, com 21 fogos e
83 habitantes;
— S. Salvador, com 59 fogos e 209 habi-
tantes, e
—Vil de Moinhos, com 291 habitantes em
90 fogos.
Total— 170 fogos e 583 habitantes, mas no
mappa da população do bispado de Viseu dá
na mesma Memoria a esta freguezia de S.
Salvador 238 fogos I D'aqui se infere que o
exlinclo concelho do Barreiro não a compre
hendia toda; mas em compensação n'aquella
data (1836) -alem das 3 povoações mencio-
nada!) comprehendia as seguintes :
— Paradella da Ponte, povoação da fre-
guezia e concelho de S. Miguel do Outeiro.
Fogos 91,— habitantes 411.
— Silvares, povoação da freguezia de Sil-
gueiros, concelho de Viseu.
Fogos 28,— habitantes 120.
—Aguadette, povoação da freguezia da
Torre Deita, concelho de Viseu também.
Fogos 16,— habitantes 58.
— Villa Nova, freguezia do Couto de Bai-
xo, então concelho do mesmo nome e hoje
concelho de Viseu.
Fogos 24,— habitantes 107.
— Portella, povoação da mesma freguezia
do Couto de Baixo.
Fogos 24,— habitantes 63.
— S. Cosmado, povoação da freguezia do
Coxrío de Cima, então concelho do mesmo
nome e hoje também concelho de Viseu.
Fogos 41,— habitantes 105.
—Masgallos, povoação da mesma fregue-
zia do Couto de Cima.
Fogos 54,— habitantes 141.
— Guduxo, povoação da mesma fregue-
zia.
Fogos 3, -habitantes 11.
—Perodiz, povoação da freguezia de S.
Cypriano, concelho de Viseu.
■ Fogos 10,— habitantes 41.
— Chãos, aldeia da mesma freguezia de
S. Cypriano.
Fogos 26,— habitantes 110.
— Tondella, povoação da freguezia d'Or- .
gens, annexa da Oriental de Viseu. *
Fogos 35,— habitantes 105.
Total do extinclo concelho do Barreiro :
Povoações 2 , 44
Fogos 490
Habitantes 1:755
Este concelho do Barreiro e o de Ranha-
dos seu viâinho e também já extiocto, como
dissemos quando fallámos d'aquella fregue-
zia, eram dois concelhos muito exóticos !
Tendo as «édes encostadas aos muros de
Viseu, comprehendiam povoações dispersas
e algumas distantes umas das outras 12 ki-
lometros, — todas simples aldeias, pertencen-
tes a diversas freguezías e diversos conce-
lhos e coutos l Nenhuma das dietas povoa-
ções era parochia, nem mesmo as próprias
sédes dos dois concelhos^ sendo aliás villas,
ambas por seu turno encravadas no conce-
lho de Viseu ? ! . . .
Não sabemos explicar tão monstruosa or-
ganisação— e nem Berardo nas suas Memo-
1 A freguezia ã'Orgens é, como logo dire-
mos, uma das annexas da freguezia" Orien-
tal, mas tem 3 povoações anoexas á fregue-
zia Occidental. São Casal do Chapéu, Ton-
detinha e a mencionada Tondella.
2 O concelho de Barreiro devia contar 15
povoações, pois falta na Memoria de Berardo
uma povoação imporiante. Oliveira de Bar-
reiro, que terá talvez hoje 100 fogos ou mais
e fica a 7 kilometros de Vist-u, sendo atra-
vessada pela estrada districtal que liga Vi-
seu a Nellas e Geia, a qual é da freguezia de
S João de Lourosa (ou Lourosa da Telha) e
de que se não fez menção n'este diecionario
em Oliveira, Lourosa, ou Barreiro, cujo con-
celho escapou também ao meu antecessor. A
freguezia Barreiro, mencionada no tomo I,
pag. 340, ainda que tem o mesmo orago.
Nossa Senhora da Natividade, que lhe deu a
Chor. Port. tomo 2." pag. i87, não parece
ser a cabeça d'esie concelho, que estava a
uma légua de Viseu, e a outra está a 5 ou 6,
no alto da serra de Besteiros.
VIS
VIS 1535
nas, nem Botelho nos seus Diálogos a pode-
ram explicar também. *
O padre Carvalho, em 1708, fallando do
concelho do Barreiro, apenas diz o seguinte:
t . . .dista hua legoa de Vizeu para a pane
do sul, tem 200 visinhos, pessoas maiores
600, menores 100, cõ huã Igreja Paroehial
dedicada a Nossa Senhora da Natividade,
curado que apresenta o vigário de S. Salva-
dor de Casteilãos—e 4 ermidas. . . Tem juiz
que tãbem o he dós Órfãos, Vereadores, Pro-
curador do Concelho, Escrivão da Camara,
hum Tabellião, hum Alcayde, e huã compa-
nhia da Ordenança. Foy senhor d'esie con-
1 Era vulgar antigamente as villas dos do-
natários da coroa, que nomeavam ouvidores
para fazerem a correição d'ella8, estarem en-
cravadas em comarcas da coroa, do que ha-
via muitos exemplos nas casas das Bainhas,
de Bragança, do Infantado e d'outros do-
natários. Por egual motivo muitos donatá-
rios, senhores de terras alé insignifleanles e
que nem freguezias eram, pediram aos reis
e conseguiram que essas terras, apesar de
encravadas em outros concelhos e diíTeren-
tes freguezias. ficassem sujeitas para a go
vernança d'ellas a um concelho próximo, que
já possuíam por doação regia. Assim os
Cunhas, antigos senhores de Santar e dos
concelhos de Senhorim, Barreiro, Ovoa e Ca-
nas de Sabugosa, sujeitaram ao seu concelho
do Barreiro povoações encravadas n'outras
freguezias e concelhos. E como os bens d'esta
casa foram confiscados pela fugida de D.
Lopo da Cunha, senhor de Santar, para a
Hespanha, no tempo da acclamação, é por
isso que o padre Carvalho na Chor. Port.
tomo 2 " pag. 187 e alibi diz que estes bens
estavam na represália e eram administrados
pela Junta dos tres Estados, assim como os
da Casa de Villa Real (Vide vol. 11. pag. 996)
que também estavam confiscados, foram ap-
plicados para com outros formarem a Casa
do Infantado, mas os bens patrimoniaes
e morgados da Casa de Santar em 1669,
quando se fez a paz cora Hespanha, foram
restituídos aos descendentes de D. Lopo da
Cunha, que ficaram em Hespanha e os pos-
suiram até voltarem para os seus parentes
de Portugal por falta de successão, já n'e8te
século, indo para a casa do Infantado só os
bens da coroa e ordens, senhorios de terras
e padroados de egrejas, excepto o concelho
de Canas de Sabugosa, que foi para a mitra
de Viseu, á qual em antigos tempos perten-
cera.
celho D. Lopo da Cunha, senhor da casa de
Santar, e se administra pela Junta dos tres
Estados.!
Não se estranhe o fallarmos do concelho
de Barreiro, porque tinha a sua séde n'e3ta
freguezia de S. Salvador.
Prosigamos.
Em 1852, segundo se lê no Flaviense, con-
tava esta freguezia 284 fogos;— o censo de
1864 deu-lhe 338 fogos e 1:403 habitantes;
—o de 1878 dtu-lhe 334 fogos e 1:448 ha-
bitantes,—e hoje conta 370 fogos e 1:600
habitantes.
O seu parocho é oura ou meio-cura amo»
vivei, como todos os das outras annexas do
aro de Viseu— e tem de vencimento total
apenas lOOÍíOOO réis de côngrua, porque os
baptisadoh e casamentos são feitos na ma-
triz (Sé) da freguezia Occidental de Viseu.
Para evitarmos repetições veja-se o que
dissemos das freguezias de Ranhados e Rio
de Loba, congéneres d'esta de S. Salvador.
Orago Nossa Senhora das Neves.
Comprehende as aldeias seguintes :
— S. Salvador, ao pé da qual, na distan-
cia de 200 metros, se vê isolada a egreja
matriz, estando aliás no centro da parochia.
— Vil de Moinhos. É assim geralmente de-
nominada esta aldeia, mas Berardo deu-lhe
o nome de Villa de Moinhos, dando a enten-
der que foi Villa como nós suppomos.
É a povoação mais populosa d'esla fregue-
zia e dista da egreja paroehial cerca de 1 ki-
lometro para N. E.
Foi, como já dissemos, a séde do antiquís-
simo concelho do Barreiro.
—Marzovellos, ao nascente da egreja pa-
roehial.
— Paradinha, a N.
—Povoa da Medronhosa, ao poente.
— Santarinho, a N. 0.
Quintas
São 6 as mais notáveis:
S. Salvador.
Demora entre a egreja matriz e a povoa-
ção de Vil de Moinhos— e pertence ao nosso
bom amigo e eyreneu, o sr. dr. Nicolau Pe-
1536 VIS
VIS
relra de Mendonça Falcão, hoje D'eIIa resi-
dente, tendo residido muitos anno; na sua
casa de Fareginlias, em Castro d'Ayre.
V. Paredes da Beira, Pinhanços e Villa
Nova d Ourem n'este diccionario— e os tó-
picos Quintas notáveis e Famílias nobres
n'este artigo Viseu.
%' — Marzovellos, na povoação d'esle no-
me.
Pertence aos condes de Prime, que ali
costumam passar algum tempo no verão.
3. » — Paradinha, junto da povoação d'e8te
nome.
Pertenceu á nobilíssima e riquíssima fa-
mília Albuquerques da casa do Arco, de Vi-
seu, mas foi vendida e hoje pertence a es-
tranhos, como toda aquella grande casal...
Veja-se o tópico — Famílias nobres.
4. » — Medronhosa junto da aldeia da Povoa
de Medronhosa.
Pertence ao muito digno sub chefe e
tenente coronel do estado maior d'e8ta di-
visão—Miguel de Sousa de Figueiredo, ir-
mão do coronel d'engenheiros, actual dire-
ctor das obras publicas d'e8te districto, — An-
tonio Cazlmiro de Figueiredo, cuja biogra-
phia daremos adiante. *
5. » — Vildemoinhos, juoto da povoação
d*este nome.
Pertence aos herdeiros do conde de Santa
Eulália, ha pouco falleeido,— e está em gran-
de abandono. Tem a casa d'habitação arrui-
nada e uma capella antiquíssima profanada
ha muitos annos.
Q.'— Quinta do Moura, entre Marzovellos
e a matriz.
Pertence aos herdeiros de José Barroco,
negociante da praça do Porto, onde rezidia,
e falleceu ha annos.
* Esta quinta da Medronhosa pertenceu a
Duarte de Lemos de Carvalho e Sousa, mo-
ço fidalgo e ramo legitimo por varonia da
Casa da Trofa, filho 2.» da casa dos Lemos,
da Quinta dn Ribeiro, concelho de Caria. Não
tendo successão vendeu a a um lavrador
d'esia freguezia e, para pagamento de divi-
das dVste, foi posta em praça e arrematada
em 1886 pelo dicio sr. Miguel de Sousa de
Fijsueiredo, que n'ella tem feito e continua
a fazer muitas obras.
Freguezias limitrophes:— a E. e N. E. as
'^—Oriental e Occidental de Viseu— e a de
Ranhados;— & O. a de S. Cypriano—Q a N.
O. a de Orgens.
ProdueçÕes dominantes:— milho e vinho,
muita fructa, muila hervae muita hortaliça,
que vendem na praça de Viseu.
O clima é bastante quente no verão, mas
saudável.
Teve esta parochia uma fabrica de coriu-
mes, mas já não existe.
Hoje a sua industria reduz se á lavoura
dos seus campos,— moagem de pão— e fa-
brico de cestos, nomeadamente cestos de
corra. ^
Tem lameiras e campos magnifleos, pois
é abuodantissima d'agua potável e de rega.
Banham-na differentes arroios e o Pavia, que
só na quinta de S. Salvador, atravessada por
elle, tem 4 grandes açudes e em toda a fre-
guezia move muitas rodas de moinhos, prin-
cipalmente na grande povoação de Villa ou
Vil de Moinhos, qu.isi toda habitada por mo-
leiros. Em 1838 contava esta freguezia 23
moinhos de pão com a bagatella de 41 ro-
das, segundo diz Berardo, e hoje não conta
menos. É pois n'esta freguezia muito impor-
tante a industria da moagem.
Também é importante e notável a indus-
tria do fabrico de cestos de corra, principal-
mente na aldeia de Vil de Moinhos, onde se
exerce em maior escala e com grande per-
feição t
Aquelles artistas, no seu género, são talvez
os primeiros de Portugal I . . .
Os taes cestos são feitos de verga de cas-
tanheiro rachada, fendida e tão esmerada-
mente polida que chega a imitar fitas de se-
da branca. É isto o que se denomina corra.
Os cestos feitos com ella ficam lindíssi-
mos e por vezes tão compactos que podem
encher-se d'agua, como se fossem de louça
ou de uma só peça de madeira. São muito
estimados em Viseu e fóra de Viseu, mesmo
no Porto e em Lisboa^ para onde os enviam
em quantidade. ,
1 O nome podia ser mais decente, mas não
tem outro a tal industria.
VIS
VIS 1537
Também fazem cestos e canastras mais
singellos, de eôrra mais grossa ou ver-
gas de castanho, salgueiro, ou mesmo carva-
lho, simplesmente fendidas a meio, mas es-
tes são denominados cestos de verga. Só os
que são feitos com as laes filas muito del-
gadas se denominam obra de corra oxx cestos
decorra e constituem uma éspecialidade dis-
tÍDCta.
Templos
A egreja matriz de Nossa Senhora
das iVeres,— templo regular, decente, vistoso
e com um bonito adro. Principiou por uma
simples Capella de S. Salvador, cuja historia
é interessante e pôde vêr-sn do Santuário
Marianno, tomo 5.» pag. 317, e n'este dic-
cionario, artigo Salvador.
2.°— Capella de S. João Baptista, na gran-
de povoação de Vil de Moinhos.
É publica e tem ura adro espaçoso, poni:
posa festa, grande romagem e apparatosa
cavalhada desde tempo muito remoto.
Adiante daremos uma succinta descripção
das taes festas, que teem um timbre parti-
cular.
3.0— Capella de Nossa Senhora da Concei-
ção de Lourdes, na grande, quinta de S. Sal-
vador e juoto das casas nobres d'ella, pep-
tencentp, como jà dissemos, ao sr. dr. Ni-
colau Pereira de Mendonça Falcão.
A dieta Capella é particular e brasonada e
hoje está lindíssima, porque o sr. dr. Nico-
lau e sua ex ™» esposa são multo religiosos
e a decoraram e restauraram a capricho.
N'ella leem Santíssimo permanente e S.
Santidade Leão XIII, por breve de 17 de
agosto de 1886, lhe concedeu a prerogativa
de 4 jubileus annuaes nos dias de S. José,
Assumpção, Natividade e Conceição de Nossa
Senhora,- todos com muitas indulgências;
e por outro breve do mesmo dia privilegiou
in perpetuum o altar de Nossa Senhora da
Conceição de Lourdes, com muitas indul-
gências.
O rio Pavia atravessa esta quinta e a fer-
tiliza por 4 levadas, levando-lhes os enchur-
ros das ruas de Viseu, pelo que é no» seus
lameiros extraordinária a producção da erva
joia desde o primeiro d'outubro ao fim de
maio, chegando ali algumas sortes a pro-
duzirem 7 camas d'erva, porem hoje, de-
pois que a camará de Vizeu faz varrer re-
gularmente as ruas, tem diminuído muito a
producção da erva. O rio Pavia tem 3 pon-
tes dentro d'esta quinta, 2 de pedra e uma
de pau.
4. »— Capella de Nossa Senhora da Saud ,
junto à casa da quinta de Paradinha.
É também particular; tem todos os annos
festa e romaria— e está bem conservada.
5. »— Capella de Nossa Senhora dos Mila-
gres, na quinta da Medronhosa.
Está em via de restauração.
6. °— Capella de Santo Antonio, na quinta
de Marzovellos.
7.o_Capella de Nossa Senhora da Concei-
ção, entre Marzovellos e a egreja parochial
na quinta do Moura.
Todas são particulares e estão bem tra-
ctadas.
8 o— Capella de S. João Baptista, na quinta
de Vil de Moinhos, que foi do conde de Santa
Eulália.
Era também particular,— uma das mais
interessantes d'esta parochia, — vinculada»
antiquíssima e com portas d'arco em ogiva,
mas infelizmente está profanada e em com-
pleto abandono ha mais de um século, e a
imagem do padroeiro foi para a capella pu-
blica de Vil de Moinhos, onde tem o nome
de S. João Velho.
Festividades religiosas
Celebram se muitas n'esta freguezia, taes
são as de Nossa Senhora das Neves (padro-
eira)—SS.»" Sacramento, Santo Antonio,
Santa Barbara, S. Sebastião, Santa Rita e
outras, na egreja parochial; a de Nossa Se-
nhora da Saúde em Paradinha e a de S. Joãa
Baptista na sua capella de Vil de Moinhos,
sendo esta ultima a mais pomposa e mais
notável de todas pela extraordinária concor-
rência de romeiros e devotos e pela exqui-
sitiee da imponente cavalhada.
Logo na tarde do dia 23 de junho concorre
muito povo de Viseu e pontos mais distan-
' les, que enche litteralmente o grande ter-
1538 VIS
VIS
reiro da eapellinha, onde se queima bastante
fogo preso e solto e se forma um grande ar-
raial eom muitos descantes e danças eara-
cteristieas, tocando lambem varias phiiar-
monicas, etc.
Todo aquelle immenso povo ali passa a
noite era folguedo e no dia seguinte, ao nas-
cer do sol, rompe e se organisa a histórica e
legendaria cavalhada.
Na frente vae o mordomo da funcçào, que
é quasi sempre um moleiro, montado em um
soberbo cavallo e vestido de casaca preta e
chapéu armado coro plumas, levando de um
lado o seu Alferes da Bandeira cora o pen-
dão do Baptista— 6 do outro dois membros
da mesa da irmandade de S. João, todos 4
com os rostos descobertos e montados em
bons ginetes. Segue-se depois a cavalhada,
por vezes em numero de 100 cavalleiros, to-
dos mascarados e vestidos do modo mais ca-
priehoso e exótico, parodiando os trages de
todas as epoehas?!. . .
Depois de formada e reunida a grande ca-
valhada, segue para Viseu, onde entra pelo
terreiro de Santo Antonio, hoje Passeio de
D. Fernando;— à^SiU vão pela rua Formosa,
rua da Regueira, Arco das Freiras, Poria dos
Cavalleiros e rua da Ribeira até á eapelli-
nha de S. João da Carreira, a 300 metros de
Viseu approximadamente. Sem se apearem
dão 3 voltas à dieta capella e contramar-
cham, sfguindo outra vez pela rua da Ribei-
ra, Porta dos Cavalleiros e rua Direita;—
sobera depois pela rua da Cadeia até k Pra-
ça Velha, hoje Praça de Oimões;—áW\ vão
á Praça da herva e pelo Arco do Suar des-
cem outra vez ao Rocio ou Campo de Santo
Antonio {Passeio de D. Fernando) e— sem-
pre cobertos d'applausos por immenso povo
que de todos os lados corre em montão para
08 ver, — regressam a Vil de Moinhos, onde
são recebidos em triumpho pela multidão
que forma o grande arraial.
Chega a cavalhada a Vil de Moinhos pe-
las 8 horas da manhã; —em seguida vae á
matriz d'esta freguezia, e depois de dar uma
volta á egreja, vae á povoação de S. Salva-
dor correr as ruas da terra, recolhendo ou-
tra vez a Vil de Moinhos; dão tres voltas à
«apella de S. João Baptista e por fira todos
os cavalleiros sem se apearem são brinda-
dos com muito doce e vinho à custa dos
! mordomos.
Segue- se depois a parle religiosa da festa,
— missa cantada a grande instrumental, ser-
mão, etc.,— continuando as danças e folgue-
dos até que ao declinar do dia aquelfa im-
mensa mole de povo debanda com saudades,
protestando todos não faltarem no anno se-
guinte.
A dieta cavalhada hoje é unira em toda
esta província e em todo o nosso paiz tal-
vez. Deixa a perder de vista qualquer das
scenas mais espectaeulosas das festas de S.
João em Braga— e a velha e luzida eaval-
gata da camará de Villa Real de Traz-os-
Montes na manhã de S. João também.
V. tomo XI, pag. 1:007, col. 2.»
Edifícios mais notáveis
1. »— A casa nobre da quinta de Marzo-
vellos, dos condes de Prime.
Ê brazonada.
2. »— A casa nobre da quinta de S. Salva-
dor.
Tem brasão d'arraas sobre o portão de fer-
ro da entrada da quinta.
■ 3.°— A casa nobre da quinta da Medro-
nhosa.
4. °— A casa que foi do capitão Luiz Mon-
teiro, na povoação de S. Salvador.
Pertence hoje a ura brazileiro, que a com-
prou em hasta publica.
5. » — A casa da quinta do Moura.
Servem esta freguezia duas estradas a
macadam:— a n." 8, real, de Viseu á Mea-
lhada e que limita esta freguezia pelo sul,
— e a municipal de 1.» classe, de Viseu a
Torre Deita. Corta esta freguezia de S. Sal-
vador de nascente a poente.
O rio Pavia vera da serra da Mina, onde
nasce em Nespereira, na freguezia de Mon-
dão, a 2 léguas de Vizeu, separando a cida-
de do grande Campo da feira e da celebre
Cava de Fmaío;— caminha de nascente a
poente e morre no Dão, tendo de curso ap-
proximadamente 3S kilometros, havendo
atravessado, alem d'outras, esta freguezia de
VIS
VIS 1539
S. Salvador, na qual tem uma ponte de pe-
dra em Vil de Moinhos e 2 de pedra e 1 de
pau dentro da Quinta de S. Salvador.
Tem mais Viseu 3 pontes— uma de pau e
2 de pedra, e finalmente 1 de pedra na
quinta da Azenha, freguezia d'0rgen8.
Ha n'esta paroehia 3 cemitérios:— um per-
tencente á irmandade de Nossa Senhora das
Neves Junto da egreja parochial,— outro na
povoação de Vil de Moinhos, pertencente á
irmandade de S. João Baptista, e outro junto
á estrada nova, que vae de Viseu para a
Mealhada.
É cura-parocho (raeio-cura) d'esta fregue-
zia desde 1885 o rev. Manuel Rodrigues da
€osta, a quem agradeço a maior parte d'es-
tes apontamentos, bera como ao sr. dr. Ni-
colau de Mendonça, que se dignou solliei-
talos.
Freguezia Oriental (I) da Sé de Viseu
1.' annexa
Abraveses ^
Demora esta freguezia na margem direita
■do Pavia, a N. O. da cidade de Viseu, da
qual dista 2 kilometros e é curato amovível
com os mesmos vencimentos e nas mesmas
•condições das outras annexas.
Orago Nossa Senhora dos Prazeres.
Em i834 a sua população era a seguinte:
—fogos 233,— habitantes 1:431, sendo 662
do sexo masculino e 769 do sexo femjnino,
— segundo se lé na Memoria de Berardo.
Em 1852 contava 335 fogos segundo se lé
no Flaviense.
O censo de 1864 deu lhe 363 fogos e 1676
habitantes;— o de 1878 deu-lhe 399 fogos e
1:790 habitantes — e hoje conta cerca de 440
fogos e de 1880 habitantes 1 . . .
È mais populosa do que muitas das nos-
sas villas e, como todas as outras annexas,
tem elementos de sobra para sustentar a sua
autonomia.
Pertence toda á freguezia Oriental e eom-
prehende as aldeias se^mmer.— Abraveses,
Paschoal, Moure», Moinhos do Pintor^, S
Thiago, Esculea, Povoa, Santo Estevam
Aguieira, Carvalhal, e differentes quintas,
taes são as de Santo Estevão, de Bernardo
de Andrade, a de Santa Amélia, do com-
mendador Bernardino de Mattos, a de Fran-
cisco Pereira d' Almeida, a de Eduardo Pes-
sanha e outras menos importantes.
Abraveses demora em sitio alto, alegre,
vistoso e muito saudável;— ó a séde da pa-
roehia e a povoação mais populosa e mais
importante d'ella. Conta cerca de 200 fogos
e de 850 habitantes,— ruas bem calcetadas
e alguns edifícios regulares, avultando entre
elles a egreja matriz, muito vantajosa e ale-
gremente situada em um espaçoso terreiro
arborisado no ponto culminante da mesma
povoação, dominando-a toda, bem como a
cidade de Viseu, grande numero d'aldeias e
um vastíssimo horisonte limitado pelas ser-
ras do CaramuUo e da Estrella.
É um dos mais interessantes miradouros
dos arrabaldes de Viseu— é povoação anti-
quíssima, bem como as de Aguieira e Es-
culea. Na opinião de Botelho e de outros an-
tiquários aquellas 3 povoações foram no
tempo dos romanos fortificadas e eram parte
integrante das obras de defesa da cidade de
Viseu e da celebre Cava de Viriato, de que
fallaremos adiante e que demora quasi toda
no chão d'esta freguezia— na parte mais
baixa,— sobre a direita do Pavia.— entre
1 V. Abravezes, tomo í, pag. 20.
1 N'esta pequena povoarão fundou o con-
selheiro Henrique de Lemos no século xvi
o antigo morgado de Moure da casa dos
Nápoles da Prebenda, cuja cabeça é a Ca-
pella antiga fundada pelo mesmo cónego na
Sé, á direita da porta principal, como diz a
inseripção que tem no alto. Infelizmente este
vincplo está extineto, e estão em hasta pu-
blica as fazendas d'elle para pagamento de
dividas d'esta familia, pobre hojel... Ve-
ja-se n'este artigo o tópico Famílias nobres
de Viseu.
2 Estas casas pertencem á povoação de
ilíoMre;— estão entre ella e a de S. Thiago—
e denominam-se ainda hoje Moinhos do Pin-
tor, porque, segundo diz a tradição, ali nas-
ceu o celebre pintor Grão Vasco.
Veja-se o tópico Visienses illustres.
1540 VIS
Abraveses e a cidade actual de Viseu, que
se ergue na margem esquerda do mesmo
rio e domina a Cava toda.
Freguezias limitrophes:— Orgens a O.;—
Campo a N.;— Rio de Loba a E.;— S. Salva-
dor e a Oriental (I) de Viseu a S., perten-
cendo a esta ultima uma parte da celebre
Cava.
Templos
1. "— A egreja matriz.
Ê a antiga capella de JSossa Senhora dos
Prazeres, recentemente accrescentada com
uma capella-mòr, primeira parte do vasto
templo em projecto.
Tem uma irmandade do Santíssimo, ere-
cta ha poucos annos.
2. °— Capella de Nossa Senhora dos Remé-
dios, na povoação do Carvalhal.
É a mais moderna de todas, elegante e
regular, mas singella.
3. »— Capella de S. Pedro, na Eseulca.
É espaçosa e antiquíssima;— tem um adro
também espaçoso e arborisado— e uma ir-
mandade de S Pedro, muito antiga também.
4. «— Capella de Nossa Senhora dos Praze-
res, na aldeia de Paschoaí.
Teve ouir'ora a invocação de Nossa Se-
nhora da Esperança; foi restaurada e accres-
centada nos principio» d'e8te seculo~e por
essa occasião n'ella se instituiu também uma
irmandade de Nossa Senhora dos Prazeres.
5. »- Capella de S. Thiago, na povoação
d'este nome.
É pequena, muito singella e antiga.
6. °— Capella de Santo Estevam, na aldeia
do mesmo nome. ^
* Não é verdadeiramente aldeia, mas a ce-
lebre, antiga e grande quinta de Santo Es-
tevam, que pertenceu aos Abreus e Mellos,
senhores da casa histórica da Torre na Rua
da Cadeia em Viseu; extinguindo-se porem
aquella familia em nossos dias, por falta de
suceessão, succederam n'ella as duas sr." D.
Maria Cândida de Lemos, de Várzeas, e sua
irmã D. Maria Ludovina de Lemos, mãe do
desembargador Rernardino de Lemos de
Aguilar, do Porto, os quaes venderam esta
VJS
É pequena e particular, mas tem porta
franca ao publico.
Pertence a Bernardino d'Andrade.
7.°— Capella de Santa Luzia, no monte
d'este nome.
Muito singella e pequena.
8»— Capella de Santo Antonio, na povoa-
ção de Aguieira.
Pequeníssima.
Todas são publicas, exceptuando & men-
cionada sob o n.* 6.
Festas e romarias
O povo de Viseu é muito religioso, como
prova o grande numero de festividades, de
que já fizemos menção nas outras annexas,
e n'este ponto os habitantes de Abraveses
supplantam os seus visinhos. Fazem muitas
romagens todos os annos, taes são, pela or-
dem da sua importância, as seguintes:
{.'—Santa Lusia, em Abraveses, na i.»
oitava do Espirito Santo.
2. *— S, Pedro, em Eseulca, a 29 de junho.
3. »— S. Thiago, na capella e na povoaçãa
d'este nome, no dia do seu orago.
í.*— Senhora das Candeias, na povoação
do Carvalhal, a â de fevereiro.
5 '—Santa Barbara, em Pasehoal, no do-
mingo do Bom Pastor.
6.*— Santa Lusia, no outeiro do noesma
nome, no domingo antecedente ao de Pente-
costes.
Todas estas festividades teem romagem e
são extraordinariamente concorridas as duas
primeiras desde tempos muito remotos pela
grande devoção do povo com as imagens de
Santa Luzia e de S. Pedro,— pela bellesa lo-
cal das dietas capellas— e por serem muito
accessiveis, pois são servidas por duas bel-
las estradas a maeadam que atravessam esta
freguezia:— a estrada real n.» 7, de Viseu a
R. Pedro do Sul, Estarreja e L3mego,-e a
municipal que, entroncando n'aquella em
quinta ao pae e tios do actual possuidor Ber-
nardino de Andrade. As casas que rodeiam
esta quinta são feitas em terreno d'ella e ha-
bitadas pelos seus caseiros.
VIS
Abraveses, segue pelo Almargem para Cas-
tro d'Ayre.
Tudo isio contribue para a erande con-
correncia dos romeiros, nomeadamente da
cidade de Viseu, que se despovoa n'aquelles
dias, por estarem a pequena distancia e po-
derem ir muito commodamente a pé ou em
carros.
O que mais anima estas romagens— diz o
meu informador — são os estrondos, — con-
certo desafinado de rebecas, pifanos, viola
ou banza, ferríobos, bombo e uma folha de
serra. '
Á frente do estrondo^ e em volta d*elle
dança ou salta furiosamente um bando de
rapazes e raparigas, ordinariamente do mes-
mo povo, cantando a Cana Verde ' e outras
canções populares, por vezes ao desafio.
Alem dos estrondos, também apparecem
guitarradas e o insupportavel zabumba.
Muitos romeiros levam merenda e uma
borracha com vinho;* — outros nada levam,
mas lá encontram sempre á venda pão, fru-
cla, doce, peixe, vinho, etc.
* Temos crusado em todas as direcções o
nosso paiz e conhecemos os seus descantes
populares.
No artigo S. Martinho de Mouros, tomo 5.'
pag. 112, já nós descrevemos um dos mais
imponentes descantes d'esta província e de
todo o nosso paizi . . . Na Beira Baixa e no
Alto-Alemtejo vimos com surpresa os adu-
fes, herdados talvez dos herminios, mas só
aqui encontrámos as folhas de serra nos des-
cantes populares.
2 O nome é apropriado, mas só aqui se dá
também aos descantes do povo.
' Esta canção popular é nova n'esta pro-
víncia.
A Cana Verde, o Serra, o Vira, o Regadi-
nho, ele, são danças e canções próprias da
beira-mar e da província do Minho. Na Bei-
ra-Alta, nomeadamente ao norte, nos conce-
lhos de Sinfães, Rezende, Lamego, Arma-
mar, Taboaço e Pesqueira, os grandes des-
cantes populares reduzem-se á clássica chu-
la, no Porto denominada chula rabella. O
mesmo suceede na outra margem (direita)
do Douro, nos concelhos de Canaveses,
Baião, Mesãofrio e Regoa.
V. Douru n'este diecionario e no supple-
mento.
* Os pândegos do Porto costumam levar o
vinho não só em borrachas, mas em peque-
nas ancoretas e em enormes pontas de boi.
VJS 1541
Também animam e abrilhantam estas ro-
magens o estrondear dos foguetes, o som
das phylarmonicas e o repique dos sinos,,
até que ao pôr do sol todos debandam com
saudade, satisfeitos e tranquillos, pois n'es-
tas romagens de Viseu não costuma haver
desordens e pancadaria como em outras^
muitas romagens, nomeadamente no Minho.
A parte religiosa d'estas festividades e
d'ouiras que por brevidade omittimos é'
sempre feita com muita decência:— missa
solemne com musica vocal e instrumental,
sermão, exposição do Santíssimo e procis-
são pelas ruas cora muitos andores e anjos-
cruzes, pendões, etc.
Ha n'esta parochia apenas um edificia
brasonado, em Abraveses. Foi do visconde
de Loureiro e actualmente é do commenda-
dor Bernardino de Mattos, que n'elle vae-
montar uma fabrica de serralheria e moa-
gem a vapor.
Também teve brasão outr'orâ a casa que
é hoje de Bernardino d'Andrade, em Santo^
Estevam.
Banha esta freguezia a pequena ribeira dfr
Mido. Passa entre as aldeias d'Abraveses e
Pasehoal;— desagua no Pavia — e move no in-
verno alguns moinhos de pão.
Produeçôes dominantes: — milho, centeio,^
trigo, linho, vinho verde criado em parrei-
ras e estacadas, legumes, fructa, azeite e cas-^
taohas.
Também abunda em madeira de pinho &
em pedra de granito para toda a sorte de
construeções.
Tem um outeiro ou monte bastante ele-
vado:— o de Santa Lusia,—e 3 cabeços: —
Aguieira, Esculca e Abraveses.
Ha no monte de Santa Lusia jazigos de
raanganez, simplesmente registados, e pe-
dreiras inexgotaveia de magnifico seixo já.
britado para macdam.
Tem 3 cemitérios:— um em Abraveses, —
outro no Carvalhal— e outro na Esculca.
Não tem escola alguma, nem sequer de-
íostrucção primaria elementar I
Com vista ao senado vi-
siense.
1542 VIS
Em compeDHação tem muitas tecedeiras de
linho e lã, pedreiros, carpinteiros, trolhas,
ferreiros, sapateiros, taverneiros, alfaiates e
um santeiro muito soffrivel, em S. Thiago.
Irmandades:— a do Santíssimo, na matriz,
— a de S. Pedro, na Eseuica— e a de Nossa
Senhora dos Prazeres, em Paschoal.
Confrarias:— Senhora dos Prazeres, Santo
Antonio, Santa Lusia e S. Sebastião, em
Abraveses; — Senhora dos Remédios e S. João,
no Carvalhal.
Ao rev. sr. Joaquim Rodrigues Barroco,
digno parocho actual d'esia freguezia, bem
como ao exr" sr. dr. Nicolau Pereira de
Mendonça Falcão, agradeço os apontamen-
tos que se dignaram enviar-me.
Freguezia Oriental (I) da Sé de Viseu
2.* annexa
Orgens
O roeu benemérito antecessor não descre-
veu esta freguezia. Apenas fallou da aldeia
de Orgens e do seu convento sob o titulo
Monie de Viseu, tomo 5.°, pag. 533, col. 1.»
— Vide. Cumpre nos pois descrevel-a.
Note-se de!<de já que esta freguezia tomou
o nome de orjaes ou orjães,—cevadaes no
portuguez amigo.
V. Orjais, freguezia do concelho da Covi-
lhã,—tomo 6.0 pag. 294, col. 2.«
A freguezia de Orgens, de que nos occu-
pamos no momento, dista apenas 2 kilome-
tros para O. da cidade de Viseu, a cujo con-
celho pertence, como todas as outras anne-
xas, de que vamos tratando, e é ecelesiasti-
camente um simples curato nas mesmas con-
dições e com os mesmos vencimentos das
outras annexas da cidade de Viseu.
Pertence a freguezia Oriental, mas não
toda. Tem algumas povoações e quintas que
pertencem á freguezia Occidental. Adiante
as apontaremos.
Esta paroehia de Orgens data de 1808,
como todas as outras annexas. ^
^ Para evitarmos repetições, veja-se o que
dissemos no principio d'este tópico.
VIS
Em 1834 a sua população era a seguinte:
—fogos 213,— habitantes 1:069, ^ sendo 494
do sexo masculino e 575 do sexo feminino,
— segundo se lê na Memoria de Berardo.
Em 1852 o Flaviense deu lhe 240 fogos.
O censo de 1864 deu-lhe 239 fogos e 1:061
habitantes;— o de 1878 deu lhe 247 fogos e
1:152 habitantes — e hoje conta approxima-
damente 248 fogos e 1:151 habitantes, — se-
gundo diz o seu rev. parocho.
Tem como orago SanfAnna e compre-
hende as aldeias segumtes: — Orgens, séde
da paroehia,— Qulniella, Travassos, S. Mar-
tinho e as quintas da Azenha, do Themudo,
do Perseguido, do Corgo, do Cubo e a doex-
tincto convento de S. Francisco d' Orgens,
pertencentes à freguezia Oriental da Sé de
Viseu;— a povoação de londella e as quin-
tas de Tondellinha e Casal do Chapéu, per-
tencentes à freguezia Occidental.
A quinta da Azenha era do conde de San-
ta Eulália, de quem fallaremos no tópico
das Familias illustres; — a de Tondellinha
pertence aos herdeiros de Bento de Quei-
roz Pinto, de Viseu e Favaios; — a do The-
mudo pertence a José Maria de Oliveira Ja-
neto, de Viseu; — a do Perseguido pertence a
D Ruy Lopes de Sou^a Alvim e Leraos, de
Santar, concelho de Nellas.
V. Santar.
As outras quintas d'e3ta paroehia são
pouco importantes.
A do Convento era a cerca do extincto
convento de S. Francisco do Monte, ou de
Orgens. Foi vendida pelo nosso governo e
comprou-a em 1834 Antonio Rodrigues de
Loureiro, chamado pelo povo — Antonio Je-
ronymo, o Pepino, — que se tornou celebre
pelas questões que teve com os habitantes
d'e8ta freguezia por causa do convento. Por
vezes tentaram assassinai o, pois tendo o
governo dado para matriz da paroehia a
bella egreja do convento, elle tractou logo
de o demolir quasi todo;— estragou a cora-
municação interior do convento para a egre-
» Aqui ha exageração, pois 213 fogos não
podiam dar tantas almas I . . .
VIS
VJS 1543
ja e sacristia- e teotou abrir nova eommu-
nicação da parle restante do convento para
a egreja, o que o povo não consentiu por ser
o diclo homem uma ereatura antipatiiica e
por estar destruindo barbaramente o con-
vento, que o povo tanto estimava, como di-
remos adiante.
O tal comprador destruiu inclusivamente
as sepulturas do claustro e a formosa Ca-
pella do Capitulo, etc.
Para escapar á morte fez uma eseriptura
de composição com o povo, mas, não obs-
tante isso, foi assassinado á traição por man-
dado de um seu inimigo, com quem andava
demanda, — segundo consta.
Do venerando convento, fundado em 1408
e que, por consequência, ja contava 426 an-
nos, apenas restam algumas cellas e parte
da cosinha para uSo do proprietário e dos
seus caseiros. A egreja e a sacristia per-
tencem à parochia e estão bem conser-
vadas.
Como se pode ver da chronica e dos Diá-
logos do dr. Botelho, desde a sua fundação
este convento foi um modelo de observân-
cia, muito estimado e favorecido pelo povo,
pelos prelados visienses e por muitas pes-
soas nobres, que lhe fizeram grandes doa-
ções e mesmo de distancia ali foram enter-
rar se, como os senhores de Molellos, que
ali tinham eapella sua, e os Albuquerques da
nobilíssima Casa dos Coutos, padroeiros da
Capella do Capitulo, onde alguns d'elle8 ja-
zem.
Tudo profanou o comprador, lançando ao
monturo as ossadas de taolas famílias no-
bres I
iNão ha muito que ali andava em baldão
a lapide da sepultura de Jorge do Amaral e
Vasconcellos, desembargador da mesa da
consciência e ordens, eic, ascendente dos
mencionados Albuquerques e dos Mendon-
ças Falcões, de Girabolhos, muito digna-
mente representados hoje em Viseu pelo sr.
dr. Nicolau Pereira de Mendonça Falcão,
nosso bom amigo, que chegou a v r a dieta
lapide cora a inscrípção própria, mas quan-
do, passado algum tempo, ali voltou para a
fazer conduzir, já tinha desapparecidol. • .
Ali jazem também entre outras muitas
pessoas nobres as seguintes :
—D. Leonor de Castro, filha de D. Pedro
de Castro, mulher que foi de João Rodri-
gues Pereira, de Riba-Vizella.
—D. Henrique de Castro, irmão da dieta
senhora.
—Ruy Gomes da Silva e sua mulher, paes
de D. João da Silva, da Chamusca.
— Rui Freire d' Andrade.
—D. Joanna de Cristello, filha do antece-
dente.
— D. Beatriz Nunes da Costa, mulher de
Leonel de Queiroz Castello Branco.
—D. Izabel do Amaral e Vasconcellos, as-
cendente da Casa dos Coutos. Fez de novo o
Capitulo e d'elle ficou sendo padroeira por
auctorisação pontiflcia.
Certo prelado de Viseu muito amigo d'es-
tes religiosos, tentou transferil-os para a ci-
dade, mas o povo d'0rgen8, tristíssimo cora
lai noticia, tanto rogou e pediu, que o prela-
do reconsiderou— e os frades permanece-
ram em Orgens até l83i, data da extiocção
dos conventos no nosso paiz.
Toda a cidade de Viseu adorava os hu-
mildes franciscanos, pelo que d'ali eram
constantemente chamados para assistirem
aos moribundos.
Também eram preferidos para assistirem
no oratório aos justiçados e para os acom-
panharem até o patibulo, como fizeram sem-
pre com a maior dedicação e mais extrema
caridade até 1832 e 1833, data das ultimas
execuções que ensanguentaram Viseu.
Na mata se vêem ainda varias capellas,
hoje todas arruinadas, e um liado arvoredo
novo, porque o antigo foi lodo derrotado I
É um sitio tão ameno e tão abundante de
excellente agua que ainda hoje no verão
muitas pessoas e famílias de Viseu ali vão
passar o dia e jantar á sombra do arvoredo,
que parece uma miniatura do Bussaco.
Freguezias limitrophes: — S. Salvador, S.
Cypriano, Abraveses, Vil de Souto e as 2 —
Oriental e Occidental de Viseu.
Atravessa parte d'esta freguezia a nova
1544 VIS
VJS
estrada moDÍcipal a macadam, de Visea à
Torre Deita e Besteiros.
ProducçÕes dominantes: — vinho verde,
milho, trigo, centeio, cevada, azeite, herva-
gens, hortaliça, fructa e castanhas.
Também n'esta paroehia cultivam muitos
alfobres de couves e cebolo para plantar e
que todo o anno levam em canastras e car-
gas não só a Viseu, mas a todas as feiras eir-
cumvisinhas até à distancia de 3 a 5 legoas.
Templos
1. ^—A sumptuosa egreja que foi do con-
vento.
È a matriz e está muito bem conservada.
2. " — Capella de SanfAnna, a meio da po-
voação de Orgens.
Foi a matriz d'esta paroehia até 1834; —
está bem conservada ainda — e tem uma ir-
mandade antiga de Sant'Ànna, a padroeira,
com festa annual e grande romaria a 26 de
julho, sendo domingo, e, não o sendo, no im-
mediato.
3. »— Capella de S. Macário, em Tondella,
com festa annual, feita por mordomos, no
domingo anterior á fesia e romagem de San-
ta Anna.
Ameaça ruinas.
4. "-^ Capella de S Romão, em Travassos,
com festa annual no dia do seu orago, sen-
do domingo, aliás transfere-se para o do-
mingo mais próximo.
Bem conservada.
5. " — Capella de Nossa Senhora dos Mila-
gres, na povoação de Quintella, com festa
annual por mordomos a 15 d'agoí»to.
É particular e pertence ao sr. Camillo de
Andrade, de Viseu, bem como o terreno con-
tíguo que, segundo se suppòe, pertenceu to-
do à nobre familia da quinta de Santo Este-
vam (na freguezia de Abraveses) hoje ex-
tincta, a qual possuía também n'esta paro-
ehia muitos bens, etc, que foram compra-
dos pelo pae e tios do sr. Camillo d'An-
drade.
Bem conservada.
As outras todas são publicas.
Ha n*e8ta paroehia 3 largos: — o adro da
Capella de Sant'Anna, — o da egreja do coo-
vento — e a formosa avenida para o dieta
convento, entre 2 muros ainda caiados &
com um bello arco na entrada da mesma
avenida, tirada a cordão.
Banha esta paroehia o Pavia, que a di-
vide da de S. Salvador, onde tem na quinta
da Azenha um lagar d'azeite e alguns moi-
nhos de pão.
Banha esta freguezia também um ribeira
que passa pelo centro d'ella e desagua no
Pavia, junto da povoação de Tondella.
Nasce o dicto ribeiro na povoação de Pas-
choal, freguezia de Abravezes; — tem 4 kilo-
metros de curso e 2 pontes; — uma em S^
Martinho — e outra junto da quinta de Ton-
dellinha, denominada ponte Mourisca, por
onde pasí»a a estrada a macadam para Bes-
teiros. Move 3 moinhos no inverno.
Berardo na sua Memoria diz que este re-
gato 96 denomina Caseiro e que em 1838 ti-
nha 2 moinhos d'azeite e 9 de pão com 11
rodas; tem hoje só 1 de azeite, e S de pão.
Ha n'esta freguezia 2 aulas offlciaes de-
instrucção primaria:— uma para o sexo mas-
culino, em Travassos, — outra mixta, em
Orgens.
Clima temperado e saudável.
Ha também nVsta freguezia um bom cemi-
tério parochial, feito em 1875 e demora jun-
to da estrada publica, entre Orgens e o ex-
tíncto convento, distando approximadamente
400 metros d'aquella povoação e 100 da
convento.
Industrias :— a da cultura do cebolo e
hortaliças para plantar- -e o fabrico de ces-
tos e canastras de corra, mas esta ultima
industria é mais importante na povoação de
Vil de Moinhos, freguezia de S. Salvador, on-
de a descrevemos jâ.
■ Vide.
Também é muito importante n'BSta fre-
guezia de Orgens a industria dos montantes
que se oecupam em quebrar e extrahir pe-
dra no monte de Nossa Senhora do Crasto
(Castro)— e a dos pedreiros que se oecu-
pam em fazer edificios e toda a sorte de
construcções com a dieta pedra, pois é gra-
VIS
VIS
1545
nito alvíssimo e finíssimo, do melhor de Por
tugal. 1
D'ali foi sempre e vae hoje ainda a pedra
■para as construcções mais luxuosas dos po-
voa eircumvisinhos, nomeadamente para Vi-
seu, distante 6 kiiometros.
O dieto monte do Crasio é lindíssimo, de
forma cónica e um dos pontos mais altos e
mais vistosos dos arrabaldes de Viseu. Foi
outr'ora foriiflcado e tem no seu curuto uma
antiquíssima eapella de Nossa Senhora do
Crasto, que tomou o nome do velho castro ro-
mano que ali pompeou, como dizem a tradi-
ção, a onomástica e os muitos vestígios de
fortificações e outras construcções que ali
se teem encontrado. ^ Por seu turno àquelle
monte dá boje o tiome a dieta capelia de
Nossa Senhora do Crasto, muito querida e
festejada pelos povos eircumvisinhos. É pu-
blica, mas outr'ora foi particular e perten.
ceu aos Loureiros, senhores da nobilíssima
e antiquíssima casa e quinta de Ferronhe,
aldeia da mesma freguezia de Vil de Souto,
da qual eram padroeiros, — padroado que no
ultimo século passou por herança com a di-
eta casa e quinta para os senhores de Moça-
medes, hoje condes da Lapa.
V. Val de Souto, tomo X, pag. 87, col. 1.%
— Vil de Souto, no mesmo vol. pag. 663, col-
2.»— e Villa de Souto, tomo XI, pag. 1070,
col. 2.' também, onde já se fallou da dieta
paroehia, da dieta eapella e do dicto monie,
— e, aproveitando o ensejo, diremos que o
nome vulgar d'aquella freguezia é Vil de
Souto.
Moçamedes
Com relação a esta antiquíssima villa^
mencionada supra, que tanto trabalho deu
ao nosso benemérito antecessor e a nós al-
gum também (V. Muçamedes, tomo V, pag.
583) aproveitando este ensejo, aecrescenta-
remos o seguinte :
1 V. Villar d^Ândorinho. tomo XI, pag.
1190, col. 2», onde mencionámos outras pe-
dreiras de bello granito lambem.
* O dicto monte e a dieta eapella perten-
cem á freguezia de Vil de Souto, que prende
com esta á'Orgens.
Foi doada eífeetivamente por D. Affonso
Henriques, sendo ainda infante, no anno de
1133, 1 a Fernando ou Fernão Pires, e é ho-
je uma simples aldeia,— «mca do nome era
todo o nosso paiz, — pertencente á freguezia
de S. Miguel do Matto, concelho de Vouzella
desde 24 d'outubro de 1852, data do decreto
que a uniu àquelle concelho e a desannexou
do de S. Pedro do Sul, ao qual anterior-
mente pertencia.
V. Matto ou S. Miguel do Matto, tomo V,
pag. 133. col. 2.'
A dieta paroehia não se encontra na maior
parte dos nossos mappas e por isso mesmo
nada disse da sua posição a Chorographia
Moderna, sendo alias escripia em Lisboa e
com todos 08 elementos que ao seu illustra-
do e consciencioso auetor offereciam a capi-
pital e as secretarias do estado, pois a dieta
publicação foi subsidiada pelo governo. Po-
demos porem dizer que a mencionada fre-
guezia demora nas duas margens do rio Tros-
se, 2 confluente do Vouga, a S. S. 0. da es-
trada real a macadam n.° 7, de Viseu a S.
Pedro do Sul, da qual dista pouco mais de
1 kilometro;— 4 da margem esquerda do
Vouga para S.;— 8 de S. Pedro do Sul para
S. E.;— 8 de Vouzella para E., contando em
linha recta, e 18 pela nova estrada real de
S. Pedro do Sul;— 14 de Viseu para N. O.;
—78 da estação de Estarreja (a mais pró-
xima) na linha férrea do Norte;— 127 do
Porto— e 366 de Lisboa.
Freguezias limitrophes da de S. Miguel do
Matto:— Bodiosa (a mais próxima) a S. S. E.,
— Fataunços a O.;— Figueiredo das Donas a
O. N. O.— e Riba Feita a N. N. E.
Comprehende as aldeias seguintes : — S,
1 Referimo-nos á copia da eseriptura, pu-
blicada no artigo Muçamedes. Se a copia é
exacta, o infante coutava então 24 annos,
pois nasceu em 1109; — principiou a gover-
nar em 1129;— foi acelamado no campo da
batalha d'Ourique em 1139— e falleeeu em
1185.
* Assim o achamos escripto no mappa da
direcção das obras publicas de Viseu, mas
Berardo deu-lhe o nome de Trousse e alguém
o denomina Trouce.
1546
VIS
VIS
Miguel do Matto, séde da parochia,— A/oça-
medes, floda, Burgueta, Adeujo ou A de Vjo,
Casal de Lourosa, i Arrabalde, Villar, Caria,
Villa Pouca, o casal de Malcata, as quintas do
Paço e da Roda, e uma habitação isolada em
Malordo.
Eííi 1708 contava 163 fogos,— segundo se
lé na Chorographia Porluyueza, em 1768,
segundo se lê no Port. S. e Prof.^ contava
apenas 115 fogos; — em 1852 o Plaviense
deu-lhe 247 fogos;— o censo de 1864 deu-
lhe 279 fogos e 1:131 habitantes — e o de
1878 deu-lhe 285 fogos e 1:116 habitantes,
no que não ha proporção, pois 285 fogos de-
viam dar 1:200 habitantes, approximada-
mente.
Da antiquíssima aldeia e da nobilii^sima
casa de Mossamèdes apenas diremos o se-
guinte :
Posto que D. Alfonso Henriques na sua
doação lhe deu em 1133 o nome de villa,
com certesa não era villa na accepção vul-
gar de hoje, mas na d'aquelie tempo, em
que villa ordinariamente significava quinta,
casal ou casa de campo. Também não sabe-
mos se posierjormente foi villa, naaccepção
hodierna; o que sabemos é que hoje e ha
1 Este casal de Lourosa foi povoado pe-
los cazeiros da grande quinta contigua de
Louroza da Commenda, que foi de Jacintho
Lopes Tavares, de Carnicâes, junto a Tran-
coso, e hoje dos seus netos, os Malafaias de
Serrazes, em Lafões. Esta commenda que era
a de Ansemil, da ordem de Malta, quasi par-
te com a quinta de Lourosa, e consta de
casas de habitação e capella pegada, que
ainda tem por fora a elegante cruz da or-
dem. N'esta "casa, sendo administrador do
concelho um celebre Moura Coutinho, de S.
Pedro do Sul, foram em 1834 os patriotas
d'esia villa matar o inoffensivo monge e ve-
lho cisterciense Fr. Ignacio Ferreira Ferrão
de Castello Branco, irmão do ultimo com-
mendador de Malta, Fr. Gonçalo Ferrão, por
não encontrarem este, os quâes eram da no-
bre casa de S. Thiago a par de Ceia.
Esta grande e bella quinta da Commenda
foi vendida p( lo governo, depois da morte do
dicto conimendííidor, a .losé Isidoro Guedes,
de Lamego, par do íeino e 1.° visconde de
Valmor. É hoje dos seus herdeiros.
muito tempo é uma simples quinta, na qual
provavelmente viveu no meiado do século xii
o celebre Fernão Pires, seu primeiro senhor.
Consultando o sr. Luiz Ribeiro Sotto-
maior, hoje residente em Pombal, 6.» neto de
D. Margarida d'Almeida, que foi senhora
d'esta casa e quinta de Mossamèdes, aquelle
tão illustrado como delicado cavalheiro di-
gnou-se enviar me os apontamentos seguin-
tes :
«Também me parece que esta quinta de
Mossamèdes, Moçamedes ou Muçamedes, nun-
ca foi villa na accepção hodierna, mesmo
porque ali não ha memoria de paços de con-
celho, de cadeia nem de pelourinho.
«No alto de uma collilia ensombrada d'ar-
vores, ergue-se um muro meio arruinado,
feito de pedra e cal, tendo a O. uma peque-
1 na Capella; — a distancia de 30 a 40 metros
' abre- se um bom portão, que deve contar
mais de 2 séculos, e, enirando-se pelo dicto
portão, vê-se um terceiro de fórma quadran-
gular, ensombrado por grandes castanheiros,
medindo cada uma das faces talvez mais de
100 metros. Ergue-se ao fundo uma larga
escadaria, que dá ingresso para a casa, hoje
em ruínas, mas espaçosa e feita com dispên-
dio, onde nem habitualmente moravam seus
donos outr'ora, posto que era grande a quin-
ta, ainda hoje bastante extensa, mas muito
mais em outro tempo e recebia muitos fo-
ros, pensões, direitos e tributos que se per-
deram com o andar dos séculos e com a au-
sência dos donos, que só de longe em longe
iam ali passar alguns dias, entretendo-se com
o divertimento da caça, muito abundante
n'aquelles montes.
«Esta quinta foi effecti vãmente doada pelo
infante D. AíTonso Henriques no anno de 1 133
a Fernando ou Fernão Pires, Peres ou Paes.
Era fácil aos copistas e paleograpgos o en-
gano—e D. Luiz Salazar no índice das Glo-
rias da casa Farnese, fallando das famílias
Girão, Silva e Cunha, aponta a fis. 592 e
593 um D. Fernando Paes, tronco dos Cu-
nhas, cujo ramo primogénito no tempo do
i nosso rei D. João I passou para Castella e
j ali formou as grandès casas de Ossuno, Es-
i calma, ele.
VIS
VIS 1547
«Aquelle Fernão Paes foi herdado na
Beira e julgo ser o mesmo de quem resa a
mencionada doação, pois Martim Vasques da
Canha. 6.» neio d elle por varonia, doou a
sua terra e selleiro de Mossamedes a Gon-
çalo Pires d'Almeida, para casar, como ca-
sou, cora Ignez Martins da Cunha, filha B.
do doador, como consta de uma carta de
confirmação com data de 1434, referindo se
a outra confirmação anterior. Da 2.* confir-
mação tenho eu uma copia em lettra de
mais de dois séculos.
• Passou pois a dieta quinta para Martim
Vasques da Cunha e d'este para Gonçalo Pi-
res d'Almeida, de quem descendem os con.
des da Lapa, ramo dos Almeidas, hoje re-
presentado pelo 3.» conde da Lapa, 16.» se-
nhor da casa e quinta de Mossamedes, 13."
neto de Martim Vasques da Cunha e 19.°
neto do tal Fernão Pires ou Paes.*
Sendo assim, esta quinta de Mossamedes^
embora muito cerceada e deteriorada, con-
serva-se na mesma família desde 113'^, — ha
754 annos; mas P. J. Carlos Feo e Manuel de
Castro Pereira na Resenha das Familias ti-
tulares dizem que o senhorio de Mossame-
des foi dado aos Almeidas, ho]ei condes da
Lapa, em 30 de janeiro de 1410. ' Talvez se
refiram á doação feita por Martim Vasques
da Cunha a Gonçalo Pires d'Almeida, como
já dissemos, o que muito bem se harmonisa
com as duas confirmações supra citadas.
Aos Almeidas, senhores de Mossamedes,
pertencem o jesuíta Bernardo Pereira e Fr.
Rodrigo de Jesus, carmelita, que pereceram
na índia pela fé. Logo fallaremos d'elles no
lopico dos Visienses illusíres, porque nasce-
ram em Viseu.
1 O actual conde da Lapa tem o mesmo
nome de seu p^e e de seu ít\ò— Manoel d' Al-
meida Vasconcellos do Soveral de Carvalho
da Maia Soares d' Albergaria — e é 3.° conde
e 5 ° visconde e senhor da Lapa, 5.» barão e
16.° senhor de Mossamedes, 17.° senhor do
.'tolar e honra de Lamaçaes, 17.° senhor d'Al-
bergaria e morgado de S. Paulo da Ponte do
CriZj U.° da La^ôa de Viseu, no Algarve (?)
e do couto do Vieiro, ete , ete.
A CIDADE
Viseu tem, como já dissemos, 2 fregue-
ii3is— Oriental e Occidental— que, alem da
parte urbana ou da cidade propriamente di-
eta, comprehendem no aro as 5 annexas ru-
raes, que são, como também já dissemos, —
parte integrante das duas freguezias da ci-
dade. Até aqui tractámos das annexas ou da
parte rura/;— agora traetemos da parte ur-
bana, ou da cidade propriamente dieta.
Ella divide-se ecclesiastica e civilmente
em 2 freguezias— Or/íníoí e Occidental da
Sé, matriz commum; não se imagine porem
que a freguesia Onmía/ comprehende a po-
pulação e ruas que demoram a leste da Sè
— e que a Occidental eomprehende a popu-
lação e ruas que demoram ao poente.
Ambas, como também já dissemos, com-
prehendem ruas, travessas e largos que de-
moram ao nascente e poente, sul e norte da
Sé, porque a Sé não está isolada nem a ci-
dade|dividida em 2 grupos, ou bairros dis.
tantes,— um a leste, outro a oeste.
A cidade forma um labyrintho ou agru-
pamento compacto de ruas, viellas, traves-
sas e largos, revestindo por todos os qua-
drantes uma espécie d'outeiro, monte ouct-
so, coroado pela Sé, matriz commum, des-
cendo a população até á baixa da encosta,
e espraiando se pelos campos circumjacen-
tes até à fronteira das annexas descriptas,
que cireumdam como aro ou arco a parte
urbana de Viseu.
Não ha pois linha divisória natural entre
as 2 freguezias da cidade.
O cura da freguezia Oriental para visitar
os seus freguezes e administrar-lhes os sa-
cramentos, atravessa constantemente ruas e
chãos da freguezia Occidental — ev. v. — ena
Sé, matriz commum, se reúnem os parochos
e parochianos das 2 freguezias;— d'ali vae o
.«agrado Viatieo para ambas— e ali se cele-
bram 03 casamentos e baptismos das 2 fre-
guezias da cidade e das 5 freguezias anne-
xas !
lí-lo seria tolerável outr'ora, quando ra-
reavam os templos, a população e o clero,
1548 VIS
VIS
mas hoje é insupportavel e cumpre ao go-
verno e aos prelados visienses pôr termo a
semelhante amalgama — única em todo o
nosso paiz !
Dê-áe completa autonomia— ccc/cííasííco
6 civil — ás 5 freguezias annexas e ás 2 da
«idade.
Fique embora uma tendo por matriz a Sé,
mas dé-se por matriz á outra qualquer dos
templos da parte baixa, — hoje a mais for-
mosa e mais interessante de Viseu.
Arvore-se em matriz, por exemplo, a egre-
ja de Nossa Senhora do Carmo, tão linda,
tão vistosa, e tão vantajosamente situada so-
bre o vasto Campo de Alves Mar Uns, outr'ora
Largo de Santa Christina,— depois Largo dos
Nerys ou dos Congregados— e por ultimo
Terreiro ou Largo do Seminário. Estamos
certos de que a irmandade àe Nossa Senhora
do Carmo não se opporia a um accordo, pois
ficariam a cargo da parochia a fabrica e a
conservação do templo, pelo que a irmanda-
de poderia appliear aos suíTragios pelos ir-
mãos e ás suas festividades o que necessita
de despender com a fabricá e conservação
do templo. Assim se arvorou em matriz no
Porto, não ha muito (em 1842) a egreja da
Irmandade do Senhor do Bom Fim, egreja,
que a parochia está transformando em um
templo magesioso,— amplíssimo I. . . E ha-
verá 10 annos se arvorou em matriz da fre-
guezia de Massarellos, também no Porto, a
egreja da irmandade do Corpo Santo.
Chamamos para este ponto
a atteoção do^fgoverno e dos
prelados visienses.
Prosigamos.
Em 1708 toda a cidade de Viseu e as S
annexas coBstituiam 3 freguezias (curatos)
cujas matrizes eram a Sé, intra-muros, — e
as egrejas de S. Martinho e S. Miguel do Fe-
tal, extra-muros,-^e contavam os 3 curatos
apenas 900 fogos e cerca de 4:000 habitan-
tes,— em quanto que hoje a cidade e anne-
xas contam 3:652 fogos e 16:859 habitan-
tes. Subiu pois ao quadrupulo a sua popu-
lação no periodo de 179 annos.
Em 1768 as duas freguezias da cidade e
annexas, então ainda não divididas, com-
prehendiam 928 fogos e eram parocbiadas
por 4 curas, denominados capellães da cura
da cidade e subúrbios; tinha cada um d'elle8
50ií>000 réis de rendimento — e eram todos
4 da apresentação da mitra.
Em 183i a freguezia Oriental contava 750
fogos e 1:615 habitantes — segundo se lê na
Memoria de Berardo, mas aqui ha grande
inexactidão, pois 750 fogos deviam dar pelo
menos 3:000 habitantes.
No mesmo anno a freguezia Occidental,
segundo se lé na dieta Memoria, contava...*
fogos — e 2:463 habitantes.
Em 1852 a freguezia Oriental, segundo
diz o P laviense, contava 448 fogos — e a Oc-
cidental 704 fogos.
O censo de 1864 deu á freguezia Oriental
630 fogos e 2:489 habitantes — e á Occiden-
tal 950 fogos e 4:326 habitantes.
O censo de 1878 deu à Oriental 707 fogos
e 2.-925 habitanle9,--e á Occidental 983 fo-
gos e 4:317 habitantes.
Finalmente o Diccionario de Portugal e
Possessões, escripto e publicado em Viseu
em 1884, deu à freguezia Oriental 749 fogos
e 3:429 habitantes,— e a OccidenlaH :0k3 fo-
gos e 5:200 habitantes.
A cidade de Vi^eu deve contar pois u'esta
data (1887) cerca de 1:792 fogos e 8:629 ha-
bitantes.
Quantos chorographos re-
petirão estas cifras até a con-
sumação dos séculos ?
Em 1885 a parte urbana da freguezia
Oriental deu 90 bapiisados, 14 casamentos e
53 óbitos; — a parte urbana da Occidental deu
150 baptÍ!»ados, 20 casamentos e 86 óbitos.
Ambas teem como orago o mesmo orago
da Sé, — Nossa Senhora da Assumpção, mas
o padroeiro da cidade é S. Theotonio, de
quem fallaremos adiante no tópico da cathe-
dral e no dos bispos.
Fallemos agora da cidade ou da parte ur-
bana daquellas 2 freguezias promiscua-
mente :
1 Esta cifra está apagada na copia que te-
mos presente.
VIS
VIS 1549
Ruas
Tem hoje Viseu S5 ruas de l.« 2.* e 3.«
classe. As mais importantes são as 4 seguin-
tes :
1.» — Rua Direita.
±»—Rua de D. Luiz /, — antigamente e
ainda hoje também denominada Rua da Re-
gueira.
'Ò.'—Rua de D. Maria P<a, —anterior-
mente e ainda hoje também denominada
Rua Formosa.
í.*~Rua do Prinçipe Real, outr'ora Rua
de Soar de Baixo.
Esias e outras ruas largos e praças rece-
beram novos nomes por occasião das festas
do centenário de Camões e da vinda de SS.
MM. a Viseu, quando se inaugurou solemne-
mente o caminho de ferro da Beira Alta,
mas o povo continua a dar-lhes os nomes
antigos.
A Rua Direita ainda não mudou de no-
me, sendo aliás uma perfeita antiphrase d'el-
ia, puis denorainando-se direita, é uma das
mais tortas, como succede com as ruas de
igual nome em todas as outras nossas cida-
des.
É mui 10 torta, muito antiga e uma das
mais estreitas e mais immundas, mas muito
central, muito extensa, a mais comprida de
todas e toda revestida de casas, avultando
entre ellas algumas das melhores de Viseu,
outras antiquíssimas e notáveis pela sua
exótica arehiteelura, digna da attenção dos
archeologos, — um convento de freiras, ain-
da hoje habitado e muito antigo também 1,
—3 grandes palacetes: — o dos condes de
Prime, — o dos Albuquerques do Arco e o que
foi de Bento de Queiroz.
A rua Direita corta Viseu em sentido lon-
gitudioal, ou de nascente a poente, pelo que
muito impropriamente lambem outr'ora ser-
viu de divisão às 2 freguezias Oriental e
Occidental da Sé, a qual demora ao poente
da dieta rua e distante d'ella.
Esta rua é uma enfiada de três antigas
1 Veja-se o tópico relativo aos conventos.
VOLUME XI
ruas: — rua de S. Martinho i na sua parte
leste;— rua dos Cavalleiros na sua extremi-
dade O., desde o arco do palacete dos Albu-
querques até o arco do convento; — e rua
Direita, propriamente dieta, a parte central.
Tem esta rua grandes aleijões, avultando
entre elles dois coíovellos intoleráveis:— um
em Cimo de Villa, a montante do palacete
do conde de Prime, onde terminava a rua
de S. Martinho;— OMITO na ligação da rua
Direita, propriamente dieta, com a rua dos
Cavalleiros, a pequena distancia do arco do
convento.
Á ex."" camará de Viseu re-
aommendamos a elimioação
d'aquelles dois cotovellos, que
são os maiores aleijões da rua
Direita.
Hotéis e hospedarias
1.°— Hotel Mabilia, de Mabilia Adelaide
das Neves, na rua D. Duarte, ou da Cadeia,
f o— Hotel Cadete, na rua da Prebenda.
^o— Hospedaria das Loiras, no largo da
Senhora dos Remédios.
Cafés
i.o — Qdfé Barros, na rua Nova.
l.o—Café Central, também na rua Nova
Theatros
1,0— Boa União, na rua dos Cavalleiros.
%,°—Da rua Escura, na rua d'este noine.
Edificios públicos
Os dez melhores edifícios públicos de Vi-
seu na actualidade são os seguintes :
I.o— A Sé cathedral.
2.o_^ egreja de Nossa Senhora do Car-
mo.
i Tomou o nome da antiga e extincta
egreja de S. Martinho, da qual adiante fal-
laremoíi. .
98
1550 VIS
VIS
3.°— A egreja da Misericórdia e suas de-
peodeucias.
4 »— O Hospital da Misericórdia, denomi-
nado Hospital Novo.
5. °— Os Paços do concelho.
6. °— O antigo Paço Episcopal da Sé, deno-
minado Paço dos Ires escalões, hoje occupado
pelo governo civil, pelo lyceu e por outras
repartições publicas. Também se denomina
Collegio.
7. »— O Paço Episcopal de Fontello, resi-
dência actual dos prelados visienses.
8. «— O extincto convento dos frades capu-
chos de Santo Antonio, hoje quartel militar.
9. °— O Azylo dHnfancia desvalida.
10. ° — O novo mercado coberto.
Vejam-se os tópicos correspondentes a es-
tes iO tiiulos.
Edifícios particulares
Os 7 melhores ediflcios particulares de
Viseu na actualidade são os seguintes:
1. " — O palacete ou Casa do Arco, que foi
da Udbre familia Albuquerques, ainda hoje
aqui representada por Antonio d'Albuquer-
que do Amaral Cardoso.
O mencionado palacete está unido a uma
das antigas portas da cidade,--a Porta dos
CavaUeiros,~e tem sobre o arco d'ella um
lindo terraço com mirante e vistas para am-
bos os lados.
Tem este palacete também uma espaçosa
e linda cerca.
Foi tudo vendido a um brazileiro (capi-
talista) de S. Pedro do Sul, ha pouco tempo;
depois o governo adquiriu o palacete para
n'elle installar diíTerentes repartições publi-
cas—e por seu turno a camará de Viseu
tenta comprar a cerca para a transformar
em jardim publico, do que bem carece Vi-
seu.
2. » — O palacete ou Casa da Prebenda, um
dos mais bellos de Viseu no exterior.
Pertencia a Luiz Pereira de Mello e Nápo-
les, senhor d'esta casa e seu morgado, re-
presentante da nobre casa e senhorio de
Barbeita, junto de Caminha, e da alcaidaria-
mór d'aquella vilIa, o que tudo ainda pos-
suiu seu pae Luiz Pereira de Mello Souto-
maior, mas tudo foi vendido para pagamento
de dividas I . . .
3. °— O palacete de Fernando d' Almeida
Cardoso de Cerqueira.
Demora na rua Direita e passou por he-
rança para a viuva e filhos de Bento de
Queiroz Pinto d'Alhaide Serpe e Mello, se-
nhor da nobre casa e chefe da familia d'es-
tes appellidos em Favaios, concelho d'Alijó,
província de Traz os-Montes. São os seus
actuaes possuidores.
4. »— O palacete do Conde de Prime, por
elle habitado.
Demora na mencionada rua Direita, na
extremidade sul, denominada Cimo de
Villa.
5. »~0 palacete de Francisco Antonio da
Silva Mendes, no largo do Rocio, onde prin-
cipia a rua do Soar de Baixo.
6. "— O palacete do Serrado,— fóra. de Vi-
seu, mas á vista da cidade e distante d'ella
apenas 300 metros.
Pertence ao visconde do Serrado, Fran-
cisco de Mello Lemos e Alvellos, bem como
a quinta contigua;— tem uma elegante en-
trada por um espaçoso terreiro, fechado por
um portão de ferro com brasão d armas— e
a quinta bons campos, Jardins e frondoso
arvoredo, muita agua, ete.
É uma das melhores vivendas de Vi-
seu.
7. "— O palacete que foi do morgado de
Sanla Christina, Manuel Nicolau Cardoso
d'Abreu Magalhães, hoje da sua neta D. Ignez
d'Abreu Castello Branco, que vive oa. Povoa
da Arenosa, concelho do Carregal, com o seu
marido Gelásio da Cunha Magalhães.
Demora este palacete no antigo Terreiro
de Santa Christina, depois Largo dos Nerys
e do Seminário, hoje Largo de Alves Mar-
tins, o campo maior de Viseu depois do
Campo da Feira.
Está muito vantajosamente situado o di-
cto palacete e, logo que a camará mande,
como já devia ter mandado, demolir uns
tristes casebres que estão entre a rua da Re-
gueira e a estrada mova de Mangualde, fica
o menciooado palacete com duas bellas fa-
chadas sobre o dicto campo.
VIS
VIS 1551
Edificios públicos brasonados
1. " — A cathedral.
Tem na sua riquíssima abobada as armas
do bispo que a mandou fazer na sua maior
parte— D. Diogo Ortiz de Vilhegas,— e as ar-
mas d'ei-rei D. Manuel —de seu filho o car-
deal D. AíTonso, bispo de Viseu —de D. Jor-
ge da Costa, cardeal d'Alpedrinha — e as de
el-rei D. Affouso V e de D. João II,
Nos claustros tem nas abobadas as armas
do seu fundador— o bispo e cardeal D. Mi-
guel da Silva.
Na Capella da Cruz e nos mesmos claus-
tros tem as armas do bispo D. Gonçalo Pi-
nheiro—e n'outras capellas e em differen-
tes sitios tem outros muitos brasões d'ar-
mas,— nenhum porem ná sua pobre fronte-
ria depois da estúpida restauração feita pelo
cabido em 1640 a 1671.
Veja-se o tópico relativo á cathedral.
2. " —A egreja de Misericórdia.
Tem na frente as armas reaes portugue-
zas.
S.o—A egreja da Ordem 3.» de Nossa Se-
nhora do Carmo.
Tem as armas da ordem.
4. »— A egreja da Ordem 3.» de S. Fran-
cisco.
Tem na frente as armas da ordem e na
escadaria as do bispo D. Julio Francisco de
Oliveira, que mandou fazer as dietas esca-
das.
5. » — A egreja do Seminário.
Tem na frente as armas da Congregação
do Oratório, á qual pertenceu até 1824, como
diremos adiante.
6.0— A Capella de Nossa Senhora da Victo-
ria, mandada fazer pelo cónego Antonio de
Almeida d'Abreu em 1605.
Tem sobre o seu bello pórtico dois bra-
sões d'armas, — um de cada lado: o da direita
d'Abreus e Almeidas, o da esquerda de Car-
dosos 6. . .
De passagem diremos que esta linda Ca-
pella ha muito esta profanada e servindo de
arrecadação dos andores e moveis da ordem
3." de S Francisco, que está na posse d'ella.
Demora a dieta capella a pequena distan-
cia da egreja dos irmãos terceiros de S. Fran-
cisco, com frente para o Rocio.
7."— Capella de S. Domingos, na rua ou
viella de S. Domingos. Não é edifício publi-
co, mas particular, e tem o brazão dos anti-
gos senhores da quinta de Santo Estevão,
que a fizeram, assim como a frente nova da
sua casa, cuja fachada principal deita para
a rua da Cadeia (hoje de D. Duarte) e fica
separada da capella por esta viella, com a
qual casa pega a celebre casa da Torre,
d'e3ta rua, que ainda exisie com a torre.
Tem debaixo do formoso janellão gothi-
co as armas do conselheiro Pedro Gomes
d'Abreu, que a comprou em praça. Era a
casa do Almoxarifado, onde a tradição diz
nascera el-rei D. Duarte, tanto que em me-
moria doeste facto se concedeu ao dicto con-
selheiro e seus descendentes, senhores da
quinta de Santo Estevão, o privilegio de
azylo, e ainda nos princípios d'este século
existia chumbada na parede por baixo do
janellão gothico, uma cadeia a que os cri-
minosos se agarravam. Esta capella, a casa
nova e a da Torre pegada, foram em nos-
sos dias vendidas, quando se extinguiu
aquella família de Santo Estevão.
Vide infra, o n.» 11, e o tópico Templos
extinctos, n." 5.
S."— Capella de Nossa Senhora da Concei-
ção, junto do Campo da Feira.
Tem na frente um escudo com o emblema
do mysterio da Conceição.
9. °— Paço Episcopal de Fontello.
Tem no fim da grande avenida, à entrada
do terreiro, 2 brasões d'armas de 2 bispos
visienses.
10. * — Paço episcopal dos tres escalões, tam-
bém denominado Collegio, contíguo á cathe-
dral.
Tem sobre a porta principal um nicho
com a imagem de Nossa Senhora da Espe-
rança e aos lados 2 brasões d'armas: — um
do bispo D. Nuno de Noronha, que ali fun-
dou o velho Seminário em 1593;— outro do
bispo D. Fr. Antonio de Sousa, suecessor do
antecedente e que continuou a dieta obra,
não chegando a vel-a ultimada porque fal-
leceu em 1597, havendo tomado posse em
I 1595.
1552 VIS
VIS
" 11." — Cruzeiro do adro da Sé.
Tem as armas do bispo D. Julio Fran-
cisco d'01iveira, e a data em que o mandou
fazer— 1760— em substituição d'oulro mais
antigo e muito modesto.
12.°— O antigo Hospital das Chagas, que
pertenceu à Mií-ericordia.
Tem na frente o emblema da sua insti-
tuição e aos lados as armas do mesmo bispo
D. Julio, com a data 1759, por haver n'a-
quelle anno mandado fazer n'este hospital
grandes obras.
Tem mais 2 brasões do mesmo bispo em
dependências annexas, feitas por elle tam-
bém.
i^."— Hospital Novo da Misericórdia.
Tem no frontão as armas reaes;— na ex-
tremidade E. da fronteria as armas antigas
da cidade de Viseu; — na extremidade op-
posta as armas da Santa Casa— e ao alto do
frontão 3 grandes e formosas estatuas de
granito, representando a Fé, a Esperança e
a Caridade.
Occupa o centro e a parte culminante a
Caridade; á sua direita tem a Fé; á. esquer-
da a Esperança.
1 í.°—A casa municipal da Ribeira.
Tem a camará no Bairro da Ribeira e
junto do Campo da Feira uma casa para on-
de costuma transferir a sua secretaria e ce-
lebrar as i^uas sessões por occasião da gran-
de feira, de que logo fallaremos. Na parte
restante do anno ficava devoluta a dieta ca-
sa e, depois que se creou em Viseu o corpo
da policia civil, tem esta ali a 2.» esquadra.
No cunhal do lado direito se vêem as ar-
mas reaes, e uma inscripção com o nome
de quem mandou fazer a dieta obra no an-
no de 1738:— Alvaro José Saraiva Beltrão,
então juiz de fóra de Viseu, (senhor da Quin-
ta do Ribeiro no concelho de Caria), presi-
dente da camará, e os vereadores João d'Al-
meida de Mello e Vasconcellos (senhor da
casa de Santo Estevam e da casa da Torre,
na rua da Cadeia) e Henrique de Lemos Cas-
tellobraneo, senhor da casa dos Lemos de
Arganil e Viseu.
Fonte de Santa Christina, no antigo
largo do seu nome, hoje Largo d' Alves Mar-
tins.
Tem as armas do cardeal D AfTonso e a
esphera armilar d'el-rei D. Manuel, pae do
dicto infante.
IG "—Chafariz do Arco, junto da Porta
dos Cavalleiros e defronte do palacete que
foi dos Albuquerques.
Tem 2 bicas; no alto um nicho com a ima-
gem de S. Francisco d'As8is— e um escudo
com as armas reaes por baixo.
Não tem actualmente Viseu mais edifícios
públicos brasonados, porque os novos paços
do concelho ainda não estão concluídos,
posto que n'elles já funccionam diversas re-
partições publicas.
Edifícios brasonados particulares
{."-—Casa e quinta do Serrado, do viscon-
de d'este titulo.
2. °— Casa e quinta do Cruseiro, dos Ser-
pes Mellos.
3. » — Casa e quinta de S. Miguet, dos Car-
dosos, senhores d'esta quinta.
4. ° — Casa e quinta de Maçorim, dos Ma-
chados e Silveiras.
b.'—Casa da Prebenda, dos Nápoles e
Bourbons.
6. » — Casa dos Sousas Valentes, no Largo
de S. Sebastião.
7. " — Casa de Francisco Antonio da Silva
Mendes, no Rocio ue Santo Antonio, hoje
Passeio de D. Fernando.
5. " — Casa dos Pinhos e Azevedos, no mes-
mo Passeio de D. Fernando.
9. " — Casa dos Abrens Magalhães, m Largo
d'Alves Martins.
10. * — Casa dos Bandnras da Gama, de
Torre Deiía, no iMrgo de Traz do Collegio^
11. " — A Casa da Rua da Cadeia, na rua
d'este nome. Casa onde, segundo diz a tra-
dição, nasceu el rei D. Duarte e que foi do
cónego Pedro Gomes d'Abreu, e depois dos
descendentes d'este, senhores da quinta de
Santo Estevão (hoje vendida e pertencente a
estranhos) pelo que na dieta casa poz o bra-
são que lá se vê, que é dos Abreus e Soa-
res d' Albergaria, de que uzava o dito cóne-
go e que estava também no seu tumulo na
Capella do Calvário no claustro da Sé, por
detraz do grande quadro do Grão Vasco.
VIS
Vide o lopico anterior n.° 7, das Famílias
nobres de Viseu e o dos Templos extinctos.
12. °— Casa que foi dos Erneslos Teixeiras
de Carvalho, hoje do conde de Prime, na rua
de Cimo de Villa, ou rua Direita.
13. °— Casa que foi dos Cardosos Cerquei-
ras, extinctos, iioje possuída e habitada pela
família Queiroz Pinto d'Aíhayde, de Louro-
za, ou Favaios. V. o tópico Casas particula-
res, n.° 3.
14. °— A casa que foi da família Chaves e
que hoje pertence a Joaquim d'Almeida
Campos, com a capella de Santa Caiharma,
hoje profanada, ao Miradouro.
15. » — A casa que foi dos Silveiras de La-
mego e que ha muitos annos é do estado.
N'ella se acham as secretarias da 2.» divi-
são e o calabouço.
Estas ca^as n ° 13 e 15, demoram na ce-
lebre Rua Direita.
16. °— A Cam do Arco, que foi da nobilís-
sima, antiquíssima e riquíssima família Al-
buquerques.
Tem 2 brasões d'armas:— um na fronte-
ria;- outro na porta do quintal sobre a rua
da Regueira, hoje de D. Luiz I.
Demora na rua dos Cavalleiros, parte in-
tegrante também da celebre rua Direita,
como já dissemos.
17,0 — j\ caga do sr. dr. Nicolau Pereira de
Mendonça Falcão, residente na sua bella
quinta de S. Salvador, como já dissemos.
18. °— A casa dos Tóvares Noronhas, de
Mões, de quem logo fallaremos.
Estas ultimas duas casas demoram na rua
da Calçada.
19. ° — Casa dos Lemos de Sousa, de Villa
de Chã de Sá, na rua de D. Luiz l.
Ficou só em paredes e estas em pouco
mais de metade, mas tem brasão e é o edi-
fleío particular com mais pé direito que ha
em Viseu.
20. °— Casa que foi dos Almeidas Vascon-
cellos, na mesma rua de D. Luiz I, ou Ri
gueira.
Pertenceu aos antigos barões de Mossame-
des, depois condes da Lapa, que a vende-
ram com outros bens à família Mendes, sua
possuidora actual, e tem uma bella cerca.
21. ° — A casa que foi dos Loureiros Car-
VIS 1553
dosos, depois barões de Prime, na rua de S.
Miguel.
Pertenceu ao visconde de Loureiro, fllho
e successor do barão de Prime, e foi ha pou-
cos annos arrematada por Antonio de Pádua
Ponce de Carvalho, seu actual possuidor.
22. °— A casa dos Chaves Araujos, na rua
de S. Miguel, só com brazões antigos nos te-
ctos das salas.
23. °— A casa dos Figueiredos da Povoa,
fronteira à antecedente.
Estas ultimas duas casas demoram tam-
bém na rua de S. Miguel e ambas são bra-
sonadas, mas não leem os brasões na fron-
teria.
24 o_A casa dos Mellos e Castros d' Abreu,
na rua do Chão do Mestre.
Foi ultimo senhor (i'esta casa e de outros
muitos bens o conde de Santa Eulália— Au-
tonio Augusto de Mello e Castro d' Abreu, ha
pouco fallecido, não deixando successão nem
testamento. E, tendo muitos parentes remo-
los, tractam de habilitar-se 4, em 7." grau«ci-
vil, que dividirão entre si esta grande casa.
25o_A casa que foi dos Abreus Maga-
lhães, morgados de Santa Christina, na rua
do Chão do Mestre, e que é hoje do nego-
ciante Perdigão, que tem feito n'ella muitas
obras, pois estava em grande abandono e
quasi em ruínas.
N'ella se acham montadas as typographias
do Jornal de Viseu, Districto de Viseu e Li'
berdade.
Esta casa, bem digna de melhor sorte,
tem um pórtico lindíssimo,— o primeiro de
Fw«M— luxuosamente ornamentado e enci-
mado por armas de eccleúastico. Não sa-
bemos quem a fundou, mas devia ser pes-
soa respeitabilissima, de alta posição ecele-
siastíca, porqne o brasão parece pontifí-
cio l...
Pertenceu muitos annos aos morgados de
Santa Christina, o ultimo dos quaes a em-
I prasou ao mencionado negociante, que ain-
da hoje d'ella paga fôro á ex.^^sr.» D. Ignez
d'Abreu, herdeira do vinculo e do palácio de
Santa Christina, no largo d'esle nome.
I Tem pois Viseu actualmente 41 ediflcios
I brasonados e alguns antiquíssimos, o que
' prova que Viseu é desde tempos muito re-
1554 VIS
VIS
motos um viveiro de nobresa e uma cidade
importante,— í nunca teve tanta vida como
hoje ( . . .
Prosigamos.
Commercio e industria
Tem Viseu muitos estabelecimentos com-
merciaes, alguns bem montados e um banco
próprio, intitulado
Banco Agrícola e Industrial
Este baoco, destinado a beneficiar a agri-
cultura e a industria, foi creado em 1868,
principiando a funccionarem 13 de abril do
mesmo anno.
Foram seus primeiros gerentes Francisco
de Mello Lemos e Alvellos (hoje visconde do
Serrado), o dr. Bernardo Antonio da Silva e
Andrade e José Luiz do Amaral Guimarães.
Ç)3 seus fundos, que ainda hoje se conser-
vam, foram 60 contos, dos quaes pertencem
40 a Misericórdia e 20 aos accionistas. As
acçòps são 3:000, cada uma do valor de réis
20^000.
As suas operações são empréstimos sobre
letras com hypothecas, — sobre penhores e
em conta corrente. O seu juro tem sido
sempre de 7 p. c.
Seus directores actuaes são o dr. Manuel
Antonio Barroso e o comroendador Duarte
d'Almeida Loureiro e Vasconcellos;— subs-
tituto Camillo Augusto da Silva e Andrade.
Tem Viseu agencias d'oUtro8 bancos e
companhias;— 6 pharmacias;— 8 estabeleci-
mentos d'alfaiate,— 8 de barbeiros e IS de
sapateiros,— differentes alquilarias e estabe-
lecimentos do diligencias,— ferradores, cor-
rieiros, serralheiros, ferreiros, pedreiros,
carpinteiros, marceneiros, livreiros e enca-
dernadores, cerieiros e muitos latoeiros de
folha branca e de amarello, surradores, 2
fabricas de sola, etc.
Feiras e mercados
Tem Viseu mercados todas as terças fei-
ras de cada semana e uma feira annual im-
portantíssima e antiquíssima denominada
Feira de S. Matheus.
Começa no dia 20 e acaba no dia 30 de
setembro e foi, como a de Trancoso, uma das
mais privilegiadas do reino, pelo que se de-
nominou e ainda hoje se denomina também
Feira Franca.
Desde tempo immemorial se fazia esta
feira no vasto chão ou campo da Cava de
Viriato í, de que logo fallaremos, mas el-rpi
D-ÍDuarte a mudou da Cava para a Ribeira
— e do dia de S. Jorge, 23 d'abril, para o de
S. Matheus, 2i de setembro, declarando-a
franca, ou isenta dos tributos e direitos ds
portagem 3 dias, pelo que rapidamente se
tornou importantíssima I A ella concorriam
industriaes e negociantes de todo o nosso
paiz e até mouros de Granada! Deeahiu bas-
tante com a perseguição e expulsão dos
mouros e judeus;— depois com a extincção
^ Francifco Manuel Correia, na sua inte-
ressante Memoria ms. diz que esta feira prin-
cipiou em H88 por alvará d'el rei D. San-
cho I, mas Berardo {Liberal de 24 de ju-
nho de 18o7) diz que se ignora completa-
mente a data da origem d'esta feira e pre-
sume que deve o seu principio à festa e ro-
magem que no dia 23 d'abril costumava fa-
zer-se a S. Jorge, na sua capella dentro da
Cava de Viriato, porque (diz elle)— tra-
cto e commercio dos nossos passados era
muito escaço, e as romarias forão occasião
do estabelecimento de muitas feiras, onde os
concorrentes, de passagem, trocavao e ven-
diào 08 seus haveres.»
loclinamo nos á opinião do sábio cónego,
mesmo porque a dicia feira até o tempo de
D. Duarte se fez sempre a 23 d'abril, dentro
da Cava, no dia da festa e da romag-m de
S. Jorge, orago da dieta capella, pelo que
também se denominava Feira de S. Jorge, e
só depois que a feira se mudou para o cam-
po onde hoje se faz e para o dia S. Matheus,
é que tomou o nome de Feira de S. Matheus,
collocando-se por essa occasião a imagem
d'este apostolo na capella de S. Luiz, que
estava no chão, para onde foi mudada a fei-
ra,— imagem que ainda hoje se vé na ca-
pella de Nossa Senhora da Conceição no
mesmo Campo, feita junto da de S. Luiz e
em substituição d'ella.
Veja se o n.» 10 no tópico dos Templos
extinclos—e o n.° H no tópico do Templos
actuaes.
VIS
das suas enormes franquias— e ultimamente
com o progresso da viação e facilidade das
communicações entre nós, o que tem annul-
iado a importância de todas as nossas fei-
ras. Soffreu esta também muito, mas ainda
VIS
1555
assim é hoje sem contestação a primeira
d'esta província e talvez a primeira de Por-
tugal 1 . . .
Não exageramos, como prova o docu-
mento seguinte :
Mappa estatístico official dos objectos expostos á venda
na FEIRA FRANCA de Viseu
em setembro de 1886, e valor das vendas n'ella realisadas
N.» dos
eitabele-
eimentos
3
3
4
5
7
i4
13
10
2
5
19
27
23
16
4
6
12
8
7
3
10
4
23
Objectos expostos i venda
Importância
dos objectos
expostos
Colchoeiros •
Caldeireiros
Corrieiros
Funileiros
Latoeiros d'amarello
Sapateiros
Tamanqueiros ■
Chapeleiros
Livreiros
Retrozeiros
Capellistas
Quinquilherias
Bufarinheiros
Lojas de pannos^a retalho
Estabelecimentos de pelúcias
Toalheiros
Ferrageiros
Mercieiros
Louceiros nacionaes e estrangeiros
Vidraceiros
Vendedores de ouro e prata
Relojoeiros
Vendedores de linho em rama..
Pannos da Covilhã
Ditos de Arreniella, Alemquer, Lisboa e Pader
nello
Cobertores •
Carneiras e pellicas
Saragoça em fardos
Depósitos de machinas de costura
Somma
Cifra das vendas
realisadas
1: 50011000
2:000^000
350)^000
3:500,^000
2:000,ííOOO
7:500W
800,^1000
2:300,3000
d4:000i?í000
o . KAl \ ^AAA
5:000^000
f- .AAA flíAAA
4:00U#UuU
12:000 WO
2:500;^000
2:000íS000
600,^000
35:000,^000
9:800,^000
85:000,ÍÍO0O
52:000,^000
17:000^000
4:500 ,jí000
16:000,^000
3:800,^000
100:000,^000
14:000,^000
5:000^000
4:600^5000
S.OOOíOOO
2:000,5000
9:000,^000
3:000,5000
11:000,^000
4:800^000
12:000^000
5:000^000
loO^OOO
3:000^000
800^000
120:000^000
6:000^000
300,5000
8:000,^000
6:000^000
400:000,^000
220:000^000
200:00Oí0OC
> 100:000,5000
60:000í00C
2:000^00C
) 28:000^000
) 2:000,5000
30:000,^00(
) 28:000^000
10:000,g00(
) 800^000
1.216:300W
) 471:300^000
1556 VIS
VIS
N.» dos
estãbele-
eimenlos
Objectos expostos á venda
Transporte
Sola
Beserro cortido
Alfaiates cora roupas feitas
Teias de linho
Estopa
Ferro e aço em barra
Cordões e atacadores
Albardeiros
Fusos
Rocas
Vasilhame para vinho
Taberneiros que venderam 70 pipas de vinho de
550 litros
Araendoa 1:650 kilos
Pera secca 550 kilos
Ameixa secca 500 kilos
Pecegos 35 kilos
Milho
Cevada
Palha
Rodeiros
Gamellas de pau..
Sardinha
Ferragens
Sebo
Estanques
GADOS
Bovino
Bezerros
Muar
Cavallar
Asinino
Total
Importância
dos objectos
expostos
1.216:300)^000
105:000,^000
35:000>^000
4:500,^000
1:000^000
lOOi^OOO
14:400^000
2:500^000
100^000
60^000
350,^000
40:656,^000
500,^000
200,^000
66,2000
7
150^000
80,2000
6O',g0OO
35I00O
150^000
150^000
300^000
65,3000
SOOáOOO
mmoo
65,2000
50011000
90,1000
70,2000
150,^000
150,2000
1:500^000
700^000
280:000^000
50:000^000
45:000,^000
17:500^000
15:000,^000
9:000^000
8:000,^000
3:000^000
1:250,2000
500,2000
1.773:154,2000
736:849^000
Do exposto se vé que a Feira Franca de
Viseu é muito importante ainda.
Fez-se na Cam de Viriato, durante sécu-
los;—depois, por ser o dicto local muito er-
mo, alagadiço e distaote da cidade ^600 a
1:000 metros (referirao-nos à Sé) o que dava
occasião a furtos, roubos e outros crimes,
mudou-se para dentro da cidade e alguns
annos se fez no Rocio de Santo Anton.o. hoje
Passeio de D. Fernando, e ao longo dis ruas
o que tinha também graves inconvetientes,
pelo que se mudou no tempo d'el rei D.
Duarte para o campo onde se fai ainda ho-
je, denominado Campo da Feira, m mar-
VIS
VIS 1557
gem direita do Pavia, entre este rio e a ce- i
lebre Cava de Viriato, de que logo faliare-
mos. *
O dicto campo é irregular, mas espaçoso;
— peio meio d'elie passa hoje a estrada real
a macadam n." 7, de Viseu a S. Pedro do
Sul, — e por oecasião da feira addicionam ao
dicto campo alguns chãos contíguos, que na
parte restante do anno são cultivados. A esta
feira vinham antigamente os mouros gra-
nadinos e da Estremadura e Andaluzia com
productos das suas industrias, e nos nossos
dias ainda vem poldros das melhores raças
andaluzas de cavallos. Hoje vem já poucos,
mas ainda concorrem bastantes hespaohoes
da raia da Beira.
Também todas as terças feiras se faz no
dicto Campo de Viriato^ feira de gado bo-
vino, suíno, etc.
Largos e praças
í." — Passeio de D. Fernando, — oulr*ora
Quinta de Maçorim, — depois Campo de Ma
çorim, feito em uma parte da mencionada
quinta.
Denominou-se também Rocio de Santo An-
tonio, depois que junto dVlIe, na parte res-
tante da bella quiota de Maçorim, se fez o
convento de Santo Antonio, de frades ca
puchos.
É hoje o campo e o passeio publico mais
bonito de Viseu, mas pouco espaçoso, pouco
alindado e muito irregular.
Tem apenas algumas arvores de grande
porte, alguns bancos e um pavilhão onde
costuma tocar nos domingos e quintas fei-
ras a banda regimental^ — e no dicto cam-
po, se erguem os novos Paços do concelho.
1 D. Duarte governou apenas 5 annos, —
de 1433 a 1438;— era tilho de D. João I-e
nascera em Viseu em 1391, pelo que não
só deferiu a petição dos visiens^es, relativa-
mente á mudança do local e dia da feira,
mas na provisão, cujo autographo se per-
deu, muito generosamente acerescentou: E
por attentarmos a ser nuquella cidade o nos-
so nascimento, a concedemos tres dias franca.
Bom serviço prestou á sua terra natall...
2 Assim se denomina hoje o antigo Cam-
po da Ribeira, depois Campo da Feira.
Visèu, sendo capital de província e uma
cidade tão importante e de tantos recursos
(desculpem os visienses a franqueza) não
tem um jardim publico, nem uma alameda,
nem um boulevard, avenida ou parque de re-
creio I
N'este ponto envergonham-na Lamego, a
2.* cidade d'e8ta província, e outras muitas
das nossas cidades de 2.» ordem, laes são
Évora, Vianna, Guimarães, Setúbal, Porta-
legre, Elvas e Beja. Envergonham na até al-
gumas das nossas villas, taes como Cintra»
Barcellos, Villa Viçosa, Villa Real de Traz-
os-Montes, Valença do Minho— e as praias
da Foz do Douro e da Granja.
Viseu tem e leve sempre muitos filhos be-
nemeritos, mas nunca teve um que se dedi-
casse aos melhoramentos e embellesameutos
da cidade como, por exemplo, o sr. visconde
de Guedes Teixeira se dedicou aos melho-
ramentos e embellesameotos de Lamego — e
o sr. José Guilherme Pacheco aos melhora-
mentos e embellesamenios da villa de Pare-
des, sua pátria adoptiva.
Appellamos francamente para quem visse
e conhecesse as cidades de Viseu e Lamego
e a Villa de Paredes ha 20 annos — e as veja
na actualidade.
Viseu— com pequena diíTerença — cooser-
va-se no staíu gno;— pelo contrario Lamego
e Paredes mudaram de fond en comble !
Tem Viseu apenas melhorado em edifi-
cios públicos e particulares, e em poucas
ruas e estradas a macadam que a atraves-
sam.
Com vista aos ill.'"'" e íx.""
srs. governador civil, conselhei-
ros do districto, administrador
do concelho e vereadores de Vi-
seu— bem como a todos os be-^
nemeritos visienses.
Campo da Feira ou de Viriato.
É o campo já deseripto supra.
S " — Largo de Alves Martins.
É bastante espaçoso, em forma de um
quadrilongo e o mais regular de todos, mas
está completamente nú !.. .
Sobre elle se erguia outr'ora à direita e
logo á entrada, indo da rua da Regueira^ a
1558 VIS
VIS
Capella de Santa Chrislioa, pelo que se de- |
Dominou Largo de Santa Christina; — tam- |
bem 88 denomíDou Largo do Carmo, depois
que se fez junto da dieta capella a esplen-
dida egreja de Nossa Senhora do Carmo-
Denomiuou-se finalmente Largo dos Nerys
ou dos Congregados e Terreiro do Semi-
nário, depois que no topo e ao cimo d'elle
se fez o convento dos Padres do Oratório,
congregados de S. Filippe Nery, hoje semi-
nário diocesano desde 1824.
Veja-se no nosso Catalogo dos bispos vi-
sienses o tópico do bispo Lobo.
Weste campo, junto da egreja de Nossa
Senhora do Carmo, se vê um chafariz muito
antigo, onde se bebe a melhor agua de Vi-
seu.
É a Fonte de Santa Cristina, de que já fi-
zemos menção entre os edificios públicos
brasonados, sob o n.» 15.
i."— Largo de S. Miguel, na frente da an-
liquissima egreja de S. Miguel do Fetal, de
que adiante fatiaremos.
N'e8ie campo e junto da dieta egreja está
a Eschola do Conde de Ferreira, assim deno-
minada por ser uma das muitas casas de
eschola que em Portugal se fizeram com o
subsidio deixado por aquelle benemérito ca-
pitalista portuense. *
No dicio campo se costuma vender carvão
de urze de Arganil e da serra de S. Macá-
rio.
5 ° — Largo das Freiras, em frente do con-
vento das religiosas benedietinas.
Por este largo se entra para o theatro —
Boa União, hoje o primeiro de Viseu — e tem
o dicto largo a 0. um grande arco de pedra
denominado Arco das Freiras, porque sobre
elle assenta uma parte do convento, — e Ar-
co dos Cavalleiros, porque dava entrada pa-
ra a rua dos Cavalleiros, hoje rua Direita,
que se prolongava e prolonga até o arco da
casa dos Albuquerques ou da Porta dos Ca-
valleiros, uma das velhas portas da cidade-
6.° — Adro da Sé na frente da cathedral,
erguendo-se do lado opposto a egreja da Mi-
sericórdia—e do lado sul, à direita de quem
^ V Campanhan, tomo 2.° pag. 59, col.
entra, uma torre do tempo dos romanos, que
serviu d'Aljube ou prisão ecelesiaslica, hoje
cadeia civil.
É um largo bastante espaçoso, mas desa-
brido, irregular e mi, sem bancos nem ar-
voredo.
A um lado d'elle se ergue o eruseiro de
que já fizemos menção no tópico Edificios
públicos brasonados, sob o n.» 11.» — e n'e8te
largo se vende todas as terças feiras louça
vidrada, sal e ferragem.
Demora no ponto culminante de Viseu
outr'ora escabroso e muito defensável, pelo
que os romanos em volta d'elle fizeram gran-
des torres e muralhas e uma boa praça de
guerra para os tempos d'armas brancas.
Veja-se o tópico relativo á cathedral.
7.*— Praça da Senhora dos Remédios,— ou
Praça da Erva, porque n'este largo se ven-
de a erva.
Demora no cimo d'esta praça o palacete
do fallecido conde de Santa Eulália.
H.*— Largo do Collegio.
Demora este largo junto ao grande edi-
fleip do Collegio, antigo Seminário e paço
Episcopal, para o lado N. Não é nivelado, an-
tes muito accidentado e escabroso e com la-
gos naturaes e penedos á vista ! . . .
N'este largo se vende em todos os dias de
feira louça de barro preta e vermelha, tijo-
lo, telha, vazos e cortiços para flores.
9."* — Praça de Luiz de Camões, desde as
festas do tricentenário do grande épico, e an-
tigamente Praça do Commercio ou Praça
Velha.
Demora no alto da antiga rua da Cadeia,
hoje rua de D. Duarte, e contigua á cadeia
civil, uma das vell^as torres romanas.
É uma praça muito irregular e pequena»
mas toda revestida de casas com estabele-
cimentos commerciaes desde tempos muito
remotos, pois foi o coração de Viseu. D ali
e da próxima fortalesa, hoje cathedral, irra-
diou a população para todos os quadrantes
até ás campinas da baixa, onde se vé hoje a
parte melhor de Viseu.
Na dieta praça vende se nas terças feiras
linho, calçado de toda a ordem e miudesas
ou artigos próprios de tendeiros ambulan-
tes.
VJS
VJS 1559
Ao cimo d*esta praça, junto do Chão do
Mestre, estavam os antigos paços do concelho
iDcendiados no século xviii.
10.*— Praça 2 de maio,— vulgarmente Pra-
ça Nova.
É um esplendido mercado coberto, muito
elegante e vistoso, a praça mais regular de
Viseu. Tem no meio 4 espaçosos alpendres
com coberturas de zinco e columnas de
ferro; sobre a rua Formosa uma bella fron-
teria gradeada de ferro, com um elegante
pórtico lambem de ferro no centro— e nos
seus 4 ângulos 4 torreões com portas e ja»
Delias de ogiva,— torreões que a camará mu-
nicipal arrenda, bem como os alpendres in-
teriores.
Vendesse n'esta praça hortaliça, queijo,
aves, frueta, pãj, batatas, etc, etc.
É tão espaçosa esta praça que raríssimas
vezes se enche.
Principiarann as obras no quintal do ba-
charel Heitor de Lemos e Sousa, junto do
Grémio Visiense, no dia 21 d'agoslo de 1877,
e deu-se-lhe a denominação Dois de maio,
dia memorável para Viseu, porque no flia 2
de maio de 1834 entrou em Viseu o duque
da Terceira com as tropas liberaes do seu
commando, estabelecendo o governo consti-
tucional de S. M. a rainha D. Maria II.
loaugurou-se a dieta praça no dia 2 de
maio de 1879, mas só no domingo 28 de se-
tembro seguinte n'ella se fez o primeiro mer-
cado.
Tem esta praça um contra:— ser bastante
faumida, por estar no sopé de uma grande
barreira.
Templos qcíuaes
l.'—A Sé.
Veja-se o titulo Cathedral de Viseu.
i *—Egreja de Nossa Senhora do Carmo.
Veja se o titulo Ordens terceiras.
' Tem 5 altares, 2 torres e uma bella fron-
teria de granito.
3.» — Egreja do Seminário.
Tem graude pé direito, bella fronteria, 7
altares, côro para os seminaristas, abobada
de tijolo, etc.
V. Conventos e Seminário.
4. * — Egreja de S. Francisco.
Tem 7 altares, boa fronteria e bom átrio,
etc. V. Ordens terceiras.
5. » — Egreja da Misericórdia. V. Misericór-
dia.
ò.*— Egreja do convento de Jesus, de frei-
ras benedictinas, com 3 altares e boas deco-
rações de talha antiga.
Veja-se o titulo Conventos.
7. "— A histórica e antiquíssima egreja de
S. Miguel do Fetal.
D'ella faltaremos, bem como do lendário
tumulo de D. Rodrigo, no fim d'este tó-
pico.
8. »— A egreja da Via Sacra— ou de S.
Francisco das Chaga'*.
Demora no alto da Via Sacra.
Vide adiante o tópico d'esle nome.
Demanda restauração e n'ella se acha ere-
cta a irmandade de Santa Cruz e Passos.
9. "— Capella de Santa Martha, no Paço de
Fontello.
Tem 3 altares. O altar-mór é o de Santa
Martha e de traz d'este, que fica separado da
capella-mór, está por cima uma formosa tela
de Grão Vasco, representando Jesus Chrísto
em casa de Martha, que me parece ser a me-
lhor da Capella, posto que tem muitas e algu-
mas de merecimento.
Havemos de indical-as todas, quando fal-
larmos do celebre pintor Grão Vasco.
O altar collateral do lado da epistola, é dos
dois S. JoÕes: o Evangelista e o Baptista
mostrando o Agnus Dei.
O do lado do evangelho é dedicado a S.
Pedro e S. Paulo.
O actual prelado tem r£Staurado e aper-
feiçoado muito esta eapella, bem como o Pa-
ço de Fontello que estavam muito descura-
dos. N'este tem feito importantes obras e
melhoramentos, e agora anda consiruinda
uma bella varanda a S. para tornar também
por aquelle lado mais commoda a commu-
nicação com a capeila.
10. °— Capella de S. Sebastião, na rua do
Soar de Baixo, ou do Prineipe Real.
Tem 3 altares e não é muito antiga, mas
ignora-se quando e por quem foi fundada.
Também não ha muito que a devoção de
I mordomos a tinha bem reparada t festejava
1560
VIS
VIS
todos os annos o martyr, mas depois essa de- 1
voção esfriou; as festas cessaram— e na po- I
bre Capella apenas se dizia alguma missa re- |
sada.
Pelos annos de 1820 foi dourada a tribuna
6 pouco depois se fez o côro e a escada ex-
terior para elie.
Consta que houve uma irmandade de S.
Sebastião n'esta capella, mas foi extineta por
falta de zelo e de meios.
É publica.
Em 1886, por occasião de estar Viseu amea-
çado da invasão do cholera, certos devotos
do Martyr principiaram a colher donativos
para restaurar a irmandade e a capella, o
que conseguiram reformando a capella e os
estatutos; admittiram muitos íieis; fizeram
DO anno de 1887 uma brilhante festividade
a grande instrumental, sermão e procissão
— 6, promettem continuar.
11. °— Capella de Nossa Senhora da Con-
ceição.
Demora na Ribeira e tem irmandade pró-
pria, instituída em 1662 na antiquíssima ca-
pella de S. Luiz, hoje profanada e era ruí-
nas, junto da de Nossa Senhora da Concei-
ção, que foi feita por ser a de S Luiz muito
pequena e estar muito arruinada com o pe-
so dos séculos, pois datava do tempo d'el rei
P. Duarte, segundo se suppõe.
É publica e nVIla se v.^nera a imagem de
S. Matheus, que estava na capella de S. Luiz^
onde foi collocada por occasião da mudança
da feira.
12. °— Capella de Nossa Senhora dos Re-
médios, no largo d'este nome.
Como diz uma inscripção que ainda hoje
tem na fronteria, foi fundada pelo povo em
1742 e por consequência era publica, mas,
caindo em grande abandono com o decor-
rer do tempo, lançaram mão d'ella os donos
da casa de Santa Eulália, contigua á pobre
capellinha.
Até 1824 nVIla costumava resar o terço á
noite, com grande concurso de povo, José
Paes d'Almeida, pharmaceutieo muito reli-
gioso;— d'ali costumava também sair em pro-
cissão a visitar os Passos— e todos os annos
o mesmo bemfeitor e protector d'esta capel-
linha D'ella festejava com missa cantada e
sermão a podroeira, o que tudo acabou no
mencionado anno com a morte do piedoso
pharmaceutieo.
13. ° — Capella da Balsa, particular, da in-
vocação de Nossa Senhora e do Santíssimo
Coração de Jesus.
Demora na Balsa; pertence ao rev."» sr.
Padre Antonio Ferreira d'Almeida, secreta-
rio da camará ecclesiasiiea;— é moderna e
muito elegante — e tem Santíssimo perma-
nente.
Foi fundada em 1884 e inaugurada com
pomposa festividade em 2 d'abril do mesmo
anno. O seu altar é privilegiado in perpe-
tuim, com indulgência plenária. Tem uma
rica imagem da padroeira, imagem feitai na
AUemanha, e duas formosas telas vindas de
Roma— A morte de S. José e o Immaculado
Coração de Maria.
14. ° — Capella de Santo Antonio em Cimo
de Villa.
É também particular; — demora no Cimo
de Villa— e pertence ao conde de Prime, a
cuja casa está pegada.
15. °— Capella de Nossa Senhora do Pran-
to. Demora também no Cimo de Villa, na
rua de S. Martinho, continuação da rua Di-
reita—e foi fundada pelos moradores da di-
eta rua em 1746, como diz uma inscripção
que tem na frente e que é textualmente a
seguinte :
HOC PLATEAE CIVES HUJUS P08UERE SACEI.-
LUM,
SuMPTiBUS, Alma, suis, suscipe vota
Parens.
Em vulgar: tOs cidadãos d'esta rua fize-
ram esta capellinha à sua custa. Virgem
Mãe, acceitae seus votos.»
Era pois a dieta capella evidentemente
publica e publica deve considerar-se ainda,
posto que, ha annos, os donos das casas
contíguas, hoje pertencentes — a do lado de ci-*
ma ao commendador Duarte d'Almeida Lou-
reiro e Vasconcellos, — e a do lado de baixo
a Nicolau Cabral de Mello e Abreu Maga-
lhães, residente em Papisios, concelho do
Carregal, — talvez por haverem feito na po-
bre capellinha alguns reparos, abriram Q'ella
VIS
VIS 1561
portas de comraunicação para as dietas ca-
sas,— D*ella mandam celebrar missas como
em Capella sua— e ambos teem chave para
poderem abril-a quando lhes aprouver, —
tudo isto com anouencia dos moradores da
dieta rua, legítimos donos da capellinha.
Foram extraordinariamente pomposas as
festas da inauguração em 1746, como pode
ver-t^e do folheto que Francisco Coelho de
Carvalho publicou, descrevendo-as, em 1747.
Intitula-se o dicio folheto: — Relação breve
■das festas que se c^ilebiaram na cidade de Vi-
ieu, feitas em louvor da Virgem Nossa Se-
nhora do Pranto, n'este anno de 1746. Lis-
i)oa, 1747, 4.° de 16 pag.
Veja-se o tomo 2.° do supplemento ao
Diccionario Bibliographico de Innocencio e
a Memoria ms. de Francisco Manuel Correia.
16.°— Capella de S. Caetano, na quinta de
S. Caetano, defronte de Viseu, a 400 melros
de distancia, pertencente á viscondessa d'eâte
titulo. É antiga e muito pequena;— foi fun-
dada por um ecclesiasiieo da família, a quem
os paes ou avós da viscondessa de S. Cae-
tano a compraram — e pertence ao termo da
freguezia de Ranhados, uma das annexas da
Sé.
Ha em Viseu também vários oratórios,
onde 86 diz missa por concessões apostóli-
cas. Não 08 mencionamos por estarem no
interior das casas.
Tamhem no tópico relativo à cathedral
mencionaremos as capellas que ha no inte-
rior d'ella e nos claustros.
Templos extinctos
l.^—A egreja dos frades capuchos do con-
vento de Santo Antonio.
Era um bom templo, mas, depois que se
extinguiram as ordens religiosas e se arvo-
rou o dicto convento em quartel militar, foi
profanada a egreja e transformada em casa
d'arrecadação pelos vândalos d'este século
das luzes ? I . . .
Veja-se o tópico relativo aos conventos.
'i."— Egreja de S. Martinho, na rua d*este
come.
Era um templo venerando pela sua anti-
guidade e tradições.
I Já existia em 1385, quando Jeronymo Bra-
I vo e sua mulher Isabel d'Almeida institui-
i ram nas suas casas, contíguas á dieta egreja,
j um hospital ou gafaria, intitulado Hospital
das Chagas de Nosso Senhor Jesus Christo.
I Veja se o tópico relativo á Misericórdia.
A dieta egreja linha pia baptismal e foi
matriz de parte das povoações ruraes, que
era 1808 se arvoraram em freguezías anne-
xas, das quaes se fez já menção.
Até o meado d'e.^le século servia de Ca-
pella ao díeto hospital, mas, depois que os
doentes se transferiram para o Hospital No-
vo, ficou a pobre egreja em abandono, ca-
hiu em ruinas e d'ella hoje nada resta, por-
que foi demolida em 1876.
Tinha galilé ou átrio coberto á entrada —
e um púlpito riquíssimo, em forma de cá-
lix, feito por dois monolitos de mármore da
Arrábida, que d'ali mandou expressamente
conduzir o bispo D. João de Mello, approxi-
madamente era 1675, para púlpito da Sé, on-
de esteve até que o rev. cabido, na stulla re-
forma e transformação que operou na Sé,
durante a vacância de 1720 a 1740, tirou da
Sé o dicto púlpito, ainda hoje talvez o me-
lhor de Viseu, e colloeou-o na obscura e po-
bre egreja de S. Martinho extra-muros?*....^
Não terminou porem aqui o fadário do
pobre púlpito, pois em 1875 a camará o re-
moveu para a eapella do cemitério munici-
pal, onde se vé hoje com a mesma apparen-
cia e formato que linha, mas partido e com
muitos fragmentos Collados, porque o pe-
dreiro encarregado da remoção era tão es-
túpido e foi tão desleixado, que o despeda-
çou!...
A dieta egreja ou eapella de S. Martinho
era pouco espaçosa;— linha um só altar — e
1 Veja-se o tópico relativo à Cathedral;
entretanto diremos que o mármore do pobre
púlpito ó igual ao do altar-mór e da pia ba-
ptismal da Sé e das 2 pias d'agua benta, — e
que foi todo mandado vir da Arrábida pelo
mesmo bispo, como diz o Padre Sousa, no
seu Catalogo dos Bispos de Viseu, tomo 3.»
íl. 88.
Veja-se também adiante no nosso Catalogo
dos bispos visienses o tópico relativo a D,
João de Mello.
1562 VIS
VIS
n*ella havia uns quadros pequenos de bas-
tante merecimento, que foram removidos
para a sacristia da Sé.
2."— Capella de Nossa Senhora da Lapa.
Esteve no terreiro da Erva, é pequena e
está defronte da capella da Senhora dos Re-
médios.
V. tópico anterior n." 12.
Foi instituída por José Paes d'Almeida, o
piedoso pharmaceutieo, de quem já Azemos
menção no tópico relativo á capella de Nossa
Senhora dos Remédios, da qual foi insigne
bemfeitor, bem como d.'e8ta da Lapa, que
por morte d'elle ficou em abandono, — caiu
em ruinas — e hoje está quasi desfeita I...
4.° — Capella de Nossa Senhora da Victo-
ria, no rocio de Santo Antonio, hoje Passeio
de D. Fernando.
Era uma das mais luxuosas e mais for-
mosas eapellas de Viseu.
Foi fundada em 1605 pelo cónego Antonio
d' Almeida Abreu, que sobre a porta d'ella
collocou dois escudos com brasões differen-
tes.
Em 1733 foi doada pelo cabido, sede va-
cante, aos irmãos da ordem 3.* de S. Fran-
cisco.
Tem uma frente fleganle e n'ella a inscri-
pção seguinte :
Esta capella da Senhora
DA Victoria mandou fa-
zer e DOTOU POR SUA DE-
VOÇÃO o CÓNEGO Antonio
d'Almeída Avreu
1605
Para evitarmos repetições, vejà-se o n."
6." do topieo relativo aos edifícios públicos
brasonados.
^."—Capella de S. Domingos.
Era aniiquissima e foi profanada ha an-
nos, tendo sido restaurada anteriormente
varias vezes. Em 1724 foi reconstruída a
fundamenlis e D'ella se collocaram por essa
oceasião as armas que ainda hoje tem no
cunhal do frootispicío, lado E.
No mesmo frontispício se vê a inscripção
seguinte :
Esta Capella do Patriarcha
S. Domingos he de João
d'Almeida e Mello, por
TER sido DE SEU AVÔ MON-
TEIRO Mor Alvaro de Carvalho
Vasconcellos Snr. da quinta
DE Santo Estevão,
QUE A RESTAUROU
Este João d'Almeida e Mello, senhor da
quinta de Santo Estevão, também a reno-
vou, e extíncta a sua família, foi vendida com
a casa fronteira ao dr. Francisco Barroso,
cujos herdeiros a possuem, mas já profana-
da. O seu bello retábulo de talha dourada
foi dado ao rev. cura da Sé, João Nunes, da
freguezia Oriental de Viseu, que o aprovei-
tou 6 mandou dourar de novo, para o altar
de Santa Rita do claustro da Sé, que foi
queimado e estava abandonado. Este zeloso
ecclesiastico reslaurou-o de novo à sua custa
6 com donativos de alguns devotos, n'este
anno de 1887, addiccionando-lhe duas bel-
las imagens dos Sagrados Corações de Je-
sus e Maria, sendo feita a inauguração d'este
aliar com uma pomposa festividade no mez
de julho do corrente anuo de 1887.
V. sobre a capella de S. Domingos o tó-
pico Edifícios públicos brasonados supra n.»
7, e o tópico Edifícios brasonados particula-
res, n." 11.
6." — Capella de Santa Christina—e depois
também — Capella de Santo Amaro, — no
Campo de Santa Chri-stiua, que tomou d'ella
o nome (hoje Largo de Alves Martins)— jun-
to da egreja de Nossa Senhora do Carmo.
Sumiu-se na nouie dos tempos a memo-
ria da fnndação d'esta anliquissima capella
de Santa Christina, que. depois também se
denominou capella de Santo Amaro, por se
festejar ali também com grande pompa este
santo.
D'ella se utílisaram primeiramente os ir-
I mãos 3.'" de S. Francisco, desde 1729 até
1733, — e depois os 3."' de Nossa Senhora do
Carmo, por doação do cabido, desde 1733
até 1738, data em que já estaria profanada
e se transferiram as imagens para a egreja
do Carmo, ficando a capella servindo de casa
VIS
VIS 1563
de arrecadação dos objectos pertenceotes à
dieta ordem.
Tioha a capeiia oa sua frente uma galilé,
ou átrio coberto, e no chão d'elle se encon-
trou enterrado em 1818 um tumulo ou cai-
xão de pedra que exhalava um cheiro seme-
lhante ao do gaz hydrogenio sulphurisado.
O caixão era de pedra inteiriça; dentro
. d'elle apenas se encontrou ua?a matéria es-
branquiçada,— adipoeira, — semelhando um
mixto de gordura e cera, — e no dicto caixão
86 lia o epitaphio seguinte :
Maelo Bo
VTi. F. Tap.
ANNO. LX. H.
S. E. S. T. T. LEVIS.
FiLI. F. C.
Traducção de Berardo;— «Mello Tapsio.
filho de Boucio, tendo sessenta annos, foi
aqui sepultado. A terra lhe seja leve.
O filho lhe mandou fazer esta sepultura.»
Esta Capella estava em um olival confi-
nante pelo sul com uma quinta em parte
foreira ao cabido, e que foi de Custodio José
da Silveira, da familia dos antigos manpos-
teiros da rua Direita. Pertence hoje a dieta
quinta ao visconde do Serrado.
O mesmo olival deu antigamente o nome
à rua próxima— e n'elle se edificou também
a egreja e casa da ordem 3." de Nossa Se-
nhora do Carmo, que hoje pelo nascente
confinam com o mencionado Largo d'Alves
Martins- e pelo poente confinavam com a
estrada que vem do bairro de S. Martinho
para o dicto largo.
7 ."—Capella de Santa Christina, — outra.
Demorava no cimo da rua da Regueira ;
pertencia, bem como a casa contígua, do la-
do do nascente, aos Nerys ou congregados, e
fez parte integrante da cerca d'elles (hoje
cerca do seminário) até 1868, data era que
se abriu a nova estrada a macadam de Vi-
seu a Mangualde, passando por ali e repa-
rando da quinta a dieta capella e casa. Foi
então demolida a capella, ficando só a casa,
que vem a ser a ultima ao eimo da rua da
Regueira.
Na dieta capella e casa viveram os primei-
ros congregados de Viseu 70 annos,— de
1689 até 1759, data em que se transferiram
para o seu convento, hoje Seminário.
Veja-se o tópico relativo aos Convénios e
ao Seminário.
A extincta capella tinha de comprimento
35 palmos,— 20 de largura— e depois de 1814
n'ella fuoccionou algum tempo a escola re-
gimental de infanieria n." 11.
S."— Capella de S. Lazaro, na rua d'est6
nome.
Ignora-se quando e por quem foi funda-
da, mas de uma doação feita por Domingos
Martins à casa dos gafos, em 19 d'abril de
1296,* vé-se que já então existia esta capel-
linha, parle integrante da gafaria de Viseu
e que, segundo o costume, devia estar fóra
da cidade e distante d'ella.
Nos princípios da monarchia abundavam
em Portugal os leprosos ou gafos, pelo que
em muitas povoações — e sempre a distan-
cia d'ellas, se fundaram gafarias ou lazare-
tos, pequenos hospitaes destinados para
aquelles infelizes, mas com o tempo, com a
mudança da alimentação e do vestuário»
principalmente com a substituição das rou-
pas de lã pelas de linho e coro o uso do as-
sucar, desappareceu aquella medonha e as-
querosa enlermidade e com elia desappare-
ceram também as gafarias. São hoje feliz-
mente raros entre nós os indivíduos aíTecta-
dos de lepra, comludo ainda no Porto se
veem alguns no Recolhimento dos Lázaros^
e em Coimbrã no Hospital dos Lázaros Um-
bem.
Alem d'aqúella doação, recebeu outras es-
te hospital de Viseu e tinha diversos prasos
e algumas rendas ainda nos princípios d'este
século, mas, como já restasse apenas a ca-
pellioha, prestes a desabar com o peso dos
annos, por provisão de 18 de maio de 1813
foi a camará auctorisadaparaemprasar, co-
1 N B.--Reft-rimo-nos sempre anno do
nascimento de Christo, quando nas datas não
fazemos expressa menção de era, ou era de
Cesar, que adianta mais 38 annos, como to-
do o mundo sabe.
1564 VIS
VJS
mo emprasou, aquelle terreno, ao negoeianle
Antonio da Silva, pelo fôro de 400 réis an-
cuaes. Este emphiteuta a demoliu e no chão
d'ella fez uma casa, unida a outra que jà ali
tinha ao sul da capella.
De uma provii^ão de D. João III, com data
de 29 de novembro de 1526 parece depre-
heuder-se que em Viseu não havia hospital
de lázaros, mas a doação de 1296 prova evi-
dentemente o contrario.
Ainda no archivo da camará existe o tom-
bo d'aquelles prazos, feito em 1564, mas o
sen rendimento tem sido muito cerceado e
hoje está reduzido a pouco mais de zero t...
D. João III mandou entregar aquellas ren-
das à Mise,rÍL'ordia, mas a camará ainda hoje
as administra e com ellas paga a um capei-
Ião e certas mercieiras ou beatas que assis
tem ás missas e resam pela alma de quem
lhes deixou as esmolas,
V. Hospilaes.
9." — Capella de S. Luiz rei de França.
Demorava na Ribeira, junto da capella
actual de Nossa Senhora da Conceição, lado
E.; — linha a porta em fórma de arco—eera
antiquíssima I D'ella hojo apenas restam as
paredes.
Veja-se o tópico relativo á capella àe Nos-
sa Senhora da Conceição.
Quando no tempo d'el-rei D. Duarte a
grande feira se mudou da Cava de Viriato
para esie campo da Ribeira ou da Feira — e
do dia de S. Jorge, 23 d'abril, para o de S.
Matheus, 21 de setembro, colloeou-se a ima-
gem de S. Matheus na pobre capella de S.
Luiz, da qual passou com a do seu orago
para a de Nossa Senhora da Conceição, on-
de se vê hoje ainda.
10.» — Capella de S. Jorge na Cava de Vi-
riato.
Foi uma das capellas mais antigas de Vi-
s«u; ignora-se quando e por quem foi fun-
dada, mas com certesa já existia no século
XV, pois o infante D. Henrique ^ (o de Sa-
gres, filho d'el-rei D. João I) sendo duque de
Viseu, dotou a dieta capella de S. Jorge,
para que todos os sabbados n'ella se cele-
1 Falleceu em 1460.
brasse uma missa cantada e para que o ca-
bido a visitasse em procissão no dia da festa
do orago.
Foi S. Jorge um valente militar e um dos
martyres da fé no tempo do imperador Dio-
cleciano, nos princípios da 10.» persegui-
ção geral da egreja, — perseguição que teve
o seu começo no aooo 300 de Ghristo.
Morreu como um heroe; — como tal o ve-
neram christãos e mahometanos; — muitas
nações o tomaram por defensor e patrono,
taes foram a Inglaterra e a França, Portu-
gal e a Hespanha, — e como guerreiro e de-
fensor o invocavam outr'ora nas batalhas e
hasteavam o seu pendão nas fortalezas. Foi
sem duvida este o motivo porque lhe erigi-
ram uma capella dentrn dos muros da 6'am,
talvez quando os visienses ali se acolheram
em 1065, depois da morte de D. Fernando
Magno, rei de Leão e Gastella, abandonando
a cidade, por nào poderem defendel-a das
investidas dos mouros e passando a viver^
como viveram muitos annos, na dieta Cava,
ainda então toda circuitada de muros (gran-
des marachões de terra) com 4 portas e
muito defensável para o tempo d'armas
brancas. Apezar d'isto, não havendo docu-
mento que prove tanta antiguidade da ca-
pella de S. Jorge, parece provável, que ella
fosse fundada pela dynasiia joanina dos nos-
sos reis; porque consta de escripiores gra-
ves, que o culto de S. Jorge em Portugal e
o ser invocado pelos poriuguezes como pro-
tector nas batalhas, pelo que depois o in-
troduziram até nas proci:*8Ões do Corpo de
Deus, data da vinda da rainha ingleza D.
Philipa de Lencastre, mulher de D. João I.
Trouxe ella comsigo muitos inglezes, que
cá se estabeleceram; iniroduziram se por es-
sa época muitos hábitos, usos e até palavras,
e appellidos inglezes, como por exemplo
Lencastre Falcão e outros muitos, e d'ahi
veiu o nome d'el-rei D. Duarte^ filho d'esta
rainha, o qual não se usava entre nós e
muito menos na família real. E como D.
João I e sua mulher estiveram algum tempo
em Viseu, pois lá viu a luz o seu filho pri-
mogénito D. Duarte, é provável que a fun-
dação da capella de S. Jorge seja d'esta data
ou do tempo do mfante D. Henrique, 1.» du-
VIS
VJS 1565
que de Viseu, e que em Viseu morou e re-
sidiu por diíTerentes vezes.
O doeumento atraz citado do infante D.
Henrique em nada contradiz esta opinião.
Demais, nos primeiros séculos da monar-
ehia invocavam S. Thiago, o patrono das
Hespanhas, nas batalhas, e nunca S. Jorge, o
que parece confirmar lambem esta opinião,
mas oppõe-se-lhe o que dizemos no fim d'este
tópico e o que já dissemos supra, fallando
ãa. grande feirai .
Com o tempo arruinou-se a capeliae pas-
saram os seus encargos para a eaihedral,
mas já em 1618 se n5o cumpriam, como
consta do Livro das missas do cabido, re-
formado n'aquelle anno.
Ficou pois em completo abandono a dieta
Capella, já com a falia de cumpriraenio d'a-
quelle legado, jà com a remoção da feira
franca, ou de S. Jorge, para o campo exte-
rior, conliguo á Cava, onde se fizera sem
pre,— já com a mudança da dicia feira do
dia da festa de S. Jorge, 23 d'abril, pelo que
lambem se denominava Fe?ro de S. Jorge,
para o dia 21 de setembro, dia do apostolo
S. Matheus, pelo que a grande feira passou
a denominar-se e ainda hoje se denomina
Feira de S. Matheus. Com esta mudança a
pobre capellinha soffreu muito, pois quando
a grande feira se fazia em volta d'ella, a
principiar no dia da festividade de S, Jorge,
era visitada por milhares de feirantes e d'el-
les recebia muitas esmolas I
Se a feira lucrou com a mudança, a ca-
pellinha perdeu ;— ficou em abandono— e
d'ella hoje apenas resta a memoria.
Prevaleceu a feira e desappareceu a Ca-
pella que havia dado a origem e o primi-
tivo nome á dieta feira, como dissemos no
logar citado. Vide. Ora, datando a dieta feira
de 1188, como alguém diz, e sendo creada,
como suppomos, em attenção á grande con-
corrência de povo por occasião da festa e
romaria de S. Jorge, orago da capellinha,
segue se que era anterior a 1188 e que hoje
contaria pelo menos 699 annos ! . . .
Veja-se o tópico Feiras e mercados su-
pra.
VOLUME XI
Via Sacra
É muito antiga e demora era sitio alegre
e vistoso, sobranceiro a Vi?eu, lado orien-
tal, extra muros, a egreja da Via Sacra ou
de S. Francisco das Chagas; igoora-se po-
rem a data da fundação doeste templo que,
pela sua archiieciura, mostra não ser ante-
rior ao século xv, segundo se lê nas Memo-
rias de Berardo.
Pertence á irmandade ou confraria de S.
Francisco das Chagas, extra-muros, que per-
deu os seus antigos estatutos e presente-
mente se rege por um compromisso appro-
vado em 1780.
Deu-se a esta egreja ou capella o titulo de
Via Sacra, porque desde tempos muito re-
motos costumavam os irmãos da ordem 3.*
de S. Francisco ir da sua egreja até aquella
todos 08 annos, nas sextas feiras da quares-
ma, visitar ou percorrer a Via Sacra, sem-
pre com grande concurso de povo, princi-
' piando este devoto exercicio*na egreja dos
irmãos 3.°', sita no Largo de Santo Antonio,
e terminando na dieta egreja da Via Sacra
ou de S. Francisco, 'extra-muros, para o que
levantaram ao longo do caminho uma serie
de erandes cruzes de pedra, desde um até
o outro templo.
A dieta irmandade de S. Francisco das
Chagas tem muitas indulgências e no dia 10
de março um jubileu para os irmãos, sem-
pre muito concorrido.
S. Miguel do Fetal
e o Tumulo de D. Rodrigo
Demora este templo ao sul e extra-muros
de Viseu, no largo de S. Miguel, de que jà
fizemos menção, e di^ta das ultimas casas
da cidade ou da rua de S. Miguel 100 metros;
cerca de 400 metros para o sul da Sé; 500
do Paço episcopal de Fontello para O. S. O.;
—500 da margem esquerda do Pavia para
sul,— e 200 da nova estrada real a maca-
dam n.° 43, de Viseu a Mangualde, para o
norte— tudo isto approximadamenie
1 Desculpem-Qos estas mínudencias,
99
1566 VIS
VIS
IgDora-se quando e por quem foi fundada
esta egreja, mas todos concordam em que
data de tempos muito remotos e que— pelo
menos temporariamente— foi Sé de Viseu e
residência dos seus prelados e cónegos an-
tes da fundação da nossa monarchia; i era
porem um templo muito humilde e mais pe-
queno do que o actual, quando o bispo D.
Jeronymo Soares, pelos annos de 1719 de-
terminou restaural a e deu principio às
obras, mas, failecendo em 18 de janeiro de
1720, depois o cabido na vacância immediata
proseguiu com as obras à custa das rendas
da mitra, concluindo ia restauração em 1735.
Interiormente tem 3 altares; — a velha pia
baptismal do tempo em que foi Sé e paro-
ehia; — o pretenso tumulo de D. Rodrigo na
Capella mor, do lado da epistola ^ — e exte-
que se os visienses todos sabem perfeita-
menie onde demora a antiquíssima egreja de
S. Miguel do Fetal, um dos templos mais no-
táveis de Viseli pela sua antiguidade e tra-
dições e pela lenda do tumulo de D. Rodri-
go, poucos, muito poucos dos historiadores
que faliam d'ella sabem onde ella demora, e
de um momento para o outro pode desap-
parecer.
Ainda est'anno de 1887 um nosso amigo
residente em Lisboa, para satisfazer a um
pedido de certo cônsul estrangeiro, residente
em Lisboa também, nos perguntou onde de-
morava a pobre egreja e se ainda lá se con-
servava o tumulo de D. Rodrigo 1
N'este mesmo dici^ionario. que acceitei
indo a meio do artigo Vianna do Castello, o
meu antecessor (Deus lhe perdoe!) disse que
a egreja onde se suppõe que demora o tu-
mulo de D. Rodrigo era a do Feital, conce-
lho de Trancoso, distante de Viseu dez lé-
guas,— aliás 60kilomeiros para E. N. E.?l...
V. Feital, tomo 3.», pag. 161,— e Naza
reth, (Nossa Senhora de) tomo VI, pag. 20,
col. 2.*, linha 8.»
* Alguém chega a dizer que foi a primeira
Sé e a primeira parochia da cidade de Vi-
seu, mas nós não concordamos.
Veja-se o tópico relativo a cathedral.
2 Assim o encontramos na interessante
Memoria de Francisco Manuel Correia, mas
Fr. Bernardo de Brito em 1609 e o dr. Ma-
nuel Botelho em 1630 disseram que o men-
cionado tumulo estava do lado do Evange-
lho l... Talvez o mudassem na restauração
da egreja, pois hoje (1887) está do lado da
riormente na sua fronteria as elegantes ins-
cripções seguintes :
Ao nascente :
HaC MiCHAEL PrINCEPS COELESTIS IN
AEDE PATEONUS,
HUMANUM A PBISCO PROTE-
GI! HOSTE GENUS.
DUX QOIA SUPREMOS COEU QDE
MlNISTER HABETUR,
MiSSILIS HASTA DECET, PÊNDULA
LIBRA MANUS.
Ao poente :
quo posuit veterem prior urbe
paroecia sedem
hog factum est templum, se-
de vagante novum
Annos mille supra nume-
RANTUR SAECULA SEPTEM
Lustra que, gum sedes gondere
jussiT opus.
Em vulgar: • Miguel, príncipe celeste, ora-
go d'este templo, defende o género humano
do antigo inimigo.
«Porque é tido como general supremo e
ministro do eeu, convem-lhe a arrenaeçado-
ra lança e a mão com a balança pendente.
«Este novo templo foi edificado em sè va-
ga, 1 onde a primeira parochia de Viseu teve
a sua antiga séde.
« Conta vam-se sete séculos e sete lustros '
epistola, como a nosso pedido pessoalmente
verificou o sr. dr. Nicolau Pereira de Men-
donça Falcão, nosso principal Cyreneu n'este
artigo.
1 Esta vacância durou vinte annos, desde
a morte de D. Jeronymo Soares em i720,
até á nomeação de D. Julio em 1740.
2 Lustro do latim lustrum é o período de
5 annos completos, pelo que a data supra
corresponde a 1735 e não a .1728 como al-
guém pretende, contando o lustro como pe-
ríodo de 4 annos, segundo se lé no Diccio-
nario Ecclesiastico de Ximenes Arias, folha
178, v.
VIS
VIS 1567
sobre mil anoos, quando o cabido mandou
fazer esta obra.»
Data pois de 1735 a ultima restauração
d'este templo, pois devia ter sido restaurado
mais vezes, porque já era 1110 o conde D.
Henrique de Borgonha o doou para calhe-
dral com certos passaes, ou terrenos adja-
centes, a D. Theodonio, então prior e gover-
nador d'este bispado de Viseu por nomea-
ção de D. Mauricio, bispo de Coimbra, a
quem Paulo 11 em 1101 enearregára, como
a bispo mais próximo, o governo dos bispa-
dos de Viseu e de Lamego, ambos então va-
gos ou sem pastor, por causa da lueta com
os mouros, a qual obrigou os prelados de
Viseu, de Lamego e outros a refugiarem-se
nas Astúrias.
Veja se o tópico relativo aos prelados vi-
sienses.
É pois anterior a 1110 a pobre ermida de
S. Miguel do Fetal, então talvez o único tem-
plo de Viseu, por haver sido esta cidade ar-
rasada e destruída pelos mouros repetidas
vezes.
Veja-se o tópico relativo á cathedral.
Parece averiguado que a pobre ermida foi
Sé de Viseu alguns annos e que junto d'ella
viveram em communidade o prior D. Theo-
donio, e talvez outrps priores com os cóne-
gos visienses, que então poucos seriam, mas
também parece averiguado, que o mesmo
conde D. Henrique e sua mulher a condessa
e rainha D. Theresa deram principio á Sé
actual no recinto da velha fortaleza romana,
junto dos antigos paços dos reis de Oviedo.
Suppõe-se que a pobre capella escapou á
destruição por ser um templo de pouco vul-
to e por demorar extra-muros n^aquelle
tempo, ficando talvez profanada, abandonada
e escondida em terreno inculto, no meio de
um matagal de fetos, d'onde lhe proveiu o
nome de S. Miguel do Fetal, como se deno-
mina ainda hoje também Senhora do Pedre-
gal uma imagem da Virgem que se venera
no altar-mór da Sé de Viseu e que foi en-
contrada em um montão de pedras *,—ima-
1 Também na Sé do Porto se venera ain-
gem ainda hoje, como sempre, da maior de-
voção para o povo de Viseu.
Nos prineipíos do século xvii, dedicou o dr.
Botelho os seus volumosos Diálogos moraes
e politicos «Á virgem Maria Senhora nossa
da Assumpção, orago da Sé d'ella. Virgem
Maria Madre de Deus, minha mãe e Senhora
Nossa.»
Em dois sitios ao redor de Viseu, indo
para Ranhados e Vil de Moinhos, um ao
poente, outro ao sul da Sé, como d'ali por
diante esta se encobre, quando ali chega o
povo de Viseu e subúrbios, volta-se para
traz para avistarem por a ultima vez a Sé,
dobram o jodho persigoando-se, fazem a sua
mezura e só depois continuara. Dizem que
esta mezura é á Senhora do Altar-mór, e
tanto que aquelles dois sitios conservam des-
de tempos antiquíssimos até hoje o nome de
Mezura.
Não sabemos se a cidade de Viseu ou-
tr'ora comprehendia o chão da egreja do
Fetal; é porem certo que o dicto chão foi
povoado no tempo dos romanos, pois alem
do tumulo romano de que já fizemos men-
ção, encontrado a pequena distancia, junto
da capella de Santa Chrisíina (veja- se este
tópico) ainda em 1853, demolindo-se um
lanço de parede na sacristia de S. Miguel,
enconlrou-se uma lapide sepulcral roma-
na, servindo de alvenaria, o que nos leva a
crer que, se hoje se demolisse toda a capella^
se encontrariam outras lapides semelhantes
que os pedreiros destruíram e empregaram
como alvenaria na reconstrucção de 1735 e
talvez nas reconstrucçòes anteriores, —pe-
dras que muito provavelmente encontraram
no dicto chão e que talvez fizessem parte do
próprio edificio que foi substituído pela ca-
pella em tempos de que não ha memoria.
Na lapide encontrada em 1853 se lia a
inscripção seguinte, com algumas lettras li-
gadas :
da hoje uma imagem da Virgem com a in-
vocação de Nossa Senhora da Silva, por se
encontrar in illo tempore escondida entre
silvedos no próprio chão da antiga Sé des-
truída pelos mouros,— chão onde se vé hoje
a Sé actual.
1568
VIS
VIS
D. M. S.
SVNVAE
Boc. Cl. F.
AE. XI.
AMO. E NA,
MATai. PIE
NTISSIMAE
ET Albin
lANUS. G
ENER. F. C.
Em vulgar : — Monumento consagrado aos
Manes. A Sunua \ filha de Bocco 2 Cina ^, de
idade de onze annos, mandaram fazer esta
sepultura o natural amor de sua mãe piedo-
síssima e o genro Albiniano.
Desde os prineipios da nossa moDarehia
a Sé de Viseu passou da egreja de S. Mi-
guel para o local onde hoje se vê, mas pa^
rece que a pobre capella continuou a ser
egreja parochial, d'onde se administravam
os sacramentos aos povos do aro de Viseu,
como se administravam ainda em 1808,
quando se crearam as 5 annexas, de que já
fizemos menção, pelo que n'ella e na de S.
Martinho, mesmo depois da creação das an-
1 Também se chamava Sunua o bispo
ariano de Merida, que ao anno 588 foi o
chefe da conjuração dos hereges contra o
rei Rpcaredo.
V. Historia de Hespanha por João de Ma-
rianna, parte 1.» I. 6." fl 245.
2 Bocco ou Bocho era lambem o nome do
rei da Mauritânia e da Getúlia, sogro de Ju-
gartha, rei da Numiriia. O mencionado rei
Bocco, andando em guerra comos romanos,
entregou-lhes o genro no tempo de Silla,
300 aonos, A. Ch. — Também houve um ge-
neral Boca, enviado em 588 por Gutrando,
rei dos franeezes, contra os godos da Gália
gothica, reinando Recaiedo.
^ Cina ou Cinva era lambem o nome do
cônsul romano Lucio Cornélio Cinua, sogro
de Julio Ct^sar.
Aquelle Cinua no tempo de Silla (anno
87, A. Ch.) foi deposto do consulado e se re-
tirou de Roma. que depois foi cercar junta-
mente com Mário.
V. Diccion. Hist. de Feller, tomo 3.» pag.
162— e De Rep. Rom. fl. 328.
nexas, continuaram a ler-se os banhos dos
nubentes do aro, não sabemos até quando.
Também os frades capuchos, ames de pas-
sarem para o convento de Santo Antonio de
Maçorim, 1 oceuparam 28 annos (de 1613 a
1641) a dieta egreja de S Miguel e os seus
amigos passaes, que tinham casa e (segun-
do se suppõe) eram as terras ao nascente,
*hoje a casa e quinta dos Cardosos de S. Mi-
guel reformada e que ainda conserva inte-
riormente alguns veíítigios de ter servido de
communidade religiosa, depois de ter sido
pertença dos passaes da egreja de S. Miguel
do Fetal».
É isto o que se lê na interessante Memo-
ria ms. do infatigável e muito consciencioso
investigador Francisco Manuel Correia, pag.
85, mas n'este ponto claudicou, pois segun-
do diz o padre Leonardo de Sousa no 3.»
tomo do seu Catalogo dos Bispos de Viseu,
também ms., fl. 48, y. e 49, os frades capu-
chos residiram — não no passal da egreja de
S. Miguel — mas em uma quinta próxima (a
tal dos Cardosos) que em 1767 era de Ma-
nuel de Mesquita Cardoso e que os frades
compraram a David Alvares, pedreiro e mes-
tre d'obras, por 30Uj^00O réis;— e em uma
das casas da dieta quinta (não do passal)
erigiram logo capella com a invocação de
Santo Antonio, na qual disseram a 1." missa
era uma segunda feira, 20 de junho de 1633.
Em 1855 estava em completo abandono,
fechada e bastante arruinada a pobre egreja
de S. Miguel, já porque desde 1735, datada
ultima reconstrucçào, poucas obras n'ella se
haviam feito, já porque deixou de ser egreja
parochial desde 1808, data da creação das
annexas Valeu-lhe e salvou-a a benemérita
irmandade do Senhor dos Passos que, estan-
do erecta desde muitos annos na capella da
Cruz, no claustro da Sé, condoída da po-
bre egreja de S. Miguel, pediu-a ao prelado,
— transferiu-se para ella no dicto anno de
1855 — e nella se lera conservado até hoje,
reparando-a è tractando-a com toda a de-
cência— e rendendo n ella culto á veneranda
* Veja-se o titulo Conventos.
VIS
imagem do seu padroeiro, — o Senhor dos
Passos.
O tumulo de D. Rodrigo
Estamos escrevendo estas linhas no dia 9
de setembro de 1887 e eommemorando a
grande batalha qae em igual mez e dia do
anno 714 (ha 1:173 annos) se feriu nas mar-
gens do Guadalete entre D. Rodrigo, ultimo
rei dos godos, e Tarik-ben-Zeyad, mussul-
mano.
Variam nas datas e em outras muitas cir-
fiumstancias os historiadores árabes e ehris-
tãos, fallando d'esia batalha; é porem indu-
bitável que foi decisiva e que n'ellase fez pe-
daços o império Wisigothico. Os godos fica-
ram completamente destroçados e D. Rodri-
go, segundo parece, morreu no conflicto; i mas,
como no campo da batalha nem fóra d'elle
jamais se encontrou o cadáver do ultimo rei
godo, como íuccedeu com o nosso mallogra-
do rei D. Sebastião em seguida á batalha de
Alcacer-Kivir, formaram se diversas lendas.
Do rei godo se disse que, vendo a batalha
perdida, se acolheu era trajos de pastor ao
mosteiro de Canliana, junto de Merida;— que
d'ali, acompanhado por um monge, se inter-
nou na Lusitânia e vivêra vida penitente al-
guns annos junto da villa da Pederneira,
hoje concelho d'Alcobaça, d'onde passou co-
mo ermitão para a capella de S. Miguel do
Fetal, de que no momento nos oeeupamos,
e que ali falleceu e jaz 2.
Deu curso a esta lenda o haver-se encon-
tradogna dicia egreja, pelo anno de 900, um
tumulo com esta inscripção :
HiG RBOUIESCir RODERIGUS ULTIMUS
Rex GoTHORllM.
1 HiU. de Portugal de Alexandre Hercu-
lano, tomo 1." pag 50.
2 V. Nazareth (Nossa Senhora de) tomo
5." pag. 17, col. 1»; — Monarchia Lusitana,
parte ÍI, fl. 269 a 27S;— os Diálogos ms. do
dr. Manuel Botelho Ribeiro, fl. 213 a 219, no
códice de Girabollios, — e as Noticias de Vi-
seu por Berardo, publicadas no Liberal, n.°
1 de 6 de maio de 1857.
VIS 1569
MALIDICTUS furor IMPIUS
JULIANI PERTINAX: INDINATIO
Ejus QUiA dura; VESANUS
FÚRIA, ANIMOSUS INDIG.\A
TIONE, IMPETUOSOS FUROHE,
OBLITUS FIDELITATIS, IMMEMOR
ReLIGIONIS, CRUDELIS IN SE,
HO.MIGIDA IN DOMINUM,
HOSTIS IN DOMÉSTICOS, VASTA-
TOR IN PATRIAM, REUS IN
OMNES, MEMORIA EJUS
IN OMNE ORE AMARES
CET^ NOMEN IN AETERNUM
PUTRBSCET.
Em vulgar: «Aqui jaz D, Rodrigo, ultimo
rei dos godos. Maldicto seja o impio furor de
Julião,! que tão pertinaz e porfiado foi; mal-
dieta a sua indignação tão dura; 2 louco e
cruel o tornou o odio, animoso a indignação
e impetuoso o furor; esquecido da fidelidade
e da religião, cruel para comsigo mesme,
homicida para com o seu soberano, inimigo
para com os seus parentes, destruidor da
sua pátria e reu para com. todos, amarga
será ná bocca de lodos a sua memoria e pa-
ra sempre apodrecerá e se corromperá o
seu nome.»
É isto o que se lê nos Diálogos do dr. Bo-
telho, mas parece-nos um romance! Era ver-
dade era uma inscripção muito grande para
um tumulo tão pequeno, pois o próprio dr.
Botelho e todos quantos mencionara o dicto
tumulo dizem que era de fabrica humilde,
bem como era humilde e pequena a egreja
e humilde e pequeno o arco, onde estava
mettido o tumulo, na parede da capella- mór,
do lado do evangelho,^ —em frente d*outro
1 Refere-se ao conde D. Julião, seu validoi
que o atraiçoou e vend^^u aos mouros.
2 Dizem que D. Julião atraiçoara e ven-
dera aos mouros D. Rodrigo, porque est«
com promessa de casam^nin seduzira e de-
pois abandonara a formosa Florinda, filha do
mencionado conde, chamada a Cava, nas
historias d'e8se tempo.
3 Ou do nascente, como dizem o dr. Bote-
lho e Fr. Bernardo de Brito, mas hoje está
do lado da epistola, que é o lado do poente.
i570 VIS
VIS
arco e d*oulro tumulo semelhante, onde ja-
sia, (segundo se suppõe) um bispo de Viseu,
cujo nome se ignora e que, desfigurado em
ermitão, para escapar aos mouros, ali viveu
algum tempo na companhia do rei da lenda
e ali acabou também seus dias.
O mesmo Fr. Bernardo de Brito que, sen-
do aliás um sábio, foi, mau grado seu e nos-
so, Ião pouco escrupuloso como historiador,
tecendo a lenda de D. Rodrigo e mencio-
nando a tal inscripçào que elie próprio vira,
apenas se atreveu a copiar as duas primei-
ras linhas, accrescentando :
«As próprias palavras me lembra que vi
escritas de preto, em hu arco de parede que
está sobre a sepultura d'El Rey, poste que
o Arcebispo D. Rodrigo, e aquelles que o se-
guem, ponhào maior leitura, não advertin-
do que todas as mais palavras que elle acre-
centa, são pragas e maldições suas, que ro-
ga ao conde D. Julião (como notou attenta-
damente Ambrósio de Morales, seguindo ao
bispo de Salamanca, & outros) & não rezões
do mesmo letreiro, como elles as fazem. A
Igreja em que a sepultura dei Rey está ao
presente (i609) he piqu^na, & de fabrica mui
antiga, particularmente a capella mór junto
da qual ficão de cada parte sua cella do
mesmo comprimento, mas estreitas, e escu-
ras, por não terem mais luz, que a que lhe
entra por hua piquena fresta aberta contra
o nascente, e em hua das quaes (que Qca
para o meio dia) se diz que vivia certo er-
mitão, por cujo concelho el Rei se governa-
va, no discurso de sua penitencia, & ali se
mostra hoje (1609) sua sepultura, encostada
á parede da capella da parte da epistola: Na
outra cella que fica contra o Norte passou
el Bey sua vida pagando na estreiteza do
lugar, as larguezas dos paços, & liberdade da
vida passada, em que offendera a seu cria-
dor, & na parede da capella que correspon-
de á parte do Evangelho fica um modo de
arco, em que se vé a sepultura, em que es-
tiverão os seus ossos, & se visita dos natu-
raes com devoção, crendo que por seu meio
faz o Senor ali algus milagres em pessoas
doentes de maleitas, & outras enfermidades
semelbàtes.
«Debayxo do mesmo arco, que fiqua res-
pondendo para dentro da cella, vi pintado*
na parede o ermitão, & el Rey com a cobra
de duas cabeças, & ly as lettras acima refe-
ridas (a tal inscripção) tudo ]à gastado do
tempo, com sinaes de muita antiguidade,
mas de modo que se podíão ver disiincta-
mente.
tO sepulchro é chão de hua sò pedra, em
que escasamente pode caber um corpo hu-
mano. Ao tempo que eu o vi, estava já des-
coberto, sem ter ali a pedra que lhe servira
de cubertura, nS os ossos dei Rey, que me
disseráo aver annos que se levarão pera Cas-
tella, sem saberem de que modo, nem por
cuja ordem, nem eu o pude alcançar, por
mais dili'gencias que fiz com gente antiga
d'aquella cidade, que tinha rezão de saber
hua cousa de tanta importância, quando
fosse tão certa como algus me aííirmarão.»
Monarchta Lusit. parte II, fl. 275.
O dr. Botelho aos seus Diálogos, escri-
ptos pelos annos de 1630, não tem duvida
em acreditar que D. Rodrigo jazeu na men-
cionada egreja, mas diz que ella não esca-
pou á destruição mussulmana e que o tu-
mulo foi encontrado por Carestes, cujo tes-
temunho invoca, dando as próprias palavras
d'elle: «Eu Carestes, vassallo d'el-rei D. Af-
fonso de Leão, genro do Cavalleiro de Deos>
Rei D. Pelaio, quando o dieto Sor. Rei D.
Affonso ganhou Viseu aos Mouros, achei hua
sepultura em hum campo, em a qual esta-
vão escritas estas palavras, que agora ouvi»
rás, em lettras golhicas :
Aqui jaze El Rei Don
Rodrigo, el postrimero
DE LOS Godos, etc.
«O mais (diz Botelho) são as mesmas maU
dições do letreiro i—e accreseenta vogar co-
mo certo em Viseu in illo tempore que o
bispo D. Jorge d*Athaide (governou pe-
los annos 1568 a 1578) mandara occulta-
mente remover para a Sé os restos mortaes
de D. Rodrigo, assim como removeu para
novas sepulturas os restos mortaes de mui-
tos prelados visienses.
Fecharemos este tópico dizendo que o ca-
VIS
VIS 1571
bido mandando era 1730 a 1735 restaurar a
pobre egreja, restaurou também o tumulo e,
não encontrando a mencionada inscripção ou
tendo escrúpulo em aceeital-a, substituiu-a
por esta, que hoje (1887) lá se vê :
HlC JACET, AUT JACUIT POSTRE-
MUS IN ORDINE ReGUM
GOTTORUM, UT NOBIS NUNTIA
FAMA REFERT.
•Aqui jaz ou jazeu o ultimo rei dos godos,
segundo diz a tradição.»
Outro, tumulo
Em 1868, quando se construía a nova es-
trada a macadara de Viseu para Mangualde
e se abriu o leito d'ella atravez da malta da
quinta dos Cardosos, de que já fizemos men-
ção, ali, não longe da pobre egreja de S. Mi-
guel do Fetal, se encontrou um tumulo de
pedra inteiriça, mas só a caixa, envolta nas
raízes d'um carvalho e, como os trabalhado-
res não reconhecessem logo o tumulo, par-
tiram-lhe alguns fragmentos.
Tomou conta do dicto tumulo José Car-
doso de Lemos e Meneses, dono da quinta.
A pedra era como sulphurica e estranha
n'e8ta provinda, — diz Francisco Manuel na
sua Memoria;-- -revelava muita antiguidade
8, posto que o sarcophago já não tinha tam-
pa, nem inscripção, nem dentro coisa algu-
ma, mostrava ter pertencido a pessoa notá-
vel.
É possível que fosse uma sepultura ro-
mana, como a que se encontrou junto da
Capella de Santa Christina (veja-se este tó-
pico)— e talvez lhe pertencesse a tampa ou
lapide mencionada supra, que em 1853 se
achou na parede da egreja do Fetal, pois é
pequena a distancia de um ao outro ponto.
A cathedral
O bispado de Viseu, como diremos no tó-
pico dos seus prelados, segundo a maioria
dos auctores data do século vi e alguns com
o Padre Sousa dizem que data do século iii.
mas ignora-se onde esteve a cathedral até
que os mouros foram definitivamente expul-
sos de Viseu por D. Fernando Magno, rei de
Leão e Casiella, em 1057, como diz o nosso
primeiro historiador — Alexandre Herculano
—na sua Hist. de Port. tomo 1.» pag. 165, —
ou em 25 de julho do mesmo anno 1057, co-
mo diz Berardo na Memoria que ofi"ereceu
à camará,— -ou em 25 de julho de 1058, co-
mo diz o mesmo cónego Berardo nas suas
Noticias de Viseu, publicadas no Liberal,
citando João Pedro Ribeiro e o Clironicon
Lusitano, ^—on no dia 28 de junho de 1038,
como dizem o dr. Botelho nos seus Diálo-
gos, cap. 20,— a Monarchia Lusitana, parte
2.» fl. 375, V.— o sr. Ignacio de Vilhena Bar-
bosa nas Cidades e Villas, tomo 3.» pag. 184.
— e o sr. J. A. d'01iveira Mascarenhas no
seu diecionario Portugal e Possessões, pu-
blicado era Viseu em 1883.
Respeitando muito tão abalisados escri-
ptores, não podemos deixar de curvar-nos
perante Alexandre Herculano.
São muito escassas e pouco firmes as me-
morias que nos restam d'aquelle tempo, sup-
pòe-se porem que em 1057, quando el rej
D. Fernando Magno tomou Viseu, a sua an-
tiga Sé já não existia ou estava profanada e
servmdo de mesquita aos mouros; 2— que D.
Fernando a mandou purificar e restituir ao
nosso culto,— e que demorava dentro dos
muros do antigo castello romano, approxi-
madaraente no local onde hoje se vé, como
prova uma das doações que o mesmo rei lhe
fizera e que foi confirmada pelo conde D.
Henrique em 1080.
A citada doação é a seguinte :
1 Suppomos que a diíTerença entre a Me-
moria e as Noticias de Berardo provem de
err(. de copia ou de irapressão.
2 N'aquelles tempos calamitosos, quando
os mouros tomavara as povoações christãs,
por vezes arvoravam em mesquitas os nos-
sos templos e nós, recuperando as povoações
tomadas por elles, costumávamos purificar
as suas mesquitas e restituil as ao culto ca-
tholieo. Foi isto o que se deu com a egreja
d'Almacave em Lamego, e ^ora a eapella de
1572 VIS
In nomine Ste. et individue Trinitatis . . . i ]
Em vulgar:— «Em nome da SS."'» Trin-
dade, Padre Filho e Espirito Santo. Esta é a
carta de testamento que eu o conde D. Hen-
rique juntamente com a minha mulher D
Teresa, fazemos à egreja de Santa Mana da
Sé episcopal de Viseu e aos clérigos n'ella
moradores, testamento que el-rei D. Fer-
nando, ha muito fallecido, 2 fez em favor da
dicia egreja e é o seguinte: — pela parte de
dentro do muro velho o chão da dieta egreja
entre o caminho de S. Miguel (do Feial) e a
rua da Regueira, a entestar uo caminho pu-
blico, e isto mesmo lhes confirmamos para
salvação da nossa alma, etc, aos 12 d'agoslo
da era de ill8,—anno 108U.»
Do exposto se vê que pelos annos de 1057
a 1065 a Sé de Viseu tinha a mesma invoca-
ção de Santa Maria ou de No^sa Senhora da
Assumpção;— que demorava dentro dos ve-
lhos muros, a distancia da egreja de S. Mi-
guel do Fetal;— que esta ultima egreja tam-
bém já existia n'aquelle tempo, mas não era
a cathedral— e que por consequência a dieta
egreja de S. Miguel não foi como diz a tra-
dição, a primeira catliedral de Viseu^.- É ver-
dade que o mesmo conde D. Henrique deu
em 1110, como ja disí^emos, a dieta egreja
de S. Miguel ao prior D. T/ieodonio para Sé
visiense e que o dicto prior n'ella viveu com
08 seus cónegos, mas tudo leva a crer que a
dieta egreja foi Sé pouco tempo, talvez só
durante as obras da Sé intra-muros, mesmo
porque se suppõe que a Sé actual era então
um templo muito humilde, encravado den-
tro da velha fortalesa e que, por se achar
em ruinas, o conde D. Henrique e a rainha
D. Thereza o restauraram, mas não o funda-
ram de novo, como alguém pretende, pois já
existia no tempo de D. Fernando Magno.
JNào podemos levar mais longe as nossas
Sanía Luzia em Villa Flor de Traz os-Mon-
tes, ete.
V. tomo XI, pag. 733. eol. 2.»
1 Nos Diálogos de Botelho, cap. 21, pôde
ver-se todo o texto.
2 D. Fernando Magno falleceu em 1065.
3 Veja-se o tópico supra: S. Miguel do Fe-
tal.
VIS
averiguações cora relação aos primórdios da
Sé de Viseu e ao local que oceupou.
Ninguém jàmais disse que ella estivesse
algum tempo na Cava de Viriato, onde es-
teve outr'ora durante seeiilos a cidade de
Viseu em períodos alternados, como dize-
mos adiante no tópico relativo às Antiguida-
des de Viseu e á dieta Cava. Apenas consta
que a Sé esteve onde hoje demora e no Fe-
tal,—mAi no Fetal pouco tempo, — só du-
rante o governo do prior D. Theodonio e tal-
vez nos primeiros annos do governo do seu
suceessor.
Note se que o prior D. Theodonio gover-
nou o bispado de Viseu apenas 2 annos—
IHO a 1112. Succedeu-lhe o prior S. Theo-
tonio,^ que governou desde 1112 até 1119 e
residiu talvez com os seus cónegos, pelo me-
nos alguns annos, junto da Sé actual, no an-
tigo paço da fortalesa, onde viveram os reis
de Leão, o conde D. Henrique e a rainha D.
Tareja, no sítio onde hoje estão os claustros
da Sé.
Desde que S. Theotonio em 1112 a 1119
se installou no velho paço real da fortalesa,
ali se installou lambem definitivamente a Sé
de Viseu até hoje- 1887,— ha 768 a 775 an-
nos,—e pôde dizer-se desde 1057, ou desde
a conquista de Vií^eu por D. Fernando Magno,
ha 830 annos, —mas' que transformações, re-
construcções e modificações não tem ella
soffrido ?
Hoje é um bom templo,— uma das melho-
res e mais notáveis Sés de Portugal,— não
das mais amplas, mas das mais ricas em de-
corações de pedra, talha e pintura, e sobre
tudo de um gosto singular na sua fojmo-
sa architectura interior manoelina — e muito
bem situada sobre um espaçoso terreiro on-
de pompearam a fortalesa romana e os ve-
lhos paços reaes e episcopaes no ponto cul-
minante e mais vistoso da cidade de Viseu.
Não se confundam estes dois priores,
posto que foram contemporâneos e quasi hu-
monymos.
Veja se adiante o nosso Catalogo clirono-
lógico dos bispos do Viseu.
VIS
VIS 1573
Em tópicos especlaes adiante fallaremos
da fortalesa romana e dos velhos paços epis-
copaes e reaes; agora fallemos da Sé, apro-
yeitando os Diálogos de Botelho, a Memoria
e as Noticias de Berardo— e nomeadamente
a Memoria ms. de Francisco Manuel Correia,
homem bastante illustrado, excellente pes-
soa e o mais diligente e mais consciencioso
investigador das antiguidades de Viseu e da
sua calhedral até hoje !
Só a plania baixa que elle desenhou e que
por fortuna lemos, bem como a dieta Memo-
ria, sobre a nossa banca de estudo, — planta
lindíssima e que representa com a máxima
claresa aquelles 3 editicios, — ó um padrão
de gloria para o seu auctor e revelia um tra-
balho persisienle e conscienciosissimo du'
rante muitos annos l
Depois de estudar e meditar tudo o que
até o seu tempo i se havia escripto de mais
interessante com relaçãu a Viseu, verificou
tudo sobre o próprio local, onde por fortuna
vivia e, como era um homem sinceramente
religioso, estudou particularmente a Sé, os
velhos paços reaes e episcopaes e a forta-
lesa romana, porque os 3 edifícios formam
uma amalgama, um conjuncto.
Gastou annos e annos mirando e remi-
rando toda a Sé e suas dependências e o
grande labyrioiho hoje formado por ella,
pela fortalesa romana e pelos velhos paços;
— elle mirou, remirou, apalpou e mediu to-
do o chão dos 3 ediQcios, — a côr e as juntas
das pedras, — o cimento, o azulejo e o rebo-
co das paredes;— copiou iodas asinscripções
e estudou todas as reconstrucções dos 3 edi-
fícios desde o pavimento até os eirados e te-
ctos e, depois de um trabalho insano, por
assim dizer reconstituiu a velha fortaleza, os
velhos paçoís e a Sé, indicando as transfor-
mações porque passaram desde os tempos
mais remotos até hoje. Infelizmente não che-
gou a ver a sua Memoria publicada e dei-
xou-a repleta de notas e addi.ções em centos
1 Faljecííu em 18 de setembro de 1882.
V. Francisco Manuel Correia no tópico dos
Visienses illustres.
I de papeis informes e soltos . .) — notas a
! addiçòes que foi colhendo em quanto Deus
I lhe deu vida e que hoje tornam muito ira-
i pertinente a publicarão. É mesmo imperti-
nente e difloil a leitura d'ella— e mais ina-
pertinente e diííicil o copial-a, pelo que a di-
eta Memoria ainda esta em um exemplar
único, escripto pelo auctor e por consequên-
cia exposta a desapparecer e sumir-se de um
momento para o outro, o que seria uma per-
da irreparável, immensa, para a historia e
chorographia de Viseu e para a nossa litte-
ratura.
Aos bons visienses pedimos pois muito en-
carecidamente qu3 tratem de salvar a dieta
Memoria publicando a sem delongas.
Para desejar seria que publicassem tam-
bém os interessantes Diálogos do dr. Manuel
Botelho Ribeiro, que ainda se conservam
mss. desde 1630— e as Noticias e a Memoria
do sábio cónego José d'01iveira Berardo, tão
interessantes também e ainda hojequasi des-
conhecidas mesmo em Viseu ? 1 . . .
Prosigamos. .
Gomo se vê da engenhosa e muito cons-
cienciosa planta desenhada por"F. Manuel,
o recinto da fortaleza romana era um qua-
drado perfeito ou quasi perfeito,- defendido
por 4 panos de grossa muralha e por 4 tor-
res nos 4 angulus, das quaes hoje apenas ha
memoria de duas,— as duas de que ainda lá
se vêem os restos, como formando as bali-
sas do lanço de muros do lado S. O. — uma,
a antiga torre de menagem, no angulo O.,
servindo de cadeia civil, — ouira, a antiga
torre do relógio, no angulo S. O., servindo
hoje para despejos.
D'este lanço de muralhas partiam em an-
gulo recto e parallelos para N. E. outros dois
lanços de muros de igual extensão— e fe-
chava a N. E. o recinto outro lanço de muros,
parallelo ao 1.", tendo também como aquelle
nas duas extremidades ou nos ângulos N.
e E. outras duas torres, de que não ha
memoria, por terem sido muito provavel-
mente demolidas cum o muro, quando d'a-
quelle lado se fez o vrlho paço episcopal na
extremidade E. do rei-into da foitalesa, —
\ paço que depois avançou para N. e se de-
1574 VIS
VIS
nominou Paço da Sé ou dos tres escalões, ao I
qual por ultimo na sua extremidade N. se ad-
diccionou o antigo Seminário diocesano, ho-
je denominado Collegio, onde actualmente
funecionam o lyceu, o governo civil e outras
repartições publicas.
Também se demoliu antes ou depois e
desappareceu ha muito o lanço de muros
que fechava a fortalesa romana a N. O. — e o
chão do dicto muro com algum espaço ex-
terior e approximadamente com metade do
recinto interior Ja fortalesa formam hoje o
adro, sobre o qual se erguem a S. E. a ca-
thedral, a N. O. a casa das sessões e a egre-
ja da Misericórdia, em frente da cathedral e
olhando para ella,— e a N. E. o grande edi-
fício do Collegio, ligado com o Paço dos tres
escalões.
A Sé prolonga-se de S. E. a N. O. e, como
se vê da planta, a principio descrevia um
parallelogrammo hirto, como os nossos an-
tigos templos, sem a fòrma da cruz latina.
A sua extremidade S. E. foi talvez o próprio
muro que a velha fortalesa tinha d'aquelle
lado; — depois, quando a Sé tomou a forma
da cruz latina, abriu-se no alinhamento do
dicto muro o arco cruzeiro e prolongou-se
o templo mais para S. E. formando a capella
mór ou o topo da cruz— e ainda posterior-
mente (logo diremos quando) sendo pequena
a capella mór, deram-lhe mais fundo, pro-
longando-se outro tanto para S. E.
Também se fizeram a S. O. e N. E. do ar-
co cruzeiro as capellas do Santíssimo e do
Espirito Santo, que hoje lá se véera e que
formam os braços da cruz latina.
Tem a Só hoje 3 naves. No topo da do
centro está a capella mór;— no topo da do
lado da epistola está a capella de S. Pedro,
que ficou fóra do alinhamento dos muros da
fortaleza, bem como a sacristia da capella
do Santíssimo, contigua a estas duas capel-
las e cora entrada por ambas,— e no topo da
nave do lado do evangelho está a capella de
S. João, parallela e em symetria com a de |
S. Pedro e que ficou também fóra do alinha-
mento da fortaleza. |
A Sé estava precisamente do meio da
I fortalesa, contando de S. O. a N. E., mas
posteriormente, com a demolição dos velhos
muros e cora a construcção dos velhos pa-
ços e do Collegio d'este lado, os edificios
avançaram um pouco mais para N. E. e
ultrapassaram o alinhamento dos muros —
em quanto que do lado S. O. ainda lá se
\ê entre as duas torres romanas o alinha-
mento da primitiva muralha, pois entre ella
e a Sé apenas se fez o claustro. A parte bai-
xa d'este foi feita pelo bispo e cardeal D.
Miguel da Silva, em 1534, no chão onde es-
tavam os restos do velho paço real que D.
João III para aquelle fim lhe cedeu e que D.
Miguel demoliu^ paço onde vivera o prior
S. Theotonio de 1H2 a 1119.
A parle alta do claustro foi feita pelo ca-
bido na grande vacância de 1720 a 1743,
bem como as varandas ou. passeio das ameias
sobre as paredes exteriores do claustro,—
passeio que se prolonga pelo cimo dos velhos
muros da fortaleza ate á antiga torre de me-
nagem, depois aljube e hoje cadeia civil na
extremidade O. do lanço dos velhos mu-
ros, que vão para aquella torre, como já dis-
semos, desde a velha torre do relógio, e for-
ma ura angulo recto com a parede do claus-
tro, que olha para N. O.
Ainda o claustro
Demora a S. O. da Sé, á direita de quem
entra, e fórma um quadrado perfeito, occu-
pando todo o espaço entre a Sé e o alinha-
mento do mencionado lanço dos muros da
fortalesa.
A architectura do claustro é um raixto da
OTàem jónica e dórica, — extravagância muito
commum na raaior parte dos nossos edifi-
cios, como diz Berardo. ^
Também o mesmo sábio cónego diz que o
bispo D. João (sic) pelos annos de 143! deu
principio a um claustro a O. da Sé, como
consta da seguinte nota ou lembrança, ex-
1 Veja-se o Álbum Visiense, esplendida pu-
blicação folio, il lustrada, (1884-1886) que a
pag. òl dá era lytographia oa claustros da
Sé— e a pag. 4 outra lytographia represen-
tando a mesma Sé.
VIS
VIS 1575
trahida por Berardo de um antigo necroló-
gio: Era de 1319 annos {sic) segunda feira
oito dia de Maio dia de S Miguel compessa-
rom de fundar a crusta da see de Viseo e
mandou fundar o bispo D. Jhoanne por Jeaotn
de Lamego que era o mestre da obra.
Nada mais sabemos de semelhante claus-
tro.
Desde a sua fundação foi cemitério do ca-
bido aié o 2.» quartel d'este século, pelo que
o seu pavimento estava immundo e cheio de
sepulturas em 1875, data em que o governo,
a instancias de Luiz de Campos, deputado
por Viseu, mandou fazer muitos reparos na
Sé, despendendo cerca de ires contos de réis.
Foi ladrilhado todo o claustro cora bello
granito, como hoje se vê,— reparou-se a casa
do thesouro velho e novo, * a sacristia, os co-
ros de baixo e de cima, a sala capitular, o
archivo do cabido e o órgão grande, que foi
limpo, bem como a celebre abobada dos nós
que eslava gemendo, sobrecarregada com
immenso entulho;— reformaram-se as por-
tas e ameias, levantou se e restaurou-se o
telhado e armações, etc.
D. Miguel da Silva, como jà dissemos, fez
este claustro, mas a parte baixa somente,
sem os altares que hoje lá se vêem e que são
os seguintes :
{.•—Capella do Descendimento da Cruz,
á esquerda de quem entra da Sé para o
claustro. Chamada vulgarmente pelo povo
Capella dos santos brancos, porque as figu-
ras todas d'este altar são de pedra branca de
Ançã. Pertence hoje ao commendador e dr,
Ladislau Pereira Chaves, de Viseu, eoutr'ora
pertenceu aos Amorins e Vasconcellos de S.
Francisco d'Orgens, representados hoje pelo
seu descendente Nicolau de Mendonça, da
quinta de S. Salvador, e seus irmãos.
f."— Nossa Senhora da Assumpção.
Pertence aos condes da Lapa.
3. '*—Arckanjo S. Miguel.
4. »— S. José.
1 O thesouro velho está a E. e junto da
grande sacristia; — o thesouro novo, edificio
pequeno e singello, foi feito pelo cabido em
1720 a 1743 a S. O. da capella mór e en-
costado a ella.
Pertence á própria cathedral.
5. » — Senhor da Agonia.
Este altar foi feito pelo cónego Jorge Hen-
riques em 1395, mas, passado algum tempo,
foi abandonado pelos herdeiros do fundador
e n'elle se installou a irmandade das Almas»
que ali faz as suas funcçòes ha muitos an-
nos, e passaram para a coroa os bens dotaes
que esta capella tinha em Cavernães.
6. " — Santo Antonio.
Este altar foi feito em 1696 por 4 mordo-
mos, como diz uma inscripção que ainda
hoje lá se vê na parede da capella do lado
do evangelho: — Sendo Mordomos Manoel
Monteira, Bento da Motta Sant Iago, Fran-
cisco Dias, e Diogo Fernandes, fizerão á sua
custa esta capella para Confraria de Santo
Antonio, no anno de 1696. Não chegou po-
rem a vogar a dieta confraria e cora o tem-
po a capella, o altar e a própria imagem do
thaumaturgo cahiram em completa ruina,
mas tudo restaurou à sua custa, em 1875,
uma piedosa senhora da nobre casa Lemos,
de Villa Chã de Sá, e collocou na dieta ca-
pella uma nova imagem do padroeiro, ima-
gem que cosiuma andar pela casa dos mor-
domos.
7. »— Altar que em ouiro tempo foi da in-
vocação de Santa Ritta. Ardeu todo ha mui-
tos annos, mas nos nossos dias acaba de ser
restaurado pelos esforços do piedoso cura da
Occidental, o rev. João Nunes de Almeida.
Tem uma nova tribuna dourada e duas bel-
las imagens novas do SS. Coração de Jesus,
e SS. Coração de Maria, das quaes a pri-
meira fica no meio do aliar, e a segunda do
lado do evangelho. A antiga imagem de
Santa Ritta, dourada e encarnada de novo,
está do lado da epistola.
Em tempos remotos este altar teve a in-
vocação de Nossa Senhora da C'^asta, ou do
Crasto, ou do Claustro, i
Capella da Cruz
Ha lambera no claustro duas grandes ca-
> V. Villa de Souto, onde já fizemos refe-
rencia a esta capellinha áe - Nossa Senhora
do Crasto.
1576 VIS
VIS
pellas: — a da Cruz e a do Calvário, dignas
de especial menção. Demoram a S.E. do
claustro; — são coniiguas— e estão no mesmo
alinhamento da capella do Santíssimo^ com
a differ^nça porem que para esta ultima se
entra pelo cruzeiro da Sé— e para as outras
duas enlra-se pelo claustro.
A da Cruz demora na extremidade S. do
passeio S. E. do claustro, entre este e a ve-
lha torre romana, denominada torre do re-
lógio.
Tem sobre o claustro um grande pórtico
em arco;— n'eile a data 1567 e uma inscri-
pção— e por baixo d'esta uma cruz esculpi-
da e outra dourada. O bispo D. Gonçalo Pi-
nheiro mandou fazer esta capella para seu
jazigo, mas, como faliecesse em 1566, antes
de a concluir, foi sepultado na capella mór
da Sé.
V. no tópico dos bispos o n.° 57.
Funcciooou n'esia capella a irmandade do
Senhor dos Passos muitos annos até 1855;,
data em que passou, como já dissemos, para
a egreja de S. Miguel do Fetal. Veja-se este
titulo no tcpico das Egrejas.
D. Gonçalo Pinheiro era muito devotado á
Santa Cruz de Christo, como provam a ins-
tituição d'esta capella e a inscripção que fez
gravar sobre o pórtico d 'entrada na avenida
de Fontello.
Também se suppõe que o grande quadro
que hoje se vé na capella do Calvário, (logo
a descreveremos) foi mandado fazer pelo
mesmo bispo D. Gonçalo para a capella da
Cruz, á qual parece alludir, pois representa
o Bom Jesus do Calvário, e que a irmandade
dos Passos para ali o removêra, quando se
estabeleceu na capella da Cruz e rj'ella fez
a tribuna com o respectivo camarim para a
imagem do Senhor dos Passos. Também se
suppõe que a capella do Calvário n'aquelle
tempo ainda não era capella, mas sacristia
e casa d'arrumação da irmandade dos Pas-
sos e da capella da Cruz.
Capella do Calvário
Ao que já fica dieto d'e3te templo accres-
centaremos o seguinte : j
Pela sua architeciurá, antiguidade e Ira- i
diçôes è a capella mais notável do claustro
6 da Sé. Na sua origem, não sabemos para
que uso, foi parte integrante e dependência
dos velhos paços reaes, cedidos por D. Jaão
III a D. Miguel da Silva, para n'tílles fazer,
como fez, o claustro, demolindo os, sem to-
car no venerando edifício, hoje capella do
Calvário, — edifício, cuja fundação se ignora,
mas que é cora certeza anterior à nossa
mooarchia, pois na casa que sobre elle as-
senta, hoje sala capitular., viveu o prior S.
Theolonio em 1112 a 1119, como dizem a
tradição e a inscripção que se vê sobre a
porta da dieta sala:
Haeg est domus a Divo
Theotúnio, hujus sanctae
Sedis patrono, habitata,
ET AB IlLUSTRISSIMO CaPITULO,
Sede Vagante instatjrata
ANNO 1721.
«Esta é a casa onde viveu S. Theotonio,
padroeiro desta Santa Sé, casa que o illus-
trissimo cabido. Sede vacanle, resfaurou no
anno de 1721. •
A dieta capella é toda de abobada de gra-
nito com ornamentação exótica e fíguras in-
decentes, o que revelia ter sido feita não
para templo oatholico, mas para outro qual-
quer destino, talvez no tempo da oceupação
árabe, e, segundo se suppõe, foi jasigo dos
primeiros prelados visienses, pois tem nas
paredes differentes arcos, em um dosquaes,
ao lado do evangelho e delraz do aliar, foi
sepultado em 1463 o bispo D- João Vicente,
ou bispo azul, fundador da congregação dos
loyos, 1— e n'outro, do lado da epistola, o
cónego Pedro Gomes d'Abreu, sobrinho do
bispo D. João Gomes d'Abreu, o que com-
1 V. no tópico dos bispos o n.'» '47.
Este tumulo, ainda hoje o primeiro de Vi-
seu, é uma obra d'arte notável, mas infeliz-
mente brilha pouco, por estar em sitio hoje
muito falto de luz. O mesmo succede ao for-
i moso quadro do Calvário, que está n'esta
I capella e que é geralmente aitribuido ao ce-
I lebre pintor Grão Vasco.
VIS
VIS 1577
prou em praça a casa da Torre na rua da i
Cadeia, onde nasceu el-rei D. Duarte, na i
qual poz as suas armas, que são as mesmas
que aqui tem o seu tumulo. *
Alem d'estas duas arcadas, tinha outra,
onde está hoje a porta que dá para o claus-
tro a N. O. — e ca parede do lado N. E.
teve outro arco, onde hoje se vê um armá-
rio que foi arrecadação da irmandade dos
Passos, quando esta funecionava na antiga
Capella da Cruz.
Também do mesmo lado Ps. E. leve ou-
tras arcadas, de que ainda se vêem claros
vestígios detraz da tribuna da capella do
Santissimo, na parede Iwje commum ás duas
capellas, mas talvez que outr'ora algum dos
dictos arcos fosse poria d'entrâda ou janella.
Note-se que o chão, onde está hoje a ca-
pella da Cruz, foi descoberto alè o anno de
1567, data da construcção da dieta capella,
como já dissemos, e que sobre o dieto chão
a capella do Calvário tinha uma janella d'ar-
co de volta inteira ornamentada, janella que
por essa occasião se tapou e lá se vê tapada
ainda. Era igual a outra que tem sobre o ei-
rado, juDio da porta do Sol, olhando como
a dieta porta para S. E.
Foram também do mesmo estylo {arco de
volta inteira) as 4 janellas, hoje rectangula-
res, que estão nas cap* lias de S. Pedro e S.
João Baptista, aos lados da capella mór— e
foram lambem d'arc() imeiro as janellas que
outr'ora davam luz para o corpo da Sé, pois
ainda hoje se vê assim uma, embora tapada,
na parede lateral N. E. da Sé, detraz do
sitio onde esteve o antigo órgão, — janella que
hoje está sobre a abobada das escadas que
da sacristia vão para o coro alto.
Tem pois a Sé de Viseu janellas de 3 es-
lylos, que marcam 3 datas e 3 grandes re-
construcções.
As mais antigas são as de arco de volta
inteira, coevas da 1.» fundação, — da 1.» abo-
bada— e da antiga fortalesa talvez I...
* No Álbum Visiense, esplendida publica-
ção illustrada, pôde ver-se a pag. 78 uma
lytograpbia representando a dieta casa e as
dietas armas.
I As de ogiva são posteriores e coevas da
I 2.» abobada, — a abobada actual ou dos nós,
feita nos princípios do século xvi, como logo
diremos.
As rectangulares são as mais modernas e
datam da reconstrucção feita pelo cabido na
Vacância de 1640 a 1671.
Fecharemos este tópico dizendo que na
capella de que no momento nos oecupamos,
se vê no altar, junto da porta do sol, o gran-
de quadro do Bom Jesus do Calvário que,
segundo se suppõe, deu o nome á capella,
depois que a irmandade dos Passos para ali
o removeu da capella da Cruz, como já dis-
semos quando fallámos delia.
A abobada dos nós
ou de
D. Diogo Ortiz de Vilhegas
e
as reconstrucções da
cathcdral
A Só de Viseu tem obras d'arte notáveis
em pintura e archilectura. Entre as primei-
ras avultam os quadros de Grão Vasco (logo
fallaremos d'elles);— entre as segundas a lin-
díssima e riquíssima abobada actual do tem-
plo, denominada abobada dos nós ou de D.
Diogo Ortiz de Vilhegas, da qual nos oceu-
pamos no momento.
Não sabemos o que seria a Sé, quando D.
Fernando Magno tomou Viseu aos mouros
em 1057, como já dissemos supra, mas sup-
pomos que desde então demora intra muros,
no mesmo local hodierno, embora muito mo-
dificada e por certo muito ampliada.
Temos noticia de 7 grandes reconstruc-
ções:
l.«— No tempo do conde D. Henrique— pe-
los annos de 1100 a 1112.
%' — No tempo em que se fez a 1.» aboba-
da—em 1282 a 1362 — e o antigo claustro
— principiado em 1341.
3. » — No tempo em que se fez a 2.* aboba-
da, dieta dos nós, concluída por D. Diogo
Ortiz de Vilhegas em 1513.
4. *— Quando D. Miguel da Silva fez o
claustro hodierno, como já dissemos, em
1534.
1578 VIS
VIS
5. »— Quando D. Jorge d'Athaide fez a sa-
cristia actual e o corredor para a eapella de
S. João, em 1573 a 1578. i
6. *— Na vacância de 1640 a 1671.
7. »— Na vacância de 1720 a 1740.
V. o nosso Catalogo chronologico dos bis-
pos de Viseu.
Temos provas bastantes de todas estas re-
coustrucções :
Da 1.» e 2 * em uma inscripção antiga que
se encontra no fundo da torre actual do re-
lógio (a da frente da Sé, entrando á direita)
da qual inscripção, segundo a leitura de Be-
rardo, consta que em 5 d'abril da era de
1320 (anno 1282) foi principiada a construe-
ção de uma abobada da Sé, dando se por
finda na era de 1400 (anno de 1362) no dia
4 de julho.
Durou pois nada menos de 80 annos a
coDstrucção da dieta abobada, o que nos leva
a crer que as obras estiveram interrompi-
das algum tempo, mesmo porque a citada
inscripção diz; — a qual obra querendo se aca-
bar...— E, fallando da abobada, não falia
das paredes, d'onde se infere que estas jà
existiam em 1282,— talvez desde o tempo do
conde D. Henrique e da rainha D. Thereza,
geralmente apontados como fundadores, ou
antes — primeiros restauradores da Sé actual.
Francisco Manuel até suppõe que as dietas
paredes fossem da antiga fortalesa, d'algum
quartel interior talvez.
Também não consta qne se fizessem novas
paredes quando em .... a 1513 se fez a
abobada dos nós, o que nos leva a crer que
as paredes actuaes da Sé são as mesmas so-
bre que assentava a 1.* abobada. Isto mesmo
confirmam as 2 janellas antigas de 2 estylos
diíTerentes, que ainda hoje se vêem tapadas
no alto da parede lateral N. E., do lado ex*
terior, sobre a abobada de tijolo das esca-
das que da sacristia vão para o côro de ci-
ma. Uma das dietas janellas era de arco de
volta inteira ou do tempo da antiga funda-
ção, como já dissemos quando falíamos da
Capella do Calvário; — a outra era ogival, co-
1 V. no tópico dos bispos o d.* 58.
mo foram todas as do tempo em que se fez
a abobada dos nós e que na vacância de
1640 a 1671 foram estupidamente transfor-
madas pelo cabido em janellas rectangula-
res, quando restaurou e deturpou igual-
mente a froDteria da Sé.
Com relação ao claustro antigo e à 3.* re-
construcção da Sé, veja-se o que dissemos
supra no tópico do claustro actual e o que
dizemos adiante no nosso Catalogo dos bis-
pos visienses, fallando de D. Miguel da Silva,
pois este prelado também restaurou o côro
alto e o guarneceu com esplendidas cadeiras
muito ornamentadas, como pôde ver se nos
Diálogos de Botelho, — cadeiras que jà não
existem. Suppomos que foram esmagadas
quando em 1635 desabou a fronteria da Sé
8 que o cabido, na barbara restauração de
1640 a 1671, as substituiu pelas cadeiras
actuaes, tirando-lhes toda a bellesa, como
tirou à fronieria da Sé, substituindo a go-
thica florida pela dórica e prosaica fronte-
ria actual.
Também o cabido na mesma vacância de
1640 a 1671, ou na 6." restaurarão indicada
supra, accrescentou a eapella môr, por ser
muito pequena e não ter espaço para o côro;
— fez aos lados da eapella mór as capellas de
S. João e de S. Pedro, nos vãos até ali occu-
pados por duas sacristias;— fez as tribunas
das 3 mencionadas capellas e dos altares da
Senhora do Rosario e da Rainha Santa Iza-
substituiu as janellas e portas ogivaes
com molduras por janellas e portas rectan-
gulares lisas;— fei também as 3 columnas
fingidas nas paredes com madeira, estuque
e argamassa; — os 2 púlpitos nas columnas;
—as cadeiras de pau ordinário no côro de
baixo, ou da eapella mór,— cadeiras que em
1720 foram removidas para a eapella da
Cruz e substituídas por outras de pau pre-
to;—finalmente fez a casa do thesouro novo
e collocou novo relógio na torre da fronte-
ria da Sé, a N. E.
A sala do vestuário do cabido, lado S. O., e
junto das escadas do côro,— o passeio das
ameias sobre o claustro e ao longo do muro
da fortalesa,— a sala capitular e a do ar-
chiyo,— as cadeiras de pau preto que estão
VIS
VIS 1579
na Capella mór, ete.,— tudo foi feito pelo ca-
bido, segundo se suppõe, na restauração e
vacância de 1720 a 1740,
Agora fallemos da
Abobada dos nós
Com razào se orgulha Viseu de possuir
duas obras de pedra monumentaes e únicas
em todo o nosso paiz: — a abobada actual da
Sé— e as escadas do Seminário ou do antigo
convento dos Nerys, das quaes logo fallare-
mos.
A abobada é monumental e única em todo
o nosso paiz, posto que temos em Portugal
templos muito superiores e com abobadas
esplendidas, taes são o de Santa Maria da
Batalha e o dos Jeronymos de Belém, mas
note-se que a pedra d'estes 2 templos e a de
todos ao sul do nosso paiz, comprehendendo
as duas Sés e a veneranda egreja de Santa
Cruz de Coimbra, é calcareo dócil e maleá-
vel— que se presta á goiva e formão e ás or-
namentações mais mimosas, em quanto que
a de Viseu é granito, pedra muito mais dura
e áspera e muito mais diíficil de trabalhar,
ornamentar e polir.
Que o digam os estatuários e mestres de
obras I . . .
É verdade que temos ao norte do nosso
paiz mimosos trabalhos em granito, v. g. no
Porto, nomeadamente nas escadas do Pala-
cio da Bolsa, também únicas no seu género
em Portugal,— na fronteria dos Terceiros do
Carmo e nas estatuas que decoram a fronte-
ria da nova egreja dos Terceiros Francisca-
nos;—em Braga na Sé, nomeadamente no va-
randim exterior daeapella mór e no templo do
Bom Jesus do Monte, — e em Lamego no san-
tuário dos Remédios e nas 3 portas da fron-
teria da Sé, que pode orgulhar-se de ter um
grupo de 3 pórticos de granito, como não se
encontra em templo nem ediQcio algum de
Portugal 1 . . .
Todas estas obras d'arte são lindíssimas e
custaram muito dinheiro, mas são muito
mais pequenas e custaram muito menos do
que a abobada da Sé de Viseu.
Temos também ao norte do nosso paiz vá-
rios templos cora soberbas abobadas de gra-
nito, V. g. a da Só da Guarda— as 3 das egre-
jas de S. Bento da Victoria, de S. João No-
vo e dos Grillos, hoje do seminário, no Por-
to,—e a doextincto convento loyo de Villar de
Frades, junto de Barcellos, mas todos estes
4 últimos templos são de uma só nave lisa,
emquanto que a Sé de Viseu tem 3 naves,
é mais ampla e a sua abobada muito mais
vasta, mais brincada e de mais difflcil eons-
trueção.
A Sé da Guarda tem 3 naves também, —
é mais ampla talvez,— ioda de cantaria de
granito— e tem mais mérito architectonico
do que a Sé de Viseu. Está ainda toda ameia-
do^;— foi construída por uma planta unifor-
me—e poucas deturpações tem soffrido até
hoje; mas está alravez d'uma barreira e
muito mais desvantajosamente situaila do
que a Sé de Viseu;— as suas decorações são
incomparavelmente mais pobres — e a sua
abobada é multo mais singella, posto que
são muito mais altas e de mais mérito artís-
tico as columnas em que assenta.
A esplendida abobada da Sé de Viseu de-
nomina-se abobada de D. Diogo Ortiz de Vi-
lhegas, porque foi concluída e talvez dese-
nhada e dirigida a sua construcção pelo
bispo d'aquelle nome, 2— e denomina-se tam-
bém^ abobada dos nós, por ser ornamentada
com laçaria de cordas e nós.
Já em. 1630 o dr. Botelho nos sem Diálo-
gos {Códice de Girabolhos, pag. 401) fallan-
do d'esta abobada e do seu fundador, disse:
^ A Sé de Viseu brilharia o dobro se es-
tivesse lambem toda ameiada, como a egi-
taniense, ou como a velha de Coimbra, ou
como a matriz de Villa do Conde, pois de-
mora em sitio alto e desalTrontado com am-
plas e mimosas vistas para todos os qua-
drantes.
A da Guarda está em altitude superior,
mas enterrada em uma barreira e afronta-
da por ella e pela cidade.
Os seus eirados das ameias teem vistas
muito amplas, mais amplas que a de Viseu,
para N. E. e O.— mas muito agrestes !
2 Para evitarmos repetições, veja-se o que
d'este prelado dizemos na sua biographia,
sob o n.o 52 do nosso catalogo.
1580 VIS
VIS
— «...vede o cordão de relevo de pedra, i
que tem pelo meio das naves com os nós j
nelle entalhados e tão perfeitos, que pare-
cem dados com a mão, sendo pedra Ião du-
ra e losea. O côro pela parte inferior iie obra
tão rara, que em o meio, onde feehão os ar-
cos da abobada, afigura -se que he mais bai-
xa que 08 estribos donde se sustenta o peso
e maquina d'aquelle edifício tão pendente^
que parece sobre-eeu de cortinas. Deixo os
mais relevos e lavores, com que he obrado^
que nem de cera se fizera melhor friso.
lAs figuras e folhagens da porta princi-
pal, haveis de confessar não tendes visto coi-
sa semelhante. Todo aquelle portal e o mais
frontispicio, que está entre as torres, com a
curiosa invenção da vidraça, que dá luz ao
côro he obra d'este insigne Prelado...»
A magnifica abobada conserva-se intacta
e firme, com toda a bellesa do estylo ogival
do 3." período, posto que já conta cerca de
400 annos, mas a fronteria correspondente,
tão rica, tão ornamentada e tão bem des-
cripta por Botelho, já não existe I Na vacân-
cia de 1640 a 1671, como já dissemos, o ca-
bido (Deus lhe perdoei) a substituiu pela
chata e prosaica fronteria actual dórica, sem
a minima relação di^ parentesco ou affini-
dade com a velha fronteria e com a esplen-
dida architectura interior.
O cabido matou e enterrou toda a bellesa
e magestade architectonica da Sé,— dispon-
do aliás de grandes sommas, de meios mais
que sufFicientes para restaurar a velha e ma-
gestosa fronteria, pois durante os 32 annos
da vacância (ella principiou em 1639) as
rendas da mitra visiense aceumuladas subi-
ram a mais de cento e cincoenta contos de
réis, 1 que sem exageração correspondiam a
mais de tresentos contos da nossa moeda
actual.
A grande abobada, como diz uma inscri-
pção que está n'ella sobre o côro, junto das
* Pouco depois da dieta vacância (em
1674) rendia o bispado de Viseu 7:200^000
réis annuaes.
Veja-se o que dizemos do santo bispo D.
João de Mello no nosso catalogo, n." 69.
armas de D. Diogo Ortiz de Vilhegas, foi
concluída em 1513 por este prelado, que pro-
seguiu com as obras complementares da Sé
e em 23 de julho de 1516, ou passados 3 an-
nos, a sagrou,! tendo principiado porem o
pontificado d'este bispo em 1507, mal pôde
crer-se que elle fizesse a grande abobada
toda n'aquelles 6 annos — nem leria rendas
para tal obra, por não ter havido vacância
immediatamente anterior.
Suppomos que as obras principiaram
muito antes do pontificado de D. Ortiz. Tal-
vez que el-rei D. Manuel, sendo ainda duque
de Beja e possuindo desde 1484, por mercê
de D. João II, todos os bens que tinham sido
do ducado de Viseu, desse principio à gran-
de obra ou o dinheiro para ella, encarre-
gando D. Diogo de a dirigir, antes de o no-
mear bispo de Viseu, por ser D. Diogo dis-
tincto mathematico e architecto, muito que-
rido e estimado por D. Manuol e já então seu
confessor e bispo de Tanger, in partibus in-
fidelium, sem residencja obrigada, achando-
se portanto livre para poder acceitar a com-
missão.
Isto mesmo nos leva a crer o facto de se
verem na dieta abobada as armas reaes por-
tugupzas no cume da nave central, — asd'el-
rei D. Manuel no cume da nave N. E. em
escudo partido a meio, ou em lisonja,— e
a esphera armilar, emblema do mesmo rei,
no cume da nave S. O.
Suppomos até que as dictMS obras dura-
ram mais de 20 annos;— que principiaram
no reinado de D. João 11, fallecido em 1495
e amigo também de D. Diogo;— que el-rei
D. Manuel, succedendo a D. João II, as con-
tinuou—e que o escudo das armas reaes
portuguezas no cume da nave central se re-
fere a D. João II, como iniciador da grande
obra.
Também na dieta abobada se vê junto das
janellas do côro alto as armas de D. Jorge
da Costa, cardeal d'Alpedrinha, antecessor
1 Veja-se o que dizemos de D. Diogo Or-
tiz de Vilhegas no nosso Catalogo dos bispos
visienses, n.* 52.
VIS
VIS 1581
de D. Diogo, e que foi bispo de Yheu—bem
como d'outros muitos bispados— em 1506 a
1507, o que nos leva a crer que este riquís-
simo prelado lanribem contribuiu para a eons-
trucção da dieta abobada ^
Também na capella d(t Santissimo se vé na
abobada as armas do bispo D. Soludidalio,
porque talvez concorresse igualmente para
a dieta obra.
Alguém suppõe que D. Soludidalio foi bis-
po de Viseu pelos annos de 1483 a 1486,
posto que d'elle não resta outra memoria
alem das dietas armas e d um sinete ! . . .
Veja-se no nosso Catalogo o n.« 28, na
secção dos Bispos duvidosos.
Ainda a Sé
Altares e capellas
{."—Altar-mór.
Tem um bom retábulo de talha dourada,
feito pelo cabido na vacância de 1639 a 1671,
quando ampliou a capella mór; * — por essa
occasião collocou o velho retábulo na capella
do Espirito Santo— e poz lambem retábulos
nas capellas de S. João Baptista, S. Pedro e
S. Sebastião (hoje Santissimo Sacramento)
em substituição das 4 primorosas pinturas
de Grão Vasco, — piuturas que até ali for-
mavam talvez o único adorno dos 4 al.
tares e que o cabido no seu estulto furor de
reformas apeou e substituiu pelos retábulos
que lá se vêem, persuadido (?) de que a ma-
1 Veja-se o n.» 15 no nosso Catalogo dos
bispos visienses.
2 É isto o que se lê na Memoria de Fran-
cisco Manuel Correia, homem muito cons-
ciencioso e que estudou a Sé talvez como
ninguém até hoje; mas Berardo (V. Idberal
de 13 de junho de 1857) smiplesmenie àii:
— «A capella mór foi algum tanto ampliada
nos princípios do século xviii, e alguns que-
rem attribuir esta obra ao bispo D João Ma-
noel* (1610-1625);— tí o padre Leonardo de
Sousa no seu interessanlissimo Catalogo, to-
mo 3 • fl. 87, v., frtllrindo do bispo D. João
de Mello e Trl nndo-se ao anuo 1674 (elle
governou de 1673 a 168i) diz: - «Em Vizeu
gastou muitos mil crusados não somente na
factura da capella ma yor, que reedificou, /"a-
zendo a maior e mais clara. . »
Como vêem, não é liquido este ponto.
VOLUME XI
deira deurada tinha mais brilho e valia maia
do que 08 4 grandes quadros, quando só o
de S. Pedro vale mais, muito mais do que
toda a entalha da Sé I . . .
Felizmente não lançou ao monturo os 4
preciosos quadros, mas colloeou-os nas pa-
redes da sacristia, a esmo e como obra de
feira, sem atlender às condições de exposi-
ção e de luz, como ainda lá se vêem, pelo
que não brilham tanto como podiam e de-
viam brilhar.
Também o cabido em 1639 e 1671, levado
pelo furor das reformas e querendo assigna-
lar o seu nome (bem tristemente assignalado
o deixou!. . .) substituiu a veneranda fron-
teria gothica muito ornamentada pela dórica
e desgraciosa que lá se vê I
Mais ainda :
Fez nas paredes lateraes da Só 3 meias
columnas lisas e fingidas com madeira, ar-
gamassa e cal— e para symeiria mascarou
também com argamassa e cal as lindíssimas
columnas centraes que sustentam a abobada
e que eram e são de granito em caneliuras,
— caneliuras que os trolhas barbaramente
picaram e mutilaram para melhor lhes ada-
ptarem a argamassa, como se viu em 1876,
quando os engenheiros incumbidos p^lo go-
verno de restaurar os claustros e a Sé, se
dispunham a limpar as dietas columnas.
Acharam-nas tão mutiladas na sua orna-
mentação que houveram por bem drixal-as
com a mesma cal e argamassa que osrev."'
cónegos em 1639 a 1671 lhes pozeram.
Também o rev. cabido na mesma data
(Deus lhe perdoe!...) levado p»'lo seu fu-
ror de renome e reformas, substituiu pelas
desgraciosas jaoeltas e portas lisas rectan-
gulares, que hoje tem a Sé, as lindíssimas
j anel las e portas ogivaes ornamentadas, que
D. Diogo Ortiz de Vilhegas maudou fazer em
perfeita harmonia com a esplendida abobada,
como já dissemos, fallando da Capella do
Calvário.
Prosigamos com a enumeração dos alta-
res da Sé :
2. "— S. Pedro.
3. »— S. João Baptista.
Estes 2 altares estão— o 1." à esquerda—
100
1582 VIS
VIS
e o 2.° á direita de quem sae da capella mor,
encostados a ella, no chão que ouir'ora oc-
cuparam as velhas sacristias, voltados para
o vã'o do cruzeiro e para o corpo da Sé, pre-
cisamente no topo ou na frente das duas na-
ves lateraes.
F. Manuel aponta outras muitas minuden-
cias que omittimos; apenas diremos que n'es-
tes dois altares estiveram primitivamente
(segundo se suppõe) 2 dos grandes quadros
de Grão Vasco, que hoje se vêem na sacris-
tia:—o que representa S. Pedro, príncipe
dos Apostolo* e que é geralmente conside-
rado por nacionaes e estrangeiros a melhor
producção de Grão Vasco. — e o que repre-
senta 8. João Baptista baplisando o Redem-
ptor.
4. ° — Santissimo Sacramento.
5. " — Espirito Santo.
Estes dois altares estão em frente um do
outro ao fundo de 2 grandes capellas no to-
po dos braços da cruz latina que descreve a
planta da Sé;— o 1." á esquerda da capella
mór;— o 2.» á direita.
O ! • foi ouir'ora dedicado a S. Sebastião
e também (segundo se suppõe era primitiva-
mente formado pelo quadro que se vé na sa-
cristia maior, representando o Martyr, • — o
t.' era também formado pelo quadro de Grão
Vasco, representando a descida do Espirito
Santo sobre os Apóstolos, — quadro que foi
substituído pelo retábulo da antiga capella
mór, como já dissemos.
6. * — Santa Izabel Rainha.
7. »— Nossa Senhora do Rosario.
O 1.* d'estes dois altares está na parede
lateral da capella do Santissimo, do lado do
evangelho;— o 2.» está em symetria com este
na parede lateral da capella do Espirito
Santo, do lado da epistola,— e foram feitos
* Em outros templos suecedeu o mesmo,
V. g. na antiquissiraa egreja de S. Pedro de
Uiragaya, no Porto. Também ali demora á
esquerda da capella mór a capella do San-
tissimo, cnjo altar lambem outr'ora era de-
dicado a S. Sebastião— e tinha igualmente
um grande painel representando a prisão do
Afflí/j/r,— painel que ainda hoje se vê lam-
bem na sacristia maior da dieta egreja.
em 2 arcos ogivaes de duas portas que ha-
via n'aquellas paredes,— portas que foram
substituídas por outras rectangulares que lá
se vêem nas paredes ao lado dos dictos al-
tares. Em frente dos díctos arcos havia ou-
tros 2 no mesmo estylo;— um na capella do
Santíssimo e que dava passagem para o
claustro;— outro na capella do Espirito Santo
e que dava passagem para o corredor que
vae da sacristia grande para o côro alto. O
1.» foi tapado e n'elle se fez um mauzoleu
que hoje serve de credencia; i— o 2.» foi ta-
pado e transformada em confessionário.
Para mais mínudencias com relação á ca-
pella mór, capellas lateraes, portas, arcos, al-
tares, sacristias, etc. veja-se a interessante
Memoria de F. Manoel.
As paredes do corpo da Sé não teem al-
tares. Apenas ha um no fundo, á direita de
quem entra e junto da porta do claustro.
Foi feito no vão do antigo baptistério, pelo
cónego Henrique de Lemos, para cabeça do
vinculo de Moure, da casa dos Nápoles da
Prebenda, como diz uma inscripção que lá
se vê, mas sem data, pelo que se ignora o
anno da fundação da dieta capella; styjpõe-
se porem que foi feita approxímadamente
no meado do século xvi e que a decora-
ram e revestiram com azulejo em 1721,
porque n'esta data foi feita, como já dis-
semos, pelo cabido a sala capitular sobre
a capella do Calvário, e nota-se que o azu-
lejo da dieta sala é igual ao da capella do
cónego Henrique de Lemos, ou dos morga-
dos de Moure. 2 Não se confunda porem a di-
1 Este mauzoleu é do fundador da dieta
capella— Lourenço Coelho Leitão, desembar-
gador do paço e chanceller-mór, — e de sua
mulher D Anna de Sousa e Távora, como
diz a inscripção qu*> lá se vê junto do bra-
zào dos Coelhos Leitões e Tavoras, tendo si-
do picado por ordem do marquez de Pom-
bal o brazào dos Tavoras e na inscripção
este appellido
2 O cónego Henrique de Lemos viveu effe-
ctivamente no meado do século xvi. D'elle
i falia muito o dr B<tt< lho no dialogo 5;° cap.
I 10. Entre outras coisas diz que o menciona-
I do cónego mandou fazpr o bello cruzeiro de
I Santa Christina era 1563.
VIS
VIS 1583
cia Capella com o antigo baptistério, em cujo
vão foi feita, porque a 8ua architeelura re- j
vella maior, niuilo maior antiguicinde! Tal- |
vez fosse coevo da i ' abobada, principiada, i
como jà dissemos, no anno de 1282, e sup-
põe-se que o dicto baptistério, acanhado e
escuro, ali funccionou alé que se fez o novo
e actual na outra parede, a latpral da Sé, en-
trando à esquerda, no vão das escadas que
o bispo D. Gonçalo Pinheiro mandou fazer
em 1553 a 1566, para servidão particular e
directa entre a capella mór e o côro al-
to. Suppõe se que até aquella data os cóne-
gos subiam para o dicto côro por escadas
de caracol ou d'outra qualquer forma, que
estavam no vão da torre denominada hoje
dos sinos, á esquerda de quem entra na Sé,
o que tornava muito incommoda a passa-
gem dos cónegos da capella mór e da sacris-
tia para o côro alto (único então existente)
e V. V., pois tinham de atravessar toda a
Sé!...
Sacristias
Eram 3 aniigamente:— duas aos lados da
pequena e antiga capella mór, nos vãos das
capellas actuaes de S. Pedro e S. João Ba-
ptista,—e uma, então muito pequena tam-
bém, junto da capella de S. Sebastião, onde
estava o sacrário, hoje capella do Santíssi-
mo, restaurada e muito ampliada em 1721,
— e a sacristia grande ou do cabido, detraz
da capella do Espirito Sonío,— sacristia que
foi feita pelo bispo D. Jorge d'Athavde em
i573, como diz uma inscripção que se vê
sobre a porta d'ella, com as suas armas.
Suppõe-se que o chão d'esta sacristia an-
teriormente foi claustro e cemitério, — talvez
o claustro antigo, de que já fizemos menção
DO tópico do claustro actual;— e com toda a
certesa foi cemitério, porque em 1875, ar-
rancando-se o velho soalho que tinha, lá se
eocoDtraram ainda tampas de muitas sepul-
turas sem inseripçSes, sendo mais regulares
16. Na mesma occasião foi soalhada de novo,
— coneertaram-se os seus gavetões e íize-
rara se-lhe outros reparos, bem como no the-
SOUTO relho, contíguo, como jà dissemos.
N'esta grande e bella sacristia se acham
os 4 preciosos quadros de Grão Vasco, repre-
sentando S. Pedro, S. Sebastião, a descida do
Espirito Santo sobre os Apóstolos e S. João
Baptista bapiisando o Ri-demptor, os quaes
foram removidos dos 4 altares da me,-ma in-
vocação para aqui no século xvii, como jà
dissemos, quando se fizeram os retábulos
dos dictos altares.
No tópico relativo a Grão Vasco volvere-
mos a fallar d'e!'te3 4 grandes quadros e
d'outros d'esie notável pintor visiense.
Azulejo
Ha na Sé muito azulejo de diíTerentes pa-
drões e diíTerentes datas.
Segundo se lô na Memoria de F. Manoel,
o azulejo mais antigo é o da sacristia e da
capella do Santíssimo. Talvez date de 1629,
como elle suppõe.
O do antíjzo baptistério e o da sala do ca-
bido é de 1721.
O restante data da grande vacância de
1639 a 1671. Ha entre elle azulejo estampado
de muito merecimento, representando diffe-
renies factos da vida de S. Theotonio, pa-
droeiro da cidade de Viseu e que foi primei-
ramente cónego d'esta Sé, depois prior e go-
vernador d'este bispado— e por ultimo prior
dos cónegos regrantes de Santa Cruz de
Coimbra, como dizemos no nosso Catalogo
dos bispos visienses.
Depois que em 1119 renunciou o priorado
e governo do bispado de Viseu, fez duas pe-
regrinações á Palestina em visita aos Laga-
res Santos e na 2.* soffreu no mar grandes
tribulações com uma tempestade horrorosa
A este facto allude o 1." lanço do dicto
azulejo que se vê na parede lateral da Sé,
entrando à direita.
O 2 " lanço d'azulejo da mesma parede re-
presenta-o jà como prior de Santa Cruz de
Coimbra dando o habito a muitos dos seu»
cónegos.
O 3.» lanço d'azulejo da mesma parede re-
presenta S. Theotonio recebendo festiva-
mente na egreja de Santa Cruz a D. Affonso
Henriques, volvendo triumphante da batalha
do campo d'Ourique a render graças ao céu
com 08 seus capitães e soldados, levando
como tropheu 5 reis mouros prisioneiros.
1584 VJS
VIS
Órgãos
Tem a Sé um bom órgão, mandado fazer
nos priDcipios d'este século pi lo santo pre-
lado D, Francisco Monteiro Pereira d'Aze-
vedo em substituição d'outro muito antigo
que, segundo se suppõe, datava dos princi-
pios do século xvi, ou do tempo em que se
fez a esplendida abobada actuai, e que oc-
cupava approximadamente o mesmo sitio do
novo órgão entre duas coiumnas da nave
lateral, entrando na Sé, á esquerda. Não o
concluiu e assim se conserva, mas dispendeu
com elle mais de vtnie mil crusados ou de 8
contos de reis que por certo correspondiam
a i5 ou 16 contos da nossa moeda actuai I
Para evitarmos repetições veja-se no nosso
Catalogo dos bispos visienses o tópico relativo
a este venerando prelado.
Torres
Quando fallarmos das Antiguidades de Vi-
seu, fallaremos das velhas torres romanas
de que ainda existem duas, embora reslau
radas e muito modificadas, mas que na opi-
nião de F. Manuel eram 4^ tendo desappare-
eido ha muito as outras duas. Agora falía-
mos das torres da Sé, que também são duas
e se erguem aos lados da sua fronteria,—
unaa á direita de quem entra, denominada
torre do relógio, porque para ella se trans-
feriu o relógio que antigamente estava junto
da velha torre romana, também por isso de-
nominada do relógio, na extremidade S. do
lanço que ainda hoje resta da amiga for-
talesa; — a outra torre da Sé, entrando á es-
querda, denomina-se torre dos sinos desde
que para ella se mudaram os sinos que an-
teriormente estavam na velha torre romana,
denominada do relógio ou torre grande, que
hoje serve de despejo ao cabido.
Das duas torres da Sé desabou a dos si-
nos, como já dissemos, no dia 10 de feve-
reiro de 1635, levando d'envolta a fronteria
da cathedral e despedaçando-se os sims to- j
dos, exceptuando j denominado — bêbado, j
•por tocar em outro tempo mais antigo a j
buscar o provimento para os reverendos co- '
negos, vivendo o bispo D. João Martins, pe-
los annos de 1388. ' Com o mesmo sino que
ainda existe (diz o padre Leonardo de Sousa
no seu catalogo, tomo 3.» fl. 54, v., escripto
em 1767) se toca a convocar o illustrissimo
cabido nas quartas e sabbados da semana.»
Depois o cabido em 1639 a 1671 mandou
fazer de novo a fronteria e restaurar a torre,
da qual apenas aproveitou os alicerces e al-
guns melros da base. A parte restante foi
toda feita de novo em perfeita symetria com
a torre do relógio, que escapou da catastro-
phe. Apenas fez também de novo a cúpula
d'esia em harmonia com a nova cúpula que
poz na dos sinos.
As duas torres eram iguaes e muito anti-
gas. F. Manuel suppõe que pertenciam à
velha fortalesa, mas nós suppomos que per-
tenciam á velha cathedral do tempo do con-
* Respeitamos muito a memoria do padre
Leonardo, mas aqui também claudicou (nos
parece), pois, como dizemos no nosso cata-
logo, este bispo D. João Martins governou
pelos annos de 1375 a 1378 (não 1388). Alem
d'Í8so a torre grande, do relógio ou dos si-
nos, foi dada pelo nosso rei D. João I ao bis-
po D. João Homem a 27 de fevereiro do anno
1392;— & mesmo prelado D. João Homem
(não D. João Martins) nVlla puz os sinos,
mandando fundir de novo dois: — o de Nossa
Senhora, com as armas da familia Homens,
na era de 1431 (anno I39u)— e no anno se-
guinte mandou fundir ouiru,— com que cka-
mão a cabido— áiz o dr. Botelho, e que tinha
a inscripção seguinte :
Dns Johãs Epi? Vicensis me fiso
ERA 1432.
Em vulgar :
D. João, bispo de Viseu, me fez na era de
1432-(anno 1394).
Foi este o tal sino. depois denominado ftí-
bado, que escapou ao naufr^igio e que ainda
lá existia em 1767, contando a bagalella de
373 annos?!...
Welle se verificou o annexim :
«Ao menino e ao borracho
Pôe-lhes Deus a mão por baixo.»
Hoje (1887) o sino mais antigo da Sé de
Viseu data de 1814— e o mais moderno data
de 1872.
VIS
VIS 1585
de D. Henrique e da rainha D. Tareja,— e j
que terminariam em eirado com ameias t
para defesa e ultimo refugio em lempo de
guerra.
Nas dietas torres e na cathedral se reco-
lheram os habitantes de Viseu ainda no tem-
po do nosso rei D. João I, quando os hespa-
nhoes tomaram, saquearam e incendiaram
esta cidade, que então tinha os muros des-
manti^lados, coroo diremos adiante,
f As duas torres, como pôde vêr-se na iyto-
graphia representando a Sé, a pag. 4 âo Ál-
bum Visiense, são hirtas, pesadas, desgra-
cio.*as, muito singelas e relativamente bai-
xas.
Terminam em coruchéus redondos que
partem de um pequeno eirado com balaus-
trada de pedra, ficando a dieta balaustrada
quasi no mesmo nível do limpano da Sè, —
e desde o pavimento até á dieta balaustrada
são formadas por paredes lisas e compactas,
sem frestas nem cornijas, nem a minima or-
namentação. Apenas tem cada uma 8 ven-
tanas ou janellas para os sinos,— er» nivel
inferior ao do tímpano da Sé\. . .
De passagem diremos que as torre* mais
lindas que ha hoje n'esta província da Beira
Alta são as do formoso santuário dos Remé-
dios, em Lamego.
Arcas e cubas
Desde tempos muito remotos se guarda-
vam na Sé, por ser mais defensável, os dí-
zimos do pão, vinho e azeite, pertencentes ao
cabido e prelados, pelo que n'ella havia
grandes arcas e cubas, mas o bispo D. João
Pires as mandou remover no anno de 1388,
porque pejavam e affrontavam a Sé. *
1 O dr. Botelho {Dial. 4.» cap. 31) diz:—
• Por hua sentença consta viver este bispo
(refere-se a D. João Martins, mas nós jul-
gamos que era o bispo D. João Pires) pelos
annos de 1388, da qual se vé que fez tirar
as cubas e orca» de deniro da Sé, onde até
então se recolbíão os dízimos, e fruetos, e
d'ali se repartiâo, mandando a certas horas
buscar cada hum dos capitulares sua ração
de pão. e vinho, para o que se tocava o si-
no, que por esta causa lhe ficou o nome de
Muito provavelmente apenas recolhiam na
Sé os dízimos do aro, aliás não caberiam
n'ella;— e tomal-a hiam toda só as cubas, se
o cabido e prelados de Viseu colhessem lanto
vinho como outr'ora colhia o abbade de Lo-
brigas, no concelho de Penaguião, pois consta
que chegou a colher só em um anno 1:000
pipas de 530 litros nas suas duas parochias
de S. João e S. Miguel de Lobrigas, i— alem
dos dízimos d'azeite, frueta, cereaes, etc.
Foram os abbades mais ricos de Portugal.
Tiveram de renda 13 a 20 contos de réis e,
como se isto não bastasse, foram também al-
gum tempo inspectores das estradas do Dou-
ro, pelo que recebiam mais uma peça de
6^000 réis por dia ?/.. .
Nós já vimos os seus grandes armazéns,,
denominados ainda hoje casa da renda, on-
de armazenavam e lotavam por vezes o vi-
nho de dois annos. Parecem um convento!
Aquelles abbades eram tão ricos, que certo
prelado de Lamego tentou permutar com um
d'elles.
V Lobrigas n'e8te diccionario e no sup-
plemento.
Factos importantes
Fecharemos este tópico, mencionando 3
factos notáveis que prendem com a Sé de
Viseu.
bêbado, e a rasão de estarem dentro da Sé
as cubas, era por não ter a. cidade muros,
nem haver outra fortalesa, onde estivessem
seguros os mantimentos das guerras, que ti-
nham os Reis de Portugal com os de Gas-
tella...»
Do exposto se vê que o tal sino, denomi-
nado bêbado, já existia em 1388, como diz
Boielho supra;— logo não podia ser o sino
mandado fa/.er pelo bispo D João Homem no
anno de 1393 com que chamam a cabido, co-
mo diz o mesmo dr. Botelho. Eram dois si-
nos differentes e parece que o Padre Leo-
nardo os confundiu, dizendo serem um e o
mesmo t . . .
Veja-se o tópico Torres sob o titulo Ca-
thedral.
í Estas duas parochias ainda em 1840 pro-
duziram 3.316 pipas, mas deviam produzir
muito mais, quando as plantações eram no-
vas.
1586 VIS
VIS
I
Em geral os bispos visienses foram muito
estimados e respeitados pelos seus diocesa-
nos, nomeadamenle o benemérito bispo e
bispo modelo D. João de Bragança, cujo pon-
tificado se prolongou de 1599 a 1609 Man-
teve no melhor pé a disciplina eccksiastica e
os bons costumes sem violências, reprehen-
soes nem castigos;^ial era o prestigio do seu
nome e o respeito que infundia a todos; — mas
outros foram muito desconsiderados e até
odiados pela sua imprudência e falta de cri-
tério. Citaremos apenas dois: — D. João Go-
mes ã' Abreu e D. Julio Francisco d' Oliveira.
Aquelle governou de 1466 a i482 e o seu
ponlifÍL-adú foi uma serie consiante de bu-
lhas com os visienses, — bulhas t<T,o encarni-
çadas que um dia, quando elias estavam no
período mais agudo, foi encontrado morto na
cama fulminado por um ataque apopielico,
proveniente dos desgostos que o ralavam —
ou de veneno que lhe propinaram,— segunâo
dizem os seus biographos.
D. Julio, sendo aliás ura bispo de bons
costumes, muito tractavel, muito illusirado,
muito amante de festas e generosissimo, du-
rante os 2õ annos do seu longo poutitkado
(1740 a 1765) teve dias de grande satisfação,
mas outros muito amargos e tanto que suc-
cumbiu também fulminado por um ataque
apopletico, proveniente dos seus grandes
desgostos.
Por causa de uma pouca de palha que o
juiz de fora lhe embargou, dispendeu mais
de vinte e cinco mil crusados, que por certo
correspondiam ao dobro ou a mais de vinte
contos de réis da nossa moeda actual; — ex-
commungou e fez prender e degradar para
fôra de Viseu o dicto juiz, um vereador, o
procurador da camará, o alcaide, o mpiri-
nho, 4 bacharéis e 4 escrivães, mas tal odio
lhe votaram os visienses, tanto o desconsi-
deraram e tantos desgostos lhe causaram,
que chorou lagrimas de sangue I. . .
Sendo bastante altivo, mas não vendo meio i
de açaimar a irritação dos visienses, tomou
uma resolução extrema, heróica, e foi a se-
guinte :
Por OL-casião da festividade dos Reis, em
seguida ao pontifical que celebrou na Só, fez
da sua cadeira uma commovente pralu-a; —
depois levantou se; — foi pôr se de joelhos no
meio do côi o da Capella mór;— pediu perdão
a todos em geral e a cada um em particular,
do mau exemplo que lhes havia dado com o
seu governo; — em seguida levantando-se pe-
diu a todos que se sentassem e, banhado em
lagrimas, os foi abra<;ando a todos pelos
pès? l...
Este facto heróico >' único nos annaes da
diocese de Viseu e talvez nos das dioceses
de Purtugal e da península, commoveu pro-
fundamente a lodos — e todos ali depozeram
ódios e resentimenlos.
Foi mais longe ainda a magnanimidade de
D. Julio: — perdoou aos ecclesiasticos que
ao tempo se achavam presos e a outros que
se haviam horaisiado — e deu largas esmo-
las.
É este um dos tópicos mais interessantes
da interessante biographia de D. Julio Fran-
cisco d'Oliveira, escripta pelo padre Leonar-
do de Sousa,' seu contemporâneo e amigo
sincero e dedicado e como D. Julio também
congregado do Ora<o?*w,— biographia que da-
remos no supplemenio ao artigo Viseu, por-
que, a despeito dos nossos esforços para a
resumirmos, ficou muito longa e muito longo
vae também já este artigo.
Outro facto
II
As freiras de S. Luiz do Pinhel
bivacando na Sé de Viseu
No tempo do bispo D. Jeronymo Soares
(1694 a 1720) depois de grandes desintelli-
gencias entre o provincial e as freiras fran-
1 Catalogo dos Bispos de Viseu (ms. e
exemplar unicol...) tomo 3°, liv. 3.°, eap.
2», 3.°, 4 °, 5», 6.°, 7 », 8.°, 9.", IO.» e 11.»
de fl. 135 a é fi. 24á, mihi.
É uma biographia esplendidal . . .
VIS
ciscanas de S. Luiz de Pinhel, resolveram as
freiras de-ligar se do provincial e render
obediência sòmeole ao bispo diocesano, que
entào era o de Viseu. Com este inluilo um
bello dia deixaram o convento 28 das dietas
freiras;— metteram-S8 em carros de lavoura,
toldados cora ramos, colclias e lençoes (era
no rigor do verão)— e, acompanhadas pelos
seus capellães e criadas, seguiram pára Vi-
seu, aonde chegaram no dia 6 d'agoslo de
1710.
Apearam-se junto da quinta de Fonlello;
— hastearam a cruz conventual,— cobriram
o rosto com os véus— e em 2 alas marcha-
ram proeessionaltnente para o paço episco-
pal da Sé, onde residia o prelado. Sendo este
prevenido, mandou fechar as portas do paço
e dizer-lhes que as não recebia. Estando as
freirinhas já no adro e vendo aberta a porta
da Sé, por haver lindado n'aquelle instante
o coro da manhã, entraram para ella. Man-
dou também logo o bispo fechar as portas
da Sé e lá ficaram as freiras resando, con-
ferenciando e descançando, pois iam fatiga-
díssimas com a longa e penosa jornada e
com o ardente sol d'agosto.
Mandou o santo bi-po servir-lhes mesmo
na Sé um abundante jantar, —sempre cora
as portas fechadas, pelo que de tarde não
houvb eòro, — e ao declinar do dia ordenou
que se recolhessem ao convento das religio-
sas beoediciinas de Viseu, onde se conser-
varam aié que em outubro do mesmo anno
as obrigou a voltarem para o seu convento
de Pinhel, acompanhadas pelos ministros ec-
clesiasiieos e por diíTerentes cavalheiros de
Viseu.
Assim terminou este episodio monástico.
Também no governo d'este santo bispo, a
5 de março do dicto anno, cahiu um raio na
Sé e jà haviam cahido n'ella mais dois.
Veja-se no nosso Catalogo dos bispos vi-
sienses o tópico relativo a D. Jeronymo Soa-
res.
III
Grande desordem na Sé de Viseu
entre os cónegos e metos-conegos
Os cónegos da Sé de Viseu foram se
VIS 1587
muito ciosos da sua dignidade e prerogati-
vas. Tinham o fôro de cavalleiros fidalgos,
açougue próprio, o cargo d'almotaceis em
mezes alternados cora o almotaeé nomeado
pela camará, e exempção do tributo deno-
minado cavallaria ou cavallode Maio,^ mas
em 1635, estando os cónegos a governar a
diocese sem elegerem vigário capitular, co-
mo manda o concilio de Trento, na vacância
pela morte do bispo D. Miguel de Castro,
quizeram mais um distioctivo nas raurças.
Sendo ellas todas pretas, com forros e abo-
toadura da mesma côr e, sabendo que os
cónegos d'outras dioceses, incluindo a de
Braga, metrópole da de Viseu, já tinham
murças pretas forradas de carmesim com
pospontos, abotoadura e cairel da mesma
'côr, em sessão capitular de 13 de jmeiro do
dicto anno resolveram nemine discrepante
usar também murças forradas de carmesim»
etc, só os cónegos— e, usando ou abusando
da jurisdieção ordinária como governado-
res da diocese, estipularam penas gravíssi-
mas contra os meios cónegos, se recalcitras-
sem, como effectivamente recalcitraram, al-
legando que entre elles e os cónegos jàmais
houvera nem consentiam que houvesse dis-
tineção nas murças.
Correu o pleito entre os cónegos e meios
cónegos por causa das murças e com tanto
azedume como no século seguinte a celebre
questão do hyssope entre o bispo e o deão
d'Elva3; só lhes f^iltou um cantor como A.
Diniz da Cruz e Silva.
Foram tantas e tão escandalosas as peri-
pécias, que o vulgo lhesattribuiu como cas-
tigos do ceu os casos extraordinários que en-
1 Certo tributo de umas tantas libras ou
soldos que em Viseu e no seu alfoz pagavam
lodos os annos no 1." dia de maio os chefes
de familia que não tivessem cavnllo de mar-
ca, próprio para guerra. Este tributo cor-
respondia ao ái colheita Jugada onfossadei-
ra—e d'elle foram isentos os cónegos pelo
foral que a rainha D. Thereza deu á cidade
de Viseu em 1123, coufinnailo por el-rei D.
Diniz na concordata de 20 d'ago3to de 1292.
V. Cavalleito e Cavallo de Maio em Vi-
terbo—e n'este artigo o tópico Foraes.
1588 VIS
VIS
tão aterraram Viseu, tal foi uma horrorosa
tormenta que no dia 8 e 9 de fevereiro do
mesmo anno de 1635 pesou sobre a cidade.
O vento arraneou e destroçou muitos cas-
tanheiros e oliveiras seculares, causando
grande pr^juiso nos contornos de Viseu; —
cahiram e deslelharam-se differenles casas;
— a chuva foi tanta que parecia ura novo di-
luviei— e o pânico subiu de ponto quando
a 10 do diclo mez e anno, pelas 2 para as 3
horas da tarde, estando os cónegos resando
completas, desabou a torre dos sinos com a
fronteria da Sé! Não cessou porem a vergo-
nhosíssima contenda. Pelo contrario, exacer-
bou-se com o facto seguinte:
No sabbado immediatamente anterior á
dominga da quioquagessiraa ou do entrudo
(o tempo era próprio, mas o local impró-
prio) dia 17 de fevereiro do dicto anno, à
estação da missa do dia, com o Santíssimo
exposto, por ser véspera da festividade de
S. Theotonio, padroeiro de Viseu, sete dos
meios cónegos mais resolutos apresentaram-
se no côro com murças iguaes ás novas
murças dos cónegos. Ficaram estes desespe-
rados e logo o arcypreste Ignacio Dias, que
estava presidindo ás dietas vésperas, na falta
d'outra dignidade superior, o que não abona
muiio a dignidade do cabido d'enlão, por se
tractar da festa do padroeiro, como já dis-
semos,—fulminou os sete meios cónegos cora
as censuras da egreja e, como elles as des-
pregassem, implorou o. auxilio do braço se-
cular para os constranger a deporem as mur-
ças, Sdb pena de prisão.
A força publica invadiu a Sé e a capella
mór, estando o Santíssimo Sacramento ex-
posto,—e o conflicto excedeu as raias do es-
cândalo I Os 7 meios-Cbnegos reagiram, mas
a final tiveram de ceder á força numérica
dos beleguins e dos cónegos; — todos 7 foram
levados de roldão pela porta fóra, com es-
panto dos fieis que estavam assistindo á
missa,— rasgaram lhes as murças e mette-
ram-Los no aljube. Seguiram se logo pro-
testos e appellações e foram postos em li-
berdade, não conseguindo porem sentença
definitiva a seu favor, passados dias,— na 1."
quinta feira da quaresma, a 22 do dicto méz
e anno, — tornaram a litigar sobre o mesmo
ponto. Prolongou-se o pleito muito tempo
(durou annos?!) interpondo se embargos de
uma e outra parte e, não querendo os pre-
lados intervir na contenda para não magoa-
rem os cónegos nem os meios-conegos, fica-
ram estes usando das novas murças até
hoje.
Por bom preço as pagaram, nomeada-
mente bs taes sete I
Sobre tão estranho acontecimento veja-se
o Catalogo dos Bispos de Viseu pelo padre
Leonardo de Sousa, tomo 3." fl. 53, v., 54 e
55;— o Dialogo 5.» cap. 23, do dr. Manuel Bo-
telho Ribeiro, testemunha ocular da tormen-
ta, como diz o cónego José de Oliveira Be-
rardo,—e as Memorias do próprio cónego
Berardo, publicadas no Liberal, n.» iO de 6
de junho de 1857.
Todos estes auetores concordara no es-
sencial, mas divergem n'algumâs eireums-
tanclas,— e Berardo, depois de dizer que exa-
minou os documentos judiciaes, accreseenta
— que a final os meios-conegos obtiveram
provimento nos aggravos recebidos,— confir-
mação na posse de trazerem murças iguaes
às dos cónegos — e que estes foram conde-
mnados nas perdas e damnos que lhes ha-
viam causado.
Não se extinguiu porem nos rev."' cóne-
gos o estulto desejo de se extremarem e dis-
tinguirem dos meios-conegos e com este ir-
rosorio intuito no pontificado do santo bispo
D. Francisco Monteiro Pereira d' Azevedo
(1792 a 1819) pediram e obtiveram— 5Ó para
elles cónegos — o dislinctivo de meias e cin-
tas rubras e borlas verdes nos chapéus. Bo-
taram novamente as novas insígnias pulando
de contentes e batendo palmas por haverem
achatado os meios cónegos, mas estes tam-
bém sem demora obtiveram igual concessão
e os cónegos ficaram outra vez de cara á
banda?!...
Era bem mais numeroso então do que é
hoje o
Cabido de Viseu
Actualmente apenas conta 3 cónegos e 1
meio conego ou meio prebendado, todos de-
VIS
VIS 1589
crepitos. São os seguintes pela ordem chro-
nologica da sua apresentação :
i.'—D. Gaudêncio José Pereira, bacharel
formado em direito pela universidade de
Coimbra.
Foi apresentado cónego- professor com o
ónus de ensino no seminário diocesano por
decreto de 22 d'oulubro de 1863;— regeu
com muita dignidade a cadeira de direito
canónico; — foi vigário gerai da diocese no
tempo do bispo D. Antonio Alves Martins e,
por morte dVlle, vigário capitular sed^ t?a-
cante desde 5 de fevereiro de 1882 até 23 de
agosto de 1883, data em que tomou posse o
prelado actual, por procuração dada ao mes-
mo rev, cónego, que ficou também governan-
do a diocese até que o dicto prelado fez a
sua entrada solemne e depois o nomeou seu
vigário geral.
É um presbyiero de singular merecimento,
—muito illuí«trado, muito prudente, muito
caritativo e de bons costumes, pelo que ha
mezes foi nomeado arcebispo de Mylilene e
vigário geral do patrian-hado e, falleeendo
ha dias o bispo de Portalegre, para ali foi
mandado como governador d'aquella dioce-
se, na qual muito provavelmente vae ser pro-
vido. 1
'í.'— Antonio Alves Lopes, ainda parente do
fallecido prelado D. Antonio Alves Martins.
Foi apresentado por decreto de 26 de se-
tembro de 1863 e está decrépito e demen-
tei...
3.» — Joaquim Marques Pinto.
Foi apresentado por decreto de 26 de se-
tembro de 1863 lambem, tendo sido ante-
riormente vigário collado em Piodo e depois
secretario do sr. D. Antonio Alves Martins.
Pode dizer-se que é hoje (1887) o cónego
único da Sé de Viseu, pois o l.»com certesa
não volta ao cabido— e o 2.» está completa-
mente inuUlisado.
Dos meios cónegos apenas vive também
hoje um só,— o rev. Sebastião Pereira de Fi-
i Á ultima hora (10 de novembro de 1887)
consta que o sr. D. Antonio Xavier de Sousa
Monteiro, actuabní^nte bispo de Bt^ja, será
transferido para Portalegre e que depois será
nomeado bispo de Beja o sr. D. Gaudêncio.
gueiredo Queiroz,— ]& decrépito e completa-
mente inutilisado também, pois foi apresen-
tado por decreto de 12 de setembro de 185S,
ou ha 32 annos. ^
O cabido de Viseu foi um dos mais nu-
merosos. Já contou 28 cónegos de prebenda
inteira e 12 meio -prebendados, emquanto que
hoje está por assim dizer extinctol
A bulia que auctorisou o nosso governo
para reduzir as dioceses do continente ira-
poz-lhe a condição de preencher os quadros
capitulares. O governo promptameote redu-
ziu as dioceses, supprimindo as d'Aveiro,
Elvas, Pinhel. Castello Branco e Leiria em
1882, mas até hoje (1887) ainda não no-
meou um cónego para os cabidos restan-
tes, que estão quasi todos como o de Vi-
seu, sem o pessoal preciso para os pontili-
caes, etc.
Fazemos votos porque o governo e a cú-
ria romana traetem de providenciar e fazer
cessar tão anómalo estado de cou-as.
Até aqui fallámos da Sé de Viseu e dos
seus cónegos; fallomos agora também dos
seus prelados.
CATALOGO CHRONOLOGICO
DOS BISPOS DE VISEU
Este tópico é muito importante para a his-
toria e topographia d'e8ta cidade, porque a
longa serie dos seus bispos prova claramente
a existência de Viseu como cidade episco-
pal desde o século vi e leva a crer que Vi-
seu já era cidade e talvez cidade episcopal
séculos antes. Alem d'isso a historia dos
seus prelados derrama grande luz sobre a
historia de Viseu; não é porem fácil de or-
ganisar com firmeza o dicto catalogo e, para
não nos expormos a certa ordem de censu-
ras, aqui apontamos os auctores que nos ser-
viram de guia :
* Em 1885 falleceu o cónego José Joaquim
Pereira d'Aln]eida, que havia sido aprehcn-
tado em virtude de renuncia apostólica e
beneplácito régio de 27 d'agosto de 1799.
Morreu nonagenario e era o decano dos
cónegos porfuguezes, pois contava 66 annos
de coUação?!.. .
1590 VIS
VIS
1.° — Dr. Manuel Botelho Ribeiro Pereira,
auctor dijs Diálogos moraes e politicos, e fun-
dação da cidade de Viseu, ele., escriptos pe-
los annos de 1630 a lò?S
Temos sobre a tios-^a banca de estudo es-
tes Diálogos m Códice de Girabolhos, d'onde
foi extrahido o códice n.» 70 da Bibliolheca
Municipal do Porto para o sr. coude d' Aze-
vedo, que o legou com todos os seus mss.
á dieta biblioihríca, le^nado ao sr. conde de
Samodães ludas as ubrás impressas que cons-
tiluiam a sua grande livraria. *
O códice de Girabolhos comprehende S13
pag. folio; — pertenceu ao failecido sr. dr. e
desembargador F. C. R. e sócio da Academia
Real das Sciencias, Agostinho de Mendonça
Falcão Guuiiuho Sampaio e Povoas— e hoje
pertence a seu íilho e nosso principal cyre-
neu n'este artigo, o sr. dr. Nicolau Pereira
de Mendonça Falcão, residente na sua nobre
casa e qaiuta de S. Salvador, junto de Vi-
seu, de quem fallaremos adiante e jase fal-
lou nos artigos Paredes da Beira, Pinhan-
ços 6 Villa Nova d' Ourem.
Padre Antonio Carvalho da Costa,
Chorog. Port., tomo 1.» pag. 181 a 18o da 1.»
edição.
O seu catalogo foi escripto em 1707.
3. °— Padre João Coldt, auctor do Catalogo
dos Bispos de Viseu publicado no 2." tomo
das Mem. da Acad. R. de Historia, em 1772.
4. "— D. Francisco Alexandre Lobo, illus-
trado bispo de Viseu desde 18i9 até 18i4.
Escreveu um Catalogo d'algUQ8 bispos da
sua diocese, catalogo que pôde ver-se no 1.»
tomo das suas obras, pag. 221 a 287.
5. " — O muito illuátrado cónego José d' Oli-
veira Berardo.
Pelos anoos de 1835 a 1837 escreveu a
interessante memoria — Noticias históricas de
Viseu, que deixou mss., e que foram publi-
cadas em folheiios no Liberal, periódico de
Viseu, desde o n." 1 de 6 de maio de 1857
1 A Bibliotheca do Porto já possuía dois
códices com os mesmos Diálogos, mas o que
foi do sr. conde d'A7,evedo é mais nitido e
tem uma interessante apreciação critica,
feita pnlo sr. dr. Nicolau Pereira de Men-
donça Falcão.
até o D.° 15 de 24 de junho do mesmo anno,
cuja collecção temos sobre a nossa banca de
estudo, por finesa especial do sr. D. Ruy Lo-
pes de Sousa Alvim e Lemos de Carvalho e
Vasconccilos. ^
O mesmo Berardo em 1838, sendo admi-
nistrador d'este concelho (ainda não era pa-
dre) escreveu e offereceu a camará munici-
pal outra memoria, denominada Noticias de
Viseu, resumindo parte d"aquella e addicio-
nando lhe um mappa geographico do conce-
lho de Viseu cora varias tab: lias indicando
as freguezias que pelo decreto de 6 de no-
vembro de 1836 ficaram pertencendo ao di-
cto concelho e as que anteriormente lhe per-
tenciam, bem como aos exlinclos concelhos
de Ranhados e de Barreiros e a todo o bis-
pado de Viseu, sua população, etc.
Desta 2.» Memoria, que se guarda no ar-
chivo da camará de Viseu, tirou o mencio-
nado sr. dr. Agosiiuho de Mendonça uma
copia, hoje pertencente ao seu filho, o sr.
dr. Nicolau Pereira de Mendonça, — copia
que por fiaeza especial de s. es.» também te-
mos sobre a nossa banca de estudo.
Berardo foi o mentor de Alexandre Her-
culano e do conde Rikzincki, quando visi-
taram esta cidade, e ambos lhe teceram pom-
posos elogios. 2
6.0 — Francisco Manuel Correia, ha pouco
fallecido, incansável e muito minucioso e
consciencioso investigador das coisas de Vi-
seu.
É auctor de um precioso ms. intitulado
Memorias em respeito á Cidade de Viseu, sua
antiguidade. Fortificação, Cathedral, Bispos
e Priores, Cabido e Ducado extincto e mais
notabilidades de remota antiguidade e poste-
riores, de que ha noticia. Por hum curioso
viziense. Anno 1876.
O sr. dr. Nicolau Pereira de Mendonça
por fortuna descobriu e pôde enviar nos
também esta il/emoría, completamente igno-
rada até hoje. Pertence ao rev."" João Nunes
d'Almeida^ e comprehende 142 pag. folio,
1 V. Santar e Villar Secco, freguezias do
concelho de Nellas.
2 Veja se o tópico Visienses illnstres.
í É o parocho da freguezia Occidental da
VIS
VIS 1591
alem de uma infinidade de nótas e addições,
posteriormente colligidas pelo benemérito
auclor e por elle escnptas em papeis infur-
mes e soltos que aié hoje felizmente se não
perderam.
Bem merece a dieta Memoria as honras da
publicidade, porque representa um trabalho
insano e adianta bastante em alguns pontos
com relação aos trabalhos de Botelho e de
Berardo. ^
7,o_o rev. Padre João Vieira Neves de
Castro e Cruz, distincto escriptor calhulieo
e nosso bom amigo, que muito espontanea-
mente se dignou escrever e enviar-nos tam-
bém um suceinto catalogo dos Bispos de Vi-
seu.
V. Milheiros da Maia, tomo V, pag. 227,
col. 2.*
8.o_o sr. dr. Nicolau Pereira de Mendon-
ça Falcão já mencionado, que, alem d'outros
muitos apontamentos para este artigo, nos
mandou interessantes estudos com relação
a este tópico.
9 o_o Padre Leonardo de Sousa, que foi
congregado do Oratório em Viseu e deixou
ms. um interessante Catalogo dos bispos
d'esia diocese,— Ca/a/ogo até hoje inteira-
mente desconhecido. luiiiuU-se e\le:— Memo-
rias históricas e chronulogicas dos Bispos de
Viseu, nas quaes se comprehendem particula-
res noticias dos tempos que os mesmos pre-
lados alcançarão, das Perseguições geraes,
que padeceu a Igreja Catholica, Scismas, e
Concilios geraes até o presente estado, e fi-
nalmente dos Ponlifices, Emperadores, Reis
d' Espanha, e Portugal, conforme a ordem dos
annos, e memoriai do Reino,— offerecidas ao
Illustrissimo, e Reverendissimo Cabido de
Viseu pelo Padre Leonardo de Sousa Ulisi-
ponense, e da Congregação do Oratório Vi-
ziense, — Anno de M.D.CC LXVIL
Este catalogo adianta muito com relação
a todos os outros, infelizmente porem ape-
nas resta o ultimo dos seus 3 volumes 1 Foi
Sé de Viseu, sacerdote muito illustrado e
que foi intimo amigo do auclor, pelo que as
irmãs e herdeiras d'este lhe di^rain o tal wis.
1 Veja se também o tópico Visienses illus'
tres.
comprado ha annos em Lisboa n'um leilão
pelo sr. Antonio d Almeida Campos e Silva,
benemérito filho de Viseu domiciliado no
Porto e dono de uma bella livraria, o qual
muito generosamente nos emprestou o diclo
catalogo, pelo que lhe beijamos as mãos
agradecido. *
É o 3.» tomo;— comprehende 289 folhas
— e traeta somente dos bi-pos de Viseu nos
séculos XVII e xvni, desde D. João Manuel
aié D. Julio Francisco d' Oliveira, mas por
fortuna termina com o índice de toda a obra»
no qual se encontra uma lista chronologiea
de todos os bÍ!>pos de Viseu— CÉ^ríos, duvido-
sos e simplesmente eleitos,— seai nomes,—
terras onde nasceram e onde falleeeram,—
tempo que governaram, etc, o que supre atè
certo ponto os 2 volumes perdidos.
Do exposto se vô que podíamos escrever
um livro sobre o assumpto, mas teremos de
reduzir quanto possível este tópico, dividín-
do-o para maior claresa em duas partes:—
na daremos os nomes de todus os bispos
de Viseu sobre que ha certesa, addiccionan-
do-lhe 03 nomes dos bispos duvidosos e dos
que foram sóntiente eleitos e não confirma-
dos;—na 2.« daremos uma breve noticia de
cada um dos mencionados bispos.
PARTE I
Bispos de Viseu no tempo
dos suevos e godos
Século VI
l.*—Remissol, S72 até 585.
<i,<>—Sunila ou Sínula, 585-593.
Século VII
^•—Gundemiro ou Gundemaro, 610-625*
1 Também s. ex.* possue e nos emprestou
uma copia dos Diálogos de Botelho, tirada
do Códice de Girabollios—e o foral dado a
Viseu por el rei D. Manuel,— exemplar es-
plendido, que lhe custou 22^500 réisl. . •
V. o tópico Foraes.
1592 VIS
VIS
4.»— Latiso, 633-637.
^.''—Farno, Firmo ou Farnio,— pelos an-
nos de 638.
6. ''—Parimo ou Parino, 646
V. Bolelho, Coldt, Cobo e Sou8a.
7. »— Undila ou Wadila, 653-666.
Vacância
8. '>—Bpparato, 681-683.
9. ''—Wil}fonso ou Vocifredo, 688.
iO.o—Theofredo, 693.
Conquista dos sarracenos
Século VIII
O Padre Sousa dá como certo o bispo His-
pano em 712— mas Berardo aponla-o como
duvidoso em 715.
Século IX
H.'—TheodonHro, 876-899.
O padre Sousa assigna-lhe o anno de
869.
Século X
12. » — Gundemiro ou Gtmdemaro, 905.
13. °— America ou Anserico, 915-918.
ií.^—Sabarico, 922
Ib."— Salomon ou Salomão^ 932.
Cruz, Botelho, Coldt e Sousa não mencio-
nam estes últimos 2 bispos.
lò.o—Dulcidio, 934-951.
l7.'—Hermegildo ou Hermenegildo, 961-
969.
IS.'— Iquilano, Jquilaon Inquila, 981-985-
Vacância de 35 annos proveniente da no-
va occupação de Viseu pelos mouros.
Século XI
19. »— Z). Gomes, 1020-1050.
20. »— D. Sisnando, 1058-1064.
Século XII
Priores
—D. Theodonio, 1110-1112.
— S. lheotonio, 1112-1119. »
—D. Honorio, 1119.
—D. Odorio, 1120- 1130.
— D. Sueiro Jhedom, 1131-1144.
Bispos do tempo da nossa monarchia
21. »-D. Odorio, 1144-1165.
22. °-/). Gonçalo I, 1165-1169.
23. «-Z). Marcos, 1170.
24. »— D. Godinho, 1171-1179.
25. »— D. João Pires, 1." 1179-1192.
26. »— D. Nicolau, 1193-1213.
Século XIII
26. »— D. Nicolau,^ 1193-1213.
O Padre Carvalho dá como suecessor
d'esle bispo outro do mesmo nome pelos an-
nos de 1293, ao qual (diz) succedeu D. Fer-
nando pelos annos de 1252 I
O seu catalogo é uma serie de dislates.
27. »—/). Fernando Raymundo Coutinho^
1213-1214.
28. »— D. Bartholomeu, 12U-1221.
29. »— Z). Gil ou Egidio,^ 1221-1240,— se-
gundo dizem Berardo e Coldt, dando-lhe por
succe.«sor D. Pedro Gonçalves, mas o seu
poDliflcado não podia ir tão longe, porque
Alexandre Lobo e Cruz lhe dão como sue
cessor o seguinte ;
30. »— D. Martinho i.» em 1230.
Berardo, F. Manuel, Sou?a e Coldt nem
* Não se confundam estes dois priores,
posto que são quasi humonymos. Adeante,
na Parte II, seremos mais explii^tos.
2 Repetimos o nome, porque o seu ponti-
ficado principiou no sec. xii e terminou no
sec. XIII.
3 Botelho e Sousa em vez d'e«te bispo men-
cionam D. Egas 1°, a quem Botelho dá por
suecessor D. Pedro, único do nome, pelos
aoDOS de 1233.
VIS
VIS 1593
como duvidoso mencionam este bispo,— e F. j
Manuel dá em 1230 o bispo D. João Pedro, |
2." de nome; fazem porem menção de D. \
Martinho o sr. Padre Cruz e o sábio bispo
Lobo.
Vacância de 20 annos e interdicíos
31. °— Z). Pedro Gonçalves, í.', 1250-1254,
— segundo dizem Coldt, Berardo, Lobo, F.
Manuel e Cruz.
32. »— D. Matheus, l.o, 1254-1271.
Vacância de 8 annos
33. *— D. Matheus, 2.", 1279-1287.
34-0— Z). Egas, 1289-1313.
Século XIV
34. '— D. Egas, 1289-1313.
35'— D. Martinho, 2.% 1313-1323.
Alexandre Lobo e o sr. Padre Cruz deno-
minam este bispo 2." do nome, porque já
mencionaram outro supra; — Coldt, Berar-
do, F. Manuel, Botelho e Sousa dão-no como
í » do nome—e F. Manuel diz que também
se denominava D. João de S. Martinho.
36. " — D. Gonçalo de Figueiredo, 2.", o An-
chinho, 1323-1Í28.
37. »— D. Miguel Vivas, 1330-1335.
38. °— D. João 2.», 1360-1362.
39.0—1). João Martins, 3.', 1375-1378.
40. »— Z). Pedro Lourenço, 2.*, -1385.
41. "— jD. João Pires, 4.% 1385-1388.
42. »— D. João Homem, 5.», 1392-1425. »
Século XV
42. °— D. João Homem, 5.°, 1392-1425.
43. °— jD. Fr. João d' Évora, 6.°, 1414,— se-
gundo diz Alexandre Lobo, mas a data não
se coaduna com a do pontificado antece»
1 Ha grande divergência nos diíTerentes
auctores com relação a estes últimos 5 pon-
tificados.
Veja-se o que d'eUe8 dizemos adiante, na
Parte II.
\ dente,— e Carvalho, Coldt, Cruz, Berardo, F.
I Manuel e o sr. dr. Nicolau não mencionam
i tal bispol . . .
44.«— Z). Garcia, 1426-1430.
ín.°-D. Luiz do Amaral, í.", 1432-1438.
46. »— D. Luiz Coutinho, 2.°, 1438-1444.
O sr. Padre Cruz dá um bispo— D. Gon-
çalo de Figueiredo, 3." do nome, como suc-
cessor de D. Luiz do Amaral pelos annos de
1440, mas nenhum dos outros catálogos aqui
o menciona. Suppomos que é o mesmo bispo
D. Gonçalo 2.°, o Anchinho, mencionado sob
o n.» 36.
47. »— Z). João Vicente, 7.", o bispo azul,
fundador dos Lóios, 1446-1463.
48. »— Z). João Galvão, 8.» 1464-1466,—
segundo dizem Botelho e Carvalho, mas F.
Manuel, Cruz Berardo e Lobo não mencio-
nam tal bispo,— Cuidt e Souía dão-no como
duvidoso— e nós também nos inclinamos a
esta opinião.
49. »- D. João Gomes d^Abreu, 9.» 1466-
1482.
50. » — D. Fernando Gonçalves de Miranda,
2.0, 1487-1505.
Século XVI
50. » — D. Fernando Gonçalves de Miranda,
2°, 1487-1505.
51. »— Z). Jorge da Costa, í.', cardeal d' Al-
pedrinha, 1506-1507.
52. »— Z). Diogo Ortiz de Vilhegas, o Cal-
çadilha, 1507-1519.
53. »— £>. Affonso, infante e cardeal, 1520-
1524.
54. »— Z). Fr. João de Chaves, 10.", 1524-
1526.
55. »- Z). Miguel da Silva, 2.', cardeal,
1527-1547.
56. » — D. Alexandre Famese, cardeal,
1547-1552.
57. »~Z). Gonçalo Pinheiro, 1553-1556.
58. »- Z). Jorge d'Alhaide, 2.", 1568-1578.
59. »— Z). Miguel de Castro, 3 », 1579-1585.
60. »- D. Nuno de Noronha, 1586-1594.
61. »— Z). Fr. Antonio de Sousa, 1.", 1595-
1597.
62. »— Z). Fr. João de Bragança,
1599-Í609.
1594 VJS
VIS
Século XVII
62. »— D. Fr. João de Bragança, li.",
1599-1609.
63. °-í). João Manuel, 12.", 1610-1625.
■ 64.»— D. João de Portugal, 13.°, 1626-
i629.
65. » — D. Fr. Bernardino de Sena, 1629-
1632.
66. »— D. Miguel de Castro, 4; 1633-1634.
67. »— D. Diniz de Mello e Castro, 1636-
1639.
O sr. Padre Cruz não menciona estes 2 úl-
timos bispos e Carvalho mencionou só o pe-
Duliimo.
Vacantía de 32 annos
(1639-1671)
68. »— D. Manuel de Saldanha, 1671.
69. "— D. João de Mello 14.', 1673-1684.
70. «-£). Ricardo Russel, 1685-1693.
71. »— D. Jeronymo Soares, 1694-1720.
Século XVIII
li." -D. Jeronymo Soares, 1694-1720.
Vacância de 20 annos
72. "— D. Julio Francisco d'Oliveira, 1740-
1765.
Alexandre Lobo começa o pontificado
d'e8te bispo em 1741— eF. Manuel em 1743,
mas nós seguimos a opinião do Padre Sousa
que escreveu em 1767 e foi não só contem-
porâneo do dicto prelado mas como elle con
gregado do Oratório ou de S. Philippe Nery,
pelo que lhe dedicou a maior parte do tomo
3.* e ultimo do seu volumoso catalogo, — na-
da menos de 10 capítulos (2.» a 11.' inclu-
sive)—áe fl. 135 a 242.
É uma minuciosa, conscienciosa e pre-
ciosa biographia, infelizmente ainda manu-
scripta e por consequência exposta a per-
der-se como já se perderam os 2 primeiros
tomos do mesmo catalogo!. . .
Quando se resolverá o go-
verno a salvar em edições ba-
ratas 08 numerosos e precio-
sos mss. que ainda restam nas
nossas biblioihecas, mandando
continuar a publicação dos
Inéditos da Academia Real das
Sciencias pela nossa Imprensa
Nacional, sob a direcção da
Academia?
Chamamos para este impor-
tantíssimo assumpto a atten-
ção de S. M. el rei o sr. D.
Luiz e de S. A. R. o príncipe
D. Carlos.
Desculpem-nos a digressão.
73. »— D. Francisco Mendo Trigoso, i.»,
1770-1778.
O sr. Padre Cruz não mencionou este
bispo.
74. »— D. José Antonio Barbosa Soares, 1",
1779-1782.
75. '— D. Fr. José do Menino Jesus, 2.',
1783-1791.
76. °— i). Francisco Monteiro Pereira de
Azevedo, 2.", 1792-1819.
Século XIX
76.»— D. Francisco Monteiro Pereira d^
Azevedo, 2.', 1792-1819.
Repete-se o numero porque o pontificado
d'e8te bispo se divide por 2 séculos.
17."— D. Francisco Alexandre Lobo, 3.",
1819-1844.
78. » — D. José Joaquim d* Azevedo e Moura,
3.", 1846-1856.
79. »— D. José Manuel de Lemos, 4.; 1856-
1858.
80. »— D. José Xavier Cerveira e Sousa, 5.',
1859-1862.
81. »— D. Antonio Alves Martins,!.", 1862-
1882.
82. »- D. José Dias Correia de Carvalho,
6.", 1883-....
É o bispo actual.
VIS
VJS 1595
Bispos duvidosos
{Annos de Christo)
1. »— S. Justo, 1.°, pelos annos de 270.
2. *— S. Justo, 2.", pelos annos de 284.
O Padre Sousa dá estes dois bispos como
certos ? I . . .
3. "— Santo Aulo, bispo e marlyr, 300.
4. »— S. Luslo, 300.
5. »— S. Justo, 3.°, 320.
O Padre Sousa tapabem dá estes dois bis-
pos como certos f t. . .
6. °—Idacio, pelos annos de 385.
7. " — Lazaro, 400.
O Padre Sousa menciona estes últimos
dois como duvidosos.
8. °—Mansueto, pelos annos de 513.
9. '—Affanio, 541.
lO.o—Thimoteo, 563.
Sousa dà-o como certo.
11.0 — Adaulfo, pelos annos de 568.
ii.'— Justo, 4.", 577.
13." — Vulpeciano, 600.
lí.^—Festino, 637.
ib.o— Hispano, 712.
Sousa dà-o como certo.
lò.'— Galindo, pelos anoos de 740.
{7.»—Pelagio, 780.
iS.'— João, 780.
19.'— Probo, 809.
10. °— Clemente, 847.
H*—Romualdo, . . .
Sousa menciona-o sem data.
liH.o—Hermigitdo, pelos annos de 1112, se-
gundo diz o Padre Sousa.
23. »- D. Pelagio,
Sousa meneiona-o sem data, como succes-
8or de D. Matheus, 1.* (n.» 32).
24. »— D. Alvaro, pelos annos de 1272.
25. "— D. Egas,
Sousa menciona-o sem data, comosucces-
sor de D, ^l/raro e ambos como duvidosos;
menciona porem mais dois bispos com o
mesmo nome de Egas,— um correspondente
ao que riòá denominamos D. Çil {n." 29j — e
outro correspondente ao bispo D. Egas, n."
34.
26. "— D. Martinho, pelos annos de ... .
Sousa menciona-o como duvidoso e sem
data entre o duvidoso D. Egas e D. Matheus
2.°, mas dá outro D. Mortinho como certo,
correspondente ao menciouado por nós sob
o n o 35.
27.0—0. Julião d'Alva,
Sousa menciona-o entre Alexandre For-
nese e D. Gonçalo Pinheiro— {n "' S6e57 da
nossa lista) — e Carvalho nieni-iona-o também
sem data entre D. Diogo Ortiz de Vilhegas e
o bispo D. AfTooso, infante cardeal (o.»' 52
e 53 da nossa lista).
28.°— D. Soludidario, ou Scludidario.
F. Manuel, baseado em um sinete ou sello
que jà depois do meiado d'este século se en-
controu em Vi!-eu,— sinete que possue An-
tonio José Pereira, pintor visiense, e que F.
Manuel viu e desenhou na sua Memoria, a
pag. 72, entende que esie D. Soludldalio foi
bispo de Viseu, successor de D. João Gomes
6 antecessor de D. Fernando Gonçalves de
Miranda, mencionados na nossa lista sob os
n.<" 49 e 50.
As rasões que F. Manuel adduzsão as se-
guintes :
Porque o tal sinete, que é redondo,
tem no centro ura escudo encimado por uma
mitra;— no meio do escudo uma estrella; — .
em volta do escudo sete eastellos — e na orla
do sinete esla legenãn:— Solvdidali ep. e op-
visens — que em vulgar diz : — Soludidalw
bispo da cidade de Viseu.
Nada mais terminante !
2.»— Porque na abobada da capella do
Santíssimo se vé na Sé o mesmo brasão do
sinete.
3 «—Porque na riquíssima abobada actual
da Sé, alem d'aquelle brasão, apenas se vé
o dos Gostai (do cardeal de Alpedrinha, D.
Jorge da Costa)— e o do bispo D. Diogo Or-
tiz de Vilhegas, que foi quem concluiu a di-
eta abobada, como dissemos quando tracta-
mo.» â'este ultimo bispo e da cathedral.
D'aqui F. Manuel muito sensatamente in-
fere que a dieta abobada, cuja construcção
durou cora certosa muitos annos, seria prin-
cipiada pelo bispo D. Soludidalio, — conti-
nuada a expensas do opulentíssimo cardeal
D. Jorge da Costa — e concluída e talvez feita
na sua maior parte por D. Diogo Ortiz de
1596
VIS
VIS
Vilhegas, pelo que este ali collocou as suas
armas e as cfaquelles dois bispos seus ante-
cessores e cooi elle factores da riquíssima
abobada, i
4. *— Porque (diz lambem muito sensata-
mente F. Manuel)— entre o bispo D. João
Gomes, que falleeeu em 1482— e o bispo D.
Fernando G. de Miranda, cujo pontificado
todos (excepto o Padre Sousa) principiam
em 1487, ha uma vacância de 5 annos, sem
memoria d'oulro bispo, o que o leva a crer
que D. Soludidalio, foi bispo de Viseu n'a-
quelle interregno ou pelos annos de 1482 a
1487.
Na minha humilde opinião F. Manuel ar-
gum^-nta bem.
29.* -D. Jorge Pereira de Sande, 1739.
SuppÕe-se que foi nomeado por el-rei D.
João V na data supra, mas que não acceitou
a mercê, o que determinou D. João V a no-
mear D. Antonio de Guadalupe, de quem fal-
íamos na li.4a dos Bispos certos.
Catalogo do Padre Sousa, tomo 3." fl. 129.
Bispos eleitos, mas não confirmados
Occorrem-uos os seguintes :
1. " — O venerável Padre Mestre Fr. Luiz
de Granada, 1568.
2. °— O Padre Mestre Fr. Martinho de Le-
desma, no mesmo anno de 1568.
3.0 — ff. ]\f(inoel da Veiga, lambem no mes-
mo anno de 1568, segundo diz o Padre Sou-
sa, dando este ultimo como dutidoso.
i.^—Fr. Roque do Espirito Santo, 1586.
Também regeitou o arcebispado de Gôa e
08 bispados de Ceuta e Lamego. V. Coldt.
5. »— D. João da Silva, 1632.
Era filho de D. João da Silva, 4.* conde
de Portalegre, e falleeeu em 1634.
6 " — Sigismundo Francisco, 1634.
Era filho de Leopoldo, archi-duque doTi-
rol;— foi eleito (por Filippe IV) bispo de Vi-
1 Na mesma abobada se vêem lambem al-
guns escudos com as nossas armas reaes,
enlrrt elles o de D. Manuel com o di^tinctivo
da esphera armillar, como já dissemos no tó-
pico relativo à Sé.
Vide.
seu, contando apenas 3 annos de idade, e de-
pois foi bispo d'Ausburgo.
Na grande vacância de 32 annos prove-
nienie da guerra entre Portugal e Hespanha,
desde 1639, data do fallecimento do bispo
D. Diniz de Mello e Castro, até 167 1, data da
confirmação de D. Manoel de Saldanha, fo-
ram eleitos bispos de Viseu os seguintes:
7. »— D. Alvaro da Costa, 1639.
8. «-D. Fr. Gerardo Pereira, 1640.
9. °— D. Fernando de Mello, 1640, segundo
diz o Padre Sousa, i
10. »— D. Manuel de Saldanha, 2 1653.
Foi reitor e reformador da Universidade;
n'ellii acclamou rei o nosso D. João IV em
16'j:0 e instituiu um préstito que da capella
da Universidade iria lodos os annos no !.•
de dezembro ao convento de Santa Cruz, em
acção de graças pela restauração da nossa
autonomia. Também no dia 28 de julho de
16i6 jurou com os lentes da Universidade
defender a Immaculada Conceição de Maria.
Era filho de João de Saldanha e de D. Leo-
nor de Menezes.
H.°— D. Fernando de Miranda Henriques
1662.
12. '>— D. Diogo Lobo da Silveira, 1663.
13. »— D, Manuel de Noronha, 1664.
14. ° — D. Fr. Manuel da Conceição,
Sousa o dá eleito— sem data.
Estes últimos 5 foram nomeados pelos
nossos reis D. Juão IV e D. AfTooso VI, mas
nenhum d'elle8 obteve confirmação apostó-
lica, por causa das intrigas e opposição de
Castella.
De todos estes bispos eleitos e não confir-
mados (ao todo foram 8) tracta amplamente
o padre Sousa.
15. * — D. Fr. Antonio de Guadalupe, 1739-
1740.
Sendo bispo do Rio de Janeiro, foi nomea-
* Estes 3 foram nomeados por Filippe III,
mas nenhum d elles obteve confirmação nem
chegou a governar o bispado.
2 Falleeeu em 1659. sendo bispo eleito de
Coimbra, e jaz em sepuliura rasa na capella
mór da egreja do cuoveuio do Bussaco, do
qual foi muito insigne bcmfeitor.
VIS
VIS 1597
do bispo de Viseu. Não chegou a tomar pos-
se d'esta ultima diocese, mas suppomos que
foi confirmado.
Nasceu em Amarante a 27 de setembro de
1672 e foram seus paes o dr. Jeronymo da
Cunha, magistrado digníssimo, e D. Maria de
Cerqueira.
Formou-se em cânones; seguiu, como seu
pae, a magistratura e, tendo pouco mais de
25 annos, foi despachado juiz de fóra de
Trancoso, mas, antes de acabar o 1.* Irien-
nio, abandonou a magistratura e tomou o
habito de religioso franciscano rainorista, em
Lisboa, a23dtí março de i701j professando
a 24 de igual mez no anno seguinte.
Sendo muito versado era philosophia, a
ordem o mandou estudar theologia no colle-
gio de S. Boaventura de Coimbra, tornaudo-
se no fim de 3 annos ura consummado theo-
logo, pelo que lhe offereceram uma cadeira
de theologia, mas elle preferiu a predica e
foi um orador sacro de primeira plana, como
provam os 3 tomos dos seus sermões, que
correm impressos, alem de outros muitos
que deixou mss.
Tão alto soavam a sua illustraçào e virtu-
des, que el-rei D. João V o nomeou bispo do
Rio de Janeiro em 23 de novembro de 1772,
mas por causa das desintelligencias entre a
nossa corte e a de Roma, só era 1724 obteve
a confirmação.
Sagrou-se na egreja patriarchal de Lisboa
em 13 de maio de 1725, e a 2 de junho do
mesmo anno embarcou para o Rio de Janei-
ro, ch( gaudo ali a 10 d'agosto.
No anno seguinte (1726) vi:4Íiou pessoal-
mente a sua diocese, então vastissima, com
mais de 600 léguas d'extensão, pois corapre-
hendia tatiib-ni os 2 districtos de S. Paulo e
Marianna, hoje bispados próprios.
Era arrebatado de génio, mas em breve
reconsiderava e sfe arrependia, e foi ião vir-
tuoso que por fua morte os seus diocesanos
« veneraram como santo e lhe faziam votos
e mandavam dizer missas, como advogado de
coisas perdidas, qual outro Santo Antonio de !
Lisboa e Pádua. j
Emquaoto foi bispo do Rio de Janeiro teve
VOLUME XI
sempre ura alfaiate e BoflBciaes trabalhando
por sua conta em vestidos para os pobres, e
BO seu testamento deu carta d'alforria a to-
dos os seus escravos.
Em 1739 D. João V o nomeou bispo de
Viseu;— chegou a Lisboa em agosto de 1740
na frota do Rio de Janeiro, que constava de
26 navios mercantes e 3 naus de guerra,
mas chegou tão doente que foi levado a custo
em uma cadeirinha de mão para o seu con-
vento de S. Francisco, em 26 d'agosto do
mesmo anno e, passados 6 dias, — a 31 do
mesrao mez d agosto de 1740, ali falleceu,
depois de receber com a maior compuncção
todos 08 sacrameolos, tendo de idade 67 an-
nos, 11 raezes e 4 dias e de pontificado 16
annos.
Jaz no cemitério do dicto convento, em se-
pultura rasa com uma grande ioscripção la-
tina, que pode ler-se no Catalogo de Sousa,
tomo 3." íl. 135.
lò.^—José Vicente Gomes de Moura, pres-
bytero secular, 1482.
Este dislinctissimo professor de latim,
grego e historia, e não menos disiiucto es-
criptor publico, foi em 1842 nomeado coadju-
tor e futuro successor do bi?po de Viseu D.
Francisco Alexandre Lobo, mas não aeceitou
a nomeação.
Era natural de Mouronho, concelho de Tá-
bua, onde nasceu era 22 de dezembro de
1769;— falleceu junto de Coimbra em 2 de
março de 1834— e jaz na villa de Poiares,
sua terra adoptiva, em um bello mauzoleu
erigido á sua memoria em 1859 pelos admi-
radores da iliustração e virtudes do finado.
Veja-se a Oração fúnebre recitada peio sr.
dr, Francisco Antonio Rodrigues d'Azevedo *
e publicada em 1854,— o Diccionario Bibi.
de Innocencio— e a Revista Litt. do Porto,
tomo X, pag. 104 e 345, onde se encontra a
biographia de José Vi(;ente Gomes de Moura,
escripta pelo sr. dr. Francisco Antonio Ro-
drigues de Gusmão, distineto litterato lam-
bem
1 Foi lente da theologia na nossa universi-
dade,—jubilou-se ha muito tempo— e de to-
dos os lentes do meu curso (1851-1856) éo
«mco que ainda vive.
101
1598 VIS
VIS
V. Villa Nova de Foscôa, tomo XI, pag.
848, col. 1.»
PARTE II
Breve noticia dos bispos de Viseu,
mencionados como certos
Bem quizera aproveitar e conglobar tudo
o que se lê nos nove catálogos impressos e
mss. já indicados e que por fortuna tenho
presentes. O ensejo era óptimo para escre-
ver um Catalogo dos Bispos de Viseu, com-
pleto quanto possível, mas daria um grosso
volume e, como este ariigo e este tópico vão
já muito longos, com magua terei de des-
presar fontes tão abundantes e de reduzir
este tópico á expressão mais simples, para
não o supprimir completamente.
Bispos de Viseu no tempo dos suevos
e godos
Século VI
l.^—Remissol, S72-585.
Assistiu ao 2.° concilio bracarense, cele-
brado no anno de Christo 572 e subscreveu
em 2." logar, governando Portugal e Gallisa
o rei suevo Miro ou Ariomiro. No anno 583
foi o reino dos suevos occupado por Leo-
vigildo, rei godo ariano, que perseguiu cruel-
mente os bispos catholicos e desterrou
aquelle, dando o bispado de Viseu ao ariano
Sunila, que foi seu suceessor, pois Remis-
sol falleeeu no desterro.
i."— Sunila, 585-593.
Abjurou a seita d'Ario, no 3." concilio to-
letano, congregado em 589 * assignando em
35.» logar, e tendo já fallecido Remissol, foi-
Ihe dado o bispado de Viseu, que até ali oc-
cupou condo intruso.
Século VII
3»—Gundemiro, 610-625.
1 Referimo-nos sempre ao anno do nasci-
mento de Christo, quando não fizermos men-
ção da era de Cesar.
Foi o 19. • prelado dos 26 que no anno
610 assignaram o decreto d'ei-rei Gundema-
ro, reconhecendo o arcebispo de*Toledo co-
mo metropolitano da província de Carta-
gena.
í.^—Lauso, 633-637.
Assistiu ao 4.» concilio toletano e o assi-
gnou em 633.
5. °—Farno ou Firmo, 638.
Assistiu ao 6.° concilio toletano em 638.
6. "— Par imo ou Parino, 646.
Assistiu ao 7.0 concilio de Toledo, celebra-
do no anno de 646.
l.^—Undila ou Wadila, 653-666.
Assistiu ao concilio 8.° de Toledo, cele-
brado no anno de 653.
Vacância
S.^^—Reparato, 681-683.
Assistiu ao 12." e 13.° concilies de Tole-
do, celebrados em 681 e 683.
9. " — Wilifonso ou Vocifredo, 688.
Assistiu ao 15.0 concilio de Toledo, cele-
brado no anno de 688.
10. "— Theofreão, 693.
Assistiu ao 16." concilio de Toledo, cele-
brado no anno de 693.
Conquista dos sarracenos
Século VIII
V. o que já dissemos na Parte I.
Século IX
il.o—Tkeodomiro, 876-899.
Assistiu á sagraçáo do templo de Santiago
de Compostella no anno de 876— e ao con-
cilio celebrado em Oviedo no anno de 877 —
li mezes depois da dieta sagração, como diz
Coldt. O bií»po Lobo e F. Manuel também lhe
assignam o anno de 876, mas outros catálo-
gos divergem nas datas,— e o sr. Padre Cruz,
em vez de Theodomiro, que todos dão como
certo, menciona em 900 o bispo Argemiro,
que nem como duvidoso vejo em catalogo al-
gum.
VIS
VIS 1599
Berardo diz que o pontificado de Theo-
domiro se prolongou alé o anno 899, data da
sagração da egreja de Santiago da Gallisa,
— e Botelho prolonga o mesmo pontificado
até o anno de 901, mas Coldt cita em favor
da sua opinião Sandoval, Sampaio e Pagi na
critica aos Annaes de Baronio. A mesma opi-
nião seguiu ainda em 1858 o Compendio de
la vida, martyrio, traslacion é invencion dei
glorioso cuerpo de Santiago el Mayor, pag. 75
dizendo que aquella sagração foi feita no
anno de 874 ou 876, por eommissão do Pa-
pa João VIII, que governou a egreja de Deus
desde 872 até 882, mas o dr. D. José Maria
Cepedano y Carnero na sua Historia y des-
cripcion arqueológica de la Basilica Compôs-
telana (Lugo, 1870) a pag. 15 diz que a men-
cionada sagração foi feita no anno de 899.
A mesma opinião seguem Florez na Espana
Sagrada, tomo 1, pag. 100,— e Castella Fer-
rer na Historia de Santiago Zebedeo, pag.
463 e 464.
Vejam que labyrintho I . . .
Prosigamos.
Século X
lâ.» — Gundemiro ou Gundemaro, 905.
Assigaou uma escriptura de doação que
fez el-rei D. Affonso Magno ao mosteiro de
Sahagum no anno de 905.
13." — Américo ou America, 915-918.
Assignou varias doações nos annos 915-
918— e falleceu em 920.
V. F. Manuel Botelho e Coldt.
ik.»—Sabarico, 922.
Assignou em 922 o privilegio do mosteiro
de Samos.
15." — Salamon ou Salomão, 932.
Assignou um privilegio da egreja de San-
tiago da Gallisa em 932.
V. Alexandre Lobo, F. Manuel e Berardo;
— Cruz, Botelho, Sousa e Coldt não mencio-
nam estes últimos 2 bispos.
IQ.'— Dulcídio, 934-951.
17." — Ermegilo ou Hermenegildo.
Assignou uma doação feita por Enderqui-
na Palia ao mosteiro de Lorvão em 961; —
Lobo aponta documentos de 965;— Berardo
e F. Manuel prolongam o seu pontificado até
969 e Botelho suppõe que ultrapassou esta
data.
18.° — Iquilano ou Iquila, 981-985.
Assignou uma doação feiía em 981 ao mos-
teiro de Lorvão— e Alexandre lobo refere-se
a documentos assignados por este bispo em
985.
Botelho não o menciona.
Vacância de 35 annos, proveniente da no-
va occupação de Viseu pelos mouros, com-
mandados por Almansor, — occupação que
durou 76 annos, até que D. Fernando Magno
a tomou de novo em 1057. ^
Os bispos de Viseu e outros muilos de
Portugal e do sul da Hespanha durante a
dominação árabe residiram em Oviedo, onde
os reis de Leão lhes deram asylo e assigna-
ram egrejas para se sustentarem, pelo que
Oviedo se denominou cidade dos bispos.
A egreja que ali tiveram os bispos de Vi-
seu, desde Theodomiro, foi a de Santa Ma-
ria de Novelhote, em Rosisem.
V. Dialogo III de Botelho, eap. 12;— e Me-
morias de. Berardo, parte II, cap. 3.°
Século XI
IQ.o—DGomes, 1020-1050.
Achou-se em 1050 no concilio de Coyaca,
diocese de Oviedo, segundo dizem Lobo, Sou-
sa, Botelho, Cruz e Coldt, mas Berardo men-
ciona este bispo D. Gomes não como bispo
de Viseu, mas de Occa, subscrevendo a opi-
nião de Fr. Manuel Risco no vol. 38daífe*-
panha Sagrada;— e F. Manuel meneiona-o
como 1.° prior de Viseu ? ! . . .
20.»-D. Sisnando, 1058-1004.
Botelho, Coldt, F. Manuel e o sr. Padre
Cruz não mencionam este bispo, mas Ale-
xandre Lobo e Sousa dão-no como certo— e
Berardo menciona-o como duvidoso'^ l...
Século XII
Priores
Seguem-se os priores, a quem os bispos de
1 V. o principio do tópico relativo à ca-
thedral.
1600 VIS
Coimbra, como mais próximos, em virtude
da diíipo«ição dos antigos cânones e da bulia
de Pasehoal II, do anno HOl, dirigida ao
bispo de Coimbra D. Mauricio, encarrega-
ram o governo d'este bispado de Viseu, para
atteuuarem os inconvenientes da grande va-
cância.
Gon«erva-se apenas memoria dos priores
segui nt^^s :
—D. rheodonio, lHO-1112.
O conde D. Henrique era 1110 lhe deu a
egreja de S. Miguel do Felal, onde residiu
com os seus cónegos até que falleceu em
1Í12.
SuppÕe-se que a cathedral n'aquelle tem-
po eslava em ruínas.
— S. Theotonio, 1112-1119.
Nasceu na aldeia de Tardinhade, freguezia
de Ganfei, concelho de Valença, no Minho
(V. Ganfei);— em filho de D. Oveco e de sua
mulher Eugenia,— e sobrinho de D. Cresço-
nio, bispo de Coimbra, pessoas muito no-
bres.
Sendo cónego em Viseu desde 1C93, por
fallecimeaio de D. Theodonio, em 1112, foi
eleito prior d'e8le bispado pelo povo e clero^
eleição que o bispo de Coimbra confirmou;
mas em 1119 renunciou o priorado no seu
sobrinho D. Honorio para ir, como foi, 1.» e
2.» vez á Palestina visitar os Logares Santos.
A rainha D. Theresa o quiz fazer bispo de
Viseu,— graça que elle humildemente recu-
sou para ir com um seu irmão e outros com-
panheiros dar principio ao convento de Sort-
ia Cruz em Coimbra, do qual foi eleito i.»
prior-mór em 1132 eali falleceu como santo
em 1162.
V. Coimbra, tomo 2 • pag. 326.
A cidade de Viseu, em veneração da sua
memoria e por gratidão aos muitos benefí-
cios que d eile recebera, o tomou para seu
padroeiro, solemnisando cem grandes fes-
tas em 1603 duas canas do braço direito
do santo prior, que o geral e o capitulo
de Santa Cruz lhe deram como preciosas re-
líquias.
— D. Honorio, 1119.
Era, como já dissemos, sobrinho de S.
Theotonio, que n'elle renunciou em 1119 o
priorado de Viseu, onde era cónego e falle-
I ceu no mesmo anno, como se lé no livro m'
tigo dos óbitos do convento de Grijó.
-D. Odorio, 1120-1130.
O povo e clero de Viseu, mal contentes
com a subordinação á diocese de Coimbra,
poucos mezes depois de ser nomeado prior
lhe deram o titulo de bispo, com approvação
da rainha D. Theresa. Oppoz-!«e D. Gonçalo,
então bispo de Coimbra. D. Odorio cedeu no
mesmo anno de 1120 o seu titulo de bispo e
ficou governando a diocese como siciiples
prior, mas em 1130 largou o priorado a D.
Soeiro Tedom e foi viver no convento de
Santa Cruz de Coimbra, até que el-rei D. Af-
fonso Henriques, annuindo ás instancias do
povo e clero de Viseu, que não cessavam de
pugnar em favor da sua autonomia e contra
a sugeição aos bispos conimbricenses, o no-
meou bispo de Viseu, impondo se de fórma
tal que o bispo de Coimbra não recalcitrou.
—D. Soeiro Tedom, 1131-H44.
Foi este o uliimo prior que governou a
diocese, mas em 1171 a 1179 ainda uo qua-
dro do cabido visiense figurava um prior,
como simples dignidade, segundo diz Coldt,
fallando do bispo n.° 24 infra.
Bispos do tempo da nossa monarchia
21. »— D. Od(yrio, 1144-1165.
Este bispo comprou a quinta de Fontello,
como dizemos D'outro tópico, e no seu pon-
tificado se creou o Exemplo de S. Christo-
vam de Lafões, com assentmentç do bispo D.
Odorio e dos seus cónegos, o que muito bera
demonstra Berardo no cap. V, parte II das
suas Memorias, refutando a contraria asser-
são de Viterbo no seu Elucidaria, art. Fer-
ros.
V. Lafões, onde o meu antecessor fallou
do grande mosteiro a que pertencia o tal
Exemplo.
22. »-D. Gonçalo,!.", 1165-1169.
Era monge d'Alcobaça e assistiu á sagra-
ção da egreja de S. João de Tarouca, em
1169.
Coldt diz que renunciou.
23. »— D. Marcos, 1170.
É mencionado na bulia da beatificação de
S. Rozendo, em 1170.
VIS
VIS 1601
24. »— D. Godinho, 1171-Í179. i
Com o consentimento do seu prior Pedro :
Lombardo e de todos os seus cónegos admii- i
tiu ao numero d'este8 João de Reservada, j
como diz uma memoria do cartório de Vi- !
seu.
V. Coldt.
25. "— D. João Pires, l.\ 1179-1102.
SuppÕe-se que falleeeu em 1192.
D. Sancho I lhe doou e á sua egreja a villa
de Canas de Senhorim em 1 186 — e a contou,
— e em 1187 o mesmo rei (não este bispo,
como se lê algures) deu foral a Viseu.
Século XIII
26. "— D. iVíCo/oM, 1193-1213.
NasL'eu em Lisboa, na freguezia de S. Vi-
cente de Fóra, sendo seus paes João Rodri-
gues Velho e Anna Taveira;— professou no
mosteiro dos cónegos regrantes de S. Vicente
de Fóra em 1173; depois de ordenado estu-
dou em Paris artes e theologia e foi thesou-
reiro-mór no cabido de Coimbra, ete.
Sendo eleito bispo de Viseu em 1193 e
viudo em 1198 occupar a cadeira pontifícia
o papa lonoceneio III, seu conhecido dos
tempos em que o nosso prelado viveu em
Paris e andou viajando, foi a Roma beijar-
Ihe o pé. O papa reconhecido o confirmou e
sagrou e escreveu uma carta a rainha D.
Theresa recommeodando-lh'o e louvando-o
pela sua modéstia, illustraçâo o circunspec-
ção. 1
Falleeeu em Viseu no dia 3 d'outubro de
1213.
V. Coldt.
27. °— D. Fernando Raimundo Coutinho,
1.", 1213-1214.
O sr. Padre Cruz não menciona este bis-
po;— Coldt dà-o como duvidoso, — mas Bote-
lho, Berardo, Sou-a, Lobo, F. Manuel eosr.
dr. Nicolau dão- no como certo.
Tomou posse em 1213 e falleeeu em 1 de
fevereiro de 1214.
1 Foi protector e insigne bemfeilor do con-
vento de Ferrpira d' Aves, então de monges
e posteriormente de freiras.
V. Elucidário de Viterbo, art. Ferros.
Residiu nas casas da quinta de Santa Eu.
genia, que foram incendiadas pelos franee-
zes em 1810, e ali fez uma concordata com
0 cabido, repartindo. as terças, casaes e egre-
jas da diocese entre elle e o deão, chantre»
thesoureiro e cónegos, como consta do Es-
tatuto 1." da Cathedral, fl. 1, v.
Botelho indica iodas as egrejas que fica-
ram pertencendo aos bispos.
28.'— D. Bartholomeu, 1214-1221.
Assignou em 1218 a escriptura, na qual
D. AÍTonso II confirmou a doação do couto
de Gondomar, feita por D. Sancho I ao bispo
do Porto D. Martinho Rodrigues II, no anno
de 1193.
V. Botelho, Dialogo 4." cap. 9.»— e o Cata-
logo dos Bispos do Porto, pag. 57 e segg,
mihi.
Nas Memorias que Berardo offereceu à ca-
mará em 1838 vê-se o nome do bispo D. Bar-
tholomeu, mas não se encontra nas Memo-
rias do mesmo Berardo, publicadas no Li-
beral; o bispo Lobo nem como duvidoso o
menciona,— dão-no porem como cerío— Bo-
telho, Coldt, Cruz, F. Manuel, o sr. dr. Nico-
lau e o padre Sousa.
Coldt diz que ha memorias d'este bispo em
doações e escripturas desde o anno 1215 até
1222, mas Sousa diz que falleeeu em Viseu
em 1221.
29 o— D. Gil ou D. Egidio ou D. Egas, í."
1221-1230.
V. o que já dissemos d'este prelado na
Parte I.
Coldt diz que ha noticias d'elle por todo
o reinado de D. Sancho II, ou até 1245;—
Sousa diz que o pontificado d'este bispo prin-
cipiou em 1221 e terminou em 1248, data da
sua morie, em Viseu,— mas Botelho diz que
do livro d'oblto9 apenas consta que falleeeu
a 9 de setembro.
Os catálogos lodos divergem e nós não po-
demos harmonisal-08.
30.»— D. Martinho, 1230— segundo dizem
Alexandre Lobo e o sr. Padre Cruz.
V. o que já dissemos d'este prelado.
Vacância de 20 annos e interdictos
1 31.»— D. Pedro Gonçalves, 1250-1254.
16.02 VIS
VIS
V. o que já dissemos d'e8te bispo.
Em 1251 deu Carta de Fôro aos habitan-
tes do Couto da Sé, que estava dentro dos
antigos muros da cidade.
Falleeeu em Viseu em 1254 e jaz na Sé,
como diz o Padre Sousa.
No seu tempo, diz Berardo, tiveram logar
umas grandes dissenções entre o biíipo da
Guarda D. Martintio Paes e os bispos de Vi-
seu, porque, estando estes na posse das egre-
jas do Jarmello e Castello Mendo, os da Guar-
da pretendiam tazel-as suas empregando a
força, na falta- de melhor argumento.
• Marchava para a cidade da Guarda o bis-
po de Viseu rodeado dos seus cónegos e se-
guido de uma grande comitiva de clérigos,
onde lambem ião os juises eommissionados
para sustentarem a posse por parle de Vi-
seu. Porem o bispo egilaniense, á frente de
uma phalange forte de clérigos e leigos ar-
mados, sahiu-lhes ao encontro na passagem
do rio Mondego e depois de uma arrogante
intimação, a que seus adversários não qui-
serào ceder, passou ás vias de facto, já fus-
tigando as alimárias, já deturbando os ca-
valleiros; e a tal ponto cahirão os da Guar-
da sobre os de Vizeu, que estes tiverão de
se retirar, arremessando-lhes simplesmente
as armas das censuras.
• Esta celebre contenda veio a terminar
por uma sentença dos commissarios apostó-
licos, que derão á só da Guarda as parochias
do Germello, e á de Vizeu as de Castello
Mendo. 1
É isto o que textualmente diz Berardo nas
suas Memorias, publicadas no Liberal, a
quem seguiu F. Manuel, e isto mesmo com
mais amplitude ainda diz Viterbo no artigo
Garda, — artigo muito curioso e muito di-
gno de se ler. —Consultando nós o Catalogo
dos Bispos da Guarda, escripto pelo dr. Ma-
nuel Pereira da Silva Leal e publicado em
1722 no tomo 2.» das Memorias da Academia
Real de Historia, não temos duvida em crer
que o protogonista das grandes dissenções
fosse o bispo da Guarda D. Martinho Paes,
pois ali se caracierisa como irascivel, enér-
gico e turbulento e se apontam não as dis-
senções com os bispos de Viseu, más outras
muitas com os bispos de Coimbra durante o
seu longo pontificado, dissensões que o obri-
garam a ir a Roma varias vezes. O que não
podemos crer é que o tal conflicto se desse
com o bispo de Viseu D. Pedro Gonçalves,
como diz Berardo, pois D. Martinho Paes foi
bispo da Guarda desde o anno 1200 ou 1202
até 12 de novembro de 1228, data em que
falleeeu em Roma, como diz o dr. Leal, em
quanto que D. Pedro Gonçalves foi bispo de
Viseu em 1250 a 1254, data em que falleeeu
como já dissemos.
Viterbo, narrando minuciosamente o con-
flicto, não lhe assignou data, depois diz e pro-
va que as taes dissenções ainda duravam no
anno de 1239 (11 ânuos depois do falleei-
mento de D. Martinho)— aecrescentando que
não pôde averiguar guiando terminaram.
V. Jermello e Castello Mendo.
32.«— D. Matheus 1.°, 1254-1271.
Foi eleito em 1254, e no mesmo anno as-
sistm ás côrtés que D. AíTonso IH celebrou
em Leiria;— assignou o foral que o mesmo
rei deu a Villa Nova de Gaya em 1255;— es-
teve alguns annos sem obter confirmação —
e foi um dos prelados que em 1262 supplica-
ram ao pontífice Urbano IV a legitimação
dos filhos que D. Affonso III teve da rainha
D. Brites, vivendo ainda a condessa Mathil-
de, sua primeira mulher. Coniinuaram no
seu tempo os grandes conflictos entre Por-
tugal e a cúria romana, conflictos que atra-
vessaram os reinados de D. Affonso II e D.
Sancho II e enlutaram o nosso paiz com cen-
suras e interdictos;— foi acérrimo defensor
das immunidades ecclesiastieas que o estado
invadira;— em defesa d'ellas foi com outros
bispos a Roma;— estava em Viterbo no anno
de 1268, quando ali falleeeu o Papa Cle-
mente IV— e em Viterbo falleeeu também o
nosso bispo no anno de 1271, como diz o
Padie Sousa.
Vacância de 8 annos
33.»— D. Matheus II, 1279-1287.
Todos os catálogos são accordes n'estas
datas,— o que é raríssimo !
Jaz em Viseu na capella mór da Sé, onde
VIS
VIS 1603
o bispo D. Jorge d'Athaide lhe fez sepultura
própria com a inseri pção seguinte :
Dom. Mathaeo Epõ Visen.
qui obiit anno 1325. die
16. Febroary. Georgins
ejusdem ecclae. epus.
Anno 1571 DIE 4. Aprilis.
F. C.
Em vulgar: «A D. Matheus, bispo visiense,
que falloceu uo dia 16 de fevereiro do anno
1325, 1 D. Jorge bispo da mesma egreja, fez
construir e dedicou esta sepultura no dia
4 d'abril de 1571.»
Suppõe-se que as ossadas de D, Matheus
estavam no chão onde hoje se vê a sacristia
e que D. Jorge as removeu quando fez ali
obras.
Por faliecimento de D. Affonso V (16 de
fevereiro de 1279) que pouco antes se havia
congraçado cura o romano poniitiee, Nico-
lau líl, acabaram os iuterdictos em Poriu-
gal e com elles a vacância da sé de Viseu.
Século XIV
34.°— D. Egas, ou 2.", se dermos ao
bispo D. Gil (o.° 29, supra) o nome de Egas
tamberíí,— 1289-1313.
Jaz em Viseu na sepultura que em 1571
lhe mandou erigir na capella mór da Sé o
bispo D. Jorge, quando fez também ali a ou-
tra sepultura para D. Matheus II.
Na inscripção da de D. Egas se nota o
mesmo lapso de trocar o anno pela era, pois
diz que falleeeu no dia 16 de março do anno
1351, devendo dizer na era de 1351, que
corresponde ao anno 1313, data do seu fal-
iecimento.
Este bispo D. Egas fez nova divisão das
rendas do bispado com os seus cónegos, re-
formando a que tinha sido feita pelo bispo
D. Fernando Raimundo (V. n." 27);— creou
iO meios-conegos, pelos quaes dividiu as pre-
1 Aqui houve lapso. Devia dizer — na era
de 1325 {anno de 1287) data do faliecimento
de D. Matheus II.
bendas de 5 conesias vagas;— creou também
a corporação dos padres coreiros e benefi-
ciados,—e obteve d'el-rei D. Diuiz muitas
concessões importantes, v. g. a doação da
egreja de S. Pedro do Sal para o seu cabido
e para este o foro de fidalgos cavalleiros, a
exempção do tributo chamado cavallaria, a
•graça de serem os cónegos almotacés, a res-
tituição da rua do Suar ao velho couto da
sé, a transferencia dos direitos que o rei ti-
nha nas egrejas de Castello Mendo, etc. etc.
V. Diálogos de Botelho e a Memoria de F.
Manuel.
35. » -D. Martinho II, 1313-1323.
Para evitarmos repetições, veja-se o que
já dissemos d'eite bispo.
Foi eleito no mesmo anno de 1313, em
que falleeeu D. Egas, seu antecessor, como
consta de uma doação, que assigna, feita em
julho d'aquetle anno. Botelho e Coldt citam
d'elle muitas memorias, mas lamentam igno-
rar a data em que falleeeu;— F. Manuel,
consciencioso investigador e muito escru-
puloso nas datas, diz que já era fallecido em
1323, mas o Padre Sousa diz que falleeeu
em Lisboa no anno de 1325— % Sousa tem
muita aucloridade, como já dissemos.
Attribue-se a este bispo a conclusão da
antiga abobada da sé,— abobada principiada
pelo bispo D. Matheus II, no anno de 1282-
Para evitarmos repetições, veja se o tópico
relativo á caihedral.
36. °— D. Gonçalo de Figueiredo, II, o An-
chinho, 1323-1328.
Sousa diz que este bispo nasceu em Al-
cácer do Sa/,— que principiou o seu pontifi-
cado em 1326— e que expirou em Viseu em
1328.
Berardo diz que era natural do Algarve e
pae de filhos legitimes, antes de abraçar o
estado ecclesiastico.
Botelho falia muito largamente d'este bis-
po e dos seus numerosos descendentes no
Dialogo 4.» cap. 18-30 inclusive. Foi patriar-
cha dos Figueiredos, dos Loureiros e d'ou-
tras muitas famílias nobres da Beira.
Alexandre Lobo, F. Manuel e Coldt dão-no
já eleito em 1323.
I 37.»-/). Miguel Vivas 1.% 1330-1335.
i O Padre Sousa da-o como simplesmente
1604 V]S
VIS
eleito, mas Coldt, Berardo e F. Manuel dão-
no como bi?po confirmado, — e Viterbo fal-
lando da collegiada de Santo André de Fer-
reira d'At^es, diz: «Corria o anno de 1331,
quando D. Miguel Vivas, eleito e confirmado
bispo de Viseu, achando-se de visita no Cas-
tello de Ferreira a 30 de dezembro, deo no^
va forma, e quan instituiu de novo a pre-
sente collegiada. . . »
V. no Elucidário o longo e interessantis-
simo artigo Ferros, tomo 1.» pag. 324, col-
2.» mihi.
Respeitamos muito a opinião do Padre
Sousa, mas nVste ponto também elaudicoul
D. Miguel Vivas foi chanceller-mór d'el-
rei D. AÍToDso IV e, antes de ser eleito bispo,
foi abbade de Trasmires, ^ e D. Prior da col-
legiada de Guimarães até 1329, como dizem
o Padre Carvalho na Chor. Port., tomo 1.»
pag. 27 — e Damião A. de Lemos na sua Po-
litica Moral e Civil, tomo 4."' pag. 420.
Botelho dá este bispo como antecessor do
seguinte :
38.«— D. João II 1360-1362.
Assistiu com outros prelados á justiíiea-
ção que em 1361 fez em Coimbra D Pedro I.
para provar que havia casado com a infeliz
D. Ignez de Castro, como declarou o mesmo
rei na villa de Cantanhede, e no anno de
1362 assistiu á sagração do convento velho
de S. Francisco de Coimbra.
Berardo, referiodo-se a uma nota que dá
na sua integra, extrahida de ura antigo Necro-
lógio, diz que este D. João II já era bispo de
Viseu em 1341 ?!...
Para evitarmos repetições, veja-se o tópi-
co relativo á eathedral.
Botelho dá este bispo como antecessor de
D. Gonçalo de Figueiredo II. Foi lapso.
* Não sabpmos que abbadia era esta; mas
como abbade de Trasmires e chanceller-mór
do reino, assignou era Coimbra no anno de
1327 o 2.» testamento da rainha Santa Isa-
bel.
Hist. Geneal. tomo l.' das Provas, tit. 1."
pag. 121.
Nós não temos hoje ^m Portugal freguezia
alguma denominada Trasmires. Talvez que
assim se denominasse in illo tempore a fre-
goezia de Três Minas, hrjfí do concelho de
Villa Pouca d'Aguiar, em Traz-os-Montes.
O Padre Sousa diz que falleceu em Coim-
bra no anno de 1362.
Desde 1335 até 1375 não ha memoria d'ou-
tro bispo de Viseu, alem de D João II, mas
é de suppor que houvesse algum outro, mes-
i mo porque durante aquelle tempo não consta
que houvessem interdictos no nosso paiz. O
que consta é que em i3i8 houve uma gran-
de peste que assolou Portugal e Hespanha,
ficando muitas povoações sem um único ha-
bitante ! . . .
39.»— D. João Martins, IH, 1375-1378,
É isto o que podemos colligir dos differen-
tes catálogos que nos cercam, mas o Padre
Sousa diz que falleceu em Viseu no anno de
1388— e Botelho e Coldt dizem que em es-
cripturas com esta data se faz menção d'elle.
Este ponto é muito obscuro.
40 '—D. Pedro Lourenço II, 1385, segun-
do dizem Alexandre Lobo, F. Manuel, dr. Ni-
colau e Berardo, mas Botelho, Sousa, Cruz
e Coldt não o mencionam, talvez pelo facto
de ser deposto suis culpis et dementis no
mesmo anno de 1385, segundo se lé em uma
bulia do Papa Urbano VI. V. Memorias de
Berardo,
Suppomos que o seu pontificado foi muito
ephemero e que Urbano VI o annullou, por
prender com o schisma d'aquplle tempo.
41.»- D. João Pires IV, 1385-1388.
Segundo dizem também Alexandre Lobo,
F. Manuel, dr. Nicolau e Berardo, mas Bo-
telho, Sousa^ Cruz e Coldt não o mencionara
talvez pelo mesmo facto de ser o seu epis-
copado muito ephemero e prender com o
schisma que se manifestou no tempo do papa
Urbano VI.
F. Manuel diz que foi chantre em Viseu e
confirmado bispo d'esia diocese em 1386 por
bulia do papa Urbano VJ, da qual existe co-
pia em pergaminho no archivo da eathe-
dral!...
Como os bispos D. João 11, D. João Mar-
tins, D. João Pires, D. João Homem e D. Fr.
João d'Evora formam uma serie de 5 prela-
dos quasi seguida, todos com o mesmo nome
de João, costumando nas assignaturas escre-
ver apenas o nome próprio, é hoje muito dif-
ficil fazer a destrinça e todos os catalogas di^
vergem, falhndo d'estes bispos.
VIS
VIS 1605
Século XV
j
42. °— D. João Homem V, Í392-1425.
O Padre Sousa diz que era natural de La-
geosa e que falleceu (ignora onde) em 1426;
o mesmo diz Coldt; — mas F. Manuel diz
que falleceu em i de dezembro de 1425 e o
mesmo diz Berardo, act*resceotando que as-
sim o lêra em um documento judliiial.
D. João I estimava tanto este prelado, que
o elegeu padrinho de seu filho o celebre in-
fante D. Henrique, 1." duque de Viseu.
O mesmo rei lhe deu em 27 de fevereiro
do anno 1392 uma das torres romanas, co-
nhecida pelo nome de torre do relógio, onde
collocou 08 sinos da cathedral,^— e em 1407
deu principio ao convento de S. Francisco
de Orgens.
Este bispo era da nobre família Costa Ho-
mens, padroeiros da Lageosa, dos quaes Bo-
telho falia muito amplamente no Dialogo 4."
cap. 33, como de ascendentes seus..
43. »— D. Fr. José d' Évora, VI. 1414.
V. o que já dissemos dVste bispo.
Mencionamol-o unicamente pelo respeito
que tributamos à memoria do sábio bispo
Alexandre Lobo, que o mencionou no seu
catalogo e, se ainda vivera, por certo se de-
fenderia I . . .
44. °— D. Garcia de Meneses, 1426-1430.
Foi bispo do Algarve, d'oiide passou para
Lamego;— ali foi primeiramente simples go-
vernador da diocese, em nome do bispo D.
Alvaro, e depoi.s bispo próprio aié 1426, data
em que foi transferido para Viseu.
F. Manuel, muito escrupuloso com datas,
prolonga o pontificado d'este bispo até 1433;
— o sr. dr. Nicolau prolonga-o até 1432 so-
mente;— Bprardo, Cruz e Coldt não passam
do anno 1430,— em o qual ou no seguinte de'
via fallecer,—à\z Botelho, — e Sousa diz cla-
ramente que falleceu em 1430 na cidade de
Viseu ? I . . .
45. «—D. Luiz do Amaral, í.<>, 1432-1438.
Alfxandre Lobo diz que o pontificado
I
I d'este bispo principiou em 1433, mas não
I lhe assigna o termo;— F. Manuel re.duz este
í pontificado ao anno de 1433;— o sr. Padre
Cruz assigna lhe também simplesmente a
data de 1433;— Sousa d:z que este pontifica-
do principiou em 1431 e que D. Luiz falle-
ceu na Iialia em 1439;— o Padre Coldt pro-
longa este ponlifii-ado desde 1433 até 1438, '
data em que na sua opinião foi deposto D.
Luiz do Amaral;— Botelho diz que este bispo
sueeedeu a D. Garcia, mas que o anno é du-
vidoso; que em 1432 com ceriesa jà era bis-
po de Viseu — e que foi deposto por Eugé-
nio IV, mas nào diz quando; — Berardo assi-
gna-lhe as datas 1433-1439?!...
Em vista de tal discordância nos catálo-
gos de Viseu, fomos consultar os de Lame-
go, por ter sido ali prelado D. Luiz do Ama-
ral, e n'plles encontrámos bastante luz.
tNo anno de 1431 ainda governava D'
Luiz, como consta do archivo capitular, na
sentença n." 224. Em 1432 eslava já o bis-
pado vago, como do mesmo archivo consta
e trasladado D. Luiz a bispo de Viseu, sua
pátria.»
Hist. Eccl. de Lamego por D, Joaquim de
Azevedo, pag. 60, cnl. 2.»
Em seguida aponta 3 sentenças que faliam
de D. Luiz do Amaral como bispo de Viseu,,
— duas com data de 1432 e uma com data
de 1444;— depqis diz :
«Já a esse tempo (anno de 1444) D. Luiz
estava deposto por scismatiijo, mas por seus
procuradores se intrusou em Viseu, do que
se queixou com vehemencia o papa Eugé-
nio IV, como consta de suas lettras ao rei
, D. AfTonso V.
• Pcuco tempo tinha de governo em Viseu
D. Luiz de Amaral, quando nas vésperas da
morte do rei D. João 1 1 partiu para Bazilêa
com o caracter de embaixador da magestade
portugueza áquelle sagrado congresso e ao
papa Eugénio IV. O mesmo concilio, que ao
principio foi legitimo, o escolheu por em-
baixador ao imperador de Constantinopoia,
I
1 Veja se o que dissemos no tópico Tor-
res, fallando da Calhedral.
1 D. Joãu I falleceu no dia 14 d'agosio de
1433.
i606 VIS
VIS
mas, separados os legados apostólicos do con-
cilio e separados da obediência uns poucos
de bispos com o cardeal Luiz Allemand, feito
scisma, formaram seu conciliábulo, em que
foi eleito papa ou anii-papa Amadeu VIII,
duque de Sabóia, dito Felix V. Ao mesmo
tempo o concilio de Florença escolheu o bis-
po do Porto por embaixador a Coustanlino-
pola, achando-se n'aquella côrie dois bispos
porluguezes, um a convidar o moaarcha pa-
ra o verdadeiro concilio, aonde elle foi, ou-
tro já scismatico para o attrahir ao seu er-
rado partido. Foi depois D. Luiz embaixa-
dor do conciliábulo ao i-riperador da AUe-
manha e a outros príncipes. O anti-papa o
fez cardeal, ou anti-eardeal, no anuo de 1444;
pouco depois morreu, ja reconciliado coma
Igreja, como o anti-papa e os mais scisma-
ticos, que todos se reconciliaram. Os outros
anti cardeaes foram pelo papa Nicolau V re-
munerados com a purpura, passando de fal-
sos para verdadeiros cardeaes, por terem
abjurado o scisma. Não teve a purpura le-
gitima o nosso D. Luiz, porque morreu an-
tes da promoção dos seus coUegaj*, ainda
que depois da sua conversão. Havia perdido
o bispado de Vizeu e sido excommuogado
pelo papa Eugénio IV no auno de 1440 » i
Do exposto se vê que D. Luiz do Amaral
foi bispo legitimo de Viseu desde 1432 até
1440—6 bispo intruso até 1444,— na opinião
de D. Joaquim d'Azevedo, — mas nós iuclina-
mo-nos a crer que o pontificado legitimo, de
D. Luiz do Amaral não passou de 1438, por-
que em 1438 já era bispo de Viseu D. Luiz
Coutinho, seu suceessor.
D. Luiz do Amaral era filho de Viseu;—
foi o único dos bispos visienses natural d'es-
ta cidade;— pertencia a uma familia nobilís-
sima— e nos Diálogos de Botelho se pôde vér
a sua genealogia.
46.«— D. Luiz Coutinho il, 1438-1444.
Sousa e Botelho dizem que este pontifica-
do principiou em 1437; — Alexandre Lobo diz
1 Hisl. Eccl. de Lamego, logar citado, mas
oulrus dizem que foi deposio em 1437 ou
1438 e que por essa occasião o papa fez bis-
po de Viseu a D. Luiz Coutinho.
V. ColdL
i que principiou em 1433; — Coldt diz simples»
' mente que ha memorias d'elle nos ânuos de
j 1438 a 1444;— o sr. Padre Cruz assigua-lhe
i simplesmente a data de 1444 e diz que foi
suceessor de D. Gonçalo de Figueiredo, o que
é lapso manifesto, — finalmente Berardo só
diz que ha noticias d'eáte bispo até 1444.
Vejam que labyrintho I . . .
Deus nos dé paciência para levarmos a
cruz ao Caivano.
F. Manuel lambem diz que este prelado foi
bispo de Lamego— e Botelho diz que foi bis-
po em 4 dioceses:— Lamego, Viseu, Coim-
bra e Lisboa, — mas nos catálogos de Lame-
go não 86 encontra tal bispo 1 Suppomos que
foi ali simplesmente deão.
É certo que em 1444 foi transferido de Vi-
seu para Cuimbra, d"ondtí passou para Lis-
boa, suecedendo-lhe no bispado de Coimbra
seu irmão D. Fernando Coutinho. Eram fi-
lhos do 2." matrimonio de Gonçalo Vasques
Coutinho, 4.* ^ marechal do reino e homem
poderosíssimo, que do seu 1.° matrimonio
cora D. Leonor Gonçalves d'Azevedo teve
Vasco Fernandes Coutinho e A'varo Gonçal-
ves Coutinho, o lendário Magriço, chefe dos
Dose de Inglaterra, cantados por Camões.
V. Cêa, tomo 2.« pag. 233, eol. 2.*-e Pi-
nhel, tomo 7.» pag. 70, col. 2.» e seguintes,
onde nós cantamos em prosa rude as faça-
nhãs do marechal D. Fernando Coutinho,
descendente d'aquelles heroes, cuja nobi-
líssima ascendência e descendência pôde
ver-se no Dialogo 4.°, de Botelho, eap. 37.
Este bispo, abusando do alto valimento da
sua familia, tomou posse do bispado de Vi-
seu sem consentimento d'el-rei D. Aífuuso V,
pelo que este violentamente o esbulhou da
dieta posse, mas não recalcitrou; submetteu-
se; o rei perdoou-lhe 6 não só o reintegrou
n'6ste bispado, mas depois o transferiu para
1 O dr. Botelho diz que foi 2 ° marechal —
6 o mesmo se lê n'ouir«s auctores, mas D.
Luiz Caetano de Lima na sua Geographía
Histórica, tomo 1." pag. 454 e segg. diz e
i prova qun o 1 ° marechal foi Gonçalo Vas-
\ ques d' Azevedo; — 2.« Alvaro Pereira; — 3.»
Alvaro Gonçalves Camelo;— Gonçalo Vaz
I ou Vasques Coutinho l.,.
VIS
VIS 1607
o de Coimbra e d'este para o de Lisboa,
onde falleceu em 1453, como diz o Padre
Sousa.
47.0— D. João Vicente, 7.», 1446-1463.
Este bispo foi o fundador e grande prote-
ctor da congregação dos cónegos seculares
de S. Joào Evangelista (loyos) e porque usou
sempre o habito azul que lhes dera, foi de-
nominado bispo azul.
Também o denominaram bispo santo^ por
ser um modelo de vinude, — Mestre João, por
ter sido lente de medicina e physico-raór do
reino, — e D. João de Chaves erradamente e
muito depois da sua morte, por confundirem
€ste bispo /». João Vicente com o bispo D.
Fr. João de Chaves, de quem fallaremos sob
o n.» 54.
D. João Vicente pela sua illustração e vir-
tudes, pela sua humildade e modéstia, pelas
momentosas commissòes que exerceu e pe-
los relevantes serviços que prestou à socie-
dade e à egreja, foi um dos prelados visien-
ses mais beneméritos.
D'elle já nós fallámos amplamente no ar-
tigo Villar de Frades, para onde remettemos
os leitores.
Veja se também o que dizem Botelho no
Dialogo V, cap. 1.° — e a Hist. Eccl. de La-
mego, que lhe dedicou um largo e inieres-
santíssimo tópico, mas a fonte mais abun-
dante para a biographia d'este prelado é a
■chronica dos loyos, denominada Ceo aberto
na terra.
Sendo bispo de Lamego, o papa o nomeou
bispo de Viseu no mesmo anno de 1444, em
que transferiu para Coimbra o seu anteces-
sor D. Luiz Coutinho, pelo que Alexandre
Lobo, Sousa e F. Manuel dizem que o seu
pontificado principiou em 1444, mas é certo
que se conservou em Lamego como bispo
próprio d'aquella cidade até 28 d'abril de
1446, data em que deixou Lamego e se trans.
feriu para Viseu, como prova com vários
documentos D. Joaquim d'Azevedo na sua
Hist. Eccl. de Lamego, pelo que nós lhe abri-
mos o seu pontificado visiense no anno de
1446, — pontificado que terminou com a sua
morte em 30 d'âgoâto de 1463, como dizem
Coldt, Sousa, D. Joaquim d'Azevedo e o Pa-
dre Francisco de Santa Maria na chronica
dos loyos, pag. 602.
Botelho e F. Manuel dizem que falleceu
em 1453. Foi lapso.
Jaz na capella do Bom Jesus do Calvário,
onde ellé, estando na corte de Hespanha, ha-
via mandado fazer a sua sepultura, no claus-
tro da Sé de Viseu, mas alguém diz que pos-
teriormente e furtivamente foi trasladado
para o convento de Villar de Frades— e ou-
tros dizem para o convento dos loyos em
Évora, pelo que o Padre Sousa assigna co-
mo local da sepultura d'este bispo — Yiseu e
Évora.
Para melhor desempenho do seu múnus
pastoral e para maior commodidade dos seus
diocesanos, apenas chegou a Viseu instal-
lou-se nos paços contíguos à Sé, deixando a
quinta de Fontello, residência habitual dos
seus antecessores.
Foi este prelado quem reformou a O. de
Chriâto e lhe deu novos estatutos por cora-
missão do Infante D. Henrique, o de Sagres,
mestre d'ella e 1." duque de Viseu,— e por
bulia d'Eugenio IV.
48."— D. João Galvão, 8." 1464-1466.
V. o que já dissemos d'este bispo.
Botelho no Dialogo o." cap. 2 ' falia d'elle
e da sua genealogia muito largamente, mas
creio se enganou dando-o como bispo de Vi-
seu, pois D. Rodrigo da Cunha no seu ca-
talogo dos arcebispos de Braga, cap. 62, mos-
tra ler estudado bem a biographia de D.
João Galvão e menciona-o simplesmente co-
mo bispo de Coimbra e arcebispo de Braga,
— não como bispo de Viseu l
O mesmo Botelho diz que a historia dos
bispos visienses é muito confusa n'e8te pon-
to, por ter havido em Viseu uma serie de 3
bispos (aliás 2) com o mesmo nome João e
costumarem assignar apenas com o nome
próprio, dando a entender que talvez elle at-
tribuisse a D. João Galvão documentos do
seu antecessor D. João Vicente, como eíTecti-
vameoie attribuiu todos os que aponta com
as datas de 1434 a 1459, pois o pontificado
de D. João Vicente prolongou-se até 1463
É certo que D. João Galvão foi, como D.
Miguel da Silva, um homem muito notável
e muito infeliz, pois tendo sido escrivão da
1608 VIS
VIS
puridade d'el-rei D. AflfoDso V, foi prior-
mór de Santa Cruz de Coimbra, cargo que
trocou pela mitra d'aquella cidade— e deixou
aquella mitra para cingir a de Braga, mas,
pelo facto de principiar a exercer ali o mú-
nus archiepi?copal sem ter ainda as lettras
apostólicas, o papa depois lh'as recusou, pelo
que ficou sem a mitra de Braga, sem a de
Coimbra e sem o priorado mór de Santa
Cruz,— e passou o resito de seu'< dias muito
obscura e pobremente, parochiando uma
simples egreja, como diz D. Rodrigo da Cu-
nha.
49.»- D. João Gomes d' Abreu, 9 », 1466-
1482.
F. Manuel diz que este bispo também se
assignava D. João da Annunciação e que o
seu pontificado principiou em 1462;— Bote-
lho também cita uma apresentação feita por
elle em 1462 e outras com as datas de 1469,
1479 e 1481;— Coldt diz constar ser bispo
de Viseu nos annos de 1469 e 1481;— Ale-
xandre Lobo e o sr. Padre Cruz aísignam-
Ihe simplesmente a da'a de 1482, mas o pa-
dre Sousa diz que este pontificado princi-
piou em 1466 e terminou em 1482.
É certo que este prelado falleceu no dia
16 de fevereiro de 1482 repentinamente e
também no mesmo anno falleceram repenti-
namente outras pessoas distinctas, taes fo-
ram o barão d'Alvito, ó conde-prior, e conde
de Monsanto, o marquez de Villa Real, etc.
Este bispo era da nobre geração dos se-
nhores de Regalados, onde nasceu, como diz
o padre Sousa, e nos Diálogos de Botelho
pôde vér-se a sua genealogia.
O nosso rei D. Affonso V lhe deu as 2 tor-
res romanas, cohtiguas á Sé, as quaes arvo-
rou em, aljube ou prisão dos ecclesiasiicos,
6 foi este um dos motivos do grande odio e
luetas encarniçadas que se desenvolveram
entre elle e os visienses e que, segundo se
suppõe, lhe abreviaram a existência, pois
estavam no seu periodo mais agudo, quando
o bispo foi encontrado morto na cama ful-
minado por um ataque apopletico — ou por
veneno que lhe propinaram, segundo* dizem
alguns dos seus biographos.
Era tão amigo dos frades d'Orgens que
recomraendou ao seu mordomo lhes desse
tudo o que pedissem. Os mesmos frades
eram também muito queridos dos visienses
e por isso, quando as luetas entre estes e o
bispo andavam mais accesas, evitavam oi'ca-
sião de fallar lhe, para não se exporem ao
odio da cidade, também. ^
Jaz em Viseu.
D'esle bispo fallaremos ainda no titulo das
famílias nobres d'esta cidade
Veja-se o que dissemos do Bispo D. Solu-
didario na lista dos bispos duvidosos, n.»28.
Século XVI
50. »— D. Fernando ou Fernão Gonçalves
de Miranda, 2 • 1487-lSOo.
Nas Memorias de Berardo, publicadas no
Liberal, se lê textualmente o seguinte: «João
Coldt nos refere que do Livro das CollaçÕes
ecclesiasncas consta ter sido bispo de Vizeu
desde 1487 até 1491.» Salvo o respeito que
tributamos á memoria de Berardo, não po-
demos acceiíar esta referencia, pois Coldt
não diz tal coisa. Apenas diz que este pre-
lado falleceu em 1505, sem indicar o come-
ço do seu pontificado. Botelho é quem diz
que este D. Fern?indo foi bispo de Viseu pe-
los annos de 1487 a 1491 — e F. Manuel diz
que foi bispo de 1487 a 1505, mas o Padre
Sousa diz que foi bispo de Viseu desde 1483
até 1505, data em que falleceu em Lisboa»
onde jaz, na capella dos Mirandas, freguezia
de S. Christovara, tendo nascido em Lisboa
também.
No Agiologio Lusitano, tomo 2.» pag. 769,
se encontra o extenso epitaphio da sua se-
pultura, indicando os cargos principaes que
exerceu, e nos Diálogos de Botelho pode ver-
se a sua genealogia.
51. "- D. Jorge do, Costa^ 1.°, o famoso Car-
deal d'Alpedrinha, 1506-1507.
Botelho, Carvalho e Cruz não mencionam
este bispo; — Alexandre Lobo dá-o como du-
^ As luetas prolongaram -se durante quasi
todo o pontificado dVste bispo, que o rei
muito estimava, pelo que o próprio rei teve
de intervir n'ellas muitas vezes.
VIS
VIS 1609
vidoso, mas F. Manuel, Suu?a, Berardo, Coldt
e o sr. dr, Nicolau dão no como certo
Muito podíamos dizer de D Jorge da Cos-
ta, que foi o prelado mais rico que lem lido
Portugal até hoje e um dos homens mais im-
porlautes do ^eu tempo, tauio em Portugal
conno em Roma, onde viveu desde 1479 até
1S08, tendo até à sua morte quasi tanto va-
limento como os próprios pontífices, mas
para evitarmos repetições, veja-se o artigo
Alpedrinha, i
Jaz na egreja de Santa Maria do Populo
em Roma, na qual mandou fazer uma capella
esplendida e n'ella a sepultura própria.
52>— D, Diogo Ortiz de Vilhegas, o Calça-
dilha, 1S07-1519.
Botelho e o sr, dr. Nicolau dão começo a
este pontificado em 1506; — F. Manuel, Be-
rardo e o bispo Lobo dizem que principiou
em 1507;— 6 o padre Sousa diz que princi-
piou em 1508, mas todos concordam em que
terminou no anno de 1519.
Este bispo foi cognominado Calçadilha,
por ser natural de uma povoação d'este no-
me em Castella, junto de Samora. Era de
nobre ascendência, como pôde vér-se nos
Diálogos de Botelho;— veiu para Portugal em
1476, acompanhando como confessor a Ex
cellente Senhora D. Joanna; — foi muito ae-
eeito dos nossos reis D. AfTonso V, D. João II
6 D. Manuel, que o chamaram para o seu
conselho e o fizeram seu confessor e capel-
lão-mór, prior de S. Vicente de Fóra, bispo
de Tanger e de Viseu, etc.
Foi grande iheologo, dislincto orador, bom
malhematico e astrólogo, pelo que tomou
por emblema das suas armas uma estreita.
Fez parte do congresso, de sábios, convo-
cado por el-rei D. Manuel para resolverem
a proposta de Christovam Colombo, que se
offerecia para demandaras índias, navegan-
do de Lisboa para o poente, proposta que a
Inglaterra já tinha despresado e que o diclo
congresso igualmente despresou, por condes-
cendência para com D. Diogo Ortiz de Vilhe-
i gas, pelo que á Hespanha coube depois a
! gloria de descobrir o Novo Mundo.
Falleceu D. Diogo em Almeirim em 1519,
quando ali »e achava a côrie, e ali jaz na
egreja dos dominicos de Santa Maria da
Serra.
Deixou em Viseu boa meníioria e o seu
nome vinculado á riqulí^sima abobada da Sé,
denominada de D. Diogo Ortiz ou dos nós,
por ser em ogiva de granito primorosamente
trabalhada e ornamentada com laçaria de
cordas e nós.
Não se sabe com certesa quando e por
quem foi principiada a dieta abobada, ^ mas
sabe-se com certesa que foi feita, pelo menos
em grande parte, e concluída por este pre-
lado, como diz uma inscripção que se véna
dieta abobada, junto do seu brasão d'arma8
e em redor d'elle, tudo lavrado em pedra
d'Ançã.
A dieta inscripção é a seguinte ;
.Esta Se mandou abobe-
DAR o Muito Magnifico
S5Í0R DÕ Diogo Ortins,
Bpõ desta cidade, e do
Concelho dos Reis, e
SE acabou Era do Snor
DE 1513
■ o mesmo bispo mandou fazer lambera a
frontería da Sé com um riquissimo pórtico
muito ornamentado com figuras e folhagem,
bem como uma grande janella superior, de
curiosa invenção, que dava luz para o côro,
segundo diz Botelho,— tudo em estylo gotbi-
co florido, ou Manuelino, e em perfeita har-
monia cora a architeclura interior; e sobre
o grande pórtico se via, como diz Botelho
lambem, outra inseripçào exterior, como a
mencionada supra; mas infelizmente aquella
magestosa fronteria desabou com uma das
torres em 18 de fevereiro de 1635 e foi subs-
tituída pela desgracíosa fronteria actual, que
* Por certo não foi mais illusirado nem i ^ V. o tópico relativo ácathedraleaobis-
mai-t bem educado do que D. Miguel da Sil- ' po D. Soludidalio, de quem ja fizemos mea-
va, mas foi bem mais feliz do que elle / . . . ' ção entre os bispos duvidosos, sob o n.» 28.
IblO VIS
VIS
não tem merecimento algum arlistico nem a
minima relação com a arehitectura inte-
rior I
Este bispo chamou para Portugal sobri-
nhos e outros parentes, de quem procedem
varias famílias nobres de Viseu.
Também sagrou a caihedral em junho de
1S16.
V. Diálogos de Botelho a Memoria de F.
Manuel e o tópico relativo à Sé.
53. "— D. Affonso, infante e cardeal, 1520-
1524.
Todos os catálogos que me cercam são
aceordps n'estas datas; — apenas o dr. Bote-
lho prolonga este pontiQcado até 15i8.
Este infante D. Affonso, 6.» filho d'el rei D.
Manuel e de sua 2." mulher a rainha D. Ma-
ria, foi creado cardeal-diacono do titulo de
Santa Luzia em 27 de junho de 1517, cou-
tando apenas 8 annos de idade. Depois foi
cardeal de S. Braz — e ultimamente cardeal
de S. João e S. Paulo.
Em 1516 foi feito bispo da Guarda e prior-
mór da Santa Cruz de Coimbra.
Em 1520 lhe deram o bispado de Viseu,
que não governou pessoalmente, por contar
ainda apenas 11 annos. Teve o titulo de pre-
lado d'e8ia diocese até 1524; — posterior-
mente foi arcebispo de Lisboa, abbade d'Al-
eobaça e perpetuo administrador do bispa-
do à'Evora, onde nasceu no dia 23 d'abril
de 1509— e falleceu em Lisboa no dia 21 de
abril de 1540, contando apenas 31 annos de
idade.
Jaz na egreja de Belém.
Tinha muito merecimento e foi o 1.* pre-
lado que ordenou se fizessem livros, onde se
registrassem os baptismos, casamentos e óbi-
tos, como posteriormente decretou para toda
a egreja o concilio de Terento.
54. »— D. Fr. João de Chaves, 10.» do no-
me, 1524-1526.
O Padre Carvalho e o sr. Padre Cruz não
mencionam este bispo;— Botelho, Berardo,
Lobo, F. Manuel, Coldt, Sousa e o sr. dr. Ni-
colau dão-no como certo, — mas em algumas
circumstancias divergem.
Botelho e o sr. dr. Nicolau dizem que este
bispo foi loyo, mas F. Manuel, Berardo, Lo-
bo e Coldt dizem que foi religioso da Obser-
vância (franciscano) e n'ella duas vezes pro-
vincial.
Todos ignoram onde nasceu e onde falle-
ceu; apenas o Padre Sousa diz que era na-
tural de Guimarães, opinião a que o bispo
Lobo se inclina.
SuppÕe-se que falleceu em Viseu. Berar-
do e F-. Manuel dizem que jaz na capella do
Bom Jesus do Calvário, indo da Sé para o
claustro, em uma sepultura que ali se vé,
tendo por brazão duas chaves. Berardo até
se insurge contra quem pretende que a di-
eta sepultura é do bispo santo D. João Vi-
cente, fundador dos loyos; mas Botelho e o
sr. dr. Nicolau dizem e provam que não é
nem pôde ser do bispo D. Fr. João de Cha-
ves, porque o brasão d'e8ta familia tem por
emblema 5 chaves em aspa, — não 2; — e que
a dieta capella e a dieta sepultura perten-
cem ao bispo santOy D. João Vicente — o
qual tomou por emblema duas chaves, por
ter sido medico do papa Nicolau V.
Nós perfilhamos esta opinião.
Terminaremos dizendo que D. Fr. João de
Chaves foi um bispo virtuoso e bom theologo,
confessor do duque de Bragança D. Jaime,
e D. prior commendatario do convento da
Costa, em Guimarães 2.
55. °— D. Miguel da Silva, 2.° do nome e
cardeal, 1527-1547.
É muito interessante a biographia d'e8te
prelado e deu -nos um trabalho insano, mas
ficou tão longa e tão longos vão já este tó-
pico e este artigo, que resolvemos dal a no
supplemento, bem como a do bispo D. Ju-
lio Francisco d' Oliveira, não menos interes-
sante nem menos longa.
V. Viseu no supplemento a este diceiono-
rio.
56. »— D. Alexandre Farnese, cardeal, etc.
1547-1552.
Em virtude da mysteriosa renuncia de D.
Miguel da Silva foi Alexandre Farnese bispo
1 V. o que já dissemos d'este bispo, sob o
n.» 47.
2 V. Obras de D. Francisco Alexandre Lo-
bo, tomo 1." pag. 251-259— e o que no lopico
relativo à Sé dizemos da Capella do Calvá-
rio.
VIS
VIS 1611
de Viseu desde 22 d'abril de 1547 até 1552,
mas bispo commendatario, poisnuneaenirou
em Viseu. Governaram por elle a diocese dois
italianos-^e falieeeu em Roma a 2 de março
de 1589, tendo renuriciado a diocese de Vi-
seu nos fins do anno de 1551 ou principios
de 1552, pois em setembro de 1551 ainda
elle não havia renunciado, como prova Ale-
xandre Lobo, — e em março de 1552 era já
nomeado bispo de Viseu D. Gonçalo Pi-
nheiro.
Alexandre Farnese, filho de Pedro Luiz
Farnese (primeiro duque de Parma) e neto
de Paulo III, nasceu em Roma no dia 17 de
outubro de 1520 e foi ura dos homens mais
illustrados, mais ricos e de mais mereci-
mento na sua época.
Aos 13 annos já era bispo de Parma; aos
24 já era cardeal e depois aecumulou mui-
tos bispados, arcebispados, benefícios rendo-
sos, cargos e pensões, podendo competir com
o nosso cardeal d'Alpedrinha e certamente
o excedeu em riquezas, posto que por des-
intelligencias com o papa Julio III teve de
sair de Roma, perdeu a rica diocese de Mon-
treale e a grande influencia que exercia na
cúria, onde foi muitos annos o primeiro mi-
nistro e teve tanto valimento como o próprio
papa f I. ..
g7.c_D. Gonçalo Pinheiro, 1553-1566.
Este bispo era natural de Setúbal, filho de
João Pires e de Leonor Rodrigues Pinheiro,
Deto paterno de Alfonso Fernandes, secreta-
rio da rainha D. Filippa de Lencastre, mulher
de D. João l, e neto materno de Gonçalo Ro-
drigues, cavalleiro de D. João IL
Formou-se em cânones na universidade de
Lisboa e doutorou-se em theologia na de
Salamanca; — foi muito erudito n'aquellas
duas faculdades, bem como em astronomia,
grego, hebraico, latim, etc.
Quando regressou de Salamanca foi feito
cónego d 'Évora e bispo de Safira.
Depois foi mandado em commissão por D.
João III com outros ministros a França, pa-
ra resolverem uma questão importante, pro-
veniente de certas presas. Reuniram-se em
Baiona com igual numero de commissiona-
dos francezes e não só decidiram a pendên-
cia a contento d'amba8 as corôas, mas foi ali
tão estimado e considerado o nosso bjspo
que, a pedido do cabido de Baiona, regeu
pessoalmente aquella diocese algum tempo.
Em 15i3, sendo bi?po de Tanger, foi man-
dado como Bosso embaixador a França, on-
de recebeu de Francisco I grandes demons-
trações de estima. Regressando a Portugal
foi feito desembargador do paço em 1548 e
em 1552 foi eleito bispo de Viseu, para onde
partiu em 1553 e onde assignalou o seu no-
me convocando synodo em 1555, no qual
promulgou decretos salutares — e fazendo
muitas obras, taes foram as escadas para o
côro de cima, na cathedral, em cuja aboba-
da se vêem as suas armas,— e a capella da
Vera Cruz, junto do claustro, para seu ja-
zigo, mas foi sepultado na capella mór, por-
que falieeeu era 1566, * durando ainda as
obras da capella.
Foi concluída em 1567, por diligencias do
seu sobnnho, que na abobada poz também
as armas do mesmo bispo,— wm pinheiro e
um leão rompente, em campo vermelho.
Rezidiu algum tempo no paço de Fontello,
que tentou transformar em Azylo de Mendi-
cidade,—o em ura dos sitios mais pittores-
cos da mesma quinta de Fontello fez uma
capellinha dedicada a S. Jeronymo, na qual
poz e se vê ainda uma inscripção em grego 2.
1 É isto o que dizem Berardo e F. Manuel,
mas Botelho, Coldt, Carvalho, Sousa e o sr.
Padre Cruz dizem que falleceuera 1567. Nós
preferimos a data de 1566, porque em 8 de
setembro do dicto anno D. Fr. Bartholomeu
dos Mariyres convocou em Braga synodo, ao
qual assi.stiram todos os bispos suffraganeos,
— exceptuando o de Viseu, por se achar a
a diocese vaga, como diz D. Rodrigo da Cu-
nha.
2 Também fez o grande pórtico de entra-
da para a formosa avenida do paço e quinta
de Fontello, como prova a inscripção que
mandou gravar e lá se vé ainda sobre o di-
cto portão :
HOS ADITVS, NOSTRAE 8IGM0 MONSTRANTR SALTTIS,
HOSPITIO ET GRATIIS INOPOM, QOB EXTRDXIT IH DS08
GOTBESÇALLOS, POPOLI ANTISTES, PlNARlCS, ANNO 1565.
Em vulgar -.— «Gonçalo Pinheiro, bispo
d'esta cidade, fez construir estes pórticos com
o signal demonstrativo da nossa redempção,
1612 VIS
VIS
58.»- D. Jorge d'Athaide, 1568-1578.
Era irmão do vice-rei da índia D. Luiz de
Alhaide, coDde d'Aihouguia, e filho de D.
Antonio d'Alhaide, conde da Castanheira; —
assistiu ao concilio de Trento, oujas actas
escreveu, e em Roma Pio IV o encarregou
da reforma do missal e do breviário roma-
no Em 1568 foi eleito bispo de Viseu, on-
de entrou no dia 14 de março de 1569, ten-
do sido sagrado em Lisboa, no templo de
Nossa Senhora da Graça, com o máximo es-
plendor, assistindo el-rei D. Sebastião, a rai-
nha D. Catharina, a infanta D. Maria e toda
a corte.
Falleceu em 17 de janeiro de 1611, con-
tando 76 annos de idade, e foi um prelado
digníssimo, sempre muito estimado e consi-
derado pelos monarchas do seu tempo.
Governou a diocese apenas 9 annos, até
1578, data em que muito espontaneamente
renunciou, porque, sendo seu )rmão D. Luiz,
conde d'Alhouguia, o primeiro general por-
tuguez do seu tempo e tendo sido nomeado
commandante em chefe do exercito que D.
Sebastião se propunha levar, como levou, á
Africa, o mesmo rei o exonerou do com-
para hospício e bem fazer dos pobres e para
seus usos, no anno de 1565.
Note se que em agosto de 1876 a camará
de Viseu, d'accordo com o prelado D. Anto-
nio Alves Martins, apeou o dicto portão e
collocou-o de novo um pouco mais dentro da
grande avenida, (recuou 9'",5) para tornar
mais plana e suave a entrada e mais ampla
a rua contigua; nada porem soffreu o dicto
pórtico, porque a mudança foi feita com to-
do o carinho.
0 portão é espaço.so, mas pouco elegante
e rt'cianeular. Pôde* ver se em lyiographia no
Álbum Visiense, pag. 12-13.
Também se suppõe que a grande avenida
foi obra de D. Gonçalo Pinheiro, Devem pois
contar mais de 300 annus algumas das ar-
vores que a ensombram.
Trabalhou zelosamente na illustraçãoe re-
forma do seu clero; em 1556 fez as Consti-
tnições Synodaes do bispado de Viseu— e tam-
bém assistiu a uma parte do concilio de
Trunfo.
1 Era muito illustrado e deixou muitas
obras impressas e mss., como liiz sl Biblio-
theca Lvsílana, mas Innoeencio uem o men-
ciona como escriptor ! ií.;íjíh«i t> !»iti- :
mando e o enviou pela segunda vez como
I vice-rei para a índia, por se oppor muito
! prudentemente à dieta expedição, prevendo
a desgraça que nos esperava em Aleacer-
quivir a 4 d'ago»lo do mesmo anno de 1578,
devida á inexperiência e teimosia do joven
monarcha e à substituição do valente gene-
ral por D. Diogo de Sousa, que nada sabia
da arte da guerra \. . .
Perdemos na Africa as forças vivas da na-
ção e depois a nossa autonomia, que só em
1640 recuperámos.
Fez D. Jorge d'Athaide em Viseu a bella
sacristia actual da Só e o pavimento superior
em 1574, bem como parle do paço episcopal
contíguo, e deu principio ao mosteiro das
freiras de S. Bento. Fez também obras im-
portantes no paço de Fontello; construiu á
sua custa a egreja da Misericórdia de Viseu
e acabou a capella mór da egreja do con-
vento d' Alcobaça, de que foi abbade com-
mendatario. Para a dieta capella-mór trans-
feriu as ossadas do seu padrinho, o celebre
João de Barros; — para a capella-mór da Só
de Viseu transferiu as ossadas dos bispos
D. Matheus e D. Egas, as do bispo D. João
Pires e d'ouiros seus antecessores para a ca-
pella de S. João Baptista, Também (segundo
se suppõe) restaurou o pretendido tumulo
d'el-rei D. Rodrigo na egreja de S. Miguel
do Fetal, pelo que— diz Botelho— sí occupou
a eníhesourar ossos, como os avaros a guar-
dar riquesas.
Foi eapellão mór, esmoler e conselheiro
de estado de Filippe II de Hespanha, com
quem viveu na corte de Madrid até 1598,
data do fallecimento d'esie rei, que lhe of-
fereceu os arcebispados de S. Thiago do Gal-
lisa, Braga, Lisboa e Évora, mas lodos re-
geitou dizendo que o bom prelado deve ser
unius uxoris ver? I . . .
Também regeitou o cargo de ioquisidor-
mór 6 100 000 crnsados que os judeus lhe
ofifereciam, quando andavam impetrando o
perdão geral.
Foi homem piedosíssimo até que expirou.
I No seu testamento, alem de muitas es-
I molas importantes que deixou a differentes
i institutos religiosos^ taes como SOOcrusados
VIS
VIS 1613
de juro para a sustentação de 2 frade» ear- i
luxos, lOOilíOOO réis de juro para o vestuá-
rio das religiosas pobres do convento da
Castanheira, etc, instituiu por herdeiros do
remanescente os pobres d' Alcobaça? ! . . .
Jaz no convento de Santo Antonio da Cas-
tanheira, pantheon dos seus maiores, na pro-
víncia da Estremadura.
V. Castanheira da Estremadura, e Athou-
guia n'este diceionario- e o Dialogo 5." de
Botelho, cap, 2.» onde se encontra uma lar-
ga genealogia e outras noticias muito curio-
sas de tão benemérito prelado.
09.'— D. Miguel de Castro, 3.% 1579-1583,
Era filho de D. Diogo de Castro, mordo-
mo-mór da princesa D Joanna, e de D. Leo-
nor d'Athaide. Tomou posse do bispado de
Viseu em 15 de setembro de 1579 e o gover-
nou até 1585, data em que foi transferido
para o arcebispado de Lisboa, onde falleceu
em 30 de junho de 1625, tendo nascido em
Évora, não sabemos quando.
Foi um dos regentes do reino na ausên-
cia do cardeal e archiduque Alberto,— e foi
lambem algum tempo vice-rei, mas cumpriu
sempre com muito louvor os seus deveres
de bispo e foi muito esmoler, costumando
soccorrer generosamente as famílias que,
lendo disposto de meios, se achavam em cir-
cumstaneias precárias.
Botelho, que foi seu contemporâneo, cita
alguns d'estes factos, concluindo por dizer
— que era tão amado e bem quisto de todos
que até as pedras em sua morte parece que
mostraram o sentimento que nos corações de
todos ficava pelas obras de misericórdia que
de continuo exercia.
Foi lambem um grande berafeitor da ci-
dade e da Sé de Viseu, mesmo depois da sua
transferencia para Lisboa,— donde por mui-
tas vezes (diz Botelho) mandou para Viseu
muitos mil crusados (!) para se despenderem
em esmolas e obras pias, e ultimamente para
se fazer um ornamento de brocado para a Sé,
em que se veem suas armas peça muito rica.
Nos Diálogos do mesmo dr. Botelho pode
ver-se a genealogia d'este venerando bispo,
descendente dos Castros de Hespanha, dos
qaaes descendia também a infeliz D. Ignez
de Castro.
VOLUMB XI
60.°— D. Nuno de Noronha, 1586-1594.
Era filho de D. Sancho de Noronha, conde
de Odemira, e de D. Margarida da Silv?, fi-
lha de D. João da Silva, 2.° conde de Porta-
legre.
Foi reitor da Universidade de Coimbra e
depois bispo de Viseu, onde entrou era 1586.
Em 1594 foi transferido para a diocese da
Guarda, onde jaz, tendo fallecido era 27 de
novembro de 1608 i no paço episcopal de
Castello Branco, que elle havia feito e no
qual despendeu mais de 40:000 crusados I
Em Viseu concluiu o mosteiro benedjctino
que o seu antecessor D. Jorge d'Almeida co-
meçara—e deu principio ao velho seminá-
rio contíguo à Sé, hoje denominado Calle-
gio, que o seu suceessor concluiu, como diz
a ioscripção que ainda hoje lá se vê:
D. Nuno de Noronha
Bpõ de Viseu fez este
Seminário, e começou
a obra dia do spirito
St.» M. d. X C III,
SENDO Reitor Joam Sirgado
Note-se que este bispo já tinha organisa-
do o quadro dos estudos do mesmo seminá-
rio em 1587— e em 1593 iractou de dar-lhe
casa própria e cisa esplendida, toda com
grossas paredes de bella cantaria de granito,
mas não a ultimou, porque no anno seguin-
te teve de abandonar a diocese em virtude
de grandes desgostos com a cidade, por ha-
ver dado homisio no seu paço ao assassino
de Pedro Borges.
Também fez o seminário da Guarda, — edi-
fício magestoso e no mesmo estylo do que
principiara em Viseu.
Douiorou-se em lheologiana Universidade
de Coimbra, sendo ali reitor, e era Viseu dei-
xou bom nome como prelado. Beforraou os
costumes do clero;— foi magnânimo e gene-
roso— e viveu sempre com grande fausto.
Em 1606 foi a Madrid e levou tão appara-
loso séquito de pagens e criados seus, ca-
1 Envenenado por uma purga que lhe de-
ra um judeu,— sí vera est fama.
m
1614 VIS
VIS
valleiros da ordem de Christo e d'outras or-
dens,—que os madrilenos ficaram deslum-
brados 6 o receberam com demonstrações re-
gias, imaginando ser Filippe III, que algu-
mas horas antes havia sabido para o Pardo.
Para a sua genealogia e outros promeno-
res veja-se os Diálogos de Botelho.
61.°— D. Fr. Antonio de Sousa, 1595-1597.
Foi religioso dominieo, filho de Martim
Affonso de Sousa, 12." governador da índia
e de D. Anna Pimentel.
Governou apenas dois annos, pois ha-
vendo tomado posse no anno de 1595, em
1597 falleceu no Campo Grande, em Lisboa,
onde nascera, e jaz no convento de Santo
Antonio da Castanheira, em sepultura pró-
pria, mandada fazer pelo bispo D. Jorge de
Athaide, seu parente.
Concluiu o seminário de Viseu, principia-
do pelo seu antecessor D. Nuno, como já dis-
semos, pelo que n'elle gravou a inseripção
seguinte :
Antoni, tibi Nonius paravit.
DlGNUS PONTIFICUM LABOR DUOllUM.
Em vulgar:— ^níowío, D. Nuno te prepa-
rou este seminário, obra digna de dois bispos.
Junto da dieta inseripção se vôem as ar-
mas dos dois prelados.
Também fez no paço de Fontello uma va-
randa que deitava para a Fonte do Carvalho,
varanda que desabou por oeeasião da gran-
de tempestade de 1635, oito dias antes de
cair a torre do relógio com parte da fronte-
ria da Sé, como já dissemos no tópico rela-
tivo á cathedrai.
Foi homem muito virtuoso e todos os an-
nos dotava e casava 9 orphãs.
Do exposto se vê que D. Antonio seria um
dos mais beneméritos prelados de Viseu, se
a morte o não roubasse tão cedo.
Era muito illustrado, doutor em theologia
pela Universidade de Lovaina e mestre da
sua ordem, na qual professou a 7 de março
de 1557. Foi também pregador de D. Sebas-
tião, e alem d'isso provincial e depois vigá-
rio geral de toda a ordem dominiea, eleito i
por ultimo bispo de Viseu a 4 de dezembro
de 1595, segundo diz Innoeencio Francisco
da Silva no seu Diccionario Bibliographico.
Traduziu do grego o Manual de Epictecto,
cuja traducção foi publicada pela primeira
vez em Coimbra, no auno de 1594. Depois
fez-se outra edição em Lisboa em 1595— e
outra na mesma cidade em 1785.
Teve um sobrinho, também Fr. Antonio de
Sousa, igualmente dominieo, que foi depu-
tado da Inquisição, do conselho geral do
Santo Officio e lambem orador distincto e
distineto escriptor publico. Falleceu em 1632
e deixou varias obras, umas impressas e ou-
tras manuscriptas, indicadas por Innoeencio
e por Barbosa Machado.
Século XVII
62.»—/}. João de Bragança, 1599-1609.
Era da varonia dos duques de Bragança,
filho de D. Francisco de Mello, 2.» coude de
Tentúgal e 1." marquez de Ferreira, e de D.
Eugenia de Mendonça, filha de D. Jayme,4 °
duque de Bragança.
Antes de ser bispo foi D. Prior de Guima-
rães, cónego d'Evora e senhor dos préstimo-
nios das egrejas da sua nobilíssima casa, que
andavam no filho 2.", pelo que foi mais rico
antes de ser bispo, mesmo porque depois de
cingir a mitra, dava tudo aos pobres!. . .
Era um cortesão modelo, — muito aííavel,
muito accessivel, muito bondoso, muito de-
licado e muito esmoler, pelo que toda a ci-
dade e todos os seus diocesanos o idolatra-
vam.
Manteve no melhor pé a disciplina ecele-
siasíica e os bons costumes, sem violências,
reprehensões nem castigos, — tal era o pres-
tigio do seu nome e o respeito que infundia
a todos.
Era pontualissimo em todas as festas pu-
blicas e a seu lado encontrou sempre não só
o cabido, mas toda a nobresa de Viseu, por-
que também não perdia ensejo de penhorar
com attenções o seu cabido e a nobresa da
cidade, recebendo-a e tractando-a com o
maior carinho e brindando-a generosamente
por occasião de baptisados, casamentos e
d'outras festas de familia, mas por seu turno
VIS
VIS 1615
todos á compita caprichavam em o honrar e
ser-lhe gratos.
Nasceu na povoação de Agua de Peixes,
então Villa e hoje simples aldeia da fregue-
sa, Villa e concelho d' Alvito, no Alemtejo,
onde seus paes então viviam e tinham um
palacete e grande cerca, malta e coutada,
que ainda hoje se denomina Cerrado d" Agua
de Peixes.
V. Agua de Peixes.
Entrou em Viseu a 23 de julho de i599,
dia da dedicação da cathedral, e falleceu em
Évora no dia 3 de fevereiro de 1609, tendo
padecido cruelmente de gottanosuUimos an-
nos e soffrido tres insultos apopleticos, o
ultimo dos quaes o matou, deixando os seus
diocesanos cobertos de rigoroso luto desde
que partiu a ultima vez para Évora, pois
Dão só ia acabrunhado e doente, levando a
morte como que estampada na fronte, mas
por uma triste coincidência apenas deixou
Viseu ouviu-se o dobre de finados, por ha-
ver fallecido um diocesano, dobre que foi o
adeus da despedida, como que annunciando
a morte do santo prelado.
Annos antes, estando elle em Évora, já
doente de gotta, foi visitai- o o duque de Bra-
gança e, para o distrahir, perguntou lhe como
o traclavam os visienses.
«Muito bem — respondeu elle— porque é
gente honrada e me jogam cannas todas as
vezes que eu quero.»
Effectivamente estavam sempre promptos
para o obesequiarem. Até um anno, andan-
do elle em visita e achando-se em Trancoso
por oceasião da grande feira de S. Bartho-
lomeu, muitos cavalheiros visienses foram
ali de propósito e, unidos a outros da villa
e arrabaldes, ali mesmo jogaram cannas em
honra d'elle, o que muito o lisongeou.
No anno de 1600, segundo do seu ponti-
ficado, pesou sobre Viseu uma tempestade
medonha !
A' meia noite de 16 de dezembro,— de um
sabbado para um domingo, — levantòu-se de-
traz da Misericórdia um tufão de tal ordem,
acompanhado de trovões e chuva que, dis-
correndo pelo Miradouro, da parte debaixo I
do Seminário até á egreja de S. Miguel do
Fetal, na largura de um liro de pedra, des-
truiu os telhados todos e arrancou e despe-
daçou todas as oliveiras, carvalhos e outras
arvores que encontrou na sua vertiginosa
passagem, arrojando inclusivamente umaoli-
veira por cima do muro da Misericórdia até
á pedra de Gonçalvinho, no meio da cidade;
—arrombou as portas do muro da Regueira^
que tinham grossos ferrolhos e estavam fe-
chadas por causa da peste que então gras-
sava—e destruiu os carvalhos seculares que
ali havia. Felizmente não matou ninguém.
Isto conta Botelho, como testemunha de
vista, nos seus Diálogos, onde se encontra
também uma larga genealogia do eminente
prelado.
Terminaremos dizendo que, d'accordo com
o cabido, concedeu á camará visiense o pri-
vilegio de ter cadeiras de espaldar de couro
na Sé, defronte do púlpito, para os verea-
dores poderem sentar-se, por oceasião das
procissões que eram obrigados a acompa-
nhar.
A provisão foi datada do paço de Fontello
a 20 d'abril de 1604.
63.°— £>. João Manuel, 12." 1610-1625.
Era filho de D. Nuno Manuel, senhor de
Tancos, etc, e de D. Joanna de Athaide, fi-
lha do primeiro conde da Castanheira;— for-
mou-se em theologia na Universidade de
Coimbra, onde foi eollegial de S. Pedro, en-
trando para o dicto coUegio em 1596;— ten-
do apenas ordens menores, seu tio D. Miguel
de Castro, arcebispo de Lisboa, o nomeou
cónego da dieta Sé;— Filippe II o nomeou
seu esmoler-mór e depois bispo de Viseu em
1610, por fallecimento de D. João de Bra-
gança.
Foi sagrado em Lisboa por D. Jorge de
Alhaide, no convento^da Graça dos religio-
sos eremitas de Santo Agostinho, a 21 de
março do dicto anno, na dominiea Laetare,
que é a 4.* da quaresma e, tendo mandado
tomar posse da diocese de Viseu por procu-
ração, fez ali a sua entrada a 25 d'abril do
mesmo anno,— na dominga do Bom Pastor^
dia de bona agouro, pois, como veremos, fòi
um pastor benemérito,.
Passados 10 dias— a 5 de 'maio, pesou so-
1616 VIS
VIS
bre Viseu uraa trovoada medonha, caindo um
raio na torre denominada do relógio, por ha-
ver estado n'ella o relógio da cidade, mas ao
tempo encerrava o cartório do cabido. O raio
levou da grimpa da torre a figura de ura ra-
paz que indicava o tempo;— d'ali passou á
Capella de S. Sebastião (hoje do Senhor dos
Passos) onde manchou levemente o seu retá-
bulo, sem causar outro damno.
Também quando este prelado no ultimo
quartel da vida foi feito arcebispo de Lisboa
6 nas varandas da Sé se achavam muitos po-
bres reunidos para a destribuição de esmo-
las, abateu a dieta varanda, perecendo mais
de 60 pobres e ficando outros muitos aleija-
dos 1
Em 1611 visitou pessoalmente a sua dio.
cese de Viseu e, depois de bem se informar
das necessidades d'ella, traetou immediata-
mente de dar-lhe novas Constituições. Feitas
estas, convocou synodo, ao qual as submet-
teu no dia 13 de abril de 1614; depois man-
dou-as imprimir e, coucluida a impressão
DOS princípios do anno de 1617, ordenou em
uma pastoral que se cumprissem desde o
dia do Espirito Santo d'aquelle mesmo anno
em diante.
Foram impressas em Coimbra, por Nico-
lau de Carvalho, impressor da Universidade
no dicto anno de 1617, como se vê do exem-
plar que possuímos, e comprehendem 377
pag. de folio pequeno, mais 156 com os di-
versos regimentos, alem dos índices, etc, ^
Quando andava em visita e chegou á fre-
guezia de S. Miguel do Outeiro, celebravam-
se ali officios por certo parochiano. O bispo
* As primeiras Constituições d'este bispa-
do foram feitas por D. Miguel da Silva e pu-
blicadas em synodo aos 16 d'outubro de
1527. Rarissimasl
Outras pelo bispo D. Gonçalo Pinheiro, pu-
blicadas em synodo no anno de 1555, — hoje
muito raras também.
Outras por D. João Manuel — supra.
Outras pelo bispo D.JoãodeMellOs—Coim-
bra, 1684.
Finalmente outras pelo bispo D. Julio I
Francisco d' Oliveira,— LUbosL, 1749* '
entrou na egreja, — sentou-se entre os outros
clérigos e com elles foi psalmeando.
Terminado o oíflcio, o parocho deu-lhe a
esmola do costume, como a todos os outros
clérigos, dizendo:— 6m amereceu Vossa Se-
nhorial. . . O prelado tentou escusar-se, mas
vendo as instancias do vigário, aeceitou-a,
dizendo que estimava mais aquella esmola
do que todas as rendas do bispado, por ser
a primeira que lhe rendiam as ordens.
Ao tempo a esmola dos of-
ficios era de 80 réis — e o bis-
pado rendia doze mil crusados.
Também quando andava na visita e che-
gou á freguezia de Mondão, distante de Vi-
seu 6 kilometros, ficou surprehendido ao
ver o grande manancial d'aguâ que ali brota
e concebeu o plano de a conduzir em arcos
para Viseu, mas depois reconsiderou, lem-
brando-se de que Viseu tinha agua bastante
c de que, levando para ali aquella, ficariam
sem valor os muitos campos que fertilisa.
Também tentou levar para Viseu os fra-
des do convento d'Orgens, que elle muito
estimava e protegia. Chegou a convocar pa-
ra este fim a camará de Viseu, que prom-
ptamente annuiu, mas depois também re-
considerou em face das instancias e lagri-
mas com que os povos de Orgens lhe pedi-
ram a conservação dos pobres frades capa-
chos que elles idolatravam,
Dotou generosamente a Sé com preciosas
alfaias e um órgão (o pequeno) e, achando-
se em ruinas a capella de Santa Martha, no
paço de Fontello, mandou-a restaurar e fa-
zer de novo com a magnificência que hoje
ostenta,— e mandou também fazer no mesmo
paço as 3 grandes salas contíguas á capella»
dando elle próprio o risco de toda a obra,
pois era muito versado em architectura e
astronomia.
Foi mestre das dietas obras Daniel Alva-
res, de Viseu, pae do dr. e desembargador
João Saraiva de Carvalho.
Vagando o bispado da Guarda em 1615,
Filippe II offereceu-ih'o, mas elle reeasoa,
porque o de Viseu era mais rendoso e a3
VIS
VIS 1617
suas rendas se achavam livres, tm quanto
que sobre as do bispado da Guarda pesavam
ao tempo differentes pensões; mas em 1625
■ acceitou a transferencia para o bispado de
Coimbra, onde fez a sua entrada solemne a
6 de maio do mesmo anno — e em 1632 Fi-
lippe III o nomeou vice-rei de Portugal e ar-
cebispo de Lisboa, cargos que pouco tempo
exerceu, porque uma hydropisia o matou no
dia 4 de julho de 1633, havendo tomado
posse do arcebispado apenas 23 dias antes.
Nasceu e faileceu em Lisboa e foi sepul-
tado na egreja de Nossa Senhora de Jesus,
dos religiosos terceiros de S. Francisco, —
egreja que elle havia mandado fazer para
sua sepultura e dos condes da Atalaia, de-
pois marquezes de Tancos, como padroeiro
d'aquella província. Haviam terminado as
obras da egreja 14 dias antes do seu falleci-
mento, tendo principiado em 1615 e durado
por consequência 18 annos.
Jaz na capella mór em sepultura própria
com a inscripção seguinte :
Sepultura de D. JoÃo
Manoel, Bispo que foi de
Viseu e de Coimbra, Ar-
cebispo DE Lisboa e Vice-
Rei de Portugal. Fallegeo
a 4 de Julho de 1633.
Com relação à genealogia d'este prelado,
vejam-se os Diálogos de Botelho, — e com re-
lação ás outras eircurastancias da sua vida,
como prelado de Viseu, de Coimbra e de
Lisboa, veja-se o tomo 3.° do catalogo do
Padre Sousa,— tomo que abre com a histo-
ria d'eãte bispo, comprehendendo as primei-
ras 25 folhas I . . .
É para lamentar que se perdessem os ou-
tros 2 tomos d'este interessantíssimo cata-
logo.
64."— D. Fr. João de Portugal, 13.», 1626-
1629.
Nasceu em Évora no anno de 1554 e ex-
pirou em Viseu às 8 horas da noite do dia
26 de fevereiro de 1629, contando 75 annos
de idade,— 56 de profissão religiosa— e 2 an-
nos, 8 meses e 12 dias de pontificado.
Foi um dos bispos mais penitentes, mais
illustrados, mais modestos, mais caritativos
6 mais virtuosos que até hoje tem tido Vi-
seu, pelo que todos o consideravam e pran-
tearam como santo.
Jaz na capella-mór da Sé, da parte do
Evangelho, em sepultura rasa com a inscri-
pção seguinte :
Sepultura do Padre Mestre
D. Fr. Jo.\o de portugal,
Bispo que foi de Viseu.
Faleceo a 26 de fevereiro de
1629.
D'este santo bispo tractou largamente o
Padre Sousa no 3 ° tomo do seu interessan-
tíssimo Catalogo, desde fl. 13 até 26,— e nos
Diálogos de Botelho pode ver-se a «ua ge-
nealogia.
Era irmão de D. Francisco de Portugal,
3.° conde de Vimioso, e de D. Luiz de Por-
tugal, 4.» conde também de Vimioso, e fo-
ram seus paes D. Affonso de Portugal, 2."
conde dd Vimioso, e a condessa D. Luisa de
Gusmão. 1
Professou em Évora na ordem de S. Do-
mingos em 1572; — depois formou-se em
theologia na Universidade de Salamanca;—
regressando ao convento d'Evora, foi feito
deputado da Inquisição em 1590 e inquisi-
dor em 1592. Erigindo-se em Lisboa o mos-
teiro de religiosas benedietinas do Sacra-
mento, foi o seu primeiro confessor e vigá-
rio, prestíindo o juramento do esiylo em 1612
e foi também capellão de Filippo III,— car-
gos que oceupou até que em 1626 foi elei-
to bispo de Viseu. Sagrou se na dieta egreja
do Sacramento e, depois dd tomar posse do
seu bispado a 17 d'abril do dicto anno, pelo
Padre Barnabé Carolla, a quem tinha dado
procuração, partiu para Viseu, onde entrou
a 14 de julho do mesmo anno. Foi recebido
com grande pompa pelo clero, nobresa e
povo, que o foram esperar a distancia de
mais de uma legua, ficando attonitos quando
viram que todo o séquito do venerando pre-
lado se reduzia a 6 religiosos do seu habito.
1 V. Vimioso.
1618 VIS
VIS
por elle escolhidos para o governo aa sua
relação e da sua casa, aos quaes e aos seus
fâmulos, apenas chegou a Viseu, depois de
08 reunir no seu quarto, dirigiu a seguinte
allocução :
«Filhos, estamos em Viseu, aonde nos
trouxe Nosso Senhor pela Sua misericórdia
para o servirmos. Eu, como prelado, reli-
gioso e velho, tenho maior obrigação que to-
dos os mais prelados de dar bom exemplo,
assim na rainha pessoa e vida, como na de
meus criados. Peço a todos, como a filhos,
que ponham grande cuidado no serviço de
Deus, porque no meu vai pouco. A todos tra.
tarão com amor e cortesia, e especialmente
advirto que nenhum receba coisa alguma»
por limitada que seja, sem minha licença, e
o contrario d'isto me ha de ser muito cus-
toso e no meu serviço mal aceeito.»
Tractou logo de visitar pessoalmente o bis-
pado e, como visse que a maior parte dos
seus diocesanos ignoravam a doutrina chris-
tã, compoz e fez distribuir um Summario^
d'ella \ recommendando ao mesmo tempo a
todos os parochos que a ensinassem.
Mandou também fazer 2 livros,— um com
os nomes de todos os clérigos do bispado
seus costumes e habilitações,— outro com os
Domes das pessoas mais necessitadas, viuvas
honestas e orphãos da cidade e diocese, cos-
tumando entreter-se a ler os mencionados
livros para melhor provimento dos benefí-
cios ecclesiasticos e mais acertada distribui-
ção das esmolas.
Tentou convocar synodo para reforma das
Constituições da diocese, mas n.ão o convo-
cou porque a morte o surprehendeu.
Aos ecclesiasticos de mau exemplo repre-
hendia-os como pae e, logo que elles se
emendavam, favorecia-os generosamente?!...
Vivia com toda a parcimonia e nunca dei-
_i Alem d'este Summarioda doutrina chris-
ta, compoz outras obras, cujos titulos podem
ver-se na Bibliothera Lusitana, sendo uma
d'ellas o livro De Suma Trinitate, cuja im-
pressão custou cerca de 6:000 crusados,—
segundo diz Botelho.
xou o seu habito nem consentiu que os seus
familiares usassem de seda.
Também nunca deu um real aos parentes-
Dizia que as rendas dos bispados são o dote
que se dá aos bispos como a suas esposas,
para ser gasto exclusivamente com ellas e com
os seus filhos, que são os pobres, pelo que tu-
do dava aos pobres e costumava vestir 6 to-
dos os mezes.
Dizendo- lhe um dia o seu mordomo que
era necessário reservar 500 crusados para
uma pequena baixella de prata, pois tinha
somente um jarro, um prato e umas galhe-
tas,— respondeu o santo bispo : —Não diga
ociosidades t
Constando-lhe que o meio-prebendado An-
tonio Leilão vivia miseravelmenie e andava
coberto d'andrajos, quando outros clérigos
da mesria classe viviam decentemente, màn-
dou-o chamar e lhe observou tão estranho
facto. Reípondeu Antonio Leilão:
»Vivo e trajo assim, porque 80u ladrão*
mas ladrão de mim mesmo, para com as mi-
nhas economias fazer uma capella defronte
da cadeia, * para que os presos possam ouvir
missa nos domingos e dias santos.»
Ficou o bispo muiio satisfeito com a res-
posta e prometleu-Ihe auxilial-o no seu em-
penho com a esmola de 40^000 réis, o que
não pôde cumprir porque d'ali a breve tre-
cho expirou; mas o pobre Antonio Leitão,
prospguindo com a sua duríssima peniten-
cia, logrou fazer a capella, que lá se via com
a inseripção seguinte sobre a torça, alludin-
do a este facto, e resava ou resa assim :
EX RAPTO CONSTRUXIT OPUS DICA-
VIT QUE SACELLUM
Em vulgar:— 'Com o roubo fez esta obra e
dedicou esta capella . . .
Abençoado roubo I
No tempo d'este santo prelado (em 1628)
accrescentaram as religiosas de S. Benta
í Referia-se á cadeia que estava nos bai-
xos da amiga casa da camará, na travessa
do Chão do Mestre.
V. o tópico Passos do Concelho.
VIS
mais 30 palmos á sua egreja— e no mesmo
anno, a 23 de janeiro, pesou sobre Viseu tão
grande tempestade e tanta chuva que a agua
entrou na dieta egreja até o sacrário, pelo
que as freiras retiraram o Santíssimo para
a sua enfermaria e desde aquella data o fes-
tejam sempre com exposição e sermão no
mesmo dia 23 de janeiro.
Passemos adiante.
65.o_/, Bernardino de Senna, 1629-
1632.
Nasceu em Torres Novas a 26 de maio de
i571 e 00 baptismo derara-lhe o nome de
Bernardino de Seuna, porque sua mãe teve
um parto muito feliz e sentiu os prenúncios
a 20 d'aquelle mez, no dia da festa de S»
Bernardino de Senna; mas na ordem foi tam-
bém conhecido pelo nome de Fr. Bernardino
da Natividade, porque professou no dia da
festa da Natividade.
Foram seus paes Miguel d'Arnide, geno-
vez, e Camilla Gomes de Mello, natural de
Lisboa.
Mostrando desde a puerícia grande voca-
ção para a vida religiosa, aos 15 annos foi
admittido ao noviciado no convento de S.
Francisco de Lisboa, tomando o habito de
observante a 7 de setembro de 1586 e no
mesmo convento professou passado o anno
do estylo. Pouco depois o geral o mandou
estuflar lógica no convento de Santo Anto-
nio de Ferreirim, junto de Lamego, para on-
de partiu a pé e esmolando, na forma do seu
instituto i.
Terminado em 1590 o seu curso de lógi-
ca, no qual se tcrnnu muito distiocto, foi es-
tudar physica no convento de S. Francisco
de Santarém e d'ali passou para o de S.
Francisco da Ponte, em Coimbra, onde estu-
dou metaphysica,— fíízendo todas estas lon-
gas jornadas a pé e esmolando.
i A esia jornad i s ^ seguiram outras mui-
tas, pois durante a sua longa vida percorreu
primf^iramente a pé, como simples religioso
franciscano, — depois a cavallo como genera-
lissimo ou primeiro ministro da sua ordem, j
— e por uliimn como bispo, mais de 5:500 le-
guas f^m Portugal, llespanha, Itália e Fran-
ça. I
VIS 1619
D'ali passou a estudar lheologia no colle-
gio de S. Boaventura da mesma cidade, con-
tando já 22 annos, e, terminando com a maior
distincção o seu curso theologico, passou em
1597 para Lisboa, onde tomou parte brilhan-
tíssima nas conclusões magnas, que a sua
ordem celebrou por occasião do capitulo ge-
ral d'aquelle anno. Tanto se distinguiu que
o geral o nomeou leitor em Artes e o man-
dou reger a dieta cadeira no convento de
Santa Christioa, no bispado de Coimbra,
d^onde passou a ler no convento de Ferrei-
rim, fazendo todas estas jornadas a pé e es-
molando—e da mesma fórma passados an-
nos regressou ao convento de S. Francisco
de Lisboa, onde em 1601 assistiu a outro ca-
pitulo. D'aii volveu ao convento de Ferrei-
rim já na qualidade de guardião e mestre»
contando apenas 30 annos. Por causa de cer-
tas questões com o juiz de fóra de Lamego,
foi à Lisboa queixar-se ao ministro e, obten-
do d'elle sem difíiculdade providencias, vol-
veu a Ferreirim, a pá, como fôra,— muito fa-
tigado mas ao mesmo tempo muito satisfeito
por se ver livre da vexatória e menos escru-
pulosa superintendência do juiz de fóra de
Lamego, como representante dos condes de
Marialva, padroeiros do convento de Fer-
reirim.
Em 1606 foi eleito commissario geral para
a ilha da Madeira, mas a pedido seu o dis-
pensaram e nomearam guardião do convento
de Santarém, para onde partiu lambem a pé.
Decorridos annos, foi ler theologia no con-
vento de Lisboa, donde passou a leccionar
no collegio de S, Boaventura de Coimbra,
caminhando sempre a pé.
No capitulo que em 1610 se celebrou no
convento de S. Francisco de Lisboa, foi eleito
definidor,— càrgo importante e muito hon-
roso,—e em 1614 foi nomeado guardião do
dicto convento, onde fez grandes obras e
uma casa para a livraria^ tão espaçosa e sum-
ptuosa que n'ella muitos annos se celebraram
as cortes; mas infelizmente na noite de 30
de novembro de 1741 quasi todo aquelle
grande ediflcio foi pasto das chammas, cora-
prehendendo a dieta sala e 4 espaçosos claus-
tros, escapando apenas a egreja, os coros, a
1620 VIS
VÍS
sacristia, a casa do noviciado, o refeitório dos
pobres e pouco mais
No capituio de 1617 foi eleito provincial.
Filippe III lhe offereceu a mitra de S. Tho-
»»«?,— depois a de Ceuta— e por ultimo a de
Gôa, mas o nosso biographado recusou-as
todas.
No capitulo geral que em 1618 se celebrou
no convento de S. Francisco de Salamanca
presidiu a um acto litterario com tanta dis-
tincção que ali mesmo foi eleito secretario
da província ^ e o geral o levou comsigo pa-
ra Madrid, donde, passando algum tempo,
volveu ao seu convento de Coimbra;— assis-
tiu a um capitulo que ali se celebrou— e de-
pois regressou a Castella. Passando logo a
visitar aquella provincta com o geral, per-
correu a maior parte da Hespanha e da Itá-
lia, a e a cavallo, de verão e de inverno,
atravessando com grande incommodo mon-
tes, serras e caminhos medonhos I
Foi eleito commissario geral da ordem no
capitulo geral de Segovia, d'onde partiu para
Portugal, mas em breve regressou a Madrid,
começando logo a exercer o cargo de gerai,
em que muito se distinguiu, percorrendo
Portugal e Hespanha de uma extremidade
até à outra, a cavallo, mas sempre com os
pés nus, excepto no rigor do inverno,— e
muito pobremente vestido. As suas roupas
eram sempre andrajos, mas apesar d'isso li-
nha entrada franca no paço e Filippe III o
recebia com particular estimação pelo seu
renome e porque os geraes franciscanos
eram grandes de Hespanha e conselheiros de
estado desde o tempo de Carlos V.
O papa Urbano VÍII também o estimava
muito;— correspondia-se com elle e lhe pe-
diu que continuasse no generalato da ordem
até à paschoa do Espirito Santo de 1625, era
que tencionava celebrar o jubileu do anno
santo.
Da Hespanha passou a França;— d'ali a
* A ordem seraphica era a mais numerosa
de todas. Comprehendia milhares de conven-
tos, seguindo todos com leves modificações
o instituto do patriarcha S. Francisco, mas
dividiam-se em grupos denominados custo-
dias e provindas.
Sabóia, onde foi muito bem recebido pelo
duque;— depois foi á Toscana e ao santuá-
rio do Loreto, onde celebrou as 3 missas do
Natal,— e d'ali passou a Roma a beijar o pé
á Santidade de Urbano VIII, que o nomeou
ministro geral da ordem.
De Roma foi para Assis, terra natal do seu
patriarcha; ali se demorou algum tempo na
casa por elle fundada ;— depois seguiu para
Bolonha, Florença, Modena, Parma, etc, vi-
sitando os conventos da sua ordem na Itália,
d'onde volveu a visitar novamente os de
Hespanha e depois os de Portugal, passando
da Andaluzia ao Alemtejo e do Alemtejo a
Lisboa.
Depois de descançar algum tempo, partia
para França para reformar aquella provín-
cia e reduzir os clauslraes a observância, o
que, não sem diíficuldade, conseguiu. Prose-
guindo avante volveu à Itália e Roma;-as-
sistiu a diversos capitules — e regressou á
Hespanha e Madrid, sendo nomeado bispo de
Viseu antes d'ali chegar, no anno de 1629.
Contava então o nosso biographado 58 an-
nos e estava faiigadissimo por haver percor-
rido mais de 5:000 léguas e ter visitado e
governado cerca de 6.000 conventos e de
280:000 súbditos de um e outro sexo?!. . .
Em Madrid recebeu no anno de 1630 as
bulias e ali mesmo foi sagrado com toda a
pompa no convento das suas religiosas des-
calças, no dia 13 de julho de 1631, conti-
nuando a permanecer em Madrid no exercí-
cio do seu generalato, que só deixou em ou-
tubro do dicto anno.
Em maio de 1632 partiu para Viseu, aon-
de chegou a 2 de junho, entrando* logo no
exercício do múnus pastoral, repartindo com
mão larga pelos pobres todas as rendas da
diocese e reservando para si o estrietamente
necessário, que se reduzia a muito pouco,
pois nunca deixou o habito franciscano e
formavam toda a sua família um padre con-
fessor irlandez e um irmão leigo, ambos da
sua ordem e ambos virtuosíssimos, sendo o
leigo denominado Paciência pela muita que
tinha,— diz o Padre Sousa.
Sentindo o nosso biographado esvaírem-
VIS
VJS 1621
se-lhe as forças, mandou logo fazer uma pe-
quena Capella no seu convénio de S. Fran-
cisco de Lisboa, para ser n'ella sepultado,
elegendo para repouso o convento onde pro-
fessou e deu começo às suas fadigas.
Vagando n'aquelle mesmo anno o bispado
de Coimbra, Filippe III o nomeou bispo d'a-
quellâ diocese e reformador da relação do
Porto, mas, quando chegou a Portugal a no-
ticia, já D. Fr. Bernardino tinha expirado no
dia 5 d'oulubro de 1632.
Jaz na capella-mór da Sé de Viseu.
Foi bispo apenas 1 anno, 2 mezes e 23 dias
— e falleeeu contando 61 annos, 4 mezes e
nove dias de idade.
Era alto, corpulento, rosado, muiio inlel-
ligenle e muito caritativo e seria um dos
mais beneméritos prelados de Viseu, se a
morte o não roubasse tão depressa.
66."— D. Miguel de Castro, 4.\ 1633-1634.
Era sobrinho do bispo do mesmo nome,
de quem já fizemos menção sob o n." 59, e
filho de D. Diogo de Castro, 2." conde de
Basto, vice-rei de Portugal, ele, e de D. Ma-
ria de Távora, filha de Lourenço Pires de
Távora.
Este bispo D. Miguel de Castro foi arce-
diago de Santarém na collegiada de Sauta
Maria d' Alcaçova, do conselho geral do San-
to Offleio, commissario geral da bulia da
santa crusada, conselheiro de estado em Ma-
drid, etc.
Filippe IV de Hespanha e III de Portugal
o nomeou bispo de Viseu em 1633 e, rece-
bidas as bulias da confirmação, mandou to-
mar posse do bispado, posse que por elle
tomaram o deão, mestre escola e vigário ge-
ral de Viseu no dia 17 de março de 1634,
mas infelizmente falleeeu em Madrid no mes-
mo anno a 13 de março, 4 dias antes dos
seus procuradores tomarem a posse, — como
dizem alguns dos seus biographos, porem o
Padre Sousa e outros dizem que falleeeu no
dia 27 d'outubro i.
Nasceu não sabemos quando nem onde,
mas é certo que falleeeu em Madrid no an-
í O cadáver chegou a Viseu no dia 13 de
novembro do dicto anno de 1634.
no de 1634 e jaz na Sé de Viseu, logo à en-
trada, em sepultura com tampa de mármore
vermelho,— lisa e sem armas nem inscripção
alguma,— porque assim o determinou o fi-
nado, como diz o Padre Sousa, citando duas
cartas que se encontram no cartório do ca-
bido.
Em 1734, ou decorridos 100 annos, man-
dando-se compor o pavimento da Sé e fazer
as sepulturas uniformes e de caixa, foi aber-
ta a dieta sepultura e n'ella, alem dos restos
mortaes do bispo, que apenas expostos ao ar
se reduziram a pó, se encontrou a cruz pei-
toral e o annel,— insígnias de que alguém
quiz apoderar-í^e, mas o cabido (honra lhe
sejal) oppoz-se e ficaram encerradas com as
cinzas na sepultura do dicto prelado, como
diz o mesmo Padre Sousa.
Morto D. Miguel de Castro, seguiu-se uma
vacância de 2 annos i e logo no primeiro
(1633) se deram em Viseu 3 factos notáveis
e quasi simultâneos:- uma tempestade me-
donha,—o desabamento da torre dos sinos e
da fronleria da Sé— e uma lucla vergonho-
síssima entre os cónegos e meios cónegos
por causa de certos disiinetivos nas murças.
Veja-se o tópico Sé de Viseu.
67.°— D. Diniz de Mello e Castro, 1636-
1639.
Era ascendente dos condes de Monsanto;
—nasceu na vilia de Collares^ junto de Cin-
tra, e foram seus paes Francisco de Mello e
Castro, alcaide- mór do Outeiro, commenda-
dor de Montalegre, etc, e Brites Nobre.
Doutorou-se era cânones na Universidade
de Coimbra;— foi desembargador da relação
do Porto, da casa da supplicação, dos aggra-
vos e do paço— e regedor das justiças no
anno de 1626. Em 1627 foi eleito bispo de
1 Em 1634, pouco depois de principiar a
vacância, FiHppe III nomeou bispo de Vi-
seu Segismundo Francisco, allemão, filho do
archiduque do Tirol, mas o pae muito pru-
dentemente agradeceu e demittiu a finesa
por ter então o filho apenas tres annos de
idade !
Depois foi bispo d'Auí burgo, na Allema-
nha, com honras de Príncipe, etc.
1622 VIS
Leiria;-em 1636 foi nomeado bispo de Vi
seu e, tendo governado esta diocese 2 an-
nos, foi apresentado na da Guarda em 1638.
Em 23 de maio de 1639 mandou pelo rev.
dr. Luiz Pires da Veiga tomar posse da di-
cta diocese, mas não chegou a entrar n'ella.
porque, tendo ido a Lisboa, ali fall^^ceu no
dia 24 de novembro do mesmo armo de 1639,
como diz o Padre Sousa, mas F. Manuel e
Berardo dizem que falleeeu a 4 de novem-
bro de 1640,— Carvalho e Coldt dizem que
falleeeu a 24 do dieto mez e do dieto anno de
16401...
Botelho, podendo dizer muito d'este bispo,
seu contemporâneo e ultimo do seu eatalo
go, apenas o indicou, para não se tornar sus-
peito louvando o; » mas o Padre Sousa falia
d'elle amplamente no tomo 3." e ultimo do
seu catalogo, fl. 57 a 63, v.
Governando o bispado de Viseu apenas 2
annos, tornou-se por muitos títulos henerae-
rito.
Fez visitar a diocese repetidas vezes por
pessoas idóneas;— era diligentissimo no cum-
primento do raunu- pastoral e no provimen-
to dos benefícios ecclesiasticos;— amava os
pobres como filhos, soccorrendo-os genero-
samente—e foi um dos mais insignes bem-
feitores da Misericórdia de Viseu e de todas
as do seu bispado I
Para evitarmos repetições, vt^ja-se o titulo
Misericórdia.
Também, sendo já bispo de Viseu, com-
prou e mandou para a Sé de Leiria muitas
peças de prata e ricos paramentos.
Jaz na villa de Collares na capella niór da
egreja que foi dos religiosos carmelita? obser-
vantes, em sepultura própria com um longo
epitaphio e um escudo com as suas armas e
as insígnias episcopaes e de regedor das jus
tiças.
Vacância de 82 annos
Por morte de D. Diniz de Mello e Cist^o
em 1639, seguiu-se uma vacância de 32 an-
1 Suppomos até que entre os dois havia es-
treitas relações, pois a este bispo dedicou
Botelho os seus Diálogos.
VIS
nos até 1671, proveniente da grande lucta
entre Portugal e Hespanha, iniciada em Lis-
boa com a gloriosa revolução de 1 de dezem-
bro de 1640,— lucta que durou mais de 27
annos (até 1668) e nos libertou do jugo es-
trangeiro.
Durante a longa vacância foram nomea-
dos para Viseu 8 bispos,— 3 por Gastella e
S por Portugal, mas nenhum d'elles obteve
confirmação apostólica, sendo entretanto go-
vernada a diocese pelo cabido.
Para evitarmos repetições, veja-se o tópico
— Bispos eleitos.
]N'esta longa vacância o cabido (Deus lhe
perdoei) aproveitando ou antes malbaratan-
do as enormes rendas da mitra aecumuladas,
restaurou (deturpou) a Sé, fazendo entre ou-
tras obras a fronteria actual, em substitui-
ção da que havia desabado em 1635, mas
infelizmente, em vez de se inspirar no pri-
moroso estylo architectonieo da velha fron-
teria, que era o mesmo da abobada de D.
Ortiz de Vilhegas, fez o que lá se vê,— uma
obra singellissima, desgraciosa e vergonhosa
em completa desharmonia com a architectura
interior.
Deus lhe perdoe !. . .
Veja-se o tópico relativo à Sé.
Para as ordenações e benção dos Santos
Óleos, etc, recorreram os visienses aos ou-
tros prelados do reino até que falleceram to-
dos, sobrevivendo apenas um,— D. Francisco
de Souto Maior, natural de Lamego, cónego
regrante de Santo Agostinho, D. Prior de S.
Vicente de Fora, procurador geral dos cru-
zios, deão da capella real de Lisboa, provi-
sor e vigário geral d'aquella diocese e bispo
de Targa, por ultimo eleito bispo de Lame-
go e arcebispo de Braga,— homem muito
douto, muito virtuoso e muito vigoroso !
Durante 11 annos foi o unino bispo de Por-
tugnl e suas possessões II...
Tendo nascido em 1590, falleeeu em 1699,
contando a bagatclla de 109 annos de idade
' e 63 de pontificado, durante os quaes orde-
j nou mais de 20; 000 sarcrdoies e confirmou
' talvez mais de uoi milhão de pessoas, pois
era incao-^avel no exercício do múnus epis-
copal e redobrou de zelo quando se viu só
VIS
VIS 1623
á frente da christandade de todo o nosso paiz
e suas possessões.
V. Lamego n'este diecionario e no sopple-
mento.
68.»— D. Manuel de Saldanha, 1671.
Vários auctores dão como prelados de Vi-
seu 3 indivíduos d'e8te nome:— um filho de
Manuel de Saldanha e de D, Leonor de Me-
neses—outro filho de João de Saldanha e de
D. Leonor de Meneses,— outro filho de Fer-
nando ou Fernão de Saldanha e de D. Joan-
na de Noronha, mas parece averiguado que
os dois primeiros são um e o mesmo de que
já fizemos menção no tópico dos Bispos elei-
tos, sob o n.o 10, sendo seu pae João de Sal-
danha e não Manuel de Saldanha, — e que o
2." foi este, de quem no. momento nos occu-
pamos, como diz o Padre Sousa.
D'este prelado D. Manuel de Saldanha faz
menção a Hist. Geneal. C. R., tomo 5.» pag.
369. Era da nobre família Saldanhas, ante-
passados dos condes de Rio Maior, hoje du-
ques de Saldanha; — foi cónego em Lisboa—
e o 1." bispo de Viseu depois da grande va-
cância.
Feita a paz entre Portugal e a Hespanha
em 13 de fevereiro de 1668, tractou logo D-
Pedro II de prover as nossas dioceses e no
mesmo auno apresentou n'esta de Viseu D.
Manuel de Saldanha O papa Clemente X o
confirmou em 1671;— manduu tomar posse
do bispado em 17 de maio e n'elle entrou em
16 de setembro do mesmo anno de 1671,
mas, passados 3 mezes era cadáver, pois fal-
leeeu a 26 de dezembro seguinte e jaz na ca-
pella-mór da Sé de Viseu em sepultura de
mármore lisa, com as suas armas e uma ín-
seripção.
Alguém diz que foi dr. em cânones e su-
míler da cortina de D. Alfonso VI, mas Coldt
í D. Alfonso VI reinou desde 16S6 até
1683, mas seu irmão D. Pedro tirou-lhe a
mulher e a coroa e governou como regente
desde 22 de novembro de 1667 até 12 de se-
tembro de 1683, data do falleeimenio do in-
feliz D. Alfonso VI. Depois o mesmo regente
foi aeclamado rei— D. Pedro II— e governou
como tal até 1706, data em que falleceu.
e Sousa omittem estas cireumstancias, de-
dieando-lhe o Padre Sousa nada menos de
5 fl. do seu interessantíssimo e volumoso ca-
talogo. Também nada, absolutamente nada
diz dos seus actos como prelado.
69.»— Z). João de Mello, Í4.° 1673-1684.
Nasceu pelos annos de 1620 em Évora e
foram seus paes D. Jorge de Mello, vedor da
rainha D. Luisa, mulher d'el-rei D. João IV,
mestre sala do mesmo rei, etc„— e D. Ma-
gdalena de Távora,— família nobilíssima, da
qual procedem os eondes de Murça e da Fi-
gueira-
Foi deputado e inquisidor do santo ofiQcio
em Évora e paroeho da egreja de S. Thiago
na mesma cidade, mas era tão propenso á
vida penitente, que um dia resignou todos
os seus cargos e fugiu para a serra da Ar-
rábida, onde viveu sepultado em uma pe-
quena cella como simples monge cinco an-
nos, no fim dos quaes foi eleito bispo d'El-
vas, onde entrou em 1671 e Iogon'e3se anno
e no seguinte visitou toda a diocese em com-
panhia do venerável Fr. Antonio das Chagas,
missionário apostólico do Varatojo.
Por morte de D. Manuel de Saldanha foi
transferido para a Sé de Viseu, da qual to-
mou posse por procuração em 18 de setem-
bro de 1673 e a governou até 1684, data em
que foi transferido para o bispado de Coim-
bra, onde permaneceu até que expirou na
quinta episcopal de S. Martinho do Bispo em
28 de junho de 1704. Por sua determinação
foi sepultado na egreja dos monges carme-
litas do Bussaco, que elle estimava como fi-
lhos e tanto que com elles costumava viver
a vida mais penitente e austera, — fez-lhes
grandes esmolas e n'aquella thebaida man-
dou construir a capella do Calvário e outras
muitas, nada menos de 20, que ainda hoje
se lá vêem disseminadas pela raatta, embora
em ruinas. Mandou também fazer ali muitas
fontes caprichosas, nomeadamente a celebre
Fonte Fria, que nós em 1851, quando estu-
dávamos ainda preparatórios em Coimbra,
tivemos oceasião de ver como D. João de
Mello a deixou: ^ toda revestida de musgo,
1 Éramos alumno do coUegio então mon-
tado no extincto convento de S. Francisco
1624 VIS
de mosaico e de conchas, escondida entre
arvoredo secular, mas muito mais interes-
sante do que é hoje com a sua ampla esca-
daria, tanques, repuehos e outras decora-
ções á la mode.
Foi um prelado muito virtuoso e muito
generoso para com os pobres, mas de vida
tão austera que só achava prazer na solidão
do Bussaco, identificando-se em tudo com os
santos eremitas.
O seu traje era tão modesto que de ura ju-
bão que usára 20 annos mandou fazer uns
calções 1 Isto em Viseu, montando então as
rendas do bispado a 18 mil crusados, e, de-
pois de ser bispo-conde de Coimbra com ren-
das muito superiores, por vezes de noite se
entretinha a remendar as suas vestes,~conio
diz o Padre Sousa. Pelo contrario gostava de
ver a Sé e todos os templos sempre limpos
e asseados, com o que despendeu muitos
contos de reis.
Em Viseu reedificou e ampliou a capelia-
mór da Sé, dando-lhe mais luz do que linha
e poz-lhe um riquíssimo altar de uma só pe-
dra de fino mármore que mandou vir ex-
pressamente da Arrábida e tinha 17 palmos
de comprimento, 5 de largo e 1 de espessura,
firmada sobre uma columna também de már-
more cora 5 palmos de altura. Dotou tam-
bém a Sé com uma pia baptismal, duas de
agua benta e um púlpito octogono, em forma
de calix, tudo do mesmo mármore da Arrá-
bida—objectos preciosos e dignos de vene-
da Ponte e dirigido pelo rev. Manuel Xavier
Pinto Homem, que depois se doutorou em
theologia, sendo director do grande Collegio
de S. Bento, hoje iyceu, e que por ultimo foi
reitor do seminário de Santarém.
Com o mencionado director, meu patrieio
6 bom amigo (Deus o lenha em bom logarl)
e com lodos os professores e alumnos do di-
cto collegio, fomos era agosto d'aquelle anno
passar uma brevia de 3 dias no extincto con-
vento do Bussaco, então ainda mais despre-
sado e mais arruinado do que hoje, mas com
outra expressão, outro timbre, como se fôra
a própria Thebaida deserta, emquanto que
hoje o seu aspecto mudou.
É uma estancia de gôso, semelhando um
grande parque à imitação dos de Cintra.
VIS
ração,— mas infelizmente, passados annos, o
cabido, dominado pela febre das obras sem
gosto, assim como na grande vacância de-
turpou a fronteria da Sé, na vacância que se
seguiu a D. Jeronymo Soares, — arrancou a
mesa do altar-mór e eollocou-a a modo de
frontal do mesmo,— e o púlpito levou-o para
a egreja de S. Martinho, extra-muros [.. A
Trouxe sempre em missão no bispado de
Viseu differentes padres da congregação do
Oratório, que mandou vir de Freixo d« Es-
pada á Cinta, e lambem algum tempo o ve-
nerável Fr. Antonio das Chagas que, antes
de entrar em Viseu, apenas avistou a cidade,
se poz de joelhos e levantando as mãos dis-
se : pobre cidade, ^e as almas que encerras
estão como as tuas paredes mostram I. . .
Estavam denegridas como a maior parte
dos edifícios da Beira, antes de se abrir á
exploração a linha férrea, que barateou con-
sideravelmente o preço da cal e do sal, pois
este ia da Figueira da Foz, aquella dos For-
nos e Bairrada e a sua conducção era ca-
ríssima.
Tentou fundar um convento em Viseu pa-
ra os Padres do Oratório, de quem era muito
amigo, mas não pôde vencer certas contra-
riedades que se oppozeram, posto que era
bastante enérgico e tanto que excoramun-
gou o corregedor de Viseu Gonçalo Mendes
de Brito por prender no adro e couto da Sé
um criminoso. A questão foi até o tribunal
da legacia,— ultima instancia,— que decla-
rou validas as censuras e mandou que o di-
eto corregedor pedisse ao prelado absolvição
d'ellas e pagasse as custas?!. . .
A sentença tem a data de 2 de dezembro
de 1676.
Não terminou porem aqui o fadário do
pobre púlpito, pois em 187S a camará o re-
moveu d'ali para a capelia do cemitério mu-
nicipal, onde se vê hoje com a mesma appa-
reneia, mas partido em muitos fragmentos
coitados, porque o pedreiro encarregado da
remoção era tão estúpido e foi tão desleixa-
do, que o despedaçou ! . . .
Veja-se o n." 2 no tópico dos Templos ex-
tinctos, onde fallámos da Egreja de S. Mar-
tinho, de que hoje apenas resta a memoria.
VIS
VIS 1625
Celebrou synodo em 7 de setembro de
1681, no qual ampliou as constituições do
bispado, enriqueceodo-as de máximas mys-
tieas 6 moraes em prosa e verso. Coimbra,
1684.
Veja-se o tópico relativo ao bispo D. João
Manuel, n.« 63 da nossa lista.
Mandou fazer ca quinta de Fontello, junto
da Capella do Santo Sepulchro, um hospieio
para n'elle poisarem os missionários do Va-
ratojo, quando viessem a Viseu;— na quinta
de Santa Eugenia fez um hospital para os
pobres, contíguo à capella, com 14 camas
sempre promptas, — 8 para homens e 6 para
mulheres, com todos os commodos para os
doentes e convalescentes,— e, depois que pas-
sou para Coimbra, notando pouca luz na Sé,
mandou-lhe abrir novas janellas, levanlou-
Ihe a torre, ornou-lhe o côro e poz novos e
vistosos retábulos nos altares laleraes, etc,
com o que deturpou também a magestosa
architectura d'aquelle venerando tempb
ainda hoje bem conhecido pelo nome de Sé
velha.
Fez também, como já dissemos, grandes
obras no Bussaco, sua residência favorita; —
restaurou muitas egrejas do bispado, gas-
tando sò com a de S. João de Santa Cruz
mais de quarenta mil crusados;— fez a fun-
damentis o convento das religiosas francis-
canas de Cendelgas; »— ampliou a egreja do
Louriçal;— restaurou a de Semide;— com-
prou para Recolhimento de convertidas o Pa-
ço do Conde, em Coimbra;— deu grandes es-
molas aos jesuítas para a conclusão da ea-
pella-mór da egreja do seu collegio ou da Sé
nova actual;— sagrou a nova egreja do con-
vento de Santa Clara e para ella trasladou
com grande pompa o corpo da Rainha Santa-
Fundou também o Paço da Figueira, que
vinculou em morgado e o deixou a seu so-
brinho D. Antonio José de Mello, cujos des-
cendentes, possuindo aquelle palácio e mor-
gado, foram n'e8te século feitos condes da
Figueira, estando actualmente vendido o di-
1 V. Montemor o Velho, tomo 5.» pag. 515,
col. 1.'
do palácio pelos condes de Murça, que sue-
cederam no dieto morgado aos condes da
Figueira por falta de sueeessão à'estes
Terminaremos dizendo que este benemé-
rito prelado falleceu com opinião de santo
— como diz o Padre Sousa, que lhe dedicou
dois longos capítulos do seu interessantís-
simo Catalogo, desde fl. 84 até fl. 99 do tomo
3." e ultimo.
70.»-^. Ricardo Russel, 1685-1693.
Nasceu na Grã-Bretanha, de paes inglezes^
mas catholicos, pelos annos de 1630; — fez os
seus primeiros estudos na França, em um
collegio dos Padres da Congregação do Ora-
tório e, por insinuação superior, passou ao
nosso paiz para ensinar o idioma inglez á
infanta D. Catharina (irmã de D. Pedro II)
depois de traetado o seu casamento com
Carlos II da Inglaterra, 2— e em Lisboa an-
tes de entrar no serviço do paço, estudou
philosophia e theologia no collegio de S. Pe-
dro e de S. Paulo, seminário dos inglezes ca-
tholicos.
Estando já no paço, ensinando o inglez á
infanta, a rainha D. Luisa, mãe d'ella, costu-
mava consultal-o sobre os negócios de mais
ponderação.
Em 1661 a mesma rainha, sendo regente
na menoridade de D. Affonso VI, nomeou
D. Ricardo bispo de Cabo Verde, mas elle
não acceitou a nomeação.
Em 1662 acompanhou a infanta para a In-
glaterra como seu eapellão mór, esmoler e
sumiler da^cortima e, regressando a Portu-
gal, foi feito bispo de Portalegre. Sagrou-se
em 1671 e fez ali a sua entrada solemneem
março de 1672. Governou aquelle bispado
cerca de 14 annos, até que foi transferido
para o de Viseu, tomando posse por procu-
ração em 18 de novembro de 1684 e fazendo
a sua entrada solemne em 28 d'abril de 1685.
Falleceu na quinta de Fontello aos 15 de
novembro de 1693, contando 63 annos de
idade, e jaz na capella-mór da Sé.
Foi o primeiro bispo que ali se sepultou,
1 Ha bastantes annos que no dicto Paço
está montada uma Assembleia.
2 V. Pinhel, tomo 7.» pag. 71, col. 2.« e
I segg.
1626 VIS
VIS
depois do accrescentamento feito por D. João
de Mello, e na sua sepullura mandou gravar
esta simples inscripção.
EXPECTANS BeATAM
Spem, hic jacet Ri-
CHARDUS.
«Aqui jaz D. Ricardo, aguardando a bem-
avBDturança.»
Foi um bispo illustrado e de bons costu-
mes, zeloso no cumprimento dos seus deve-
res e bastante caritativo nos últimos 3 an-
nos do seu pontificado, pois nos primeiros 5
amos não deu uma única esmola, com o que
se expoz a graves censuras, e, observando-
Ihe isto mesmo um dos seus ministros, res-
pondeu:—que em primeiro logar estava a
virtude da justiça do que a da caridade— e
que os encargos da mitra eram tantos que
ainda não tinha podido ultimar o pagamento
das bulias ^.
Era muito espirituoso e propenso a rir e
folgar, mas severo ao mesmo tempo.
Mandou fazer na matta do convento dos
religiosos franciscanos de Santo Antonio um
grande terreiro circular com assentos de pe-
dra em volta e um cruzeiro no centro;— ali
costumava ir passar no verão as tardes, pa-
lestrando não só com os religiosos professos
mas com os noviços, entrelendo-se com es-
tes a dirigir-lhes graças, galanterias e dietos
joco-serios, distribuindo lhes ao mesmo tem-
po doces que para este fim levava em cai-
xas na sua carruagem ? I . . .
Fez no mesmo convento uma grande en-
fermaria e, para que nada faltasse n'ella, um
bello dia mandou aos religiosos tantas ca-
nastras cheias de cobertores, lençoes, toa-
lhas, ligaduras, pannos mais pequenos, etc,
que os pobres capuchos ficaram espantados !
E com o grande presente mandou também
^ 1 Note-se que o bispado de Viseu rendia
n'aquelle tempo oito contos de réis, que por
certo correspondiam a mais de 16 contos da
nossa moeda actual ? f .. .
uma importante somma de dinheiro para
louça e outras miudesas.
Em signal de reconhecimento, mandaram
os religiosos gravar em uma lapide sobre a
porta da capella da dieta enfermaria uma
inscripção muito lisongeira para o prelado,
mas este apenas consentiu que escrevessem
o seguinte :
Esta enfermaria mandou fazer Ricardo,
BISPO de Viseu
Também nunca tolerou que em parte al-
guma se collocassem as suas armas.
Era tão espirituoso que certo dia aeer-
eando-se d'elle ao mesmo tempo dois cóne-
gos para beijar-lhe o annel, o bispo, sabendo
que um^d'elles era alcunhado Entrudo e o
outro Quaresma, disse com a galanteria que
lhe era própria:— primeiro está o Entrudo e
depois a Quaresma I . . .
Constando-lhe que certo lavrador era to-
dos 08 annos excommungado por não saber
a doutrina, chamou-o e disse-lhe que se den-
tro de 8 dias aprendesse a doutrina que lhe
indicou, lhe daria 40^000 réis. No praso mar-
cado foi o lavrador procurar o bispo, levan-
do a doutrina toda bem decorada. O bispo
deu-lhe promptamente os 40^000 réis, mas
metteu-o no aljube até lá os gastar, por ver
que, se até aquella idade não tinha apren-
dido a doutrina, era por desleixo e despreso,
não por falta de memoria, como dizia.
Sendo D. Ricardo ainda bispo de Portale-
gre e offereceado-lhe D. Pedro II a mitra de
Viseu, partiu a oecultas de Portalegre, ves-
tido como simples padre, montado em uma
cavalgadura sem apparato algum, e dirigiu-
se incógnito a Viseu, para ver se lhe convi-
nha a transferencia. Chegando á povoação
de Calde ao escurecer, procurou commodo;
—indiearam-lhe a casa de certo ecclesiasti-
co;— foi bem recebido; conversaram muito
e, quando se traetava da ceia, notou que os
servia uma menina muito sympaihica e mui-
to bem vestida. Perguntou ao padre se era
sobrinha d'elle. Respondeu negativamente,
allegando fraquesas da humanidade, pois
mal imaginava elle que estava fallando com
VIS
VIS 1627
o seu futuro bispo; tomou porem nota D. Ri-
cardo e, pouco depois da sua transferencia,
mandou chamar o dicto padre a Viseu e per-
guntou-lhe se o coniiecia.
Ficou attonito e respondeu negativamente.
Lenibrou-lhe então D. Ricardo que já tinha
sido seu hospede;— repetiu a palestra com
todos os promenores— e concluiu por dizer-
Ihe que seria seu amigo e protector, se qui-
zesse pôr cobro ao escândalo.
O padre aceeitou com reconhecimento e
docilidade a exhortação e cumpriu. Por seu
turno D. Ricardo metteu a menina em um
convento de freiras,— a mãe d'ella em um
recolhimento— e ao padre deu lhe um dos
melhores bene fidos da diocese? l. .»
Terminaremos este suceinto esboço bio-
graphico dizendo que D. Ricardo costumava
presidir aos exames, tanto de concursos pa-
ra benefleios, como de ordinandos, e era
n'este ponto severo e rigoroso.
Um dia reprovou 16 estudantes sò porque
erraram successivamente a pronuncia da pa-
lavra idolum, fazendo breve a segunda syl-
laba, sendo longa.
Ainda diremos que no seu pontificado se
estabeleceram em Viseu os congregados do
Oratório.
Veja-se o tópico relativo aos Conventos.
Veja-se também o Catalogo do Padre Sou-
sa, tomo 3.0 livro XI, cap. VI e VII, desde
fl. 99, V. até íl. m, onde se encontram lar-
gas e muito curiosas noticias dVste prela-
do i.
li.'— D. Jeronymo Soares, 1694-1720.
Era natural de Lisboa e íilho de João Al-
vares Soares da Veiga Avelar Taveira (pro-
vedor da alfandega d'aquella cidade) e de D.
Maria Soares de Mello, pessoas muito illus-
tres.
Nasceu em 1635; — formou-se em cânones
na Universidade de Coimbra e, vagando ali
no tribunal da inquisição um logar de de-
putado que tinha annexa uma conesia dou-
1 Em 13 de janeiro de 1691 convocou sy-
nodo e n'elle addiccionou ás Constit. do Bisp.
08 4 tópicos seguintes:— 1." Eternidade da
alma;—%'' Eternidade do Paraiso;—3.° Eter-
nidade do corpo;— 4." Eternidade do Inferno.
toral da Sé de Viseu, foi n'elle provido, to-
mandD posse em 1664 e o exerceu até 1669,
data em que foi transferido também como
deputado para a inquisição de Lisboa. D'ali
passou em 1671 para Évora, como inquisi-
dor;—em 1675 foi nomeado membro do con-
selho geral da inquisição de Lisboa— e no
dicto anno foi como procurador da mesma
enviado a Roma, onde se demorou 6 annos
e trabalhou muito com o nosso embaixador
extraordinário D. Fr. Luiz da Silva, bispo de
Lamego, para annuUarem, como annularam,
os titânicos esforços dos judeus contra a in-
quisição.
Em 1690 foi feito bispo d'Elvas;— em no-
vembro de 1694 foi transferido para Viseu;
tomou posse por procuração em 13 do dicto
mez e anno— e no dia 6 de julho de 1695 fez
a sua entrada solemne em Viseu.
Era tão caritativo que vendo a Misericór-
dia sobrecarregada de doentes e com tão
poucas rendas que a despesa com as dietas
corria por conta da mesa, tomou logo a seu
cargo no mesmo anno da 1693 a sustenta-
ção dos doentes e os sustentou durante iodo
o seu pontificado. Deu alem d'Í8S0 á santa
casa muitos dotes para donzellas e em 1705
dois contos de réis em dinheiro, como diz o
Padre Sousa.
Convocou synodo a 8 de junho de 1699
(na oitava do Espirito Santo) no qual
reuniu 350 pessoas entre ecclesiastieos e lei-
gos distiuctos, e reformou e accrescentou as
Constituições da diocese, depois de a ter vi-
sitado pessoalmente.
Reformou também os estatutos de muitas
irmandades e confrarias e em 1703 os da
corporação dos 12 padres coreiros, pois ain-
da se regulavam pelos antiquíssimos estatu-
tos dados pelo prior S. Theotooio 1 . . .
Fez obras em muitos conventos do bispa-
do e o seu maior prazer era dar esmolas,
pelo que nunca saia de casa sem levar pen-
dente da mão esquerda uma grande bolsa
com dinheiro que ia constantemente distri-
buindo.
E soecorria não só os leigos, mas também
os ecclesiastieos pobres, vestindo-os, valen-
do-lhes com dinheiro em cireumstaneias cri-
1628 VIS
VJS
ticas, dando-lhes esmolas para as suas egre-
ja8, ele.
Alem d'isso sustentava não com luxo, mas
com abundância, a sua numerosa família.
Costumava dizer;— O fwew dinheiro é como
açafrão, pois a tudo tinge l
Note-se porem que este prelado tinha boa
fortuna própria e que o bispado então ren-
dia quarenta e cinco mil crusados * ou réis
ISiOOOiííOOO, que certamente equivaliam a
mais de 30:000|íOOO réis da nossa moeda
actual?!...
Era Ião modesto e tão accessivel que, mes-
mo na rua, costumava entreter-se a conver-
sar com os pobres, e não gostava que repi-
cassem os sinos, quando sabia de casa.
Aehando-se elie no paço episcopal da ci-
dade em quarta feira de cinza, 5 de março
de 1710, pesou sobre Viseu uma medonha
trovoada, sendo o chuva a cântaros, a pedra
a montes e os trovões contínuos, e por essa
occasião cahiu um raio na torre dos sinos,
contigua ao paço Rompeu a abobada da
mesma torre, lançando pedras a grande dis-
tancia;— furou largas e grossas paredes; —
arruinou fortíssimas abobadas e soalhos;—
desbaratou as varandas do Collegio e do ca-
bido— e arrancou varias columnas e telha-
dos, etc.
Ficou o santo prelado attonito, porque a
grande descarga eléctrica rebentou junto do
seu quarto. Apenas declinou a tempestade,
foi á janella e, vendo os destroços, ergueu as
mãos ao ceu por não ter ficado sepultado
n'ellas com os seus familiares! Tractoulogo
de fazer amparar as grandes ruinas (o edi-
fício do Collegto foi o que mais soffreu) e em
seguida tudo restaurou, dispendendo gran-
des sommas.
A Sé está muito exposta a
faiscas eléctricas, porque de-
1 É isto o que se lé em uma nota ao Ca-
talogo do Padre Sousa, tomo 3.*, cap. 9.» Q.
117, v.
2 Na mesma Sé cahira lambem um raio
em 1609 e outro em 1635. Este, de que agora
fazemos menção, foi até áqaella data o 3 *
mora em uma eminência, no
ponto culminante da cidade, e
bom fôra que a protegessem
com pára-raios, como tem o
Hospital Novo.
Em agosto do mesmo anno de 1710, foi
Viseu alvoroçada com um acontecimento de
ordem muito diversa, mas não menos ex-
traordinário ;
A 6 do dicto mez,— dia da Transfigura-
ção do SenAor,— chegaram a Viseu 28 reli-
giosas clarissas do convento de S. Luiz de
Pinhel, com algumas criadas, i, pois, em vir-
tude de certas questões que tiveram com o
seu provincial, resolveram abandonar o con-
vento (?!...) e irem pessoalmente queixar-
se ao bispo de Viseu, então bispo de Pinhel
lambem 2, tentando desligarem-se da obe-
diência áquelle e ficarem sujeitas ao bispo
diocesano, como em tempo determinara In-
nocencio VIIL
Acercou se logo da estranha comitiva a
cidade toda com espanto. As freiras para-
ram na rua dos Cavallos, junto dos muros
da quinta de Fontello;— apearam-se dos car-
ros (?) em que fizeram a jornada e, muito
afflictas com o ardentíssimo sol d'agosto «
muito moidas com os tombos e solavancos
das carroças durante as 14 léguas de pés-
simo caminho de Pinhel a Viseu, levantaram
uma cruz que traziam e, pondo-se era fórma
de coro, ali mesmo resaram as horas cano-
* V. Pinhel, tomo 7.» pag. 84, col. 2." e
segg., onde se encontra uma larga descripção
d'aquelle convento, escripta por nós, bem
como todo aquelte extenso artigo, que em
1876 oíferecemos ao nosso benemérito an-
tecessor, mal imaginando que este dicciona-
rio estivesse hoje a nosso cargo! Também
posteriormente lhe offerecemos o artigo
Poiares, freguezia do concelho da Regoa, —
e anteriormente os artigos Miragaya e S. Ni-
colau, freguezia do Porto, alem d'outros.
Bom tempo era aquelle em que nós pas-
seávamos e escrevíamos por distracção, em-
quanto que desde 1884 gememos sobre a
nossa banca de estado, fazendo constante-
mente serão até ás 2 e por vezes 3 horas e
mais depois da meia noite ?! ...
* Veja-se no artigo citado a fundação do
bispado de Pinhel, hoje extincto.
VIS
VIS 1629
oiças. Depois cobriram os rostos com os véus
e, formaudo duas alas, caminliaram dire-
ctamente para a Sé, seguidas por uma mul-
tidão immensa de povo.
Apeuas cliegaram ao adro da Sé, o bispo
mandou fechar as portas do seu {>alacio e or-
denou aos seus ministros lhes fizessem sa-
ber que Dão as aceeitava por súbditas; — o
dr. provisor Jrião Ayres muito severamente
lhes estranhou o arrojo e temeridade; mas
eÚas, aem se importarem com advertências»
insistiram no heu propósito, dizendo que não
queriam ou'ro superior alem do prelado de
Viseu e, vendo as portas da Sé ainda aber-
tas, por haver acabado o côro momentos an-
tes, entraram e fizeram oração.
Mandou logo o bispo fechar as portas da
Sé e levar as chaves para o seu quarto;
— depois mandou-lhes ali um abundante
jantar, servido pelos seus criados graves,
com assistência dos seus capellães, que no
fim do jantar, por ordem do mesmo bispo,
se retiraram, tornando a fechar as portas da
Sé e levando as chaves, pelo que não houve
côro na tarde d'esse dia.
Convocou immediatamente o prelado to-
dos os seus miuisiros e oílieiaes de justiça;
— expoz-lhes o caso — e deu ordem para que
ao pôr do sol fossem conduzidas ao convento
benedictino da cidade, tendo prevenido
aquellas religiosas para que recebessem as
prófugas de Pinhel e as fractassem com ca-
ridade, accommodando-as como podessem e
certificando-lhes que satisfaria todas as des-
pezas,—o que tudo pontualmente se cum-
priu.
Também concedeu ás religiosas de Pinhel
o côro baixo para resarem o officio divino
ao tempo era que as benedictinas resassem
no côro alto.
Não cessavam as prófugas de instar, pe-
dir, rogar e supplicar, mas não mudou de
resolução e obrigou-as a voltarem para o
seu convento de S. Luiz de Pinhel, para o
que mandou vir de Lamego e de Coimbra
17 liteiras, por não haver ao tempo em Vi-
seu liteira alguma d'aluguel, e em outubro
do mesmo anno, — bem contra vontade — se-
VOLUME XI
guiram nas 17 liteiras para Pinhel, acompa-
nhadas pelos ministros ecclesiasticos e se-
culares de Viseu e por outras muitas pes-
soas nobres da mesma cidade, em attenção
ás dietas religiosas e ao prelado, que fez to-
das as despezas da conducção e outras mui-
tas em Roma para sanar a tempestade, como
diz o Padre Sousa.
A retirada das freirinhas do seu convento
e a viagem até Viseu devia ser triste e pe-
nosa, por ser feita em agosto,— no rigor do
verão, — e em carros de lavoura, tirados por
bois, que, para vencerem as taes 14 legoas
de barrancos por certo não gastaram menos
de 5 dias. Em compensação regressaram por
tempo muito mais benigno,— m outubro, —
e com o apparato de princesas, pois n'aquelle
tempo e por aquelles sítios o melhor e mais
luxuoso transporte eram as liteiras e talvez
que nunca entrassem tantas a um tempo em
Pinhel! Só as das freirinhas eram 17— e
muito provavelmente em liteiras foram tam-
bém alguns dos ministros e fidalgos que as
acompanhavam, indo outros em sella. E de-
viam acompanhar a comitiva muitas baga-
geiras com roupas e mantimento, pois desde
Viseu até Pinhel ainda nem hoje se encon-
trariam commodos para tanta gente e tantas
cavalgaduras durante 3 dias, que menos não
gastaram por certo com a viagem.
Devia ser uma cavalgata brilhantíssima,
imponentíssima e estrondosíssima, porque os
machos das liteiras iam sempre carregados
de campainhas, para não se espantarem.
Imagine se pois o barulho que fariam 34 va-
lentes machos, sacudindo a um tempo pelo
menos 34 dúzias de campainhas, — total
408?!...
No artigo Villa Real de Traz-os- Montes
(vol. XI, pag. 989, col, 1.» e segg.) mencio-
námos um episodio monástico interessante,
mas este é talvez mais interessante ainda —
e mais interessante seria se podessemos en-
trar em pormenores.
Em 1713 um incêndio consumiu parte do
paço episcopal da Sé. Teve principio na co-
sinha e rapidamente se alastrou pelo edifl-
I cio até o quarto do prelado, que era conti-
103
1630 VIS
VIS
guo à cisterna. A custo o salvaram por meio
d'uma escada que encostaram á janelia, e
teve de acolher-se ao paço de Fontello. Con-
tava o santo bispo então já 78 annos, mas
ainda mandou reconstruir tudo o que o in-
cêndio destruirá.
Durante muito tempo deu 200^000 réis
por anno para as obras do convento dos Con-
gregados, hoje Seminário.
Expirou na quinta de Fontello no dia 18»
de janeiro de 1720, tendo recebido com a
maior compuncção o sagrado Viatieo que foi
da Sé com grande pompa, levado pelo deão
acompanhado pelos cónegos, todos paramen-
tados com as suas capas mais ricas.
Falleceu ja decrépito, contando 85 annos
de idade e 30 de pontiflcado nas duas dioce-
ses, deixando uma memoria veneranda.
Jaz na capella-mór da Sé de Viseu.
Quem pretender mais amplas noticias
d'este santo prelado veja o Catalogo do Pa-
dre Sousa, tomo 3,°, desde fl. H2 até fl.
128, V.
Século XVIII
Vacância de 20 annos
Por morte do insigne prelado D. Jeronymo
Soares seguiu-se uma longa vacância de 20
annos, proveniente das graves desinteiligen-
cias entre a nossa côrte e a de Roma.
Parece que, tendo o papa Clemente XI pe-
dido em 1717 auxilio contra os turcos ao
nosso rei D. João V, enviando-lhe este prom-
ptamente uma armada, depois o nosso rei
lhe pedira o barrete de cardeal para mr. Bi
chi e o papa lh'o recusou.
Por esta e outras rasões, D. João V, ma-
goado, interrompeu as relações com a côrte
de Roma durante 15 annos, chegando a or-
denar que o pairiarcha de Lisboa exercesse
as funcções de poniitiee em Portugal e seus
1 Goldt, Berardo, F. Manuel e outros dizem
que falleceu no dia 28 de janeiro, mas o Pa-
dre Sousa, que muitíssimo respeitamos, diz
claramente que falleceu no dia 18 de janeiro i
de 1720. I
Este prelado é o ultimo do Cataloqo de '
Coldt. ,
domínios, até que o papa Clemente XII poz
termo ao scisma em 1733.
Em virtude d'aquellas desintelligencias
achavara-se vagas as dioceses de Braga, Por-
to, Évora, Lamego, Coimbra, Elvas, Guarda,
Miranda, Portalegre, Funchal e Viseu, pelo
que D. João V tractou de as prover. Em
1739, segundo diz o Padre Sousa, nomeou
bispo de Viseu Jorge Pereira de Sande, que
se executou, i— e D. Fr. Antonio de Guada-
lupe, bispo do Rio de Janeiro, que não che-
gou a tomar posse, por fallecer em Lisboa
no dia 31 d'agosto de 1740,— seis dias de-
pois de desembarcar. 2
Terminou esta grande vacância com a no-
meação do prelado seguinte— D. Julio Fran-
cisco d' Oliveira— uo mesmo anno de 1740 e^
durante ella, o cabido, em contravenção das
disposições do concilio de Trento, governou
por si directamente o bispado e fez algumas
obras. Entre ellas concluiu a restauração da
antiquíssima egreja de S. Miguel do Fetal, —
restauração que o benemérito bispo D. Je-
ronymo Soares principiou, como já dissemos
no tópico Egrejas.
72 °— y». Julio Francisco d'Oliveira, 1740-
1765.
Durou nada menos de 25 annos o ponti-
ficado d'este bispo.
É nmito interessante a sua biographia e
pouco trabalho nos deu, porque só tivemos
de exlractar e resumir a esplendida biogra-
phia que se encontra, como já dissemos, no
interessamissimo Catalogo do Padre Sousa,
tomo 3.°, desde fl. 242;— ficou porem tão
longa ainda, que resolvemos dal-a no sup-
plemento, beni como a do bispo e cardeal
D. Miguel da Silva.
V. Viseu no supplemento a este dieciona-
rio; — entretanto ficam as duas pobres bio-
graphias á disposição dos leitores n'esta sua
humilde casa.
73.° — D. Francisco Mendo Trigoso, 1.°,
1770-1778.
Era íilho primogénito de Francisco Mendo
1 Veja-se a lista dos Bispos duvidosos.
2 Veja-se a lista dos Bispos eleitos e o Ca-
talogo de Sousa.
VIS
VIS 1631
Trigoso, dos Trigosos de Torres Vedras, e de |
D. Antónia Theresa de Aragão, pessoas no-
bilíssimas. Tal era a sua vocação para o sa-
cerdócio, que renunciou aos direitos da pri-
mogenitura;— ordenou-se;— doutorou se em
cânones na Universidade de Coimbra— e, de-
pois de servir vários empregos, el rei D.
José I o nomeou bispo de Viseu, onde fez a
sua entrada solemne no dia i6 de dezembro
de 1770,— anno em que o papa Clemente XIV
erigiu o bispado de Pinhel— com os 3 arey-
prestados de Viseu: — Pinhel, Trancoso, e
Castello Mendo— e com as egrejas que per-
tenciam ao bispado de Lamego na região
de Cima- Côa.
V. Pinhel, tomo 7.» pag. 64, col. 2.» e segg.
Foi um prelado muito virtuoso e muito
generoso— e falleeeu no dia 19 de setembro
de 1778.
Jaz na Sé de Viseu junto da capella mór,
em uma das 3 sepulturas de bispos que ahi
se acham. É a do lado do evangelho.
Em 1777,— anno em que falleeeu el-rei D.
José,— deu este bispo á Misericórdia de Vi-
seu 4:800i^000 réis para alimento dos con-
valescentes.
D'este prelado foi sobrinho o celebre dr-
Manuel Paes Trigoso, lente de prima em câ-
nones e vice-reitor na Universidade de Coim-
bra, desembargador do paço, ete.,— e d'este
foi também sobrinho o dr. Francisco Manuel
Trigoso d'Aragâo Morato, lente de direito
em Coimbra, deputado ás cortes em 1820 e
1826, ministro e conselheiro d'estado, sócio
e vice-presidente da Academia Real das
Sciencias, vice-presidente da camará dos
pares, etc— homem muito illustrado e um
dos 4 primeiros philologos e mestres da lín-
gua portugueza no seu tempo. Os outros
eram D. Francisco de S. Luiz, D. Francisco
Alexandre Lobo e o dr. Agostinho de Men-
donça Falcão, sócio da Academia Real das
Sciencias, ete. ^
74.0—0. José Antonio Barbosa Soares,
Í779-1782.
1 V. Pinhanços, tomo 7.» pag. 43, col. 1.»
in-fine. Era pae do nosso bom amigo e cy-
reneu, o sr. dr. Nicolau Pereira de Mendonça
Falcão.
Era natural da freguezia de Baldreu ou
Valdreu, concelho de Villa Verde, no Minho,
e foi lente de cânones na Universidade de
Coimbra. Foi eleito bispo de Viseu em ou-
tubro de 1778; sagrado em 2 de maio de
1779; tomou posse por procuração em 13 do
dicto mez; chegou a Viseu em 29 de junho;
fez a sua entrada solemne no dia 2 de julho
de 1779, e falleeeu em 25 de novembro de
1782.
Jaz na Sé de Viseu, junto da sepultura do
seu antecessor, do lado da Epistola, onde se
vêem as suas armas com uma inscripç5o já
diífleil de ler.
Nada mais sabemos d'este prelado.
75.° — D. Fr. José do Menino Jesus, l.° do
nome, 1783-1791.
Era natural da Cachoeira, arcebispado da
Bahia;— foi frade carmelita e, tendo sido
eleito e confirmado bispo do Maranhão,
quando se dispunha para a viagem foi trans-
ferido para a diocese de Viseu, onde fez a
sua entrada solemne em 8 de dezembro de
1783.
Foi um bispo illustrado, generoso e aman-
te d'obras d'arte.
Deu á eaihedral um rico paramento bran-
co completo — e ao cabido as roais preciosas
esculpturas que tem a cidade de Viseu! São
ellas :
— Uma primorosa imagem do Senhor Cru-
cificado, feita de marfim e de uma só peça,
exceptuando os braços, sendo maior do que
as imagens de marfim, feitas de um só dente
de elephante.
—Outra primorosa imagem do Menino Je-
sus, despido e encostado a uma penha, sobre
uma peanha -de madeira dourada, mettida
em um oratório de madeira também doura-
da e envidraçado por 3 lados.
— Outra imagem perfeitíssima, represen-
tando o moço Tobias acompanhado pelo anjo
na sua jornada a Ruges, na Media, para re-
ceber de Gabélo o que este devia a seu pae,
que se achava cego e doente.
Visitou o bispado duas vezes e tinha in-
tenção de ampliar a eathedral, mas infeliz-
mente, estando em Castellões, freguezia do
concelho de Tondella, ali falleeeu no dia 13
VIS
VIS
de janeiro de 1791, na casa da quinia da
Cruz, que foi do dislineto fidalgo Antonio
Xavier Telles d'Almeida Cardoso.
Fallecendo esle sem geração, posto ser ca-
sado com D. Maria da Piedade Azevedo, a
dieta casa. depois d'abolidos os vínculos, pas-
sou para os sobrinhos da viuva, dos quaesé
irmã e co-herdeira a ex."" sr.* D. Maria da
Piedade de Lemos e Azevedo, esposa do sr.
dr. Nicolau Pereira de Mendonça Falcão,
nosso principal cyreneu n'e8te artigo *.
Fallecido o prelado em CastellÕes, ali fo-
ram o cabido incorporado e o clero todo de
Viseu receber o cadáver e o conduziram pa-
ra a Sé, onde jaz, ao fundo da capella mór,
do lado do evangelho, na mesma sepul-
tura em que posteriormente foi enterrado
também o bispo Lobo no anno de 1844.
76 ° — /), Francisco Monteiro Pereira de
Azevedo, 2.° 1792-1819.
Era natural de Rezende, da nobre família
dos seus appellidos e ascendente da nobilís-
sima casa daá Brolhas e da dos Albergarias
de Lameso.
Foi lente de direito na Universidade de
Coimbra e fez a sua entrada solemne em Vi-
seu no l." de novembro de 1792. «Nós o co-
nhecemos (diz Berardo) nunca esquecido
d'aquella máxima — Bona Ecclesiae suntpa-
trimonia pauperum.»
Effectivamente foi um dos prelados mais
virtuosos, mais modestos e mais caritativos
que até hoje tem tido Viseu!
Vivia e vestia com a maior simplicidade;
—nunca enthesourou um ceitil — e dava tu-
do aos pobres, inclusivamente as próprias
roupas.
Visitou o bispado e, para melhor admi-
nistração d'elle, subdividiu os arcyprestados:
— o do Aro em S;— o de Mòens era 2;— os de
Besteiros, Pena Verde e Lafões cada um em
3,— e por provisão de 11 de julho de 1807
instituiu as 5 paroehias suburbanas, anne-
xas á cathedral, subsidiando os respecti-
vos curas com as rendas da milraL,— grande
1 Veja se o tópico das Quintas notáveis —
e os artigos Pinhanços, Paredes da Beira e
Villa Nova d' Ourem.
documento de desinteresse de que se aponta-
rão mui raros exemplos,— àiz Berardo.
Era 1808, surgindo em Viseu uma revolta
militar contra o g^^neral da província, Flo-
rêncio José Correia de Mello, e contra o juiz
de fora João Bernardo de Vilhena, a pretex-
to de jacobinagera e de falta de pagamento,
foram presos aqnelles dois funccionarios pela
tropa e por alguns paisanos que tomaram
parte no motim e, como \iseu ficasse sem
aucturidades. dirigiram-ne ao p;iço episco-
pal da Sé e obrigaram o venerando prelado
a eucarregar-se interinamente do governo
da cidade, — sacrificio enorme que elle aecei-
tou para acalmar os desordeiros e obviar a
maiores desgostos.
Durou pouco tempo tão anqmalo estado de
cousas, pois o governo sem demora mandou
para Viseu uma alçada que, procedendo a
devassa, culpou muitos millares e cidadãos
6 os enviou presos para a Relação do Porto,
em cujas cadeias .'^econservaram^té que, em
29 de março de 1809, entrou Soult no Por-
to e as cadeias foram abertas.
Saíram lambem então os dietos presos e
tomaram o rumo que bem lhes approuve, não
se importando mais cora elles a justiça, por
causa da guerra da península que se pro-
longou até 1814.
Também no pontificado d'e8te bispo se
renovaram as velhas questiúnculas entre os
cónegos e meios cónegos de Viseu por causa
das vestes.
Tendo os cónegos obtido privilegio para
poderem usar de meias e cintos vermelhos
e de borlas verdes nos chapéus, com expressa
exclusão dos meios cónegos, estes demanda-
ram-nos e venceram o pleito, como já tinham
vencido outro pleito semelhante em 1635.
Vejam-se os tópicos relativos á Sé e ao
Cabido.
Em 1810 occuparam os inglezes todo o
paço episcopal da Sé, o claustro e o edifieio
do Collegio com o hospital militar, que ali
se conservou muito tempo, pelo que o pre-
lado mudou para o paço de Fontello e ali
permaneceu, bem como os seus successores
Mandou este prelado fazer o órgão grande
VIS
VIS 1633
da Sé, em substituição do antigo, que se sup-
põe ter sido feito pelo mesmo couslruetor do
de Santa Cruz de Coimbra. O novo órgão da
Só de Viseu foi feito em 18i4 a 1819 por
Luiz Antonio dos Santos, o engenheiro, assim
cognommado porque, tendo sido um sim-
ples carpinteiro, chegou a ser um organeiro
distincto.
Não acabou o dicto órgão porque, durando
ainda as obras quando falleceu este prelado,
depois o seu successor, D. Francisco Ale-
xandre Lobo, vendo que ellas estavam ca-
ríssimas por serem feitas a jornal, quiz
concluil-as por ajuste, mas o constructor não
annuiu— e assim ficou o órgão até bojei
O prelado D. Francisco Pereira gastou
cou elle mais de vinte mil crusados I
Também lançou a primeira pedra ao novo
hospital da Misericórdia e deu logo para o
principio das obras i:312i^000 réis.
V. Misericórdia.
Falleceu este venerando prelado no dia 3
de fevereiro de 1819 e jaz na Sé, ao fundo da
capeila mór, na mesma sepultura do bispo
D. Manuel de Saldanha, fallecido em 1671.
Século XIX
11." — D. Francisco Alexandre Lobo, 3.° do
nome, 1819-1844.
Nasceu em Beja no dia 14 de setembro de
1763 6 foram seus paes Manuel Lobo da
Silva e D. Antónia Maria Lobo.
Foi doutor em theologia e lente da mesma
faculdade na Universidade de Coimbra, freire
professo na ordem de Christo, sócio da Aca
demia Real das Scieneias e bispo de Viseu
eleito era maio de 18i9 e sagrado em 16 de
julho de 1820, mas só entrou na sua diocese
no dia 17 de novembro do dieto anno.
Foi lambera nomeado par do reino e mi-
nistro do reino pela infanta regente em 1826,
— e o sr. D. Miguel o nomeou em 1828 con-
selheiro de estado e reformador geral dos
estudos, logar que resignou em 1831, reti-
rando-se para a sua diocese.
Em Coimbra morou no celebre Collegio
dos Militares, viveiro que tantos sábios e
homens illustres produziu, taes foram— An-
tonio Ribeiro dos Santos, D. João de Maga-
lhães e Avellar, bispo do Porto, D. Fr. Fran-
cisco de S. Luiz, cardeal patriarcha, Antonio
Pinheiro d'Azevedo, vlee-reitor da Univer-
sidade, etc, etc.
D. Francisco Alexandre Lobo atravessou
um dos períodos mais turbulentos da histo-
ria d'este século e, por haver seguido e
servido o partido de D. Miguel em 1834,
pouco depois da convenção d'Evora Monte,
emigrou para França, onde permaneceu até
1844, data em que regressou ao paiz. Tendo
reconhecido o novo governo da rainha a sr.»
D. Maria II, dispuoha-se a volver á sua dio-
cese, mas infelizmente adoeceu em Lisboa
antes de partir e ali falleceu no mosteiro das
religiosas Flamengas do Calvário, em 9 de
setembro de 1844, contando 81 annos de
idade, pois nasceu em setembro de 1763,
como diz Innocencio Francisco da Silva.
Em cumprimento das suas disposições tes-
tamentárias foi o seu cadáver transportado
para Viseu e depositado na egreja do Semi-
nário;—d'ali foi levado com grande acompa-
nhamento na tarde de 18 de dezembro para
a Sé, onde lhe fizeram exéquias solemnes no
dia 19 do dicto mez e anno de 1844,— e em
seguida foi sepultado na mesma Sé, onde
jaz ao fundo da capella-mór, em sepultura
sem armas. É uma das 4 que ali se vêem
(a 1." do lado do Evangelho, contando do
centro) — a mesma onde fôra sepultado o
bispo D. Fr. José do Menino Jesus.
Quando partiu para o estrangeiro nomeou
0 seu vigário geral governador da diocese,
mas o governo liberal não o reconheceu e
nomeou de motu próprio para esta e outras
dioceses governadores e vigários capitulares,
que muitos fieis não reconheceram, accei-
tando por seus pastores unicamente os vigá-
rios geraes nomeados pelos bispos e a esses
vigários recorriam clandestinamente. Deu
isto causa a um schisma e cruéis persegui-
ções, sendo muitas pessoas mettidas na ca-
deia, outras barbaramente espancadas e al-
gumas inclusivamente assassinadas, como
succedeu ao infeliz abbade de Guardão, con-
celho deTondella,n'este bispado,— Francisco
d'Azevedo, da nobre família Azevedos, de
1 Paredes da Beira, doutor em cânones pela
1634 VIS
VIS
Universidade de Coimbra. Morreu queimado
vivo na sua casa de Casal d' Asco, em Bestei-
ros, á qual 08 regalistas deitaram o fogo,
porque aquelle infeliz abbade não quiz dar-
se à prisão, ao ver a sanha dos seus perse-
guidores íontra elle pelo crime de obedecer
ao governador da diocese nomeado pelo bis-
po e não ao intruso, nomeado pelo gover-
no?!...
Em 1824 este bispo, d'accordo com os
congregados do Oratório, obteve a casa que
estes tinham em Viseu e para ella transfe-
riu o seminário diocesano que estava no
Collegio, contíguo á cathedral.
Foi um dos bispos mais illustres do seu
tempo, tanto em letiras como em virtudes.
Era um philologo distinctissimo, talvez su-
perior aos grandes philologos seus contem-
porâneos Francisco Manuel Trigoso d' Ara-
gão Morato e D. Francisco de S. Luiz,— e foi
também fecundo e distineto escriptor pu-
blico.
Pôde ver-se a lista das suas obras no Dic-
cionario BibliograpJiico de Innocencio, tomo
2.», paginas 324 e 325, e nos additamentos
do mesmo tomo, pag. 476 e 477.
• O bispo Lobo (diz Innocencio) foi no seu
tempo e é ainda hoje havido na conta de ho-
mem de vasta lição, muito instruído nas
sciencias próprias do seu estado, e versado
em todos os ramos da philologia e littera-
tura amena. Infelizmente as questões politi-
cas, em que tomou parte, mais activa talvez
do que convinha a um verdadeiro suecessor
dos apóstolos, flzeram dividir a seu respeito
as opiniões dos partidos, sempre exageradas
e muitas vezes injustas. . . Porem os críticos
de um e outro lado concordam geralmente
em considerar o bispo de Viseu como um
dos escriptores, que nos tempos modernos
souberam imitar mais de perto os nossos an-
tigos clássicos no que diz respeito á proprie-
dade da locução, pureza da linguagem, e á
correcção d'estylo. O sr. Alexandre Hercu-
lano fallando da Memoria acerca de Fr. Luiz
de Sousa, não duvidou qualificai -a de mo-
dêlo de consciência litteraria, de erudição, ^
de estylo. (V. o prologo aos Annaes de D.
João III, pag.|9.)— Comtudo o sr. Lopes de
Mendonça, no estudo que ha pouco publicou
sobre D. Francisco Alexandre Lobo, no to-
mo II, pag. 5 a 36 dos Annaes das Sciencias
e Letras, afastando-se algum tanto da opi-
nião eommum, tracta o prelado com mais
desabrimento, e rebaixando os quilates do
seu mérito, julga excessivos os louvores que
outros lhe teem prodigalisado.»
Respeitamos muito a opinião do sr. Lopes
de Mendonça, mas tem mais peso a de Ale-
xandre Herculano.
Na interessante Memoria sobre a vida de
D. Francisco Alexandre Lobo, etc. por Fran-
cisco Eleuiherio de Faria e Mello, 1844, (V.)
se encontram muito copiosas e largas noti-
cias com relação ao biographado, seu con-
temporâneo e companheiro na emigração.
78."— D. José Joaquim d' Azevedo e Moura,
3.% 1846-1856.
Era deão em Évora;— foi nomeado bispo
de Viseu pela rainha D. Maria II, em 20 de
setembro de 1845;— o papa Gregorio XVI o
confirmou em 19 de janeiro de 1846;— foi
sagrado em S. Vicente de Fóra no dia 29 do
seguinte mez de março;— tomou posse por
procuração no dia 19 de julho e fez a sua
entrada solemne em Viseu no dia 27 do
mesmo mez e anno de 1846. — Foi transferi-
do para Braga em 27 de fevereiro de 1856;
— confirmado por Pio IX em 17 de julho do
mesmo anno,— e partiu de Viseu por Lame-
go para Braga em 4 de novembro seguinte.
Em 1875, achando-se adiantado em annos,
pediu coadjuetor e, sendo-lhe dado como
coadjuctor e futuro suecessor o arcebispo de
Gôâ—D. João Chrysostomo d' Amorim Pessoa,
natural da villa de Cantanhede e hoje (1887)
arcebispo resignatario de Braga, partiu D.
José Joaquim d'Azevedo e Moura em 14 de
julho de 1875 para a sua casa de Évora, on-
de falleeeu em 27 de novembro de 1876. *
1 Se bem nos recordamos, já antes de 1875
lhe havia sido dado por coadjutor e futuro
suecessor D. José Maria da Silva Torres,
egresso benedictino, arcebispo resignatario
de Gôa, doutor em theologia e professor de
philosophia moral no Collegio das Artes, em
Coimbra; veiu porem de Gôa muito doente
e falleeeu pouco depois de chegar a Lisboa.
VIS
VIS i635
Foi ura prelado extremamente. . . econo- í
mico 6 tanto que ao partir de Viseu não dei- i
xou no paço coisa alguma para o seu sue- i
cessor. ^
Mandou vender tudo, inclusivamente uns i
pobres canários, pelo que ainda hoje em Vi
seu é denominado Bispo dos canários. ^
79.°— D. José Manuel de Lemos, 4." do no-
me, 1856-1858.
Foi dr. de capello, lente de theologia e
viee-reitor na Universidade de Coimbra, on-
de governou também algum tempo a diocese
como vigário capitular;— em 25 d'outubro
de 1853 foi nomeado bispo de Bragança;—
em 5 de março de 1856 foi transferido para
Viseu, aoode chegou no dia 31 d'outubro e
fez a sua entrada solemne em 6 de novem-
bro do mesmo anno de 1856.
Do bispado de Viseu foi transferido para
o de Coimbra em 23 d'abril de 1858;— foi
confirmada a sua transferencia por Pio IX
em 27 de setembro e deixou Viseu em 22 de
novembro do mesmo anno de 1858. Final-
mente falleeeu em Coimbra às 11 horas da
noite do dia 26 de março de 1870, havendo
completado 79 annos no dia 17 do dieto mez,
pois nasceu na aldeia de Ruriz, freguezia de
S. Mamede de Troviscoso, concelho de Mon-
sâo, distrieto de Vianna, areyprestado de
Valença, no dia 17 de março de 1791,— e fo-
ram seus paes Manoel José de Lemos e Ma-
ria Luisa Fernandes, como prova a certidão
seguinte, extrahida de um dos livros findos
d'aquella parochia, fl. 178.
Eil-a:
tJosé Manoel, filho legitimo de Manuel José
de Lemos e de sua mulher Maria Luisa Fer-
nando?, do logar de Ruriz, d'esta freguezia,
de S. Mamede de Troviscoso, termo de Mon-
A D. José Maria da Silva Torres succedeu
no arcebispado de Gôa D. João Chrysostomo
e esiH mesmo, regressando da índia, passa-
dos alguns annos, succedeu ao arcebispo de
Braga D. José Joaquim d'Azevedo e Moura.
1 Nascíu em Alfandega da Fé no dia 18
d'outubro de 1794;— foi ministro dos negó-
cios ecelesiastieos e da justiça por decreto de
21 de fevereiro de 1848— e exonerado por
decreto de 29 de março do anno seguinte.
são, neto pela parte paterna de Vasco de Le-
mos e de sua mulher Joanna de Faria, e pela
materna de João Fernandes e de sua mulher
Francisca Luisa Rodrigues, todos do logar
de Ruriz, d'esta freguezia de S. Mamede de
Troviscoso, nasceu aos dezesete dias do mez
de março do anno de mil setecentos noventa
e um e foi baptisado aos dezenove dias do
mesmo mez de março do dicto anno por mim
0 reitor Luiz Manuel Soares de Brito, e lhe
puz os santos óleos. Foram padrinhos Ma-
nuel Fernandes, solteiro, do logar de Ruriz,
e Marianna Rodrigues, do logar de Cristello,
todos d'esta freguezia de S. Mamede, estan-
do presentes por testemunhas Francisco
de Passos, do logar da Igreja, e Antonio Jesé
de Lemos, do logar de Ruriz, todos d 'esta
freguezia, e para a todo o tempo constar fiz
este assento no mesmo dia, mez e anno. Era
ut supra. O reitor Luiz Manuel Soares de
Brito,— Francisco de Passos,— Antonio José
de Lemos.— E não contem mais o dicto as-
sento e ao próprio livro me reporto. Valença
30 de março de 1812. E eu Joaquim Luiz
Pinto de Sousa e Azevedo, ajudante dos li-
vros findos, que o escrevi e assignei. Joa-
quim Luiz Pinto de Sousa e Azevedo.»
Fez o seu curso de humanidades— latim,
lógica e rethoriea,— nas aulas dos congrega-
dos do Oratório, de Monsão;— em 1815 foi
para Évora como secretario do arcebispo D.
Fr. Joaquim de Santa Clara;— vivendo ainda
este prelado e achando-se na sua companhia,
recebeu as ordens de presbylero em Lisboa
no dia 24 de junho de 1816— e cora o mes-
mo prelado se conservou até á sua morte,
merecendo que o cabido d'Evora lhe passas-
se em 1818 um attestado dos seus serviços
muito honroso.
No mesmo anno de 1818 matriculou-se em
theologia na Universidade de Coimbra e na
mesma faculdade se doutorou em 3 d'outu-
bro de 1824, passando em seguida a paro-
ehiar a egreja de Castello Viegas, concelho e
bispado de Coimbra, a qual era da apresen-
tação da universidade,- e ali se conservou
sempre estimado pelos seus paroehianos até
que em 1828, por ser tido como liberal, teve
1 de retirar-se para Lisboa.
1636 VIS
VIS
Em junho de i834 foi nomeado governa-
dor temporal e vigário eapitular do bispado
" de Piniiel, d'onde se ausentou por falta de
saúde em 1835, regressando a Coimbra, on-
de foi logo nomeado professor proprietário
da cadeira de grego do Collegio das Ar-
tes.
Em setembro de 1836 foi nomeado gover-
nador temporal e vigário capitular do bis-
pado de Coimbra,— commissão que desem-
penhou até agosto de 1842, passando então
a reger na universidade uma cadeira de theo-
logia, na qual havia sido provido em 1840,
— e em 1844 passou a lente cathedratico.
Em 1843 foi nomeado deão da Sé de Coim-
bra—e em 18 d'abril de 1850 vogal do con-
selho d'instrueção publica.
No fim de 1851 foi nomeado viee-reitor da
Universidade, cargo que exerceu até 1854.
sendo por essa oceasião agraciado com a
commenda de Nossa Senhora da Conceição
de Villa Viçosa, havendo já sido agraciado
em 1853 com a carta de conselho, etc.
Terminaremos dizendo que foi nosso pre-
lado na universidade desde 1851 até 1854—
6 que desde então até 1856, data da nossa
formatura, foi prelado da universidade o
nosso patrício e bom amigo, o sr. dr. José
Ernesto de Carvalho e Rego, que Deus haja.
80.°— D. José Xavier da Cerveira e Sousa,
6.0, 1859-1862.
Era natural da freguezia de Mogofores,
concelho e comarca da Anadia, distrieto de
Aveiro; — foi dr. de capello e lente de theo-
logia na Universidade de Coimbra;— eleito
bispo do Funchal, capital da ilha da Madei-
ra, em 14 de junho de 1843;— transferido
para o bispado de Beja por decreto de 18 de
abril de 1849, d'onde foi transferido para
Viseu, era 1859, chegando a esta cidade em
5 de outubro e fazendo n'ella a sua entrada
solemne em 23 do dicto mez e anno de
1859.
Este prelado, querendo que o seu clero
vestisse com a decência própria do seu es- i
tado, prescreveu-lhe certa ordem de traje,
mas o clero recalcitrou f Desobedeceram-lhe
muitos ecclesiasticos, incluindo alguns dos
seus familiares, pelo que abandonou a dio-
cese 6 se recolheu á sua casa de Mogofores,
onde falleceu ralado de tribulações e desgos-
tos no dia 15 de março de 1862.
81." — D. Antonio Alves Martins, i.° do no-
me, 1862-1882.
Nasceu na pequena aldeia da Granja, fre-
guezia, concelho e comarca d'Alijó em Traz-
os-Montes, no dia 10 de fevereiro de 1808.
Foi religioso da 3.» ordem de S. Francisco
da penitencia ou dos borras, na qual profes-
sou a 21 de maio de 1825;— matriculou se
np 1.» anno iheologico na Universidade de
Coimbra em 1827-1828;— em virtude das
occorrencias politicas (acclamação de D. Mi-
guel) que ao tempo occorreram, fechou-se a
Universidade em 1828-1829, pelo que o
nosso biographado teve de frequentar o 2.»
anno -iheologico em 1829 a 1830— e o 3.» em
1830 a 1831, sendo sempre estudante dis-
tineto.
Rebentando a guerra civil, fechou-se ou-
tra vez a Universidade em 1832 e elle adhe-
riu á revolução contrá D. Miguel;— abando-
nou o convento, fez parte d'uma guerrilha
liberal— e certo dia foi com outros compa-
nheiros aprisionado cora as armas na mão
pelas tropas de D, Miguel e conduzido para
Viseu para ser julgado pela commissão de
guerra ali ao tempo installada, e que por
certo o fuzilaria, como fuzilou por igual mo-
tivo outros desgraçados; mas elle por fortu-
na pôde seduzir o commandante da escolta;
—fugiram todos para o Porto, onde já esta-
va D. Pedro, — ali assentou praça e serviu
durante o cerco.
Em 1834, depois da convenção d'Evora
Monte, abrindo-se novamente a Universida-
de, voltou para Coimbra, mas, vendo que
todos abandonaram a faculdade de theolo-
gia* matriculou-se no 1.» anno mathema-
tico!
Em 1835 voltou para a faculdade de theo-
logia e n'ella concluiu com muita distincção
a formatura em 1837.
* Em 1828 frequentaram a faculdade de
lheologia 56 alumnos— eem outubro de 1834
apenas se matriculou na dieta faculdade 1
aiumuo brazileiro, natural do Maranhão, —
e este no 1." anno, ficando todas as outras
aulas desertas I . . .
VIS
VIS 1637
Foi com estes dados que elle entrou na j
vida publica, atravessando as maiores per-
turbações politicas d'e8ie século, pelo que
até baixar ao tumulo não pôde eximir-se á
influencia da politica. Por causa d'ella esteve
prestes a ser fusilado em Viseu em 1832;—
durante o cerco do Porto viu a sepultura
aberta muitas vezes— e mesmo depois de ser
prelado a politica o expoz a censuras e des-
gostos, pois até que baixou ao tumulo em
1882 tomou sempre parte na politica mili-
tante do nosso paiz, — já como escriptor pu-
blico e redactor de diversos periódicos,— já
como deputado e par do reino,— já como mi-
nistro e presidente de ministros.
Se não fôra a nefasta influencia da poli-
tica ou do meio em que nasce» e viveu, se-
ria com toda a certeza um dos nossos pre-
lados mais distinetos e beneméritos, pois ti-
nha, um coração d'ouro e sentimentos nobi-
líssimos;—eramuitoillustrado, muito enérgi-
co, e dotado da maior exempção muito es-
moler e muito amigo dos seus parentes, a
quem protegeu e amparou como pae, edu-
cando e formando os sobrinhos, etc, pois
infelizmente a sua familia era pobre— e po-
bre morreu o nosso biographado, tendo sido
cónego em Lisboa, enfermeiro mór do hos-
pital de S. José, bispo de Viseu 20 annos,
ministro doestado e presidente de ministros*
— cargos em que outros teem feito boas fortu-
nas!...
1 Nunca acceitou nem collou parocho al-
gum nomeado pelo governo contra as suas
indicações — e em junho de 1867, indo com
485 bispos a Roma assistir às grandes fes-
tas do XVIII centenário dos apóstolos S. Pe-
dro e S. Paulo e á canonisação de vários
santos, a convite do papa Pio IX, todos os
prelados dirigiram a S. Santidade uma men-
sagem, protestando pela necessidade do po-
der temporal do papa e todos a assignaram
— menos o bis^po de Vigeu D. Antonio Alves
Martins, a despeito das instancias dos seus
collegas,— sfindo um dos mais pobres entre
os 485 bispos que ao tempo ali se achavam
reunidos?! ..
Se fosse mais ambicioso e aspirasse como
outros a mitras mais rendosas, promptamen-
te subscreveria.
Praticou outros muitos factos que revelam
igualmente a sua rara exempção.
E note-se que viveu sempre com a maior
singelesa, sem fausto nem apparato algum.
Dava tudo aos pobres e aos seus parentes
—que pobres eram também. E não se ima-
gine que deixou os parentes ricos. Nós já
estivemes em Alijó e na Granja e lá vimos
a sua modesta casa e o seu modesto mauzo-
leu no cemitério publico da villa, ouvindo
a lodos fallar com profundo respeito da me-
moria do Snado, lecendo-lhe os maiores elo-
gios. Também por acaso em 1882 assistimos
ás suas exéquias em Viseu e notámos sin-
cera dôr em gregos e troianos,— amigos e
adversários políticos do venerando prelado.
Correm impressas muitas biographias de
s. ex.« e por isso nos limitaremos a indicar
alguns tópicos:
Concluída a sua formatura, foi professor
de historia e geographia no lyceu nacional
do Porto,— deputado em varias legislaturas,
■—cónego na p.atriarchal,— enfermeiro mór
do hospital de S. José,— collaborador e re-
dactor de diíTerentes jornaes políticos e lit-
terarios do Porto e de Lisboa, nomeadamente
da Esperança, do Nacional e do Primeiro de
Janeiro, que ainda hoje (1887) se publica no
Porto.
Foi também distineto orador sagrado e
tribunieio. D'elle correra impressos alguns
sermões e na camará dos deputados pronun-
ciou um magnifico discurso em favor das
Irmãs da Caridade, quando Lisboa inteira e
todos 08 outros deputados lhes fizeram crua
guerra.
Foi nomeado bispo de Viseu em julho de
1862 e confirmado por Pio IX era 25 de se-
tembro do mesmo anno; — tomou posse por
procuração em 7 de novembro seguinte;—
chegou a Viseu em 25 de janeiro de 1863,
poisando no paço de Fontello;— fez a sua en-
trada aolemne em 29 do mesmo mez;— fal-
ieceu no dicto paço de Fontello ás 8 horas
da manhã de 5 de fevereiro de 1882— e a 18
de março do mesmo anno rss seus restos
mortaes foram trasladados para o cemitério
publico da Villa d'Alijó, onde repousam em
um modesto mauzoleu.
Foi também ministro e presidente de mi-
1638 VIS
VIS
nistros, como já dissemos, e com tanta abne-
gação, tanta dignidade, tanto desinteresse e
tanto patriotismo que, longe de querer lo-
cupletar-se, e aos seus parentes, dando-lhes
collocações e commissòes rendosas, como
teem feito outro» ministros, não eolioeou um
só, e vendo as finanças publicas em mau es-
tado, principiou por fazer uma importante
dedueção nos vencimentos de todos osfunc-
cionarios, sem exceptuar os bispos e o clero,
pelo que elle também ficou soíTrendo a de-
dução como bispo e como ministro de estado,
— e ficou muito satisfeito, mas todos os ou-
tros funceionarios, incluindo os seus amigos
políticos, ficaram descontentes e no primeiro
ensejo se desfizeram d'elle.
Eram todos muito patriotas, mas como os
do baixo império, que deram curso à bem
conhecida phrase:
Bem, rem, quomodocumque rem ! . . .
No Dicctonario Bibliographico de Innocen-
cio pode ver-se a lista das suas obras.
82.°— D. José Dias Correia de Carvalho,
6." do nome, 1883-
É o bispo actual.
Nasceu na villa de Canellas, hoje simples
aldeia da freguezia de Poiares, concelho e
comarca da Regoa, districto de Villa Real
em 19 de dezembro de 1830 e foram seus
paes— Antonio Dias de Carvalho e D. Maria
Engrácia Correia de Carvalho.
Principiou rn Porto os seus estudos com
destino á vida l eclesiástica e tomou a ordem
de presbytero em 1851;— cursou depois a
Universidade de Coimbra e completou a sua
formatura na faculdade de theologia em 22
de junho de 1860 e na de direito em 23 de
junho de 1862, obtendo algumas distincções
académicas alem de boas informações em
costumes e litteralura.
Em seguida foi para o bispado de Beja,
onde exerceu a advocacia e regeu uma ca-
deira de seiencias eeclesiasticas no seminá-
rio até junho de 1871, sendo também ali
promotor e vigário pro-capitular da diocese.
Em 13 de março de 1871 foi nomeado
bispo de Cabo Verde,- confirmado em 6 de
julho— e sagrado em 3 de setembro em Lis-
boa, na egreja de Santa Justa.
Partiu para Cabo Verde em 5 de janeiro
de 1872 e ali se conservou sem voltar ao
reino cerca de oito annos, durante os quaes
prestou relevantes serviços àquella diocese-
Poz termo ás dissidências que havia entre
os cónegos;— melhorou os estudos, a disci-
plina e as condições económicas do seminá-
rio—e visitou todas as 9 ilhas habitadas do
archipelago:— Fogo, Brava, Maia, S. Thiago,
Santo Antão, Sal, Boa Vista, S. Nicolau e S.
Vicente.
Foi o 1.» prelado de Cabo Verde que visi-
tou todas as egrejas do archipelago, luctando
com muitos discommodos e muitas difflcul-
dades per mar e por terra, mas fez flores-
cer em todo o bispado o culto religioso, a
moral publica e a disciplina ecciesiastiea.
A dureza do clima e o seu Ímprobo traba-
lho apostólico arruinaram- lhe a saúde, pelo
que teve de vir tractar-se ao continente, sem
descurar a administração do seu rebanho.
Vagando por essa oecasião differentes dio-
ceses do continente, foi indicado para a de
Portalegre e depois para a de Lisboa, mas
por ultimo foi transferido para a de Viseu»
sendo nomeado em 26 d'abril de 1883 e con-
firmado em 9 d'agosto do mesmo anno. To-
mou posse por procuração em 18 de setem-
bro e fez a sua entrada solemne em Viseu
no dia 24 d'outubro do dicto anno, sendo
muito bem recebido pelo clero, nobresa e
povo e tem correspondido até hoje á fama
que o preeedéra.
As qualidades da sua alma realçam os do-
tes do seu espirito sempre recto, benévolo e
justiceiro.
Se a sua benevolência penhora e altrahe
os que com elle privam, a sua caridade, a
sua tolerância e o seu animo bondoso con-
solam e suavisam os que a elle recor-
rem.
Eis em aqui breves traços o que è o ex.°"
sr. D. José Dias Correia de Carvalho, bispo
actual de Viseu, mas pôde ver-se a sua bio-
graphia mais detalhada e alindada no jornal
litterario O Occidente e na Galeria Contem-
porânea,—e note-se que ainda não tivemos
a honra de ver nem de conhecer pessoal-
mente a s. ex."
VIS
Troaxe de Cabo Verde a saúde muito ar-
ruinada e, como 08 facultativos llie aconse-
lhassem ares e banhos de mar, comprou na
Villa de Buarcos, junto da cidade da Figuei-
ra, uma casa, onde costuma passar com a
sua família alguns mezes.
A dieta casa foi dos Malhias de Carvalho^
de Cantanhede, e demora junto da egreja da
Misericórdia de Buarcos. Era muito aniií;a
e estava em ruinas, mas s. ex.« restaurou-a
6 tornou-a habitável e mesmo confortável'
Não tem bellesas arehitectonieas, mas em
compensação tem vistas esplendidas sobre a
Villa 6 bahia de Buarcos e sobre o atlântico
desde o Cabo do Mondego a N.— até á Fi-
gueira, Lavos, Paião, Peniche e Berlengas,
distantes cerca de 90 kilometros a S.
V. Buarcos, Figueira e Peniche n'este dic-
cionario e no supplemenio.
A isto se reduz o que nos foi possível
apurar com relação aos bispos de Viseu. O
assumpto é vastíssimo e nebulosíssimo \ Po-
dem apontar-nos muitos lapsos, mas, se os
próprios censores tentarem empresa seme-
lhante,—tropeçarão igualmente e—rira bien
qui rira le dernier ? I . . .
Prosigamos.
Ainda a cidade
Viação
Partem de Viseu as seguintes estradas a
macadam :
L^—Real de Viseu a S. Pedro do Sul,
Vouzella e Estarreja, onde entronca na li-
nha férrea do Norte.
É servida por diligencia diária, que parte
de Viseu às 3 Vz horas da tarde e chega ás
9 da manhã.
%*—Real de Viseu a Lamego por S. Pe-
dro do Sul, sendo até ali commum à pri-
meira.
Ê servida por diligencia diária (correio)
que parte de Viseu ás 3 horas da tarde e
chega ás 9 1/2 da manhã.
3.*— Real de Viseu á estação da Mealhada,
VIS 1639
na linha férrea do Norte, por Tondella e
Santa Comba-Dão.
Teve diligencia diária que cessou, depois
que se abriu ao transito a linha férrea da
Beira Alta.
í.'—Real de Viseu a Celorico da Beira,
por Mangualde.
Tem duas diligencias diárias até Mangual-
de;—parlem ambas ás 6 V2 da manhã e che-
gam ás 5 da tarde, sendo uma d'ellas cor-
reio.
5. '—Districtal de Viseu a Ceia pela villa
6 estação de Nellas, onde corta a linha da
Beira Alta.
Tem duas diligencias diárias até á estação
de Nellas:— uma parte de Viseu ás 4 horas
e a outra (correio) ás 11 Ví da manhã;— e
chegam a Viseu uma d'ellas á 1 hora da
tarde,— a outra á 1 da manhã.
6. »—Districtal de Viseu ao Pinhão por
Moimenta da Beira, Taboaço e foz do Tá-
vora.
1. *— Municipal de Viseu ao valle de Bes-
teiros.
Estas ultimas duas estradas ainda não es-
tão concluídas.
Quando fallarmos do Dis-
tricto de Viseu, indicaremos a
viação d'elle iodo.
Grandes proprietários
Os 6 maiores proprietários da cidade de
Viseu na actualidade são os seguintes :
l,o_Qonde de Prime.
2. »— Heitor de Lemos e irmãos.
3.i»_ Viscondessa de S. Caetano— D. Eu-
genia Mendes Viseu.
4. » — Visconde do Serrado.
5. »- Francisco Antonio da Silva Mendes.
6.._Viuva e filhos de Bento de Queiroz
Pinto d'Athaide.
Os 6 maiores proprietários do concelho
de Viseu, na actualidade também, são os se-
guintes :
l.o_Dr. Nicolau Pereira de Mendonça
Falcão, residente na sua quinta de S. Sal-
vador.
2.»— Francisco Antonio da Silva Mendes
1640 VIS
VIS
3. »— Conde de Prime.
4. »— Bernardo d'Andrade e seu irmão Ca-
millo d' Andrade.
5. "— Heitor de Lemos,
6. »— Jo.sé Maria Bandeira Monteiro Suba-
gua, de Oliveira do Barreiro.
Com a extineção dos víncu-
los e eom a má administração
extinguiram-se ainda muitore-
centemente em Viseu algumas
das suas casas mais nobres e
mais ricas I Não as indicamos,
para não aggravarmos a dolo-
rosa situação dos seus aetuaes
representantes.
Movimento jornalístico
Publicam-se actualmente em Viseu os 6
jornaes seguintes :
Para não melindrarmos ne-
nhum, vamos mencional-os
pela ordem chronologica.
1.° — Viriato.
Fundação— 3 d'abril de 1855.
É bi-semanal e publiea-se nas terças e
sextas feiras.
i." — Jornal de Viseu.
Fundação— agosto de 1864.
É tri-semanal e publica-se nos domingos,
quarta e sextas feiras.
3." — Liberdade.
Fundação— 13 de fevereiro de 1871.
Ê semanal e publiea-se nas sextas feiras.
L^^-Districto de Viseu.
Fundação— 2 de novembro de 1879.
É bi-semanal e publica-se nos domingos
e quartas feiras.
5.» — Independente.
Fundação— 15 d'outubro de 1883.
É bi-semanal e publica-se nos domingos
e quintas feiras.
G.°—Commercio de Viseu.
Fundação— 3 de julho de 1886.
É bi-semanál e publica-se nos domingos e
quintas feiras. j
Do exposto se vô que Viseu tem muita i
vida, muitas pessoas illustradas e muitos es-
criptores públicos.
Talvez que em Braga ou era Coimbra se
não publique actualmente maior numero de
jornaes.
Também aqui recentemente se publicou e
não sabemos se ainda hoje se publica o .4/-
bum Visiense, folio mensal com 8 paginas de
te: to e 4 eom primorosas lytographias, re-
presentando monumentos e pessoas notáveis
de Viseu.
Era uma publicação esplendida como nun-
ca se viu em Portugal— fóra de Lisboa e do
Porto I . . .
Foi seu director litterario o sr. Cesar Au-
gusto d'Almeidâ— e seu director artístico o
sr. José d'Almeida Silva- e ambos se cobri-
ram de louros, pois tanto os desenhos como
o texto e a parte lytographica disputavam
primasias.
Temos completo o 1.» anno com uma bella
portada e indica lytographados, desde feve-
reiro de 1884 até abril de 1885, pois por
falta de papel próprio que a empresa man-
dou expressamente fabricar, o Álbum inter-
rompeu a publicação nos mezes de maio, ju-
nho e julho.
Do 2." anno temos apenas o 1." numero
publicado em janeiro de 1886. Dá elle em
pagina inteira um bello retrato do rev. có-
nego José d' Almeida Martins— e nas outras
2 paginas de desenhos o Novo Hospital da
Misericórdia, do qual adiante fallaremos,— -
e uma das Cavalhadas de S. João, já dea-
criptas n'este artigo, quando falíamos das
annexas.
V. o tópico S. Salvador.
Os 12 números do 1." anno, alem de vá-
rios artigos litterarios em prosa e verso»
eomprehendem os retratos e biographias se-
guintes :
—Antonio d'Almeida Duque.
—D. Antonio Alves Martins.
—Antonio Casimiro de Figueiredo.
— Padre Antonio Duarte Moura.
— Dr. Antonio Luiz Dourado.
— Dr. Antonio Nunes de Carvalho.
— Dr. Duarte d'Almeida Loureiro e Vas-
concellos.
VIS
ViS 1641
— Dr. Eduardo Correia d'01iveira.
— Gonçalo Pires Bandeira da Gama.
— João Gòmes dos Samos.
—João da Silva Mendes.
—José Ribeiro de Carvalho e Silva.
— Dr. José Simões Dias.
— Dr. Manuel Antonio Barroso e
— Thomaz Ribeiro,
Nos mesmos 12 números do dicto Álbum
se encontram os desenhos seguintes:
— Aguieira
— Baixo relevo da Sé. V. Capella da Cruz
— Casa onde nasceu D. Duarte.
— Cava de Viriato.
— Claustros actuaes da Sé. ^
— Convento de S. Francisco d'Orgens.
V. Orgens no tópico Annexas.
— Um croquis de fantasia com o titulo Fo-
lar, como reclame à confeitaria Santa Rita,
que é sem contestação a primeira de Viseu
e demora na rua Direita, junto ao Arco dús
Freiras.
— Egreja da ordem 3.' do Carme.
—Egreja da ordem 5.» de S. Francisco.
V. o tópico Egrejas supra— e adeante Or-
dens terceiras.
— Estrada de Silgueiros.
Repifsenta o formoso ianço das Pedras
Alçadas, a pequena distancia de Viseu, na
estrada reai a macadam n." 8, de Viseu à
Mealhada por Tondeila.
— Paço episcopal de Fontello.
É o edifido actual.
—Antigo portão de entrada para o átrio
do dicto paço.
— Pórtico de entrada para a grande ave-
nida do mesmo paço.
Ê a mesma porta mandada fazer peio
bispo D. Gonçalo Pinheiro em 1565 e que
em agosto de 1876 foi removida, recuando
1 Estão bem desenhados e bem descriptos,
mas o Álbum diz que foram feitos em 1340.
Foi lapso, pois, como já dissemos, são muito
posteriores e foram mandados fazer por D.
Miguel da Silva no sec. xvi.
V. o tópico supra, relativo á Cathedral.
2 Este portão já não existe. Era ogival e
foi demolido ha annos, bem como a parede,
espécie de torre, em que se abria.
9'",5 para dentro da grande avenida, como
já dissemos.
V. no nosso Catalogo dos bispos visienses
o tópico relativo a D. Gonçalo Pinheiro.
— Egreja da Misericórdia e suas depen-
dências.
D*ella já falíamos. e volveremos a fallar
adiante.
— Órgão modelo.
Descreve um órgão de sala, invenção do
rev. Antonio Duarte Moura, de quem falla-
remos no tópico Visienses illustres.
— Pelicano da Sé de Viseu.
Representa uma ave de bronze antiquia-
sima 6 primorosamente cinzelada, que esteve
durante séculos na grimpa da torre do reló-
gio e que está hoje servindo de estante na
Capella mór da Sé.
V. Pelicano, infra.
— Praça de Camões.
—Praça 2 de Maio,
V. o tópico supra— Lar</os, Praças & ruas.
— Seminário.
Representa o Seminário actual, que foi o
convento dos Nerys.
D'elle fallaremos adiante.
— Via Sacra.
Representa em uma formosa paisagem a
pequena egreja de S. Francisco extra-mu-
ros, de que já fizemos menção.
V. Via Sacra.
A todos quantos presam as boas lettras e
as bellas artes recommendamos o Álbum Vú
siense.
Pôde servir de modélo ás publicações
d'e8ta ordem.
Prosigamos.
Clubs e casas dhnstrucção e recreio
—Grémio de Viseu.
—Monte pio filantrópico dos artistas.
— Club instrueção e recreio.
— Associação dos Bombeiros voluntários.
Collegios particulares
Senhor da Boa Fortuna.
Demora no bairro da Ribeira e é muito
dignamente dirigido pelo sr. Antonio Lopes
1642 VIS
d'Almeida, que também é profes8or do mes-
mo collegío.
Aulas officiaes de instrucção primaria
Tem a cidade 4, — duas para o sexo mas-
culino,— duas para o sexo feminino — e um
curso nocturno, que é único em todo o dis-
tricto, sustentado pela camará municipal e
pelo benemérito cidadão José Ribeiro de Car-
valho, residente no império do Brazil.
É Viseu também a sede da 6." circum-
sçripção escolar dMnstrucçào primaria, que
eomprehende todo o districto e está dividi-
da em 4 círculos escolares :
— O i.» tem a sua ?éde em Viseu e eom-
prehende os concelhos de Mangualde, Oli-
veira de Frades, Penalva do Castello, S. Pe-
dro do Sul, Viseu e Vouzella.
—O 2.» tem a séde em Lamego e eompre-
hende 03 concelhos de Armamar, Castro
d'Ayre, Lamego, Mondim da Beira, Resen-
de, Sinfães e Tarouca.
—O 3." tem a séde na villa de S. João da
Pesqueira e eomprehende os concelhos de
Fraguas, Moimenta da Beira, Penedono, Pes-
queira, Sattam, Sernancelhe e Taboaço.
—O 4." tem a séde em Tondella e eompre-
hende os concelhos de Carregal do Sal, Mor-
tágua, Nellas, Santa Comba Dão, S. João
d'Areias e Tondella.
É muito digno inspector do 1.» circulo e
de toda a circumscripção o sr. dr. Joaquim
José d'Andrade e Silva.
É sub-inspeclor do 2.° circulo Bento José
da Costa;— do 3." circulo Antonio de Sousa
Guerra;— do 4.» circulo Antonio Albino de
Carvalho Mourão.
Escolas publicas de toda a circumscripção
em agosto do corrente anno de i887 :
Elementares (sexo masculino) 272
<" ( » feminino) 115
Elementares complementares (sexo
masculino) 15
Dietas do sexo feminino 7
Escolas mixtas 10
Total das escolas 419
VIS
Escolas particulares de toda a circum-
scripção :
Sexo masculino 28
t feminino 19
Total das particulares 47
Total geral 466
Alumnos recenseados no ultimo anno em
toda a circumscripção :
Sexo masculino 19:318
» feminino 9:919
Total 29:237
Alumnos matriculados nas escolas publi-
cas:
Sexo masculino 13:516
» feminino , 5.293
Total 18:809
Nas escolas particulares :
Sexo masculino .' 977
» feminino 484
Total 1:461
Total geral dos alumnos matricula-
dos nas escolas publicas e particu-
lares de toda a 6." circumscripção
ou de todo o districto de Viseu. . 20:270
Alumnos d'ambo3 os sexos que fize-
ram exame no corrente anno de
1887 453
Ficaram approvados 377
Adiados 76
O numero dos propostos para exame foi
maior, mas alguns faltaram á chamada e não
fizeram exame.
Com as ultimas reformas a instrucção pri-
maria tem progredido e melhorado consi-
deravelmente.
O ensino obrigatório foi decretado, mas
não está em execução, porque este depende
de muitas entidades, a maior parle das quaes
VIS
VIS 1643
descura os seus deveres; ainda assim a 6.'
circumscripQão é uma das que tem progre-
dido mais n'esta parte, como provam os al-
garismos supra e o grande numero d*e8co-
las recentemente ereadas por iniciativa do
seu benemérito inspector.
*
Instrucção secundaria
Lyceu
Tem esta cidade um lyceu de 1.» classe.
O seu movimento no anno de 1886 a 1887
foi o seguinte :
Disciplinas
Aiuninos
matriculados
. 90,
29
Franeez— 1.° anno
29
2." .
23
32
» 2° »
27
S.» » .
20
• 4.» » .
1
5.° >.
15
20
15
1
16
9
Iniroducção— 3.» anno
22
13
5.» .
17
17
10
16
. 6.» i
1
357
9
357
Também ha na cidade diíTerentes profes-
sores particulares que leccionam as disci-
plinas do lyceu;— o Club Instrucção e Re-
creio tem para os seus sócios aulas de por-
tuguez e franeez — e o Collegio do Senhor da
Boa Fortuna e o Seminário episcopal tam-
bém leccionam muitas das disciplinas do ly-
ceu.
Instrucção superior
e
Seminário
Em virtude das disposições do concilio de
Trento, que em 1563 ordenou a creação dos
seminários em todas as dioceses, D. Nuno
de Noronha, sendo feito bispo de Viseu em
1586 e não encontrando ainda aqui seminá-
rio, tractou logo de o crear no seu próprio
palácio (o Paço dos S escalões, ou da Sé) •
lhe deu estatutos em 1587.
Ali funceionou o seminário 6 annos, mas,
conhecendo o mesmo prelado a instante ne-
cessidade de um edifieio próprio esufBcien-
temente espaçoso para tal estabelecimento^
resolveu construil-o, prolongando para N. O,
o seu palácio da Sé. Inaugurou solemne-
mente as ohras, benzendo e lançando-lhes a
primeira pedra, no domingo do Espirito San-
to, 6 de junho de 1593, e deu-lhes grande
desenvolvimento, mas não as concluiu por
ser em 1594 transferido para a diocese da
Guarda, pelo que D. Fr. Antonio de Sousa,
seu successor as continuou. Também este
prelado não pôde concluil-as e n'ellas des-
penderam grandes sommas alguns dos seus
successores, nomeadamente D. João de Bra-
gança e D. João Manuel, mas ainda no tem-
po do dr. Manuel Botelho Ribeiro (1630 a
1636) ainda não estavam de todo concluídas,
como elle próprio diz nos seus Diálogos, fal-
laodo do bispo D. Nuno de Noronha.
Veja-se também o que dissemos d'estes 3
prelados supra, no. nosso Catalogo dos bis-
pos visienses.
Funceionou pois o seminário de Viseu —
primeiramente no Paço Episcopal da Sé; —
depois no edifício denominado Collegio, con-
tíguo âo dicto paço;— em virtude do incên-
dio que no dia 14 de julho de 1716, pelas 8
horas da manhã, devorou parte do Paço
Episcopal da Sé e do edifício do Collegio ou
Seminário, 1 foi este (segundo se suppõe)
1 O numero dos alumnos é menor, porque
alguns frequentam differentes disciplinas.
1 É isto o que se lê nos apontamentos que
1644 VIS
VJS
transferido para os baixos do Paço de Fon-
tello, mas, apenas se repararam os estragos
que o incêndio causou, volveu o Seminário
para o edifício do Collegio e ali se conser-
vou alé que em 1824 se transferiu para o
convento dos Nerys, onde tem funccionado
até hoje ^
D. Nuno de Noronha não só deu princi-
pio ao Seminário, mas creou-lhe o seu pri
meiro património, impondo, em conformi.
dade com o espirito do concilio de Trento^
uma collecta sobre todos os bens ecclesias-
ticos do bispado, comprehendendo os reddi-
tos das mesas pontifical e capitular, dos be-
neficies, commendas e conventos.
Foi a dieta collecta o fundo primitivo do
seminário e o mesmo prelado, conforman-
do-se com as circumstancias do tempo, es-
tabeleceu nVlIe 3 aulas de laiim para os di-
versos graus dus alumnos,— outra de canto
— e outra de lheologia moral.
Foi este o quadro dos seus estudos du-
rante o longo período de 206 annos, ou des-
de 1587 até 1793, data era que o bispo D.
Francisco Monteiro Pereira d'Azevedo, re-
conhecendo a necessidade de melhorar a
instrueção do clero, estabeleceu e inaugurou
no mez d'abril as aulas de Instituições canó-
nicas e cathecismo. Supprimiu depois e^ta
ultima e em outubro (h 1796 creou as de
historia ecclesiastica e íheologia dogmutica^
— Em 1771, não tendo ainda o seminário ou-
tras rendas alem da mencionada collecta,
recebi da camará ecclesiastica de Vispu, mas
o padre Leonardo de Sousa no seu interes-
santíssimo Catalogo, apenas menciona dois
grandes desastres no Collegio e no Paço Epis-
copal da Sé durante o pontificado do santo
bispo D. Jeronymo Soares (1694 a 1720):—
1. » um raio que em 1710 cahiu na torre
dos sinos e fez grandes destroços na mes-
ma, no Collegio e no Paço episcopal, etc. —
2. " um incêndio que em 1713 (?) se manifes-
tou na cosinha do Paço episcopal e devorou
grande parte d'elle.
V. o que dissemos de D. Jeronymo Soares
DO nosso Catalogo dos bispos visienses.
1 V. o tópico inkai— Conventos.
Note se lambem que o Seminário outr*ora
denominava- se Collegio, nome que ainda hoje
conserva o edifício onde esteve até 1824.
' pelo que luctava com grande falta de meios,
I fui reduzido o tempo lectivo e o da residen-
I ciâ dos alumnos. D. Francisco Mendo Tri-
I goso, para remediar este inconvenieuie, não
j só reedificou á sua custa as cellas e o refei-
I tório, mas deu para* fundo do Seminário a
I quantia de 4:800^0000 réis, por escripiura de
16 de dezembro de 1771, e depois mais réis
400^000, por escriptura de 26 de julho de
1773, — fundo abençoado, pois com o decor-
rer do tempo cresceu de modo que em julho
de 1808 já subia à importante sonima de
20:648M00réis?!...
Varias causas contribuíram para este au-
graento, sendo uma d'ellas a generosidade
do bispo D. Francisco Monteiro Pereira de
Azevedo, que alé 1816 pagou pelas rendas
da mitra os vencimentos dos professores das
aulas por elie estabelecidas, e outras despe-
zas.
O edificio do Seminário ou Collegio, prin-
cipiado por D. Nuno de Noronha e conti-
nuado pelus bispos seus successores, é vasto
e caro, pois as suas paredes são muito soli-
das (ainda hoje desafiam os séculos, contan-
do cerca de 300 annos) e todas de bella can-
taria de granito, mas nào tinha a VH^tidão e
accommodações precisas p;ira s^eminario da
diocese n.'a actualidade, pelo que no outono
de 1823 a congregação do Oratório de S. Fi-
lippe Nery de Viseu, conhecendo airapossi
bilidade de continuar a subsistir por falta de
gente e de recursos ' e tendo em considera-
ção as avultadas qtiantias que os prelados
de Viseu, nomeadamente D. Julio Francisco
d' Oliveira^, haviam dado para a edificação
do seu convento, oífereceram-no com os fun-
dos d'elle ao bispo D. Francisco Alexandre
Lobo, para Seminário diocesano. Em 14 de
junho de 1824 se fez a escriptura da ceden-
1 Contava então apenas 4 padres:— o pre-
posito Bernardo de Seona,— Francisco Ro-
drigues, Antonio Pereira e José Joaquim.
Coincidência notável: — 4 padres deram
principio a esta congregação — e com igual
numero se extinguiu.
2 V. o pontificado d'eãte bispo no supple-
mento a este diccionario ao artigo Viseu.
VIS
VIS 1645
cia e eoDsignação de peosoes entre o bispo
e congregados, previamente auctorisada pela
provisão d'el-rei D. João VI cora data de 7
de maio do mesmo anno.
Assim passou a ser seminário o convento
dos Nerys com todas as suas pertenças e ha-
veres, pelo que sobre a porta de entrada se
gravou e lê a inscripção seguinte :
COLLEGIO FUNDADO EM
1587 PELO Bi.^po D. Nuno
DE Noronha, com o titulo
DE Seminário da invoca-
ção DE Nossa Senhora da
Esperança, e mudado
para este logar em agosto
DE 1824.
Foi uma bella aequisição, pois é um edi-
fício amplo, elegante, muito solido, com uma
bonita egreja e aceommodaçòes para grande
communidafie. Demora sobre um vasto cam-
po, o mais regular de Viseu, em terreno mi-
moso e com linda cerca, em contacto com a
cidade, mas sem visinhança que perturbe os
seminaristas. Tem apenas um grande con-
tra:— Estar em local tão húmido, que até no
verão muiias pedras do ladrilho dá egreja,
claustro e aulas do andar térreo não enehu-
gam e vêem-se sempre a transsudar I. . .
È um dos edifícios de Viseu mais alegres
e vistosos e mais vantajosamente situados,
emquanto que o velho Seminário ou Colle-
gio estava em sitio áspero e desabrido, mui-
to exposto a faiseas eléctricas, muito batido
pelos vendavaes e muito devassado e affron-
tado pela Sé e pela torre dos sinos, que lá se
ergue a paredes meias entre a Sé e o velho
Seminário e que devia ser uma visinhança
horrorosa, insupportavel para uma casa de
estudo.
Quando em 1834 se extinguiram as ordens
religiosas, a prefeitura tomou posse da casa
da congregação de Viseu e n'ella se estabe-
leceram differentes repartições publicas.Pro-
lestou logo o reitor contra a usurpação, fa-
zendo ver e provando que desde 1824 o di-
cto convento era propriedade do Seminário.
No mesmo sentido representou também a
VOLUME XI
auetoridade ecclesiastica e com o apoio do
administrador do concelho (depois cónego)
José d'01iveira Berardo, o governo reconsi-
derou e mandou restituir o dicto convento
ao vigário capitular da diocese, o cónego
José Viçoso da Veiga; mas, antes d'este ir á
posse e quando ali se conservavam as repar-
tições publicas, appareceu incendiado o edi-
fieio na noite de 26 para 27 de janeiro de
1841, soffrendo grave deterioração e sendo
pasto das chammas todos os moveis, papeis
e documentos que ali existiam*. Foi uma
perda enorme para muitos particulares e pa-
ra o governo, porque ali ao tempo se guar-
davam muitos livros e documentos das cor-
porações exlinctas em 1834,— tombos dos
conventos e de commendas, escripturas de
dividas ao Seminário e a outras corporações
e de prasos que pelo decreto de 28 de maio
de 1834 (o da extineção das corporações re-
ligiosas) ficaram pertencendo à fazenda na-
cional.
Não faltou quem dissesse e ainda hoje se
diz— que o incêndio do Seminário de Viseu,
bem como o do Seminário de Lamego, o da
Sé patriárchal e o do Thesouro Velho de Lis-
boa, foram soprados adrede para liquidação
de contas ? I . . .
Nos annos de 1842 e 1843 foi reconstruído
á custa das rendas do próprio Seminário,
que dispendeu na restauração cerca de i6
contos de réis;— ficou muito solido e como .
novo— e é hoje um dos primeiros do nosso
paiz 2
Ao zelo dos seus reitores, entre os quaes
tem logar dislincto o cónego honorário—
Ignacio Alexandre de Magalhães— se devem
importantes melhoramentos nas suas rendas
e no edificio;- está muito bem tractado e
1 Do grande edificio apenas escaparam a
egreja e a livraria, que estava no quarteirão
do lado sul.
o Reabriu-se em 1844;— esteve na posse
do governo desde 1834 até 1841— e estive-
ram as aulas interrompidas desde 1832 até
1843, ou durante 11 annos, com grave pre-
juiso da instrueção do clero.
104
1646 VIS
bem conservado— e pôde prover 70 logares
gratuitos de alumnos pobres. ^
O bispo D. Nuno de Noronha não só fun-
dou 8 dotou o Senainario em 1587, mas deu-
lhe estatutos para o seu governo litlerario,
religioso e económico. Também creou o of-
ficio de reitor, a cujo cargo ficou intei-
ramente o governo temporal e espiritual do
seminário,— e o de vice-reilor para o coadju-
var e .«ubstituir em qualquer falta. E em
observância do que dispõe o concilio de
Tremo creou também uma junta composta
de 4 ecclesiasticos, perante a qual o reitor
no fim de cada anno presta contas da sua
gerência.
Finalmente a lei de 2 d'abril de 1845, ar-
tigo 10.°, diz que aos prelados diocesanos
pertence o governo económico e disciplinar
dos seminários, sob a inspecção do governo,
pelo que foi supprimido o cargo de reitor,
prevalecendo apenas o de vice-reiíor.
Quadro de estudos
Já vimos qual foi o estabelecido por D.
Nuno de Noronha em 1587 e as reformas
que fez o bispo D. Francisco Monteiro Pe-
reira d'Azevedo em 1793 e 1796. Vigorou
esta ultima até que o bispo D. Francisco
Alexandre Lobo, em 26 d'outubro de 1821,
estabeleceu como disciplinas preparatórias
dos ordinandos— latim, philosophia racional
6 moral e historia sagrada do antigo testa-
mento,—e como disciplinas ecclesiasticas um
curso biennal, comprehendendo no 1." anno
historia ecclesiaslica e theologia dogmática,
— e no 2.° theologia moral e instituições ca-
nónicas,—curso que foi elevado a triennal
por decreto de 2 d'abril de 1862..
O seu quadro d'estudo8 actualmente é o
seguinte :
1 Este anno de 1887 admittiu 70 alumnos
pobres, dos quaes são 52 erratuitos e 18 pa
gam mensalidades de 5i^000 e 3^000 réis,
sendo o total dos habitantes da casa, com os
empregados, vice-reitor e perfeitos, 79 pes- I
soas. ]
VIS
Curso de preparatórias
Anno lectivo de 1886 a 1887
imeros
Cadeií%s e disciplinas
ternos
íternos
O
z;
~
Cd
1
PortURuez
18
33
51
2
Francez . . .
16
23
oo
3
Latim
31
50
RI
Ol
4
Arithmetica,geomelria
plana e princípios de
5
19
24
43
Elementos de chímiea,
physicae historia na-
15
13
28
6
Geographia, cosmo-
graphia e historia
universal pátria
4
10
14
7
Philosophia racional e
moral e princípios de
8
6
14
8
8
7
15
9
Litteratura nacional. .
Total das matriculas. .
118
166
284
No principio d'e8te anno lectivo de 1887-
1888 criou o prelado mais a cadeira de In-
trodueção, de que é professor o dr. Luiz Fer-
reira de Figueiredo.
Curso theologico
o
õ
O
a
E
Disciplinas
t-,
õ
3
c
1.° anno
1
Historia da egreja
8
23
31
2
Theolog. dogm. geral.
»
•
2° anno
3
4
5
9
4
Theol. dogm. especial.
»
(
•
40
VIS
VIS 1647
imeros
OisciplíDãs
lernos
t ternos
"5
õ
e
40
3° amo
5
D
iz
18
6
Thpfiinaia sflp.ramftntal
t
>
>
7
1 Q
lo
W
S8
36
8
4S
21
9
60
41
101
Tntal ftasi matriculas
253
284
537
Numero dos alumnos
Curso secundário
42
59
101
Curso theologico
18
41
59
Total dos alumnos. . .
60
100
160
A iostaneias do benemérito pairiareha dos
areheologos portuguezes, o sr. conselheiro
Joaquim Possidonio Narciso da Silva, archi-
tecto da casa real, nosso bom amigo e mes-
tre, fundador e presidente da Real Associa-
ção dos architectos civis e areheologos portu-
guezes, o seminário de Beja e outros jà no
anno lectivo ultimo crearam uma cadeira
de archeologia christã. E bem nec-ssaria é a
dieta cadeira em todas as nossas dioceses,
nomeadamente n'esta de Viseu, para guarda
e conservação de tantos monumentos reli-
giosos.
Se o cabido visiense tivesse algumas no-
ções d'archeologia, não praticava os desaca-
tos e deturpações que praticou na Sé, prin-
cipalmente na vacância de 1639 a 1671 ena
de 1720 a 1743.
Veja- se o tópico relativo á cathedral.
Ao ex."» e rev."^» sr. D. José
Dias Correia de Carvalho, di-
gno prelado de Viseu na actua-
lidade, muito instantemente
pedimos que se digne crear
também no seminário visiense
uma aula de archeologia
christã.
O bello edifieio do Seminário pôde ver-se
em lytographia no Álbum Visiense, a pag.
88. Ergue-se na extremidade sul do Campo
Alves Martins, sobre o qual tem uma sober-
ba fachada com 3 pavimentos e na sua ex-
tremidade O. a linda egreja que foi dos con-
gregados e que forma um todo com a dieta
fachada, olhando ambas para N.
Dos 3 pavimentos o l.»ao rez dechaussée
tem 10 grandes janellas gradeadas de ferro
e o portão d'entrada na sua extremidade O.
contíguo à egreja. N'este pavimento estão as
aulas, a cosinha, refeitório, etc.
Os outros 2 pavimentos teem na frente 3
sacadas e 8 janellas cada um.
A fronteria prolonga-se de E. a 0.;— tem
de extensão 54'",84, eomprehendendo a fa-
chada da egreja, que tem de largura 15"',51
alem de 0°','òZ na base dos eunhaes.
A egreja é de architectura compósita; tem
1 nave e 7 altares,— communicação interior
para os 3 pavimentos do seminário e grande
côro sobre o guardaveoto com muita luz que
recebe de 3 grandes janellas. A capella-mór
tem um elegante retábulo de madeira e ta-
lha moderna muito simples, com a imagem
de S. Filippe Nery, padroeiro e fundador
da antiga congregação do Oratório, i do lado
do evangelho,— imagem romana de eseul-
ptura primorosa,— e do lado da epistola a
de S. Francisco d'AssÍ3.
Tem de largura a capella-mór 6",7— e de
comprimento ll'°,52 desde a frente do altar
mór até o arco cruzeiro, — alem de 3"',80 que
oceupam o altar e a tribuna.
O corpo da egreja tem de largura 10"',06
e 25'",45 de comprimento. Total do seu com-
primento até o altar-mór 36?',97— e eompre-
hendendo o altar e tribuna— 40°',70.
A sacristia tem de largura 7"',23 e de com-
primento 11",35, não eomprehendendo o la-
1 O padroeiro do Seminário é Nossa Se-
nhora da Esperança ou da Espectação—e o
padroeiro do convento era Nossa Senhora da
Assumpção.
1648 VIS
VJS
vatorio, que é uma imponente obra d'arte,
feito de bello granito muito bem cinzelado,
com altas pyramides e 3 bicas d'agua pe
renne que jorram da bocca de 3 phantasio-
sas carrancas. Serviu ouir'ora de sacristia e
tem 2 portas de commuuicarão para a sa-
cristia actual.
A torre ergue-se na reetaguarda da Ca-
pella mór; — é elegante e termina em varan-
dim e cúpula redonda, perfeitamente seme-
lhantes aos varandins e cúpulas das torres
actuaes da Sé.
Foi alteada depois do meado d'e8te sécu-
lo, como diremos adiante.
O claustro e a biblioíheca
Ao sul, ou do lado posterior da grande fa-
chada do Seminário e formando um todo com
a parte central d'ella, o edifício descreve um
amplo quadrado em volta do claustro que
-lhe fica no centro e do qual recebe ar e luz.
É talvez o claustro no seu conjuncto a
parte mais elegante do edificio. Tem de ca-
da lado 5 arcos espaçosos com 2'°,43 d aber-
jura, assentes sobre columnas quadrangula-
res;—no meio ha um terrapleno bem ladri-
lhado com mosaico de seixo;— mede 14™,80
por face e tem no centro uma grande es-
trella formada com seixo de varias cores.
Circuitam o claustro passeios abobadados
que teem de largura 4 metros e de compri-
mento em cada uma das faces 23 metros.
A cada um dos arcos centraes correspon-
de no 2." andar do edificio uma porta de sa-
cada—e a cada um dos 2 arcos lateraes sua
janella. Tem pois o segundo pavimento 16
janellas e 4 sacadas sobre o vão do claustro.
O terceiro pavimento tem sobre o mesmo
vão do claustro, guarnecendo as 4 faces d'el-
le, uma varanda com 23'",56 de comprimento
em cada face,— 4'",0 de largura— e uma ba-
laustrada de pedra, dividida em series de 6
balaustres correspondentes a cada um dos
arcos e terminando em acroterios, sobre os
quaes se erguem tantas columnas eilindri-
cas, quantos os pilares que sustentam a ar-
caria do primeiro pavimento, o que tudo
enaltece e dà muita elegância ao claustro.
A dieta varanda serve lambem de recreio
e eommodidade aos seminaristas, principal-
mente no inverno.
0.S 4 corpos do edificio que revestem o
claustro teem ao centro de cada um grandes
corredores que terminam era portas de sa-
cada e dão serventia independente para as
cellas. Oá dictos corredores teem de largura
2'",07;— de altura 3™,9— e de comprimento
ate á aresta das sacadas 40'",0 cada um, sen-
do muito mais extenso o do lado norte, por-
que comprehende toda a grande fachada do
edificio.
A bibliotheca dos congregados estava no
terceiro pavimento, lado sul, em uma sala
que hoje serve de camarata e comporta 26
alumnos. Tem ella de comprimento IS^jlO —
e de largura 9", 18.
A bibliotheca actual do Seminário demora
no mesmo pavimento, na sua extremidade
N. O. e comprehende 5 a 6 mil volumes, res-
to das livrarias dos conventos de Santo An-
tonio de Viseu e de S. Francisco d'Oi'gens e
da dos congregados, incluindo a livraria
particular que foi de D. Francisco Alexandre
Lobo e que este bispo deixou ao Seminário,
— bem como a livraria do C( nego José An-
tonio Pereira Monteiro, i
Este ultimo foi reitor do Saminario desde
10 de julho de 1818 até 3i de dezembro de
1851; — falleceu na sua casa de Parada do
Jarmello, concelho e diocese da Guarda, em
24 de maio de 1856— e não só deixou ao Se-
minário os seus livros, mas tudo quanto
possuia em Viseu.
O convento
D. João de Mello, sendo muito amigo dos
padres do Oratório, cuja casa em Lisboa ha-
bitualmente frequentava, e vendo que po-
diam prestar-lhe bons serviços por se darem
muito aos trabalhos do púlpito e do confes-
í Só as bibliotheeas dos 3 conventos com-
prehendiam mais de 30.000 volumes. Ima-
gine-se pois quanto soííreram as boas lettras
com a barbara extincção das ordens religio-
sas?!...
VIS
sionario, quando foi transferido d'E[vas pa-
ra Viseu e partiu de Lisboa para a sua nova
diocese era 1674, trouxe eomsigo de Lisboa
2 congregados— o padre Manuel da Costa e
o padre João da Guarda. Muito desejou dar-
Ihes convento em Viseu, mas, a despeito de
lodos os seus esforços, não o pôde conseguir,
pelo que os dictos padres regressaram a Lis-
boa apenas expirou a licença que traziam e
que era de 4 a 5 mezes.
Ao bispo D. João de Mello suecedeu em
1686 D. Ricardo Russel, muito affeiçoado
também aos padres do Oratório por terem
sido, como já dissemos, os seus primeiros
mestres em França. Desejou igualmente dar-
Ihes casa em Viseu, para o que mandou pe-
dir alguns padres ao preposito do convento
de Freixo de Espada á Cinta, em Traz-os-
Montes. D'ali lhe foram enviados em 1688 os
quatro seguintes : — José das Caldas {era o
preposito)— Banholomeu Monteiro, João da
Silva e Diogo Pereira. *
Aposentou 03 no hospital da quinta de
Santa Eugenia, onde tinham capella e as
commodidades precisas para viverem e exer-
cerem o seu ministério, sendo então o dicto
hospital dirigido pelo padre Gaspar Rodri-
gues, natural da villa da Meda. 2
Ali prégavam e confessavam, mas, por ser
a quinta um pouco distante de Viseu e dif-
ficultar aos visienses o accesso, iam fazer os
seus exercícios religiosos na egreja da Via
Sacra, (veja-se o tópico Egrejas), sendo sem-
pre extraordinário o concurso dos fieis.
D. Ricardo solliciiou e obteve da camará e
de D. Pedro il licença para edificação do no-
vo convento; — por seu turno lhes deu tam-
bém logo provisão;— em seguida soUicitaram
e obtiveram de Innocencio III bulia de con-
firmação com data de 13 de maio do mesmo
anno de 1688— e a 10 de julho seguinte se
installaram solemnemente em Viseu, assis-
tindo o prelado com todos os seus ministros
1 O padre Leonardo de Sousa não men-
ciona este ultimo.
2 Havia sido enfermeiro dos doentes do
mesmo hospital, mas tão zeloso e virtuoso,
que D. Ricardo Russel o ordenou e nomeou
capellão e director do dicto hospital.
VIS 1649
e familiares, clero, nobresa e povo,— e como
ainda não tivessem rendas suíBcientes para
a sua sustentação, o prelado lhes arbitrou a
pensão annual de lOOi^OOO réis.
Ignoramos qual foi a primeira casa que
tiveram em Viseu, depois do hospital da
quinta de Sanla Eugenia, mas sabemos que
passado um anno,— a 5 d'agosto de 1689—
se transferiram para o largo de Santa Chris ■
Una, para as casas e capella que Simão Ma-
chado e sua mulher D. Anna de Jesus Serpe
ali possuíam e lhes doaram para aquelleíim
(com uma boa cerca, hoje a cerca do Semi-
nário) onde en':;iram oratório e vivtrani
cerca de 70 annos, ou até que se fez o novo
convento e se concluiu a nova egreja era
1759 1.
D. Ricardo, vendo que era muito pequena
a dieta casa, resolveu fazer-lhes outra mais
ampla, para o que nos princípios do anno
1693, ultimo da sua vida, lhes deu dose mil
crusados, somma importante n'aquelle tem-
po.
Abertos os alicerces do novo convento no
sitio do Valle, dentro da dieta cerca e com
bastante diíTu-uldade, porque nVlIes se en-
controu muita agua, lançou lhe o bispo so-
lemnemente a primeira pedra, que era d'An-
çã, na qual se esculpiram as armas da con-
gregação 2 e o anno mez e dia da festa,— 26
de maio de 1693,— dia de S. Filippe Nery,
patriarcha da congregação.
A isto se reduz o que diz o padre Leonar-
do de Sousa no seu Catalogo dos Bispos de
Viseu, tomo 3." fl. 106 a 107, terminando
cora estas palavras: • Outras raais indivi-
1 Para evitarmos repetições, veja-se o que
no tópico dos templos já se disse da 2.* ca-
pella de Santa Cristina e do largo ou ter-
reiro d'esie nome, pag. 1563, col. 1.» — e pag.
1557, col. 2.»— ín fine.
2 Não as do prelado, porque era tão mo-
desto que nunca tolerou se abrissem as suas
armas em nenhuma das obras que fez. Pelo
contrario outros bispos visienses, nomeada-
mente D. Julio F. d'01iveira, em todas as
suas obras poserara os seus brasões d'armas^
1650 VIS
VIS
duaes noticias reservamos para a Philippim
Visiense* — mas não chegou a escrever tal
obra, ou se perdeu, como já se perderam os
2 primeiros tomos do dielo catalogo. Nem
Innocencio no Dicc. Bibliogr.— nem o seu
continuador Brito Aranha mencionam o Ca-
talogo nem a Filippina, nem sequer o Epi-
tome Carmelitano, eseripto pelo mesmo pa-
dre Sousa e publicado em 1739,— segundo-
nos afflrmara, pois não lográmos ainda ver
exemplar algum do tal Epitome nem se en-
contra na Bibliotheca Municipal de Viseu. *
Também com relação ao padre Leonardo
de Sousa apenas sabemos que elle pertencia
á congregação de Lisboa e que veiu d'aii
para Viseu na companhia do bispo D. Julio»
do qual foi capellão e biographo.
Veja-se no dicto Catalogo a longa biogra-
phia de D. Julio Francisco d'01iveira e no
supplemeoto a este diccionario e ao artigo
Viseu a summula d'aquella biographia.
Prosigamos.
Ao bispo D. Ricardo Rnssel suceedeu, co-
mo já dissemos, D. Jeronymo Soares em
1694. Vendo elle que os congregados ainda
não tinham egreja sufflcientemeote ampla
pois que ao tempo mal sahia dos alicerces
ao norte do novo convento, mandado fazer
pelo seu antecessor, resolveu D. Jeronymo
fazel-a, em 1708, mas, querendo continual-a
com a magnificência da planta traçada por
D. Ricardo, os seus familiares se opposeram,
allegando ser nimiamente grande para uma
communidade tão pequena, pois contava en-
tão apenas 15 congregados. Taoto instaram
que o santo bispo D. Jeronymo resolveu que
a nova egreja fosse exactamente como a dos
religiosos franciscanos de Santo Antonio de
Viseu; — mandou copiar e medir a dieta
egreja e no mesmo anno de 1708 deu prin-
* Depois de escrevermos estas linhas, sou-
bemos que a Ordem 5.» do Carmo de Viseu
possuía muitos exemplares do tal Epitome
e ao nosso bom amigo o sr. dr. Nicolau Pe-
reira de Mendonça Falcão devemos e agra-
decemos um exemplar. Veja-se a indicação
d'elle infra, no tópico Armas de Viseu, onde
volveremos a fallar do auetor.
cipio á nova, abrindo-se novo alicerce da
parte do poente e aproveitando o alicerce já
feito a E. N. e S. ^
Deu-se a obra de empreitada, mas prose-
guiu lentamente, porque D. Jeronymo ape-
nas consignou para ella 200W0 réis an-
nuaes e suspendeu essa mesma consignação
em 1713, por haver feito grandes despezas
com a restauração do paço episcopal da Sé,
da mesma Sé, das torres e do Collegio, em
seguida ao raio que em 5 de março de 1710'
arrumou aquelles edifícios. Despendéra tam-
bém grandes sommas no mesmo anno com
as freiras de S. Luiz de Pinhel, que fugiram
para Viseu 2— e em 1713 com a nova restau-
ração do dIcto paço episcopal e do Collegio,
em seguida ao incêndio que n'aqu'^lle anno
em grande parte os devorou. Alem d'isso foi
sempre muito esmoler e despendia grandes
sommas com os pobres.
Do exposto se vê :
l.o— Que o edifício actual do Seminário de
Viseu foi principiado em 1693;
2.»— Que em 1708 já estava em parte feito
com o dinheiro doado pelo bispo D. Ricardo
Russel;
3 "—Que a egreja, segundo a planta dei-
xada por aquelle bispo, devia ser magesto-
sa, muito ampla; — que D Jeronymo Soares
a modificou e lhe deu as mesmas propor-
ções que tinha a dos capuchos de Santo An-
tonio,— e que mandou proceder á eonstrucção
da nova egreja desde 1708 até 1713, data em
que suspendeu a consignação e pararam as
obras.
Ao bispo D. Jeronymo Soares, fallecido
em 28 de janeiro de 1720, suceedeu D. Julio
Francisco d'01iveira, cujo pontificado se pro-
longou de 1740 a 1765. ^ Foi o mais insigne
bemfeitor dos congregados de Viseu, por ter
sido congregado também, e em 1744, — ico-
í Catalogo do padre Sousa, tomo 3.° fl 99
a 128.
2 V. no nosso catalogo o tópico relativo a
D. Jeronymo Soares.
* Entre D. Jeronymo e D. Julio houve uma
grande vacância de 20 annos.
V. o nosso catalogo supra.
VIS
VIS 1651
nhecendo a grande necessidade que tinhão
08 congregados de Vizeu de continuar suas
obras na nova casa, que annos antes (refe-
re se à grande vacância) adiantara muito o
íUustrissimo cabido, e que já em tempo do
Ulustrissimo bispo D. Ricardo havião prin-
cipiado, se resolveu mandalias continuar no
primeiro d'agosto do dicio anno. Desta obra
foi intendente, por vontade expressa do mes-
mo prelado, o Padre Luiz José da congrega-
ção do Oratório de Lisboa, que assistia com
elle desde que veiu d'aquella cidade para
Vizeu. Pagava aos offlciaes o dr. provizor,
sendo mestre das mesmas obras de carpin-
teiro José do Valle, pois de pedraria se acha'
va feito o principal.* *
Tomou pois D. Julio as obras á sua conta,
o que muito estimaram e agradeceram os
congregados. tAssim foram continuando: o
exeellentissimo em dispender, e os Padres,
em orar.»— diz Sousa.
Em 1747, vendo D- Julio o adiantamento
das obras, quiz que os congregados se trans-
ferissem de Santa Cristina para o novo con-
vento, pois já podia receber 40 padres. «E
ainda que se não tinha cuidado da egreja,
por pedir mais dilação e gastos, quiz tam-
bém o mesmo prelado supprissem aquella
falta as casas do oratório publico e portaria,
senão de mais extensão, sempre com maior
comraodidade do que té então tinhão»— co-
mo diz o mesmo padre Sousa.
Disposta a transferencia, benzeu solemne-
mente a nova casa na S.« oitava do Espirito
Santo, dia 25 de maio do dieto anno, de ma-
nhã, e na tarde do mesmo dia se fez com
grande pompa e processionalmente a mu-
dança, assistindo o prelado com todos os
seus ministros, cabido e mais clero, religio-
sos de S. Francisco e Santo Antonio, ordens
terceiras,, nobresa e povo.
Os congregados eram então 24 e preposito
ou superior o padre Bernardo Xavier da
Villa de Trovões, tio de Frani;isco Xavier
d' Almeida, fidalgo distineto, que foi o cau-
1 Catalogo de Sousa, tomo 3." fl. 183, v. e
184.
datario de D. Julio na solerane procissão da
mudança. Assim deixou a congregação «os
tegurios em que habitava por mais de 58 an-
nos»—ou desde 1689. ^
Terminou a procissão ao declinar do dia
Seguiram -se vésperas solemnes do patriar-
cha S. Filippe Nery, às quaes assistiu D. Ju-
lio, que pernoitou na nova casa, por se eon-
cluirem a deshoras.
Vendo D. Julio a grande necessidade que
os congregados tinham de egreja, pois desde
1747 se serviam do seu oratório e portaria 2,
determinou fazei -a muito a seu gosto,— d'elle
bispo, não dos congregados, diz o padre Sou-
sa (logar citado fl. 211) pois a não ser com
as commodidades precisas para os seus mi-
nistérios, se contentavão com a de que se
sermão.
Tractando de escolher planta para a nova
egreja, apresentaram-lhe seis muito capazes ^
mas elle preferiu a que foi* feita por um pe-
dreiro, Antonio Mendes, dos lados de Lame-
go. Mandou logo preparar tudo para a cons-
trucção do templo, abrir alicerces ' e rogar
obreiros,— e a 8 de setembro de 1757 lhe
lançou com grande pompa a primeira pedra,
que era d' Ançã e de palmo e meyo (?) ém
quadro. De hua parte se vião as armas da
congregação, e da outra as suas: e de baixo
de ambas a memoria do sagrante, anno dia
e mez em que o executou; e da outra parte e
1 Catalogo do padre Sousa, tomo 3.» fl.
198.
Estiveram pois os congregados sempre ena
Santa Cristina, desde que vieram para Vi-
seu, exceptuando a primeira pousada na
quinta de Santa Eugenia.
2 O padre Sousa neste ponto não faz a mi-
nima referencia á egreja principiada pelo
bispo D. Ricardo Russel em 1693,— conti-
nuada pelo seu suicessor D. Jeronymo— e
posteriormente pelo cabido na grande vacân-
cia de 1720 a 1740 1 . . .
3 É isto o que diz o padre Sousa, congre-
gado, contemporâneo e testemunha prezen-
ciai. Não fez a mínima allusão á egreja men-
cionada supra, que foi principiada approxi-
madamente em 1693 e que, segundo se vô
do exposto, em 1757, ou decorridos 64 an-
nos, ainda não estava acabada— n^w alicer-
ces tinha'^1. . .
1652 VIS
VIS
face da mesma pedra cinco cruzes em aspa,
—diz textualmente o padre Sousa,
A dictâ memoria ou inseripção era a se-
guinte :
EXCELLENTISSIMUS, ET ReVE-
rendissimus d. julius
Franciscus de Oliveira
HUNG lapidem BENEDIXIT.
Anno 1757. DiE 8 Setembris.
Berardo e F. Manuel suppoem que aegreja
e o convento mandados fazer por D. Ricardo
Russel,— continuados por D. Jeronymo — e
depois peio cabido na vacância de i720 a
1740, estavam em outra parte, mas ignoram
onde e ninguém aponta vestígios de seme-
lhantes edificações, que deviam ser impor-
tantes e não eram muito antigas, o que nos
leva a crer que foram feitas no próprio chão
do extincto convento, hoje Seminário, e que
este as representa.
Sentimos que o padre Sousa, contempo-
râneo de D. Julio e tão minucioso em tudo
o que respeita á congregação de Viseu, men-
cionando as obras do tal convento e da tal
egreja, não diga onde estavam e o que res-
tava d'ellas, quando D. Julio fez a egreja
actual e concluiu o convento. D'este ainda
diz que estava no sitio do Valle (?) e quasi
eoncluido emquaoto ás obras de pedra,
quando para ali mudou a congregação, mas
não diz onde eslava a antiga egreja nem o
que restava d'ella quando D, Julio mandou
fazer a egreja ACtuâl— desde os alicercesl l...
É possível que elie a mandasse fazer no
mesmo chão onde estava a outra,— que esta
fosse demolida até os fundamentos, por não
se adaptar á nova planta,— e que o padre
Sousa omittisse esta eireumstaneia, como por
certo omittiu outras muitas, para não affron-
tar a memoria do seu biographado, amigo
e congregadol . . . Apenas muito a sobrepos-
se levanta uma ponta do veu, dizendo que
D. Julio fòi muito infeliz na escolha da plan-
ta para a nova egreja.
Ahi fica a nossa humilde opinião. Agora
prosigamos.
Eureka, eureka!
Tendo já promptas e em caminho do prelo
as linhas supra, recebemos do ex,"" e rev."»
sr. Joaquim Paes de Sobral, muito digno pro-
fessor de theologia e viee-reitor d'esie Se-
minário, as linhas que seguem e que diri-
mem completamente a questão t . . .
Eil-as :
«Os padres fundadores da congregação de
Viseu alojaram se primeiramente na casa
contigua á capella de Santa Evgenia, hoje
profanada, e depois estabeleeeram-se na ca-
sa que ficava ao fundo da cerca do actual
Seminário e que foi separada pela nova es-
trada real a maeadam de Viseu a Mangual-
de. Ali rezidiram exercendo o seu ministé-
rio na Capella ou pequena egreja que a O.
lhe ficava pegada e que em parte foi corta-
da pela referida estrada, i Ainda hoje se vé
ali o cunhal que era o do lado do Evange-
lho, a fazer quina da mesma casa.
«D*ali deram principio e proseguiram os
padres á obra do convento, que não pode-
ram realisar por um só impulso e por uma
só vez, ficando a parte do sul por concluir.
«A parte que primeiro concluiram foi a
do norte, com as dos lados E. e O., para onde
mudou a congregação, não obstante corre-
rem ainda as obias no prolongamtnto do
lado S. que depois foi continuado, se bem
que não acabado, por D. Julio.'
«A egreja que lhes servia para os actos
religiosos antes da nova, alem da que tinham
no teu 1." hospício, dedicada, segundo pa-
rece, a Nossa Senhora da Assumpção, ficava
no primeiro pavimento do actual edifieio do
Seminário, na parte do norte, que deita para
o grande terreiro ou campo exterior, hoje
Largo Alves Martins. A porta era a mesma
do convento, hoje Seminário, e prolonga va-
se até á S.» janella actual, que hoje deita pa-
ra o mencionado terreiro. Próximo da 6.*
janella havia um arco que ia topar no se-
* V, o que já dissemos sob o n." 7 no tó-
pico dos Templos extinctos—a o que já dis-
semos também supra, n'este tópico do Semi-
nário.
VIS
VIS 1653
gundo pavimento da casa e tinha por cada
lado uma porta que dava para a sacristia, a
qual ficava por detraz do dicto arco, onde
se aecommodava o altar e tribuna.
tA sacristia recebia luz pela 6." janella e
tinha entrada pelos claustros, pela porta que
hoje dá serventia para a aula do 2 " anno do
curso theologico. Á direita d'esia porta es-
tava o lavatório de cantaria muito bem la-
vrada e que foi demolido em 1883, quando
se demoliu o arco também, para dar ás saias
a dimensão que presentemente teem. O es-
paço onde estiveram a egreja e a sacristia
está hoje dividido pelas duas salas das aulas
do 1.» e 2.° auno do curso theologico, com
o aposento do guarda-oortão,— alem do átrio
da portaria, que era corno que uma prolon-
gação da mesma egreja e que ficava inde-
pendente do resto do edifício, depois de fe-
chadas as duas portas que ladeavam o arco.
Tinha este em frenie da portaria uma ima-
gem do Cruciticado p hoje, depois de com-
pletamente vasado, dá também passagem
para a escadaria.
• Ainda hoje se podem ver debaixo do soa-
lho as sepulturas bem talhadas e de pedra
muito bem escodada, que se acham em per-
feito estado de conservação. Na porta de en-
trada, á esquerda de quem entra, está ainda
a pia d'agua benta, como que a indicar ao
Padre Berardo e a Francisco Manuel o logar
da antiga egreja e convento, mandados fa-
zer por D. Ricardo Russel, continuados por
D. Jeronymo Soares e depois pelo cabido na
vacância de 1720 a i740.
«Outra pia d'agua benta se achava á di-
reita da porta que hoje dá entrada para a
sala do 1." anno theologico e que é a pri-
meira á esquerda de quem entra para o
claustro. Era a porta travessa da mesma
egreja, porta por onde. o próprio Berardo
tantas vezes entrou, quando professor d'este
Seminário, para se sentar na cadeira magis-
tral, que estava collocada precisamente no
centro do arco, onde esteve o altar da antiga
egreja.
«Portanto é phantasiar historia o dizer que
os padres congregados tiveram outro con-
vento e outra egreja, mandados fazer pelos
bemfeitores acima indicados, alem do con-
vento que hoje é Seminário, e alem da casa
ao fundo do terreiro ou do Largo Alves Mar-
tins, com a sua pequena egreja pegada.
«As obras a que o padre Leonardo de
Sousa se referiu não eram nem podiam ser
oulrai», senão estas, e não precisava de dizer
onde Oitavara, porque eram patentes a todos
os olhos, t
Do exposto se vê: 1.°— que o edifício do
convento dos Nerys, anterior ao bispo D. Ju-
lio, era, como nós suppunhamos, o mesmo
que D. Julio continuou e que hoje é Semi-
nário;— 2.° que a egreja actual não foi feila
no chão da antiga, mas na extremidade O.
do convento, proloogaudo-se de sul a norte^
como lá se vê e nós já dissemos, — emquanto
que a egreja antiga estava a pequena dis-
tancia da nova;— apenas se mettia de per-
meio o pateo e a escadaria do convento, mas
prolongava-se de nascente a poente, tomando
a fachada N. do edifício desde o portão d'e8te
até a 6.» janella actual.
Suppomos que a dieta egreja formava &
extremidade 0. e a parte principal da facha-
da N. do convento, à imitação do convento
d' Arouca, do das Chagas e do de Santa Cruz,
em Lamego, e do collegio dos jesuítas, hoje
tamb^^m Seminário, em Bragança, etc. Por
este systema de construcçòes muitos con-
ventos, estando aliás em sitios muito visto-
sos, como que se escondiam. Apenas mos-
travam ao publico uma das paredes lateraes
da egreja e por vezes detraz d'ella estavam
encobertos edifícios muito amplos! Podem
citar- se como modêlo de construcçòes n'e8te
género os conventos das Chagas e de Santa
Cruz, em Lamego. Dos dois pouco mais se
vé do que as egrejas, occupando aliás o pri-
meiro uma das faces do grande Campo do
Taholado e erguendo-se o segundo no alto de
Santa Cruz, o sitio mais vistoso de Lamego,
Também suppomos que, fei ta a nova egreja
dos congregados, se prolongou e deu no-va
fórma, — a fórma actual, — á fronteria do con-
vento no espaço comprehendido pela antiga
egreja, pois é muito provável que a parte
occupada por esta não tinha as janellas e sa-
cadas que hoje lá se vêem nos tres pavimen-
1654 VIS
VIS
tos, em perfeita symetria com a parte res-
tante da dieta fachada nobre.
Muito provavelmente a parede lateral e
exterior da dieta egreja apenas tinha uma
porta para o publico e as frestas ou janellas
precisas para darem luz ao templo.
Agora prosigamos.
D. Julio activou tanto a construcção do
novo templo, visitando as obras repetiíias
vezes, pagando generosamente aos operários
e brindando o mestre, etc, que no dia 27 de
janeiro de 17S9, ou passados apenas 15 rae-
zes e 19 dias depois da inauguração das
obras, estava a egreja concluída I D. Julio a
benzeu solemnemerjte e celebrou n'ella a
primeira missa resada, e no dia de S. Fran-
cisco, 29 do dieto mez e anno, se transferiu
para ella o Santíssimo com extraordinária
pompa.
Seguiram-se as festas da dedicação do no-
vo templo, que duraram onze dias e foram
pomposíssimas lambem. Delias se encontra
minuciosa deseripção no catalogo do padre
Sousa, tomo 3 • fl. 214 a 232, e d'ellas dare-
mos um extrai^to na biographia de D. Julio.
As e&cadas do Seminário ou do Convento
dos Nerys
Como já dissemos fallando da cathedral,
depois da abobada dos nós ou de D. Diogo
Ortiz de Vilhegas, a obra d'arte mais notá-
vel de Viseu, em pedra, são as escadas d'este
Seminário, únicas em todo o nosso paiz, não
pelos seus ornatos nem pela sua amplidão,
pois n'esie ponto são muílo superiores, alem
d'ouiras, as escadas do paço episcopal e do
palácio da Bolsa, no Porto. O que mais dis-
tingue estas de Vizeu e as torna singulares
é o segredo e arrojo da sua construcção
Só quem as vê pôde bem avaliai as. Pare-
cera uma fantasia, um sonho, pois compre-
hendem uma grande mole de granito, — nada
menos de 6 grandes lanços de escadas de
pedra, com o peso de muitas toneladas, — to-
dos em recta e lançados sobre o espaço, sem
se firmarem sobre columnas ou paredes nem
assentarem sobre coisa alguma?!...— Ape-
nas tocam nos patamares os seus últimos de-
graus.
Nós nada entendemos de engenheria, mas
já visitámos com assombro as dietas esca-
das e vamos tentar um esforço para d'algu-
ma fórma as descrevermos.
Descuipem-nos as heresias os entendedo-
res da arte.
Estão ellas dentro de uma quadra, espécie
de torreão, qup, a pequena distancia e em
frente da porta principal, se ergue a toda a
altura do edificio e que de norte a sul tem
de capacidade 7'",39 e de E. a O. 6™,97. As
suas paredes N. e S. teem de espessura 2"',29
— e as de E. e 0. 1",35, sendo esta ultima
reforçada pela parede da egreja, que flea na
extremidade O. do convento.
Tem mais espessura as paredes S. e N.,
porque de uma contra a outra se erguem os
differentes. lanços de escadas.
O convento e a porta da entrada paraelle
e para a escadaria olham para N.
Abre a escadaria por 2 lanços parallelos,
distanles um do outro 5",24, e que se pro-
longam de N. 3 S., tocando apenas o 1.° de-
grau no lageado do solo— e o ultimo no 1."
patamar, que também não assenta em coisa
alguma. Apenas toca nas paredes e do meio
d'elle parte o 3.° lanço que vae em direcção
opposta aos 2 primeiros, ou de S. a N., e to-
ca no 2.° patamar que está ao nível do 2.»
pavimento e dá servidão para elle Das
duas extremidades d'este 2 ° patamar par-
tem para S. outros 2 lanços (4.» e S °) lam-
bem parallelos, que tocam no 3.» patamar, e
do meio d'esle parte para N. o 6.» lanço, que
toca no 4.*' patamar ao nivel do 3.° e ultimo
pavimento e que dá servidão para elle.
A isto se reduz a escadaria. Agora mais
alguns detalhes :
Os 2 primeiros lanços parallelos (referi-
mo-nos a quem sobe) contam 16 degraus
cada um; — teem de comprimento cada lanço
5°',79;— cada degrau, sem o revestimento ou
* O 1° pavimento está ao rez de chaussée,
com tecto d'abobada, e por isso escapou ao
grande, incêndio, como já dissemos supra,
na deseripção. d'este edificio.
VIS
VIS 1655
cornija, 1",62;— com a cornija l^jQO;— lar-
gura de cada degrau O^jSS;— altura O^jiSS.
Todos os lanços teem pelo lado inferior
um revestimento da mesma pedra, formando
um cordão de arco de aduelas muito subtis,
com face lisa e em recta, do lado inferior
que olha para o vão. As peças ou aduelas
do dicto revestimento variam em largura e
as d'aquelle8 2 primeiros lanços teem de
comprimento l^jTO.
Em lodos os lanços a recta obliqua do seu
revestimento inferior forma um angulo obtu-
so com a linha horisontal de cada um dos
patamares, cujas extremidades se tocam,
sendo a pedra do fecho coramura aos diffe-
reutes lanços e aos diíTerentes patamares,
tanto a do revestimento inferior como a dos
degraus, ou do lado superior, pelo que as
dietas pedras teem dois cortes que formam o
vértice do angulo;— um corte é obliquo e
correspondente á linha dos difíerenles lan-
ços;—outro corte é horisontal e correspon-
dente à linha inferior e superior dos pata-
mares.
Também todos os lanços e patamares teem
na face inferior um outro revestimento de
pedra transversal, com uma moldura ou cor-
nija sobre que assenta a balaustrada.
Todos os patamares teem superfície plana,
tanto do lado inferior como superior;— to-
mam todo o vão entre as paredes E. e O.—
e são divididos em 3 secções, corresponden-
tes aos 3 lanços ascendentes e descendentes
que n'elles locam, e nota-se que as pedras
que os formam teem cortes differentes. As
2 secções do 1." patamar, correspondentes
aos 2 lanços de escadas qu« recebem, são
formadas (cada secção) por 3 pedras ou adue-
las a completarem o cordão do arco das abo-
badas que muito subtilmente sustentam as
escadas dos dictos lanços; — a central ou sec-
ção intermédia do 1." patamar indica uma
abobada plana, formada por 3 pedras ou
aduelas em sentido transversal, cujas extre-
midades se firmam nas 2 secções lateraes.
Por este engenhoso processo se sustentam
e equilibram sobre o vão todos os patama-
res da escadaria— sem assentarem em coisa
alguma'^ I.
I 0 1.° patamar que assenta no vão {como
todos os outros) tem de largura l^.SO— e de
comprimento total 6"",91.
O 1." lanço central tem de comprimento
5°,14 e 15 degraus;— comprimento d'este3,
afóra a cornija, 1",60;— com a cornija 2",i6;
largura dos degraus O^SGS;— altura O^.IS;
—comprimento das aduelas inferiores l'°,87.
Largura do 2." patamar, em que toca e se
firma este lanço, l^.ôQ;— comprimento 7'°,27.
Este patamar é como o 1.»— liso e plano
tanto do lado superior como inferior e divi-
dido em 3 secções também, formado por pe-
dras, cujos cones são análogos às d'aquelle.
D'esle 2." patamar sobsm para o 3.» a S.
outros dois lanços parallelos como os dois
primeiros, encostados também ás paredes
E. e O., mas sem se firmarem n'ellas. Tem
de comprimento cada um d'estes 2 ianços
5'",03 e 12 degraus;— comprimento d'estes,
afóra a cornija, 1"',58;— com a cornija 1",88;
—altura 0'°,175;— largura 0"',365;— compri-
mento das aduelas inferiores 1",78.
O 3.» patamar tem de largura l^eo e de
comprimento total 7°',2, dividido exactamen-
te como o 1." patamar vão em 3 secções com
os mesmos cortes nas pedras que formam as
dietas secções.
Do meio d'este 3.° patamar sobe para o
4.° e ultimo a N. outro lanço sobre o vão e
sobre o i.° lanço central perpendicularmente
inferior, até bater no 4.° e ultimo patamar,
que está ao nivel do 3.» e ultimo pavimento
e que dá servidão para elle.
Este 6." e ultimo lanço tem de compri-
mento 4'",66 e 12 degraus; comprimento
d'e8tes, afóra a cornija, l'^,60;— com a cor-
nija 2'°,16:— largura de cada um 0"',40; — al-
tura 0™,16;— comprimento das aduelas infe-
riores l'",87.
Este ultimo patamar tem de largura l^^fiO
—e de comprimento total 7'",27.
As aduelas do revestimento inferior de
cada um dos lanços são como aduelas pla-
nas que teem 0'",36 de espessura, largura
arbitraria — e córtes mais ou menos oblíquos
segundo as exigências dos raios de que es-
tas linhas são prolongamento ou antes— see-
1656 VIS
VIS
ção. Sobre este revestimento assenlam os de-
graus e a cornija— e sobre esta a balaustra-
da que reveste a escadaria toda e os pata-
mares e fecha nas paredes laleraes do ultimo,
tendo a dieta balaustrada 0'",85 d'altura.
As pedras transver.aaes, que formam a
cornija e revestem do lado exterior os dif-
ferentes lanços, teem d'altura 0",29— e de
largura na face superior 0°',30.
O 6.° e ultimo lanço ceairal, que dà ac-
cesso ao ultimo pavimento, é de todos os lan-
ços o de mais suave ascenso e que menor
inclinação -tem. mas por isso mesmo maior
pressão faz nas paredes S. e N. e tremeu ha
annos. Perdeu a recta e abrirara-se algumas
fendas nas aduelas do revestimento. Todos
receiaram que desabasse e levasse comsigo
o lanço central inferior.
Consultaram-se differenies engenheiros e
mestres d'obras, mas lodos titubiaram, não
se atrevendo a desmanchal-o com receio de
que não podessem reconstruil-o.
A ruina era imminente e, para d'alguma
fórma a conjurarem, resolveram substituir
a balaustrada de pedra por outra de ferro
fundido, que foi feita na fundição de Massa-
rellos, no Porto, mas não chegou a eollocar-
se, por ser também muito pesada e porque
erraram as medidas.
Parte da dieta balaustrada de ferro ainda
pôde ver-se na egreja d'este Seminário for-
mando teia e dividiudo-a longitudinalmente
em 3 secções cu cochias, sendo mais larga
a do centro, soalhada e destinada para mu-
lheres, e as outras duas para homens,— e
pozeram em toda a escadaria uma balaus-
trada de madeira pintada, flngiodo pedra.
A escadaria íicou aliviada d'um grande peso»
mas continuou gemendo; pôl-a porem no são
6 restaurou-a com toda a perícia um pedrei-
ro ou mestre d'obras ainda moço e com bas-
tante pratica, mas sem curso algum d'eslu
Ú09-^Serafim Lourenço Simões, natural da
aldeia de Sanguinhèdo das Maçãs, freguezia
de Lordosa, concelho de Viseu, onde reside
e vive ainda em idade vigorosa.
O intellígenle moço, depois de estudar bem
a escadaria, montou estadas, — desmanchou
o dicto lanço,— substituiu duas aduelas por
outras mais firmes e com mais alguma es-
pessura para retesarem o arco — e o dicto
lanço ficou firme e firme lá se conserva?!...
Si licet magna componere parvis, fez o que
os engenheiros trepidavam em fazer, — qual
outro portuguez Affonso Domingues, mestre
d'obras e cego que fez a abobada plana da
Batalha, emendando a mão ao grande archi-
tecto flamengo.
V. Batalha.
O mesmo Serafim L. Simões fez outras
obras n'este Seminário, entre ellas o accres-
centamento da torre, as varandas e a cúpula»
e restaurou a capeila mór da egreja, etc.
Ahi lhe fica o nome consignado, sentindo
não podermos consignar aqui também o no-
me do architecto constructor das escadas.
Seria o tal Antonio Mendes, dos lados de
Lamego, que deu a planta para a egreja
actual e a construiu?
Aproveitando o ensejo, lambem consigna-
remos aqui o nome do mestre que dirigiu
as obras de carpinteiro no 3.» andar do cor-
redor do sul e as da sacristia, — e que fez a
balaustrada actual da escadaria e o forro do
torreão em forma cónica. É lambem um ar-
tista intelligenle, natural da freguezia de Ra-
nhados, d'este concelho;— chama-se José An-
tonio Peres, — reside em Viseu e desde a ida-
de de 16 annos succedeu ao seu lio e mes-
tre Francisco Lopes Peres.
O grande terreiro do Seminário, hoje Lar-
go Alves Martins antigamente era mais pe-
queno, mais estreito. Na sua extremidade S.
apenas comprehendia a frente da egreja do
Seminário, a porta d'enlrada d'e3te e um pe-
queno espaço da fronteria até o vão que no
1.» pavimento separa a 2." da 3,» janella.
D'ali partia para N. perpendicularmente um
muro que vedava a cerca e limitava o ter-
reiro, mas, approximadamente em 1868, foi
demolido aquelle muro e o terreiro avançou
até à extremidade leste da fronteria do Se-
minário. A cerca perdeu bastante, mas o Se-
minário, o terreiro e o publico lucraram.
É actualmente vice-reitor d'este semina-
* Para evitarmos repetições, veja-se o tó-
pico Largos e Praças.
VIS
VJS 1657
rio e director espiritual dos alutnnos o rev.
Joaquim Paes de Sobral, presbytero de mui-
ta illustração e bons coàlumes, natural da
Povoa de Ludanes, freguezia de Seuhorim,
concelho de Nellas. Eslava regendo a cadei-
ra de lheologia moral desde 1861 e desde
1885, data em que foi nomeado vice reitor
aecumula as 2 commissões, pois é parocho
de Fragosella, onde se collou em 1882 e lem
um coadjutor a substituil-o.
Foi também ja s. ex.» n'esle Seminário
professor de cantochào, computo ecelesias-
tico, latim e latinidade, regendo as dietas
cadeiras com toda a proíicieucia — e o Semi-
nário deve importantes melhoramentos à sua
zelosa e circumspecta administração.
Por morte do cónego e calendarista da
diocese— Ignacio de Figueiredo Magalhães —
foi em 1884 o sr. Sobral encarregado de o
substituir, e na orgauisaçãu do calendário
para uso do clero visiense teve occasiào de
mostrar uma das suas muitas aptidões, as-
sombrando a todos com os seus vastos co-
nhecimentos cumo rubriciáia e compuiista.
Repartindo o tempo no confessionário, no
acompanhamento dos seminaristas em todos
08 exercícios espiriluaes e no desempenho
dos seus . multíplices cargos^ s. ex.* gasta a
vida em um afan constante, quasi prodígio
so, sem que o trabalho perturbe a lucidez
do seu espirito, o seu adorável bom humor
e a sua encantadora affabílidade.
A s. ex.» agradecemos penhorado os in-
teressantíssimos apontamentos que por in-
termédio do sr. dr. Nicolau Pereira de Men-
donça nos enviou para a descripção d'este
Seminário e da sua bella escadaria, aponta-
mentos que deviam dar-lhe um trabalho in-
sano I...
Conventos
Era Viseu houve quatro:— o de S. Fran-
cisco d^Orgens e o de Santo Antonio, ambos
de religiosos capuchos, — o dos congregados
— e o das freiras benedictinas do Bom Jesus,
único existente ainda. No tópico relativo á
freguezia d'Orgens (V.) já se fallou do 1.» —
e no tópico relativo ao Seminário falláraos
do 3."~ Agora fallemos do 2." ou do
I Convento de Santo Antonio
I
j Os frades capuchos à'Orgens foram sem-
pre um modelo de reformação e humildade,
dedicação e virtude, pelo que os povos das
terras circumvisinhas e da cidade de Viseu,
— homens e mulheres, pobres e ricos, velhos
e eriançaH,— todos sem distincção os adora-
vam. Elles eram os melhores irmãos, os me-
lhores mestres e os melhores amigos de to-
dos,— a bonança, a paz « santelmo nas gran-
des crises,— a sombra e a voz de Deus ao
lado dos moribundos, pelo que todo o anno
e a toda a hora, de dia e de noite, muitas
vezes debaixo de sol ardentíssimo, outras
pisando neve e arrostando com os venda-
vaes, elles, a pedido dos fieis, caminhavam
pressurosos para Viseu no exercício do seu
santo ministério, já para confessarem e con-
fortarem os doentes, já para assistirem aos
moribundos e agonisantes; distava porem o
convento mais de 3 kilometros pelo que os
visienses, condoídos dos pobres frades e de-
sejando tel-os mai8 perto, resolveram le-
val-os para Viseu.
De bom grado annuiram os capuchos,
raesfíio purqae, vivendo de esmolas e sendo
os visienses os seus prioeipaes bemfeitores,
poupavam-se ao incommodo da carreal-as
para Orgens, mas surgiram difliculdades e
foi morosa a transferen^-ia. Empenhou-se em
realísal-a o bispo D. João Manoel que pre-
sava os capuchos como seus filhos e tanto
que no velho Seminário, contíguo ao seu
paço episcopal, tinha sempre duas casas re-
servadas para elles e no seu próprio paço
uma enfermaria onde os traetava, quando
doentes;— e mandava-lhes ao convento as -es-
molas, o que praticavam também muitos vi-
sienses.
Em 1613 o dicto prelado e a camará de Vi-
seu requereram a Filippe III de Hespanha a
transferencia, a qual o rei concedeu por al-
1 O seu pontificado prolongou se de 1610
à 1625.
Veja-se o nosso catalogo.
1658 VIS
VIS
vara de 30 d'agosto do mesmo anno. N'elle i
ordenava ao corregedor de Viseu que pro- j
cedesse à mudança dos capuchos para a ci-
dade;— que o novo convento se Intilulasse
de S. Francisco, por haver sido da observân-
cia o de Orgens;— que este ficasse total-
mente deserto; — que a egreja, quando não
fosse demolida, se entregasse a um ermitão
ou clérigo, para velar pnr elia— e finalmente
que do producto da cerca se desse metade
a quem a fabricasse e a outra metade se dis-
tribuísse em esmolas. Não se effectuou po-
rem então a transff-reneia, por não terem
ainda os capuchos convento na cidade e por-
que 08 povos d*Orgf'nâ ficaram magoadissi-
mos. Com as lagrimas nos olhos, tanto ro-
garam ri pediram ao prelado a conservação
dos capuchos, que o prelado afrouxou no
seu empenho e com eile affrouxaram tam-
bém 08 visienses; entretanto não desistiram
e foram procurando local para o novo con-
vento. Alguém lembrou o chão de S. Marti-
nho; outros lembraram o terreiro de Santa
Cristina; outros queriam se fizesse em Ra-
nhados, na quinta de Santo Antonio do Pe
reiro, que muito generosamente offereceu o
cónego Antonio Leilão, mas recusaram-na,
por ser distante, e decorreram 20 annos sem
tomarem resolução definitiva.
Em 1633 já residiam alguns dos dictos
frades com muito poucos commodos junto
da egreja de S. Miguel do Fetal,— diz o sábio
cónego Berardo nas suas Noticias de Viseu^
sem esclarecer melhor este ponto; F. Ma-
nuel na sua interessante Memoria ms., pag.
137 a 138, accrescenta que viviam nos pas-
saes e antiga residência de S. Miguel do Fe-
tal, hoje quinta dos Cardosos;— Fr. Manuel
da Esperança na Historia Seraphica, tomo
2.°, falia muito largamente do convento d'Or-
gens, mas do de Santo Antonio apenas faz
leve menção a fl. 542, v. in-fine. Valeu-nos
o padre Leonardo de Sousa, pois no seu in-
teressantíssimo Catalogo, fl. 48, v. e 49, diz
que os frades d'Orgens fundaram em Viseu
a sua primeira casa nos subúrbios da.cida-
1 Liberal n." 14 de 20 de junho de 1857-
I de. I Para isto — accrescenta elle—forão ajun-
j tando varias esmollas dos moradores, com
que comprarão hua quinta (hoje — 1767— de
Manuel de Mesquita Cardoso) com suas ca-
sas : tudo quasi contíguo à Igreja de S. Mi-
guel, chamado do Fetal, pelo muito qne B'a-
quelle tempo havia ainda no mesmo sitio.
Erão todas estas propriedades de hum Da-
vid Alvares, pedreiro e mestre d'obras, e as
compraram por tresentos mil réis. Logo em
hua das taes casas, situadas dentro da mes-
ma quinta, erigirão capella, onde se disse a
primeira missa em hua segunda feira, 20 de
junho do dicto anno de 1633, pondo-lhe a
invocação de casa de Santo Antonio.
«N'este sitio e capella se disse a primeira
missa pelo Rev."» Padre provincial da sua
mesma província, que ainda era de Santo
Antonio, e que passados 70 annos (em 1703)
se intitulou da Conceição. Chamava-se o tal
religioso Fr. Manuel do Santa Catharina, na-
tural do Brazil, e pregou o Padre guardião
que então era do convento de Orgens— Fr.
Manuel da Purificação, natural de Bretiande,
bispado de Lamego.
t Assistiu a esta funcção de gosto para os
vizienses, pella commodidade que conside-
ravão na administração dos sacramentos, e
para os taes religiosos de utilidade pelo so-
litário do sitio, e abundância de hortas, in-
numeravel povo, que nunca falta em seme-
lhantes oecasiões.»
A fl. 55, 56 e 57, volvendo a fallar d'e8te
convento, diz mais o seguinte :
• Não satisfeitos os religiosos de Santo An-
tonio, residentes no seu hospieio de S. Mi-
guel desde o anno de 1633, por alguns in-
convenientes que experimentaram no sítio,
determinarão buscar outro para sua firme
presistencia. Havia fallecido (em 1634) o rev.
chantre Gaspar de Campos e Abreu, mora-
dor que fôra em outra quinta situada, e fron-
teira ao terreiro de Maçorim, dos maiores
que tem a mesma cidade, e como por sua
morte lhe ficasse hua filha menor por nome
Theresa, a quem tocou por legitima a mesma
propriedade com todas as suas pertenças,
fizerão as possíveis diligencias para a con-
! seguir.
VIS
VIS 1659
«Muito agradava aos mesmos religiosos o
sitio e a comprarão, com o consentimento
do curador da menor, por dom mil e qui-
nhentos cruzados. Para effeito desta compra
venderão a quinta em que eslavão, com li-
cença da Sé Apostólica. . . e com o producto
de mais algumas esmolas dos principaes mo-
radores de Viseu, fizerão termo de deposito
na mão de Manuel de Mesquita Ferrão, sen-
do corregedor da comarca Manuel de Sousa
de Meneses, e escrivão da correição Antonio
d'Alvellos e Abreu.
«Disposto assim o novo sitio, que consta-
va de hua morada de casas com suas hortas
e mala d'arvores silvestres, artificiosamente
plantadas, ainda não linhão tomado pos-
se por falta da licença d'el-rel, que de Cas-
tella com impaciência esperavão. Chegou fi-
nalmente de Hespanha decreto assignado por
D. Filippe III de Portugal, expedido a 25 de
janeiro de 163o.
«...Tomarão posse aos 29 do mez de
março do dicto anno e logo mandarão abrir
os alicerces para hua egreja de 141 palmos
de comprido e 35 de largo, com corredores
e officinas para 14 religiosos, prezentemente
(refere-se ao anno de 1767) mais de 30, que
a cidade se obrigou a sustentar, com a clau-
zula de pregarem, confessarem e assistirem
aos moribundos. Assim consta de vários do-
cumentos do cartório do tabellião João de
Barros e outros.
«Aos 6 de maio se lançou a l * pedra com
grande solemnídade e assistência do cabido,
senado, nobresa, e povo de hum e outro
sexo.
«Tanto era o desejo que os mesmos reli-
giosos tinhão de assistir, e morar na cidade
que, para se adiantar a obra com a sua pre-
sença, determinarão viesse o Sanlissimo do
convento de Orgens com a maior solemní-
dade possível. Concorreo a este acto innu-
meravel povo... prezidindo aos taes reli-
giosos o seo provincial Fr. Francisco de S.
Miguel e o Padre Guardião Fr. Manoel da
Purificação. Collocado o Senhor eui hum
oratório feito nas casas da mesma quinta,
n'ella ficou por regente com alguns religio-
sos o venerável Fr. João de Villa Real, eon-
I fessor que foi da rainha D. Luiza, mulher
j d'el-rei D João IV.
I «Continuarão as obras, e em brevíssimo
tempo se concluirão, pello que concorrendo
para o tal convento por obediência do pro-
vincial vários religiosos de Lisboa, a quem
ainda se achava sugeita a provimia da Con-
ceição, ti verão por seo primeiro guardião da
dieta casa vizense Fr. João da Natividade,
pregador.»
A transcripção é longa, mas interessante
para a historia d'este convento e quizemos
salvar, ao menos em parte, o qae ainda resta
do Catalogo do Padre Sousa.
Em 1718 era guardião d*este convento Fr.
Jorge d'Assumpção, denominado cflj9ííí?o, por
que longos annos viveu captivo na Africa,
soffrendo com resignação evangélica as maio-
res torturas, privações e affrontas. Foi.muíto
estimado pelo bispo visiense D. Jeronymo
Soares, que se comprasia em palestrar com
o dicto guardiãc e em ouvir a teirica histo-
ria dos christãos captivos, pelo que se de-
clarou protector d'elle9, contribuindo com
largas esmolas para o resgate d'aquel!es in-
felizes, e foi também um insigne bemfeitor
d'este convento, bem como D. Ricardo Rus-
sel.
Veja-se no nosso catalogo a biographia
d'esies dois beneméritos prelados visien-
ses.
D. Ricardo mandou fazer n'este convento
a enfermaria, e na mata um grande terreiro
circular, com assentos de pedra em volta,
onde costumava no verão passar as tardes,
rindo e palestrando com os religiosos e com
os noviços, dirigindo a estes graças ínnocen-
tes e dictos joco-serios para os divertir e/a-
zer rir, dislribuindo lhes ao mesmo tempo
pela sua própria mão grande quantidade de
doces, que para o mesmo fim levava em cai-
xas no vão da sua carruagem, fomo diz o
padre Sousa.
Estavam todos então por certo bem mais
coDtenles e tranquillos do que em 164i>
quando se deu o facto seguinte:
' «No dia 12 de junho de 1641, diz Berar-
1660 VIS
VIS
do 1 mudarão os religiosos para o novo con- j
vento e celebrarão a primeira missa na sua .
egreja.
iPor este tempo ardia Portugal em gue rra
contra Casiella, o povo estava armado, e os
telegraphos grosseiros que davãq signal da
entrada do inimigo erão simples fachos ou
fogueiras eolloeadas n'uma serie de posiçiíes
até ás raias deHespanha. No dia 14 d'agosto
d'aqaélle anuo aconleceo incendiarem-se os
fachos; o povo correo ás fronteiras, porem
chegando ao logar de Cavernães, souberão
que foi rebate falso.
«No ensejo de voltarem para suas casas,
hum certo serralheiro João Gomes Pardello,
que era mester da camará n'aquelle anno,
homem audaz e agitador, concebeo o pro-
jecto de acabar com hum certo Luiz Ferrão,
seu inimigo figadal, que andava homisiado,
e corria por certo ter-se acoutado no con-
vento de Santo Antonio de Maçotim.
• Com este intuito Pardello harengou
áquellas turbas, excilou-as, e assegurou-
Ihes, que os traidores esta vão escondidos na
cidade de Viseu. Unem-se-lhe então mais de
<]uatro mil pessoas, que capitaneadas por elle
vem acommeiter o convento de Maçorim,
Entrão pela clausura, arrombão, deiurbão,
e destroem quanto se lhes oppòe. Não vale
aos religiosos o prestigio da veneração que
gosavão, e aquelles que ha pouco beijavão o
burel grosseiro dos seus hábitos, lhe cospem
agora e o puxão de despeito e ira.
«Já se dispunhão para incendiar o con-
vento, quando os religiosos tomarão o expe-
diente de ir tirar o Sagrado Viatico, e apre-
sentarem-se com elle ao povo amotinado.
Aquietarão-se então os ânimos pouco a pou-
co, e como alguém dissesse que ali não ha-
via traidores, forão-se retirando confusos e
quasi envergonhados. Tal hé o caracter da
gentalha vil e ignorante I. . .»
Foi este convento casa de noviciado dos
capuchos franciscanos da provinda da Con-
ceição, depois que em 1703 esta província se
desmembrou da de Santo Antonio,— em 1834
1 V. no Liberal o mesmo numero citado
supra.
foi extincto, como todas as aossas ordens re-
ligiosas;—passado pouco tempo a egreja foi
profanada e todo o convento foi reduzido a
quartel militar do regimento de infanteria
n.° 14, ainda hoje aqui estacionado.
F. Manuel diz que estes religiosos viveram
28 aunos na sua casa de S. Miguel do Fetal,
mas n'este ponto claudicou, pois, como já
dissemos, installaram-se na quinta de S. Mi-
guel do Fetal em 1633;— veoderam-na em
1634 a 1635;— em 1641 ja estavam definiti-
vamente installados em Maçorim, havendo -
se transferido para ali annos antes, — talvez
em 1635, para activarem a construeção do
novo convento. Logo apenas estiveram em
S. Miguel 2 a 8 annos e não 28 annos.
F. Manuel suppõe que elles mudaram para
S. Miguel do Fetal quando tentaram pela 1.»
vez transferir-se para Viseu no anno de 1613,
mas o padre Sousa diz que deixaram pas-
sar mais de 20 annos sem que se effectuusse
o intentado. Refere-se á mudança proviso
ria para S. Miguel em 1633 e para o orató-
rio de Maçorim em 1635— e á mudança de-
finitiva para o convento de Maçorim em
1641.
Note-se que o convento d'Orgens nunca
ficou totalmente deserto, como no seu alvará
ordenou Filippe III de Hespanha. Pelo con-
trario conservou sempre religiosos capuchos
em forma de communidade mais ou menos
numerosa até 1834, data da extineção dos
conventos.
Coincidência
Em 1635 desabou uma das torres e com
ella a fronteria da cathedral— e no mesmo
anno se inaugurou a construeção d'e8te con-
vento franciscano de Santo Antonio de Ma-
çorim, pelo que o dr. Manuel Botelho Ribei-
ro nos seus Diálogos {Códice de Girabolhos
pag. 477 a 480) dedicou a esta coincidência
um longo romance, do qual extractaremos
apenas os versos seguintes :
«Só porque sólo en el tiempo
Que nuestra iglezia há caido.
Restaura la perdicion,
Y nos dá eonsuelo y brio.
VIS
Beza el pied, lôva a tu Santo,
Viseo, por tal beneflcio,
Que te viene a soeeorrer,
Ja razos tus edifícios.
Gente devota, alegraos.
Que ya Antonio y Francisco
Tiene applacado a DiÓ3,
E revogado el castigo.
; Convento do Bom Jesus
de freiras benedictinas
Demora no largo das Freiras, pelo qual se
entra para a egreja e portaria.
A sua historia em resumo é a seguinte: ^
Pelos annos de 1560 dois nobres visien-
ses—o licenciado Belchior Lourenço e sua
1." mulher Mana de Queiroz Castello Bran-
co,—ião tendo filhos, resolveram fundar um
convento de freiras benedictinas e para esse
fim a dieta senhora no seu testamento com
data de 17 d'abril de 1569 doou todos os
s€us bens ao bispo D. Jorge d'Athaide, com
a condicção de ser admittida no projectado
convento uma sua sobrinha e, se o convento
se não fizesse, deixava a testadora todos os
seus bens em morgado e vinculados á Ca-
pella de S. Luiz, por ella mandada fazer,—
morgado de que seria primeiro administra-
dor Constantino de Castello Branco, seu so-
brinho. 2
D. Jorge d'Athaide, cujo pontificado se
prolongou de 1568 até 1578, deu principio
e grande impulso ás obras, mas nào as con-
1 Benedictina Lusit: por Fr. Leão de S.
Thomaz, tomo 2.» pag. 396 a íOO;— Noticias
de Vizeu pelo cónego José d'01iveira Berar-
do, no Liberal n." 14, de 20 de junho de 1857;
—Diálogos do dr. Botelho, pag. 430 e 431 no
Códice de Girabolhos;— Catalogo do padre
Leonardo de Sousa, tomo 3.» íl. 23— e Me-
moria de Francisco Manuel Correia, pag.
86 e 87.
2 Vejam-se os auctores citados, os quaes
todos seguem a Benedictina Lusit. menos o
dr, Botelho, cuja lição differe muito n'este
ponto.
VOLUME XI
VIS 1661
cluiu. Em 1579 até 1585 foi bispo de Viseu,
e bispo aliás benemérito, D. Miguel de Cas-
tro, mas durante os 6 annos do seu pontifi-
cado não se importou com o dicto convento.
Sueeedeu-lhe em 1586 o bispo D. Nuno de
Noronha, que logo se entendeu com os her-
deiros do licenciado Belchior Lourenço e de
sua 2." mulher— e activou tanto as obras que
em menos de 5 aonos ultimou o mosteiro,
— dotou-o cora o rendimento da egreja de
S, Cypriajio—e n'elle installou com grande
pompa as primeiras religiosas, vindas do
convento, também benedictino, de Ferreira
d' Aves, depois de obter permissão do papa e
do rei.
Estando tudo disposto para a abertura do
novo convento, partiu D. Nuno para Ferreira
d'Aves no dia 26 de setembro de 1592, tendo
feito saber á nobresa da cidade que no dia
27 (domingo) havia de entrar n'ella com as
religiosas, como effectivamente entrou pelas
4 horas da tarde, acompanhado por toda a
nobresa, pelo cabido e por muitos cidadãos
de Viseu, que foram esperar o bispo e as
religiosas a uma legoa de distancia.
Eram ellas as seguintes:— Leonor de Tá-
vora das Chagas, senhora respeitabilissima,
destinada para abadessa e pertencia á nobre
familiaTavoras;— Jeroííí/ma Cabral da Cruz,
dos Cabraes de Belmonte, prioresa;—Vio-
lanta do Espirito Santo, irmã da abbadessa,
e Magdalena da Ressurreição, porteiras;—
Joanna Mendes da Assumpção, sacristã;—
Filippa Correia da Annunciação, mestra de
noviças, cantora- mór e tulheira.
Poisaram as religiosas nas melhores casas
dft Viseu que d'antemão estavam despejadas
e preparadas para as receberem;— ali des-
cançaram até que no dia 29, terça feira, dia
de S. Miguel o Anjo, foi logo de manhã D. Nu-
no cumprimentai -as e em seguida as acom-
panhou com immenso concurso de povo até
à Sé, onde o prelado em seguida cantou
missa solemne, pregando o afamado orador
João de Lucena, jesuita.
Terminada a festa organisou-se uma so-
lemne procissão com todas as bandeiras e
cruzes, cabido e mais cleresia da cidade e
seu termo;— n'ella se incorporaram as reli-
105
1662 VIS
VIS
giosas com os seus hábitos e cogulas;— em
seguida o prelado tomou nas mãos a sagra-,
da custodia com o Sanlissimo;— a cantora-
mór Filippa da Aanunciação levantou o Te
Deum laudamus, que foram proseguindo os
cantores e o clero;— poz- se em marcha a
procissão 6, depois de dar uma grande volta
pela cidade, entrou na egreja do convento.
O prelado coUoeou o Santíssimo no sacrário;
— depois levou as religiosas até o côro do
convento,— ali mandou sentar a abbadessa e
lhe deu posse — e em seguida retirou-se para
o seu palácio da Sé. De tarde volveu ao con-
vento e com toda a solemnidade e extraor-
dinária concorrência de povo lançou o ha-
bito a 8 noviças, sendo a i.» JD. Pautn de No-
ronha, sua sobrinha, que posteriormente foi
abbadessa repetidas vezes. Pregou também
por essa occasião o mesmo padre João de
Lucena, compungindo até as lagrimas o pró-
prio bispo.
Assim começou este mosteiro, que hoje
(1887) conta cerca de 300 annos. N'elle se
devem ter passado factos importantes, cuja
memoria se perdeu. Oecorrem-nos apenas os
seguintes :
iEm 19 de novembro de 1737 sahirão as
freiras do convento da cidade de Vizeu em
acto de communidade com a cruz levantada,
ao terreiro a esburralharem e desfazerem
huma porta da parede do quintal das casas
de Balthazar Pinto da Motta, escrivão das Si-
sas d'esta cidade; a cujo acto concorrerão
todas as justiças para as aceommodarem,
porem ellas não se recolherão sem ficar a di-
eta porta de todo tapada, e sem signal do
que foi.»
É isto o que textualmente diz Berardo nas
suas Noticias de Viseu (logar citado). O mes-
mo sábio cónego diz também que, por moti-
vos d\elle ignorados, as justiças de Viseu pro-
hibiram a certas pessoas todo o tracto, com-
municação e correspondência com as reli-
giosas d'este mosteiro, e em seguida aponta
uma provisão, da qual se infere que no mela-
do do ultimo século home grandes desgostos
que envolveram uma religiosa d'este con-
vento e dois dos primeiros fidalgos de Viseu,
pae e filho I. . . |
. A meDcionada provisão ó a seguinte :
•D. José por graça de Deus rei de Portu-
gal e dos Algarves, etc.
«Faço saber a vós corregedor da comarca
de Vizeu, que Manuel Cerdoso de Loureiro,
capitão mór d'essa cidade, e seu filho do
mesmo nome me representarão por sua pe-
tição, que recorrendo ao Dezembargo do Pa-
ço para que lhes levantasse a prohibição de
poderem entrar n'essa cidade que por ordem
Minha se lhes havia posto, em resultado da
Alçada que estivera n'essa mesma cidade;
e por haverem cessado os fundamentos da
dieta prohibição e estar satisfeita a parte, e
o supplicante pai ter cumprido o degredo (?)
em que fòra condemnado, e se lhe deferira
que recorressem a Mim immediatamente,
como constava da petição que juntarão, na
qual também se referia e justificava que os
supplicantes tinbão sete filhas e netas don-
zellas, que estavão em grande desamparo, e
estava destruida a sua casa por andarem
mais de dez annos auzentes d'ella, e pelas
grandes despezas que lhes fizera a dieta Al-
çada; e que o supplicante pai padecia quei-
xas gravíssimas que só poderiam ter remé-
dio nos ares da sua pátria, pedindo — elle
que lhe fizesse mercê conceder provisão pa-
ra que os supplicantes se podessem recolher
à dieta cidade, . . . Hei por bem que os sup-
plicantes se possão recolher a essa cidade e
estar n'ella ...com a declaração porem que
não poderão ir ao Convento das lieligiosas
de S. Bento dessa cidade, em quanto se não
morigerar o génio da Religiosa, filha de D,
Josefa 1 . . .
«El rei Nosso Senhor o mandou e Anto-
nio Alves Pimenta a fez em Lisboa a 13 de
maio de 1751 annos. . . »
A egreja d'este convento era muito pe-
quena, pelo que as freiras em 1628 lhe ac-
creseentaram 31 palmos,— e no mesmo an-
no, em 23 de fevereiro, foi tanta a chuva em
Viseu que parecia um novo diluvio,— inun-
dou a egreja d'este convento e obrigou as
freiras a mudarem o Santíssimo para o altar
da enfermaria.
Também nos fins do século xvii ou prin-
VIS
VIS 1663
cipios do século xviii, sendo pequeno o mos-
teiro e achando se bastante arruinado, o
santo bispo D. Jeronymo Soares n'elle fez
um grande corredor fronteiro á egreja e re-
formou varias oílicinas.
Veja-se no nosso Catalogo os tópicos rela-
tivos a D. Nuno de Noronha, D. Fr. João de
de Portugal, D. Jeronymo Soares e D. Julio
Francisco d' Oliveira.
Este ultimo prelado na sua primeira vi-
sita da diocese também visitou este conven-
to, gastando com a visita nada menos de 17
dias— e com a da Sé 15 dias ! Foi muito ri-
goroso e minucioso na sua primeira visita
da diocese;— processou e prendeu muitos pa-
dres, incluindo alguns parochos coitados, e
outros tiveram de homisiar-sel...— mas
com o seu rigorismo e prepotências indis-
poz-se com toda a cidade,— recebeu as maio-
res desconsideraçces,— chorou lagrimas de
sangue,-'íet?e de pedir de joelhos na Sé pu-
blicamente perdão a todos em um dia de festa
dupplex de í.» classe, no dia 6 de janeiro de
1746,— Q em seguida soltou todos os padres
que estavam presos.
Na visita das egrejas demorava-se quasi
sempre até alta noite. Finalisou tão tarde,
por exemplo, a de Villar Secco, no concelho
de Nellas, que dirigindo-se em seguida para
a residência do abbade de Santar, distante
cerca de 4 kilometros, chegou ali ás duas
horas depois da meia noite ? I . . .
Terminaremos dizendo que d'este conven-
to apenas resta hoje uma freira professa, com
o titulo de abbadessa,— D. Maria Delfina, fi-
lha natural do fallecido conselheiro José Ma-
ria Leite, da Villa da Aguieira, tio materno
de João de Saccadura Bote Cortereal Pache-
co, da mesma villa da Aguieira, que falleceu
ha pouco em Lisboa. Esta senhora está de-
crépita e o convento prestes a extinguir-se^
pelo que o prelado diocesano pediu ao go-
verno para ali se estabelecer uma casa de
educação religiosa para meninas pobres e
porcionistas, mas parece ter encontrado dif-
ficuldades esta pretenção.
Ordens S."
Ha em Viseu duas Ordens Terceiras,— a
de S. Francisco d' Assis e a de Nossa Senho -
ra do Carmo. Paliaremos d'ellas conjancta-
mente, porque a 2.» ó ramificação da 1.» —
e vamos resumir quanto possível, para não
fatigarmos os leitores.
A Ordem 3.* de S. Francisco foi inslallada
primitivamente na cathedral em 1557 e ali
funccionou 39 annos, ou até 1596, data em
que passou para a egreja da Misericórdia.
Em 1636 achava-se em decadência, mas um
Fr. Lourenço d' Évora excitou a devoção dos
visienses e no dia 11 de fevereiro d'aquelle
anno se elegeram mesarios da dieta ordem
no côro do convento franciscano de Santo
Antonio de Maçorim,— ou no oratório que ali
tiveram os capuchos durante a construcção
do convento,— construcção que principiou>
como já dissemos, era 1635.
Restaurada a dieta ordem 3.", continuou a
exercer as suas funcções em uma capellinha
e casa que os bispos lhe mandaram edificar
sob a enfermaria do mencionado convento,
até que em 1729 se levantou grande dissen-
ção entre os frades e os seus irmãos 3.»'.
Depois de grandes sensaborias, os religiosos
taparam a porta da casa dos 3."" que lhes
dava entrada pelo adro,— entregaram -lhes as
imagens e alfaias— e despediram-nos.
Os 3." despeitados dirigiram-se ao cabido,
que então governava a diocese, e com au-
ctorisação d'elle foram estabelecer-sená Ca-
pella de Santa Christina, onde se conserva-
ram cerca de 4 annos sempre em pleitos com
os capuchos e fazendo esforços para obterem
um padre commissario dos franciscanos ob-
servantes, o que não poderam conseguir,
pelo que muitos dos irmãos se despediram
da ordem, mas outros mais dóceis volveram
com as imagens e alfaias para o convento de
Santo Antonio e se conservaram submissos
aos capuchos.
Não se deram por vencidos os dissidentes
e, animados com o apparecimento do livro
Thesouro Cnrmelitano, vendo que os Irmãos
3."' do Carmo obtiveram um pasmoso nume-
ro de indulgesncias, tractaram logo de pedir
ao provincial dos carmelitas calçados um
commissario para instituírem uma Ordem
3.» do Carmo na mencionada capella de San-
le64 VIS
VIS
ta Christina, que para semelhante eEfeito já
o cabido sede vacante lhes havia doado.
Em 21 de maio de 1733 chegou a Viseu
o Padre mestre Fr. João de S. Thiago, car-
melita, commissario da mesma Ordem em
Lisboa, e logo no dia 24 do dicto mez lan-
çou na capella de Santa Christina o habito
a mais de 120 pessoas d'ambo3 os sexos. De
tarde fez a sua missão e acto continuo foram
eleitos os mesarios, segundo o disposto nos
estatutos geraes da Ordem. Nos dias seguin-
tes celebraram-se grandes festas e procis-
sões em acção de graças, assistindo muito
povo da cidade e circumvisinhanças;— alis-
taram-se como irmãos cerca de 1:900 pes-
soas— e o padre commissario retirou-se mui-
to satisfeito, deixando nomeado substituto,
em harmonia com os poderes que lhe dera
O provincial.
Resolveram logo os confrades fazer um
templo mais amplo em substituição da ca-
pella de Santa Christina e, confiados na Pro-
videncia, pois não tinham ainda os fundos
necessários para tal empresa, arremataram
logo as obras de pedra por cinco mil crusa-
dos. Entretanto foram os mesarios pedir de
porta em porta, confiados na Providencia,
que não os abandonou, pois em dois dias
juntaram oitocentos mil réis, — somma impor-
tante n'aquelle tempo,— e só o cabido sede
vacante lhes deu mais ires mil crusadosl. . .
Receberam ainda outras muitas esmolas e
assim tiveram a satisfação de verem a sua
egreja acabada no dia 13 de junho de 1738
— egreja que nos fins do ultimo século foi
restaurada e ampliada na forma que hoje se
vê, com uma elegante fronteria nova e duas
torres.
É um dos templos mais vistosos e mais
formosos de Viseu e muito bem situado.
Ergue-se á entrada do espaçoso e lindo
campo de Santa Christina, hoje Largo Alves
Martins,— ão lado poente, á direita de quem
vae da cidade e, como já dissemos fallando
da monstruosa circumscripção parochial de
Viseu e da urgente necessidade de uma no-
va circumscripção, a dieta egreja de Nossa
Senhora do Carmo está a todos os respeitos
admiravelmente situada e talhada para egre-
ja matriz, com previa acquiesceneia da res-
pectiva Ordem.
No Epitome Carmelitano do padre Leo-
nardo de Sousa, auctor do Catalogo n>s. por
nós tantas vezes citado, se encontram amplas
noticias com relação á ordem e á egreja de
que no momento nos oecupamos.
Veja-se também o que já dissemos nos tó-
picos Egrejas, Largos e ruas e Edifícios bra-
zonados.
Por seu turno os irmãos 3.°' de S. Fran-
cisco, vendo com emulação o progresso dos
seus irmãos dissidentes, tractaram de fazer
também um templo em nada inferior ao do
Carmo.
Pelos annos de 1740 obtiveram do cabido
sede tacante doação da formosa capella de
Nossa Senhora da Victoria, com intento de
amplial-a, mas depois reconsideraram; fize-
ram a egreja e casa que hoje possuem no
Campo de Maçorim, ou Passeio de D. Fernan-
do, junto do extineto convento dos capuchos
de Santo Antonio, hoje quartel militar,— e a
pequena distancia da capella da Victoria,
que ainda lhes pertence.
Lançou cora grande pompa a primeira pe-
dra ao novo templo o bispo D. Julio Fran-
cisco d'01iveira no dia 9 d'abril de 1746,
mas só em 1763 se concluiu. O mesmo pre-
lado deu muitas esmolas para a construcção
da dieta egreja e mandou fazer á sua custa
o adro e a bella escadaria, onde poz as suas
armas, como em todas as suas obras.
Para evitarmos repetições, veja-se também
o que já dissemos nos tópicos Edifícios bra-
sonados, Egrejas e Capellas.
Terminaremos dizendo que a pag, 32 e 38
do esplendido Álbum Visiense ^ podem ver-
se em lytographia a egreja da Ordem 3.»
de S. Francisco e a de Nossa Senhora do
Carmo.
* No tópico Movimento jornalistico já de-
mos ampla noticia d'este formoso Álbum.
VIS
VIS i665
Irmandade da Misericórdia,
— sua antiguidade e seus fundos,
— a egreja e suas dependências,
—o Banco e o Hospital Novo,
— o Azylo de Inválidos e o Cemitério
Pela sua antiguidade e seus fundos, pelos
ediflcios e estabelecimentos que representa
e pelos serviços que presta aos pobres e ao
publico, a irnoandade da Misericórdia de Vi-
seu é sem contestação hoje a primeira d'esta
província e uma das primeiras do nosso
paiz.
Não sabemos quando foi fundada nem o
nome do seu fundador, mas sabemos que é
uma das mais antigas de Portugal, pois ten-
do sido creada a i* em Lisboa pela rainha
D. Leonor, mulher de D. João II, em 1498,
a de Viseu foi creada poucos annos depois,
como provam os primeiros estatutos que
ainda guarda no seu archivo e que são os
mesmos da de Lisboa, approvados e manda-
dos imprimir por el-rei D. Manuel em 20 de
janeiro de 1516, os quaes terminam pelas
seguintes palavras escriptas pelo próprio rei^
Mandamos que este compromisso se cumpra
e guarde pela Misericórdia da Cidade de Vi-
seu assim e tão inteiramente como nelle se
contem. El Rey.
E tem appenso um alvará, também auto-
grapho, com data de 8 de junho de 1521, fa-
cultando á Misericórdia de Viseu a nomeação
de 4 pessoas que peçam esmolas para ella.
Data pois dos princípios do século xvi— e no
século XVII fez novos estatutos que foram
concluídos em 8 d'abril de 1626— e confir-
mados por Filippe III em 14 de maio do
mesmo anno.
Durante muito tempo viveu com poucos
recursos. Por vezes a sustentação dos enfer-
mos correu por conta dos beneméritos me-
sarios e dos bispos visit^nses^ que foram sem-
pre 08 seus primeiros bemfeítores, mas hoje,
1887, graças à sua boa administração e à
protecção do publico, vive desafogadamente.
Os seus fundos estão orçados em mais de
SOO contos de reis—e não se faziam talvez
hoje com duzentos contos os edificios e al-
faias que possue ? I . . .
Tem uma egreja esplendida muitíssimo
bem tractada e admiravelmente situada
mesmo em frente da Sé, a N. 0. do espaçoso
adro, olhando para S. E., no centro de um
vasto edifício que forma com ella um todo
elegante, regular e vistosíssimo, erguendo-
se nas suas extremidades E. e O. duas bel-
las torres;— e ao longo da fachada de todo o
ediflcio tem um lindo adro próprio com
guarnições de granito, para o qual se sobe
por uma elegante e ampla escadaria da mes-
ma pedra em forma de meia laranja.
No Álbum Visiense, a pag. 12, se encontra
uma formosa litographía, representando com
a maior fidelidade a fronteria d'esta egreja
e de todo o edificio, comprehendendo as tor-
res.
Não se confunda o Álbum
Visiense com o Almanach de
Viseu. Esta ultima publicação
é contemporânea da primeira i
e lambem illustrada com litho-
graphias e gravuras, mas mui-
to menos nitida e em 8.», em-
quanto que a primeira, como
já dissemos no tópico Movi-
mento jornalistico, é uma pu-
blicação luxuosa, toda illustra-
da com bellas lithographias e
em folio.
Na parte N. do grande edifício, á esquer-
da da egreja, estão a casa das sessões e ou-
tras dependências da Misericórdia;— na par-
te opposta funcciona o Banco de Viseu, pois
é formado em grande parte com o dinheiro
da Santa Casa, como já dissemos sob o ti-
tulo Banco CommerciaL
Para elle deu a Misericórdia 4O:0OOWO
de réi?.
Tanto a egreja como a parte restante do
edificio e as torres teem sido feitas, restau-
radas e ampliadas em differentes datas.
As duas torres e o frontispício da egreja
datam dos fins do século xvm em substitui-
1 O Almanach é de 1884— e o Álbum é de
1884 a 1886.
1666 VIS
VIS
ção d'outras torres e d'outra fachada muito
mais antiga;— a eapeila mór e os ediffcios la-
teraes são dos principios d'este século; — o
corpo da egreja foi reedificado em 1842;—
o belio órgão que tem pertenceu aos capu-
chos de Santo Antonio de Maçorim e pouco
depois da extincção das ordens religiosas,
em 1834, sendo profanada a egreja dos ca-
puchos, foi mudado o órgão para esta da
Misericórdia;— em 1875 se fizeram as tribu-
nas dos dois altares lateraes;— em 1876 eri
giu-sp do lado da epistola na capella mór a
Capella do Sonhar do Calvário— e em 187S a
1877 se restaurou a parte N. do edificio da
Misericórdia.
Tem na fronteria as armas reaes portu-
guezas e interiormente 3 altares, tecto de
abobada de tijolo e o bello órgão, etc.
Hospitaes
O primeiro hospital da Misericórdia de Vi-
seu foi o das Chagas, instituído em 1585, se-
gundo se lô nas Noticias de Viseu por Be-
rardo, í— ou em 1565, segundo se lô na, Me-
moria de Francisco Manuel Correia,— por
Jeronymo Bravo e sua mulher Isabel d'Al-
meida, junto da egreja de S. Martinho, 2 pa-
ra n'elle se tractarem os doentes que não
excedessem 3 mezes de curativo,— e para
esse fim vincularam todos os seus bens em
morgado, impondo aos differentes adminis-
tradores d'este a obrigação de darem per-
manentemente 9 camas e as alfaias necessá-
rias para o dicto hospital. A sustentação dos
doentes ficou a cargo da santa casa, bem
como a admissão d'elles, etc.,— e na capella
do dicto hospital foram sepultados os seus
beneméritos fundadores.
Com o tempo arruinou-se e pela sua pe-
quenez tornou-se impossível para o movi-
mento da população de Viseu e suas eir-
cumvisinhanças, pelo que o bispo D. Julio o
reedificou e ampliou á sua custa em 1758 a
1760.
1 Liberal n.» 13 de 17 de junho de 1857.
' V. o n.» 2 DO toT^ico—Templos extinctos.
Berardo nas suas Noticias de Viseu {Libe-
ral n.» 13 de 17 de junho de 1857) diz que
o bispo D. Julio mandou fazer as dietas
obras em 1769. Foi lapso ou erro de im-
prensa, pois D. Julio falleceu era 1765. De-
via dizer como diz F. Manuel na sua Memo-
ria (pag. 107)— 1759, ou antes, como nós di-
zemos,—1758 a 1760, pois no interessante
Catalogo ms. do padre Sousa, 1 biographo e
contemporâneo de D. Julio, e testemunha
ocular das dietas obras, se lé textualmente
o seguinte :
«Não se esquecendo o ex."» D. Julio Fran-
cisco d^Oliveira, da grande necessidade que
tinha o hospital de Vizeu, de reforma gran-
de no seo arteficio, e havendo mandado ex-
pressar aos irmãos da Mizericordia no anno
de 1758 o queria reparar, e accrescentar,
aceitarão elles com grande gosto a noticia,
e esmolla. Era então provedor o rev. Ihesou-
reiro mór Luiz Antonio d'Almeida, e seo es-
crivão Manoel de Mesquita Cardozo. Logo
determinarão os vogaes manifestar ao pu-
blico o seu agradecimento, fazendo cantar
missa solemne na sua mesma Igreja
«Precederão a isto na véspera laminarias;
e no dia de tarde touros, mascaras, e varias
danças. Esta obsequiosa demonstração de
alegria em todos os vizienses, fez com que a
obra continuasse (?) com mayor calor 2 de
sorte que no mez de fevereiro de 1760 se
achavão não só promptas duas enfermarias
para homens, e mulheres, com 48 lugares;
alem dos do venéreo: mas juntamente huma
especial casa separada com Roda para crian-
ças engeitadas. fias paredes exteriores do
mesmo hospital, junto á sua porta, se eollo-
earão para memoria porduravel de tão insi-
gne bemfeitor duas grandes targes com as
armas do dicto prelado, declarando o anno
em que a tal obra se fizera— 1759. '
1 Tomo 3.», L. 3.» cap. 11, fl. 232, v. e 233.
2 O bispo D. Julio gostava muito de appa-
rato e de festas.
P. A F.
' JuLius Franciscus de Oliveira,
Episcopus Viziensis, refecit,
ET AMPLIAVIT. ANNO 1759.
Leonardo de Sousa.
VIS
VIS 1667
«No sobredito anno e no mez de março,
mandou entregar as chaves de toda aquella
nova estancia aos mesmos irmãos. Celebra-
rão elles da mesma sorte esta nova posse,
como quando íizerão aeeeitação da offerta.
Cantou a missa o rev. cónego João Pereira;
e fez o panegírico o rev. Manuel da Cunha,
mestre que era no Collegio da classe ter-
ceira 2.
«Não poucos nem pequenos forão cs gas-
tos que nisto fez s. ex.% porem nunca lhe im-
pedirão dar estnollas a outros necessitados.
Até o memorado anno de 1760 (?) não faltou
em dar esmoUa publica, e geral aos sabba-
do3 de manhã á sua porta. Havia dia em que
se juntavão SOO pessoas; e a não vir a ley da
Policia, continuaria na mesma ae(;ão até á
sua morte. Porem como soceorria as faltas
occultas dos moradores vizenses por mãos
do seo esmoller; satisfazia para com Deos,
nesta sua grande charidade.» '
O mesmo bispo D. Julio no anno de 1764,
penúltimo da sua existência, deu á Miseri-
córdia para fundo do dicto hospital a im-
portante somma de dez contos de réis em di-
nheiro, que por certo equivaliam a mais de
vinte contos da nossa moeda actual ? I. ..
í Aqui ha uma emenda no texto e uma
cota que diz antecedente anno.
A redacção ó confusa n'este ponto, mas,
pelo que se lê infra e sMpj-a, julgamos que o
padre Sousa se referia ao anno de HQO.
2 Do exposto se vé que o antigo Seminá-
rio de Viseu se denominava Collegio, nome
que ainda hoje conserva o edifício oude func-
cionava e que lá se vê junto da Sé, à esquer-
da de quem entra, como já dissemos e dire-
mos ainda no tópico do Paço Episcopal.
Também se denominou Collegio o antigo
Seminário de Lamego.
V. Lamego n'este diccionario e no supple-
mento.
3 O marquez de Pombal tanto desconside-
rou e magoou D. Julio que o matou com des-
gostos,—e em 1760, vendo a generosidade
com que elle soceorria os pobres, pelo que
todos o adoravam, até lhe prohibiu o dar es-
molas publicas ? ! . . . É isto o que diz o pa-
dre Sousa muito a medo, por estar ainda di-
etando a lei o marquez de Pombal.
V. o tópico relativo a D. Julio F. ã" Oli-
veira.
Era muito esmoler e muito generoso I
Também já em 1705 o bispo D. Jeronymo
Soares havia feito importantes obras na en-
fermaria do mesmo hospital, para que os ho-
mens estivessem separados das mulheres, e
deu também á Misericórdia 2:000íS000 réis,
com a condição de que seriara postos a juro
emquanlo elle vivesse e que só depois da
morte d'elle a Misericórdia poderia dispor
do próprio e juros. DMsto se lavrou eseri-
ptura nas notas do tabellião Antonio Coelho
de Gouveia, a 13 de maio de 1705, sendo pro-
vedor Francisco de Lemos de Nápoles,— es-
crivão Fradique Lopes de Sousa,— thesou-
reiro Antonio Figueiredo de Moraes— e pro-
curador o dr. Francisco Loureiro da Veiga.
Se bem o determinou o santo prelado, me-
lhor o cumpriram os beneméritos irmãos,
pelo que a dieta somma, quando o prelado
falleceu em 18 de janeiro de 1720, montava
a doze mil crusados ou a 4:800í?000 réis.i
Igual somma, ou 4:800ig000réis deu tam-
bém á Misericórdia era 1777 o bispo D. Fran-
cisco Mendo Trigoso para alimento dos con-
valescentes.
Também o bispo D. Diniz de Mello e Cas-
tro em 1639 estabeleceu um legado impor-
tante em prédios rústicos, para que dos seus
rendimentos a Misericórdia de Viseu desse
annualmente a cada uma das Misericórdias
de Pinhel, Trancoso e Vouzella a quantia de
15Í1000 réis— e ás de Aguiar da Beira, Al-
godres e Penalva 81000 réis, ficando o res-
tante á de Viseu para sustento de amas que
criassem os filhos de mulheres pobres que
não tivessem leite e para repartir as sobras
(havendo-as) pelos presos doentes e por pes-
soas de bem, necessitadas.
Alem d'estas, recebeu a santa casa outras
muitas esmolas de diíTerentes bispos e de
pessoas particulares, pelo que nos fins do
ultimo século, dispondo já de bastantes re-
cursos e sendo o seu hospital muito peque-
no, resolveu edificar outro mais amplo. É o
denominado
1 Catalogo do padre Sousa, tomo 3.» fl. IIS,
V. e 116.
1668 VIS
VIS
Hospital Novo i
Lançou-lhe com grande pompa a primeira
pedra o bispo D. Francisco Monteiro Pereira
d' Azevedo no dia 29 de março de 1793 e sob
a mesma pedra se eollocou um exemplar de
todas as moedas porluguezas cunhadas até
áquelle tempo no reinado de D. Maria I, a
qual, por provisão de 12 de fevereiro de 1799,
obrigou todos os concelhos da antiga comar-
ca de Viseu a pagarem um real de contri-
buição por cada quartilho de vinho e arrá-
tel de carne em favor das obras do dicto
hospital, mas muitos concelhos, allegando a
distancia d'elle8 á séde da comarca, não qui-
seram sugeitar-se á dieta contribuição. Al-
guns foram compellidos judicialmente e ou-
tros nada pagaram até hoje, pelo que, aberto
o novo hospital, a Misericórdia se recusou a
acceitar os doentes pobres d'aquelle8 conce-
lhos e só mediante uma avença cora as res-
pectivas camarás os aceeita,— -avença que
hoje é de 160 réis diários pelo tractamento
de cada doente pobre dos dictos concelhos-
Ignora-se quem fez a planta d'este hospi-
tal, mas sabemos que o mestre pedreiro Ja-
cintho de Mattos, de Villar de Besteiros, ar-
rematou a construcção das paredes por réis
30:0001000— e o mestre Manuel Ribeiro, de
Viseu, arrematou as obras de madeiramento
e ferragens por 13;600i2000 réis.
A construcção correu lentamente e esteve
alguns annos suspensa por falta de dinheiro
e por causa da guerra da península e das
guerras civis posteriores.
Recebeu os primeiros doentes em 1842,
estando incompleto ainda; continuaram po-
rem as obras até o seu final acabamento, se-
guindo-se depois outras indicadas pela ex-
periência para melhorar o serviço clinico, a
fiscalisação e administração, etc.
Em 1842 fez-se o grande portão de ferro
âa entrada para o edifieio, pelo que n'elle
se poz aquella data,— e em 1876 fez-se a
bella escadaria semi-cireular exterior, na
* V. o n.o 13 no tópico Edifícios públicos
brasonados.
entrada para o grande terreiro em fòrma de
parallelogrammo e que toma toda a frente
do edifieio,— terreiro ajardinado e circuita-
do por pilares de pedra e formosa gradaria
de ferro, que fecha o terreiro por 3 lados,
tendo em cada uma das 3 faces um portão
de ferro também.
Este edifício é considerado o primeiro de
Viseu e pela sua vastidão, magestade e so-
lidez, pelo aeeio que se nota n'elle todo, pela
sua vantajosa situação e pelo seu bom ser-
viço clinico, é hoje o primeiro hospital d'esta
província e um dos primeiros do nosso paiz. *
Demora a S. de Viseu, a montante do ve-
lho hospital da Misericórdia, em terreno en-
xuto, planOj alegre e vistosíssimo, a peque-
na distancia da cidade e no ponto mais alto
d'ftlla, pelo que muito prudentemente a santa
casa n'elle eollocou 3 para-raios para o de-
fender das faíscas eléctricas, sendo para la-
mentar, como já dissemos, que os prelados
e o cabido até hoje não tenham protegido a
Sé também com para raios.
Do Hospital novo se descobre um vastís-
simo horisonte limitado a 0. e N. O. pelas
serras da Gralheira e Caramulo;— a S. O.
pela serra do Bussaco— e a S. e S. E. pela
Serra da Estrella.
D'ali se descobrem também muitas po-
voações, algumas distantes mais de SO kilo-
metros, taes são Gouveia, Folgosinho e Li-
nhares na pendente N. O. da Serra da Es-
trella.
A pag. 4 do Álbum Visiense fcollecção do
2.» anno, 1886) pode ver se em lithographía
este hospital. Tem 2 pavimentos:— um ao
rez de chausseé, com o grande portão de en-
trada, um espaçoso pateo bem lageado, e di-
versas repartições, avultando entre ellas a
pharmacia, que está muito bem montada. —
Oceupa o angulo O. d'e3te pavimento; — é
muito espaçosa;— tem muita luz— e pela sua
1 A Misericórdia de Lamego também traz
ali em construcção no momento um grande
hospital que, depois de concluído, talvez sup-
plante este de Viseu I. . .
V. Lamego n"este díccionorio e no supple-
mento*
VIS
VIS 1669
vastidão, exposição e aceio envergonha tal-
vez todas as do nosso paiz,— exceptuando
algumas de Lisboa. Envergonha mesmo a do
grande hospital da Misericórdia do Porto,
sendo a dieta Misericórdia hoje a mais rica
da Europa ? !...
O 2.° pavimento tem na sua fronteria 9
grandes portas rasgadas, sendo maior a do
centro, sobre a qual se ergue o frontão já
descripto sob o n." Í3 no tópico dos Edifí-
cios públicos brasonados.
Tem este hospital 4 enfermarias com os
nomes de S. João, S. Francisco, Sant'Anna
e Senhora das Dores, — mais duas para os
irmãos da Misericórdia — alguns quartos para
pensionistas,— compartimentos para aliena-
dos e para presos doentes,— casa de banhos»
casa d'autopsias, casa mortuária, ete.
O movimento dos doentes d'este hospita'
em 1885 foi o seguinte :
Existiam em 1 de janeiro 102
Entraram durante o anno 1:824
Sairam 1:678
Falleceram » 129
Ficaram existindo em 3i de dezem-
bro 119
Calcula-se o seu movimento annual em
1:900 doentes; — o numero d'obito3 em 6 por
cento;— e a despeza total por anno em réis
13:500|i000, comprehendendo dietas e me-
dicamentos, ordenado dos facultativos e en-
fermeiros, etc.
O serviço clinico é feito por 6 facultativos,
sendo um d'estes operador.
Cemitério
A pequena distancia do hospital e contí-
guo á cerca d'elle está o Cemitério Munici-
pal de Viseu, para o qual tem serventia pró-
pria por uma porta lateral.
O cemitério foi feito em terreno da quinta
ou cerca do Hospital da Misericórdia, por
transacção entre esta e a camará, consigna-
da em escriptura publica de 17 de março de
1852, — e foi feito em seguida a expensas das
duas corporações, acabando as obras em 2
d'abril de 1856. O seu chão é alto, plano e
muito arejado,— tem capella própria e al-
guns mauzoleus— e está decente.
Na capella se vé o .lindo púlpito de por-
phido (mármore da Arrábida) que esteve na
Sé e depois na extincta egreja de S. Marti-
nho, como já dissemos.
V. o n.° 2 no tópico dos Templos extinctos
— e no nosso Catalogo dos bispos visienses o
tópico relativo a D. João de Mello.
Desde 1842, data em que os doentes se
transferiram para o novo hospital, a Miseri-
córdia cedeu o hospital velho, ou das Cha-
gas de Nosso Senhor Jesus Chnsto, para
n'elle se traclarem os militares doentes e de-
pois o vendeu ao governo, em 1875, por réis
2:201(^000, comprehendendo alem da casa
um pequeno chão contíguo, onde se enter-
ravam os doentes que falleciam n'aquellô
hospital,— hoje Hospital militar da guarni-
ção de Viseu.
Era 1842, quando se transferiram os doen-
tes para o novo hospital e ficou devoluto o
hospital velho, o provedor da Misericórdia
fez abrir a sepultura que estava na capella
do dicto hospital velho e na qual jaziam os
seus fundadores, como já dissemos. Ainda lá
encontrou alguns restos mortaes, — ossos dos
braços e as duas caveiras; — conduziu tudo
com a maior decência para a egreja da Mi-
sericórdia;—fez-lhes ali exéquias solemnes
no dia 18 de julho do- dicto anno, — e em se-
guida a irmandade com a sua bandeira acom-
panhou aquellas venerandas ossadas até o
novo cemitério, onde foram coUocadas em
nova sepultura, na qual se gravou uma iu-
scripção para perpetuar a memoria dos be-
neméritos finados.
Lamentamos que não transferissem tam-
bém para o novo cemitério com as ossadas
d'aquelles piedosos fundadores apropria se-
pultura em que jaziam, porque era muito
decente e tinha pelo lado interior pintados
differentes emblemas que bem revelavam a
piedade dos dois esposos, — como diz F. Ma-
nuel Correia. Alem d'isso era um monu-
mento venerando pela sua antiguidade e lá
ficou em abandono I...
Antes da construeção d'este cemitério mu-
1670 VIS
VIS
nicipal os enterramentos da cidade de Vi* i
seu eram feitos nas egrejas e o primeiro e
mais antigo de que ha memoria em Viseu
eslava junto da egreja de S, Miguel do Fetal. ^
Isto se prova evidentemente com a Vida de
S. Theotonio, escripta por um seu contem-
porâneo e diseipulo, lambem cónego regu-
lar e prior de Santa Cruz, nos fins do sé-
culo xu ou prineipios do século xiii, — docu-
mento autographo e de todo o ponto aulhen-
tico, transeripto no Porlugaliae Monimenta 2
do códice n.° 52 da Bibliotlieca Municipal do
Porto.
Aquelle precioso documento é latino, mas
em vulgar os números citados dizem entre
outras coisas o seguinte :
tS. Theolonio, estando èm Viseu, primei-
ramente como prior e depois como simples
padre, reprehendia os peccadores sem alten-
ção a pessoas. Assim estando um dia na Sé
pregando e aehando-se presentes a rainha D.
Theresa e o conde D. Fernando Peres de
Trava, com o qual vivia maritalmente, sendo
viuva, estes coraram de vergonha;— sairam
pela porta fóra~e não se atreveram a cas-
tigal-o, nem mesmo a increpal-o.
«Outro dia, em um sabbado, estando S.
Theotonio na Sé para celebrar missa a Nossa
Senhora, segundo o seu costume, a rainha
D. Theresa, chegando á poria da Sé n'esse
instante, mandou-lhe dizer que abreviasse
a missa. Respondeu— que outra rainha, a
Rainha do ceu, muito mais nobre e mais
santa lhe mandava celebrar a missa com
pausa e veneração — e que a rainha D. The-
resa podia livremente assistir á missa, ou
retirar-se.
«Ficou a rainha envergonhada com a res-
posta e respeitando cada vez mais a santi-
dade de D. Theolonio, pois, terminada a mis-
sa, chamouoao seupalacio,— pediu-lhe per-
.dão de joelhos— e prometteu não mais fal-
lar tão levianamente das coisas santas.
f
1 V. este titulo supra, pag. 1565", eol. 2.» e
seguintes.
2 Tomo ScriptoreSy pag. 81, col. 1.% n.<"
5, 6 e 7. São estes os números que vamos
transcrever, mas o documento é muito mais
longo.
I «Costumava elle celebrar nas sextas feiras
por todos os fieis defuntos, na capella de S.
Miguel (do Fetal) extra muros, no cemitério
da cidade de Viseu (?) sendo sempre grande
a concorrência dos fieis; — no fim da missa
fazia procissão das almas pelo cemitério—
por nllimo distribuía pelos pobres as mui-
tas e diversas oblatas que os fieis lhe davam,
segundo o costume illius regionis.»
Do exposto se vê que nos prineipios do
século XH o cemitério de Viseu estava con-
tíguo à egreja de S. Miguel do Fetal.
V. o tópico relativo ao prior S. Theotonio.
Azylo de Inválidos
A pequena distancia do Hospital Novo e na
cerca d'elle tem a Misericórdia lambem um
Azylo de Inválidos, onde alberga e sustenta
16 infelizes,— 8 de cada sexo.
Em 21 de dezembro de 1855 resolveu a
Misericórdia fundar um Azylo para 20 invá-
lidos, mas por falia de meios ainda não es-
tava feita a casa em 1869, pelo que em 16
de maio do dicto anno a Misericórdia deli-
berou receber, como recebeu, os primeiros
12 inválidos em um ediflcio provisório e ali
se conservaram. Finalmente, em agosto de
1882, quando vieram a Viseu el-rei o sr. D.
Luiz e sua esposa a rainha D. Maria Pia, por
oecasião das festas da inauguração solemne
da linha férrea da Beira Alta a Misericór-
dia lançou a primeira pedra ao novo edifl-
cio do Azylo, que ainda está muito longe da
sua conclusão.
Apenas lera construída a frente, achando-
se as obras suspensas ha muito.
Demora em sitio alto, alegre e vistoso, de-
fronte do hospital e distante d'elle cerca da
300 melros, no sitio da meia laranja, sobre
a estrada nova a maeadam da Mealhada, que
lhe passa a O., ficando a frente para N. a pe-
gar com a estrada nova, que vae d'esta meia
laranja para o cemitério e communica a da
Mealhada com a dislrictal, que vae para Nel-
las2.
1 Esta linha jà estava aberta ao transito.
2 É lamentável que, tendo terreno a eseo-
VIS
VIS 1671
Azylo de Infância desvalida
Demora na nova estrada que do Rocio de
Santo Antonio {Passeio de D. Fernando) con-
duz á Ribeira, e é um edifício espaçoso, im-
ponente e muito regular.
Foi aberto em 14 de junho de 1874 e es-
teve primeiramente e provisoriamente na
rua Direita, donde passou em 1875 para a
rua da Regueira e d'ali para o seu novo e
actual edifício, que foi principiado em 1876
e concluído em 14 d'agosto de 1879.
Hoje, 1887, o numero de azylados é de SO,
sendo 25 do sexo masculino, e 25 do femi-
nino. Ainda não está cheio este numero, mas
espera- se preenchel-o em breve, e tem ca-
pacidade para receber 100 creanças.
Alem da casa da aula, secretaria e quar-
tos para os empregados, tem 5 extensas e
bellas camaratas,— 3 no primeiro pavimen-
to para meninos, — e 2 para meninas, no se-
gundo pavimento.
O seu pessoal estipendiado é o seguinte :
1 professor, 1 professora, 1 directora, 1 pre-
feito e 2 criados.
Formam o seu fundo alguns donativos e
um subsidio permanente dado pela junta ge-
ral do distrieto, alem do produeto eventual
de subscripções e espectáculos.
Estiveram alojadas no rez de chaussée d'este
ediQcio a repartição de fazenda, a recebedo-
ria do concelho e a secretaria da camará
municipal, até os princípios do corrente an-
no de 1887, data em que se transferiram pa-
ra os novos paços do concelho.
O azylo tem aulas de instrucção primaria
para os dois sexos e de lavores para as me-
ninas.
Este Azylo de Infância é destinado a re-
ceber as creanças desvalidas dos 13 conce-
lhos ao sul d'esle dislricto, porque as dos
outros 13 concelhos do norte são recebidas
no Azylo de Lamego, inaugurado em 1868.
Como a Junta geral d'e8te distrieto sub-
Iher, deixassem este edifício quasi sem ter-
reiro na frente, e o angulo occidental d'elle
obtuso para facear com as duas estradas.
I sidiava e subsidia ainda hoje aquelle Azylo,
resolveu fundar outro em Viseu, para o que,
por iniciativa do governador civil, foram em
1873 creadas n'aquelles 13 concelhos cora-
missões encarregadas de promover ecolligií
donativos e, desde que se inaugurou em 14
de junho de 1874, foi entregue a uma direc-
ção eleita pelos subscriptores em assembléa
geral, como dispõem os seus estatutos.
O subsidio da Junta a principio foi de
SOOi^OOO réis por anno, mas depois foi su-
bindo e hoje monta a 1:500^000 réis an-
nuaes. Também recebe 600i|1000 réis por
anno de rendimento de fundos públicos que
já tem adquirido— e 500^^000 réis de sub-
scripções particulares.
Não recebe creanças menores de sete an-
nos e a principio logo que chegassem aos 14
annos eram despedidas e entregues às suas
famílias, ou collocadas pela direcção na
aprendisagem de qualquer arte ou oflQcio;
foram porem reformados os estatutos no sen-
tido de poderem as creanças permanecer no
Azylo até a idade de 18 annos, construindo-
se ofiQeinas contíguas ao edifieio para n'ellas
aprenderem as artes e offlcios de mais prom-
pta applicação.
Também se projecta crear no Azylo uma
cadeira de desenho e um gymnasio, mas lu-
cta com falta de meios, posto que até hoje a
sua administração tem sido muito económi-
ca, muito zelosa e digna de todo o louvor.
O Pelicano da Sé
Uma das obras d'arte mais antigas e mais
interessantes que Viseu possue é um peli-
cano de bronze, muito bem cinzelado, que
esteve muito tempo decorando uma grimpa
das torres da Sé e que hoje se vê no altar-
mór servindo de estante, pois para estante
foi feito.
No Álbum Visiense, a pag. 87, se encon-
tram duas lithographias representando o tal
pelicano de lado e de frente, desenhado pelo
sr. José d'Almeida e Silva, illustrado e bene-
mérito director do dicto Álbum, e que tam-
bém dedicou ao celebre pelicano o artigo se-
guinte :
1672 VIS
VIS.
«Damos hoje ^ à estampa esta obra d'arte
assaz importante, já por a epocha da sua
factura, já por a sua bella execução.
«Estamos convencidos de que, para al-
guém, não só o pelicano, como todas as
obras d'arte antigas que apresentamos de
vez em quando no Álbum, são coisas de nulla
importância. Sentindo immenso tal pensar,
não desistimos porem d'estes assumptos, por-
que são importantes e úteis.
«Ha tres annos, um grupo de illustres sá-
bios do nosso paiz tentou promover uma
Exposição d' ar te ornamental, o que brilhan-
temente realisou 2,
«Para islo espalhou-se o referido grupo
pelo reino, vindo a Viseu o mallogrado dr-
Simões de Carvalho, que levou da nossa Sé
para a dieta Exposição uma biblia, um cá-
lix, uma capa d'a8perges, um relicário de
bronze e o pelicano do mesmo metal, que foi
desencantar da grimpa do campanário do
relógio, onde estava. '
1 Refere-se ao mez de março de 188S.
2 A dieta Exposição foi feita a expensas
do governo, por decreto de 22 de junho de
1881, em Lisboa, no amigo palácio do mar-
quez de Pombal, hoje Museu de Bellas Artes.
Foi presidente da commissão central di-
rectora S. M. el-rei D. Fernando, que nomeou
duas commissões executivas,— uma portu-
gueza, outra hespanhola, porque a exposi-
ção devia coraprehftnder e comprehendeu
obras d'arte das duas nações.
A commissão executiva portugueza era
formada pelos cavalheiros seguintes :
— Delfim Deodato Guedes,— presidente.
— Antonio Thomaz da Fonseca.
— Ignacio de Vilhena Barbosa.
— Augusto Carlos Teixeira d'Aragao.
— Francisco Marques de Sousa Viterbo.
— José Luiz Monteiro.
— Dr. Augusto Filippa Simões,— secreta-
rio.
Tiveram todos um trabalho insano, já per-
correndo as nossas províncias (ao dr. Simões
tocou esta da Beira) para colligirem os di-
versos artigos, já íractando da sua installa-
ção e catalogação, etc.
Foi uma Exposição brilhantíssima !. . .
V. Lisboa no supplemento a este dicciona-
rio.
' Temos sobre a nossa mesa de estudo os
2 interessantes volumes do Catalogo da Ex-
«De então para cá, principiou a vida feliz
d'este chamado pelicano^ que por fim de con-
tas nada tem de palmipede, mas sim tudo de
abutre, podendo se chamar muilo á vontade
uma águia.
«Como se sabe, os entendedores classifica-
ram esta águia de obra d' arte, dando-lhe gm'-
nhentos annos de existência. ^
«Concordaram que foi feita para servir de
estante e que ha apenas uma outra egual na
Bélgica. Mandaram lhe pôr umas pernas de
bronze, porque as primitivas haviam sido
decepadas, e offereceram por ella SOOi^OOO
réis ao cabido da Sé de Vizeu, o qual— honra
lhe seja feita— recusou a offerta, para assim
conservar objectos de valor. Porem alguns
Romeus da archeologia artística enamora-
ram-ae da águia — a Julieta,— à ponto de não
lhe permittirem regressar aos penates 2,
posição e d'elles se vê que a cidade de Vi-
seu foi uma das que melhor se apresentou
na dieta Exposição.
Da própria Sé ali figuraram outros arti-
gos, entre elles a grande e bella custodia da-
da pelo bispo e cardeal D. Miguel da Silva
em 1533. D'ella pôde ver-se a gravura no
tomo das estampas sob o n.» 69 — e no tomo
eom o texto, sob o n." 63, se lê o seguinte :
"Custodia de prata dourada. Altura O^.ôl.
A base, de forma oblonga e com fortes chan-
fros, é ornada de ramagens. Em roda tem a
seguinte inscripçào em caracteres romanos:
Michael Sylvivs episeopvs visens D. An.
M.D.XXXÍII.
«O nó é formado de arcarias gothieas. O
relicário está entre duas columnas ornadas
com as imagens de S. Sebastião e S. Braz (?)
Sobre as columnas ergue-se uma cúpula de
rendilhados, contendo a imagem do Salva-
dor e encimada por uma urna, cujo remate
falta..
Cederam também para a dieta Exposição
numerosos e valiosos artigos muitos cava-
lheiros de Viseu, nomeadamente o conde de
Prime e Bento de Queiroz.
1 O Catalogo (tomo com o texto, pag. 30, n."
242) diz textualmente o seguinte.— «Estante
de côro, de bronze. Altura 0'°,62. Tem a for-
ma de pelicano e é provavelmente obra fla-
menga do fim do século xv.» Não lhe deram
pois 500 annos d'existencia, mas 383, por-
que a exposição teve logar em Í882.
2 EfTeciivamente o governo tentou adqui-
VIS
VIS 1673
«D'aqui, grave questão na imprensa do
paiz, dando-se por ãm o seu a seu dono, fi-
cando os pobres amantes sem a águia e sem
as pernas que lhe mandaram pôr I
«Depois de uma ausência de um anflo che-
gou a águia a Viseu, onde foi recebida com
todas as demonstrações d'apreço, indo oceu-
par altivamente o centro do côro alto da Sê,
d'onde passou ha pouco tempo para o altar
mór, no qual serve actualmente de estante.
A águia é digna da apreciação que lhe fize-
ram.
«Aos que julgarem este trabalho artístico
um passarôllo qualquer, recommendamos
que o examinem de perto para gosarem não
só a perfeição das camadas de pennas, como
também o ser tudo aquillo aberto a buril, e
feito no século xiv.
«A. Silva.»
A historia do tal passarôllo fez-me recor-
dar a da celebre cabicanca, terror d'Aguiar
da Beira; * mas parece averiguado que a tal
cabicanca era uma inoffensiva e pobre ce-
gonha, em quanto que o passarôllo de Viseu
ainda não está bem definido.
Tem pernas curtas e grossas,— garras me-
donhas— peito proeminente, — pescoço recur-
vados—bico também recurvado e tocando o
peito, — cauda estendida, — asas crespas e
abertas, como para lucta (não estendidas)
com os cotos levantados e as extremidades
caidas em linha vertical, formando a estante,
— e na extremidade das azas tem um traves-
são que segura os livros.
Com a historia da celebre
cabicanca e do tal passarôllo,
pelicano, abutre ou águia, es-
ril-a para o Museu de Bellas Artes— e lá es-
taria bem melhor do que na grimpa da torre,
onde os rev." cónegos a tinham e teriam
ainda hoje, se de lá não a tirasse o fallecido
dr. Simões. Foi elle quem a desencantou e
lhe deu a celebridade que hoje tem, pois os
rev."» cónegos mal a conheciam e não lhe li-
gavam importância alguma I . . .
i V. tomo 1.° pag. 38, col. 2.»
tou prefazendo os meus 55 an-
nos, pois já soaram as 12 ho-
ras da noite de 13 de novem-
bro de 1887 e eu nasci em 14
de novembro de 1832, como
disse o meu antecessor nos ar-
tigos Corvaceira, Miragaya e
Penajoia.
Paços do concelho
Os antigos paços do concelho estavam na
travessa do Chão do Mestre, a montante da
velha Praça do Commercio ou de Luiz de
Camões;— suppõe-se que eram muito humil-
des— e foram devorados por um incêndio no
dia 8 d'agosto de 1796. A camará tentou res-
taural-os e chegou a dar principio ás obras^
mas não as concluiu.
Desde o incêndio estiveram em differentes
edifícios; — durante a feira de S. Matheus
também a camará funccionou na Casa Mu-
nicipal da Ribeira, como já dissemos a pag.
1552; 1 nos últimos annos occupou os baixos
do Azylo da Infância desvalida, como disse-
mos no tópico antecedente,— e desde os prin-
cipies de 1886 inslallou-se nos seus novos
paços que mandou fazer no Rocio de Santo
Antonio, hoje Passeio de D. Fernando, onde
funccionam também desde aquella data ou-
tras repartições publicas: — tribunal judicial,
administração do concelho, escrivania da fa-
zenda, commissariado da policia, ete.
É um edificio muito amplo e muito bem
situado;— o primeiro dos edifícios públicos
modernos de Viseu, depois do Hospital No-
vo da Misericórdia.
A camará deu principio ao.« seus novos
paços no dia 24 de setembro de 1887 2 no
1 Estiveram também por mais de 12 an-
nos todas as repartições da camará, sa rua
da Calçada, nas casas de Nicolau de Men-
donça, de S. Salvador, e d'ali se mudaram
para os baixos do Azylo, como acima indica-
mos.
2 No mesmo anno foi feita (pela 3.» vez I)
a ponte de pau na Ribeira, ao fim da rua de
Viriato,— e também se deu principio á nova
Praça 2 de Maio e à nova rua que vae da
rua Formosa para a de S. Domingos e para
a Praça Velha ou de Luiz de Camões.
1674 VIS
VIS
chão que occupavam as casas e quintal do
conde de Fornos e uma pequena parle da
quinta de Joaquim Machado da Silveira, a O.
do Passeio de D. Fernando,— passeio que fi-
cou mais espaçoso com aquelles chãos e mais
alindado com o grande edifício.
Traçou a planta o distincto engenheiro vi-
siense, José de Mattos Cid— e dirigiram a
construeção primeiramente o engenheiro
Fernando Victor Mendes d'Almeida— e era
seguida até hoje o sr. Antonio Cazimiro de
Figueiredo, coronel d'engenheiros e director
das obras publicas d'este districto.
Tem o novo palácio municipal 2 pavimen-
tos e um grande numero de casas para as
seguintes repartições: — tribunal, conserva-
tória, contadoria e cartórios do 1.», 2.», 3."
6 .4." oflBcios da comarca,- sala de sessões,
secretaria, recebedoria e cartório da cama-
rá,—bibliotheca municipal,! administração
e recebedoria do concelho, etc.
Foi orçada a construeção em 43 contos e
n'esta data (novembro de 1887) ainda con-
tinuam as obras.
Cadeia Civil
Estava no de chaussée da antiga casa da
camará, incendiada em 1796 e,— não sabe-
mos bem desde quando, talvez desde aquella
data, — funcciona em uma das velhas torres
romanas, que foi Aljube ou prisão ecclesias-
tica.
É uma masmorra immunda, vergonha de
Viseu e do nosso paiz.
Armas de Viseu
e a
Lenda de D. Ramiro
É este um dos tópicos mais emmaranhados
e mais impertinentes na historia d'esta ci-
dade e um dos que mais nos incommodou,
sem podermos liquidar bem a questão.
Tivemos de consultar e folhear muitos li-
vros, principiando pelo Portugaliae Monti-
menta, cujo aspado faz tremerl Consultámos
também a Hist. Geneal. da Casa Real, a Mo-
narchm Lusitana, os Diálogos de Botelho, os
poemas de João Vaz e de D. Bernarda Fer-
reira de Lacerda, o romance Miragaya de
Almeida Garrett, a Chorographia Port. do
Padre Carvalho, as Cidades e Villas do sr.
Vilhena Barbosa, etc, etc. Podíamos escre-
ver um livro sobre o assumpto, mas apenas
diremos o seguinte :
As armas actuaes de Viseu são as armas
reaes portuguezas das quinas e 7 oastellos,
mas outr'ora teve por armas «um escudo co-
roado e n'elle um castello de prata em cam-
po azul, banhado por um rio;— de um lado
do casiello a figura de um homem com tra-
jos de peregrino, tocando uma buzina, e do
outro lado um pinheiro. Achamol-o ainda
descripto por outro modo, consistindo a dif-
ferença em estar sobre as ameias do castello
o homem que toca a buzina i.
• A lenda, que deu origem a este brasão,
cantou-a Garrett na sua lyra d'ouro. Posto
que se fez popular essa linda poesia, que o
nosso grande poeta intitulou Miragaia, como
poderá ser desconhecida para alguns dos
nossos leitores, vamos referir a lenda suc-
cintamenie, e com a ingenuidade com que a
narra a tradição.
• D. Ramiro II, rei das Astúrias e de Leão,
que reinou desde o anno dó 931 até o de
950, n'uma excursão que fez de Viseu, onde
então residia, por terras de moiros, viu e
enamorou-se da formosa Zahara, irmã de
Alboazar, rei moiro, ou alcaide do castello
de Gaia sobre o rio Douro.
•Recolheu-se D. Ramiro a Vizeu com o
coração tão captivo, e a razão tão perdida,
que sem respeito aos laços, que o uniam a
sua esposa D. Urraca, ou, como outros lhe
chamavam, D. Gaia, premeditou e executou
o rapto de Zahara.
«Emquanto o esposo inflei se esquecia de
1 A Ribliothecd ainda se acha no edifício
do Collegio, antigo Seminário, como logo di-
remos, quando fatiarmos d'ella.
1 Cidades e villas do sr. Vilhena Barbosa,
tomo 2.» pag. 187.
VIS
VIS i675
Deus e do mundo nos braços da moira gen-
til, n*um palácio á beira mar, o vingativo ir-
mão de Zahara, trocando affronta por affron-
ta, veiu de cilada, protegido pela escuridão
de uma noite, assaltar e roubar nos seus
próprios paços a rainha D. Gaia.
• A injuria vibra n'alraa de Ramiro o ciú-
me e o desejo de vingança.
«O ultrajado monareha vôa á cidade de
Vizeu, escolhe os mais valentes d'entre os
seus mais agucrridus soldados, e lá vae á
sua frente caminho do Douro.
«Chegando à vista do castello d'Alboazar,
deixa a sua cohorte occulta n'um pinhal, e
disfarçado em trajos de peregrino, dirige-se
ao Castello, e por meio de um annel, que faz
chegar às mãos de D. Gaia, lhe annuncia a
sua vinda.
• O peregrino é introduzido immediata-
mente á presença da rainha, que fica a sòs
com elle. Alboazar linha ido para a caça. D.
Ramiro atira para longe de si as vestes e as
barbas, que o desfiguravam, e corre a abra-
çar a esposa. Esta porem repelle-o indigna-
da, e lança-lhe em rosto a sua traição.
«No meio de um vivo dialogo de descul-
pas de uma parte, e de recriminações da ou-
tra, volta da caçada Alboazar. D. Ramiro
não pôde fugir. Já se sentem na próxima
sala os passos do moiro. A rainha, parecen-
do serenar-se, occulta o marido n'um armá-
rio, que na camará havia. * Mas apenas en-
trou Alboazar, ou fosse vencida d'amor por
elle, ou cheia d'odio para com o esposo pela
fé trahida, abre de par em par as portas do
armário, e pede vingança ao moiro contra
o christão traidor.
•D'ahi a pouco era levado el-rei D. Ra-
miro a justiçar sobre as ameias do castello.
Chegado ao logar da execução pediu o infe-
liz, que lhe fosse permittido antes de mor-
rer despedir-se dos sons aceordes da sua
buzina. Sendo-lhe concedida esta derradeira
graça, D. Ramiro empunha o instrumento,
e toca por tres vezes com todas as suas for-
ças.
* Quasi todas as lições divergem n*este
ponto.
P. A. Ferreira.
I «Era este o signal ajustado cora os seus
I soldados, escondidos no próximo pinhal,
para que, ouvindo-o, lhe acudissem apres-
sadamente. Portanto n'um volver d'olho8 foi
o Castello cercado, combatido, tomado, e de-
pois incendiado. A desprevenida guarnição
foi passada ao fio da espada, e Alboazar teve
a sorte dos valentes: — expirou combatendo.
E D. Gaia, como ao passar o Douro para a
margem opposta, se lastimasse e mostrasse
dôr, vendo abrazar-se o castello, foi victima
também do ciúme de D. Ramiro, que cego
d'ira a fez debruçar sobre o bordo do bar-
co, cortando lhe a cabeça de um golpe d'es-
pada.
«A' fortaleza em ruinas ficou o povo cha-
mando o castello de Gaia, e á margem do
rio, onde aportou o barco de D. Ramiro,
deu-lhe o nome de Miragaia, em memoria
d*aquelle fatal mirar da misera rainha.
• Tal é a lenda, que deu origem ao brasão
de Vizeu, em honra da parle que os seus ha-
bitantes tomaram n'aquella empresa, — diz
ainda o sr. Vilhena Barbosa. O castello re-
presenta o d'AIboazar;--o rio que tem por
baixo, o Douro;— o peregrino D. Ramiro, —
e o pinheiro o bosque em que se escondeu
a sua gente.
«Usou a camará municipal d'esle brasão
até 6 d*agosto de 1796, em que arderam os
paços e a cadêa. Sendo necessário fazer um
novo estandarte, e novo sinete, resolveu dei-
xar o antigo brasão, adoptando o escudo das
armas reaes. Não sabemos o motivo da mu-
dança; mas suppomos que seria por se jul-
gar fabulosa a lenda. Todavia, se foi esta a
razão, não a achamos boa, seja a lenda fa-
bula ou historia. Em qualquer caso tinha o
primeiro escudo em seu favor os respeitos
da antiguidade, e a vantagem de ter a cida-
de um brasão propriamente seu.
«A lenda pôde ser fabulosa, e, sel-o-ha
talvez em grande parte, mas não no todo. D.
Ramiro II roubou a moira Zahara, irmã ou
filha d'Alboazar, a qual se fez christã, to-
mando no baptismo o nome de Aríida, ou
Aríiga. Repudiando a rainha D. Urraca, ca-
sou, «egundo uns, ou viveu amancebado, se-
gundo outros, com Zahara, de quem teve ura
1676 VIS
VIS
filho, chamado D. Alboazar Ramires, que foi
o primeiro fundador do mosteiro de Santo
Thirso, cinco legoas acima da cidade do
Porto.»
Assim contou a lenda o sr. Ignacio de Vi •
lhena Barbosa, nosso bom amigo e mestre e
um dos mais illustrados e mais consciencio-
sos escriptores contemporâneos, mas de mo-
do bem differente a contaram o meu ante-
cessor no artigo Ancora, rio, tomo i." pag.
208, col. 2.», 1— Fr. Bernardo de Brito na
Monarchia Lusiiana—e o dr. Botelho nos
seus Diálogos. Differem também muito todos
os outros auctores que se occuparam da di-
eta lenda, nomeadamente Bernarda Ferreira
de Lacerda, ^ João Vaz, seu contemporâneo '
e Almeida Garrett, o que não admira, por
terem a seu favor a liberdade de poetas. No-
te-se porem que Bernarda Ferreira na Hes-
pana Libertada acompanhou a historia mui-
to de perto— e João Vaz na introducção ao
seu poema dá em resumo a pretendida his-
toria ou lenda de D. Ramiro.
Todas as lições divergem e tanto que não
nos foi possível extremar a parte histórica
da parte fantástica da lenda.
No mesmo Nobiliário do Conde D. Pedro
ha duas lições muito differentes, — uma no
Livro velho das Linhagens, ou na Parte U
1 V. também os artigos Areosa, Burgo ve-
lho, Cabriz. Carreço, Gaia, Miragaya e Porto
n'este diccionario, — a Monarch. Lusit. parte
II, cap. 21,— e o Dialogo 2.° do dr. Botelho,
cap. 1.»
2 Esta sabia poetisa nasceu no Porto em
159S e falleceuem Lisboa, onde jaz, em 1644
ou 16iS.
Do seu poema Hespana Libertada foi pu-
blicada a 1." parte em 1618 e a 2.» em 1673.
É um poema lindíssimo em 8.» rima e
n'elle se encontra a lenda de D. Ramiro no
canto 6." da parte
3 Ignora-se quando nasceu e quando fal-
leceu. Apenas sabemos que era natural de
Évora— e suppomos que foi contemporâneo
de D. Bernarda Ferreira de Lacerda, porque
segundo se lê na Bibi. Lusit. ai.» edição do
poema de João Vaz é de 1601. Depois foi
reimpresso em 1630 e 1641. D'esta ultima
edição é a copia que se encontra nos Diálo-
gos do dr. Botelho {códice de Girabolhos).
d'aquelle antiquissimo nobiliário (edição do
Portugaliae Monumenta)~o\itr2L na Parle IV
tit. 21. Fr, Bernardo de Brito que, segundo
alguém diz, foi o primeiro que deu curso á
lenda, ^ seguiu a lição do Nobiliário, mas a
da Parte IV, por ser mais poética e minu-
ciosa do que a da Parte II. D'esta nem fez
menção I E acceitou sem escrúpulo a lenda^
tomando-a como facto histórico, digno de
todo o credito ? 1 . . .
Não fantasiamos.
No argumento do citado cap. 21 da Parí^
// da Monarchia Lusitana diz elle textual-
mente o seguinte :
Do successo que aconteceoa
el Rey D. Ramiro com Albo-
azar Iben Albucadan, e da
certesa (?) que ha nesta
matéria . . .
Abre depois o capitulo dizendo :
«O credito e authoridade do Cõde Dom
Pedro 2, filho dei Rey Dõ Dinis, me fórça a
tratar bua matéria deste Rey D. Ramiro,
que na opinião de algns não he ávida por
mui certa. . . » — mas insurge-se contra os
incrédulos, dizendo que não devemos des-
presar as verdades (?) antigas envoltas na
simplicidade d'aquelles primeiros tempos. . .
— e que elle não podia deixar de respeitar
as cousas de muitos annos, como verdade ir-
refragavel (?) porque nossos antepassados,
inda que fossem pouco polidos no que escre-
viam, erão todavia muy escrupulosos, e fir-
mes na certesa do que contavão {?! . . .) par-
* O Diccionario Bibliographico de Inno-
cencio dà como duvidosa a edição de 1601
do poema de João Vaz — e tem a data de
1609 a Parte II da Monarchia Lusitana onde
Fr. Bernardo de Brito contou a lenda no
cap. 21.
2 Em cota marginal cita o tit. 21 da Par-
te IV sem fazer a mini ma reforencia à lição
da Parte II, que difíere muitíssimo !
Fr. Bernardo de Brito era um sábio de
primeira plana, mas nada consciencioso e
muito vaidoso. Assombrou todos os seus con-
temporâneos, mas depois veriQcou-se ter fa-
bulado muito, o que é para lamentar!...
VIS
VIS 1677
ticularmente o Conde D. Pedro, que como fi- i
lho de Rey, e pessoa de tãta qualidade não
contaria cousa cõposta de sua cabeça, posto
que agora nos pareção alguas delias duvido-
SOS de crer. . .
E logo principia a contar a lenda, seguin-
do a lição do lal til. 21 do Nobiliário e ac-
ceitando-a toda sem escrúpulo, incluindo a
pane em que diz que o sábio astrólogo ou
feiticeiro judeu Aman raptou do Castello por
mas artes cena noite a tilha ou irmã do rei
mouro e que a levara a D. Ramiro ? 1. . .
Este simples tópico basta para nos con-
vencermos da verdade irrefragavel da lenda
e do são critério do auclor do Nobiliário e
de Fr. Bernardo de Brito.
Árcades ambo I . . .
O chrooista mór de Cister ainda queria
mais, pois lamenta que o Nobiliário não es-
pecifique os particutãres que houve namaleria
du rapto, ou as artes que empregou Aman
para tirar do castello a moura sem que nin.
guem o sentisse. Condoeu-se de Fr. Bernardo
de Brito a mimosa poetisa D. Bernarda Fer-
reira, pois no seu poema descreve com vi-
vas côrcs e muito minuciosamente o pro-
Ctíssu e artes que empregou Aman no rapto
da gentil moura.
lambem alguém estranhou que Aiboazar,
— vivendo no casiello de Gaia, junto da fron-
teira leouesa, mettendo-se de permeio ape-
nas o Uouro, e devendo receiar algum in-
sulto da parte de D. Ramiro tão enérgico,
ião valente e tão mauzinho que havia tirado
o» olhos ao seu pruprio irmão mais velho e
a treá sobrinhos, por lhe disputarem a co-
roa,—não estivesse devidamente apercebido,
jamais depois que lhe roubou (?) a mulher
e a levou para o dicto castello de Gaia.
Foi esia lacuna preen^^hida por João Vaz
nas estancias 88, 89, 102, 103 e 104 do seu
puema.
Também Garrett preencheu outras lacu-
nas e deu novos cambiantes á lenda com o
seu inspirado estro, evocando a tradição e
as reminiscências loeaes, pois nasceu „em
VOLUMB XI
1799 na fregueria de Miragaya^— e viveu
alguns annos em Gaya 2, como elle próprio
diz na introducção ao seu lindo romance
Miragaia.
Este romance foi publicado a primeira vez
no Jornal das Bellas Artes, Lisboa, 1845,
tomo 1.»,— posteriormente foi vertido em in-
glez;— depois em Iraneez por Zanule — e em
castelhano por Isidoro Gil. JNós referimo nos
á publicação feita no Romanceiro, 3.* edição,
Lisboa 1853, tomo i." pag. 199-264.
JNa introducção diz o auctor :
«Este romance é a verdadeira reconstruc-
ção d'um monumento antigo. Algumas co-
plas são textualmente conservadas da tra-
dição popular, e se cantam no meio da his-
toria rezada, ainda hoje repelida por velhas
e barbeiros do logar. O conde D. Pedro e os
chronistas velhos também fabulam cada um
a seu modo {?) sobre a legenda. O auctor, ou
mais exactamente, o recopilador (Almeida
Garretij seguiu muito pontualmente a nar-
rativa oral do povo e sobre tudo quiz ser
fiel ao stylo, modos e tom de contar e can-
tar d'elle; sem o quê, é sua intima persua-
são que se não pôde restituir a perdida na-
cionalidade á nossa liiieratura.
«Foi uma das primeiras coisas d'e8te gé-
nero em que trabalhei, ^ e é a mais antiga
reminiscência de poesia popular que me fi-
cou da infância, porque eu abri os olhos à
primeira luz da rasão nos próprios sitios em
que se passam as prineipaes scenas d'este
1 Na rua do Calvário, u.° 15.
V. Miragaya, tomo 5." pag. 277, col.
2 E nós nascemos em 1832 na Penajoia,
em frente das Caldas do Molledo, mas lemos
visitado muitas vezes Gaia, porque vivemos
tête à tête em Miragaya desde 1864.
V. Corvaceira, Penajoia e Miragaya, tomo
5.» pag. 250, col.
' iNo mesmo livro se encontram mais 6 ro-
mances do mesmo auctor :
— Adozinda;
—Bernal— francez;
—Noite de S. João;
—O Anjo e a Princeza;
—O chassim d'el-rei e
I —As Pêgas de Cintra.
106
1678 VIS
VIS
romance. Dos 5 aos 10 annos de idade vivi
com meus paes n'uma pequena quinta, cha-
mada O Castello, que tínhamos áquem Dou-
ro e que se diz tirar esse nome das ruinas
que ali jazem do Castello mourisco.
«Na ermida da quinta se venerava uma
imagem antiquíssima de Nossa Senhora com
a mesma invocação do Castello, e com sua
legenda popular também, segundo o costu-
me'.
• Com 08 olhos tapados eu iria ainda hofe^
achar todos esses sitios marcados pela tra-
dição. Muitas vezes brinquei na fonte do rei
Ramiro, cuja agua é deliciosa com effeito; e
tenho idéa de me haver custado caro, outra
vez, o imitar com uma gaita da feira de S.
Miguel, 08 toques da busina de S. M. Leo-
nesa, impoleirando-me, como elle, n'um res-
to de muralha velha do caslello d'el-rei Al-
boazar, o que meu pae desapprovou com tão
significante energiay.^que ainda hoje me lem-
bra também.
«Assim olho para esta pobre Miragaya
(refere se á poesia, não á freguezia de Mi-
ragaya) como para um brinco meu de crian-
ça que me apparecesse agora; e quero-lhe
—que mal ha n'isso ?— quero-lhe como a
tal
«Lisboa 24 de janeiro de 1847.>
Principia" Gárrett assim :
CANTIGA PRIMEIRA
Noite escura tão formosa,
Linda noite sem luar,
> Hoje (1887) já não existem a quinta nem
a Capella.
A qumta foi retalhada e a capella demo-
lida!...
P. A. Ferreira.
2 Referia-se ao anno de 1847 e (triste
coincidência 1 . . . ) hoje, na data em que estou
escrevendo estas linhas,— 9 de dezembro de
1887,— está passando o seu luctuoso anni-
versario, pois o chorado poeta falieceu em
Lisboa no dia 9 de dezembro de 1854. Vivia
eu então em Coimbra, frequentando o 4."
anno theologico I . . .
As tuas estrellas de oiro
Quem as poderá contar ?
Quantas folhas ha no bosque.
Areias quantas no mar?. . .
Em quantas lettras se escreve
O que Deus mandou guardar.
Bem ledo está D. Ramiro
Com sua dama a folgar;
Um perro bruxo judio
Foi causa de elle a roubar.
E n'esta adorável cadencia prosegne o
mavioso poeta, terminando d'esta fórma :
CANTIGA QUARTA
{e ultima)
— «Sanetiago! . . . Cerra, cerra í
Sanctiago, e a matar I»
Abertas estão as portas
Da torre de par em par.
Nem atalaias nos muros.
Nem roídas para os velar. . .
Os moiros despercebidos
Sentem-se logo apertar
De um tropel de leonezes
Já portas a dentro a entrar ;
Deixa a buzina Ramiro
Mão à espada foi lançar.
E de um só golpe fendente,
Sem mais pôr nem mais tirar,
Parle a cabeça até os peitos
Ao rei moiro Alboazar. . .
Já tudo é morto ou captivo.
Já o Castello está a queimar;
Ás galés com o seu despojo
Se foram logo a imbarcar.
—«Voga, rema! d'alem Doiro
Á pressa, á pressa, a passar.
Que já oiço ali na praia
Cavallos a relinchar.
VIS
VIS
Bandeiras são de Leão
Que lá vejo tremular.
Voga, voga, que alem Doiro
É terra nossa I . . A remar I
D'aqui é moirama cerrada
Até Coimbra e Thomar.
Voga, rema, e alem Doiro I
D'aquera não ha que fiar.»
A' popa vai D. Ramiro
Da sua galé real,
Leva a rainha á direita,
Como quem a quer honrar :
Ella, muda, os olhos baixos
Leva n'agua. . . sem olhar.
E como quem d*oulras vistas
Se quer só desaflfrontar.
Ou Dom Ramiro fingia
Ou não vem n'isso a attentar :
Já vão a meia corrente.
Sem um para o outro fallar.
Ainda arde, inda fumega
O aleaçar à'Alboazar;
Gaia alevantou os olhos,
Triste se pôs a mirar;
As lagrimas, uma e uma,
Lhe estavam a desfiar,
Ao longo, longo das faces
Correm . . . sem ella as chorar.
Olhou el-rei para Gaia,
Não se pôde mais eallar :
Cuidava o bom do marido
Que era remorso e pezar,
Do mau termo atraiçoado
Que com elle fôra usar
Quando o intregou ao moiro
Tam só para se vingar.
Com a voz internecida
Assim lhe foi a fallar :
— iQue tens, Gaia. . . minha Gaia?
Ora pois I não mais chorar.
Que o feito é feito...»— «E bem feito!»
Tornou-lhe ella a soluçar,
Rompendo agora n'un3 prantos
Que parecia estalar :
«É bem feito, rei Ramiro!
Valente acção de pasmar !
Á lei de bom caválieiro.
Para d'um rei se contar!
«Á falsa fé o mataste. . .
Quem a vida te quiz dar!
 traição. . . que d'outro modo
Não és homem para tal.
«Mataste o mais bello moiro,
Mais gentil, mais para amar
Que entre moiros e christãos
NuDca mais não terá par.
«Perguntas-me porque choro 1. . .
Traidor rei, que heide eu chorar?
Que o não lenho nos meus braços,
Que a teu poder vim parar.
•Perguntas-me o que miro !
Traidor rei, que heide eu mirar?
As torres d'aquelle aleaçar.
Que ainda esião a fumegar.
tSe eu fui alli tam ditosa.
Se alli soube o que era amar.
Se alli me fica alma e vida . . .
Traidor rei, que heide eu mirar I»
«Pois mira, Gaial* E, dizendo.
Da espada foi arrancar:
*Mira, Gaia, que esses olhos
Não terão mais que mirar.»
Foi-lhe a cabeça de um talho:
E com o pé, sem olhar.
Borda fóra impuxa o corpo. . .
O Doiro que os leve ao mar.
Do estranho caso inda agora
Memoria está a durar :
Gaia é o nome do castello
Que ali Gaia fez queimar ;
1680 VIS
VIS
E d'alem Doiro, essa praia
Onde o barco ia a aproar
Quando bradou — «Mira, Gatai»
O rei que a vae degollar,
Ainda hoje está dizendo
Na tradição popular,
Que o nome tem*— jjf írag^am
P'aquelle fatal mirar.»
Desculpem-nos a transcripção, Ella ficou
muito extensa, mas é o tópico mais mimoso
e mais interessante d'este tão longo artigo.
São também lindíssimos os versos de D.
Bernarda Ferreira, posto que os escreveu na
língua castelhana, seguindo a moda do seu
tempo. Bem quizeramos transcrever tam-
bém alguns para que os leitores notassem o
partido que ella tirou do idioma de Cervan-
tes e da 8.» rima; não devemos porem abu-
sar da paciência dos editores.
Prosigamos.
É muito interessante a lenda de D. Rami-
ro e poucas até hoje terão sido tão bem re-
sadas e cantadas em prosa e verso, mas são
já tantas as lições e contradições que nin-
guém sabe onde ficou a verdade irrefraga-
vel da historia nem da lenda I
— Uqs dizem que o rei mouro era um rei
muito poderoso, a quem obedeciam outros
reis;-~outros dizem que era um simples al-
caide mór.
— Uns dizem que se chamava Alboazar
Albucadam;—onlros dão-lhe o nome de Al-
mansor.
—Uns dizem que o heroe da lenda foi D.
Ramiro I de Leão; — outros querem que fosse
D. Ramiro II.
- Uns dão á mulher de D. Ramiro, rapta-
da pelo mouro, o nome de Gaia, — outros o
de Aldora, Aldara ou Alda—e ainda outros
o de Urraca.
—Uns dizem que se chamava Perona e
era francesa a criada que D. Ramiro encon-
trou na fonte,— outros dão-lhe o nome de
Artida, Artiga ou Ortiga, e dizem que era
moura, — outros dizem que Artida ou Artiga
foi o nome que tomou no baptismo a mou-
rinha raptada.
I — Uns dizem que D. Ramiro casou com
I ella,— outros dizem que nunca passou de
concubina d'elle.
— Uns dizem que D. Ramiro raptou Zahara
e que o mouro raptou a mulher de D. Ra-
miro, seduzindo-as desfigurados em trovado-
res,—outros dizem que D. Ramiro empre-
gou a arte magica do bruxo Aman,— e que
o mouro raptou a mulher de D. Ramiro por
surpresa e com gente armada, estando ella
em Minhor, — emquanto que outros dizem
que ella ao tempo estava na corte de Leão.
— Todos dizem que o rei mouro a estre-
mecia e lhe deu a presidência do harém,
mas se ella fez 23 annos depois de casar com
D. Ramiro e se este na perigosa expedição
para a libertar levou corasigo só gente es-
colhida e valente, sendo remeiros das galés
os próprios fidalgos, — e se levou na expedi-
ção o seu filho D. Ordonho, como dizem vá-
rios auctores,— D. Ordonho já devia ter pelo
menos 20 annos e a mãe mais de 40, — o nec
plus ultra da bellesa da mulher. Não é pois
crivei a paixão do rei mouro e a preferen-
cia que este lhe deu entre as jovens do ha-
rém.
—Uns dizem que as duas expedições de
D. Ramiro a Gaia foram ambas feitas pelo
mar, navegando de norte a sul, — outros di-
zem que partira de Viseu directamente para
Gaia por terra de mouros, acompanhado
pelos seus valentes e dedicados visienses.
Tentam explicar assim o facto de Viseu
haver tomado por armas os symbolos da
lenda.
—Finalmente uns dizem que D. Ramiro,
quando tomou o castello, trucidou logo ali
o rei mouro, toda a familia d'este e toda a
gente de Gaia, levando só com vida a mu-
lher;—outros dizem que levou também o rei
mouro; — que o matou barbaramente em
Monte-Dor, a N. de Vianna — e depois a rai-
nha mais alem na foz do Ancora, nome que
tomou desde então aquelle rio, pelo facto de
a lançar n'elle com uma mó presa ao pesco-
ço;— outros dizem e provam que o mencio-
nado rio já então se denominava Ancora;—
outros dizem que D. Ramiro degolou a mu-
lher e a lançou ao Douro, em frente do Cas-
tello de Gaia ainda em chammas ff...
VIS
Vejam que salsada !
Tanlo bruQiram e poliram a lenda que a
desfiguraram, como lem suceedido a muitas
pinturas com as restaurações.
Entre a lenda dos romances e a do Nobi-
liário do Conde D. Pedro, fonte primitiva
d'ella, a dilferença é muito sensível. Ha
mesmo grande differença, como já dissemos
entre a lição da 2.» parte do Nobiliário e a
da parte 4.» Referimo-nos á edição do Por-
tugaliae Monumenta, a mais moderna (1856)
— mais nitida e mais auctorisada de todas,
pois foi feita pela Academia Rml das Scien-
cias debaixo das vistas e direcção de Ale-
xandre Herculano, sendo vice-presidente da
mesma Academia, e por elle prefaciada com
todo o esmero e com a severidade e compe-
tência que lhes eram próprias.
Gomprehendeu elle sob o mesmo titulo de
Livros de Linhagens os 4 livros assim deno-
minados e anteriores ao see. xvr.
1°— O chamado Livro Velho, publicado no
tomo 1.° das Provas da Hist. Geneal. pag.
145. 1
2. «— O fragmento proximamente da epo-
cha do antecedente, que se acha impresso no
mesmo volume das Provas e que D. Anto-
nio Caetano de Sousa incluiu na mesma de-
nominação de Livro Velho.
3. »— Um fragmento de nobiliário até então
inédito, que anda junto ao ms. do Cancio-
neiro do Collegio dos Nobres, na Bibi. Real.
4. »— O Livro das Linhagens attribuido ao
Conde D. Pedro, livro que se conserva ms.
na Torre do Tombo, Alexandre Herculano
tomou aquelle códice para texto do Nobiliá-
rio do Conde D. Pedro, dizendo que, apesar
das duas publicações iá feitas — uma em Ro-
ma por Lavanha em 1640,— e ouira em Ma-
drid DO anno de 1646 por M. Faria e Sousa,
que o traduziu em castelhano, — aquelle có-
dice em rigor deve considerar se inédito,
porque Lavanha o alterou todo: — suppri-
miu, transpoz e corrigiu. Comparado o im-
1 Este livro e o fragmento subsequente fo-
ram tirados á parte em um folio de 76 pag.
e Índices, em 1737.
VIS 1681
presso com o manuscripto são duas obras
differmtes, — áiz Herculano prefaciando a
edição do Portug. Monumenta— e o mesmo
se lê na Memoria que sobre a origem prová-
vel dos Livros de Linhagens publicou nas
Mem. da Academia (2.» classe) T. I. P. 2 •
pag. 35.
Na edição de Madrid se encontram mui-
tas annotações e eommentarios de Lavanha,
do Marquez de Moniebello, de Alvaro Fer-
reira de Vera e do próprio editor e tradu-
ctor M. Faria e Sousa, — e no eomraenta-
rio à plana 3.* {lenda de D. Ramiro) Sousa
e Vera duvidam da lenda, atiribuindo-a
Sousa a Fr. Bernardo de Brito que foi o pri-
meiro que a trasladou do Nobiliário. O mes-
mo Sousa accreseeuta que o Livro das Li-
nhagens do Conde D. Pedro não traz esta
nem outras historias semelhantes;— Vera diz
que a verdade a tal respeito é somente o que
elle nota no seu commentario á plana 4
e que tudo o mais são contos como os da
Dama de pé de cabra, Capon, ete. mas na
muito auctorisada edição do Portugaliae
Monumenta lá se encontra a lenda de D. Ra-
miro como Fr. Bernàrao de Brito a cantou
na Monarchia Lusitana, — sâlvâi pequenas
variantes.
Alexandre Herculano, log. eit., diz que os
Livros de Linhagens chegaram alé nós mu-
tilados, alterados e talvez intencionalmente
viciados, mas que, aproveitando-se com cau-
tela, a historia ainda pode tirar d'elles gran-
de vantagem.
—Que «o Livro de Linhagens, chamado do
Conde D. Pedro, é o livro, não de um homem,
mas sim de um povo e de uma epocha,—nmA
espécie de registro aristocrático, cuja ori-
gem se vae perder nas trevas que cercam o
berço da monarchia.»
«O Livro de Linhagens não é mais do Con-
de D. Pedro que de dez ou vinte sujeitos di-
versos, de cujos nomes se duvida e que eqa
varias epoehas o emendaram, accrescenta-
ram, ou diminuíram, substituindo muitas
vezes verdades a erros, erros a verdades, ou
I erros a erros, mas que n'isso mesmo deixa-
j ram vestígios das idéas da sua epocha, tor-
1682 VIS
VIS
Dando este livro (o Nobiliário) um monu-
mento, debaixo de certas relações, cada vez
mais importante.
«O Livro das Linhagens, se atienderraos
ao modo porque chegou até bós, labora em
grande suspeição»— diz ainda Herculano,—
por ser o escrivão do Arehivo, Gaspar Al-
vares Lousada, quem tirou a copia, da qual
Affonso de Torres extrabiu a que depois
veiu a servir de texto nas Provas da Hist.
Genealógica
Diz mais: «A reputação de antiquário que
Lousada desfruelou entre os seus contem-
porâneos era mentida. Foram justamente as
sms invenções embusteiras, apparecendo ma-
ravilhosamente a ponto para favorecer as
patranhas históricas então da moda, que lhe
grangearam essa reputação immerecida.
Quaes eram na verdade os conhecimentos
históricos do consócio dos Britos, dos Higue-
ras e de outros impostores (?), mais de um
escriptor mederno o tem advertido ^.
« • . . . Todas as invenções desses fabrican-
tes de burlas movem a riso, e antes
suscitam compaixão por seus auctores do
que indignação Nada, porem, se en-
contra no Livro Velho que traia por este
lado a ignorância atrevida de Lousada em
fabricar textos —Onde a imperícia de
Lousada appareee é nos erros de copia; mas
esses mesmos erros estão revelando um ori-
ginal do século xiv, que elle nem sempre sa-
bia ler. . .
tSousa, entendendo ás avessas o prologo
de Lavanha e esquecendo-se de cotejar as
citações á margem das Planas do Nobiliário
de Roma com o próprio Livro Velho que pu-
blicou, não fez senão eonfundir-se a si e aos
seus leitores, desarrasoando miseravelmen-
te 2. . .—Faria e Sousa, cuja auctoridade se-
* Cita M. de Figueiredo, Dissert. I sobre
El Rei D. Rodrigo, pag. 23,— J. Aoast. de
Figueiredo, N. Malta. P. IL p. 168, n.» 59,—
e J. P. Ribeiro, Mem. do R. Arch. f. 33 e
segg. etc.
2 Hist. Geneal. T. l. p. 278.
A. Herculano. \
ria maior, .... se não fosse a levesa ordiná-
ria dos seus juisos, e a certesa que attribuia
a qualquer cousa que se lhe antolhava. ...»
Diz mais — que poucos livros serão tão
abundantes de grosseiros erros lypographi-
cos como os volumes das Provas da Hist.
Genealógica. E nós diremos que poucos li-
vros temos folheado tão nitidamente impres-
sos e tão bem revistos como o Portugaliae
Monumenta, sendo aliás difflcilimas a sua
composição e revi.-íão.
Fecharemos aqui o extracto do que disse
o grande historiador e grande iconoclasta
Alexandre Herculano relativamente ao No-
biliário do Conde D. Pedro, mas quem pre-
tender inieiar se melhor no assumpto leia
no Portugaliae Monumenta toda a introdue-
ção ao Livro de Linhagens, — a edição de Ma-
drid,—a introducção ao tomo 1.» das Provas
da Hist. Genealógica pag. 141 a 144,— e os
n." 1, 2, 3 e 4 (pag. XX a XXIV) do Appa-
rato ou introducção á dieta Hiit. Genealó-
gica tomo 1."
A lenda de D. Ramiro anda tão desfigu-
rada que não sabemos extremar d'ella a
parte histórica. O que sabemos é que sobre
a margem esquerda do Douro e quasi a pru-
mo sobre elle, em frente "de Miragaya e do
Porto se ergue um grande morro de forma
cónica, ainda hoje denominado Castello de
Gaia, com um vistoso plató, onde eni tempos
remotíssimos pompeou um castro ou castello
romano, depois castello árabe,— e por ultimo
ainda em nossos dias, durante o cerco do
Porto (1832-1833) ali teve D. Miguel uma
medonha bateria, da qual fez parte a peça
Paulo Cordeiro, dada pelo capitalista d'este
nome e que ao tempo era a peça de maior
calibre que tinha Portugal.
O dicto morro denomina-se Castello de
Gaia, mas na minha humilde opinião e na
commum dos auctores tomou o nome — não
da Gaia da lenda, mas do castro ronoano da
povoação de Cale, indicada no Roteiro d' An-
tonino Pio.
Suppomos que o dicto castro romano es-
tava no sitio do Castello de Gaia, ao sul ou
na margem esquerda do Douro, e que a po-
voação de Cale, núcleo do Porto, estava no
VIS
VIS 1683
sitio hoje denominado Miragaya, em frente
do Castello, ua margem N. do Douro julgo
porem fóra de duvida que por ali, no Cas-
tello de Gaia e suas iramediações, andou e
viveu um dos reis de Leão com o nome de
D. Ramiro, talvez o da lenda,— porque assim
o afifirma ainda hoje a tradição e porque lá
86 conserva ainda uma rua com o nome de
D. Ramiro e n'ella a Fonte de D. Ramiro e
uma bella quinta com arvoredo secular e um
palacete com uma torre muito antiga, deno-
minados Paço do Rei Ramiro ou quinta de
Campo Bello, que pertenceram ao nobre e ri-
co Alvaro Leite, do Porto, e hoje pertencem
ao sr. dr. Adriano de Paiva Faria Leite
Brandão, feito conde de Campo Bello ainda
e8t'anno de 1887, ali residente e casado com
uma das sobrinhas e herdeiras do fallecido
Alvaro Leite.
V. Nicolau (S.) freguezia do Porto, tomo
6.» pag. 86 a 96.
Na mencionada rua de D. Ramiro acaba
de succeder um facto importante :
Á entrada da dieta rua, subindo, á direi-
ta, estão hoje os grandes armazéns de vinho
pertencentes ao sr. João Henrique Andressen
— e no dia 4 do corrente mez de dezembro
de 1887 "um medonho incêndio devorou a
tanoaria e deposito de madeiras, dependên-
cia dos dictos armazéns. O prejuiso foi ava-
liado em 50 contos de réis, mas felizmente
o incêndio poupou os armazéns contíguos,
que teem um deposito de vinho e aguar-
dente avaliado em 300 contos ? 1 . . .
O sr. Andressen contará 60 annos; — veiu
do norte da AUemanha para esta cidade co-
mo grumete ou moço de um barco mercan-
te;—ficou no Porto como caixeiro; — depois
estabeleceu-se como negociante; — tem sido
muito trabalhador, muito arrojado, muito
honrado e muito feliz nas suas emprezas,
pelo que é hoje o primeiro armador de na-
vios e um dos primeiros iodustriaes e nego-
ciantes do Porto. Calcula-se a sua fortuna
em dois mil coníos;— habita palácios,^ monta
1 V. Miragaya, tomo 5.° pag. 242.
2 Vive em um formoso palacete na rua do
bons trens, vive como um príncipe e todos o
respeitam, consideram e estimam, porque
deve toda a sua grande fortuna ao seu tra-
balho e ao seu cavalheirismo.
Nos seus numerosos e vastos armazéns,
nas suas fabricas, nos seus eseriptorios e
nos seus navios sustenta em Portugal e na
America mais de mil pessoas,— paga gene-
rosamente a todos quantos o servem e por
isso todos o amam e servem com dedicação.
O grande incêndio durou 3 dias, apesar
da proraptidão dos soccorros e da visinhança
do Douro; acudiram todas as bombas de
Villa Nova de Gaia e do Porto e durante os
3 dias trabalhou também constantemente
uma bomba a vapor pertencente aos gran-
des armazéns do sr. Audressen; a tanoaria?^
ardeu toda e ficaram sem trabalho 150 ho-
mens que n'ella se empregavam, * mas o sr.
Andressen (honra lhe seja!) não despediu ■
um único ? l. ..
Alem de negociar fortemente em vinho do
Douro, é o primeiro negociante de eereaes
que hoje tem o Porto. Manda-os vir da Ame-
rica directamente e em barcos sews;— depois
vende-os em grão ou queima-os e transfor-
ma-os em álcool, para o que tem junto da
Furada, na margem esquerda do Douro,
uma grande fabrica própria,— hoje a pri-
meira de Portugal, no seu género,— muito
espaçosa, muito bem montada e admiravel-
mente situada. Apura milhares de pipas de
álcool por anno, pelo que o sr. Andressen ó
também hoje na praça do Porto o primeiro
fabricante e o primeiro negociante d'aguar'
dente? 1...'^
Barão de Nova Cintra,— lem o seu e.scripto-
rio na rua dos ingleses,- os seus armazéns
de vinho em Villa Nova de Gaya— e a sua
grande fabrica de queimar pão na Furada,
mas tudo ligado por uma rede telephoniea.
1 Note-se que tinha machinas a vapor e o
maehinismo mais completo e aperfeiçoado
que hoje demandam as grandes tanoarias.
Era immenso também o deposito de ma-
2 Também adquiriu na AUemanha uma
grande matta de madeira {carvalho do nor-
te) para aduela,— e no Pará uma zona ira-
mensa de arvoredo virgem, onde explora
em grande escala a industria da borracha.
1684 VIS
VIS
Se 03 "negócios continuarem a sorrir-lhe,
como teem sorrido até hoje, pôde fazer uma
fortuna collossal.
Desculpem-nos a digressão e voltemos a
Viseu.
É innegavel que Viseu teve outr'ora por ar-
mas as que ficam indicadas no principio d'e9-
te tópico e que eram allusivas á lenda de D.
Ramiro. Todos concordam n'este ponto 6 0 dr.
Botelho nos seus Diálogos escriptos em 1630
a 1636, depois de contar a lenda como facto
histórico (?!...) seguindo de par e passo a
Monarchia Lusitana de Fr. Bernardo de
Brito, seu contemporâneo, diz: ^ — «deste
successo tomou occasiào esta cidade para pôr
era suas bandeiras as Armas que hoje (1630-
1636) tem, em que se perpetua a memoria
desta historia {?). pelo muito amor que ti-
nha a este Rei; e elle por levar disso grande
gosto, lhas confirmou (?), por lhe ser muito
affeiçoado, assim por ser a primeira que go-
vernou, como por estar nella, quando lhe de-
rão a nova de reinar, causa porque estimou
sempre seus cidadãos, e se sérvio de seus
cavalleiros. . . »
Em seguida descreve as armas como as
descreveu o sr. Ignacio de Vilhena Barbosa.
O mesmo dr. Botelho diz que D. Ramiro,
quando seu irmão D. AíTonso IV o chamou
para ceder-lhe a coroa, estava em Viseu e
abreviou a sua partida, levando eomsigo a
melhor, e mais escolhida gente d'armas, que
trazia na fronteira, — com muita parte dos
moradores d'esta cidade (Viseu), que como
mais bellicosQS estimava, e como leaes sem-
pre em todos os feitos o seguirão, e acompa-
nharão. »
Note-se que estas ultimas linhas em itálico
foram aecrescentadas pelo dr. Botelho ao que
disse Fr. Bernardo de Brito na Monarchia
Lusitana, Parte II, eap. 18, fl. 334, v. eol.
2." in- médio.
Também são de Botelho os encarecimen-
tos do grande amor que D. Ramiro votou
sempre a Viseu, em virtude do qual (?) esta
cidade tomou as dietas armas e D. Bamiro
* Dialogo 2.; cap. !.•
lh'as confirmou (?) como disse na transcri-
pção supra.
Botelho era muito illuslrado, mas poeta,
propenso a fantasiar e fazer versos,— e o
muito amor que o prendia á sua terra na-
tal (virtude que eu muito louvo) por vezes
o trahiu e o levou a acceitar lendas como
factos. Assim acceitou, por exemplo, as len-
das de 1). Ramiro e D. Rodrigo, e domina-
do pelos preconceitos da sua epoeha, se-
guindo o exemplo de Fr. Bernardo de Brito
e d'outros contemporâneos seus nem sem-
pre a verdade foi o seu norte e não hesitoti
em pôr nos seus Diálogos alguns trechos de
fantasia como historia, taes foram os que
apontámos, para melhor ageitar a Vjgeu a
lenda e melhor explicar a rasão das dietas
armas. Em todo o caso teem muito mereci-
mento 09 seus Diálogos ainda hoje—e mais
merecimento teriam na sua epocha. Elles
parecem um romance; estão muito bem es-
criptos e cheios de versos em portuguez e
castelhano á moda d'aquelle tempo e, se en-
tão fossem publicados, dar-lhe-hiam muita
honra e seriam uma das obras mais interes-
santes do século xvir.
Podem mesmo considerar-se um nobiliá-
rio, pois n'elles mostra que possuia vastos
conhecimentos genealógicos, mas acceitou
sem escrúpulo tudo o que lisongeava a sua
tão querida terra natal. N*este ponto como
em outros Berardo foi muito mais severo,
pois nas suas Noticias Históricas de Viseu,*
fallando das dietas armas, também faz men-
ção da lenda, mas a titulo de inventario e
como lenda ! . . .
Principia a narração por estes termos:—
Alguns dos nossos romancistas (este he o epi^
theto que merecem, diz elle) contam. . . etc,
terminada a lenda, tracta logo de varrer a
sua testada dizendo :
«Eis aqui como são as Historias da idade
media, sem outros fundamentos nem provas,
mais do que fabulas populares, e contos gra-
1 V. o que d'elles disse Alexandre Hercu-
lano, supra.
2 V. Liberal (i.» anno) n.» 2 de 9 de maio
de 1857.
VIS
VIS 1685
tos á imaginação; matéria digna de exerci-
tar a penna dos nossos Romancistas.»
Depois diz que do Tombo da Camara, pag.
13, consta que ella usou as dietas armas pin-
tadas no seu estandarte, o qual suppoe ter
desapparecido com o incendi© que devorou
os paços do concelho visiense no dia 8 de
agosto de 1796. * Desde esse tempo — diz elle
— adoptou o escudo real, talvez porque al-
guns da governança, duvidando da origem
fabulosa das primeiras armas, persuadiram
a que se fizesse esta mudança.» Todos con-
cordam n'este ponto, mas, salvo o respeito
devido à memoria do sábio cónego e de
Francisco Manuel Correia, e aos laureados
nomes do sr. Ignacio de Vilhena Barbosa e
do auctor do interessante Diccionario choro-
graphico . . Portugal e Possessões, publicado
em Viseu no anno de 18S4,— discordamos.
O senado visiense já em 1743 ou 53 an-
nós antes do incêndio que devorou os paços
do concelho, usava das armas reaes no seu
pendão, pois o padre Leonardo de Sousa,
auctor do Epitome Carmelitano ^ e do inte-
ressantíssimo Catalogo (ms.) dos Prelados
de Viseu, tantas vezes por nós citado, quan-
do f aliou do bispo D. Julio Francisco d' Oli-
veira, descrevendo muito minuciosamente e
como testemunha ocular as grandes festas
que em Viseu se fizeram por occasião da
entrada solemne d'aquelle prelado, diz:—
• Como o Excellentissimo D. Julio Francisco
de Oliveira tivesse devoção de fazer a sua
entrada publica e solemne na cidade de Vi-
1 Tenho sobre a minha mesa de estudo um
exemplar do dicto Epitome, formato de 8.»
com 311 pag. numeradas e 24 folhas sem
numeração, comprehendendo o rosto, dedi-
catória, prologo, licenças e index,— Lísôoa
Occidental, Anno 1739. Com todas as licen-
ças necessárias; mas infelizmente nem Inno-
cencio Francisco da Silva no seu Dicciona-
rio Bibliographico,—ne,m o sr. Brito Aranha
na continuação do mesmo diccionario, men-
cionaram como eseriptor o padre Leonardo
de Sousa.,
Em Viseu ha muitos exemplares d'aqufille
Epitome e eu farei distribuir alguns pelas
nossas principaes bibliothecas para salvar
do olvido a memoria do auctor.
zeu no dia vinte e cinco de março do mes-
mo anno de 1743, indicou logo. . . etc.» i
Depois vae descrevendo as pomposas fes-
tas e a fl. 166 diz:— iCootiouava a procis-
são na fórma seguinte: Adiante de todos
hião 03 criados de pé de sua Exeellencia,
aos quaes seguião os Alcaides da cidade a
Cavallo, logo o Estandarte lieal da Camara,
o qual he de damasco bronco com as Armas
reaes bordadas de ouro e matizes. Este le-
vava André Antonio Pacheco Beltrão, mor-
gado de Ca^ísurrães, vereador mais velho do
anno antecedente, vestido ricamente, e a Ca-
vallo, com jaezes de custo, e primor, preee-
dendo-lhe hum volante e hum page, e às
suas estribeiras duas alias de escravos seos»^
Do exposto se vê que;a muito antes do in-
cêndio, ou de 1796, as armas da cidade de
Viseu eram as aetuaes; mas desde quando
usou ella das antigas ?
Tem-se fabulado lambem muito sobre este
ponto, porque não ha documento positivo
que dirima a questão e, sendo Viseu cidade
tão antiga e tão cheia de edificios brasona-
dos, não ha memoria de edifício algum com
tal brasão I Apenas se encontra no angulo
oriental da fronteria do Hospital Novo, fa-
zendo pendant com o brasão actual que se
vê do lado opposto, mas todo aquelle edifí-
cio é muito moderno, como já dissemos no
tópico relativo a Misericórdia.
Alguns romancistas dizem que as armas
velhas de Viseu lhe foram dadas pelo pró-
prio D. Ramiro II;— outros dizem que este
1 Tomo 3.» do dicto Catalogo ms. Liv. 3.»
cap. 4.°, fl. 160 mihi
Aproveitando este ensejo diremos que já
appareceram os dois primeiros volumes do
dicto Catalogo! Estão mss. e completos;—
pertencem ao sr. conde de Prime— o pro-
pòe-se publicar todo o Catalogo o rev. sr.
Joaquim Paes de Sobral, digno vice-reitor do
Seminário visiense.
Deus o queira I . . .
2 No supplemento a este diccionario da-
remos um extracto da longa biographia de
D. Julio, escripta pelo padre Leonardo de
Sousa, comprehendendo este e outros tópi-
cos interessantissimos.
1686 VIS
VIS
só as confirmou, — e o padre Carvalho diz
que lh'as deu o bispo de SaiainaDea (?) D.
Sebastião, no tempo de D. Ramiro I, pelos
annos de 842 a 850, quando o dicio prelado
restaurou (?) Viseu, depois que o mencio-
nado rei tomou pela 2.« vez esta cidade aos
mouros, deixando a completamente des
truida.
É isto o que se dt prebende da Ckor. Port.
tomo 2.» pag. 179, mas não podemos accei
tar esta opinião, porque todos os outros au-
ctores que nos cercam attribuem a lenda a
D.Ramiro II, cujo reinado se conta de 931
a 9oO, emquanto que o de D. Ramiro I se
prolongou de 8i2 a 830, ficando entre os
2 reinados a bagatella de 100 annos?!...
O padre Carvalho cila o Nobiliário do
Conde D. Pedro, mas com certesa não o viu,
pois o Nobiliário claramente aponta D. Ra-
miro II como "heroe da lenda que deu ori-
gem ás antigas armas de Viseu— e que em
bons trabalhos me metteu ? !. . .
Fecharemos este tópico dizendo que Ale-
xandre Herculano fallou de D. Ramiro II na
Historia de Portugal tomo 1.° pag. 96 e 97,
— e fallou também de Cale ou Gaia na pri-
meira nota do mesmo vol. pag. 445, mas da
lenda não disse palavra.
Teve mais juiso do que nós I . . .
Foraes
Nem o dr. Botelho nos seus volumosos
Diálogos, nem Berardo, nem F. Manuel nas
suas interessantes Memorias mss., — nem o
Padre Carvalho na Chorogr. Portugueza se
occupam dos foraes de Viseu I Avelino de
Almeida falia d'elles muito resumidamente
e com pouca exactidão;— o sr. J. Maria Ba-
ptista na Chorogr. Moderna seguiu Almeida
e não adianta mais; o sr. Vilhena Barbosa
nas Cidades e Vitlas apenas faz menção de
dois: o da rainha D. Thereza e o de seu Q-
Iho D. Alfonso Henriques; Franklin na sua
Memoria sobre os nossos foraes apenas cita
o de D. Manuel com data de 1513 e outro de
ii87, confirmado em 1217, mas não os leu
e citou mal, como logo provaremos. i
O sr. Oliveira Mascarenhas no seu Novis- i
simo Diccionario Chorographico de Portugal e
; Possessões, escripto e publicado em Viseu em
I 1884, dedicou a Viseu um longo artigo, mas
! fallando dos seus foraes apenas diz o se-
I guinte :
«Teve a cidade de Vizeu tres foraes, como
se vê dos rnais authorisados antiquários. O
1.» foi-lhe conferido por D. Theresa em 1123;
o 2.» por D. Alfonso Henriques, e o 3." (con-
firmação do 2 o) por D. Sancho I, em 1187.
«Não obstante o silencio dos escriptores
antigos, é muito de crer que D. Manoel se
não houvesse esquecido de conferir foral no-
vo a Vizeu, como conferiu á maioria das ter-
I ras do paiz. Mas isto não passa de presum-
I pção. Se os documentos respectivos não ti-
vessem ardido por occasião do incêndio que
reduziu a cinzas os antigos paços d'e3te con-
celho, decerto teríamos agora aclarado esta
questão.»
Do exposto se vê que este tópico não ó
simples, mas prouvéra a Deus que não ti-
véssemos maiores diíSculdades a vencer. Al-
gum trabalho nos deu, mas alguma coisa
adiantámos — e quem vier depois de.nós que
diga o resto.
Vamos á questão :
Viseu teve os 4 foraes seguintes :
1.0 — Dado pela rainha D. Theresa no anno
de 1123 — aão em 1125, como por lapso dis-
seram o sr. Vilhena Barbosa e o sr. Oliveira
Mascarenhas.
2.0— Dado por el-rei D. Affonso Henriques
ou D. Affonso I,— não sabemos quando, —
mas não pode duvidar-se d'este foral, por-
que se vê mencionado expressamente e tran-
scriplo na confirmação de D. Sancho 1 1 com
data de 1187. Foi também confirmado por
D. Affonso II em Coimbra no mez de outu-
bro de 1217 — e d'elle faz expressa menção
também o foral de D. Manuel.
3.°— Dado pelo bispo /». Pedro Gonçalves
e pelo cabido ao couto da Sé no anno de
1251.
Para evitarmos repetições, veja-se o que
1 Este rei simplesmente confirmou a Viseu
aquelle foral, transcrevendo-o. Não lhe deu
novo foral, como se lô na Memoria de Fran-
klin.
VIS
VIS 1687
8ob o a.» 31 dissemos d'e8le bispo no nosso
Catalogo dos Ijispos visienses.
4.»— Dado por D. Manuel e datado de Lis- |
boa a 45 de dezembro de 1513. |
Lív. de Foraes Novos da Beira, tl. 118, v. \
col. 1.», como diz Franklin, pelo que estra-
nhamos que o sr. Ignacio de Vilhena Bar-
bosa, nosso bí-m amigo e mestre, o não men-
cionasse, levando o sr. Oliveira Mascarenhas
a pôr em duvida este foral; não pôde porém
duvidar-se d'elle, porque por fortuna temos
sobre a nossa mesa de estudo o próprio
exemplar que se guardou muitos annos no
archivo da camará municipal de Viseu,
exemplar ainda hoje nitido, luxuosamente
encadernado e muito bem conservado. Não |
sabemos quando nem porque motivo (talvez j
por oeeasião da guerra peninsular) foi ter a
Lisboa; ha annos appareceu aqui no Porto
um negociante de livros velhos offereeen-
do-o com outros foraes aos amadores e com-
prou-o por 22iíl500 réis o sr. Antonio d' Al-
meida Campos e Silva, natural de Viseu, mas
residente aqui no Porto, dono de uma pre-
ciosa livraria, o qual muito generosamente
se dignou emprtíStar-m'o, bem como outros
ms. como já dissemos a pag. 1591. D'elle da-
remos logo um extracto.
Também temos sobre a nossa banca de
estudo os dois grossos volumes do Portuga-
liae JíowMmewío,— publicação luxuosa, inle-
ressantissima, correctíssima e auctorisadis-
sima, feita pela nossa benemérita Academia
Real das Sciencias.
Comprehendem estes 2 volumes (são os
únicos publicados até hoje) muitos docu-
mentos que jasiam sepultados na Torre do
Tombo e que são uma mina d'ouro para os
antiquários.
No tomo Leges et consuetudines entre ou-
tros documentos preciosos se encontram na
sua íntegra muitos foraes dos séculos xi a
xui, de pag. 335 a 738, entre elles o 1.» e o
dados a Viseu, pelo que também os ex-
trai taremos.
O i é copia fiel do autographo que existiu
no archivo capitular da Sé de Viseu e que
hoje se guarda na Torre do Tombo,— segun-
do se lê no Portugaliae Monumenta— Leges
et consuetudines,— çai§. 360 e 361, e princi-
pia por estes termos :
«In nomioe pairis et filii et spirilus sancti.
Ego regina tarisia ildefonsi regis filia »
Em vulgar:— ^ «Em nome do Padre e do
Filho e do Espirito Santo. Eu a rainha D.
Theresa, filha do rei D. Affonso (Vi de Leão)
vendo e conhecendo a dedicação e bons ser-
viços dos vizienses, muito voluntariamente
lhes concedo e corroboro por escriptura pu-
blica os bons foros e bons costumes que en-
tre elles sempre vigoraram.
«Primeiramente concedo aos cidadãos ea-
valleiros que, fallecendo algum e deixando
filhos menores, estes possuam a herança
paterna pacificamente até que cheguem á
idade de poderem tomar também armas. . .
e. se não deixar filhos, a viuva possuirá a
herança da mesma fórma, em quanto se con-
servar no estado de viuvez e se conduzir
bem.
«O cavalleiro decrépito possuirá lambem
pacificamente os seus bens.
«Nas terras que possuirdes nos arrabal-
des de Viseu não terá ingerência alguma o
meu vigário (delegado ou representante).
«Os clérigos visienses gosarão os mesmos
fóros dos cavalheiros.
«Se houver pendências entre vós e vós as
poderdes resolver, não intervirá o meu vi-
gário, mas este acudirá ao vosso chama-
mento, quando vos approuver ehamal-o, e
vos fará justiça segundo as leis.
«Se morrer o cavallo de aigura eavalhiro
viziense, não será este obrigado a comprar
outro dentro de um anno, mas, passado um
anno, se ainda não tiver cavallo, será tido
como peão e pagará ;M(;aíía como elles.
«Os peões que vierem de novo povoar Vi-
seu pagarão a jugada nova.
• Os mercadores (negociantes) paguem o
censo e ninguém os affronte.
«Este foral vos concedo na era de 1161
(anno 1123).»
A rainha não indica o local onde ao tempo
demorava, pelo que suppomos ser Viseu.
1 Não o daremos na sua integra, mas só
em extracto, para não abusarmos da paciên-
cia dos leitores e dos editores.
1688 VIS
VIS
2."— Dado por D. Affonso Henriques,
Para evitarmos repetições, leia-sa o que
já dissemos d'e8te foral supra.
Perdeu-se, como se perderam outros fo-
raes do mesmo rei, talvez porque aiuda não
vigorava, como depois vigorou, a praxe de
se extrahirem de todos os foraes 3 exempla-
res,—um para o archivo do concelho a que
pertencia;— outro para o senhor da terra —
6 outro para o Archivo Nacional ou Torre
do Tombo; salvou se porem este foral de Vi-
seu porque foi copiado ou transcripto na
confirmação de D. Sancho I em H87, pelo
que tem sido denominado também foral de
D. Sancho /, de íiS7.— Assim o denomina
o próprio Portugaliae Monumenta, que o dá
na sua integra * sob esta epigraphe:
Viséo
Viseu
1187
Forale Viseense alterum. . . »
Em vulgar: lOutro foral de Viseu se guar-
da na Torre do Tombo no Livro de Foraes
amigos de Santa Cruz — e no Livro
de D. Affonso IL Ali se encontra também ou-
tro exemplar dos princípios do século xiv.
Tomamos para texto o primeiro exemplar,
apontando as variantes que se notam nos ou-
tros. »
Em seguida transcreve íidelissimamente
o dicto foral, que principia n'estes termos:
• In dei nomine. Ego Sancius »
Em vulgar: 2 tEm nome de Deus. Eu D.
Sancho (I). . . filho do grande rei D. Affon-
so (I) e da rainha D. Mafalda,. .. dou a to-
dos os habitantes da cidade de Viseu o pró-
prio foral que lhes deu meu pae e que é o se-
guinte:. . . .
^ Liv. cit. — Leges et Consuetudines, pag.
460 a 462.
2 Bem quizeramos dar copia fiel também
d'este foral, mas, como ó muito extenso,
d'elle daremos apenas um extracto, omittin-
do as variantes.
«Se algum estranho entrar no termo da
cidade de Viseu armado e com tres homens
ou mais, pague 6:000 modios
«Os cavalleiros, clérigos e peões não po-
derão ser presos e, se eommetterem algum
crime serão simplesmente citados para vi-
rem ao concelho e ahi serão julgados pelo
juiz e por homens bons.
•Aos cidadãos de Viseu ninguém, nem o
próprio senhor da terra lhes poderá tomar
violentamente o seu cavallo.
• Todo o cavalleiro de Viseu poderá ven-
der livremente as suas terras a outro caval-
leiro, sem pagar pela venda imposição al-
guma, e se algum cavalleiro visiense perder
o seu Cavallo, ser-lhe-ha guardado o foro de
cavalleiro durante 2 aonos, embora não com-
pre outro cavallo, mas passados os 2 aonos
será tido como peão, em quanto não possuir
outro cavallo.
«Se algum cavalleiro visiense cair em po-
bresa ou ficar a mulher d'elle viuva e não
poderem ter cavallo, ser-lhes-ha guardado
o fôro de cavalleiro, como se tivessem ca-
vallo.
«O peão que vender os seus bens a outro
peão pagará a decima parte (?) ao senhor da
terra; mas, vendendo só parte dos seus bens
por necessidade urgente, não pagará coisa
alguma.
«Todo o cidadão de Viseu que agredir ou-
tro com armas pagará 60 soldos- o que ma-
tar alguém na cidade pagará 500 soldos, e
se o matar fóra da cidade, pagará 300 sol-
dos.
«O que desflorar donzella pagará 300 sol-
dos—e, se a mulher desflorada não apresen-
tar dentro de 9 dias a sua queixa e provas
em juiso, o desflorador não pagará coisa al-
guma.
«As medidas da cidade de Viseu serão as
mesmas de Coimbra.
«Do vinho e do linho pagarão a sexta
parle {uma hagatellal. . .)— da prot>a de pau
VIS
VIS 1689
pagarão 5 soldos e da prova de lança 15
soldos 1.
«Se algum tributário cair em pobresa, |
tanto homem como viuva, e arrendar os seus
bens. . . o governo receberá metade dai ren-
da e a outra metade o senhor dos bens ar-
renuados ?!
tOs cónegos (clérigos da Sé) gosarão to-
dos os privilégios e honras dos cavalleiros
visienses.
tDado em Santarém no mez de janeiro da
era de 1225,— anno 1187
Segue-se no mesmo Portugaliae Monu-
menta a confirmação de D. Affonso II, —
Coimbra, no raez d oulubro do anno 1217»
—confirmação muito summaria, como cos-
tumam ser todas. A de D. Sancho I foi uma
excepção para supprir e talvez modificar em
algum tópico o foral de D. Affonso Henri-
ques?!.. .
Foral de D. Manuel
Já que por fortuna temos este foral sobre
a nossa banca de estudo, daremos também
1 Usava-se n'aquelle tempo e desde tem
pos muito anteriores, uma espécie de duel-
los a pau ou lança, a pé e a cava lio, como
prova da culpabilidade ou innocencia dos
litigantes, com certas formalidades legaes e
assistência das auctoridades, pelo que estas
recebiam do que ficava vencido certa som-
ma.
Por este bárbaro processo de julgamento
muitos indivíduos, estando aliás innocentes,
eram publicamente e barbaramente espan-
cados, feridos e por vezes mortos;— e ainda
pagavam as custas!. . .
A justiça estava sempre do lado do mais
forte e mais destro no jogo das armas — e
mais bárbaro e mais estúpido era ainda o
julgamento denominado juiso de Deus pelas
provas do ferro caldo e d'agua ou azeite fer-
vendo.
Em Leça do Balio conservou-se muito
tempo um ferro de arado que servia para as
taes provas, mas o meu antecessor ali não
as descreve- nem sei onde as descreveu!
O Portugaliae Monumenta descreve-as nos
artigos Costumes e foros de varias terras do
Cima-Côa.
uma leve noticia d'elle e do» caracteres
d'esle exemplar que, segundo suppomos, era
o do archivo da camará municipal de Viseu.
Está luxuosamente encadernado em grossas
taboas de madeira forradas de couro;— tem
nos 4 ângulos das 2 faces exteriores 8 esphe-
ras armillares (uma em cada angulo) todas
de metal amarello com bastante espessura e
abertas a buril, bem como 2 escudos do mes-
mo metal que se vêem no centro das duas
faces exteriores da capa, tendo cada um
d'elles as armas reaes das quinas, — 7 Cas-
tellon—e eorôa.
É eseripto em gotbico; está, como já dis-
semos, muito bem conservado; comprehen-
de ao lodo 20 folhas de pergaminho, folio,
—16 com o texto,— mais 2 no principio com
o Índice- e 2 no fira com os registros,— e
tem 15 titulos que abrem todos por lettras
de fantasia, umas de tinta vermelha e outras
de tinta azul, alternadas.
O rosto é illuminado e dividido em 3 sec-
ções: —na 1." (a superior) tem no centro um
escudo coroado e n'elle as armas reaes das
quinas e 9 (?) castellos;— aos lados 2 esphe-
ras armilares e em cada uma d'ellas bem vi-
zivel a data —1508— posto que o foral é da-
tado de 1513 e sem contestação lhe pertence
o rosto descripto, pois o texto do foral prin-
cipia em uma pequena tarja quadrada que
se vê a meio do rosto e continua no verso
da mesma folha.
Por baixo do escudo e das duas espheras
tem uma tarja estreita e horisontal a toda a
largura do rosto com esta legenda em gran-
des lettras
DOM MANVEL
e logo continua na tarja quadrada, imme-
diatamente inferior em caracteres como os
do texto restante, dizendo :
■ A tarja quadrada tem o fundo branco,
mas está no meio d'outra3 duas tarjas:—
uma com um ramo de cravos e uma coruja
de capello era cores próprias sob fundo es-
carlate;— outra com um ramo de botões de
rosa, uma borboleta e uma pequeua flor;
tudo em cores próprias também, sob fundo
azul.
1690 VIS
VIS
«per graça de ds. Rey de porlugal e dos
algarves. da quem e dalém maar em africa.
Snor de Guinee e da Conquista e navega-
çam e comercio de ethiopia. Arábia. Pérsia
e da índia, etc. Á quaotos esta nossa carta»
— e no verso da folha continua dizendo: —
«de foral virem, dado à cidade de viseu. fa-
zemos saber que per bem das dilligencias.
Isames e Inquirições que em nossos regnos
e senhorios mandamos fazer. . . acordamos
visto ho foral da dita cidade dado per ElRey
dom affõm. anrriquez. confirmado per El-
Rey dom Sancho seu filho, ^ que as rendas
e dirtos (direitos) se devem na dita cidade
pagar e recadar na maneyra e forma se-
guinte :
• Posto que pollo dito foral fossem impos-
tos dirtos e foros de pam na dita cidade e
assy de vinho e linho e doutras cousas, nam
se fará delias aqui neste foral menção, por
quanto foram apartadas per outros foraes e
dadas a outras pessoas, segundo em seus
particulares tombos e foraes sera determi-
nado.—e aqui sooraéte neste foral seram de-
crarados os dirtos pessoaes que andam apar-
tados com a alcaydaria e moordomado da
dita cidade, e alguns outros que assy se pa-
gam a nos fora dos foraaes dos ditos Re-
guengos e moordomados, os quaes aqui
primeyramente mãdamos decrarar. s. {a sa-
6ír)— paga-se em cada huu ano a nos por
dirto Real pollo procurador da dita çidade
por ho pmeyro ãu de raayo quatro mil e
setecentos e vinte e cinquo Rs, a que chama
Cavallo de mayo. e que o dito procurador ha
da recadar de çertos lugares fora do termo
da dita. çidade, os quaes sam a isto danti-
gamente obrigados com alguas aldeãs do
dito termo. . . os quaes entregarão aas pes-
soas que delles for feita ínree. . . »
Em seguida diz que os visienses pagariam
também o direito denominado Fogueiras de
S. Miguel e que já estava declarado nos li-
vros e tombos dos direitos reaes do almo-
1 Do exposto se vê que D. Sancho I não
deu foral próprio a Viseu, mas simplesmente
confirmou em 1187 o de D. Affonso Henri-
ques.
xarifado de Viseu quem tinha de pagar
aquelies direitos, a importância d'elles e a
forma do pagamento, o que tudo se cum-
priria sem innovação alguma.
Na parte restante este foral pouco diverge
do padrão dos foraes novos d'el-rei D. Ma-
nuel; apenas no titulo 5.° diz que a cidade
de Viseu nunca seria dada a pessoa alguma
em senhorio, o que ouir'ora foi privilegio
importante I
V. Pinhel e Portalegre.
Termina assim : — tDado em a nossa mui-
to nobre e sempre leal çidade de lixboa
quinze dias de dezêbro de quinhetos e treze.
Fernam de pyna p mandado spiçial de sua
alteza o fiz fazer sooscrvy e comçertey em
quize folhas e mea.
«El Rey»
São estes os foraes que os nossos reis de-
ram a Viseu. Bem quiséramos extractar
também o foral do bispo D. Pedro Gonçal-
veSy mas não no-s foi possível lobrigal-o.
Passemos a outro tópico.
A Cava de Viriato
Poucas cidades do nosso paiz podem glo-
riar-se de ter tantas e tão bellas monogra-
phias como Viseu. Da Cava, por exemplo,
faliam e faliam muito bem o dr. Manuel Bo-
telho Ribeiro nos seus Diálogos; '—José de
Oliveira Berardo nas suas Noticias históri-
cas de Viseu, publicadas no Liberal, n.° 1 de
6 de maio de 1857, e na Memoria ms. que
em 1838 offereceu á camará municipal vi-
siense e que se guarda no archivo da mes-
ma camará; ^ — o incansável investigador
Francisco Manuel Correia na sua intereR-
sante Memoria também ms., tantas vezes já
citada,— e Fr. Bernardo de Brito na Monar-
chia Lusitana (parte 1.' cap. 4.» pag 281-
1 Dialogo I, capítulos 9.", 10." 11." e 12.",
pag 54-74 no códice de Girabolhos.
2 Ao nosso bom amigo e cyreneu, o ex."»
sr. dr. Nicolau Pereira de Mendonça, deve-
mos o favor da copia que temos sobre a nos-
sa banca de estudo.
VIS
VIS 1691
285) ao qaal n'e8te ponto seguiram muito de
perto (?!...) o dr. Botelho e Berardo.
Também fallaram d'ella, embora mais li-
geiramente, o sr. Vilhena Barbosa nas Cida-
des e Villas—o sr. Oliveira Mascarenhas no
Portugal e Possessões,— AxeWno d'Almeida
no seu Diccionario, copiando o que disse Be-
rardo,—o sr. J. M. Baptista na Chorographia
Moderna, extraetando o que disse Avelino de
Almeida,— e também já o meu antecessor
fallou d'ella no pequeno artigo Cava, remei-
lendo o leitor para o artigo Viseu e para as
Memorias de Berardo. Cumprê-nos pois dar
noticia um pouco mais ampla de tão curioso
monumento, aproveitando principalmente as
duas Memorias do sábio cónego e princi-
piando pela que foi publicada no Liberal em
1857, da qual n'este ponto ' é um extracto
a de 1838, pois Berardo já tinha escripto
aquella em 1830.
tO monumento mais considerável, que
encontramos na cidade de Vizeu, he o deno
minado Cava de Viriato: espécie de fortifi-
cação, cujos muros de terra, hoje quasi gas-
tos pela incúria, ignorância e rapacidade
humana, contando talvez 20 séculos de exis-
tência, tem servido de base á tradição po-
pular sobre as recordações gloriosas que va-
mos a referir. ^
•Derrotado o exercito do pretor romano
Cláudio Ucimano pelo famoso Viriato junto
do Campo d'Ourique, para desviar de si o
peso das armas com huma diversão favorá-
vel, reeorreo aquelle pretor a Caio Nigidio,
o qual entrando logo pelas terras da pro-
vinda da Beira, depois de talar os agros e
incendiar povoações, veio fortifiear-se em
hum campo raso, que hoje vemos junto da
cidade de Vizeu. Logo qUe Viriato disto
houve noticia, acudio immediatamente a es-
í N'este e rCoutros pontos, mas compre-
hende também algum trabalho novo sobre
assumptos diíferentes, um mappa geogra-
phieo do concelho de Viseu, diversos map-
pas estatísticos do concelho e do bispado,
etc, etc.
2 Berardo, Memoria í», publicada no Libe-
ral em 1857.
te ponto, e como não podesse escallar os mu-
ros de terra, poz-lhes cerco até obrigar Ni-
gidio, pela fome e estratagema, a render-se
ou pelejar. Com eflFeito o pretor sahio a cam-
po, mas em poucas horas foi derrotado, per-
dendo as águias, e quasi todo o exercito.
• Isto se passava, como dizem, ^ pelos an-
nos de 146 antes da era vulgar, e se dermos
attenção ao amor do maravilhoso, e ao gosto
dHS estultas etymologlas, alguém pretende
que duas povoações visinhas da Cava de Vi-
riato attestão ainda hoje por seus nomes a
grandeza daquella batalha. Ahravezes dizem
ser corrupção da palavra braveza, que de-
nota o furor com que combaterão os lusi-
tanos; e Aguieira era o lugar onde estavão
as águias romanas no pretório do arraial.
Também a povoação próxima, hoje deno-
minada Esculca, querem alguns derivai a de
escuta; porque ali se demorara o exercito
luzitano como em escuta e observação.
«Louvem e agradeçáo os nossos conter-
râneos estas sonhadas invenções áquelles his-
toriadores, que se prazem em os divertir ou
estimular de zelo patriótico; mas eu quizera
que huma critica mais judiciosa tivesse pre-
sidido ás suas lucubrações, e que não tives-
sem corrido tanto á larga pelo campo das
falsas conjecturas. 2
«Com effeito a tradição d'estas façanhas
se teria extinguido depois de tantos séculos,
e a não ser o monumento, cujos restos ain-
da hoje subsistem, por ventura nem aquella
Victoria alcançada, nem mesmo a estada e
marchas dos exércitos por estes sitios serião
para acreditar. Debalde Floriano dei Campo
e Fr. Bernardo de Brito adduzirião as lapi-
1 Refere-se á Monarchia Lusitana de Fr.
Bernardo de Brito e aos Diálogos do dr. Bo-
telho, que Berardo compulsou, mas nunca
citou, pelo que alguém o censura.
2 Refere-se ao dr. Botelho que, sendo aliás
muito illustrado, era da escola de Fr. Ber-
nardo de Brito e mais crendeiro ainda do
que elle. Dominado pelo amor pátrio, estava
sempre a compor versos e lendas em honra
de Viseu, — em quanto que Berardo era da
escola de Alexandre Herculano,— »nw?ío se-
i vero nos seus escriptos e muito avesso a len-
i das e fabulas.
1692 VIS
VIS
des de sua invenção encontradas junto a Vi- |
seu, 1 e o testemunho de Gallio Favônio. A
critica desmentio o gosto particular destes
historiadores, como se pôde ver no insus-
peito André de Rezende.
• É certo que o tempo não nos deixou che-
gar os pormenores dos combates entre Vi-
riato e Caio Nigidio; nenhum synchrono nos
refere o logar onde aqueile destroçàra este,
nem é crivei que a mencionada Cava, cons-
tando de um espaçoso octogno regular, ^ de-
fendido por um fosso cheio d'agoa, fosse a
obra de poucos dias.
tDe todos os auctores latinos que hoje
possuímos, e que escreverão das guerras de
Viriato, nenhum faz menção do pretor Caio
Nogidio, à excepção da obra intitulada: De
Viris illustribus Urbis Romanae, que se ex-
prime d'este modo: «Viriato, portuguez de
nação, primeiramente pobre mercenário, e
depois caçador por passatempo, e ladrão por
audácia,, fez-se ultimamente capitão, toman-
do á sua conta a guerra contra os romanos,
cujos generaes, Cláudio Unimauo e Caio Ni-
gidio, derrotou,
• De passagem observaremos em primeiro
iogar que os romanos, sendo os oppressores
dos povos por excellencia, erão muito libe-
raes em dar o epiíheto de salteadores a to-
dos os que se lhes oppuuhão, e defendião o
que era seu. Em segundo logar notaremos
que a citada obra, ainda que encontrada nos
códices antigos, tem sido variamente attri-
buida a Suetonio, a Plinio o Moço, e a Cor-
^ Logo as daremos a titulo de inventario.
2 Aqui também Berardo claudicou, se-
guindo o testemunho de Botelho, pois ella
ainda hoje tem 11 faces, não 8, como adiante
se verá, quando a descrevermos.
^ O texto latino é—Virialus, genere Lusi-
íaniís. ..— como Berardo o deu na outra
Memoria, onde accrescenta o seguinte; • No-
tamos que Rezende atiribue esta obra a Pli-
nio, talvez porque no seu tempo fosse a opi-
nião seguida; entretanto podemos reputal-a
apócrifa, quando os melhores críticos a re-
jeitão; e sabendo-se que o erudito Walchio
na Historia Critica da Lingua Latina nem
menção fez de tal hvro I »
nelio Nepoíe, ou para melhor dizer, não se
lhe sabe autor; o que na verdade j a he huma
grande lezão na sua legitimidade.
tO que hoje prudentemente podemos con-
jecturar, com mais probabilidade, he que a
Cava de Viriato fôra huma daquellas cons-
trucções, que os romanos denominavào Cas-
tra Hiberna, e as edihcavão para muito tem-
po, collocando nellas hospitaes, armazães,
e outras fabricas de guerra. Alguns anti-
quários as denominarão Campos de Cezar;
porque este general levaniára muitos nas
Gallias, e a «eu exemplo outros capitães ro-
manos fizerão o mesmo nas províncias, que
ándavão conquistando. Aílirma se que a
França tem hum grande numero destes Cam-
pos, alguns dos quaes assentão sobre pontos
elevados, e se apoião ora em nos, ura em
Valles profundos, que lhes servião de defe-
sa. Outros levantados em lugares chãos erão
defendidos por entríncheiramenios de atter-
ros de muitos pés d'altura, terminando em
cavallete, e circuitados d'um fosso profundo,
onde introduzião as agoas, que a natureza
do terreno lhes ministrava. Praticavão lhes
também as sabidas necessárias para as com-
municações exteriores. O estado dos muros
e configuração dos trabalhos tem servido de
base para caracterisar estes campos, e reco-
nhecer a sua época; porem ha nisto pouca
segurança, e não se tem podido passar das
conjecturas.
«Os fados porque tem passado o nosso mo-
numento da Cava, tem-lhe sido pouco fa-
voráveis. D'antigas Memorias sabemos que
em 18 de abril de 1461 o cabido da Sé de
Vizeu tomára posse da Cava de Viriato em
terras que até áquelle tempo erão de Re-
guengo. Achava-se então com portas que se
abrião e fechavão, como fosse necessário,
e dentro havia huma capella do titulo de S.
Jorge... ^
«Huma ordem regia do anno de 1728 man-
1 Para evitarmos repetições, veja-se o que
dissemos d'esta capella no tópico Feiras e
mercados, pag. 155i, col. 2,*— e no tópico
Templos exlinctos, n.° 10, pag. 1564.
VIS
VIS 1693
dou que a Cava de Viriato fosse medida e
apègada. Aehou-se que ainda então os mu-
ros, ou aterros, tinhão trez lanças d'allura
com 40 palmos de largura no cimo. He pro-
vável que na sua origem rematassem em ca-
vallete, pelo que já advertimos.
«Segundo o auctor do Elucidário a lança
era huma medida agraria, que constava de
25 palmos craveiros.
«Os muros derão em circuito 3:065 pas-
sos andantes, apresentando quatro grandes
aberturas, que tiverão cantaria com portas;
obra dos mesmos romanos. Existia somente
o vão dos portaes, porque a pedra, como re-
fere Fr. Manoel da Esperança, fôra tirada
para a edificação do convento de S. Fran-
cisco d'Orgens; o que alguns aíDrmão ler
sido por provizão de D. Affonso V. Entre ■
tanto podemos assegurar que no cartório
daquelle extincio convento não existia este
documento. *
«A camará municipal, em junho de 1818,
a instancias do general da provincia, Anto-
nio Marcellino Victoria, mandou levantar
marcos pelo circuito interno e externo dos
muros da Cava; porem esta providencia bal-
dou-se, porque já dantes os lados orientaes,
equados ao solo, se aehavão alienados em
aforamento; e os restantes continuarão, sem
embargo, a ser acommettidos pelas cercea-
duras e escavações dos possuidores das gle-
bas contíguas. Finalmente este monumento
venerável parece que se vai despedindo da
geração actual, e a seguinte por certo que
não tardará a derrear-lhe o dorso por essas
planícies. Saudemol-o poisi . . . já que os ho-
mens da governança não querem intender
1 Francisco Manuel Correia, fallando tam-
bém da Cava na sua interessante Memoria,
cap. 2.° pag. Q,\áa:—(tHe certo que do ar-
chivo do Cabido de Vizeu coneta que por
Provizão de D. Affonso V de 1460 fôra dada
por esmolla para as obras do convento dos
frades de S. Francisco d'Orgens toda a pe-
dra que fosse necessária e se encontrasse na
Cidade de Vaca, que se havia principiado
dentro da Cava. Isto prova (diz F. Manoel)
que naquelle tempo amda, em 1460, os ha-
bitantes da cidade de Vizeu davão à Cava
de Viriato o nome de Cidade de Vaca.»
VOLUMB XI
nestas areheologias, e os cohiçozos visinhos
vão cavando para sí.'j
E tal não disse da Cava n'esta Memoria
o sábio cónego. Na outra diz quasi o mes-
mo. Apenas acerescentou : « . . .do fosso de
agoa que cercava os muros resta ainda hum
pequeno lanço do lado oceidental, a que dão
o nome de poço da Cava. . .t—e termina
d'esta fórma :
«Algum dia o viajante instruído interro-
gará o colono pela soberba construcção, que
talvez aplanada elle calca aos pés, e huma
estúpida resposta será o premio da sua cu-
riosidade I
tMortalia facta peribunt.*
Brito, invocando a auetoridade de Lay-
mundo {com bom santo se apegoul) depois
de descrever a grande victoria alcançada por
Viriato contra Nigidio (?) diz que na sua
opinião a cidade de Viseu ainda não existia
quando se deu a batalha (anno 146 antes de
Ch.) na Cava ou junto da Cava, porque ali
apparecerara duas lapides nas quaes se faz
menção dos lancienses, povos do Cima-Côa,
e dos habitantes de Lamego ou Laconimur-
gi, mas não dos visienses.
As taes lapides (apocriphas) são as seguin-
tes :
L. JEmiL. L. F. CONFECT, wl-
NERE. HOST. SVB, NlOmiO. COS.
CONT. ViRIATVM. LATRONEM.
Lanciens. QVOR. BEMP. TVTA-
RAT. BASIM. CVM. VRNA ET STA-
TVAM. IN. LOCO. PVBL. EREX.
HONORIS. LIBERAL. QVE. EBGO. '
«Os Lãcienses puzerão em lugar publico
hua Base com sua estatua, & hum vaso com
as cinzas de Lucio Emilio, filho de Lucio,
que morreo na batalha de Negidio, contra o
salteador Viriato, ferido por hum enemigo.
1 Seguimos a lição do Portugaliae inseri-
ptiones romanae (pag. 160 n " 35i) por ser
mais correcta do que a da Monarch. Lusit.
loc. cit.—e é a unica inscripção romana que
se encontra no Portugaliae inscriptiones com
relação a Viseu ? I . . .
107
1694 VIS
VIS
& foi-lhe posta pelo honrar, & mostrar com
elle magnificência, por lhe sempre ter em-
parado sua Republica.»
— Traducção do próprio Fr. Bernardo de
Brito.
Esta inscripção e o tal monumento com es-
tatua revelam uma polidez imprópria dos
lusitanos in illo tempere, pois todos concor-
dam em que estavam ainda muito rudes^
quasi selvagens, e tanto que não tinham ca-
sas nem fortificações de pedra.
Também mal se coaduna com o génio fe-
roz d'elles e com o odio encarniçado que
votavam aos romanos o irem levantar-lhes
um monumento.
É também incrível que os lusitanos m ?7/o
tempore fallassem tao correctamente o latim;
— que dessem o titulo de salteador ao seu
grande capitão Viriato — e que este consen-
tisse tal affroota.
2.»
L. Capetu. Cap. f. cent. legionis mar.
TIAE ET. M. LUCEJU. C. MILIT. SUB. NiGI :
DIO. CONS. IN. BEL. ViRIAT. OCCUS. ORD. LA
CON. DIE POST. PUG. IN CASTRIS. SEPEL.
AMORIS ET BENEFIF. CAUSA S. S. P. L. *
Em vulgar: «A gente do governo, & regi-
mento de Laconimurgi, ou Lamego (diz Fr.
Bernardo de Briio) por causa de amor, &
gratificação, sepultarão a Lucio Capeto, fi-
lho de Capeto, Centurio da Legião Mareia,
& a Marco Lucio, Tribuno dos soldados, aqui
nos próprios reaes ao terceiro dia depois da
peleja, & forão mortos na guerra feita con-
tra Viriato, debaixo da bandeira do Cousul
Megido (sie).>
D'esta inscripção se vê que os lusitanos
lamecenses não eram menos polidos nem fo-
ram menos generosos do que os lancienses
para com os romanos, seus implacáveis ini-
migos?!.. .
Nem hoje em pleno século xix, no século
das luzes, se apontam exemplos de tanta po-
1 Monarch. Lusit. loc. cit.
O Portugaliae inscriptiones não deu esta
inscripção, que julgamos muilo incorrecta.
lidez e tanta generosidade, mesmo nas guer-
ras entre as nações mais cultas.
Prosigamos.
Fr. Bernardo de Brito diz também— que
Viriato, depois da derrota de Cláudio Uni-
mano, marchou em defesa da Beira, onde
teria (N. B.) seus parentes,— e que Kigidio,
apenas soube da approximação de Viriato,
se começou de fortificar em hum campo des-
coberto, segurando o seu exercito em grandes
vatlos de terra que ainda hoje durão perto de
Vizeu ...
Diz mais:— que no seu tempo os habitan-
tes de Viseu e os lavradores que viviam em
redor da Cava contavam d'ella mil patra-
nhas, dizendo que se abriram aquelles vai-
los para fundarem dentro a cidade e que no
romper d'elles era o trabalho tãa excessiva
que morria muita gente e os boes, que tira^
vão a terra, chegavão a ourinar sangue vivo;
mas que na opinião d'elle a Cava não foi na
sua origem mais do que o real de Nigidio,
ou acampamento fortificado pelo dicto pre-
tor.
A isto se reduz o que diz Fr. Bernardo de
Brito, e foi o bastante para que Botelho, ce-
go pela paixão que o prendia á sua terra
natal e guiado pela sua fantasia de poeta,
paraphraseando a Brito dissesse o que se lê
no seu Dialogo l.", cap. 9-12.
Principia por calumniar a Brito, aflfir-
mando que elle dissera que Viriato tinha
seus parentes na Beira. Elle disse teria, o
que faz muita diíTerença, dando a entender
que era, como effectivamente é, muito in-
certa a pátria de Viriato. Disputam essa
honra muitas povoações das abas da Serra
da Estrella, taes são Gouveia, Ceia, Linha-
res, Vallesim, Povoa Velha e Folgosinho.
Esta ultima até aponta ainda hoje (1888) al-
guns pobres seus visinhos como descenden-
tes e legítimos representantes de Viriato,
mas a pequena povoação da Povoa Velha, a
montante e pouco distante da villa de Ceia
não consente que outra qualquer lhe roube
a gloria de ter dado o berço ao grande ca-
pitão lusitano. 1 Nada porem respeitou o dr.
1 V. Povoa Velha, Eburobriga e Alfeizirão^
VIS
VIS 1695
Botelho, pois não hesitou em affirmar que
Viriato era natural da antiga cidade de Vi-
seu—e isto 80 pelo facto de elle correr a
defendel-a ? I . . .
«Na pressa, com que a soccorreu declarou
ser sua pátria, f
Diz mais— que o nome da dieta cidade era
Vaca, depois Cava, e peio fado (?) de
irem também defendel-a ou fortalecer-se
nella os habitantes de Riba- Côa e Lamego
(refere-se ás inseripções supra) o mesmo
Botelho eonclue que a dieta cidade era mui-
to importante e que os lusitanos naqu£lie
tempo não podião ter cidade mais forte. 2 —
Nem 08 visienses mais apaixonado historia-
dor e mais inspirado cantor, pois alem de
sustentar com muitas conjecturas que a di-
eta Cava não foi acampamento de NIgidio,
mas cidade e cidade famosa, sitiada por elle
e fundada muito antes que os romanos so-
nhassem vir á Hespanha, termina a sua ar-
dente apologia em verso castelhano, á moda
d'aquelle tempo (1630 a 1636) cantando a
Cava e a cidade de Viseu em ura bello ro-
mance de 25 quadras.
Principia assim :
Pela progenia de Tubal,
I Nieto dei gran Patriarcha,
I ' Que ha sido el primero bombre
I Que vino a poblar Espana
1 La segunda poblacion, '
I Que de aquestos fue fundada,
Era uma ciudad aquien
Los antigos llaman Vacca.
onde já se fallou dos dois Viriatos, insignes
capitães nossos.
1 Este ponto é muito controverso. V. o to-
I pico — Fundação e antiguidade de Viseu.
2 Segundo dizem vários historiadores, a
cidade mais forte e mais populosa de Por-
tugal e da peninsula foi Laconimurgi, a ve-
lha Lamego, na opinião do próprio dr. Bo-
j telho, de Fr. Bernardo de Brito e d'outros
I antiquários.
V. Lamego, Laconimurgi, Bobadella, Quei-
mada e Queimadelía.
5 Caramba? !. ..
Ex digito gigas.
No eran sus muros fuertes,
De piedra tosca, ó lavrada.
Mas de tierra, adobo, y ramos
Y de un fosso Ueno de agoa.
Y de la misma matéria
Era la mas grave casa.
Las coberturas de feno.
Que se entraguen en la llaraa.
Fue pátria de Viriato,
A quien ia embidia romana
Para le eclipsar el nombre
El sepulcro, y tierra calla.
Porque junto de su cierca
A Nigidio desbarata.
Que era um Pretor romano,
Contra ella incita la rabia.
Depues que le ha dado muerte
La infame tracion Cepiana,
Degaron esta ciudad
Yerma, assolada, y sin casa.
Aquesta Uamou Estrabon
Por la miesma causa Vácua,
Y nós li llamamos oy
Por su vallo, y fosso Cava.
O dr. Botelho rivalisava com o illustre fi-
lho de Beja, seu contemporâneo, — Christo-
vam Rabello de Macedo, também fidalgo dis-
tineto e distiocto escriptor. Nem o Diccio-
nario Bibliographico de Innocencio, nem o
sr. Brito Aranha, seu iliustrado continuador,
mencionam Christovam Rabello de Macedo,
mas é certo que em 1625 escreveu em fórma
de Diálogos também uma interessante rela-
ção da jornada que fizeram de Beja a Roma
4 fidalgos (o auctor era um d'elles) para ga-
nharem as indulgências do jubileu do Anna
Santo,— t Diálogos que tractão da Historia,
Antiguidades, e de algumas Famílias da sem-
pre nobre Cidade de Beja.»
São também como os de Botelho, uma es-
pécie de Nobiliário;— n^eUea brilha também
1696 VIS
VIS
com muila luz o amor da lerra natal;— são
igualmente escriptos em portuguez e lam-
bem inlermeados de versos em portuguez e
castelhano.
Nós já fizemos publicar no Bejense aquel-
les Diálogos em folhetins, desde o n.° 896 de
2 d'abril de 1878 até o n." 1:007 de 17 de
abril de 1880, sob o titulo de Peregrinos de
Beja, para salvarmos um eodiee que possuía-
mos já sem as primeiras folhas,— códice que
depois offerecemos, com uma eollecção do
Bejense, á Bibliolheca Municipal do Porto, a
qual já possuia 2 códices com os mesmos
Diálogos e hoje possue 3. São os códices 230
231 e 231 — A— do seu ultimo catalogo, pu-
blicado em 188tí.
Ha pois muila analogia entre os Diálogos
de Christovam Rabello de Macedo— eos Diá-
logos do dr. Manuel Botelho Ribeiro; mas
n'estes, como obra oíTereeida a um bispo^
predominam a gravidade e seriedade; — n'a-
quelles o humorismo. Parece que foram es-
criptos para nunca verem a luz da publici-
dade e por isso estão inlermeados d'anecdo-
tas, algumas muito livres!. . . Também n'el-
les se apontam bastantes senões de famílias
nobres.
V. Beja no supplemento.
Desculpem-nos a digressão e prosigamos.
A Cava na actualidade
Não sabemos quando nem por quem foi
feita a Cava—e muito provavelmente foi um
dos Campos de Cesar ou Castra Hiberna dos
romanos, fundada por estes e não pelos an-
tigos habitantes da Lusitânia, pois era uma
fortificação muito importante, muito luxuosa
para aqueiles tempos.
Ella hoje apenas lem muros— grandes
marachões— de terra, mas já teve portas,
seteiras e revestimento parcial ou total de
boa pedra. D'ali foi muila para o convento
d'Orgenã, em virtude do alvará de D. Alfon-
so V, apontado supra, com data dé 1460,
mas ainda em 1630 a 1636 o dr. Botelho des-
crevendo-a dizia como testemunha ocular o
seguinte : «A opinião de ser real de Nigidio
fica bem refutada com a vista d'este edificio,
que alem de ser huma cousa tão grande, e
forte, neste mesmo muro de pedra (onde já
entramos) que não foi feito ao acaso, nem
para huma defensa momentânea
• Este pedaço de muro tão forte e arga-
maçado... estas 3 seteiras, portas, e vasão
das agoas desta cidade em circuito, são tão
bem feitas e lavradas »
Tinha pois sólidos muros, portas, seteiras
e grandes fossos ainda no meado do século
XVII. Passados 100 annos (em 1728) os mu-
ros já não tinham pedra, mas ainda em ai-,
guns pontos tinham d'altura tres lanças ou
75 palmos craveiros, — mais de 16 metros!
Com o decorrer do tempo tem soffrido
muito e já não é a sombra do que foi. Per-
deu todo, absolutamente todo o seu revesti-
mento de pedra; dos largos fossos que a cir-
cuitavam apenas resta um pequeno lanço;
os seus muros são hoje apenas marachões
de terra, mas ainda assim marachões gran-
diosos, imponentes, que despertam a atien-
ção e a admiração dos forasteiros, como já
nos suecedeu, quando nos abeirámos d'elles
em 1862.
Passando nós por Viseu, fomos passeando
muito despreoccupados até o Campo da Fei-
ra. Vendo um extenso e alto muro de terra
com algumas arvores e sendas a modo de
passeio publico, subimos ao alto d'elle e não
nos arrependemos, porque d'âli se gosa ura
lindo panorama. A sopé, ou a S. O., o vaslo
Campo da Feira, banhado pelo Pavia, que
serpeia lá no fundo; na outra margem (es-
querda) do Pavia o bairro da Ribeira; no
alto ou no viso da encosta o bairro da Sói
coroado pelos vistosos edifícios da CatheA
dral, do Collegio e da Misericórdia; a E. es
S. E. os vastos campos dos arrabaldes dei
Viseu; a N. e N. O. uma grande planície cul-'
tivada e algumas habitações ruraes de longej
em longe. j
Estando eu então completamente despre-j
venido e não podendo comprehender a si-
gnificação d'aquelle monte enorme e artifi-
cial de terra, inquiri um transeunte.
— É a Cava de Viriato I— respondeu elle
immediatamente e com certa empbase.
Fíxei-a então um pouco melhor, mas não
a percorri nem a medi, porque estava longe
de suspeitar que tivesse de descrevel-a, e,
VIS
VIS 1697
desejando aceentuar bera o que na actuali-
dade (janeiro de 1888) ainda resta de tão
venerando monumento, pedi ao sr. dr. Ni-
colau Pereira de Mendonça, meu bom amigo
e principal Cyreneu n'e8te artigo, que me
valesse. Annuiu s. ex.» de bom grado e, ape-
sar dos seus longos annos e dos seus pade-
cimentos, lá foi no dia 12 de janeiro de 1888
com um seu feitor, um afilhado e o sr. Fran-
cisco Cardoso Pereira, outro venerando an-
cião e dislincto amador e investigador das
coisas de Viseu. Percorreu-a e mediu-a toda,
gastando 4 Vz horas com o trabalho de cam-
po e depois no seu gabinete organisou e de-
senhou uma bonita planta na escala de 1
para 5:000, ou de ura railllraetro para 5 me-
tros,—planta que se dignou enviar-me e que
tenho presente, sentindo não podermos dal-a
em gravura, porque adiantava muito mais
do que tudo o que nós possamos dizer.
A Cava não é octogona, como disseram
Botelho, F. Manuel e Berardo. É um poly-
gono irregular de 11 faces, ainda hoje bem
visíveis, mas parece que outr'ora teve 13,
pois 2 fazem uma insignifieantissima curva.
Demora em planície funda a N. de Viseu,
a montante e a N. N. O. do Campo da Feira,
na margem direita do Pavia.
Quem for a Viseu e quizer ver a Cava tem
de atravessar o Pavia na ponte de pedra que
estcá no largo da Ribeira e que liga o bairro
d'este nome com o grande Campo da Feira,
hoje Campo de Viriato.
Na dieta ponte passa a nova estrada dis-
trictal a maeadam para S. Pedro do Sul, es-
trada que a partir da ponte tem ura vistoso
lanço de 3 kilometros era recta, quasi todo
bordado de arvores pyramidaes, atraves-
sando o Campo da Feira de S. E. a N. O. e
deixando á direita a Cava, approximada-
mente a 30 melros de distancia » depois de
percorridos 550 metros alem da ponte.
E se, deixando a dieta estrada, partirmos
da ponte em recta para N. E., deixaremos á
1 Referimo nos ao angulo mais próximo,
formado pelos lanços 1." e 2.° da Cava, na
planta do sr. dr. Nicolau de Mendonça, base
da nossa descripção.
esquerda, approximadamente a 150 metros
da ponte, a capellinha de Nossa Senhora da
Conceição, onde se festeja o apostolo S. Ma-
theus por occasião da feira;— um pouco mais
acima deixaremos á direita o velho quartel
militar— e a montante d'e8te, approximada-
mente a 300 metros da ponte, encontrare-
mos o 11." lanço da Cava— o mais próximo
da ponte,— formando angulo recto com a li-
nha indicada, pois o dicto lanço, que está
contíguo ao quartel, prolonga-se de E. a 0.
e forma a extremidade S. da Cava e por as-
sira dizer— a base do grande polygono.
Sigamos agora para a nossa esquerda e
vamos percorrendo e descrevendo toda a cir-
cumferencia da Cava.
O lanço immediato (l.» da planta) é o mais
vistoso, mais alto, mais saliente e o que nós
percorremos em 1862.
Ainda hoje está todo arborísado com al-
gumas arvores antigas e outras modernas, e
tem 2 passeios:— um junto da base do gran-
de talude 6 da horla dos soldados, com alguns
assentos de pedra; outro no alto do talude
É o lanço mais bem tractado e mais bem
conservado, mas já esteve muito mais alin-
dado, porque antes da exiineção das ordens
religiosas e de se arvorar era quartel o con-
vento de Santo Antonio de Maçorim, o regi-
raento da guarnição de Viseu (então infan-
teria n." 17) oceupava o quartel contíguo á
Cava e a offieialidade transforraou o dielo
lanço em uma formosa alameda, jardim e
passeio publico.
Datam d'aquelle tempo as arvores mais
antigas que ainda hoje lá se vêem, mas já
desapparecerara as flores, as trepadeiras e
um lindo caramanchão, etc.
O dicto lanço trajou galas e foi o rendez-
vous de Viseu, mas com aquelles embellesa-
mentos e raovimentos de terra perdeu bas-
tante altura. Dos 16 metros que tinha em
1728, hoje a sua altura máxima, a prumo,
do lado exterior ou sobre a horta dos solda-
dos, 1 está reduzida a lO-^.SOO; e a do lado
i Denomina-se horta dos soldados a parte
, do antigo fôsso arrazado ha muitos annos,
1698 VIS
VIS
opposto a 5 metros, medidos também a pru-
mo.
Na base tem de largura Sl-^.ôO; — no alto
do cavallete G"',00 ; — comprimento total
216^00
Caminhando para a nossa direita, o lanço
iramediato (2.» da planta) tem de compri-
mento 240°',00— e na sua extremidade N.
está o vão de uma das 4 antigas portas.
O dicto vão tem de largura IS^.OO.
O 3." lanço tem de comprimento 244°',00,
caminhando para N.
Encostado a este lanço ainda hoje se vê,
do lado exterior, um fragmento dos antigos
fossos. Denomina-se Poço da Cava, espécie
de lago com lâ^.eO de largura e 147 melros
de comprimento, cuja agua não secca nem
trasborda, por ser mais alto o terreno cir-
cumvisinho. Apenas na estiagem tiram al-
gnma para rega com uns engenhos muito
simples, denominados picanços. Assim regam
alguns chãos da quinta contigua que foi do
fallecido negociante Castello Branco, cuja
casa defronta nas traseiras com o lago e tem
uma linda varanda quasi sobre elle.
O Padre Leonardo de Sousa no 1.» tomo
do seu Catalogo tambemjallou d'este poço e
disse que criava peixes, mas que ninguém
os pescava nem comia, receando serem no-
civos á saúde, por estar a agoa sempre en-
charcada. 1
O dielo poço tem de superfície cerca de
1:850 metros quadrados; ó de suppor que
tenha nascentes próprias que o alimentam
6 que muito provavelmente alimentavam os
fossos aquáticos que oulr'ora circuitavam a
Caí'a toda. Também ó de suppor que os di-
ctos fossos recebessem as aguas pluviaes da
contíguo ao quartel e que acompanha o 1."
lanço até o meio d'elle; e talvez "para o lado
do terreiro da feira tenha mais largura do
qae o antigo fôsso.
1 Hoje cria bastante peixe e até enguias
saborosas, que são muito perseguidas pelos
pescadores.
Este lago, quando está cheio no inverno,
tem 4 melros de profundidade; na grande
estiagem vê-se o fundo, mas enião reco-
lhem-se os peixes a um poço mais fundo
^ue flea a E. do lago.
Cava e dos terrenos adjacentes — e talvez as
do Pavia, captadas em allura própria, a
grande distancia.
O 4.» lanço, immediato a este, tem de com-
primento 257 metros e quasi a meio a aber-
tura de uma das 4 antigas portas, cujo vão
tem de largura 10 metros.
O 5.» lanço pela ordem seguida tem de
comprimento 240 metros e forma com o 4.»
lanço o angulo e a extremidade N. da Cava-
O 6.0 lanço tem de comprimento 254 me-
tros 6 a 64 metro?, contados do norte, tem o
vão d'ouira antiga poria com 10 metros de
largura.
O 7.» lanço tem de comprimento 180 me-
tros—e na sua extrí^mulade S. está um pon-
tão sobre o ribeiro, que vem da aldeia de S-
Thiago, e vae regar a quinta das Mestras e
a do Coval, que tit-ain defronte d'este lanço.
É também muito provável que outr'ora as
aguas d'este ribeiro alimentassem parte dos
fossos, pois elle tóca no sitio do pontão no
muro de terra d'este lanço.
O 8.» lanço tem de comprimento 140 me-
tros e o 9." 145.
Estes 2 lanços já estão quasi destruídos e
nivelados com o solo.
O 10." tem de comprimento 185 metros e
na sua extremidade S. 0. estava uma das
antigas portas, cujo vão tem hoje de aber-
tura 20 metros, porque ha ali uma espécie
de terreiro que dá serventia para differen-
tes casas e quintas já feitas dentro da Cava.
Este lanço corre atravez de bom terreno
povoado de vinha e olival.
O 11.° (a N. do quartel) tem de compri-
mento 200 metros e ó este o ultimo lanço do
polygono e da planta.
Todos aquelles 11 lanços se tocana e for-
mam 11 ângulos de 130 graus, o mais fe-
chado, e de 155 o mais aberto, mas a maio-
ria d'elles é de 140 graus.
A circumferencia do polygono, contada
pela extensão total dos 11 lanços, é de 2:303
metros;— a Cava tem de superfície approxi-
madamente 300:000 metros quadrados— e
dentro, não no centro, mas na proximidade
dos muros, se vêem hoje diversas casas de
VIS
VIS 1699
quintas e habitações ruraes, formando de
longe em longe pequenos grupos. ^
Berardo e Botelho disseram que os muros
da Cava foram feitos sobre pedras, mas clau-
dicaram n'este ponto, porque o sr. dr. Nico-
lau diz que não encontrou pedra alguma
apparelhada ou tosca na base dos muros,
nem mesmo nos lanços que estão quasi des-
feitos e nivelados com o solo. Apenas encon-
trou ainda muitos dos grandes marcos de
pedra, mandados pôr como balisas pela ca-
mará ao loQgo dos muros, tanto do lado in-
terior como do exterior, quando emprasou
aquelles chãos.
Também das arvores antigas apenas lá se
encontram hoje 3 plátanos monstruosos que,
segundo consta, foram plantados nos princí-
pios d'este século pelo general inglez An-
dressen.
Desappareceram também já do antigo fos-
so do lanço n." 1, hoje Horta dos Soldados,
duas ou tres grandes arvores lindissimas,—
Acers negundo (acers com folha d-i freixo) —
que lá se viam no meado d'este século. To-
das as arvores que hoje ensombram o dicto
lanço, tanio antigas como novas, não teem
merecimento algum, exceptuando alguma
Robínia pseudo- Acácia, a que o povo chama
EsTpinhosa.
A isto se reduz a pobre Cava, este monu-
mento venerando que já conta mais de vinte
séculos, pois com certeza é anterior ao nas-
cimento de Christo.
O 1.0 dos lanços mencionados supra olha
para S. O.; o 2.» para O. S. O.; o 3." para
O. N. 0.; o 4.» para N. N. O.; o 5." para N
N.. E.; o 6.» para N. E.; o 7.» para E ; 08.°
para E. S. E.; o 9.» para S. E.; o 10.» para
S. S. E.— e o 11." para S. S. O.
1 Também ali se montou recentemente
uma fabrica de vidros. Foram seus fundado-
res José Antonio Antunes dos Santos, José
dos Santos Cunha e João Rodrigues de Fi-
gueiredo.
Começou a funccionar no dia 7 de maio
de 1888 8 por emquanto apenas produz te-
lhas, redomas e vidraça lisa.
Monumentos 'pre históricos
nos arrabaldes de Viseu
No tópico antecedente falíamos da Cava
de Fírmíí),.monuraento venerando e muito
antigo, pois conta talvez 2:000 annos, mas
agora vamos fallar d'outros monumentos
muito mais antigos, que se encontram em
volta de Viseu. São as Orcas apontadas pelo
dr. Botelho {Dialogo i." cap. 13) como aras
gentílicas, que estavam, e não sabemos se
estão ainda hoje, entre Mondão e Cavernães,
dizeado que outras muitas se encontravam
{e encontram) na Beira, com pedras de es-
tranha grandeza.
O auetor não as descreve e nada mais diz
a tal respeito, mas evidentemente as taes or-
cas são o que os estrangeiros denominam
dolmens e que nós denominamos antas, or-
cas 1 6 orcas,— monumentos megalithicos e
pre-historicos da idade de pedra, formados
por grandes penedos toscos postos a prumo
ou inclinados para o centro e cobertos por ou-
tro grande penedo também tosco e em forma
de mesa,— tudo apparentemenie sem appa-
relho algum, como se usava no tempo ante-
rior às idades do bronze e do ferro, tempo
que não pôde precisar-se, mas que remonta
milhares d'annos talvez para alem do nasci-
mento de Christo e da fundação da Cava.
Em todas as seiencias ha mysterios e é
mais— muíío mais— o que se igoora, do que
aquillo que se sabe ou presume saber-se,
mas poucas seiencias estão ainda tão atra.
zadas como a archeologia pre-historica, ou
paleonthologia, e a antropologia, nomeada-
mente no nosso paiz, tão pequeno e tão falto
de incentivos e de recursos de certa ordem,
mas que ofíerece um vasto campo aos an-
thropologos e archeologos.
Das antas, ou arcas, ou orcas ou dolmens
i Orcas. Este nome que o dr. Botelho deu
às antas, não se encontra em diccíonario al-
gum da lingua portugueza, nem mesmo no
Elucidário de Viterbo, raasé o nome vulgar
por que o povo das comarcas de Vizeu e de
Gouveia designa estes monumentos.
1700 VIS
VIS
apenas estão reconhecidos alguns exempla-
res. Fr. Affonso da Madre de Deus Guerreiro
na sessão de 1 d'abril de 1734, da nossa
Academia Real de Historia Portugueza, apre-
zentou diversas Memorias e entre ellas uma
relação de 315 antas, mas infelizmente nen-
huma d'aquellas Memorias foi publicada, ^
— nem o Dicc. Bibi de Innocencio, nem o
seu continuador Brito Aranha mencionam
como escriptor tal Académico 1 . . .
O Mappa pre-historico exposto no Museu
da Secção Geológica,— mâppí que o sr. Oli-
veira Martins resume nos seus Elementos de
Anthropologia, 2.» edição— aponta 179 antas,
numero que tem augmentado com as explo-
rações posteriores, nomeadamente com as do
sr. dr. Martins Sarmento, como pôde ver- se
no seu Relatório da Expedição Scintifica á
Serra da Estrella em 188i, e nos seus estu-
dos publicados no Pero Gallego e no Tiro-
cínio. Também o sr. Leite Vasconcellos no
seu folheto Uma excursão ao Soajo (Barcel-
los, 1882) menciona mais 6 antas descober-
tas no Alto-Minho, e outras muitas se apon-
tam em differentes artigos d'este dieciona-
rio; mas quantas não jazem ainda completa-
mente ignoradas, — e não só antas, mas ou-
tros muitos monumentos megalithicos da fa-
mília dolmenica, taes como antellas, anti-
nhas^ mamoas, carns, menhirs, cromleks,
alinhamentos e pedras baloiçantes f
Antellas e antinhas são monumentos da
configuração dos dolmens ou antas, mas um
pouco mais pequenos e ordinariamente sem
mesa e sem galeria lateral, como teem ou ti-
veram as antas. 2
Mamoas ou mamôas ou mamunhas e tam-
bém madorras ou arcas ^ são monumentos
1 Veja-se o tomo 15." das Memorias da
Academia Real de Historia Portugveza, rela-
tivo ao anno de 1734.
2 As galerias lateraes são um dos cara-
cteres das antas, como diz o sr. dr. Martins
Sarmento no Pero Gallego, n." 15^ pag. 5.
3 Na Beira o povo denomina também or-
cas os dolmens ou antas, como os denomi-
nou o dr. Botelho nos seus Diálogos em 1630
a 1636, e como se lê no artigo Canas de Se-
nhorim, notando-se que por erro typogra-
funerariospre-historijos, formados por gran-
des montes de terra de forma cónica ou py-
ramidal sobre arcas de pedra tosca, onde
encerravam os cadáveres, ou sobre as antel-
las e antinhas e talvez sobre as próprias an-
tas.
V. Mamoa n'este diccionario.
Carns ou cerrados dos mouros, segundo
se suppõe, eram templos gentílicos sem
tecto.
V. Carn.
Menhirs eram umà espécie de eolumnas
ou pyramides formadas por grandes mono-
lithos postos a prumo sobre penedos ou fir-
mes e enterrados no solo,— e constavam de
um só monolitho ou grande penedo tosco, —
ou de dois e mais penedos sobrepostos e en-
castellados uns sobre os outros. ^
Talvez sejam menhirs os 4 penhascos de
Moreira de Rei, concelho de Trancoso, apon-
tados por nós no artigo Viariz, formando
duas meias luas com as pontas voltadas para
o firmamento, — e talvez seja também men-
hir outro penhasco em forma de torre, for-
phico ali se encontra o cas em vez de or-
cas.
Também o povo chama Pedra d' Orca ou
Penedo dos Mouros uma anta que se encon-
tra no concelho de Gouveia, entre Rio Torto
e Arcozello, como diz o sr. dr. Martins Sar-
mento no seu Relatório, pag. 21; mas tam-
bém na Beira os dolmens se denominaram e
denominam antas, como estão dizendo a fre-
guezia de Antas de Penalva do Castello, nas
margens do rio Dão, ao nascente de Viseu,
— e a de Antas de Penedono.
Orco, segundo se lê no supplemento aa
Vocabulário de D. Raphael Bluleau, era um
rio da Thessalia que sahia da lagoa Stigia e
levava aguas tão gordas, quetomavanà asu-
perfleie do rio Penêo, em que se meitiam, e
andavão de cima como azeite. D'aqui pro-
vei u ser o Orco chamado rio do inferno e
dar-se também o nome de Orco a Plutão,
deus do inferno, e ao próprio inferno. Pelo
mesmo motivo também os gregos deram aos
sepulcros o nome de orcos — e dos gregos
aeeeitarara os beirões a denominação de or-
cos, depois orcas e arcas, dada aos dolmen&
ou antas e mamoas, medonhos sepulcros
dos celtas ou pre celtas.
1 V. Introducção á Archeologia da Penín-
sula Ibérica pelo dr. Augusto Filippe Si-
mões, (Lisboa, 1878) pag. 76 e segg.
VIS
VIS i70i
mado por differentes penedos, e que se en-
contra a pequena distancia de Moreira de
Rei, quasi ao fundo do ramal a macadam
(lado esquerdo de quem desce) de Trancoso
ã nova estrada real de Celorico ao Pocinho.
V. Viariz e Moreira de Rei n'esie diccio-
nario e no supplemento.
Cromleks são grandes penedos, espécie de
menhirs, em forma de circulo, i
Alinhamentos são fileiras de menhirs.
Pedras-baloiçantes são rochedos enormes
assentes sobre outros rochedos e oseillando
com um certo impulso. 2
Quantos d'este3 venerandos monumentos
existiriam outr'ora no nosso paiz e terão si-
do despedaçados, sem que hoje reste d'elles
vestígio algum?
Todas as explorações areheologicas do
nosso paiz teem sido espontâneas, feitas pe-
los amadores e forasteiros á custa d'elles.
Apenas a Expedição Scientifica á Serra da
Estrella em 1881, promovida pela Sociedade
de Geogrophia de Lisboa, foi subsidiada pelo
governo, que fez uma parte das despezas,
correndo a outra parte por conta dos expe-
dicionários que, alem d'isso, tiveram um
trabalho insano, — primeiramente no campo,
desde a cumiada até às faldas da grande ser-
ra,— e depois no gabinete, para organisarem
os seus relatórios,— tudo isto sem vencimento
algum, pelo que os seus trabalhos ficaram
muito incompletos. Foram apenas uma ten-
tativa, um preludio para trabalhos ulterio-
res. Isto mesmo confessa o sr. dr. Martins
Sarmento no seu Relatório da secção de Ar-
cheologia, da qual foram presidente e vogaes
o sr. Joaquim de Vasconeellos, do Porto, e o
sr. Gabriel Pereira, distineto archeologo de
Évora,
No dicto relatório o sr. Sarmento aponta
e dá em gravura uma anta, denominada do
1 Filippe Simões, log. cit.
2 Obra citada, pag. 76 e SI— Compt ren-
du do Congresso Anthropologico de Lisboa,
pag. 419,— e Villa Nova de Tazem n'este
diccionario, tomo XI, pag. 887, eo!. S.» in
fine, onde se descreve muito minuciosamen-
te o penedo oseillanie de Pero Moleiro.
Fontao, sita em Paranhos, freguezia do con-
celho de Ceia; outra sita no Monte AljãOy
concelho de Gouveia, e oulra em Carvalhal
das Gouveias, concelho de Pinhel, mas diz
que só em Paranhos, na area de pouco mais
de um kilometro, reconheceu mais 5 antas e
colheu informações d'outras muitas em fre-
guezias círeumvisinhas, o que o leva a crer
que na Beira encontraria grande numero
d'ellas, se tivesse tempo de as procurar.
A mesma onomástica revela a existência
de muitos d'aquelles monumentos no nosso
paiz, grande numero das quaes já desappa-
receu.
O sr. Leite Vasconeellos no seu pequeni-
no, mas interessante folheio— Por/w^aí Pre-
histórico aponta a aldeia denominada Pe-
ravana (pedra que abana) como indicando
a existência de um penedo baloiçaníe, —
e nós apontaremos mais algumas povoaçõe s
— villas, parochias, aldeias, quintas, herda-
des e sítios, cujos nomes estão convidando
03 exploradores d'estes monumentos.
D esses nomes oceorrem-nos os Heguintes:
—Altares, aldeia; Anta, freguezia do conce-
lho de Sabrosa; Anta, freguezia, e Anta ser-
ra do concelho da Feira; Antas, freguezia do
concelho de Esposende; Antas freguezia do
concelho de Villa Nova de Famalicão; Antas
freguezia do concelho de Penedono; Antas
ou Antas d; Penalva, freguezia do concelho
de Penalva do Castello n'este districto e não
longe da cidade de Viseu, o Monte das An-
tas, no Porto.
Temos mais no nosso paiz 10 aldeias, 3
cdsaes, 3 herdades e 2 quintas com o nome
de Antas; os casaes de Antas de Cima,
Antas do Meio e Antas de Baixo, e 2 fregue-
zias com o nome de Arca, modificação de
orca ou de ara e que revelam a existência
de dolmens ou antas n'aquelles sítios. Na
freguezia de Arcà, a O. e não longe de Vi-
seu, no concelho de Oliveira de Frades, ain-
1 Pode eonsiderar-se um compendio da
Prehistoria Portugueza. É o n.° 106 da col-
lecção CoTàzú—Bibliotheca do Povo—e custa
apenas 50 réis, como todos os outros folhe-
tos da dieta eoUecção.
1702 VIS
VIS
•da lá se vê um dolmen junto da egreja ma-
triz.
Temos também 8 aldeias, 2 freguezias, 2
herdades e 2 qui tas com o nome de Arcas;
1 freguezia, 16 aldeias, 3 quintas, 1 casal e
um sitio com o nome de Arco, talvez modi-
ficação de orca ou arca\ 1 villa, S freguezias,
9 aldeias, 4 quintas, 3 herdades e 2 easaes
com o nome de Arcos e Arcos da Anadia e
Arcos de Val de Vez, villas e sédes de con-
celhos.
É mais provável que estes
nomes de Arco e Arcos— on to-
dos ou alguns d'elles— prove-
nham da» taes orcas ou arcas
e não de arcos monmientaes,
como alguém diz, pois não ha
memoria de semelhantes arcos
e deviam ser mais de 501... ^
Temos também no nosso paiz Doires (tal-
vez corrupção de dolmens) casal esilio; Do-
1 Ha também na Bibpira de Rio Torto,
freguezia do concelho de Gouveia, uma pon-
te denominada dos Domes, que talvez fosse
feita pelos mesmos coostructores dos dol-
mens, pois é formada por 3 grandes pene-
dos toscos e demora não longe dos dolmens
do Monte AIjão e de Paranhos e do que
existe na mesma freguezia de Rio Torto,
mencionados no Relatório do sr. dr. Martins
Sarmento. Também a pequena dij-lancia da
Ponte dos Domes (ou dolmens) está o penedo
baloiçante ou penedo bolediço, na phrase do
povo, mencionado por nós no artigo Villa
Nova de Tazem.
A dicia Ponte dos Domes ainda hoje dá
passagem sobre a ribeira de Rio Torto, mas
unicamente a pedestres. Não podem passar
por ella carros, nem bois, nem cavalgadu-
ras.—e dista cerca dé 5 kilometros da Pon-
te Palhez e da margem esquerda do Mon-
dego—e 2 kiloraetros da estrada nova a ma-
«adam de Mangualde a Gouveia, quando
atravessa o Monte Aljão, a montante da
Ponte Palhez. *
Chamamos a attenção dos
archeologos para a dicia Ponte
dos Domes, que até hoje não
foi reconhecida nem devida-
mente estudada. O pouco que
dizemos d'ella colhemol-o de
informações, pois nunca a vi-
sitamos.
nini (lalvez corrupção, de dolmin) freguezia;
Donim, aldeia, e Donim ou Domin, pequeno
rio do Alemlejo; 1 quinta e 11 aldeias com
o nome de Madorra, também syoonymo de
anta, dolmen ou mamôa; 3 aldeias com o
nome de Madorna, talvez modificação de
Madorra; 2 aldeias e um casal com o nome
de Madorno; l casa nobre com o nome dQ
Maçorra, talvez modificação de Madorra lam-
bem; Mamarrosa talvez corrupção de mama
rasa, freguezia do concelho de Oliveira do
Bairro; 11 aldeias com o nome de Mamoa ou
Mamôa; Meimoa e Meimão, aldeias,— e Mei-
moa (ba n'ella 3 anlas ou mamôas ') ribeira
confluente do Zêzere.
Montilhão, nome também dado ás wiamoas
ou maíwdíis,— aldeia e sitio; 2 aldeias e 1 her-
dade com o nome de Montão,— e 1 aldeia
com o nome de Montingrão; Montinho das
Antas, casal; Montinho dag Covas e Monti-
nho do Mouro, herdades; 3 aldeias e 1 quinta
com o nome de Montouro—e 1 aldeia como
nome de Montorro; Monte das Arcas, Monte
das Gigantas e Monte das Pedras Altas, casaes
e sítios; Pedra d'Era ou Pedra dAra,—Pe-
do Altar — e Pedra dAnta, aldeias; 2 casaes
com o nome de Pedra Alçada; \ aldeia cora
o nome de Pedras Alçadas ^; 1 casal e um
sitio com o nome de Pedras Altas, Pedras
Juntas, sitio; Pedras Mouras, casal; 3 quin-
tas, 1 sitio e 1 poço do Douro com o nome
de Pedra Caldeira; Pedra Cavalleira e Pe-
dra Cavada, aldeias; Pedra Empinada, sitio;
Pedra Encavallada, sitio e casal; Perafita
(petra fixa) freguezia,— e Perafita ou Para-
fita, nome de 4 aldeias; Peradança, ou Pa-
radança (lnUez pedra que dança ou oscilla)
aldeia, — e Peravana ou Peravanas Cim.eira,
— e Peravana ou Peravanas Fundeira, po-
voações da freguezia de Carvoeiro, concelho
de Mação.
Podíamos indicar todas as freguezias e
1 Relatório do sr. dr. Martins Sarmento,
pag. 23.
2 O sitio por onde entra em Viseu a es-
trada nova da Mealhada n." ... também se
chama Pedra Alçada, talvez por ali haver em
tempos remotos alguma Anta, Orca, ou Dol-
men.
VIS
VIS 1703
concelhos a que pertencem as aldeias, her-
dades, casaes, quintas e silios mencionados
supra, mas, como este tópico e este artigo
vão já muito longos, quem necessitar d'a-
quellas indicações veja a Cliorographia Mo-
derna, principiando pelo indice, tomo 6."
Para aligeirarmos também este tópico ve-
ja-se o mencionado folheto Portugal Pre-
histórico do sr. Leite Vasconeeilos; nas Me-
morias da Academia R. de Hist. Portugueza
a Memoria sobre as antas, apresentada na
conferencia de 30 de julho de 1733 pelo aca-
démico Martinho de Mendonça e Pina— e no
tomo relativo ao anno de 1734 a noticiadas
Memorias que apresentou na conferencia de
1 d'abrll do dieto anno Fr. Alfonso da Ma-
dre de Deus Guerreiro, com uma lista de 315
antas, mas infelizmente nenhuma d'estas
Memorias foi publicada.
Vejam -se também os Relatórios de Ethno-
graphia e Archeologia da Expedição Scienti-
fica á Serra da Estrella 1881, i— Os Dol-
mens de Sá Villela (Lisboa, IS7G);— Descri-
pção d'alguns dolmens ou antas por Pereira
da Costa; a Introditcção á Archeologia da Pe-
ninsula Ibérica pelo dr. Augusto Filippe Si-
mões; a Noticia d'alguns dolmens dos arre-
dores d'Évora pelo sr. Gabriel Pereira; o
Compte rendu do Congresso Anthropologico
de Lisboa, em 1880— e os trabalhos dos srs.
Carlos Ribeiro e Joaquim Possidonio Narci-
so da Silva, benemérito patriarcha da nossa
archeologia, fundador e presidente da Real
Associação dos architectos civis e archeolo-
gos portuguezes e nosso bom amigo e mes-
tre.
Veja-se também n'este diccionario o que
já disse dos nossos monumentos pre-histo-
1 Alem d'aquelles 2 Relatórios estão pu-
blicados mais 3,— os das secções de Medi-
cina, Botânica e Meteorologia, — eollecçáo
rara e muito estimada I
NÒ3 também tivemos a honra de acompa-
nhar a dieta Expedição, — não como vogal
d'ella, mas como representante dos jornaes
Districto da Guarda e Commercio Portuguez,
— 6 este ultimo publicou no mez d'agosto do
dicto anno uma serie de cartas nossas, en-
viadas do acampamento da expedição.
ricos nos artigos Ancora, freguezia; Anta,
Antanhol, Antas de Penalva, Antas de Pene-
dono, Arca, freguezia do concelho d'01iveira
de Frades; Canas de Senhorim i, Cam, Cas-
tello de Paiva, onde se faz menção de um
dolmen com pilares de pedra apparelhada,
talvez com a mesma pedra (quartzo ou silex)i
Castro, monte da freguezia de Romariz. on-
de se mencionam difTerentes carns; Ltltas»
onde se dá uma leve noticia d'esles e d'ou-
tros muitos povos que em tempos anterio-
res á conquista romana oecuparam o chão
que hoje se denomina Portugal; Couto de
Cucujães, Cristello (o 1.°, tomo 2 °, pi?. 149 ,
col. 1.»); Cruto, serra da freguezia de Fer-
medo, concelho da Feira. Ali se apontara 7
ou 8 mamoas, 1 dolmen e varias inscripções
abertas na rocha em caracteres desconheci-
dos.
Esta noticia deve ser de to-
do o ponto authentiea, porque
o meu antecessor viveu mui-
tos annos em Fermedo.
Dolmen, longo artigo sobre pre-historia;
Donim, freguezia, e Domin, pequeno rio do
Alemtejo e Algarve; Escarii, Fermedo, Fieis
de Deus, Gontinhães, Mamoa, Milheirós de
Poiares, Molledo, Pedreira, monte; Penedo
d^Alfarella, Polvoreira, Raiva, freguezia;
Real, também freguezia, tomo 8.» pag. 62-
col. 2.»; Romariz, Serradello, aldeia; Vianna
do Castello, Viariz, onde se mencionam os
penedos cornudos, talvez menfiirs, pois não
longe d'elles ha um dolmen. Também ali se
faz referencia a Moreira de Rei, importante
estação archeologica e talvez pre-histori-
cafl...
Villa Nova de Tazem, onde se aponta um
dolmen, ura penedo baloiçante e muitas se-
pulturas abertas na rocha; Villa Ruiva, a
priraeira, onde se indicara também muitas
sepudturas abertas na rocha; Villarinho da
Castanheira, onde se apontam 3 dolmens — e
Ville, onde se aponta 1 dolmen.
1 N'este artigo, tomo 2.» pag 78, col. 2.»,
leia-se orcas em vez de o cas,—e primícias
em vez de dizimas.
1704 VIS
VIS
Leiam- se com preferencia os artigos Carn,
Celtas, Dolmen e Mamoa—e note-se que o
meu antecessor, seguindo a opinião d'outros
arciíeologos, diz que antas são penedos enor-
mes collocados sobre outros mais pequenos,
emquanto que hoje a maioria dos areheolo-
gos portuguezes considera anta como syno-
nimo de dolmen.
Também os dolmens eram na opinião d'el-
le, aras gentílicas, emquanto que o sr. dr.
Martins Sarmento e outros archeoiogos sus-
tentam que todos os dolmens foram mamoas,
monumentos funerários.
É possivel que os dolmens servissem tam-
bém por vezes de túmulos em algum tempo>
mas não creio que este fosse o seu primeiro
destino, pois, tendo de ser cobertos de terra»
dispensavam a grande mesa, cuja eolloca-
ção n'aquelle tempo — e mesmo ainda hoje —
havia de ser muito difficil e muito incommo-
dal Inelino-me antes a crer que os monu-
mentos funerários pre-historicos eram os de-
nominados mamoas, muito differentes dos
dolmens ou antas e feitos como disse o meu
benemérito antecessor no artigo Dolmen, to-
mo 2.° pag. 476, col. 1.»— e que a sua gran-
desa variava segundo a importância das pes-
soas, cujos cadáveres se guardavam nas di-
etas mamoas.
Também geralmente se diz que os monu-
mentos pre-historicos, da familia dolmeaiea,
não tinham apparelho algum; mas na mmha
humilde opinião muitos dVlIes tiveram ap-
parelho feito— não com instrumentos de fer-
ro ou de bronze, porque ainda se não conhe-
ciam estes metaes, — mas com a própria pe-
dra.
Foram apparelhados os dolmens, cujos es-
teios eram formados por mooolithos sobre-
postos, muito bem assentes e ajustados uns
sobre os outros. V. Castello de Paiva.
Foram também apparelhados os que ti-
nham aberturas circulares ou quadradas nos
esteios 1— e finalmente os do typo dos túmu-
los de Equilaz e Antequera.
1 Portugal Pre-historico do sr. Leite Vas- I
coDcellos, pag. 49. I
V. Introducção á Archeolvgia por Filippe
Simões, pag. 85-94, flg. 56-62.
Também tiveram apparelho os menhirSy
formados por differentes penedos sobrepos-
tos e por vezes tão bem ajuntados uns aos
outros que parecem obra natural e não ar-
tificial,—e com certesa foram também appa-
relhados e muito desbastados os penedos ba-
loiçantes até ficarem oscillando, pois era na-
turalmente impossível que de um jacto e sem
ulterior modificação collocassem tantos e tão
enormes penedos em tão perfeito equilí-
brio ! . . .
E com a própria peãrà— quartzo ou silex
— podiam trabalhar, apparelhar e desbastar
pedra mais moUe, v. g. o calcareo, o schísio
e o granito, pois quem visitar, como nós te-
mos visitado, as margens do Douro na estia-
gem, desde o atlântico até à Hespanha, ali
verá, como nós temos visto, cavidades muito
caprichosas, lindíssimas, feitas em granito
porphyroide pela acção das areias e de ou-
tras pedras redoraoiohando com o impulso
da agua no inverno, — cavidades por vezes
tão fundas que pôde n'ellas esconder-se um
homem I Encontram-se principalmente nas
margens dos grandes póços, onde no verão
a agua é serena como leite, mas no inverno
tem uma corrente fortíssima, formando gran-
des dornas ou sorvedouros, medonhos redo-
moinhos que por vezes mettem instantanea-
mente a pique os maiores barcos rabellos, de
70 a 80 pipas.
Formam-se aquelles redomoinhos por se-
rem 08 dictos póços muito fundos. Mesmo na
estiagem n'elles se encontram sítios com 20
a 30 metros d'altura e no inverno a agua
sobe por vezes mais 10 a 20 metros, o que
dá 40 a 50 melros d'altura, sendo as mar-
gens dos dictós poços relativamente aperta-
das e todas eriçadas de medonha penedia
cheia de anfractuosídades.
Aquelles po^os, tão plácidos no verão e tão
medonhos e perigosos no inverno, são úni-
cos em Portugal e muito dignos de ver-se^
— mas ninguém os verá sem assombro nem
os transporá no inverno sem tremer e mudar
VIS
VIS 1705
de côrl Alguns teem de eomprimenlo 4 a 5 i
kilometros — e são ao todo 8 os dictos po-
ços.
Vamós raencional-os pela ordem em que
se eneoDiram, subindo do Porto, ou da Foz
do DourOj até á Barca d' Alva :
i.^—Poço da Cárdia, entre o ponto da
Retorta, a jusante, e o Ponto Novo a mon-
tante i.
2.0 — Poço da Parede, entre o ponto da Es-
carnida, a jusante, e o da Rapa, a mon-
tante.
3.0— Poço de Riboura, entre a ponto de
Canedo, a jusante, e o de Ripança a mon-
tante.
í.o—Poço de Barqueiros, entre o ponto de
Loureiro, a jusante, e o do Piar a montante.
Todos estes demoram a ju-
sante da Regoa— e os seguin-
tes a montante.
^.o—Poço da Pedra Caldeira, entre o pow-
1o de Bagauste, a jusante, e o dos Canaes de
Covellinhas, a montante.
Q.o—Poço de Tua, entre o ponto de Malve-
dos, a jusante, e o do celebre Cachão da Val-
leira, 2 a montante.
7.0 — pqçq Saião, entre o ponto do Salguei-
ral, a jusante, e o das Azenhas do Sabor, a
montante.
8." — Pocm Ao, entre o ponto d'este nome,
a jusante, e o de Pridas ou Peredo a mon-
tante.
Desculpem-nos a digressão
porque é muito interessante
para a historia do rio Douro
— e em parte nenhuma se en-
contra a lista dos seus poços
nem a descripção d'elles.
Prosigamos.
1 V. Douro, rio. Pontos do Douro e Villa
Secca d' Armamar, tomo XI, pag. 1059, col.
1.» e segg.
2 V. Villa Secca d' Armamar, loc. cit.
Outro phenomeno, também único em Por-
tugal, se encontra nas margens do Douro e
prova evidentemente que a pedra mais dura
se pôde trabalhar e apparelhar com a mes-
ma pedra.
Pefiro-me aos grandes cortes que ali se
vêem a cada passo, feitos em granito por-
phyroide com o linho das cordas ou sirgas
da alagem dos barcos rabellos.
Como são muito tortuosas e muito eriça-
das de penedia as margens do Douro— e co-
mo os barcos rabellos ordinariamente são
arrastados— guindados— com sirgas, tiradas
por juntas de bois, as sirgas vão sempre ba-
tendo e tocando nas pedras— e n'algumas
em que batem com mais força e se demoram
mais tempo, teem feito córtes com a largura
do diâmetro das sirgas e por vezes com O^â
de profundidade e 1 metro de comprimen-
to?!...
Mal se acredita que taes córtes fossem fei-
tos com linho, mas é facto. Ora, se o linho (?)
córta o granito mais duro, mais fácil seria
cortal-o, apparelhal o ou desbastal-o com o
silex ou quartzo— e assim o cortaram ou ap-
parelharam e desbastaram por certo os con-
structores dos dolmens, dos menhirs e dos
penedos baloiçantes, — apparelho que hoje
mal se nota, por ser menos visivel de que o
feito com o bronze ou ferro — e porque a
acção do tempo durante tantos séculos,-—
milhares d'annos— apagou os vestígios d'a-
quelle rudimentar apparelho.
Em conclusão diremos que as orcas, ou
arcas, ou dolmens ou antas e as mamoas e
penedos baloiçantes que se eucontram em
volta de Viseu, são monumentos pre-histo-
ricos, muito mais antigos que a Cava de Vi-
riato, e provam evidentemente que estes
chãos foram povoados talvez milhares d'on-
nos antes do nascimento de Christo.
Alguns aúclores comprehendera também
entre os monumentos prehistoricos as sepul-
turas abertas na rocha.
Elias são muito antigas e não se sabe a
que povo pertenceram, mas na minha hu-
milde opinião com certeza datam do tempo
em que já era conhecido o ferro, pois a sua
uniformidade e a perfeição dos cortes reve-
lam que foram cavadas a pico.
1706 VIS
VIS
A fortaleza romana e os, muros e portas
da cidade
Todos concordam em que os romanos,
alem de fazerem a Cava, fortificaram lam-
bem o alto viso da Sé.
Não se sabe quando foi feita a dieta for-
talesa, mas suppòe-se qjje é posterior á
Cava e que a mandou fazer o cônsul Décio
Judo Bruto, quando pelos aunos 616 da fun-
dação de Roma e 139 antes do nascimento
de Christo foi enviado à Hespanha com tanta
felicidade que triumphou dos lusitanos e ca-
lai cos.
Da dieta fortalesa hoje apenas lá se vêem
03 restos de duas torres e um lanço de mu-
ralha intermédio na fachada S. O,, mas na
opinião de Francisco Manuel Correia a di.
cta fortalesa foi quadrado e tinha mais 3
faces a N. E.— N. O.— e S. E., comprehen-
dendo todo o plató da cathedral com outras
2 torres nos ângulos N. e E. corresponden-
tes ás torres supra mencionadas que, se-
gundo dizem Brito e Botelho, foram feitas
por Flaco e Frontonio, adduzindo, como
prova, uma inscripção que o dr. Botelho
ainda vira em uma das torres.
O letreiro que está na torre da menagem ^
(refere-se à que foi aljube e é hoje cadeia)
diz assim :
Frontoni Pelli
Flacvi frater
C.
Parece que em vulgar àh:— Frontonio
Pellion, irmãa de Flaco, fez esta torre, ou
fortalesa.
Logo o constructor ou director da obra
foi ura só e não dois, como dizem Botelho e
quejandos.
Ha muito que desappareceu tal inscripção,
bem como a figura de uma águia que, se-
gundo dizem, se via gravada na outra torre,
como emblema romano, sendo para lamen-
tar, diz Argole, que não se saiba se a dieta
águia tinha como a da bandeira romana — |
duas cabeças.
1 Botelho, Dialogo 1.» cap. 13.
Para evitarmos repetições, veja-se o que
d'esta fortaleza e das mencionadas torres já
dissemos no tópico da Cathedral, pag. 1S71
e segg.;— no tópico dos Bispos de Viseu, a
biogfaphia de D. João Homem, pag. 1605 e
a do bispo D. João Gomes d' Abreu, pag.
1608, — e no supplemento a este diccionario
e ao artigo Viseu a biographia de D. Julio
Francisco d' Oliveira, que mandou restaurar
a torre de menagem.
Suppõe-se que os muros da fortaleza ro-
mana da Sé foram os primeiros de Viseu,
depois que esta cidade se localisou onde
hoje está; mas nós cremos piamente que
muito antes dos romanos fortificaram a seu
modo aquelle ponto, elle foi habitado e forti-
cado d'algum modo pelos diíferentes povos
que habitaram o nosso paiz e a Beira, mi-
lhares d'annos antes da conquista romana,
por ser um pincaro escarpado, muito defen-
sável para aquelles tempos e muito bem ta-
lhado pela natureza para ponto de refugio.
Suppomos até que elle foi habitado e occu-
pado nos tempos pre-historicos pelos celtas
ou pte-celtas, ou pelos construclores das or-
cas ou antas que abundaram e ainda hoje
abundam em volta de Viseu, como já disse-
mos quando fallámos dos Monumentos pre-
historicos e como diremos adiante, quando
fallarmos da Fundação e antiguidade de Vi-
seu.
Em todo o caso são aquelles muros roma-
nos os primeiros de que ha noticia na his-
toria d'esta cidaoe, e por que alternativas
não passariam elles até á occupação árabe,
ou durante os nove séculos que decorreram
desde que foram construídos até que os
mouros tomaram Viseu no sec, vui?
• Parece que estes não destruirão as suas
torres e muros,— diz Berardo, — pois sabe-
mos que dentro delles mais de uma vez se
defenderão dos reis das Astúrias e de Leão,
que alternadamente a tomarão e perderão.»
É mesmo possível e até provável que os
mouros restaurassem os dictos muros, como
restauraram os de Lamego e outros muitos,
mas nada consta de positivo a tal respeito.
Suppõe-se que depois de tomada a cidade
de Viseu aos mouros em 10S8 por D. Fer-
VIS
VIS 1707
nando Magno de Leão, a cidade ficou des-
mantelada e sem muros, pelo que os seus
habitantes volveram para a Cava de Viriato
e ali se demoraram muito tempo até que
regressaram para Viseu, ficando a dieta Ca-
va desde então com o nome de cidade Vaca
ou cidade velha, como diz Berardo nas suas
memorias publicadas no Liberal.
tConsta d'alguma3 eseripturas que no
tempo do sr. D. Affonso Henriques ainda se
devisavão vestígios da cerca, que antiga-
mente cingira a cidade de Vizeu, porem mais
de quatro séculos haviam decorrido e esta se
achava de todo aberta, e exposta ás inva-
sões do inimigo,— como diz o mesmo sábio
cónego.
Do exposto se vê, que antes do reinado de
D. Afi"onso Henriques a cidade de Viseu foi
cercada de muros, muros que não eram os
da fortalesa romana, pois esta se limitava ao
planalto da Sé; mas não se sabe quem fez
tal cerca.
Em 1385 um bando de hespanhoes fugi-
tivos da batalha d'Aljubarrota e commanda-
dos por João Annes de Barbuda, tomaram,
saquearam e incendiaram Viseu, passando
á espada os seus habitantes. Apenas esca-
param alguns dentro das torre? romanas.
Estavam pois aindA desmantelados is mu-
ros de Viseu, pelo que D. João I pensou em
restaural-os e dar-lhes maior extensão do
que tinham os anteriores, para abrigarem e
defenderem não só a cidadella, mas também
algumas ruas circumjaeentes.
«Por alguns capimlos especiaes das cor-
tes de Lamego do anno de 1412, desembar-
gados para a cidade de Vizeu, sabemos que
naquelle anno se trabalhava com muita di
ligencia na construcção dos muros, concor-
rendo para esta obra não sò os moradores
do termo, mas ainda todos os que habitavam
em distancia de duas léguas da cidade. Po-
rem tendo D. João I feito as pases com Cas-
tália, parece que esta obra, apenas sabida
dos alicerces, sobrestivera>— diz o mesmo
sábio cónego.
D'outros capítulos desembargados para
Viseu em 5 de janeiro de 1440 e que tinham
sido apresentados nas cortes de Lisboa de
1439, consta que ao tempo a cidade de Vi-
seu era devassa e sem cerca; e não tinha
outro muro senão a Deus e ^ mercê d'El Rei;
e portanto havia o conselho determinado ta-
par alguas ruas menos necessárias, e pôr
nas outras portas, ou grades firmes e segu-
ras, para que succedendo alguma revolução
entre estes reinos e Casiella, e podessem de-
fender dos corredores das terras, pedindo
em conclusão que sua Mercê fosse: Mandar
que sem distincção de pessoas eeeiesiasticas
ou seculares, todos concorressem pelos cor-
pos ou pelos bens.»
Finalmente por outros capítulos desem-
bargados nas cortes da cidade da Guarda
em 1465, se vê que ao tempo ainda os mou-
ros de Viseu estavam longe da sua conclu-
são—te que esta cidade já duas ou tres ve-
zes linha sido queimada pelos corredores de
Cantella, e agora se temia d'outro semelhan-
te trabalho e que assim pediam a El Rei que
lhe mandasse acabar a cerca, de que tanto
precisavam.»
»Com eíTeito d'uma inseripção, que (refe-
re-se ao anno de 1857) mal se divisa eseripta
em caracteres allemães minúsculos, junto da
Porta do Soar, consta que D. Affonso V man-
dára cingir de muros esta cidade, e que a
obra se concluirá no anno de 1472. Mais
tarde, crescendo a povoação, estenderam-se
as ruas para fóra dos muros, a ponto de que
hoje (1857) conta por aqui quasi tantos fo-
gos, como os que outr^ora contivera dentro.
tOs fracos vestígios que hoje (1830 ou
1857) divizamos d'e8ses muros, nos revelão
que forão feitos á pressa, e d' uma ligeira al-
venaria; e das 6 portas, ou entradas que ti-
verão, apenas feoje permanecem trez.» É isto
o que diz Berardo nas suas Memorias, refe-
rindo-se a 1830, data em que as escreveu,
ou a 1857 data em que as publicou no Libe-
ral; mas o dr. Botelho diz o seguinte: * «Os
muros, que hoje tem (Viseu) forão feitos em
tempo d'El Rei D. Affonso V, e ainda não
se acabarão, nem chegou a ler amêas, e o &m-
I 1 Dialogo 4.°, cap. 31.° pag. 363 no Co-
i dice de Girabolhos.
1708 VIS
VIS
bito d'elles he muitos anãos do que foi an*
tigamenle, quando se tomou aos mouros;
«omprehendião a Rua da Regueira, como se
collige da doação d'El Rei D. Fernando, que
já vimos confirmada pelo conde D. Henri-
que. >
Do exposto se vê que post tot taníosque
labores os dictos muros concluidos em 1472
foram obra de empreitada muito mal acaba-
da I Nem chegaram a ter ameias e ficaram
mais reduzidos do que os muros velhos do
tempo dos mouros.
Também Berardo diz que tiveram 6 por-
tas, mas o sr. Oliveira Mascarenhas no Por-
lugal e Possessões indica as sete portas se-
guintes :
i .'—A de Cimo de Villa, denominada de
S. José.
Sobre esta porta (do lado exterior) estava
uma imagem d'aquelle santo, com uma ins-
cripção latina, mandada gravar em 1666 por
D. João IV, referindo-se ao juramento que
fizera de defender a Immaeulada Conceição
da Virgem, padroeira do reino. Do lado in-
terior da mesma porta estava uma imagem
da Senhora da Conceição.
2.* — Do Soar ou de S. Francisco, pois do
lado interior da mesma porta se vé a ima-
gem de S. Francisco de Borja e do lado ex-
terior a de Santo Antonio.
3/ — De Nossa Senhora das Angustias, cuja
imagem se via sobre a mesma porta.
Demorava ao fundo da calçada da Ribeira.
4. * — Porta dos Cavalleiros, á entrada da
rua d'esle nome e contigua ao palacete do
Arco.
5. '— Porta de S. Sebastião, por ter um ni-
cho com a imagem do martyr.
Demorava no Terreiro das Freiras.
6. *— Porta de S. Miguel, com a imagem do
Archanjo.
Demorava na rua da Regueira e sobre es-
ta porta ainda no tempo do dr. Botelho
(1630 a 1636) se lia uma inseripção muito
honrosa para esta cidade, commemorando o
nome de um esforçado cavalleiro visiense —
Fernão Lope^qne na tomada de Arzila, a
24 d'agosto de 1471, commandou 300 caval-
leiros seus visinhos, portando-se com tal
bravura que ahi mesmo no campo da bata*
lha ehrei D. Aífonso V por suas próprias
mãos o armou cavalleiro.
A dieta inseripção era a seguinte :
No TEMPO d'El Rey D. Affonso
Quinto se achou na tomada
d'Abzila Fernão Lopes desta
cidade com 300 CAVALEIROS
E LA FOI armado CAVALEIRO
Por mão do dito Rey com
outros mais *
No século passado, ao demolir-se esta
porta para a construcção de casas, desap-
pareceu a lapide, que tinha esta inseripção,
e que agora por diligencias do nosso bom
amigo e Cyreneu n'este artigo, o sr. dr. Nico-
lau de Mendonça, foi encontrada no quintal
da casa do sr. commendador Ladislau Pe-
reira de Chaves Manuel, contigua a esta
porta.
Também ali achou n'uma loja duas lapi-
des, com o voto de D. João IV à Senhora
da Conceição, voto que estava por cima
d'e8ta porta, assim como de maistres: — a de
S. José— do Suar— e a dos («ivalleiros, con-
servando-se hoje só as duas ultimas.
A inseripção d'esta lapide é em allemão
minúsculo; levou-a o sr. dr. Nicolau para a
sua quinta de S. Salvador para ali a decifrar,
o que não pôde, por ter muitos breves, e
lettras muito gastas, mas reconhecem-se
bem algumas palavras da interpretação de
Botelho, que já no seu tempo a não soube
ler toda, porque a lapide tem 8 linhas de es-
criptura, todas cheias, e Botelho dá à inseri-
pção só 6 linhas e uma palavra, o que não
admira, pois elle confessa, que por o mesmo
motivo não poderá já ler a outra inseripção
contemporânea de 1474 sobre a construcção
dos muros, que está ainda hoje sobre a porta
do Suar. E ali está depositada esta tão hon-
rosa lapide para os visienses com os seus
416 annos (I) até que a camará se resolva a
recolhel-a nos paços do concelho, onde se
1 Dialogo 5.», cap. 6.°, pag. 407 do Códice
de Girabolhos.
VIS
VIS 1709
«onserve com resguardo até que appareça
um Paleologo mais perito, que possa deei-
fral-a ioda, pelo que fazemos voios.
7.» — Porta de Santa Catharina, onde es-
tava ura nicho com a imagem do Crucifica-
do, o qual ainda hoje ali existe ao lado do j
arco demolido, na casa contigua, que tinha
janeila para fóra da porta, casa que pertence
ao sr. Heitor de Lemos e Sousa, de quem se
tratará adiante no tópico das Familias no-
itres de Viseu.
Ainda hoje se aeeende todas as noites por
dentro da casa uma alampada, e chama o
povo a esta imagem Senhor dos Esquecidos.
Das dietas 7 portas já existiam só 3 no
tempo de B-^rardo. Hoje existem apenas 2,
a do Suar e a dos Cavalleiros. No emtanto,
«reio que a 3.* e 7.* eram só o que chama-
vam postigos, não só porque os arcos eram
mais pequenos, mas davam entrada para ruas
mais estreitas e menos concorridas ; tanto
^mm, que nos nossos dias, antes de ?e de-
molir a 3.» porta, davam à imagem que ali
•estava o nome vulgar de Senhor do |Pos-
tigo.
Alcaides móres
Como Viseu foi cidade murada desde o
tempo dos romanos, parece que devia ter
uma longa serie d'alcaides mores, mas nem
o dr. Botelho nos sem Diálogos, nem Berar-
do ou F. Manoel nas suas Memorias, nem o
sr. Oliveira Mascarenhas no Portugal e Pos-
sessões, nem o sr. Vilhena Barbosa nas suas
Cidades e Villas faliam dos Alcaides mores
de Viseu.
Apenas o sr. Oliveira Mascarenhas muito
succíntamente diz que esta alcaidaria andou
na família dos Silveiras, ramo da dos cdii'
des de Sarzedas, referindo-se à Chorogra-
phia do Padre Carvalho, o qual disse que no
seu tempo (1708) era alcaide mor de Viseu
D. Luiz Balthasar da Silveira, cuja ascen-
dência pôde ver-se na mesma Chorographia,
tomo 2.', tratado 5,"
No emtanto a Hist. Geneal. da C. R. tra-
tando deste D. Luiz, e seu filho, e successor
D. Braz Balthasar da Silveira, nomeando
os grandes postos militares que occupavam,
VOIUMK XI
os serviços e as muitas commendas que dis-
fructaram, não os faz alcaides mores de Vi-
seu I É verdade porem que a l.* Rezenha
das Familias Titulares., obra de muito credi-
to 1 também faz alcaide mor de Viseu o seu
bisneto e successor na casa, D. Braz José
Balthasar da Silveira, e este era avô paterno
do 9." marquez das Minas, ainda hoje vivo.
Achamos só outros alcaides mores de Vi-
seu n'um ramo dos antigos condes de Li-
nhares.
O primeiro foi D. Antonio de Menezes,
neto dos primeiros condes de Linhares, o
qual morreu com D. Sebastião em Africa.
Foi feito alcaide mor de Viseu pela in-
fanta D. Maria, filha d'el-rei D. Maouel e de
D. Leonor, sua terceira mulher. Esta infanta
foi senhora de Viseu por doação d'el-rei seu
pae, como diz a Hist. Geneal. da Casa Real.
A este succedeu seu filho D. Pedro de Me-
nezes, e foi como seu pae alcaide mór de
Viseu, ao qual succedeu na casa, e até na
alcaidaria mor de Viseu, sua filha D. Ignaeia
de Menezes e Vasconcellos, a qual, casando
cora seu primo 4." conde de Linhares, D. Mi-
guel de Noronha, lhe levou esta alcaidaria
mor em dote. Foi o S.» alcaide mor de Vi-
seu n'esla familia, e tanto que, ficando em
Hespanha no tempo da aeelamação de D.
João IV, foi lá feito Duque de Linhares e
Viseu. Tudo isto consta da Hist. Geneal. da
Casa Real, tomo 3 • pag. 459, e tomo 5."
pag. 211, 212, 266 e 267.
De sorte que provavelmente só depois de ir
para Hespanha o 4." conde de Linhares e 3.*"
alcaide mor de Viseu n'e3ta familia, é que
se fez nova doação d'esta alcadaria aos Sil-
veiras, senhores de S. Cosmado, hoje repre-
sentados por varonia pelo 9.« marquez das
Minas.
Fundação e antiguidade de Viseu
Rodrigo Mendes da Silva na Poblacion ge-
neral de Espana diz que a cidade de Viseu
foi fundada pelos turdulos, 500 annos antes
do nascimento de Cbristo; mas nós díre*
1 Appendice, Verbo Sarzedas.
108
1710 VIS
VIS
mos que se ignora quando e por quem foi
fundada.
É certo ser muito antiga, pois já no tem-
po dos suevos (anno de Ch. 572) foi reco-
nhecida como cidade episcopal, anterior á
occupação d'elles, pelo que já devia existir
de longa data.
Vejâ-se o nosso catalogo chronologico dos
bispos de Viseu, no qual demos principio á
serie dos seus prelados no século vi (anno
572); mas o padre Leonardo de Sousa no seu
esplendido catalogo em via de publicação ^
vae mais longe.
Dá começo á dieta serie no anno 270, pelo
que na opinião do padre Sousa já no sécu-
lo III Viseu era cidade episcopal; mas desde
quando seria cidade na accepção hodierna,
ou simples povoação, ou aggregado de po-
voações ? Sob uma d'esta8 ultimas três for-
mas já existia com toda a certesa no tempo
dos romanos, como provam as muitas moe-
das e lapides com inscripções encontradas
em Viseu, algumas das quaes nós já mencio-
namos supra, e o dr. Botelho aponta mais as
seguintes :
Ijstilifan
Cadifan XX
ET Cicero
I, SORORI
C.
Diz que esta ínscripção estava ao lado da
egreja de S. Miguel (do Fetal) da parte de
fóra, a um canto que faz a sacristia, opposto
ao poente— e accreseenta;
«N'este letreiro se faz menção de pessoa
da família dos Ciceros, e de Julia, sua irmã,
d'onde se argue a grande antiguidade d'esta
cidade de Viseu, pois já no tempo em que
^ Depois de escrevermos o nosso resumi-
do catalogo (V. pag. 1589 e segg.) appare-
ceram em Viseu, na livraria do í<r. conde de
Prime, os dois primeiros tomos do catalogo
do padre Sousa. Gompletou-se, pois, e sabe-
mos que o muito rev. sr. vice-reitor actual
do seminário se propòe dal-o ao prélo, o
que muito estimaremos, pois fleará Viseu
possuindo um exeellente catalogo dos seus
bispos, muito superior ao nosso e ao do aca-
démico João Coldt. I
florescia a familia dos Ciceros havia n'ella
cidadãos d'este nome. Nem ha que espan-
tar vir a estas partes pessoa d'esta geração,
que como Cicero esteve n'ellas (segundo se
crê) ou quando foi cônsul poria nella, ou
mandaria por capitão e governador algum
parente seu. . . signal que era praça esta ci-
dade e de muita importância, pois taes pes-
soas se mandavam para fronteiros d'ella. .. i*
«Outro letreiro (diz o mesmo auctor) está
na rua da Regueira ás quatro quinas junto
com a terra, mas a pedra quebrada pelo
meio, e aquella ametade tem estas letras :
H. S.
LVCAN.
F. sui Po.
ET Cama. L.
«Falta ametade da pedra e por conse-
guinte ametade do letreiro,— diz ainda Bo-
telho, loc. cit. — Do que d'estas palavras se
entende he o seguinte: Aqui jaz Lucano, fi-
lho de Lucano, e Polia, a qual sepultura lhe
fez Cama, Liberto,— om que seu fllho Polia,
e Cama, Liberto, lhe fizerão aquella sepul-
tura.
• Se não lêramos que Lucano fora morto
em Roma por mandado de Nero, que lhe
mandou romper as vêas, poderamos cuidar
que fora sepultado n'esta cidade, por fazer,
segundo parece, menção de ?òlla, sua mu-
lher. Bem podia ser algum filho dentre am-
bos; porque, como os paes de Lueano forão
naturaes de Cordova, chamados Annio Mel-
la, irmão de Séneca (mestre de Nero) filho
de Annio Séneca, e sua mãe Caia Acilia, fi-
lha de Acilio Lucano, orador, he mais pro-
vável que se tornaria o filho para a pátria
de seus avós, depois da morte do pai, com
o qualiviria sua mãi, por fugirem da fúria
de Nero, ou por desterro, ou teria algum
cargo nella.
•De qualquer modo os nomeados são pes-
soas da familia de Lucano, e sua mulher
Polia Argentaria, que foi mui douta, e era
1 Dialogo 1." cap. 17.
VIS
VIS 1711
quem coUoeou Stacio toda a virtude que á
mulher se pôde attribuir, mui amada de seu
marido, e que o ajudou a emendar os tres li-
vros da sua Farsalica Historia, e depois da
morte d'elle emendou ella os outros 7.
«Outro letreiro se achou ha poucos dias *
em os alicerces que se abrirão para a Igreja
do Mosteiro de Jesus da ordem de S. Bento
desta cidade, com as letras mui gastadas, e
a pedra partida pelo meio, que as juntei
para as ler, e estava em huns alicerces de
hum muro antigo de mais de 20 palmos de
largo (?) e diziafo letreiro deste modo:
D. M. S.
Reino patrie. I.
RVFÍNAE MATRE RfINA
S. R. RiAREIVS El RENA
F. C.
• Outra pedra quebrada eslava na rua da
Regueira, na frontaria das casas de hum có-
nego, que ao reformalas a tirou, mas que-
brada, e com estas letras:
Floro (?) cvm
Pacatíanvm
Aper. ex testamen...
2
l
«Outras pedras achei, mas tão quebradas,
e feitas em pedaços, que não pude trasladar
delias cousa que fizesse sentido, e por isso
as deixo. Muitas outras devia de haver, mas
a pouca curiosidade dos antigos, e o ser esta
cidade destruída muitas vezes em tempo dos
godos, mouros e christãos, foi causa de se
extinguir de todo a memoria dos romauos.
1 Botelho, loc. cit.
Note-se que elle escreveu os seus Dialo-
gas era 1630 a 1636.
2 Na mesma rua da Regueira (hoje é rua
de D. Luiz) em março de 1887, quando se
proced a á demolição de uma parede inte-
rior da casa do dr. José Barbosa de Carva-
lho, encontrou-se um cippo funerário roma-
no de granito com O^QO de altura, 0'",46
de largo, e 0'",30 de espessura media. Cons-
«Tambem nos arredores se tem achado mui-
tos letreiros, de que jà referi alguns, e por
remate relatarei huns versos, que se acha-
rão em hum monte junto do lugar de Lar-
dosa, onde devia de haver algum templo da
gentilidade, segundo a fé de hum Prom-
ptuario de letreiros, e dizem assim :
Caprigini quicumque subis sacraria Fauni
1
«Quer dizer:— Todos os que subis, ouen-
tava de uma figura de mulher, infelizmente
mutilada na parte superior,— e na inferior
tinha a inscripção seguinte :
Esae. VmiATis
NORVM. XXX
ONCINVS. BeB
MATRI. F. C.
Lição completa :
Caesae, Viriati servas, annorum XXX,
Loncinus Reburrus matri faciendum'curavit.
Em vulgar: «Monumento elevado a Cesa,
serva de Viriato, fallecida na idade de trinta
annos. Longino (?) Reburro mandou fazel-o
em honra de sua mãe.»
Vejam-se os desenhos do mencionado cip-
po 6 03 artigos correspondentes publicados
pelo sr. B. de Toro no Commercio de Vtzeu,
n." 80 e 81 de 1887, — e pelo sr. Antonio
Cardoso Borges de Figueiredo na sua inte-
ressante Revista Ârcheologica e Histórica,
voL 1.°, n.° 6, pag. 81 e segg.
0 sr. Borges de Figueiredo termina por
estas palavras:
«A descoberta, em Vizeu, de uma inscri-
pção com o nome de Viriato áewe. para mui-
tas pessoas ser uma confirmação de antigas
lendas. Quem assim o acreditar, advirta que
houve muitos Viriatos; e que ainda não está
em definitivo assente que o antigo Hermínio
corresponda á montanha chamada Serra da
Estrella.^
Com vista aos crédulos se-
quases de Fr. Bernardo de
Brito e do dr. Manuel Botelho
Ribeiro.
1 Ao todo são 8 versos em latim, dos quaes
damos apenas o primeiro, para não fatigar-
mos os leitores.
1712 VIS
VIS
traes neslas casas sagradas do Deus Fauno,
que tem pés de cabra, lede estas palavras
entalhadas com hua mão no estilo romano:
aqui jaço eu Euphorbião, e comigo repousa
Merchata. Esta foi minha irma, minha mãi,
e rainha esposa. Imaginais que isto são cou-
sas fingidas? Admirais-vos? Cuidais que he
isto hum animado monstro Sphinge? São
cousas mais verdadeiras, que a Iripeça Pi-
Ihia. A mim me gerou hum pai em hua fi-
lha, com a qual eu casei, e assim se segue
que foi minha irmã, minha mulher, e mi-
nha mãi.»
Diálogos de Botelho, loc. cit.
Por ultimo faz rt^ferencia a outra pedra
que appareceu junto da povoação de Caver-
nães, freguezia d'esle concelho, tendo escul-
pida uma cabeça de touro, como as encon-
tradas em Beja, pelo que o dr. Botelho,
apoiado em Duarte Nunes de Leão, i sus-
tenta que Viseu foi colónia romana, porque
o emblema das povoações romanas que ti-
nham o privilegio de colónias era a cabeça
de um touro, por ser o boi principal instru-
mento da lavoura. 2
Prosigamos.
Do exposto se concluo evidentemente que
Viseu foi cidade e cidade muito importante
no tempo dos romanos. Prova-o também a
fortalesa romana que existiu no chão onde
hoje vemos a Sé e as suas dependências, —
fortalesa de que já fizemos menção em tó-
pico especial e quando fallámos da Sé.
Também Viseu com cerlesa já existia como
cidade ou simples povoação, quando Viriato
1 Descripção de Portugal, eap. 8.»
2 A península foi primeiramente dividida
pelos romanos em 2 províncias,— depois em
3— e por ultimo em 5. Subdividiam-se as
primeiras em districtos ou conventos, onde
residiam as auctoridades administrativas,
judieiaes e militares,— e os districtos em co-
lónias, que eram as povoações mais impor-
tantes depois dos conventos. Seguiam-se-
Ihes 08 municípios; depois d'estes as povoa-
ções confederadas; depois as immunes e es-
tipendiarias,—e por ultimo as contributos.
Hist de Port. de Herculano, tomo I, nasr.
a/. .. '4K » r D
no anno 146 ou 148 antes da nossa era, ^ ou
durante a conquista romana, derrotou junto
da Cava o pretor Gaio Negidio.
Para evitarmos repetições veja-se o tópico
relativo á Cava. Apenas accresceniareraos o
que diz Rodrigo Mendes da Silva, loc. cit.
—que Viseu já n'aquelle tempo era cidade
florentissima, com o nome de Vico Aquário,
mas isto é muito duvidoso, como adiante
provaremos.
Também é certo que o chão da cidade—
ou pelo menos do concelho de Viseu— foi
occupado e habitado nos tempos pre-histo-
ricos,— milhares d'aonos talvez antes do nas-
cimento de Christo, como provam evidente-
mente os monumentos megalithicos d'aquel-
la época, hoje denominados orcas, arcas e
antas, que se encontram no concelho e em
volta do concelho de Viseu, taes são as or-
cas de Mondão a N. ou N. E., e as de Can-
nas de Senhorim a S.; as antas de Penalva
a E.— e o dolmen ou anta da freguezia do
Arca, no concelho de Oliveira de Frjides, a
0.,— alem doutros muitos monumentos con-
géneres que ainda hoje St encontram dissi-
minados pela Beira.
Citaremos aqui os 2 penedos batoiçantes
apontados pelo sr. Borges de Figueiredo na
sua Revista Archeologica {q.° 1, janeiro de
1888) dos quaes se encontra um na quinta
de Carragozella, freguezia d'Espanz, conce-
lho de Tábua,— e outro na quinta da Torre
do sr. visconde de Taveiro, freguezia de
Lourosa, a 5 kilometros de Viseu, já des-
cripto no Conimbricense, n.» 3910, em 1883.
Diz o sr. Borges de Figueiredo que em
Portugal não conhece outros penedos batoi-
çantes, mas DÓS conhecemos mais o de Pero
Moleiro, já descripto n'este diccionario^ uo
artigo Villa Nova de Tazem, tomo XI, pag-
887, col. 2.« in fine.
Também sabemos que existiu outro na
freguezia d' Abragão, concelho de Penafiel,
no quintal das casas do sr. Valverde de Vas-
conceitos, mas foi despedaçado ha poucos an-
nos.
* Ha 2:034 a 2:036 annos, pois estamos
em 1888.
VIS
V. Abragão do supplemento a este diecio-
nario.
Também nos dizem ser oicillante um pe-
nedo que eslà na freguezia de Forno Te-
lheiro, a pouco mais de 2 kilomeiros da
egreja matriz, para S., no concelho de Celo-
rico da Beira, não longe da estação d'aqaella
Villa.
Assenta sobre um grande penedo nativo,
no qual e n'outros penedos próximos se
vêem muitas sepulturas (talvez mais de 20)
cavadas a pico e denominadas peló povo
sepulturas dos mouros.
Também o povo denomina penedo de S.
Gens o tal pretendido penedo oscillante, que
tem um formato caprichoso; de comprimento
máximo 9".50; de eircumferencia no centro
5m 20— e 200 metros cúbicos de pedra, ap-
proximadamente.
Elie está firme, mas o povo assevera que
o sente oscillar quem sobe ao cimo d'elle.
Visto do lado do nascente parece uma tu-
lipa!...
Aquelles monumentos são attribuidos aos
celtas ou pre-celtas, contemporâneos dos ibe-
ros; uns e outros vieram da Asia para a pe-
nínsula ibérica em tempos a que não pôde
assignar-se data, mas tão remotos que o
nosso primeiro historiador diz serem muito
próximos da infância do género (huma-
no ^ I ... i
Os celtas já encontraram na península os
iberos e, depois de varias luetas uns com os
outros, congraçaram-se e formaram um só
povo com a denominação de celtiberos. Oc-
cuparam estes a península muitos annos,
muitos séculos; depois vieram da Palestina
(de Canaan a terra da Promissão) os fení-
cios, e tanto se demoraram na península e
tão grande prestigio gosarara n'ella, que a
VIS
1713
i «Essas primeiras imigrações da Asia,
iberos, celtas, ou o que quiserem, demasiado
visinhas da infância do género humano para
serem numerosas, atravessando a Europa
sem nenhuns meios artificiaes de transi-
to,... »
Hist. de Port. tomo I, pag. 30.
península tomou d'elle8 o nome de Hespa
nha, bem como a Lusitânia, o Tejo, o Gua-
diana, ete.
Depois áOB fenicios vieram os gregos; de
pois dos gregos vieram os cartagineses, que
também onginariamecte eram fenícios; de-
pois dos cartagineses vieram os romanos;
e depois dos romanos vieram diíTerentes po-
vos bárbaros do norte, sendo os godos os
últimos d'estes, aos godos succederam os
mouros e aos mouros outra vez os godos ou
chrislãos.
Os fenícios, segundo diz o padre Antonio
Pereira de Figueiredo nas suas Dissertações
publicadas no tomo 9.» da Academia Real
das Sciencias, emigraram para a Hespanha
e para outras regiões, quando foram expul-
sos da Palestina por Jo8ué~1400 annos ou
talvez mais (diz elle) antes do nascimento de
Chrislo! E desde quando já viveriam na pe-
nínsula 08 celtas e os iberos ou pre-celtas,
cujos nomes se ignorara e que, segundo sh
suppõe, foram os eonslructores dos monu-
mentos megalíthicos pre-hislorícos^.
Não podemos responder precisamente, mas
com certesa esses povos oceuparam grande
parte da Europa, toda a peninsula ibérica e
o chão que hoje se denomina Portugal, in-
cluindo o território de Viseu. Pode muito
bem, pois, dizer-se que Viseu data daquel-
les remotíssimos tempos pre-historicos, mui-
to anteriores à oceupação dos godos, roma-
nos, cartagineses, gregos e fenícios.
Também pode afoitamente dizer- se que os
gregos habitaram o território de Viseu e de
grande parte da Beira, como prova a deno-
minação de orcas, ainda hoje dada na Beira
aos dolmens, pois é sabido que os gregos
denominavam orcos os monumentos funerá-
rios, e como taes são geralmente considera-
dos os dolmens.
Para evitarmos repetições, veja-se o tópi-
co supra, relativo aos monumentos pre-his-
toricos,—e os artigos Celtas, Gravios e Lu-
sitânia, eseriptos pelo meu benemérito an-
tecessor e cuja responsabilidade é toda d'elle.
Nós aceeitamos a continua-
ção d'este diceionario depois.
Í714 VIS
VIS
de principiado o artigo Vian-
na do Castello.
Suum cuiquel. . .
Nomes dados a Viseu e sua eiymologia
Os auetores gregos e romanos Iraclaram
muito perfunetoriamenle da parte oeciden-
tal da península ibérica, por ser n'aquelle
tempo a parte mais remota do mundo co-
Dheeido, e o silencio ou laconismo d'aquel-
les geograplios com relação a Viseu levou a
imaginação de vários auetores modernos a
darem a esta cidade differentes nomes, por '
não saberem com certesa qual foi o seu no-
me primitivo. Uns dizem que se chamou j
Lancia, outros Verurium, outros Vico Aquá-
rio, outros Visontium, outros Visonium e
outros finalmente Vacca; mas não funda-
raenlam bem as suas opiniões, pelo que não
podemos subscrever nenhuma d'ellas.
Segundo diz o sábio cónego Berardo (Li-
beral n." 1 de 6 de maio de 1857) Lancia,
que Pto4omeu colloca entre Salamanca e o
rio Douro, distava muito de Viseu; Veru-
rium, segundo o mesmo auetor, approxima-
va-se mais da situação de Viseu, mas hoje
os homens doutos reputam aquelle geogra-
pho como pouco auctorisado.
No roteiro de Antonino Pio encontrou-se
o nome de Vico Aquário, mas no caminho
de Astorga para Saragoça, muito longe de
Viseu.
O dr. Botelho nos seus Diálogos cita a
opinião dos que pretendem que Viseu foi a
cidade de Visoncio, más refuta essa opinião
dizendo que Ptolomeu situa Visoncio nos
Pelendones da província Tarraconense, mui-
to longe da nossa cidade de Viseu,
Berardo, na sua interessante memoria la-
tina, ainda ms., — Ecclesiae Visonensis Epi-
tome ad usum auditorii Seminarii Episcopa-
lis ejusdem Ecclesiae, Visonio, 1855,— traduz
Viseu por Visonium, mas não sabemos em
que se fundou.
Esta memoria é completamente desconhe-
cida em Viseu, mas não póde duvidar-se de
que é do sábio cónego Berardo, porque nós
â possuímos autographa, escripta por elle
próprio. Foi -nos oíTerecida com oulr(js rass.
pelo nosso bom amigo e coUega o rev. sr.
Fortunato Casimiro da Silveira e Gama,
natural da cidade da Figueira, educado em
Viseu e actualmente abbade de Quinchães,
em Fafe.
Parece que o auetor, sendo mestre de la-
tim no Seminário visiense, propoz-se fazer
ali também prelecções sobre a historia e an-
tiguidades de Viseu e que para isso escre-
veu aquella memoria, espécie de compendio.
Está em boa caligraphia, sem emendas, bor-
rões nem entre linhas;— comprehende 6 ca-
pítulos e 90 pag. — e fórma um pequeno li-
vro em 8." ms., encadernado e bem traeta-
I do. Segue-se no mesmo livro outra memo-
ria de Berardo, também autographa e iné-
dita:— Noticias sobre a vida e obras do pin-
tor Grão Vasco de Vizeu, Ribafeita, 27 de
outubro de 1849 (era então ali abbade o au-
etor)—e fecha o livrinho uma Dissertação,
também ms. e inédita, sobre a verdadeira
intelligencia da palavra Delicio, que se en-
contra na XX Fabula de Fedro, Liv. 3.°, es-
cripta por Manuel Bernardes Dias, professor
de graramatiea e lingua latina no Seminário
visiense, em resposta a outra do mestre ré-
gio de Viseu sobre o mesmo assumpto. É
uma Dissertação curiosa, muito bem escri-
pta e muito interessante, mas não menos in-
teressantes são as duas memorias de Berar-
do, das quaes a segueda, a pedido nosso, foi
recentemente publicada no jornal visiense o
Viriato, n.o 3:350 de 21 de janeiro de 1888,
e no Districto de Vizeu, n.» 857 e seguintes,
de 25 e 29 de janeiro, 1 e 5 de fevereiro de
1888.
No tópico relativo a Grão Vasco volvere-
mos a fallar da dieta memoria e talvez que a
transcrevamos na sua integra.
«O nome de Vacca que alguns deram a
Vizeu fundados em tradições falliveis, e se-
melhanças mal concebidas— diz o mesmo sá-
bio cónego Berardo * — tem comliido alguma
especialidade, por estar próxima ao rio Vou-
ga, que Ptolomeu nomeou Vaccum, e Es-
1 Liberal, loc. cit.
VIS
VIS 1715
trabão Voem; porem he huma applicação
gratuita, porque estes geographos fallão do
rio, e nenhum menciona povoação assim
chamada por estes siiios. O testemunho de
Santo Izidoro de Sevilha quasi que vem des-
truir de todo esta conjectura, quando uos
aflfirma que Vacca fôra huma cidade situada
perto dos Pirineos, d'onde veio o nome aos
povos Vacceos da antiga provincia Tarraco-
nense. Vacca oppidum fuitjmta Pyreneum,
a quo sunt cognominali VacceL
Etimologiae, Lib. 9, cap. 2.»
E' isto o que diz Berardo, mas o dr. Bo-
telho 1 dá largas à sua fantasia, esforçando-
se por mostrar, 1.» que Viseu foi a cidade de
Vacca; 2.» que a cidade de Vacca esteve
dentro da Cava; 3.« que o nome de Cava é
corrupção de Vacca; 4.° que o rio Vouga to-
mou o nome da pretendida cidade de Vacca,
— e insurge-se contra Gaspar Barreiros por
afflrmar (diz Botelho) que o rio Vouga tomou
o nome da cidade de Vacca, mas que esta
demorava junto da villa de Vouga. *
Botelho também diz que passados 2 annos
depois que Viriato, o grande capitão lusi-
tano, foi assassinado por ordem de Scipião,
sendo este chamado a Roma, lhe succedêra
no governo Décio Jnnio Bruto;— que foi este
quem mandou edificar a fortalesa romana da
Sé, Ducleo da cidade actual;— que lhe poz
(?) o nome de Viso, por estar no alto ou viso
da encosta fronteira e sobranceira á cidade
de Vacca, hoje Cava, da qual a nova forta-
lesâ fleou sendo como aviso ou atalaia — e
que d'aqui proveiu o nome de Viseu à nova
cidade, a cidade actual,— e o velho annexim
Viseu, aviso teu, ou aviso é teu. « E tão bem
soube ella guardar seu nome, que nem em
tempos de Godos, ou Mouros o deixou per-
der; e com haver corrupção em todos, só
elle não mudou, inda que se lhe accrescen-
1 Diologo 1° cap. 10—16, pag. 59-92
{?!...) no Códice de Girabolhos.
2 V. Vouga, rio e viila, e Vácua na inte-
ressante publicação Oppida Reslituta do sr.
Antonio Cardoso Borges de Figueiredo.
lou um E, denotando que Viseu he e sem-
pre será / . . . » *
Ditosa pátria que tal filho teve.
Esta etymologia honra o estro de Botelho.
Está bem pmtada e seduz; mas eu quisera
que elie para auctorisar os seus versos citas-
se algum geographo romano que desse o
nome de Viseu k cidade em questão, pois
mais natural parece que de viso se formasse
antes o nome de Visontium ou Visoncio^
dado por Ptolomeu a uma cidade romana da
península,— OQ o de Visonium ou Visonio,
dado a Viseu por Berardo; e bem podia ser
que de Visoncio ou Visonio se formasse com
o tempo Viseu.
Tudo isto é questão lanae caprinae, mas,
como alguém lhe dá importância, seja-nos
licito offerecer aos amadores da especiali-
dade um thema novo para novas disserta-
ções :
É innegavel que muitas povoações do nos-
so paiz e da península tomaram o nome de
personagens romanos, suevos, godos e moi-
ros. Podíamos citar grande numero d'es8as
povoações, porque já temos organisada uma
lista d'ellas, mas, como este artigo vae já
muito longo e este diccionario quasi no fim,
no supplemento as indicaremos, se Deus nos
der vida e saúde e o diccionario ainda esti-
ver a nosso cargo. Aqui apenas diremos que
em muitos documentos dos mais antigos que
chegaram até nós,— documentos aulhentieos
dos séculos x e xi, repetidas vezes se encon-
tra Visoi, como nome próprio d' homem, entre
as assignaturas das testemunhas que firmam
aquelles documentos.
Não fantasiamos, como pode ver-se no
Portugaliae Monumenta Histórica, tit. Di-
plomata et Chartae, onde se encontram na
sua integra todos os documentos que vamos
citar, taes são o documento n." 16 do anno
908, a pag. 11; o documento n.« 103 do an-
1 Jnalogo 1." cap. 13 in-fine.
Finis coronal opus I . . .
A pátria do dr. Botelho não pôde ter a
sorte que tiveram Tróia, Thebas, Cartago,
Babilónia, Sagunto, etc.
1716 VIS
no 972, a pag. 67; o documento n.' 108 do
anno 973, a pag. 68; o documento n." 163
do anoo 991, a pag. lOi; » o documento n.»
165 do anno 992, a pag. 102,2— e o docu-
mento n." 342 do anno 1045, a pag. 211.
Do exposto se vê claramente que Visoi ou
Vizoy era nome próprio d'homem e nome
ainda muito vulgar nos séculos x e xr, o que
leva a crer que este nome foi usado nos sé-
culos anteriores, talvez durante a occupação
dos suevos, godos e mouros. Ê pois muito
possível que Viseu tomasse o nome d'algum
personagem assim deDominado, como d'ou-
tros personagens romanos, suevos, godos e
mouros tomaram o nome outras muitas po-
voações de Portugal e da península.
Claudile jam rivos pueri; sat prata bibe-
runt.
Também o concilio de Lugo, celebrado na
era de 607, deu ao bispado do Porto 25 fre-
guezias, sendo uma d'ellas denominada Vi-
sea, mas difíerente de Viseu.
V. Memorias d'Argoíe, tomo 2." pag. 698,
804 a 807.
Local de Viseu
Ignora-se onde esteve esta cidade até à
fundação da Cava de Viriato pelos annos
146' antes do nascimento de Christo, posto
que Viseu, como dissemos no tópico antece-
dente, já então contava muitos séculos,—
milhares d'annos talvez,— como cidade, ou
simples povoação, ou aggregado de povoa-
ções.
As noticias mais remotas do local que oe-
cupou referem-se á Cara e diz-se que d'ali
se transferira para o local hodierno, depois
que Décio Junio Bruto mandou fortificar o
bairro da Sé; mas não nos satisfaz esta opi-
nião.
Suppomos que o bairro da Sé foi habitado
muito antes da construcção da Cava, por-
que o chão da Cava era fundo, abafado, pla-
no, alagadiço, insalubre, nada defensável an-
í N'este documento assignam Vizoi As-
trulfizi, filho de Astrulfo,—e Fredenando Vi-
zoizi—Fermnáo, filho de Vizoi.
2 Weste documento assigna Vizoy.
VIS
I tes d'aquellas obras de defesa, e por conse-
I quencia impróprio para ura grande povoa-
do, emquanto que o bairro da Sé foi sempra
alto, arejado, enchuto, vistoso e muito de-
fensável, mesmo para aquelles tempos. Alem
d'isso, .«abemos que os lusitanos, celtas e cel-
tiberos habitavam de preferencia as encos-
tas e os siiios altos e n'elles costumavam eri-
gir templos e fazer castros, como depois fi-
zeram os romanos, pois é crença geral que-
muitos castros romanos, de que ainda hoja
se vêem claros vestígios em muitos curutos
de Portugal e da península, haviam sido an-
teriormente oecupados, habitados e d'algum
modo fortificados.
Vejam-se os tópicos relativos á Cava de
Viriato e á Fundação e antiguidade de Vi-
seu, bem como o tópico infra.
Veja-se também o que disse. Antonio do
Carmo Velho de Barbosa na sua Memoria
relativa ao Mosteiro de Leça, pag. 75 e segg.,
onde falia do castro de GuifÕes, que suppòe
ter sido ara céltica, antes de ser, se é que
foi, castro romano. Também caracterisa co-
mo celta ou pre celta, a ponte actual de Gui-
fÕes, mas nós já a visitámos e podemos af-
fiançar que é muito posterior aos celtas e
mesmo aos romanos e árabes.
V. GuifÕes n'este diccíonario e no supple*
mento, oode tencionamos ampliar conside-
ravelmente aquelle artigo.
Respeitamos muilo o sábio académico Ve-
lho de Barbosa, mas aliquando dormitai Ho-
merus
Captiveiro e conquistas de Viseu
Esta península e o nosso paiz foram desda
os tempos mais remotos theatro constante de
luctas e guerras medonhas, já entre os ibe-
ros e os povos anteriores (não sabemos quaes
foram esses povos ou os aborígenes, primei-
ros habitantes da península)— já entre 08.
celtas e os iberos até que se congraçaram e
tomaram o nome commum de celtiberos
1 Note-se que os celtas comprehendiam
nada menos de 80 povos differenles, como já
dissemos, appoiados em Herculano.
VIS
VIS 1717
Vieram depois as guerras entre estes e os I
fenícios; depois novas guerras entre aquel-
les tres povos e os gregos; seguiram-se ou-
tras entre estes quatro povos e os cartagi-
neses, até que estes se assenhoriaram da pe-
Dinsula.
Vieram depois as guerras entre os roma-
nos e os habitantes da peninsula que eram
in iho tempore uma amalgama de iberos,
celtas, fenícios, gregos e cartagineses. Foi
uma tremenda lucta que durou nada menos
de dois séculos, no fim dos quaes os roma
nos Acaram senhores da península e a oc-
cuparam muito tempo, elevando-a ao mai?
alto grau d'esplendor e civílisação que até
ali tinha attingido.
Vieram depois no anno 405 os siliogos,
suevos, alanos e vândalos, bárbaros do norte,
que assolaram completamente a península e
fizeram recuar a civílisação romana, eclí-
psando-a por muitos séculos, cerca de 1:000
annos — pois talvez que a península só no fim
da idade media, ou nos princípios do século
XVI, attingisse o grau de esplendor e civíli-
sação a que os romanos a tinham eleva-
do?!... E em quanto a viação publica foi
maior, muito maior ainda o eclipse, porque
só depois do meiado d'este século xix, ou
passados 1:450 annos, a viação de Portu-
gal e da península pôde equiparar-se[á via-
ção romana I . . .
Foram muito sanguinolentas e muito pro-
longadas as guerras já entre aquelles povos
bárbaros e os romanos, já entre os bárbaros
uns com os outro;*, até que prevaleceram os
godos no domínio da península e esta respi-
rou algum tempo; mas no século viu com a
invasão dos mouros volveu outro período de
guerras assoladoras, já enire os mouros e os
ehristãos, já entre os mouros uns com os ou-
tros, já entre os ehristãos também, pois ao
reino das Astúrias ou de Leão, o primeiro
que se formou entre os ehristãos da penin-
sula depois da invasão árabe, aeeresceram
os reinos de Aragão, Castella, Navarra, Gal-
lisâ, Portugal e Valencia, e só depois de gran-
des luctas se fundiram todos em um só, com
o nome de Hespanha, conservando única-
mente Portugal a sua autonomia desde os
princípios do século xii (1139) até hoje, o
que parece favor da Providencia, pois com-
prehendendo Portugal desde o seu começo
uma pequena parte da península, sustentou
sempre guerra viva— primeiramente contra
o potentado de Leão e contra n dos mussui-
manos, não inferior ao de Leão— e, depois
de expulsos os mouros, fleou por assim di-
zer em guerra aberta com toda a Hespanha
até 1668, sendo a Hespanha 4 a 6 vezes su-
perior a Portugal em população e territó-
rio e empenhando na lueta contra nós os
seus melhores generaes e grandes exérci-
tos ! Ainda posteriormente quíz renovar a
guerra, mas desistiu, lembrando-se das li-
ções da historia e das batalhas d' Aljubar-
rota, Linhas d'Elvas, Ameixial, Castello Ro»
drigo, Montes Claros, ele. etc.
Parece que a Providencia (repito) tem si-
do até hoje por nós, pois humanamente mal
se explica o facto de estarmos ainda hoje in-
dependentes e de havermos levado a nossa
bandeira até os confins da Asia— e de ha-
vermos creado na America do sul um gran-
de império,— o império do Brazíl, hoje inde-
pendente {graças ao senhor D. Pedro iF. - >)
mas que ainda falia o porlúguez, como pro-
va do longo domínio de Portugal sobre
aquelle vasto império.
Do exposto se vê que a peninsula e Por-
tugal teem sido eon^taote theatro de guer-
ras— e as mais sanguinolentas de todas fo-
ram as dos bárbaros do norte, destruição das
Hespanhas.
Foram muito sanguinolentas as dos mou-
ros, mas ao menos os mouros eram bastante
civilísados,— muito mais tolerantes e mais
civitisados do que os godos ou ehrisiãos que
encontraram na península e, se os mouro»
n'ella se conservassem e os deixassem viver
pacificamente, a nossa religião soffria, mas
a península talvez lucrasse e adiantasse em
civílisação, — no commercio, na agricultura,
nas artes e mesmo nas lettras,—màh do que
adiantou nos séculos ímmediatos á expulsão
d'elle8l. . .
Ao norte do nosso paiz poucos vestígios
deixaram da sua occupção, porque esta foi
transitória e muito atribulada, mas ao sul,
1718 VIS
VIS
principalmente na Andalusia, onde se demo-
raram mais tempo e viveram mais tranquil-
los, edifiearara sumptuosos templos, castel-
los e palácios, deram grande impulso às ar-
tes e sciencias e melhoraram consideravel-
mente a agricultura, fazendo canaes de irri-
gação, etc.
Mesmo ao norte do nosso paiz ainda no
século XVI, quando D. Manuel impolitiea-
mente e barbaramente os expulsou de en-
volta com os judeus, elles eram os nossos
melhores e por assim dizer únicos artistaS'
pelo que muitas das nossas fabricas e oíBei-
nas sotTreram com a expulsão d'elles.
É pois um preconceito, uma flagrante in
justiça, um erro crasso dizer-se que a civi-
lisação d'elles era embrionária, como teem
dicto vários escriptores nossos.
Foram muito illustrados e muito amantes
das leitras alguns dos reis de Cordova, prin-
cipalmente o grande mathematico Mohamed,
fallecido no anno de 886, — Abderrahman, o
poderoso emir-al muminim, — e seu filho e
sueeessor El-Hakem. Este ultimo falleceu no
anno da 976 e deixou uma bibliotheea de
quatrocentos mil volumes, ajuntada porelle,
— como diz Alexandre Herculano, Hist. de
Port. tomo I, pag. 79.
Talvez que ainda hoje, — em pleno século
XIX, por exceiiencia o século das luzes, — não
haja em toda a península bibliotheea mais
numerosa e, attendendo á baratesa actual dos
livros e á carestia d'elles in illo tempore, com
ceriesa custou mais e muito mais a biblio-
theea do mouro El-Hakem, do que a melhor
bibliotheea actual da península — e talvez da
Europa? I. . .
Portugal e a península soffreram muito
cóm a invasão dos mouros e com as guer-
ras continuas até á expulsão d'elles, mas sof-
freram mais e muito mais com a invasão dos
bárbaros do norte e com as guerras que se
seguiram até que os godos firmaram o seu
império na península.
«A irrupção dos bárbaros— diz Hercula-
no foi assignalada por todo o género de
1 Hist. de Port. tomo I, pag. 28*
devastações. Morreu gente innumeravel no
primeiro ímpeto antes que os ferozes con-
quistadores escolhessem as províncias em
que se haviam de fixar. Á guerra associa-
I ram-se a peste e a fome. Chegou o povo á
miséria horrível de devorar carne humana,
e as mães cevarem -se nos cadáveres dos fi-
lhos. As bestas feras saiam dos bosques, e
affeitas á carniça dos mortos, avançavam a
tragar os vivos. Então os bárbaros dividiram
entre si este paiz convertido quasi n'wm er-
mo...
«Mas o povo que devia substituir esta pri-
meira alluviãoi e estabelecer o seu domi-
! 1 Os vândalos e suevos tinham occupado
' o que hoje chamamos Castella Velha e a
Gallisa; os alanos a província lusitana e a
cariaginense; e os siJingos, tribu vândala,
parte da Betica, hoje Andaluzia; mas, pouco
depois da invasão dos godos, Walia, rei d'es-
tes e sueeessor de Attahulfo, atacou os ala-
nos da Lusitânia e os silingos da Betica e,
depois de uma lucta cruel de tres annos,
obrigou os que sobreviveram à destruição
da sua raça, a bu:*earera na Gallisa o am-
paro dos suevos. Walia fez paz com o impe-
rador romano Honorio, pelo que os godos,
n'estas guerras, eram considerados auxilia-
res do império.
Incorporados os alanos e silingos com 03
suevos, estes, posto que independentes de
facto, reconheceram a supremacia de Roma,
e 08 godos contentaram-se com o domínio do
sul das Gallias.
A paz era todavia impossível. Os vândalos
começaram logo uma como guerra civil com
os suevos, que os desbarataram, e elles,
obrigados a deixar a Gallisa, precipitaram-
se dè novo sobre a Betica.
D'ali, passados tempos, transportaram-se
para a Africa, restando apenas na Hespanha
os suevos, a que se haviam incorporado os
diminutos restos dos alanos, exterminados
por Walia. Logo que os vândalos deixaram
a Europa, os suevos começaram a dilatar o
seu império sobre a Lusitânia e Betica até
que, depois de continuas guerras com os ro-
manos e com os godos, que vieram substi-
tuir os romanos no domínio da Hespanha,
chegaram por fim a íncorporar-se na monar-
chia goihica, em tempo de Leowígildo, e
assim se conservaram até o anno 714, data
da invasão dos mouros.
V. Herculano, loc. cit.; n'este diccionarío
Godos e Suevos,— e n'este art. Viseu os tópicos
S. Miguel do Fetal e— Tumulo de D. Rodri-
go, pag. 156S e segg.
VIS
VIS 1719
Dio de tres séculos, não tardou a transpor os
Pyrenéus. Os wisigodos, capitaneados por
Attaulfo, invadiram a Peninsula. Por alguns
annos durou a guerra d'e9tes eom os pri-
meiros invasores; guerra d' extermínio, qual
devia ser entre gente feroz, e de que ainda
forçosamente foi vietima uma parle d'esses
rareados restos da antiga população. . .
«A população h'spano-romanadesappare-
cêra, em grande parte, debaixo das espadas
implacáveis dos bárbaros ....
t. .. os habitantes da Peninsula, debaixo
do nome de godos, constituíam uma só na-
ção quando a conquista árabe veiu confun-
dir ainda mais, se é possível, esta mistura
inextricável de homens de muitas e diver-
sas origens.»
Portugal soffreu muito com a invasão e
oecupação dos bárbaros, mas qual seria a
sorte da cidade, da diocese e do districto de
Viseu, durante aquelle periodo tão calami-
toso?
Nada sabemos da parte que lhes tocou
mas com certesa soffreram lambem muito,
çois dos fragmentos que nos restam das
actas do concilio de Lugo, celebrado no an-
flo 560 por ordem de Theodomiro, rei suevo,
o bispado de Viseu n'aquella data eompre-
hendia approximadamente o mesmo territó-
rio actual,^ mas estava quasi deserto. Ape-
nas coniAvsi nove freguezias 11. . . Adiante
asmencioQaremos e explanaremos este ponto
no tópico relativo ao Bispado de Viseu.
Depois da invasão dos mouros em 1714 2
jájemos algumas notieias^mais d*esta cida-
de e das hecatombes de que foi viciimarpois
foi tomada e retomada pelos christãos e pe-
los mouros muitas vezes. Occorrem-nos as
«eguintes :
Pelos mouros, não sabemos quando.
Por D. Affonso I, o catholico, das As-
túrias, no anno 734, segundo se lé na Chor.
1 Era ainda mais extenso talvez, pois com
prehendia o território que em 1770 passou
para o bispado de Pinhel.
2 Referimo-nos sempre ao anno do nasci-
mento de Christo, quando nas datas não po-
sermos o termo era.
Port. tomo II, pag. 178, mas foi um dos mui-
tos lapsos do padre Carvalho, pois aquelle
rei governou de 739 a 753 1 . . ^
3. *— Por Abderraman, rei de Cordova, no
anno 757,— diz o mesmo padre Carvalho loc.
cit.
4. »— Por D. Fruela I, rei das Astúrias, suc-
cessor de D, Affonso I.
Ignoramos a daia d'esta conquista, mas
devia ser em 753 a 766, pois foi este o pe-
riodo do governo de D. Fruela 2.
5. »— Por Mauregato (filho bastardo de D.
Affonso I o catholico) em 783 a 789, com o
auxilio do rei de Cordova, a quem promet-
teu o fôro das 100 donzellas,— diz Carvalho
e acerescenta que Mauregato possuiu Viseu
8 annos, mas não pode ser, porque Maure-
gato reinou apeaas 7 annos, de 783 a 789.
V. Carvalho, loc. cit. — e n'este diecionario
J 0. artigo Figueiredo das Donas,
I 6.»— Pelos mouros, não sabemos quando.
! 7.*— Por Carlos Magno, vindo á Hespanha
em auxilio de D. Bernardo I de Leão, que
1 reinou de 789 a 791.
I Carvalho, loc. cit.
8. »— Pelos mouroSj em cujo dominio este-
ve até o anno de 803, — diz Carvalho.
9. »— Em 803 por D. Affonso II, o casto, de
« Leão.
í 10.«— Em 811 por Aliathan, rei de Cor-
i dova, ficando no dominio dos mouros atê o
\ anno de 842,-— segundo diz Carvalho,
í 11.»— Em 842 por D. Ramiro I de Leão,
que a tomou deixando tributário o mouro
Iben-Rages, governador d'ella, mas pouco de-
pois, constando-lhe que o dicto mouro se
bandeara com outros alcaides mouros con-
tra os christãos, D. Ramiro voltou sobre Vi-
seu, desbaratou o dicto mouro e destruiu
completamente a cidade, ficando só em pé a
fortalesa romana com as 2 torres, mas o bis-
po de Salamanca Sebastiano, depois de obter
licença de D. Ramiro, mandou reedificar Vi-
seu e lhe deu por armas o castello de Gaya
í O padre Antonio P. de Fig. no seu inte-
ressante livriuho Compendio das Datas, pro-
longa este reinado até o anno 757.
^ P. de Figueiredo, loc. cit. prolongou este
reinado até o anuo 768.
1720 VIS
VIS
com o rio Douro, ... em memoria do facto,
(?) que ali se passou com D. Ramiro.
Em resumo é isto o que diz Carvalho,
mas não podemos acceitar na integra tal
asserto, porque o D. Ramiro da lenda foi
D. Ramiro II, que governou de 93 i a 950.
Vejam-se os tópicos supra— S. Miguel do
Fetal e—Tnmulo de D. Rodrigo— pag. 1565
e segg.
11. »— Por Abdela, rei de Cordova, que a
tomou não sabemos quando, e a teve ape-
nas 39 dias.
Carvalho, loc. cit.
12. »— Por D. Affonso III, o magno, de Leão,
que a tomou ao dicto mouro não sabemos
quando, mas devia ser pelos annos de 862 a
910, reinado do dicto D. Affonso.
13. '— Por Almançor, rei de Cordova, no
tempo de D. Bermudo II de Leão— 982 a
999.
Este Almançor destruiu Viseu também
completamente, poupando apenas as 2 torres
romanas; mais tarde porem os mesmos mou-
ros reedificaram a cidade e a possuíram até
o anno de 1058,— segundo diz Carvalho, loc-
cit.
Em 1027 D, Affonso V de Leão, depois de
haver tomado aos mouros diff^rentes terra?,
passou o Douro e, discorrendo pelo norte do
Algarve, poz cerco a Viseu, que provavel-
mente ficára em poder dos mussulmanos des-
de o tempo de El-Mansur, — diz Alexandre
Herculano; ^ mas, durante o assedio, a mor-
te o salteou no vigor da idade. «Era no es-
tio; intensa a calma. Despidas as armas, e
trajando apenas uma túnica de linho, o rei
discorria era volta dos muros inimigos: um
virote partiu das ameias, e ferindo o mortal-
mente o derribou do cavallo. Levado à sua
tenda, Affonso V expirou brevemente, con-
tando pouco mais de 30 annos, e quasi ou-
tros tantos de reinado. »2
Governou de 1000 a 1027.
14. *- Por D. Fernando I, o magno, de Cas-
tella, no anno de 1058, como dizem o padre
Carvalho, o Chronicon Lusitano e o sábio
1 Hist. de Port. tomo I, pag. 159.
2 Alex. Herc. loc. cit.
cónego Berardo,— ou no anno de 1038, como
dizem o sr. Ignacio deJVilhena Barbosa, na*
Cidades e Villas, o sr. Oliveira Mascarenhas
no Portugal e Possessões, e Rodrigo Mendes
da Silva na Poblacion General de Espana, —
ou no anno de 1057, como diz Alexandre
Herculano Eis as suas próprias palavras:
«Atravessando o Douro pelo lado de Sa-
mora freffre-sfi a D Fernando \, o magno)
e encaminhando-se para o occidente, entrou
pela nossa moderna (?) província da Beira,
cujos casfellos tanta vezes tinham sido já
tomados e perdidos por christãos e sarrace-
nos. O de Seia (Sena) foi o primeiro que elle
tomou, talando os seus arredores e redu-
zindo outros castellos menos importantes.
Desde então a guerra continuou por todas
as primaveras seguintes, sujeitando succes-
sivamente (1057, sic) Viseu, Lamego, Tarou-
ca e outros logares fortes. •
Escusado é dizer que seguimos a opinião
de Herculano.
Tomou pnis D Fernando Magno de Cas-
tella a cidade de Viseu aos mouros no anno
de 1057 — a 28 de junho, como dizem os srs.
Vilhena Barbosa. Oliveira Mascarenhas e
Rodrigo Mendes da Silva, — ou a 25 de julho,
como diz Berardo. 2 Desde então não mais
voltou ao poder dos mouros, mais ainda re-
cebeu outro baptismo de sangue.
15*— Em 1385 3 por um troço de caste-
lhanos, quando retiravam d'A1inbarrof3 com-
pletamente destroçados nelo nosso D. .Toão 1.
Elles, passando por Viseu e estando aci-
dado então aberta, sem muros e mal guar-
necida, tomaram na. saquearam na. ineen-
diaram-na e passaram ao fio da espada os
seus habitantes, mas, tomando o caminho de
Hespanha carregados de despojos, tudo per-
deram e muitos d'ell<^s a própria vida não
longe de Viseu, — entre Valverde e Tranco-
so, no dia 25 de abril de 1385.
Para evitarmos repetições, vide Aljubar-
1 H>sf. de Port. tomo I pag. 165.
2 Liberal n " 2 de 9 de maio de 1857.
' O padre Carvalho diz em 1317!. . .
Foi muito infeliz no artigo Viseu e nós te-
mos remorsos de o havermos acompanhado
tão de perlo n'este tópico!. . .
VIS
VIS 1721
rota e Trancoso. Vejam-se lambem os Diá-
logos de Mariz, pag, 172, cuja lição é muito
differente !. . .
Este tópico é muito emma-
raiahado, muito diíTicíi. N'elle
comcertesalropecei muitas ve-
zes, mas jà antes de mim »ro-
peçaram outros — e outros hão
de tropeçar de futuro I . .
Solatium est miseris. . .
Corte e cortei
Viseu foi temporariamente corte d'alguns
reis de Leão. SuppÕe-se que residiram no
paço da furtalesa romana, onde hoje se vê
o claustro, mandado fazer por D. Miguel da ]
Silva no chão do dicto paço, que D. João III
para esse fim lhe concedeu.
Também ali residiu algum tempo a nossa
rainha D. Theresa, mãe de D. AíToqso Hen-
riques,—e em Viseu mais tarde residiram
(uão sabemos ondej temporariamente alguns i
reis, como D. João í, pois nenhum monogra- !
phista de Viseu nos diz o sitio d'esta habita- {
ção real, nem onde se convocaram as cor- j
les, mas é provável que fosse nos antigos pa-
ços reaes em que residiram a râiaha D. The-
resa e talvez os reis de Leão, que eram den-
tro da fortaleza romana, ^ onde havia um
grande espaço, que é hoje occupado pelos
altos e baixos do claustro novo e pelas ca-
pellas contíguas á sala capitular e reparti-
ções próximas do cabido. Aquelle chão com-
prehendia todo o grande espaço voltado ao
poente desde a torre Romana do Norte (hoje
cadeia civil) até à Torre do Sul, ainda hoje
oecupada com arrumações do cabido.
Não merece altenção alguma a opinião de
Berardo e seus copiadores,, que dizem a di-
nastia de Aviz tivera os seus paços na Rua
da Cadeia, onde a tradição diz nascera D.
Duarte, que era uma casa pequena no meio
d'umã rua estreita, sem largo na frente ou
trazeiras, que Botelho diz ser a casa do Al-
' Viseu não teve cerca de muros até os
fios do século xiv.
moxarife; pois Berardo não adduz outro fun-
damento alem de um miserável erro de he-
ráldica e genealogia, em que o sábio cónego
era hospede, como jà dissemos.
Para evitarmos repetições veja-se o tópi-
co supra, relativo à Sé, pag. 1574, col. 2.«;
1551, n.» 7, col. 2.* também;— 1562 col. 1.»,
n." 5— e o tópico iofra Duques e senhores de
Viseu.
Também n'esta cidade se reuniram ou-
ir'ora algumas das grandes assembléás con-
vocadas pelos nossos reis e denominadas
cortes. Eram constituídas pçlos procurado-
res das nossas diíTerentes cidades e de al-
gumas villas. e nas dietas cortes os procu-
radores visienses occupavam o 7.° logar no
2." banco. O 1.» assento pertencia aos de
Lisboa, o 2 ° aos d'Evora, o 3.» aos do Por-
to, o 4.» aos de Coimbra, o 5." aos de San-
tarém e o 6.° aos de Braga. Era pois Viseu
a 7.» povoação mais importante do nosso
paiz in illo tempore e n'ella se celebraram
cortes em 1419 e 1391, sob a presidência d'el-
rei D. João I.
V. Cortes, onde se encontra uma lista de
todas as que foram celebradas no nosso paiz,
até 1834, ou até á queda do ancien regime
politico 1.
Duques e senhores de Viseu
Esta cidade foi titulo de ducado e teve os
duques seguintes :
1. »— O infante D. Henrique, filho de D.
João I.
V. Sagres.
2. °— O infante D. Fernando, filho d'el-rei
D. Duarte, por morte do 1.» duque, o infante
D. Henrique, seu tio.
B."— D. João, filho do 2.» duque, o infante
D. Fernando.
4.'— D. Diogo, irmão do antecedente.
Este duque D. Diogo foi assassinado em
Setúbal por seu primo e cunhado el-rei D.
João II, que extinguiu também aquelle titu-
lo, mas deu os bens do ducado e o titulo de
^ Ali não se mencionaram as cortes de Vi-
seu, de 1419; mencionou -as porem o sr. Vi-
lhena Barbosa nas Cidades e. Villas.
1722 VIS
VIS
duque de Beja a D. Manuel (depois rei) ir-
mão do infeliz D. Diogo, 4." e ultimo duque
de Viseu.
Para evitarmos repetições, vide Setúbal,
vol. 9.» pag. 220, col. 1.» e segg.
Foram senhores de Viseu differentes per-
sonagens. Oeeorrera-nos os seguintes:
O conde Hufo Rufes Belfaral pelos
annos de 924, no tempo de D. Fruella II, rei
de Leão, e de D. Affonso IV, seu suecessor.
Hufo Hufes era conde e senhor não sò de
Viseu, mas das terras eircumvisinhas, e d'el-
le procedem muitas familias nobres de Por-
tugal e de Hespanha, entre ellas os Botelhas
de Mondim da Beira, Lamego, Villa Real e
Viseu, como pode ver-se nos Diálogos do dr.
Manuel Botelho, i mas a sua representação
está nos duques de Lafões.
Ayres Pires, pelos annos de 1102 (era
1140) pois como senhor de Viseu assigna
uma escriptura de doação feita n'aquella
data em Guimarães pelo conde D. Henrique
a Eeha Martins, rei mouro de Lamego.
3. » O infante D. Henrique, L" duque de
Viseu, mencionado supra.
4. »— O infante D. Ff rnowdo, 2." duque de
Viseu.
ò.'—D. João, 3." duque.
6. °— Z). Diogo, 4.» e ultimo duque.
7. °— D. Manuel (depois rei) irmão d'a-
quelles últimos dois duques.
8. "— ii infanta D. Isabel.
9.0 e ultimo : — A infanta D. Maria, am-
bas filhas d'el-rei D. Manuel.
Por morte da infanta D. Maria o senhorio
de Viseu passou para a coroa e n'ella se
conservou até hoje.
Procissão das forneiras
«No dia 14 d'agosto— diz Berardo ti-
nha logar uma solemne procissão, assistida
do senado, cabido e clerisia, a quem prece-
dia um certo numero de meninas vestidas
decentemente, e levando cada uma na mão a
1 Dialogo 3°, cap. 14.°
? Liberal n.» 3 de 15 de maio de 18S7.
insígnia de uma pá muito composta e enfei-
tada.
«Eraaproeissãovulgarmentechamada das
forneiras, que alludia áquella façanha de
Brites d'Almeida, de Aljubarrota, que ma-
tára sete castelhanos depois d'aquella sem-
pre memorável batalha, que firmou a inde-
pendência porluguezafe a coroa no senhdr
D. João I.
«Deixo que lhe chamem tradição fabulo-
sa (que não o será tanto como alguém o
pensa) mas ella era aeceite, e baseada em
recordações gloriosas. A Vizeu sobejavão os
motivos de seus ódios contra Castella, e era
esta solemnidade huma commemoração, e
diremos incentivo da independência nacio-
nal. A dominação dos Filippes de Hespa-
nha tinha naturalnaente reduzido ao silencio
hum acto que lhe era coniradiclorio, mas a
Restauração de 1640 o fez reviver, e ainda
por uma determinação regia :
«D. João por graça de Deus Rei de Portu-
gal... etc. Faço saber a vós corrigidor da
comarca da cidade de Vizeu, que porquanto
se costumava fazer nestes reinos procissão
em véspera de Santa Maria d'Agosto, no fa-
zimenlo de graças da vicioria, que o Senhor
Rei D. João primeiro de boa memoria alcan-
çou no campo de Aljubarrota contra El-Rei
D. João primeiro de Castella, e convir que
se continue com a dita procissão; Hei por
bem e vos Mando ordeneis que assim se faça
e continue a dita procissão, assi nessa cida-
de, como nos lugares da Comarca delia, on-
de se costumava fazer; o que assi cumpri-
reis Lisboa a quatorze de Junho de
mil seiscentos e quarenta e hum Ao
corrigidor da Comarca de Vizeu.»
Tão patriótica solemnidade extinguiu se
e de todo esqueceu desde 1834— «por in-
cúria (talvez culposa) da geração actual, que
se ufMa muito não sei de que»— dizia o
mesmo sábio cónego, apesar de ser jpronww-
ciadamenle liberal ? I. . .
O cramol
«No primeiro dia da oitava do Pentecos-
tes diz o mesmo Berardo, ibidem, a camará
municipal de Vizeu, acompanhada de muito
VIS
VIS 1723
povo, fazia huma espécie de procissão à
igreja de Nossa Senhora do Castello da villa
de Mangualde, recitando preces e ladainhas,
donde lhe veio a denonoinaQào de cramol *.
«Na volta desta longínqua romaria ordi-
nariamente havia um jantar preparado para
as pessoas da expedição, e seguia-se hum
espectáculo de louros na praça da cidade.
Era isto huma commemoríção da tomada
do Castello do mouro Zwrara, situado na
eminência, onde hoje se divisa a menciona-
da igreja, e donde também veio a denomi-
nação ás terras d'aquelle concelho. 2 Dizia-
se que antigamente os de Vizeu, combinados
com os da villa de Linhares, se propozerão
6 arriscarão a tomar e demolir aquelle Cas-
tello; o que tpdo levarão a effeito.
«Passarão muitos annos, e a tibieza foi-se
apoderando do animo dos nossos passados,
de maneira que a festa do cramol ficou re-
duzida a huma simplicíssima procissão, em
que sahião da cathedral o cabido e o senado
até á igreja de S. Miguel do Fetal. Isto mes-
mo de todo se extinguiu em 1834.»
Com a tibiesa das crenças extinguiram-se
outras muitas procissões semelhantes que
desde tempo immemorial se faziam em di-
versos pontos do nosso paiz e de algumas
já nós fizemos menção n'este diccionario.
V. Nicolau (S.) do Porto, tomo 6.° pag
19j col. 2.»— e Villa Real de Traz os Mon-
tes, tomo XI, pag. 975; mas ainda hoje, em
cumprimento de antigos votos, vão muitos
dos taes clamores á egreja de Nossa Senho-
ra de Carquere, em Rezende, á capella de S.
Domingos da Queimada, em frente de Lame-
go, e á de Açores a 3 de maio. Vide Açores
n*este diccionario tomo I pag. 24; Fontello,
Carquere, Queimada e Lamego n'este dic-
cionario e no supplemento.
V. também Villar, aldeia, tomo XI, pag.
1175, col. in fine e segg.
Couto da Sé
«O que se chamava Couto da Sé, e a cu-
jos moradores o bispo D. Pedro Gonçalves e
o seu cabido em 1251 derão Carta de Fôro^
— diz Berardo, 1 — existia dentro dos primei-
ros muros de Vizeu, ou Cidade Velha. A sua
demarcação he hoje completamente ignora-
da; porém ainda não o era no século xvi,
quando os moradores deste couto se defen-
dião dos encargos do concelho, escorando-se
nos privilégios que dizião ter. Confirmamos
isto pelo seguinte documento do Livro das
Vereações da Camara, que sendo também
curioso a outros respeitos o transcrevemos
aqui :
«Aos einquo dias do mez de Janeiro de
mil e quinhentos e trinta e quatro annos, na
dita cidade foram juntos em camará os se-
guintes. Ho licenciado Vicente corea Juiz de
fora, gonçalo corea vereador duarte da fon-
ceca procurador. Os quaes juntos em cama-
rá diseram que era verdade que lluis fran-
cisco barbeiro na dita cidade e morador sai-
rá este anno presente por tisoureiro da dita
cidade, ho quall lluis francisco viera á dita
câmara a requerer que ho não constranges-
sem a servir tal officio,^ porquanto elle era
escuso do tall encarego por viver nos cou-
tos do senhor bispo da dita cidade, por cujo
privilegio dos ditos coutos era escuso dos en-
caregos do concelho, e assim por ser bar-
beiro dos frades de sam francisco d"orjee8,
por cuja causa elle era escuso por bem do
privilegio dos ditos frades, e que sobre tu-
do viera há dita camará ho Licenceado Fer-
nam Lourenço promotor e procurador do
dito senhor bispo da dita cidade, e da sua
parte lhes requerera que nam constranges-
sem ao dito lluis francisco que servisse de
tisoureiro contra sua vontade, porquanto
elle vivia dentro nos coutos do dito senhor
bispo e porque era escuso por bem do seu
' Cramol é modificação popular de cia- , , ^.^^^^^ ^ „ ,2 ,3 .^^^^ ^g^^^
P A Ferreira I ^^i^'-'^^ também este artigo, pag. 1688, coL
' 2.^ in fine.
2 V. Mangualde n'este diccionario e no ■ ^ Assombra- nos a modéstia do barbei-
supplemento. rol. . .
1724
VIS
privilegio que o dito senhor bispo liniia dos
ditos coutos, e pela antiga pose em que es-
tava, de nenhum morador dos ditos seus
«outos servir em ofícios e earegos do conce-
lho senão os que queriam servir por sua
vontade e não por constrangimento, e que
avendo elles euformaçom verdadeiramente
de como o dito lluis franeisco vive dentro
nos coutos do dito senhor bispo que tem
■dentro na dita cidade e por eu tabaliam e
«seripvam dar minha fee que era assim ver-
dade lio dito lluis francitco viver nos ditos
coutos do diio senhor bispo, e »-lle vir re-
querer que o escusasem e asi o procurador
cio dito senhor bispo acima nomeado, e
avendo também emformaçom como hos mo- j
radores dos coutos do dito senhor bispo sam \
escusos dos encaregos do concelho e nam
serviram neiles, s. nos ofícios do concelho
se nam aquelles moradores dos coutos que
por sua vontade queriam servir e doutra
maneira nam, e que avendo também emfor-
maçam que o dito lluis franeisco era homem
forte de condigam e que era muito odioso á
dita camará por sua condigam, por tirarem
desensoees e desasosegos que pollo dito caso
podiam vir a ocorer autre ha dita cidade e
o dito senhor bispo, allçm de muitos gastos
e demandas que no dito cazo podiam vir ao
diante ha cidade, i e porque ho dito oãdo
de tisoureiro nam era dos quatro da borde-
naçam, aviam por bem que o dito lluis fran-
eisco nam sirva ho dito auno de tisoureiro
€ o asolveram do dito carego ho dito anno:
E porque amrique mendez mercador tisou-
reiro que foy na dita cidade ho dito anno
passado de mill e quiahentos e trinta e trez
annos, que presente estava dizer que queria
servir de tisoureiro da dita cidade este anno
prezente de quinhentos e trinta e quatro an-
nos, ho dito Juiz e vereadores e procurador
lhes aprove por ho dito amrique mendez
querer servir ho dito cargo ho dito anno e
por elle ser mercador e homem honrado e
de boa casta de christoos novos 2, e outros
da sua calidade (?) serem já almoteees na
1 V. pag. 1586, 1603, n.» 34; 1608, n.» 49;
1613, n.° 60 ,— e 1624, col. 2.»
2 Isto é — um bom judeu I . . .
VIS
dita cidade, de fazerem ho dito amrique
mendez allmotaceell na dita cidade e o acres-
centarem ha dita honra dalraotaceell por asy
ja servir ho anno passado de tisoureiro que-
rer também ?ervir este presente anno, por-
que asy ho aviam por bem proveite e hon
ra (?) da dita cidade.
«E Hogo o dito Juiz e vereadores deram
juramento sob os santos evangelhos ao dito
amrique mendez (?) em que pooz sua raam
e lhe mandaram que bem e verdadeiramente
servise este presente auno na dita cidade de
tisoureiro conforme ao regimento e horde-
naçam de sua alteza, guardando ao dito se-
nhor seu serviyo e às parles seu direito, e
elle asy o prometeo de fazer e asynaram to-
dos
«Francisco Dias tabeiiam e escripvam da
camará ho escrepvi, ao quall amrique men-
dez lhes aprouve de o asy acrescentarem ha
dita honra dâlmoláceel por outros christaoos
novos da sua callidade servirem ja na dita
cidade dallmotacees, vereadores, e procurado-
res, como he notório poUos Ilivros da cama-
rá dos annos passados, franeisco dias o es-
crepvi. Amrique mendes... Francisco llo-
pes. Gonsallo Corea. lluis de lloureiro. Duar-
te da fonceea.»
A transcripção é pesada, mas muito inte-
ressante para a historia do antigo couto da
Sè de Viseu.
Quinta e Paço episcopal de Fontello
Ignora-se onde residiram os bispos de Vi-
seu até o tempo do prior S. Theotonio—
IHl a 1119,1 pois sabemos que residiu nos
velhos paços reaes da fortalesa romana, on-
de está hoje o claustro, como dissemos no
tópico relativo a Sé. Depois residiram alter-
nadamente no paço episcopal dos tres esca-
lões,— na quinta de Santa Eugenia — e em
Fontello. N'este ultimo paço residiram elles
em períodos mais ou menos longos até 18
— -e desde então até hoje.
V. pag. 1632, col. 2.* in fine.
í V. pag. 1600, col. 1.»
VIS
VIS 1725
Da quinta de Santa Evgenia e do paço
dos ires escalões ou da Sé já se fallou nos
tópicos relativos à Cathedral, ao CoUegio e
ao Seminário; agora fallemos da quinla e do
paço episcopal de Fontello.
Demoram em local aprazível no arrabalde
e a poucos centos de metros do coração de
Viseu para nascente— e pelo seu conjuncto
formam uma bella rezidencia com uma es-
plendida avenida de entrada, como não tem
paço algum episcopal do nosso paiz.
A quinta é espaçosa e rendosa, e já foi
muito luxuosa, principalmente no tempo do
cardeal D. Miguel da Silva; depois decahiu,
e chegou a estar em grande abandono (bem
como o próprio paço e a Sél .. .) ainda em
nosso? dias, no tempo do bispo D. Antonio
Alves Martins. Hoje,— graças ao digno pre-
lado actuai, — tudo está muito limpo e bem
tractado, mas a quinta apenas conserva do
seu antigo esplendor uma bella mata com
arvoredo secular;- a mageslosa avenida com
um soberbo portão mandado fazer pelo bis-
po D. Gonçalo Pinheiro em 1563— e ao lon-
go da extensa e ampla avenida duas alas de
frondoso arvoredo, talvez da mesma data,,
não todo, por haverem caido com o peso dos
séculos e das tempestades differentes arvo-
res, que foram substituídas por outras, sendo
as ultimas plantadas pelo digno prelado
actual. Tem elle feito obras importantes tam-
bém no próprio paço e projecia fazer outras,
mas infelizmente as rendas da mitra são ho-
je insignificantes com relação ás d'oulra3
Deve-se também ao actual prelado a res.
tauração do jardim, dos repuchos, chafari-
zes e tanques.
Para evitarmos repetições, vide Fontello
n'este diccionario, tomo 3.» pag. 210,— e
n'esle artigo as pag. 1600, n.° 21; 1607, coj.
2.'; 1611, col. 2.» também; 1616, também
col. 2.»; 1625, col. 1.»; 1632, col. 2.«— e no
supplemeuto a este diccionario e a este ar-
tigo a longa biographia do cardeal D. Miguel
da Silva.
Vejam-se também os tópicos supra, — Edi-
1 Ainda em 1707 rendia 40:000 crusados
ou í6 contos de réis, como diz Carvalho na
Chorogr. Port. tomo 2.» pag. 182 mihi.
VOLUME
ficios brasonados, tí.° 9, pag 1551; Templos
actuaes, também n." 9, png. 1559— e Movi-
mento jornalístico, pag. 16il, col. 1.»
A quinta tem muita agua e bons chãos, que
produzem vinho, milho, batatas, hortaliça,
hervagens, ete.
O paço é um edifieio muito irregular, fei-
to em differentes datas, sem imponência nem
bellesas architectonieas, mas bastante e.spa-
çoso, com grandes salas e uma boa capella *
contigua, dedicada a Santa Martha e deco-
rada com preciosas pinturas attribuidas a
Grão Vasco, — pinturas de que faremos espe-
cial menção quando fallarmos d'aquelle
grande artista, inveja e assombro de Portu-
gal e do mundo \ . . .
Bacharéis formados filhos de Viseu
ou do seu concelho
—D. Gaudêncio José Pereira.
Foi cónego, vigário geral e governador
d'est9 bispado, — depois arcebispo de Myti-
lene e vigário geral do patriarchado de Lis-
boa— e é hoje governador do bispado de Por-
talegre.
V. pag. 1589, col. 1.» supra.
— O rev. Francisco Pereira Soromenho,
abbade de S. Miguel do Mato, professor de
historia ecciesiastica no Seminário diocesa-
no 8 natural da freguezia de Bodiosa.
Ambos os bacharéis supra são padres; os
que se seguem são leigos ou seculares, e
formados em direito:
— Antonio Francisco Santar do Amaral,
advogado.
— Antonio Joaquim Lopes da Silva, ixxiz de
direito na comarca da Fronteira.
1 Deve-se também ao actual prelado a res-
tauração d'esta linda capella e da grande
e vistosa varanda do nascente, que alcança
quasi todo o comprimento do Paço. E tam-
bém obra d'elle a formosa varanda do sul,
voltada para a magestosa e antiga matta, que
parece um pequeno Bussaco, e por onde fez
' uma commoda communicação para os jar-
, dins e quinta. .
109
1726 VIS
VIS
— Camillo Borges de Castro Azevedo e
J)íl?//o,. 2.° oíTicial do governo civil de Vi-
seu.
— Frederico d' Abreu Gouveia, chefe da 3.»
repartição na direcção geral de instrucçào
publica, no ministério do reino, natural de
Gumiei, freguezia de Ribafeita.
— Francisco Antonio da Silva Mendes.
Rezide em . Lisboa.
— Francisco de Mello Lemos e Alvellos, vis-
conde do Serrado.
— Joaquim José d^Andrade e Silva, advo-
gado e inspector da 6.» circumseripção es-
colar de instrucção primaria, em Viseu.
— José Barbosa de Carvalho, advogado.
— José Bernardino d' Abreu Gouveia, naíln-
ral da freguezia de Riba Feita, concelho de
Viseu; onde foi advogado. Casou no Minho
e reside em Velinho, concelho ãt Vianna.
— José Luciano Pereira Chaves Sôusa
Araujo, proprietário. Reside na sua casa da
Carriça, perto de Viseu.
— José de Mello Borges de Castro, advo-
gado.
— José Simoes d' Oliveira Martins, idem.
— Julio de Mello Borges de Castro, idem.
— Julio Pessanha Vilhegas do Casal, de-
legado do procurador régio em Mangualde.
Ladislau Pereira Chaves de Sousa Araujo^
proprietário.
— Manuel Antonio Barroso, idem e con-
servador em Viseu.
— Manuel Paes Pereira de Loureiro, advo-
gado.
Todos estes bacharéis são filhos da cidade
de Viíeu; os seguintes são filhos d'este con-
celho, mas residem em Viseu lambem:
— Domingos Bento Alexandre de Figuei-
redo Magalhães, advoga do e administrador
do concelho.
— Heilor de Lemos e Sousa, natural de villa
Chã de Sá, concelho de Vizeu, proprietá-
rio.
~ Valeriano de Queiroz Pinto de Alhaide
e Mello, idem, natural de Lourosa da Telha.
É também natural d'esi« concelho e n'elle
rezidente, mas na parochia de Farminhão,
o seguinte bacharel formado em direito:
— Francisco de Barros, deputado ás cor-
tes.
Bacharéis formados em medicina,
filhos de Viseu
— Alexandre Correia de Lemos, cirurgião
ajudante de cavallaria n.° 10, estacionada era
Aveiro.
— Antonio Correia de Lemos, clinico em
Viseu.
—Eduardo Augusto David e Cunha, idem.
— Eduardo Correia d' Oliveira, idem.
— Luiz Ferreira de Figueiredo, idem.
— Cesar Paes Martins, clinico em Santar,
concelho de Nellas, e clinico do hospital ci-
vil de Viseu.
É também natural de Viseu
— Silvério Abranches Coelho de Lemos e
Menezes, capitão d'engenheiros, bacharel for-
mado em philosophia e bacharel em malhe-
matica, sub-inspector da 2.» divisão mili-
tar, etc.
Rezidem n'esta cidade e n'este concelho
de Viseu outros muitos bacharéis formados,
que não mencionamos aqui, por serem filhos
de concelhos estranhos.
Fabrica de moagem
O sr. Joaquim Pereira da Silva montou
aqui em Viseu, em 1866, na margem direita
do Pavia, uma boa fabrica de moagem de
cereaes, movida pela agua d'aquelle rio no
inverno e por uma machina a vapor, na es-
tiagem, mas, como não tirasse d'ella vanta-
gens, fechou-a e cessou o fabrico em 1880;
— em 188i foi montar outra no Monde-
go, junto de Celorico da Reira, para onde
levou grande parle do material da de Viseu,
exceptuando a machina de vapor, que ficou
até hoje sem applieaçãol. . .
No edifício da fabrica de Viseu também
havia e ha ainda hoje um lagar d'azeite.
Policia civil
Em Viseu ha um corpo de policia civil,
creado em 9 de janeiro de 1877, sendo go-
vernador civil o ít. visconde do Serrado.
È composto de 31 guardas, 5 cabos de
VIS
VIS 1727
secção, 2 chefes de esquadra, 1 escrivão 8
1 commissario de policia.
O primeiro commissario foi o dr. Antonio
Xavier Pereslrello, que serviu até 21 de se-
tembro do mesmo anno, data em que foi
exonerado e substituído por Antonio Xavier
Correia Gomes, que tinha sido administra-
dor d'este concelho.
Serviu até o dia 26 de janeiro de 1886,
data em que foi nomeado inspector do sello.
Em 27 de janeiro do mesmo anno foi no-
meado coramissario da policia civil o dr.
José Barbosa de Carvalho, que tinha sido
também administrador d'este concelho.
Serviu aptiKii até o dia 12 de marido d'a-
quelle anno e em 27 do dicto mez foi subs-
tituído pelo sr. dr. Julio Pessanha Vilhegas
do Casal, que em 31 de maio do mesmo an-
no foi nomeado delegado do procurador ré-
gio, pelo que em 12 de junho foi provido no
logar de commissario da policia o dr. Pedro
Ferreira dos Santos.
Foi este nomeado conservador da comarca
de Oliveira do Hospital em 31 de dezembro
■do mesmo anno e desde então tem exercido
por accumulação as funcções de commissa-
rio da policia o administrador do concelho.
Este corpo de policia dá um destacamento
de 8 guardas, 1 cabo de secção e 1 chefe de
esquadra, para Lamego. O resto do corpo
faz serviço em Viseu.
Um dos dois chefes de esquadra, e muito
digno, é o sr. Manuel Augusto d'Almeida^
que nasceu em 18S1 na frcguezia de Carva-
lhal Redondo, concelho de Nellas. Foi mili-
tar no regimento de infanteria 14 desde 1873
até 1876; em 1877 assentou praça no corpo
da policia; em 1878 foi promovido a cabo de
secção e era 1881 foi promovido a chefe de
esquadra, indo destacado para Lamego, on-
de serviu até 20 de setembro de 1882 tão
distinetamente, que mereceu uma portaria
■de louvor com data de 21 de março d'aquelle
.anno.
FAMÍLIAS NOBRES DE VISEU
Parte I
Na actualidade
Este tópico é bastante melindroso. Fare-
mos por não magoar ninguém e para evi-
tarmos queixumes seguiremos a ordem al-
phabetica.
1.»
Albuquerques do Amaral Cardoso^ em Vi-
seu Morgados do Areo, porque o seu pala-
cete demora junto do arco de uma das an-
tigas portas da cidade, denominada Porta
dos Cavalleiros, na extremidade da rua d'este
nome, hoje rua Direita.
Para evitarmos repetições vejam-se os lo-
i^icos$uçTA, Edi ficios particulares, pag. 15S0,
n." 1 — e Edifícios brasonados particulares,
pag. 1553, n.° 16.
Esta família era uma das mais antigas,
mais opulentas e mais consideradas de Vi-
seu. O seu morgado mais antigo, que era o ^
dos Coutos, a 7 kílometros da cidade, foi
instituído em 1401 por Vasco Paes Cardoso,
da varonia dos verdadeiros Cardosos, senhor
de S. Martinho de Mouros e chefe d'esta fa-
mília, contemporâneo d'el-rei D. João I, seu
Vassallo e fidalgo da sua casa, alcaide mor
de Trancoso, senhor de Moreira de Rei, do
couto de Ervílhão e d'outras terras, bem
como dos direitos reaes dos Comíos, por
mercô do mesmo rei D. João I e do seu fi-
lho o infante D. Henrique, 1.» duque de Vi-
s u, de quem Vasco Paes Cardoso foi erea-
do. Em memoria dos infantes, filhos de D.
João I, estarem na casa d'elle n'aquella al-
deia, quando fizeram a composição com o
seu irmão bastardo conde de Barcellos, de-
pois duque 1." de Bragança, D. João I lhe
coutou aquellas duas aldeias, depois deno-
minadas Couto de Baixo e Couto de Cimay
doando-lhe também os direitos reaes d'el-
Ias.
Tudo isto se conservou na mesma família
até à menoridade de Gonçalo Cardoso de Vi-
Ihega", 6." neto de Vasco Paes Cardoso, sen-
do então dados estes direitos aos senhores
à'Alva.
Teve esta nobre família o padroado das
2 egrejas dos Coutos, que também perde-
ram,—e o da egreja de Argumil, junto da
Guarda, que ainda conservaram até 1834; —
e íoram também senhores do Reguengo de
1728 VIS
VIS
Gerniinade, em Lafões, da honra de Lorges,
do morgado de Amaraes, solar dos Amaraes,
em Pindo,— e de muitos vínculos em Viseu,
Tourais (concelho de Ceia) Celorico da Bei-
ra, Covilhã, Sernancelhe, Tabosa, Santa Eu-
femia, S. Francisco d'Orgens, ete.
Antonio d'Albuquerque do Amaral Cardo-
so, ultimo seBhor e representante d'esta ca-
sa e 14." neto de Vasco Paes Cardoso, casou
com sua prima em 6.» grau D. Emília Barba
Correia Alardo de Lencastre e Barros, filha
única e herdeira (?) do visconde do Ampa-
ro, Rodrigo Barba Correia Alardo de Len-
castre e Barros, senhor da opulenta casa
dos Barbas de Leiria, e teve 2 filhos.
N'esta riquíssima e nobilíssima casa, que
foi muitos annos a 1.» de Viseu, ainda em
1882 se hospedaram SS. MM. el rei o sr. D.
Luiz I e a rainha a sr.» D.Maria Pia, quan-
do foram inaugurar solemnemente a linha da
Beira Alta, mas hoje. . . toute est perdue I . . .
2.»
Almeidas, da Calçada, hoje Noronhas Fa-
ros ç MeneZ''S.
Esta família, posto que oriunda de Viseu
pelo lado do pae da actual senhora -d'esta
casa, veiu ha poucos annos estabelecer-se
aqui.
Demora esta casa ao cimo da rua da Cal-
çada: lera a frente para o largo do Collegio
e foi sempre dos Almeidas Tavares e Abreu,
senhores do morgado de S. Miguel, conhe-
cidos em Viseu por Morgados da Calçada,
com Capella no claustro da Sé.
O ultimo senhor d'esta casa— Antonio de
Almeida Tovar— morreu ha annos sem ge-
ração, pelo que lhe suceedeu na casa e mor-
gado sua sobrinha D. Margarida de Mene-
zes Tovar, da villa de Mões, junto de Castro
d'Ayre, filha de seu irmão, já fallecido, José
de Menezes, o qual tinha casado em Castro
d'Ayre com uma senhora, herdeira d'uma
casa n'esta vílla, e d'outra em Mões.
D. Margarida de Menezes casou com o seu
parente D. Henrique d'Azevedo Faro e No-
ronha, da casa da Soenga, em Rezende, de \
quem teve muitos filhos, um dos quaes— D.
Francisco de Noronha Lucena e Faro, te- I j
nente de engenheiros, e deputado ás cortes
na actualidade, casou em 1885 na villa de
Taboaço com D. Maria do Carmo de Macedo
Pinto, filha de Antonio Thomaz Ferreira de
Macedo Pinto e de D. Guilhermina Duarte e
Costa, já falleeidos, — senhora primorosa-
mente educada, sobrinha e uma das herdei-
ras da opulenta casa Macedos Pintos de Ta-
boaço, hoje uma das mais ricas do Douro,
muito distinetamente representada pelo di-
gno par do reino, dr. José Ferreira de Ma-
cedo Pinto, irmão do fallecido visconde de
Macedo Pinto. ^
Na dieta casa da Calçada vive hoje D.
Francisco de Noronha Lucena e Faro com a
esposa e uma filha, D. Guilhermina, de ten-
ra idade.
Veja-se o tópico supra — Edifícios braso-
nados particulares, pag. 1553, n.° 18.
3.»
Alvellos {Mello Lemos e) hoje viscondes do
Serrado.
Esta família possue por herança de seus
avós um dos vínculos mais antigos do rei-
no,—o de Alvellos,— \m{\{\x\Ao peio bispo de
Lamego D. Vasco Martins de Alvellos, na al-
deia d'este nome, onde nascera, junto de La-
mego 2. Aquella instituição tem a data do
anno de Ch. 1300; é escripta em latim e
ainda hoje se conserva o original em poder
do seu actual representante, o sr. visconde
do Serrado, Francisco de Mello Lemos e Al-
vellos, que descende por varonia do celebre
cónego Henrique de Lemos, fundador da casa
da Prebenda, de quem fallaremos adiante. O
seu appellido Mello vem dos senhores da
villa de Mello, por ter casado uma filha dos
senhores de Mello na casa da Torre da rua
1 É avaliada cm mais de 800 contos de
réis 1 . . .
Para evitarmos repetições vide Miragaya,
tomo V, pag. 269, eol. l.»;— Sendim, tomo
IX, pag. 103; — Taboaço, no mesmo vol. pag.
471,— e Vicente (S.) sitio, tomo X, pag. 516,
col. 2 » e segg.
2 Hist. Eccl. da Cidade e bispado de Lamego
por D. Joaquim d'Azevedo, pag. 46, n.» 12
VIS
VIS 1729
^ia Cadeia, em Viseu, cujos donos foram de-
pois também senhores da quinta de Santo
Estevam, da qual uma sr.'— D. Anna de
lHello—c&son cora Theobaldo de Lemos e
Alvellos, 14.» senhor do morgado de Alvel-
los e 5.0 avô, por varonia legitima, do sr.
visconde do Serrado^ bacharel formado em
direito, que tem sido por muitos annos go-
vernador civil de Viseu e que éSl.» senhor
do morgado d'Alvellos.
Casou cora sua prima co-irraã D. Cacilda
de Castello Branco, natural do Porto, e tem
muitos filhos e netos.
Vive na sua esplendida quinta do Serra-
do, junto de Viseu, em um forraoso palacete
cercado de bello arvoredo por 3 lados com
um lindo terreiro na frente, separado da rua
publica por um magnifico portão de ferro
brasonado.
V. pag. 1350, n." 6— e 1532, n.° 1.
4.»
Cardosos, de S. Miguel
Esta casa é hoje possuída pelos filhos de
José Cardoso de Sousa Lemos e Menezes,
ultimo senhor d'ella.
Vive esta família na quinta de S. Miguel,
separada de Viseu pelo terreiro de S. Mi-
guel, onde está a antiquíssima egreja de .S.
Miguel do Fetal reedificada, corao já disse-
mos.
V. pag. 1552, col. 2.' n." 3;— 1558, n.» 4;
1559, col. 2." n.° 7; 1568, col 2." também, e
1658, col. 1.» e 2.»
F. Manuel, profundo e consciencioso in-
vestigador das antiguidades de Viseu, disse
que esta casa e quinta, hoje da nobre farai-
lia Cardosos, foram residência dos prelados
e cónegos visienses, quando a egreja de S,
Miguel do Fetal era Sé, — e que nas mesmas
casas e quinta residiram os frades capuchos
d'Orgens, antes de se ínstallarem no oxtincto
convento de Maçorira, raas o santo homera
foi menos exacto n'este ponto, como nós já
dissemos e provámos no tópico relativo á
egreja de S. Miguel, pag. 1568, col. 2.»— e
quando fallàmos do convento de Santo An-
tonio, pag. 1658.
As dietas casas e quinta eram de David
Alvares,, pedreiro e mestre d'óbras, a quem
os frades capuchos as compraram, para n'el-
las residirem, corao residiram algum tempo,
exercendo os oíBcios divinos— não na igreja
de S. Miguel, como alguém diz, mas em ca-
pella própria que erigiram nas mesmas ca-
sas, como diz o padre Sousa.
V. loc: cit. pag. 1658, col. 2.*
Alguém diz também que nas mesmas ca-
sas viveram algum tempo os congregados do
Oratório, antes de se estabelecerem no largo
de Santa Chrislina, mas isto é também me-
nos exacto, como já dissemos supra, pag.
1651.
Prosigamos.
Esta família, como diz a Memoria de Fran-
cisco Manuel Correia, procede de José Car-
doso, rico cidadão de Viseu, que no século
passado obteve por emprazamento a mencio-
nada quinta que foi do pedreiro David Al-
vares e posteriormente dos capuchos, pelo
que ainda se vêem nas casas muitos vestí-
gios de terem servido de convento.
Casou José Cardoso com uma senhora da
nobilíssima casa da Trofa, ^ e assim obteve
para os seus descendentes os títulos e ap-
pellidos dos senhores da dieta casa— Lemos
e Sousa, aos quaes uniram outros com dif-
ferentes allíanças que contrahiram e altos
cargos que exerceram.
Vive hoje na mencionada casa e quinta
Bernardo de Lemos de Aguilar, distincto en-
genheiro civil e fiscal da linha da Beira Alta
(filho do fallecido conselheiro do supremo
tribunal de justiça Bernardo de Lemos Tei-
xeira d'Aguilar) por haver casado com uma
das filhas e herdeiras de José Cardoso de
Sousa Lemos e Menezes, ultimo senhor da
mesma quinta.
Tem suecessão, assim como a outra irmã,
filha de José Cardoso, casada com João Ca-
bral Soares de Albuquerque, senhor da an-
tiga casa dos Cabraes de Guimarães, no con-
celho de Tavares.
5.»
Chaves (Pereira) Manuel.
^ i V. Trofa, vol. IX, pâg. 749, col. 2.«
1730 VIS
VIS
Está família é antiga, muito considerada
e estimada em Viseu e alliada cora outras
muitas familids de primeira ordem na Bei-
ra, taes como os Soares d'Alhergana, de
Oliveira do Conde, — Loureiros, seniiores da
casa e solar de Lo\ire\vo,—Alhuquerques, da
casa da Insua,— Carraí/jos, da casa do Poço,
em Lamegc,— Sousas de Villa Meã, juoto
de Tarouca, i Leitões, de Lamego e do Por-
to, hoje condes de Gouveia,— Mewáonfas Fal-
cões de Girabolhos, Guarda e S. Salvador de
Viseu, etc. etc.
É hoje senhor e muito digno represen-
tante d'esta casa Ladislau Pereira Chaves
Manuel de Sousa e Araujo Borges, bacharel
formado em direito, que tem sido repeti-
das vezes provedor da Misericórdia de Vi
seu, cavalheiro respeitabilissimo, já de pro-
vecta idade e com suecessão, commendador
da Ordem de Christo, etc.
Vive na sua casa da rua de S. Miguel,
mas tiveram ouira casa nobre no Miradouro,
junto do largo do Collegio, casa que seu pae
vendeu ao negociante José d'Almeida Cam-
pos e que é hoje do filho d'e3te— Joaquim
d'Almeida Campos.
V. Edifícios brasonados particulares, pag.
1553, n." 14 e 22. 2
6.»
Lemos Nápoles, ou Nápoles da Prebenda.
Loc. cit. n." 5.
Esta família era uma das mais antigas e
mais importantes de Viseu.
Principiou no cónego Henrique de Lemos,
F. C. R., dr. em cânones e homem de tanto
merecimento que el-rei D. João III o no-
meou visitador do convento de Santa Cruz
de Coimbra.
Era filho de Fernando de Lemos, também
1 Foi ultimo representante d'esta nobilís-
sima casa, hoje extincta, Affonso de Sousa,
fallecido em Lamego, solteiro e sem sueces-
são. já depois do meado d'este século.
2 José d'Almeida Campos viveu com gran-
de fausto no Porto e ali se suicidou estanno
de 1888, sendo já de provecta idade e dire-
ctor do Banco União.
F. C. R. e veiu de Portel, do Alemtejo, onde
rezidiam seus paes, que se diziam descen-
dentes dos verdadeiros Lemos, senhores da
Trofa.
Este cónego teve muitas egrejas e bene-
fícios, entre elles duas prebendas, e deu prin-
cipio ao palacete denominado da Prebenda,
por ser edificado no chão de uma das suas
prebendas, com um bello quintal que, não
sendo muito grande, ainda em 1860 só em
hortaliça rendeu 600)^000 réis I . . .
Também mandou fazer á sua custa o so-
berbo cruzeiro do largo de Santa Chrislina,
em 1563, formado por um monolitho com
mais de 26 palmos d'altura, segundo diz Bo-
telho, Dialogo 4.» cap. 10.
Vinculou a dieta casa e quinta da Pre-
benda, unindo-lhe muitos bens em Moure
(na freguezia de Abraveses) edando-lhe por
cabeça a capella que ainda hoje se vé na Sé,
á direita de quem entra, fundação sua como
diz a inscripção que n'ella está.
Para evitarmos repetições, vide pag. 158,
col. 2."
Instituiu aquelle morgado em 1551; no-
meou primeiro administrador d'elle um seu
filho— Antonio de Lemos, F. C. R.— e conti-
nuou o dicto morgado por varonia legitima
em seus descendentes até sua bis neta D.
Marianna de Lemos, que casou com o seu
parente Bernardo de Nápoles e Lemos, se-
nhor da casa dos Nápoles de Penacova, cuja
varonia de Nápoles contiouou também até
á sua bis-neta D. Maria de Bourbon e Nápo-
les, herdeira e successora. Casou esta com
Luiz Pereira de Mello Soutomaior, senhor de
Barbeita, no Alto-Minho, alcaide mórde Ca-
minha, moço fidalgo e senhor da casa de S.
Luiz no Porto, junto das Fontainhas, etc, a
qual já não conserva o actual senhor d'eàta
casa, seu neto e homonymo Luiz Pereira de
Mello e Nápoles, solteiro, e já de 50 annos;
mas tem sobrinhos, filhos das suas duas ir-
mãs—D. Maria dos Prazeres, já fallecida,
bem como o marido, que era filho 2.° da ca-
sa dos Albuquerques do Arco,— e D. Maria
Izábel, residente na Lagiosa, concelho de Ce-
lorico da Beira, viuva de seu primo Antonio
Homem da Cunha Corte Real de Linhares.
D'estes Lemos do cónego descendem por
VIS
VIS i731
varonia mais duas casas notáveis àa Vi-
seu — a dos Lemos Alvellos, do Serrado,
mencionada supra,— e a dos Lemos de S.
Gemil, da qual vamos oecupsr-nos.
7. »
Lemos de S. Gemil.
Esta família, ramo 2.» por varonia legiti-
ma dos Lemos da casa da Prebenda, é hoje
representada por Heitor de Lemos e Sousa
de Pina e Aragão, bacharel formado em di-
reito e ainda solteiro. Rezide em uma das 3
casas que possue em Viseu e procede por
varonia legitima de Antonio de Lemos de
Sousa e Távora, seu 4." avô, filho 2.» de Theo-
baldo de Lemos e Alvellos, 14.° senhor do
morgado de Alvellos (Vide familia 3.* su-
pra) mas da sua 3.» mulher D. Luísa de Tá-
vora, natural de LisbOA, filha de D. Manuel
de Sousa e Távora, motivo porque esta fa-
mília USOU sempre estes appellidos alé hoje,
— menos o de Tovora, depois da extincQão
dos Tavoras em 1759.
Este D. Manuf-l de Sousa Távora era ramo
legitimo e varonia dos Sousas, senhores de
Beringel, cuja primogenitura foi para os
marquezes das Minas; e procedem também
por varonia de D. Martim AíTonso Chichor-
ro, rico-homem e filho natural reconhecido
d'el-rei D. AíTonso HL De sorte que esta fa-
milia (exceptuando apenas a geração de D.
Luisa de Távora) prouede por varonia legi-
tima d'el-rei D. AíTonso Hl, o que é raro nas
famílias da província.
8. »
Loureiros de Queiroz.
Esta familia é hoje representada pelo vis-
conde de Loureiro, filho do 1.° barão de
Prime— Luiz de Loureiro de Queiroz Car-
doso do Couto Leilão, que foi senhor da an-
tiga casa de Prime a uma légua de Viseu,
— e do importantíssimo praso de Corgos, á
Nogueira,— e do morgado de Silvas, em Cas-
tello Branco, a que pertenciam a barca de
Montalvão e o antiquíssimo praso de Pero
Soares, junto da Guarda, que ainda conserva
uma torre dos tempos feudaes.
Foi também senhor das casas de Abrave-
ses, junto de Viseu, e do antigo morgado das
Briisseiras, no Alemtejo, instituído no sé-
culo XVI pelo dr. Alvaro Cardoso, filho 2."
dos Costas Cardosos da Porta do Prado, em
Trancoso, etc.
O morgado das Brv.sseiras andou na casa
de Prime até Rodrigo de Sousa e Mello (no
melado do ultimo século) o qual deixou só
uma filha bastarda, que continuou a admi-
nistrai o, e depois d'ella seus descendentes
alé seu bisneto, i." barão de Prime, Luiz de
Loureiro, mas logo que falleceu Rodrigo de
Sousa disputaram aquelle vinculo à sua fi-
lha bastarda (bisavó do barão de Prime)
Francisco de Abreu Castello Branco, de For-
nos d'Algodres (avô paterno do 1.° conde de
Fornos) e outros parentes. Durou esta ma-
crobia demanda tres gerações nas duas fa-
mílias, ou 77 annos, terminando em nossos
dias a favor do 1." conde de Fornos, juiz do
supremo tribunal, que reivindicou do barão
de Prime aquelle morgado, pelo que o vis-
conde de Loureiro, filho do 1.» barão de Pri-
me, teve de dar ao conde de Fornos mais de
20 contos, só de rendimentos.
Na Beira não ha memoria d'outra deman-
da tão longa I. . .
O 1.° barão de Prime casou com D. Maria
da Gloria, filha única e herdeira da Antonio
Teixeira de Carvalho e Sampaio, moço fi-
dalgo, senhor da Casa dos Ernesfos de Cimo
de Villa, em Viseu, — da grande quinta de
Marzovellos junto de Viseu— do vinculo de
Villar Secco, em Nellas, e do antigo praso do
Fojo em S. Pedro de France, que compre-
hendia também o palacete de Cimo de Villa,
em Viseu, onde actualmente vive a baro-
nesa de Prime, hoje condessa do mesmo ti-
tulo.
Tiveram um filho unieo
—Luiz de Loureiro Cardoso de Mesquita.
Suecedeu na casa a seu pae, o qual deixou
em arras a sua mãe a casa de Prime, que
ainda possue, apesar de haver passado a se-
gundas núpcias i e de baronesa a viscon-
dessa e condessa de Prime.
1 Casou em segundas núpcias com José
1732 VIS
VIS
Este Luiz de Loureiro foi feito visconde
de Loureiro;— casou com D. Antónia da Sil-
va Mendes, filha do grande proprietário João
da Silva Mendes— e teve 2 filhos:
— Luiz de Loureiro de Queiroz, casado no
Porto com bom dote, e
— D. Eugenia de Loureiro, a qual casou
com seu primo 2.° José Relvas, de quem jo-
go fallareraos, filho de Carlos Relvas, grande
proprietário na GoUegã, e de sua mulher D.
Margarida Mendes, prima co-irmã de sua
mãe 6 filha dos condes de Podentes.
9.»
Pessanlias, da rua da Cadeia.
Esta família procede d'uma família nobre
de Figueiró, a 6 kilomelros de Viseu, e é
hoje representada por Eduardo Pessanha Vi-
Ihegas do Casal, residente em Viseu.
Casou com D. Joaquina de Faria Couti-
nho, de Mondão, e tem os filhos seguintes:
i." — Vasco Luiz Pessanha Villiegas. Resi
de na sua casa de Figueiró, que herdou de
seu tio-avô José Gaudêncio Vilhegas do Ca-
sal, e casnu com sua prima co-irmã D. Car- '
lota Saraiva de Sampaio, filha do visconde
da Quinta do Ferro (irmão de sua mãe) e da
viscondessa D. Maria do Carmo, -enhora da
casa e quinta do Ferro, junto de Trancoso i.
Tem suceessão.
Julio Pessanha Villiegas do Casal,
que foi commissario da policia civil era Vi-
seu e é hoje delegado do procurador régio
em Mangualde.
Francisco Pessanha, que foi alferes
de infanteria, mas deu baixa e casou com
sua prima co-irmã D. Virgínia Saraiva de
Sampaio, irmã de sua cunhada supra e filha
primogénita dos viscondes da Quinta do
Ferro, junto de Trancoso.
Rezidiramm na sua casa de Villar Maior,
concelho do Sabugal e agora rezidem na casa
e quinta da Prebenda, que arremataram na
praça de Viseu.
Porfirio Rebello, de Lisboa, tenente gradua-
do de infanteria, do qual tem 4 filhos.
1 V. Villar Torpim, tomo XI, pag. 1287,
col. 2." J
V. Villar Maior, tomo XI, pag. 1242, co-
lumna 2."
í.°—Ballhasar Pessanha Vilhegas do Ca-
sal
Casou com D. Augusta, filha única e legi-
timada de Thomaz Antonio Bandeira da Ga-
ma e Mello, filho 2."' da nobre família Ban-
deiras^ da Torre Deita, senhores da casa de
Fragoas, solar dos Bandeiras, e chefes d'esta
família em Besteiros.
Vive com o sogro na sua bella rezidencia
dos Coutos de Cima, a 8 kilomelros de Vi-
seu, c. g.
10.*
Queirozes Pintos.
Esta família não era oriunda de Viseu,
mas possuía ali a antiga quinta do Cruzei-
ro, que herdára de uma senhora, sua avó,
dos appellidos Serpe e Mello, que d'esta
quinta foi casar era Favaios, concelho de
Alijó, em Traz-os-MoDtes, com José de Quei-
roz.
O representante e primogénito d'esta fa-
mília—Bento Queiroz Pinto d'Alhaide e Mel-
lo— era filho de Miguel Pinto de Queiroz
Serpe de Mello, de S. Nicolau, moço fidalgo,
senhor da casa dos Queirozes e vinculo de
Santo Antonio era Favaios,— da de S. Nico-
lau d'Alcangosta no Fundão, — do grande
praso de Lourosa da Telha a 5 kilometros de
Viseu,— da quinta do Cruzeiro, em Viseu, e
da de Covello na freguezia de France, etc. —
e de sua mulher e prima co-irmã D. Augus-
ta Cândida Pinto Guedes, da nobilíssima ca-
sa do Arco em Villa Real de Traz os Mon-
tes
Casou Bento de Queiroz com sua prima
2» D. Eduarda Augusta Pereira Pinto d'Al-
meida e|Vasconcellos, da nobre casa dosiíe-
beiros de Sanla Eulália de Ceia, filha 2.» do
senhor d'aquella casa— Luiz Ribeiro d'AI-
meída e Vasconcellos, moço fidalgo com
exercício, cuja irmã D. Augusta casou com
Fernando d'Almeida Cardoso de Sequeira,
fidalgo muito conhecido em Viseu, senhor
i V. Villa Real, tomo XI, pag. 996, col.
1.» e segg.
VIS
VIS 1733
da grande e antiga casa dos Cardosos de
Lour iro e Moreira e de um bom palacete
brasonado no meio da rua Direita, o qual,
não tendo successão, depois de abolir os vín-
culos e de vender boa parte dos seus bens,
deixou aquelle palacete, a quinta de Tonde-
linha e outros muitos bens à sua viuva— D.
Maria Augusta;— e esta, fallecendo approxi-
madamente era 1874, instituiu por univer-
sal herdeira a dieta sua sobrinha D. Eduar-
da, mulher de Bentu de Queiroz, pelo que
em seguida foram eslabelecer-se em Viseu
no referido palacete, onde residem ainda
hoje (1888).
Tem esta família uma boa casa era Santa
Eulália, concelho de Ceia, da legitima de D.
Eduarda e da de suas tias paternas, que
lhe deixaram mais duas quintas em Cozelhas,
junto de Coimbra, e uma boa casa de habita-
ção junto do largo do Muzeu, em Coim-
bra, casa que foi fundada pelo celebre vice-
reitor da Universidade José Monteiro da Ro-
cha, í na qual as dietas senhoras residiam e
falleceram.
1 Foi o primeiro mathematico e um dos
homens mais sábios de Portugal no seu tem-
po, pelo que, apesar de ser padre ejesnila,
o marquez de Pombal se acercou d'elle e lhe
dispensou muitas finesas, dando-lhe o ca-
pello de dr. grátis, e sendo seu padrinho na
doutoração, etc. etc.
Collaborou activamente na reforma da
Universidade em 1772. Foi elle quem orga-
nisou a faculdade de malhemalica e creou o
observatório astronómico; foi elle também
um dos 3 primeiros lentes d'aquella facul-
dade,—o primeiro director do observatório
e o primeiro mestre dos nossos príncipes
(depois reis) D. Pedro IV e D. Miguel, etc.
Diz-se que era natural da villa de Cana-
veses e filho de paes obscuros. É certo que
hoje não tem ali parente algum, mas em
compensação ha muitos parentes d'elle ain-
da na Villa de Vallongo, netos e bisnetos de
um irmão que ali casou.
Também nos consta que outro irmão se
estabeleceu em Braga e fez muitas das anti-
gas figuras de barro que se vêem nas ca-
pellas do Bom Jesus
O dr. José Monteiro da Rocha teve uma
quinta junto da foz doTedo, no Alio-Douro,
e outra em S. José de Ribamar, junto de
Bento de Queiroz falleeeu em 12 de ja-
neiro de 1886 deixando de sua mulher duas
filhas gémeas— D. Augusta e D. Marianna,
das quaes a primeira vive ainda em Viseu
com sua mãe e irmã, tendo casado com seu
tio paterno, o dr. Valeriano Pinto de Quei-
roz d'Athaide e Mello, do qual tem filhos
ainda na infância.
li.»
Silvas Mendes.
Esta família procede de João da Silva
Mendes, negociante, o qual ganhou no com-
mercio e nas rendas da mitra grossos cabe-
daes I Foi cavalleiro da O. Ch. e casou com
a sua parente D. Eugenia Cândida da Silva
Mendes, muito rica também.
Compraram a grande casa que tinham em
Viseu os barões de Mossamedes, hoje con-
des da Lapa, comprehendendo um bom pa-
lacete na rua da Regueira com uma bella
cerca ou quintal, que se prolonga desde as
4 quinas d'aquella rua até o pórtico da ave-
nida do paço episcopal de Fontello, cerca
toda guarnecida d'âlto muro e este de uma
formosa parede de loureiros antigos, em to-
da a circumferencia, na extensão de 2 kilo-
raetros, approximadamente.
Com esta sumptuosa vivenda compraram
também a grande quinta de CabanÕes, que
comprehende as duas aldeias de Cabanões
de Cima e Cabanões de Baixo, a 3 kílometros
de Viseu, por onde passa a nova estrada
districtal a maeadam, n." 44, que vae para
Nellas e Ceia,— quinta que rende mais de
sessenta moios ou de 3:600 alqueires de mi-
lho?!...
Constando que esta sr.» D. Eugenia coa-
djuvou a causa liberal com importantes som-
mas em 1826 a 1828, foi culpada e presa no
tempo do sr. D. Miguel, pelo que, sendo já
Lisboa, onde falleeeu em 11 de dezembro de
1819.
V. Canaveses e Vallongo no supplemento
a este diecionario, onde ampliaremos consi-
deravelmente esta noticia com apontamen-
tos inéditos que a muito custo temos colli-
gido.
1734 VIS
VIS
viuva, foi agraciada em 1837 com o lilulo de
baronesa da Silva. Do seu consorcio com
João da Silva Mendes teve os filhos seguin-
tes :
i-'— -D. Maria Cândida da Fonseca Men-
des.
Casou cora Francisco Antonio de Campos,
barão de Villa Nova de Foscôà, s. g.
V. Villa Nova de Foscôa, tomo XI, pag.
847, eol. 2.» e segg.
2.»— D. Ritta da Silva Mendes.
Casou com Daniel Nunes Viseu, também
rico proprietário e negociante d'esta cidade,
e teve
—Henrique Nunes Viseu, de quem falla-
remos adiante.
3.0 — Francisco Antonio da Silva Mendes da
Fonseca.
Succedeu a seu pae e falleceu em vida de
sua mãe em 1831, estando emigrado por
motivos politicos em Paris.
Foi cavalleiro da O. Ch. e um doscontra-
etadores dos ta-baeos e das reaes saboarias,
— e casou depois da guerra da península com
D. Margarida da Costa e Almeida, irmã dos
generaes José Maria da Costa e Silva e vis-
conde de Tavira, todos tres filhos do infeliz
coronel Francisco Bernardo da Costa Al-
meida, tenente rei da praça d'Almeida quan-
do esta foi sitiada pelos francezes e explosiu
em 1810, pelo que foi injusta e barbara-
mente fuzilado por influencia de Beresford,
para salvar a responsabilidade do seu cunha-
do, o brigadeiro inglez Guilherme Cox, en-
tão governador da mesma praça, o qual, de-
pois de ouvir o conselho de guerra, capitu-
lou e entregou a praça aos francezes, por
não poder sustèntar-se depois da medonha
explosão do paiol, que fez voar o Castello e
desmantelou a praça, matando muita gente
e inulilisando as munições de guerra e de
boeea, etc. ^
1 V. Almeida n'este diceionario e no sup-
plemento; — Villar Formoso, tomo XI, pagina
1216, — e Vimeiro da Lourinhã no mesmo
vol. pag. 1442, eol. 1.»
Dos logares citados se vô que o procedi-
mento d'alguns ofificiaes inglezes em Portu-
gal durante a guerra da península foi muito
Francisco Antonio Mendes tirou brasão
d'armas de Silvas Mendes por alvará de 13
de setembro de 1818, e do seu casamento
com D. Margarida da Costa e Almeida teve
os filhos seguintes:
1. °— João da Silva Mendes que segue;
2. " — D. Liberata, de quem logo fallaremos.
3. °— Francisco Antonio da Silva Mendes,
bacharel formado em direito, governador ci-
vil de Viseu, deputado ás côrtes em di0"e-
rentes legislaturas, etc.
Comprou no Rocio de Santo Antonio, hoje
Passeio de D. Fernando, uma casa que foi
do cónego Agostinho Valente e Iraosfor-
mou-a em um lindo palacete, o mais regu-
lar de Viseu talvez.
! Está solteiro e vive em Lisboa, costuman-
j do vir passar em Viseu apenas alguns dias
i por oecasião da feira de S. Matheus.
I 4." — Antes de casar teve também D. Eu-
genia da Silva Mendes, da qual fallaremos
adiante.
João da Silva Mendes (n." 1) succedeu em
[ grande parte d'esta casa e, não tendo um
[ curso superior de lettras, foi muito illustra-
do, dislineto escriptor publico e orador tam-
I bem distincto.
Em defesa do infeliz tenente-rei, seu avô,
escreveu e publiéou um livro, ^ no qual o
vindica bem das injurias e calumnias com
que Beresford pretendeu macular o caracter
censurável e muito censurado; mas, como os
inglezes todo lo mandavam entre nós in illo
tempore^ nada soíTrerara — e até o marechal
Beresford não hesitou em tirar aleivosamente
a vida a ura brioso coronel portuguez, para
salvar Guilherme Cox, seu pairicio e cwn/m-
do?!...
1 Memoria Biographica do Coronel Fran-
cisco Bernardo da Costa e Almeida, tenente
da praça d' Almeida em 1810, por João da
Silva Mendes, mandada publicar pela viuva
e filha do author— revista e accrescentada
por Antonio Ribeiro da Costa e Almeida, —
Porto, 1883, 4.» de 300 pag. XXXllI com a
dedicatória e uma advertência.
É um livro muito interessante e muito di-
gno de ler-se.
VIS
VIS 1735
de Ião honrado como illuslrado e brioso mi-
litar,—publicação que muito bonra o auetor,
a sua família e o nosso paiz, pois todo o
paiz lamentou injustiça ião atroz e tão fla-
grante, que o nosso rei D. João VI, estando
ainda no Brazil, mandou rever o processo e
rehabilitou a memoria d'aquelle desgraçado,
despachando e adiantando os seus dois fi-
lhos na carreira militar a-lé o posto de ge-
neraes, em que faileceram nos nossos dias
Falleceu João da Silva Mendes sendo mui-
to vigoroso ainda, pois não contava talvez 50
1 O infeliz tenente-rei era natural de Al-
meida e bacharel formado em mathematiea,
filho de José Bernardo da Costa e de D. Ma-
ria Victoria. Casou com D. Antónia Josefa e,
alem dos filhos meneiooados supra, teve ou-
tro de nome Pedro Maria da Costa e Almei
da, também natural d'AimpÍda, quô fci veri-
ficador da Alfandega no Porto e depois es-
crivão da mesa grande. Casou em Viseu com
D. Bita Emilia de Vilhegas e teve os filhos
seguintes :
—D. Maria da Luz da Costa Fon«eca e
— D. Antónia Emilia da Cosia Vasconcel-
l09, ambas casadas em Baião.
—D. Margarida Amália da Costa Maya,
hoje viuva do dislint-tisslmo advogado e pro-
fessor do lyeeu do Porio, o dr. Delfim Maria
de Oliveira Maia, c. g.-e
—Antonio Bibeiro da Costa e Almeida,
bacharel formado em direito, professor tftm-
bem no lyceu do Porto e actualmente gover-
nador civil d'aqui:'lle districio, tendo sido
deputadó ás cortes em diíTerentes legislatu-
ras, etc.
Nasi-eu em Viseu no dia 21 de setembro
de 1828 e desde 1832 tem vivido no Porto,
onde cason com D. Maria Emilia Mendes
Pacheco, fallecida em 1871, da qual teve 7
filhos, sendo vivos actualmente os seguinte?:
— D. Margarida Amélia da Costa e Almeida,
Luiz Augusto da Costa e Almeida, Manuel
Maria da Costa e Almeida, medico em Be-
zende, Antonio Bibeiro da Costa e Almeida
Juuior, bacharel formado em direito, e João
Maria Bibeiro da Co^^la e Almeida.
O sr. dr. Antonio Bibeiro da Costa e Al-
meida, neto paterno do infeliz tenente rei,
foi lambem muitos annos vogal do conselho
de districto do Porto, procurador e presi-
dente da junta geral do mesmo districto, etc.
É um cavalheiro de raro merecimento,
muito modesto, muito illuslrado e distineto
escriptor publico.
annos, e a sua morte foi muito sentida em
Viseu, onde tinha grande prestigio.
Havia casado em S. S-oão d'Areias com sua
prima D. Eugenia da Silva Mendes, filha
única e herdeira de José Cupertino Marques
da Silva, medico e bom proprieiario,— e dei-
xou os filhos seguintes :
1. °—D. Antónia da Silva Mendes, já fal-
lecida.
Casou com o visconde de Loureiro, Luiz
de Loureiro de Queiroz Cardoso, ^ filho do
i.° barão de prime, dos quaes já se fallou
supra, e teve D- Eugenia de Loureiro da
Silva Mendes, casada com seu primo 2." José
Belvas, filho do grande proprietário da Gol-
legã e distineto pholographo Carlos Belvas,
como já dissemos,— e Luiz de Loureiro Car-
doso, casado no Porto.
2. °— D. Maria do Ceu da Silva Mendes,
ainda solteira e que vive com sua mãe al-
ternadamente èra Viseu, Lisboa e S. João de
Artrias.
Fui uma senhora formosíssima e é talvez
a primeira pianista- da Beira, tendo sido
admirada mesmo em Lisboa!.,.
D. Eugenia da Silva Mendes, filha natu-
ral de Francisco Antonio da Silva Mendes
supra.
Foi creada por sua avô a baronesa da Sil-
va^ que a educou primorosamente e lhe deu
um grande dote em dinheiro, terras e jóias
para casar, como casou, com seu primo co-
irmão Henrique Nunes Viseu, filho de sua
tia D. Bita, como já dissemos supra.
Falleceu contando pouco mais de 30 aa-
uns e deixou um i única filha — D. Eugenia
Nunes de Viseu, que foi lambera primorosa-
mente edueada e passou muitos annos via-
jando por toda a Europa e Lisboa com seu
pae.
Depois da morte d'elle succedeu era to-
da a casa e foi agraciada cora o titulo de
viscondessa de S. Caetano pela sua liberali-
1 Era senhor defuma grande casa, mas in-
felizmente toute est perdue ! . . .
1736 VIS
VIS
dade para com os pobres e desvalidos, pois
sendo ainda solteira e dispoDdo de grandes
rendimentos, gasta os todos em soeeorrer os
mendigos, os presos da cadeia de Viseu, as
viuvas e orphãos e toda a sorte de desvali-
dos 6 necessitados. Repelidas vezes lhes dá
inclusivamente banquetes, a que preside,
roupas e avultadas esmolas, causando as-
sombro n'este século de egoisrao tanta cari-
dade e generosidade!
Em todo o districto de Viseu ninguém
despende hoje mais com os pobres e desva-
lidos do que a viscondessa de S. Caetano, pelo
que o seu nome é bemdito por todos.
Vive só e ainda solteira na sua bella quin-
ta de S. Caetano, freguezia de Ranhados, a
meio kilometro de Viseu; é uma senhora
muito illustrada e falia correctamente diver-
sas linguas.
Deus lhe prolongue a existência- largos
annos. ^
4.°— D. Liberata da Silva Mendes, filha le-
gitima de Francisco Antonio da Silva Men-
des supra.
Casou cora o medico Jeronymo Dias de
Azevedo, natural de Podentes, freguézia do
concelho de Penella,^ o qual se tornou ce-
lebre em 1828, porque, acabando eniào de
frequentar o 4.» anno medico na Universi-
dade, entrou na revolução liberal que se fez
DO Porto a 16 de maio do mesmo anno, pelo
que foi conderanado por sentença de 9 de
julho de Í829 a dar 3 voltas em roda da
forca, confiscação de todos os bens e degre-
- Prolongou-lha apenas alguns dias, pois
falleceu a bondosa senhora nos princípios de
junho do corrente anno de 1888.
No seu testamento deixou toda a sua casa
em Uíu-fracto a uma senhora de Lisboa e
por morte da dieta senhora á Misericórdia de
Viseu para fundação e dotação de um Azylo
de Mendicidade cora o nome de Azylo da
Viscondessa de S. Caetano.
Tendo gasto cora os pobres grande parte
das suas rendas, ainda por ultimo instituiu
os pobres por herdeiros í. . .
Deus a tenha em bom logar.
2 V. Podentes, vol. 7.° pag. 113, col. 2.»
do perpetuo para Benguella, com pena de
morte se voltasse ao reino. ^
Depois de 1834 e da installação definitiva
do governo liberal, volveu ao reino; foi exer-
cer a clinica em Viseu, onde casou com esta
senhora; metteu se na alta politica; foi de-
putado em diflerentes legislaturas e gover-
nador civil do Porto e de Viseu, par do rei-
no, visconde e conde de Podentes, ele.
Tirou brasão d'armas de Dias e Azevedos
por alvará de 23 d'abril de 1852 e falleceu
em 1886 na sua bella residência de Condei-
xa, que formou sobre um hospício das ex-
tinctas ordens religiosas, prestando àquella
villa outros muitos serviços, pelo que em
j abril do corrente anno (1888) a camará de
Condeixa deu a um largo d'ella o nome de
Conde de Podentes.
Deixou uma única filha, ainda solteira —
D. Margarida da Silva Mendes que falleceu
nos principies do corrente anno de 1888, ten-
do casado na GoUegã com o rico proprietá-
rio Carlos Relvas, deixando, entre outros fi-
lhos, José Relvas que, segundo já dissemos,
casou em Viseu com sua prima 2.» D. Eu-
genia, filha do visconde de Loureiro, e tem
successão.
12.*
Teixeiras de Carvalho (Ernestos de Viseu)
hoje condes de Prime.
Esta família procede de José Teixeira de
Carvalho, que no ultimo quartel do see. xviii
era cavalleiro da O. Ch., sargento mór re-
formado da 1.' plana da corto e ajudante de
ordens do general da província da Beira.
Ganhou grandes sommas no contracto do ta-
baco, em que foi sócio do barão de Quin-
tella, e nos fins do ultimo século, quando se
extinguiu em Viseu a familia Cosias Ho-
mens Soutomaiores, uma das mais nobres da
provinda, arrematou ou comprou a grande
quinta de Marzovellos, junto de Viseu, e o
grande praso do Fojo, na freguezia de Ca-
vernães, a 7 kilometros da mesma cidade,
—praso tão antigo, que o dr. Botelho aponta
uma renovação d'elle, feita no sec. xv 1. ..
1 V. Porto no mesmo vol. pag 133.
VIS
VIS 1737
Também comprou a residência d'aquella
familia em Viseu, no Cimo de Vtlla, alto da
rua Direita,— casa que depois reformaram e
transformaram no belJo palacete que é hoje
do conde de Prime e no qual se vê o brasão
d'armas de
—José Ernesto Teixeira de Carvalho, filho
e sueeessor de José Teixeira de Carvalho.
Tirou o fôro; foi cavalleiro da O. Ch. e senhor
de um vinculo em Villar Secco, antigo con-
celho de Senhorim, junto de Santar, e mor-
reu em 1831, tendo casado com D. Maria
José de Sampaio, irmã do visconde de Labo-
rim, da qual, entre outros filhos que morre-
ram s. g., teve
—Antonio Teixeira de Carvalho e Sam-
paio, que^egue,
— D. Maria Eduarda.
Casou com Antão Garcez Pinto de Madu-
reira, tenente general e barão da Várzea do
Douro, s. g., e
—Pedro Carlos Teixeira de Sampaio.
Casou cora D. Maria Emilía d'Albuquer-
que e Bourbon, filha 2.» da casa do Arco em
Viseu, c. g.
António Teixeira de Carvalho e Sampaio,
supra, F. C. R., succedeu no vinculo de Vil-
lar Secco, no3 prasos de Marzovellos e Fo-
jo, e na casa de Viseu, etc. Casou com D.
Maria Thomasia da Rocha, natural do Por-
to, e tiveram uma uoica filha
— D. Maria da Gloria Teixeira de Carva-
lho. !
Casou a primeira vez com Luiz de Lou- I
reiro de Queiroz Cardoso do Couto Leitão,
comraendador da O. Ch., administrador ge-
ral do districto de Viseu em 1837, senhor
das casas de Prime, Abravezes, Viseu, quin-
ta de Travassos, casal d'Alvellos junto de
Viseu, 6 de um bom edificio brasonado na
rua de S. Miguel, em Viseu, 1.» barão de
Prime, etc, e tiveram um filho único
—Luiz de Loureiro, que foi feito viscon-
de de Loureiro, em rasão de sua mãe e pa-
drasto continuarem com o titulo de Prime,
— e casou com a viscondessa D. Antónia da
Silva Mendes, filha de João da Silva Mendes,
como já dissemos supra,
A baronesa de Prime D. Maria da Gloria
casou 2." vez cora José Porflrio Rebello, co-
mo já dissemos também supra; foram feitos
viscondes e depois condes de Prime e tive*
ram os filhos seguintes:
i°—José Porfírio Rebello, ainda solteiro e
empregado na alfandega.
'í.'— Fernando Rebello, casado e emprega-
do no correio.
3.°— Antonio Rebello, casado e também
empregado publico na repartição de fazenda.
i.°—Luiz Rebello, ainda solteiro.
FAMÍLIAS NOBRES DE VISEU
Parte II
Exíincfas ha menos de um século
1.»
Mellos Castros d' Abreu, condes de Santa
Eulália.
Foi esta familia extineta pela morte do 1.°
conde de Santa Eulália e único. Falleceu sem
testamento e sem geração legitima d'elle e de
seus irmãos no dia 24 de setembro de 1886,
representando uma das famílias mais opu-
lentas de Viseu. Calculava-se esta casa em
300 a 400 contos de réis, comprehenden-
do muitas propriedades, lettras e dinheiro
em cofre e nos bancos, posto que já o irmão
primogénito do conde tinha vendido por 30
contos a José Joaquim Pereira dos Santos,
depois (em 1851) 1.° barão de Fornellos, o
paço de Fornellos, em Rezende, * antigo so-
lar da familia Teixeiras Pinto, da qual des-
cendia a avó materna do conde.
Esta familia tinha muitos bense uma an-
tiga casa de residência em Viseu e talvez
mais de 80 moios, ou de 4:800 alqueires de
pão, de renda; duas casas antiquíssimas com
muitos prédios e grandes rendas em Oli-
veira de Frades, e a antiga casa de Santa Eu-
lalia dos Coutos no concelho de Castendo,
1 V. Rezende, tomo VIII, pag. 160, col. 2.*
— e Villa Verde, quinta, vol. XI, pag. 1101,
col. 2.» também.
O dieto paço e suas dependências valiam
mais de 60 contos de réis . .
1738 VIS
VIS
procedente dos Figueiredos, pois descendiam l
por varonia de Braz de Figueiredo Castello \
Branco, chanceler da relação do Porto, que |
viveu nos principios do sec. xv e foi senhor j
do morgado de Gondomar^ morgado que
continuou no ramo primogénito— firiYos, de
Coimbra.
Braz de Figueiredo era um dos numero-
sos descendentes do bispo de Viseu D. Gon-
çalo de Figueiredo, o anchinho, patriarcha
dos Figueiredos da Beira, i— e pelos Mellos
o conde de Santa Eulália descendia dos Mel-
los de Lnzinde, ramo legitimo dos senhores
de Mello.
O conde de Santa Eulália,— Antonio Au-
gusto de Mello Castro e Abreu— nào deixou
sobrinhos nem parentes próximos; são pois
em cardume os herdeiros presumptivos que
pleiteiam a herança, porque deixou muitos
parentes dentro do 6." grau por todas as li-
nhas.
Só em 3." e 4.° grau se andam habilitando
7 parentes:— 3 irmãs da casa de Fataunços,
em Lafões; 2 senhoras bastardas da mesma
familia; João de Mena Falcão, de Pinhel, e
D. Maria Victoria, de Sebolido no Douro.
Em 4.» grau canónico deixou vinle e tantos
parentes; em õ.° grau deixou 40 a 50— e em
6." grau deixou talvez mais de 80 1 . . .
Como a fortuna é grandefervilham também
os agiotas e larápios, ou compaphias d'ollio
vivo; já appareeeram diversos testamentos
que se julgam falsos, um pretendido filho
natural, etc. ete.
Tarde acabarão as demandas, pelo que a
justiça é uma das melhores herdeiras, e lam-
bera já se apontam grandes roubos de mo-
bília, jóias, leltras e títulos. ^
» V. pag. 1603. supra, n.» 36.
2 Dois dos pretendidos herdeiros são da
freguezia da Penajoia, concelho de Lamego
— Dionísio Teixeira de Macedo e Castro, ali
residente, e seu irmão Joaquim Teixeira de
Macedo e Castro, residente em Setúbal.
Das companhias d'olho vivo foi uma for-
mada no Porto, mas já está a ferros um dos
socios,~outro prestou fiança — e outros an-
dam a monte I . . .
2. »
Costas Homens Soutomaiores, de Viseu.
Esta familia extinguiu-se por falta de suc-
cessão no ultimo quartel do século xviii e
vivia em uma casa antiga que depois foi
restaurada e transformada no palacete que
é hoje dos condes de Prime, como já disse-
mos, quando fallámos da familia n.° 12, —
Teixeiras de Carvalho.
Estes Costas Homens foram uma das famí-
lias mais nobres e mais importantes de Vi-
seu durante alguns séculos, e procediam dos
Costas Homens^ padroeiros da Lagiusa, bem
como o celebre cavalleiro de Comorhn que,
na opinião d'alguns auetores, foi um dos 12
de lDglaterra,-companheiros do lendário Ma-
griço na romântica empresa cantada por Ca-
mões.
V. Cêa, tomo 2.' pag. 223.
3. » ^
Loureiros, senhores do solar de Loureiro
n'este concelho, a 7 kilometros de Viseu, e
que também tinham casa brasonada na rua
do Soar de Baixo.
Passavam por ser os chefes e ramo primo-
génito dos Loureiros em Portugal, foram
os fundadores e dotadores da freguezia de
Silgueiros, visioba do solar de Loureiro, cu-
jo morgado foi instituído no sec. xni ouxiv;
— e foram também até 1834 padroeiros da
dieta egreja, que tinha um passal magnifico,
doado pelos fundadores. João Annes de Lou-
reiro 8 sua mulher e depois seus successo-
res em 1551 obtiveram um breve do papa
Julio III para annexarem ao vinculo dos
Loureiros duas terças partes dos dizimos
d'aquella freguezia, que era muito grande,
ficando a outra terça constituindo a côn-
grua do abbade.
Esta casa D'outro3 tempos valia mais de
200 contos e foi ultima senhora d'ella D.
Maria Emilia de Loureiro, prima direita,
herdeira universal e viuva de Manuel Cazi-
miro de Loureiro, que era o senhor d'esta
casa e falleceu c. g. Depois aquella senhora,
tendo mais de 60 aúnos^ casou em seguidas
VIS
VIS 1739
núpcias com o seu parente Henrique de Le-
mos, de 30 annos, filho 2.» dos Lemos de S.
Gemil e irmão de Heitor de Lemos, senhor
da casa (V. Famílias principaes de Viseu,
n." 7) ao qual Henrique de Lemos a dieta
senhora por sua morte deixou em 1883 tam-
bém toda a casa de Loureiro.
Ficou pois Henrique de Lemos senhor de
uma grande fortuna, mas em poucos annos
desbaratou-a ioda I
O celebre e antiquíssimo solar de Lou-
reiro com suas paredes e torres ameiadas,
e bella quinta pegada com malta etc, foi
tudo arrematado em praça, para pagamento
de dividas do ultimo senhor dVlla, por insi-
gnificante preço por um negociante de vinhos
em Lisboa, que trouxe fortuna do Brazil,
chamado Samos Lima, natural de Cazal San-
cho, fregue2ia de Santar, concelho de Nel-
las, e é quem hoje possue este solar.
Um dos homens mais notáveis que pro-
dusiu esta familia foi o Grão Capitão Luiz
de Loureiro, morgado e senhor de Lourei-
ro, F. C. R., do conselho d'el-rei D. João 111,
governador e capitão general das seguintes
praças fortes d'Africa— Çafim, Santa Cruz do
Cabo de Agner, Marzagão, Arzilla e Tangere
e adail mór do reino, heroe de grandes faça-
nhas bellicas em Africa nos reinados de D.
Manuel e D. João HL Militou na Africa du-
rante 43 annos e foi morto gloriosamente
pelos mouros, depois de os ter vencido, na
noute de 13 de março de 1553, como dizem a
Hist. de Tungere do conde da Ericeira, e a
Historia do Grão Capitão, livro 3." cap. 44,
obra hoje raríssima, publicada em Lisboa no
anno de 1782 por Lourenço Anastácio Me-
xia Galvão. Alem de um filho— Luiz Annes
de Loureiro— que lambem foi morto na
Africa pelos mouros, contando apenas 14
annos, deixou mais duas filhas, as quaes,
uma apoz outra, foram ambas senhoras do
Dobilissimo solar de Loureiro. Casou a 1.»
com o 4." senhor de Penafiel — Lopo Peixoto
de Mello,— e a 2.» com D. Lopo da Cunha,
senhor de Santar,— ambas s. g. pelo que
passou a dita casa ao ramo immedialo col-
lateral do Grão Capitão, do qual descendem
03 ultimes senhores d'ella.
O nobilíssimo solar de Loureiro estava
dividido em duas casas pegadas, cada uma
com sua capella e sua torre ameiada, e com
brasões e vínculos diílcrentes.
Uma das mencionadas torres (a mais no-
va) linha esta inscripção;
Torre solar da família de Loureiro,
mandada construir por seu 14.° senhor
João d'Alkeida de Loureiro
Representavam duas famílias difi^erentes
formadas em tempos muito remotos por dois
irmãos da mesma casa de Loureiro; assim
se conservaram com vínculos próprios du-
rante séculos,— e vivendo a paredes meias
e sendo ambas as famílias do mesmo sangue,
com o tempo malquistaram-se de fórma que
se tornou tradicional o odio entre ellas. De-
pois de grandes desgostos congraçaram-se
pelo casamento do herdeiro de uma com a
herdeira da outra, i apesar da grande oppo-
sição dos paes, que chegaram a tapar as ja-
nellas fronteiras, apenas notaram a recipro-
ca aíTeição dns futuros cônjuges, seus filhos.
Esta nobilíssima casa é o solar da familia
Loureiros em Portugal, pelo que sempre
usou do appellido Loureiro; Loureiro é lam-
bem o nome da povoação que se formou, com
o decorrer do tempo, em volta da dieta casa
pelos caseiros d'ella,— e na grande cerca da
casa e em toda a povoação de Loureiro bro-
tam espontaneamente por toda a parte os
loureiros I
* Ura facto muito semelhante se deu com
uma das primeiras famílias do Minho — a fa-
milia Bretiandos, pois no seu solar de Bre-
tiandos havia duas casas também pegadas,
com vínculos próprios e d ifff rentes, instituí-
dos no reinado de D. Sebastião por ígnez
Pinta, senhora da dieta casa, — um morga-
do para o filho primogénito— e outro para
o filho segundo. Assim se conservaram lam-
bem as duas casas divididas até que nos fins
do ultimo século se juntaram lambem pelo
casamento do» paes do 1.° conde de Bretian-
dos, avós do 3.* e actual conde d'este titulo.
V Chorogr. Port. tomo 1.°, pag. 208.
1740 VIS
VIS
4. »
Almeidas e Vasconcellos de Mello e Ahreu,
de Santo Estevam.
Esta familia também desappareceu em
nossos dias, approximadamente em 1860,
pela morte da ultima senhora d'esta casa—
D. Maria Caudida d'Almeida Vasconcellos
de Mello Abreu e Carvalho, viuva de Luiz
Augusto de Nápoles e Bourbon, senhor da
casa dos Nápoles da Prebenda, em Viseu, por
ter fallecido s. g.
Depois de muitas demandas com Antonio
de Mello Caiado, de Trovões, herdaram esta
casa e quinta de Santo Estevam D. Maria
Cândida de Lemos Carvalho e Sousa, viuva,
(irmã de Marianno de Lemos, da Quinta do
Ribeiro, i e avô do barão do Seixo) e sua ir-
mã D. Maria Ludovina de Lemos Carvalho
e Sousa, também jà viuva, mãe do desem-
bargador Bernardo de Lemos Teixeira de
Aguilar, as quaes venderam a quinta de
Santo Estevam e mais bens d'esta casa aos
drs. Andrades, de Cimo de Villa, em Viseu.
A casa da Torre, da rua da Cadeia (onde l
nasceu el-rei D. Duarte 2) que pertencia
também por successão á familia de Santo
Estevam, foi vendida ao dr. Francisco Bar-
roso, ex-deputado, e é hoje da viuva e filhos.
A grande Quinta de Santo Estevam per-
tence hoje a Bernardo d'Andrade, filho, e
sobrinho dos compradores, que vive no Por-
to, casado com uma sobrinha do visconde
de Fragosella, capitalista brasileiro, resi-
dente também no Porto, mas filho de Ranha-
dos, no concelho de Viseu.
Bernardo d' Andrade restaurou a dieta ca-
sa, fez-lhe na frente um bello jardim e n'ella
costuma ir passar alguns mezes no verão.
5. »
Loureiros Serpes de Sonsa e Mello, da
quinta do Cruzeiro em Viseu.
1 V. Paredes da Beira e Villa Nova de Ou-
rem.
2 V. Edifícios brasonados particulares su-
pra, pag. 1552, col. 2.» n.« 11.
Esta familia, posto que não extincta, não
vive, ha mais de um século, na sua quinta
do Cruzeiro, que demora junto do portão da
grande avenida' do paço episcopal de Fon-
tello e tomou o nome do Cruzeiro, por ter
sobre o portão que dá entrada para o pateo
uma linda cruz de granito arrendada
Esta familia viveu ali séculos eom muito
lustre, sendo uma das primeiras de Viseu.^
Os seus representantes foram senhores do
grande praso de Lourosa da Telha, a 5 ki-
loraetros d'e8ta cidade, e da grande quinta
do Covello na freguezia de S. Pedro de Fran-
ce, etc ; depois, por falta de successão no
ramo primogénito, passou esta casa toda pa-
ra o ramo 2." representado nos nossos dias
pelo distinctissimo e honradissimo cavalhei-
ro Miguel Piuto de Queiroz Serpe de Mello,
de S. Nicolau, moço fidalgo com exercício,
senhor da casa e morgado de Santo Antonio
de Favaios e d'esta casa do Cruzeiro, bem
como da de Lourosa da Telha^ da quinta do
Covello e do morgado de S. Nicolau em Al-
congosta, no Fundão, etc.
Por causa das perseguições politicas dei-
xou a sua casa de Favaios em 1834 e foi
viver na de Lourosa da Telha, que elevou a
grande rendimento com enorme plantação
de vinhedos, e ali falleceu ha annos.
Nas partilhas tocou a quinta do Cruzeiro a
um dos seus filhos— o dr. Henrique de Quei-
roz Pinto d'Athaide e Mello, o qual mandou
reformar a bella habitação do Cruzeiro, mas
nunca ali viveu. Sendo já viuvo e s. g.,
casou segunda vez em 1887 com D. Maria
José de Lemos e Azevedo, da quinta da Cruz,
na freguezia de Casteljões, em Besteiros, fi-
lha de José Maria de Lemos de Azevedo, ir-
mão de Marianno de Lemos mencionado su-
pra.
1 Conhecemos na Beira mais 3 cruzes no
mesmo estylo:— uma na frente da egreja de
Sendim, concelho de Taboaço, — outra na
frente da formosa capella ou sanctuario dos
Martyres, pertencente a nobre familia Aze-
vedos, hoje muito dignamente representada
por Marianno de Lemos d'Azevedo, em Pa-
redes da Beira,— e outra no sanctuario de
Nosòa Senhora das Fontes, imlo de Pinhel,
sendo esta ultima a mais mimosa de todas
VIS
VIS 1741
Henrique de Queiroz, actual possuidor da
quinta do Cruzeiro, é irmão do falleeido Ben-
to de Queiroz e do dr. yaleriàno Pinto de
Queiroz, ambos filiios (mais 4 irmãos e 2
irmãs) do sobredito cavaljieiro Miguel Pinto
e de sua mulher D. Augiista Vaz Pinto de
Athaide, da casa do Arcoae Villa Real, co-
mo já dissemos supra m tópico das famí-
lias principaes de Viseu, ú' 10.
Casas e quintas notáveis m Viseu e nos seus
arrabaldes, mas não hmtadas pelos seus
antigos donos. 1
.... j
i
. Ortiz de Vilhegas, em V^eu.
Esta casa em estylo maibelino meio-go-
thico demora no largo do ollegio; tem na
frente 4 janellas gothieas nklto ornamenta-
das com columnas ao centij, olhando para
o Collegio, antigo Serainari({ A parte poste-
rior olha para o Campo da^Feira, Cava de
Viriato, Abravezes, ete. donnando um vas-
tíssimo e lindíssimo horisore.
É um dos mais interessates miradouros
de Viseu— e Miradouro se djiominava anti-
gamente o chão em que foieita, junto dos
velhos muros, pelo abbade|e Castellões e
chantre de Viseu Fernando )rtiz de Vilhe-
gas, sobrinho de D. Diogo Qiz de Vilhegas
bispo visiense, i pelo que jàni 1630 a 1636
o dr. Botelho nos seus Diã^gos lamentou
que o dicto chantre fosse fa^ ali casa, to-
lhendo um dos mais lindos jisseios de Vi-
seu ao Miradouro e que titia mais bellas
vistas. E o escândalo subiule ponto, de-
pois que a familia Chaves, nncionada su-
pra sob o n,° 6, fez também oirano mesmo
sitio, ao lado da dos Vilhegas
Esta casa pertenceu aos seiores de Mol-
leio?, porque, como diz àHisÇeneal. da C.
B., tomo 12, fl. 23, o chantre indador teve
uma filha única, D. Leonor Ok, a qual ca-
sou com o senhor de Molleloao qual des-
1 V. o nosso catalogo supr
col. 1.% n." 52.
VOLUME XI
pag. 1609,
cendem os actuaes, e já n'este século foi a
dieta casa comprada por um cónego, de al-
cunha o bonito, da familia Bandeiras da Ga-
ma, de Torre Deita, que lhe poz o seu bra-
são de Mellos sobre o arco do portão de en-
trada.
As armas dos Ortiz de Vilhegas, postas
pelo fundador, lá se vêem também ainda em
um escudete sobre a cornija, e são perfeita-
mente iguaes ao brasão qm D. Diogo Ortiz
collocou na riquíssima abobada da Sé, como
já dissemos supra.
V. pag. 1577, col. 1.» e segg.
Casa dos Lopes de Sousa e Lemos, de San-
tar.
N'este palacete, hoje Grémio Visiense, ain-
da nos séculos xvii e xviii viveram muitos
avós de D. Ruy Lopes de Sousa Alvim e Le-
mos, de Santar, dos quaes adiante, no tópico
dos Visienses illustres, mencionaremos um,
que foi quem acelamou em Viseu el-rei D.
João IV,— e ainda hoje na Sé se vêem for-
mosas campas de mármore com inscripções
e o brasão dos Lopes de Sousa, da dieta ca-
sa, senhores e padroeiros das abbadias de
Bordonhos e Várzea em Lafões, etc.
O dicto palacete foi queimado pelos fraa-
cezes e assim se conservou em ruinas até
que, já depois do raeiado d'este século, o sr.
D. Ruy Lopes o restaurou luxuosamente.
Faltavam-lhe apenas algumas decorações de
pintura, quando n'elle se manifestou em
certa madrugada ura incêndio que em pouco
mais de uma hora o reduziu todo a cinzas 1
Ficou tão magoado o sr. D. Ruy que vendeu
logo o dicto palacete com o quintal a uma
das sociedades recreativas de Viseu, a qual
n'elle funcciona com o titulo de Grémio Vi-
siense, depois de restaurado.
Ê um edifiL'10 muito regular com seu
frontão e uma bella varanda envidraçada so-
bre a rua Formosa, em sitio alio e alegre,
com a frente voltada para o Passeio de D.
Fernando e dominando-o todo.
Era brasonado, mas o sr. D. Ruy Lopes,
quando o vendeu, lirou»lhe o brasão.
V. Santar.
110 *
1742
VIS
VIS
3.»
Casa antiga com janellas gothicas de co-
lumna ao centro.
Demora esta casa a meio da rua Direita;
as suasjinellas são muito ornamentadas em
puro esiylo gothico e n'este género ^% pri-
meiras de Viseu. Semelham-se às da casa
dos Vilhegas, ao Miradouro, descriptas já
n'este tópico sob o n.° 1; são porem mais
ornamentadas e mais antigas talvez;— mais
antigas mesmo talvez do que o janellão go-
thico da celebre casa da Torre, na rua da
Cadeia.
A casa de que no momento nos occupa-
mo.-( nunca foi habitada em nossos dias, e
até já está descoberta. Pertence a Joaquim ;
Soares da Silveira, genro do dr. Francisco !
Barroso, proprietário que foi da casa da \
Torre. Devia pertencer outr'ora a família I
muito importante, mas ignoramos qual
fosse.
4.»
Casa dos Paes.
Defronta com a rua da Ribeira ou estrada
real n.° 7, e olha para a rua da Calçada.
Foi feita por um tal sr. Paes, de familia
obscura e pobre, cujo chefe no seu regresso
de uma peregrinação á Terra Santa foi es-
tabelecer-se em Viseu e, inculcando se ao
povo como homem de grande piedade, o po-
vo o seguia, attendia e respeitava quasi como
santo, pelo que, abrindo peditório geral para
a fundação de um hospício ou casa de edu-
cação para meninos pobres, todos de bom
grado o auxiliaram com dinheiro, madeiras,
serviço pessoal, etc, e assim fundou a gran-
de casa de que nos oecupamos e que é muito
ampla e foi bera acabada 1 Tem um bom
claustro com varandas em volta, assentes
sobre columnas; balaustrada de pedra muito
bem lavrada; bons portaes eom apilarados e
janellas com um colarinho circular por ci-
ma, etc, mas, depois de concluir o edifício,
raeiteu-se n'elle com a familia e n'elle viveu e
morreu sem dar- lhe outro destino! Parece
porem que Deus o castigou, pois todos lhe
voltaram as costas; viveu como excommun-
gado o resto dos seus dias; morreu pobrís-
simo;— e pobríssimos viveram e morreram
todos 03 seus filhos e filhas, cobertos de an-
drajos e de vergonha e entregues a toda a
casta de vícios!. ..
5.'
O palacete dos morgados de Santa Chris-
tina.
Foi de Manuel Nicolau Cardoso d'Abreu
Magalhães^ que en 1834, abandonando a sua
bella residência le Gavinhas, freguezia de
Oliveira do Hosptal, para fugir aos insultos
dos Brandões deVIidões, que ao tempo eram
o açoute e terro da Beira, fazendo pendant
com 08 Marçaesâe Foscôa, açoute e terror
do Alto Douro.* foi viver na sua casa da
Povoa d'Arenos, concelho do Carregal, on-
de falleceu haannos, deixando a casa de
Santa Christin e mais morgados á sua fi-
lha primogenit D. Maria Augusta de Mello
e Mendonça d'.breu Magalhães. Casou esta
senhora em sçundas núpcias eom Manuel
de Mendonça hleão da Cunha e Távora, se-
nhor da casa d Girabolhos e, fallecendo s. g.
em 1881, deixu o usofructo de toda a sua
casa a este seiíndo marido, que falleceu em
fevereiro de i8ò, passando a dieta casa a
uma sobrinh da testadora, — D. Ignez de
Abreu, filha o 2." conde de Fornos d'Aigo-
dres, casada )m Gelásio Valério de Maga-
lhães, nalursda Ovoa, concelho de Santa
Combadão, ode reside, pelo que esta casa
continua arndada a differentes inquilinos,
como tem arado desde a invasão franceza.
É um dosnelhores e mais regulares pa-
lacetes de Veu, com seu frontão e n'elle as
armas dos ardosos, Mesquitas e Abreus.
1 V. Mids, Oliveira do Hospital, Taboa,
Várzea daandosa. Várzea da Mervje, Vi-
de, íreguez do concelho de Geia, Villa No-
va de Foèa, tomo XI, pag. 842, col. 2.%
ProvezendXovao 7.» pag. 709, col. 1 ', e Lá
Vendetta c O saldo de contas, por Arsênio
Chatenay,ieudonymo de Antonio da Cunha
nascido eiLourosa e residente em Várzea
de Trcvõecomo dissemos loc. cit. no tomo
X, pag. 2.
I
VIS
VIS 1743
Tem a frente principal sobre o terreiro de
Santa Christina e uma boa frontaria também
sobre a rua da Regueira, hoje rua de D.
Luiz I.
6.»
O palacete de Francisco Antonio da Silva
Mendes.
Demora ao cimo do Largo de Santo Anto-
nio, hoje Passeio de D. Fernando ;— é uma
das casas mais luxuosas e mais elegantes de
Viseu— e tem um bello frontão com as ar-
mas dos Silvas Mendes, i mas hoje está de-
voluta, porque o seu proprietário Francisco
Antonio da Silva Mendes (irmão do mallo-
grado João da Silva Mendes, de quem já fal-
íamos e outra vez fallaremos ainda no tó-
pico dos Visienses illustres, bacharel formado
em direito, governador civií que já foi e de-
putado em difíerentes legislaturas, depois de
exercer estes cargos fixou a sua residência
em Lisboa, onde vive solteiro, vindo apenas
alguns annos a Viseu por oceasião da Feira
franca.
A Judiaria
Foi tão inconstante e atribulada a oecu-
pação de Viseu pelos mouros desde o se-
cuio viK até o berço da nossa monarchia
(veja-se o tópico supra — Captiveiro e con-
quistas de Viseu) que não se encontram mo-
numentos alguns d'elles n'esta cidade, nem
nos seus arrabaldes, alem dos nomes d'al-
gumas povoações, taes como Barbeita, cam-
po da casa,— a Algeriz, corrupção de Alderiz,
Jogar das debulhas ou eiras, como diz Fr-
João dc Sousa nos seus Vestígios da lingua
arábica.
Também nos arrabaldes de Viseu se en-
coniram ainda hoje sepulturas cavadas na
rocha, vulgarmente attribuidas aos judeus,
mas não podemos subscrever esta opinião,
porque, conco diz Berardo, 2 «os doutos ain-
lia não diáserão couza satisfatória de semi-
Ihantes sepulturas, e neste cazo a confissão
1 Para evitarmos repetições, veja-se o tó-
pico das Famílias principaes de Wiseu, n.°
II.
2 Liberal, n.° 1 de 6 de maio de. 1857.
da nossa ignorância he o partido mais se»
guro, que podemos seguir.»
O mesmo Berardo aponta 5 das taes se-
pulturas junto do logar de Alderiz e outras
a pequena distancia o que na opinião de
alguém prova que existiu ali um cemitério
de judeus.
Ê porem innegavel que em Viseu houve
uma Judiaria ou bairro onde os judeus, de-
pois da oeeupação christã, viviam separa-
dos, como viveram em outras muitas povoa-
ções do nosso paiz 2; mas onde estava a Ju-
diária de Viseu?
— No local hoje denominado Cimo de Vil-
la, como diz terminantemente Berardo nas
suas Memorias, citando o velho tombo do
Hospital de S. Lazaro.
Teve pois Viseu uma Judiaria e Judiaria
populosa e tão importante, que foi séde da
uma das 7 ouvidorias judaicas outr'ora con-
cedidas pelos nossos reis aos judeus, como
se lê algures, 3— e em 1534, como já dissemos
no tópico relativo ao Couto da Sé, os judeus
visienses occupavam os primeiros legares da
cidade. Elles foram vereadores e procura-
dores do concelho, almotaeés e thesoureiros
da camará, ete. Assim foi nomeado thesou-
reiro n'aqueile anno Henrique Mendes, ju-
deu e negociante, — e muito mais tarde ain-
da existiam e se apontavam entre as fami-
1 Sepulturas do mesmo género abundam
em todo o nosso paiz. Na freguezia de Forno
Telheiro, concelho de Celorico da Beira, ha
um estendal de mais de 20 em volta do pre-
tendido penedo baloiçante de S. Gens, e em
Moreira de Rei, concelho de Trancoso, já nós
vimos mais de 501. . .
2 V. Miragaya, freguezia do Porto, vol. V,
pag. 296 e 322; Victoria, freguezia também
do Porto, vol. X, pag. 616 c 641— e a Me-
moria sobre os judeus, por Joaquim José Fer-
reira Gordo, nas Memorias da Academia
Real das Scieneias, tomo 8 •
3 O ouvidor da Beira Alta residia em Vi-
seu; o da Beira Baixa na Covilhã; o d'En-
tre Douro e Minho, no Porto; o de Traz-os-
Montes em Moncorvo; o da Estremadura em
Santarém; o do Alemlejo em Évora— e o do
Algarve em Faro.
Monarch. Lusil. parte 6.» pag. 16, col. 1.»
— e Memoria de Ferreira Gordo, pag. 16
também.
1744
VIS
lias prineipaes de Viseu algumas de origem
hebraica.
O sr. Francisco Pereira Cardoso, curioso
investigador e analysia das antiguidades de
Viseu, diz que tem rasões fundadas para
crer que a synagoga d'elles existiu na rm
Nova, quasi defronte da sua habitação, em
Viseu.
CONCELHO DE VISEU
Cir cumscripção actual
Este concelho até 1836 teve uma circum-
seripção muito differente. Logo diremos qual
era; mas, em virtude do decreto de 6 de no-
vembro d'aquelle anno, confina ao norte e
noroeste com o rio Vouga. Apenas tem a
freguezia de Calde na margem direita d'este
rio. A N. E. confina com o concelho de Sa-
iam; a E. com os rios Satam e Dão; a S. com
o concelho de Tondella — e a O. com o de
Vouzelia.
Comprehende as 31 freguezias seguintes;
— Abraveses, Barreiros, Boa Aldeia, Bo-
diosa, Calde^ Campo, Cavernães, Cepões^
Couto de Baixo, Couto de Cima, Fail, Far-
minhão, Fragozella, Franee, Lordosa, Lou-
rosa, Mondão, Orgens, Povolide, Ranhados,
Ribafeita, Rio de Loba, Salvador, Santos
Evos, S. Cypriano, Silgueiros, Torre Deita,
Vil de Souto, Villa Cliã de Sá, Viseu — orien-
tal—e Viseu— Occidental.
Administrativa, civil e judicialmente con-
ta as 32 freguezias supra, mas ecelesiastica-
mente conta apenas 27, porque as fregue-
zias de Rio de Loba, Ranhados e S. Salva-
dor são annexas e parte integrante da fre-
guezia Occidental da Sé de Viseu, — eas fre-
guezias de Abraveses e Orgens são annexas
e parte integrante da freguezia Oriental da
Sé.
Para evitarmos repetições, vide pag. 1528,
col. i." e segg. supra, — e para evitarmos
confusões seguiremos a enumeração oííi-
cial dos censos de 1864 e 1878 — e do Mappa
das Dioceses relativo à circumscripção dio-
cesana de 1882.
Conta pois actualmente o concelho de Vi-
seu :
VIS
Superfície em hectares 30:972
Freguezias 31
Fogos 1 11:409
Almas 30:135
Prédios inscriptos na matriz 86:767
Contribuições
No ultimo anno (1887) pagou este conce-
lho as seguintes:
Predial 19:1
Industrial 6:i94i^693
Decima de juros 4:084^816
Sumptuária
Districtal 2:
Camarária , 39:644^985
Verba de sello l:205i^461
Real d'agua 14:335)^564
Total 87;946í^249
Producções
No mesmo anno de 1887 as producções
prineipaes d'este concelho foram as seguin-
tes, — segundo a nota offlcial que noa foi
dada:
Litros
Trigo 1.136:855
Milho 4.444:300
Centeio 2.225:800
Cevada 1.000.000
Feijão , 369:994
Batatas 6.299:700
Castanhas ^ —
Azeite 25:414
Vinho branco 9.966:634
» tmto 9.744:802
1 Referimo-nos á população indicada no
censo de 1878, mas hoje, 1888, a população
deve ser muito superior.
2 Produz lambem muitas, mas não pode-
mos obter nota d'ellas.
VIS
VIS 1745
Movimento da sua estação telegrapho-postal
em 1885^
Sellos e outras formulas de fran-
quia l:52oi^805
Premio de emissão de vales — 386^850
Cartas porteadas 24^600
Cobrança de recibos, leltras, ete. 6|!800
Telegrammas que foram pagos. i:008|i625
Total 2:952^680
Rios e ribeiras principàes que banham
este concelho
i.°—Rio Vouga.
Nasce no Chafariz da Lapa, concelho de
Sernancelhe; banha o concelho de Viseu
desde a povoação de Macieira, freguezia de
CepÒes, até á de Ribafeita, e depois de re-
ceber o Agueda e outros tributários, des-
agua na ria d'Aveiro.
V. Vouga, rio.
±'—Rio Dão.
Separa o concelho de Viseu do de Man-
gualde;—o de Nellas do de Ceia— e o do
Carregal do de Taboa, e morre no Mondego,
no sitio de Foz-Dão.
V. Dão, rio, n'este diecionario.
S.^—Satam.
Nasce na freguezia das Romãs, concelho
de Satam; banha e limita parte d'e8te'de Vi-
seu a leste— e desagua no Dão, no sitio de-
nominado Moinho do Inferno (?) junto da
ponte de Fagilde.
V. Satam.
4.» — Rio Pavia.
Nasce na serra da Mina, freguezia d'Abra-
vezes; banha a cidade de Viseu a N, O.— e
desagua no rio Dão, a 2 léguas de Viseu.
Também se denominou, e não sabemos se
ainda hoje se denomina, Ribeiro das Mestras
ou das feiticeiras, porque outr'ora o povo
julgava encontrar n'elle a cada passo bru-
xas e feiticeiras banhando-se, e n'elle costu-
mavam ir banhar-se os doentes na noite de
S. João, esperando ser curados pelas taes
1 Não podemos obter nota posterior.
mestras, contra o que se insurge o dr. Bote-
lho, dedicando a tão momentoso assumpto os
capítulos 5.» e 6.° do seu Dialogo í.°, desde
pag. 38 até pag, 47 ? ! . . .
É este o celebrado Pavia dos poemas de
Thomaz Ribeiro.
b."— Ribeira de Trouce, Trousse, Trouxe,
Trosse ou Trouço ! . , .
Nasce nas jameiras de Moure, freguezia do
Campo; atravessa a estrada real n." 7, de Vi-
seu a S. Pedro do Sul, e morre no Vouga,
um pouco a jusante da foz do rio Sul.
Até aqui os meus apontamentos, mas na
Memoria (amda ms.) que Berardo, sendo
administrador d'este concelho, offereceu à
camará em 1838, eneontra-se um i¥appa das
ribeiras do concelho de Viseu com designação
dos' engenhos movidos pelas agoas, e ali se
mencionam as ribeiras seguintes :
Na freguezia de Barreiros a ribeira de
Brufe com 2 moinhos e 2 rodas de moer pão,
e 4 moinhos d'âzeite.
Na freguezia de Cepões as ribeiras de Sei-
xal, Covello, Parozillos e Sovaco, tendo esta
ultima 32 moinhos de pão com 39 rodas.
Na freguezia de Lordosa as ribeiras de
Lavaodim, Regadinha, Ribeirinha e Celorico,
tendo esta ultima 28 moinhos com 45 rodas
e 2 pisões.
Na freguezia de Cavernães o ribeiro das
Lameiras com 11 moinhos de pão, 11 rodas,
1 moinho d'azeite e 1 pisão.
Na freguezia de France as ribeiras de
Carvalhal, Balisgne e Lamaçaes, lend)) esta
uliima 15 moinhos de pão com 20 rodas e
2 moinhos de azeite.
Na freguezia de Ribafeita as ribeiras de
Porto-Viseu, Porto de Lobo, Redouça, Lata,
Amoreira, Bouça e Manta, tendo esta ultima
17 moinhos de pão com 36 rodas, 3 moinhos
d'azeite e 3 pisões.
Na freguezia de Radiosa as ribeiras de
Pontão, Sumato, Sabugueiro, Vella, Carre-
gal e Vescudâ, tendo esta ultima 27 moinhos
de pão com 34 rodas, 1 moinho d'azeite e 1
pisão.
Na freguezia do Campo a ribeira de Pon-
tão, com 10 moinhos de cereaes e 10 rodas.
Na freguezia de Mondão as ribeiras de
1746 VIS
VIS
Mide e Mondão, tendo esia ultima 11 moi-
nhos de cerêaes com li rodas.
Na freguezia de Santos Evos as ribeiras
de Remende, Santos Evos e Pinheiro, tendo
esta ultima 25 moinhos de pão com 27 ro-
das, 1 moinho d'azeite e 1 pisão.
Na freguezia Oriental (?) da cidade de Vi-
seu o Pavia com 2 moinhos de pão, 4 rodas,
mais 2 moinhos d'azeite.
Na freguezia de S. Salvador o Pavia com
23 moinhos de pão e 41 rodas.
Na freguezia de Ranhados a ribeira d'e8te
nome com 1 moinho de pão, e 1 roda, mais
1 moinho d'azeite.
Na freguezia de Fragozella a ribeira d'esle
nome com 2 moinhos de pão e 7 rodas,
mais um moinho de azeite.
Na freguezia de Lourosa a ribeira de lei-
vas com 8 moinhos de pão e 11 rodas, mais
1 moinho d'azeite.
Na freguezia de Villa Chã de Sá a ribeira
de Sás com 12 moinhos de pão e 14 rodas,
mais 2 moinhos d'azeite e 1 pisão.
Na freguezia de Fail o ribeiro da Or-
tigueira com 13 moinhos de cereaes e
19 rodas, mais 2 moinhos d'azeite e 1 pi-
são.
Na freguezia de Silgueiros a ribeira do
Pereiro com 19 moinhos de pão e 36 rodas,
mais 4 moinhos d'aze)te.
Na freguezia de S. Cypriano a ribeira
à'este nome com 4 moinhos de pão e 4 ro-
das, mais 1 moinho d'azeite.
Na freguezia da Torre Deita as ribeiras da
Fonte, Várzea, Torre e Sanchinha, tendo es-
ta ultima 24 moinhos de cereaes com 24 ro-
das, 1 moinho d'azeite e 1 pisão.
Na freguezia dos Coutos de Baixo as ribei-
ras de Regadia, Sabugueiro e Novaes, tendo
esta ultima 7 moinhos de pão com 7 rodas
e 3 moinhos d'azeite.
Na freguezia dos Coutos de Cima as ribei-
ras de Adão e da Presa, tendo esta ultima
19 moinhos de cereaes com 19 rodas e 1
moinho de azeite movido por bois.
Na freguezia de Calde a ribeira de Ca-
brum com 12 moinhos de cereaes e 16 ro-
das, mais 1 pisão e 1 moinho d'azeite mo-
vido por bois.
Na freguezia de Rio de Loba a ribeira dos
Monteiros e a do Paulo, tendo esta ultima
7 moinhos de pão com 7 rodas.
Na freguezia de Abraveses as ribeiras de
Longorela e de Mide, tendo esta ultima 13
moinhos de pão com 15 rodas.
Na freguezia á'Orgens a ribeira do Cazei-
ro com 9 moinhos de pão e 11 rodas, mais
1 moinho d'azeite.
Contava pois este concelho em 1838 nada
menos de 356 moinhos de pão, com a baga-
tella de 473 rodas, mais 34 moinhos d'azei'
te e 12 pisões.
Do exposto se vé que este concelho abun-
da em agua perenne de veia nativa. Tem tal-
vez mais agua do que metade da província
do Alemtejo. e por isso em 1887 foi orçada
em 4.444:300 litros a sua produeção só em
milho.
Antiga circumscripção do concelho de Viseu
Este concelho, depois do decreto de 6 de
novembro de 1836, ficou muito regular. Tem
por centro a cidade, e extende-se para todos
03 quadrantes ale á distanciado 12 a 15 ki-
lometros d'ella, approximadamente; mas an-
tes d'aquelle decreto a sua circumscripção
era uma monstruosidade. A N. passava para
a margem direita do Vouga e estendia se
até á distancia de 25 a 30 kilometros de Vi-
seu,— e para S. comprehendia terras a dis-
tancia de 20 a 25 kilometros, tendo encra-
vados dentro d'elle nada menos de 4 conce-
lhos autónomos cora justiças próprias, taes
eram os Coutos de Santa Eulália e os con-
celhos de Povolide, Ranhados e Barreiros,
estando estes dois últimos encostados aos
muros de Viseu e dentro da circumscripção
ecclesiaslica da freguezia occidental da Sé?
Para evitarmos repetições, veja-se n'este
diceionario os artigos Povolide, Couto de
Baixo e Couto de Cima—e n'este artigo Vi-
seu as pag. 1532, eol. 2.%— e 1533, col. 2.»
também, e segg. com as suas respectivas
notas.
Em 1834 comprehendia, como diz Berar-
do, [32 freguezias, que n'essa data conta-
vam 7:660 fogos e 34:735 habitantes; mas
não entravam no numero d'ellas as 5 fregue-
zias seguintes :
VIS
VIS 1747
1. *—Bôa Aldeia, que foi do extineto con-
celho de S. Miguel do Outeiro, comarca de
Tondella; depois passou para o concelho e
comarca de Tondella— e ultimamente para
o concelho e comarca de Viseu —já depois
de 1864.
2. »— Cowío de Baixo.
3. ^— Couto de Cima.
Estas 2 freguezias até 1836 eonstituiam os
Coutos de Santa Eulália, espécie de conce-
lho com justiças próprias.
4. * — Povolide.
Foi concelho próprio até à mesma data,
— 6 de novembro de 1836.
5. *— S. Salvador.
Esta freguezia, como ja dissemos^ era ee-
clesiastieamente uma das annexas da fre-
guezia Occidental da Sé, mas civil, adminis-
trativa e judicialmente pertencia ao extineto
concelho do Barreiro, cuja séde estava em
Vil de Moinhos, aldeia da freguezia de S.
Salvador.
Em compensação este concelho de Viseu
n'aquella data (1834) comprehendia nas suas
32 parochias as 6 seguintes, que posterior-
mente perdeu:
— Ferreiroz.
2." — Lageosa.
Estas 2 freguezias passaram para o con-
celho de Tondella, ao qual hoje pertencem;
mas a de Ferreiroz ainda em 1864 perten-
cia ao concelho de Viseu.
S.»~Queiriga, na margem direita do Vou-
ga-
Passou para o concelho de Fragoas, mas
ecclesiasiicamente ainda hoje pertence ao
bispado de Viseu, emquanto que todas as
outras freguezias do concelho de Fragoas
pertencem ao bispado de Lamego.
4. ^ — Papisios.
5. » — Sobral de Papisi^^s.
Estas 2 freguezias foram do extineto con-
celho de Besteiros, mas passaram para o do
Carregal e a elle pertencem hoje ainda.
6. a_A freguezia de Cota. Em 1834 era
d'este concelho de Viseu; depois pelo decreto
de 6 de novembro de 1836 passou para o de
Mões; extineto o concelho de Mões pelo de-
creto de 24 de outubro de 1855, passou no-
vamente para o de Viseu, posto que demora
na margem direita do Vouga, como a de
Calde, sua limitrophe, e hoje (1888) perten-
ce ao concelho de Castro d'Ayre.
Também a de Farminhão, que era 1834
era d'e3te concelho de Viseu, pelo decreto de
6 de novembro de 1836 passou para o con-
celho de S. Miguel do Outeiro, comarca de
Tondella; mas, extineto o concelho do Ou-
teiro pelo decreto de 24 d'outubro de 1835,
voltou para o concelho e comarca de Vi-
seu.
Breve noticia das condições climatéricas
e geológicas d'este concelho
Demora no centro da província da Beira
Alta, e o seu clima é temperado e muito
saudável, pois comprehende um extenso
tracto de terra em que predomina o granito;
é muito abundante de exeellente agua potá-
vel e de rega— e não tem pântanos nem ar-
rosaes nem outros quaesquer focos de infec-
ção.
Recebe as suas modificações meteorológi-
cas de duas montanhas priocipaes:— o Cara-
mulo {Mons Alcoba) que o circumda a O. e
o.,— e a Serra da Estrella {Mons Hermi-
niusl) que se prolonga de E. a 0. e defronta
com este concelho a S.
Aqui, como em Portugal todo, os ventos
mais persistentes são o nordeste, que predo-
mina nas estações mais quentes,— e o su-
doeste, que conduz as chuvas, principal-
mente no inverno. Este ultimo, soprando do
mar Oceano, traz comsigo vapores que, to-
pando na serra do Caramulo, mais se res-
friam, araontoam-se e eobrem na de uma
névoa densa. Contiouando o vento no seu
curso, as nuvens dirigem-se para a Serra da
Estrella, onde se fixam, e o ar tolda-se de
grossas nuvens que, approximando-se da
terra, se transformam em chuva mais ou me-
nos copiosa.
Pelo contrario o vento nordeste, soprando
das regiões septentrionaes, vem seeeo;
absorve 08 vapores e expulsa as nuvens?
conduzindo o bom tempo e os dias claros.
Os ventos de menos duração, ou seeun-
1 darios, são dos rumos noroeste e sudeste,
1748 VIS
VIS
ambos frios e prejudiciiies, principalmente
á agricultura, pois o primeiro tem atraves-
sado as serranias nevadas da Gallisa— e o
segundo as da serra da Gata, em Hespanha.
Do exposto se vê que a serra do Cara-
mulo tem a principal influencia meteoroló-
gica n'esta parte da Beira.
O chão adjacente á cidade é mais ou me-
nos montanhoso; a parte mais plana d'este
concelho tem approximadamente 10 kilo-
metros; demora a N. E. da cidade— e pro-
ionga-se até o rio Vouga.
A sua constituição geológica égranilicae
abunda em rochas de extrema duresa, que
parecem ter-se levantado debaixo dos anti-
gos terrenos estratificados, i A sua quebra-
dura é rspida, escabrosa; a tenacidade é
grande, e alteram-se diffieultosamente, pelo
que fornecem material esplendido para con-
strucfões de toda a ordem.
V. pag. 1544, col. 2.» m /?ne.
O solo ou terra arável, espécie de capa
movei, mais ou menos grossa, é por aqui ge-
ralmente silicioso e contem bastante argila
saturada de oxido de ferro. Naturalmente
desagregado e solto, presta-se ao amanho»
porque peia sua nimia divisibilidade se dei-
xa esierroar, mas também demanda muitas
regas no verão, porque as aguas pluviaes em
pouco tempo se evaporam.
As superfícies humosas em que predomi-
na a terra vegetal, são em numero redusido
— e peia sua composição silieiosa demandam
muita agua de rega na estiagem para pro-
duzirem bom fructo.
As fontes ou nascentes, que são o resul-
tado das chuvas infiltradas na terra até en-
contrarem terreno impermeável, rebentam
aqui ordinariamente de bacias pouco espa-
çosas e pouco profundas, pelo que se esgo-
tam em pouco tempo. As mais abundantes
defecam no fim do estio e são poucas as que
podem dizer-se perennes. Formando pois as
chuvas o deposito da agua para a despesa
do anno, a fertilidade d'este está na propor-
ção directa das chuvas.
^ Berardo, Liberal de 16 de maio de 1857. '
O clima, como já dissemos, é muito sau-
dável, porque a agua potável é magnifica e
fácil a evaporação de uma terra solta que
não conserva muito tempo o deposito dos
miasmas,— e alguns d'esies são afastados pe-
los ventos predominantes, que sopram feliz-
mente sem trazerem d'outra parte germens
de corrupção.
As epidemias são raras, pouco duradou-
ras e relativamente benignas; comtudo a
temperatura apresenta graduações oppostas
muito sensíveis, que explicam talvez a causa
de certas doenças.
O thermometro Reaumour costuma aqui
no verão subir a 26"— e descer no inverno
a 1° abaixo de zero— e por vezes em 24 ho-
ras baixa ou sobe 2 a 3 graus.
Casas, quintas e familias ma^s notáveis
nos arrabaldes e no concelho de Viseu
i.*— Quinta de S. Salvador.
Demora esta quinta a 2 kilometros de Vi-
seu para o poente, na estrada municipal a
macadam de Viseu a Farminhão e Bestei-
ros—e é hoje uma das melhores quintas
d'este concelho.
Tem boa casa de habitação, recentemente
restaurada, e uma linda capella, também res-
taurada, com o titulo de Nossa Senhora da
Conceição de Lourdes, altar privilegiado in
pcrpeíuum por concessão do papa Leão XIII
com data de 17 de agosto de 1886, e Santís-
simo permanente, um bello quadro antigo
representando a Coroação de Nossa Senhora
— e 4 jubileus annuaes com muita.s inJul-
gencias, nos dias de S. José, Assumpção, Na-
tividade e Conceição de Nossa Senhora.
Esta quinta é atravessada e banhada pelo
Pavia de nascente a poente, que n'ella tem
4 grandes levadas. Produz bastante vinho do
melhor de Viseu, por estarem os seus vi-
nhedos em nivel muito inferior á cidade e
voltados directamente para o sul. Também
produz bastante fructa e hortaliças, mas as
suas produeções principaes são milho, fei-
jões e herva joia. Como recebe com as en-
xurradas os detritos das ruas de Viseu, é
tal a sua fertilidade, que no inverno, de ou-
tubro a maio, costuma dar 5 a 6 camas de
VIS
VIS 1749
herva, pelo que os seus caseiros (são 32 !)
criam muito gado bovino. Também cultivam
muita hortaliça, que levam quotidianamente
á praça de Viseu.
Pertence hoje esta rica propriedade ao
nosso bom amigo e eyreneu, o sr. dr. Nico-
lau Pereira de Mendonça, que n'ella vive ha
annos com sua esposa, a sr.» D. Maria da
Piedade Lemos e Azevedo, i verificando-se o
dielado:— as propriedades medram com a
sombra dos donos, pois melhorou muito e su-
biu consideravelmente de preço e de rendi-
mento, depois que ss. ex." vivem n'ella.
A principio denorainou-se quinta dos Ma-
chados, porque assim se appellidavam 3 ir-
mãos cónegos que juntaram por compra a
maior parte dos prédios que a constituem.
Depois denominou-se quinta da Cruz, por-
que suceedeu n'ella um sobrinho dos dictos
cónegos, senhor da opulenta casa e quinta
da Cruz, freguezia de Castellões, conce-
lho de Besteiros. O ultimo senhor d'aquella
casa e quinta casou com D. Maria da Pieda-
de d'Azevedo, da casa dos Santos Maríyres
de Paredes da Beira; não tendo filhos, abo-
liu os vínculos, e deixou a maior parte dos
seus bens à viuva, incluindo esta quinta de
S. Salvador, que a viuva deu a sua sobrinha
e afilhada também, D. Maria da Piedade,
creada por ella e hoje casada com o sr. dr.
Nicolau de Mendonça.
Este, alem de restaurar a casa de resi-
dência e a Capella, já comprou e lhe addic-
cionou varias propriedades no valor de 8
contos e murou a maior parte d'ella— e a
lia de sua esposa também havia comprado e
unido à mesma quinta outras propriedades
no valor de 7 contos de réis.
Do casamento do sr. dr. Nicolau de Men-
donça com a sr * D. Maria da Piedade e Le-
1 V. pag. 1535, col. 2.* m fíne, supra,— Pa-
redes da Beira e Pinhanços.
O sr. dr. iNicolau poisue outra bella quinta
em Fareginhas, concelho de Castro d'Ayre,
6 mais propriedades n'outro8 concelhos, mas
só n'eáte de Viseu paga 250i^000 réis de con-
tribuições.
mos existe somente uma filha, e universal
herdeira:
D. Maria da Piedade de Mendonça e Le-
mos.
Nasceu era 2 de julho de 1855 e casou em
9 de fevereiro de 1881 com o dr. Bento Tei-
xeira de Figueiredo Amaral, da freguezia de
Matheus, ^ do qual tem 2 filhos;
—Jose Paulo, que nasceu em 12 de no-
vembro de 1886, e
— Nicolau, que nasceu em Matheus em 3
de março de 1888.
O sr. dr. Nicolau de Mendonça e sua es-
posa também tiveram um filho, Agostinho
Antonio de Mendonça Falcão, muito intelli-
gente, e muito illustrado. Frequentou o cur-
so superior d'agrieuUura de Grignon, em
França, junto de Versailles, sendo premiado
todos 03 annos. Depois serviu nas nossas
possessões da Africa mais de umanno, e re-
gressando por Paris já com o fermento das
febres billiosas, ali falleeeu em 6 de abril de
1883.
Deixou ms. uma interessante Memoria em
franeez — Rapport Météorologique sobre o
nosso districto de Coimbra, com uma pe-
quena, mas lindíssima carta topographica do
mesmo districto, desenhada a cores por elle
2."— Quinta e casa de Marzovellôs.
Demoram também na freguezia de S. Sal-
vador e pertencem aos condes de Prime,
como já dissemos supra, pag. 1536, col. 1.»
e no tópico das familias principaes de Viseu,
n.» 12.
Esta quinta é maior do que a de S. Salva-
dor, mas talvez não renda mais, porque o seu
terreno é inferior em qualidade e exposição
e mais frio.
Tem bella casa de habitação, com muitos
commodos; um bonito lago, jardim, mata
frondosa antiga e uma soberba avenida bem
arborisada.
Foi lambem esta quinta feita por um co-
i V. Villa Real de Traz-os-Montes, vol. XI,
pag. 1031, in fine.
1750 VIS
VIS
nego, pelo que se chamou antes a Quinta do
Thesoureiro mór.
3. » — Quinta de Tondelinha.
Demora na freguezia d'Orgens, a O. de Vi-
seu, e em sitio alto com vistas esplendidas,
boa casa de habitação, grandes vinhedos,
extensos campos, que produzem muito milho
6 rauita hortaliça, ete.
Esta quinta foi também fundada por um
cónego da familia de Fernando d'Almeida,
de Viseu, de quem a herdaram nos nossos
dias os Queirozes.
V. pag. 1542, col. 2.» e o tópico das fami-
lias principaes de Viseu, n.» 10.
4. " — Quinta da Medronhosa, na freguezia
de S. Salvador, a 3 kilometros de Viseu para
o poente. V. pag. 1536, col. 1." supra.
Esta quinta foi pertença do antigo vinculo
do Outeiro de Real, junto de S. Miguel do
Outeiro, — vinculo de que foi ultimo admi-
nistrador Antonio de Lemos de Carvalho
Sousa e Alvim (senhor da quinta do Ribeiro,
concelho de Caria) o qual a emprasou a seu
irmão Duarte de Lemos Carvalho e Sousa;
este, pouco antes de fallecer, a vendeu a um
lavrador da Povoa da Medronhosa, a quem
foi tirada pelos credores, sendo arrematada
em praça publica pelo tenente coronel de en-
genheiros Miguel de Sousa de Figueiredo,
sub-chefe do estado maior da 2.» divisão mi-
litar, e irmão do coronel de engenheiros An-
tonio Cazimiro de Figueiredo, que foi mui-
tos annos director das Obras Publicas d'este
districto, e que está hoje em Lisboa addido
á direcção geral das Obras Publicas.
Arrematou-a por 13 a 14 contos, mas tem
n'ella despendido muito dinheiro com diffe-
rentes melhoramentos nas terras, nas casas
e na capella, pois encontrou tudo em míse-
ro estado 1
5. *— Casa de Figueiró, na freguezia de S.
Cypriano, cerca de 5 kilometros a O. de Vi-
seu, na estrada municipal n.» 12.
Esta casa pertencia ao dr. José Gaudên-
cio de Vilhegas, que a deixou em testa-
mento ao seu sobrinho e neto Vasco Luiz
Pessanha do Casal, seu actual pôssuidor e
n'ella residente. Restaurou-a com muito gos-
to e é hoje uma das melhores casas d'este
concelho. i
O sr. Vasco Luiz Pessanha casou com sua
prima co-irmã D. Carlota Saraiva Quevedo
de Sampaio, filha 2.» dos viscondes da Quin-
ta do Ferro, c. g.
V. Villar Torpim.
6. »— Casa dos Bandeiras, nos Coutos de
Cima, a 7 kilometros de Viseu para O.
Pertence a Thomaz Antonio Bandeira da
Gama e Mello, irmão mais novo do fallecido
Gonçalo Pires Bandeira, de quem já se fal-
lou supra, sob o n.' 1, no tópico das casas
e quintas mais notáveis de Viseu e seus ar-
rabaldes, não habitadas pelos seus antigos
donos
Thomaz Antonio Bandeira vive na dieta
casa, que lhe tocou em legitima— e tem uma
filha única natural, mas reconhecida, e sua
universal herdeira, D. Maria Augusta, ca-
sada com Balthasar Pessanha de Vilhegas,
irmão germano de Va?co Luiz Pessanha,
ambos filhos de Eduardo Pessanha.
V. Familias principaes de Viseu, n.^ 9.
7. » — Casa de Lourosa da Telha, que foi de
Miguel Pinto de Queiroz.
V. Familias principaes de Viseu, n.° 10.
Pertence hoje esta casa a duas filhas de
Miguel P. de Queiroz,— D. Emilia e D. Hen-
riqueta, que ali residem, estando a segunda
casada com José Gil Alcoforado da Costa
Velloso, filho 2.» da casa e quinta da Sar-
nada, junto de Vouzella, s. g., o qual é um
agricultor intelligentissimo, irmão do dr. An-
tonio Maria Alcoforado, casado com D. Ma-
ria Isabel Ayres de Gouveia, irmã do sr. D.
Antonio Ayres de Gouveia, bispo de Bisai-
da, commissario geral da bulia da Santa
Crusada, ete.
V. Vouzella.
Tem a dieta casa uma adega soberba, e
uma boa quinta pegada, que produz muito
vinho do melhor do Dão, pois demora na
margem direita d'este rio e está voltada ao
sul, na freguezia de Lourosa da Telha, a 5
kilometros de Viseu.
8. '— Casa dos Coelhos do Quintal, na mes-
1 No Álbum Visiense pôde ver- se o re-
trato e a biographia de Gonçalo Pires Ban-
, deira, fallecido em 1885 na sua nobre casa
' da Torre Deita.
VIS
VIS 1751
ma freguezia e povoação de Lourosa da Te-
lha.
Pertence hoje a D. Amélia do Quintal»
viuva e s. g. de Henrique de Mello de Le-
mos e Alvellos^ filho primogénito e sueees-
sor do visconde do Serrado.
Era a dieta senhora filha legitima de Luiz
do Quintal, filho 2." d'esta casa, jà fallecido,
e suecedera n'ella por morte de duas tias
paternas que ainda são usufructuarias, por
eseriptura dotal do seu tio paterno José Ma-
ria do Quintal, ultimo senhor d'e8ta casa, o
qual morreu s. g.
Pertence a esta casa uma soberba e an-
tiga quinta nas margens do Dão, chamada
quinta dos Frades, que produz talvez o me-
lhor vinho do Dão. É também mimosa de
fructa, incluindo laranjas, mas está muito
mal tractada e muito depreciada.
Com melhor grangeio e melhor trata-
mento valeria hoje mais de 30 contos de
réis.
Pertence também a esta casa outra muito
antiga, chamada do Quintal, na freguezia de
Casiellões, em Besteiros, cora uma boa cerca
de mimosa terra, que produz laranja finis-
sima, da melhor de Besteiros, rival da de
S. Mamede de Riba-Tua, que é absoluta-
mente a melhor de Portugal.
Possue também esta familia um bom ca-
sal na povoação da Folgosa, freguezia de S-
Thiago, concelho de Ceia, e foi senhor d'elle
bem como dos de Lourosa e Quintal o 3.»
avô (por varonia) da dieta senhora D. Amé-
lia,— Gonçalo Coelho d' Almeida e Castro do
Quintal, homem de grande illustração e o
primeiro genealógico da Beira no seu tem-
po. Deixou muitos volumes de genealogias,
admirados por pessoas competentes, mas to-
dos mss., pelo que no Dicc. Bibi. de lono-
ceneio nem sequer se aponta o dicto Gon
çalo Coelho d'Almeida como escripior ? I ...i
1 Este eseriptor teve vastos conhecimen-
tos de chronologia e historia portugueza,
especialmente de genealogias d'esta provín-
cia, sobre o que escreveu com muita critica.
Nasceu em Lourosa e floresceu nos primei-
ros dois quartéis do século passado. Não
consta que imprimisse obra alguma; os
9. » — Casa e quinta do visconde de Taveira,
na mesma freguezia e povoação de Lourosa,
Depois do fallecimento de sua esposa, o
visconde de Taveiro — José de Mello Pais do
Amaral— fixou residência na mencionada
quinta e transformou em luxuosa habita-
ção de muito gosto uma casa ordinária que
ali tinha.
Este José de Mello Pais do Amaral (filho
d'outro do mesmo nome) 1.» visconde de
Taveiro, junto de Coimbra, onde casou com
a viscondessa de Taveiro, sobrinha e repre-
sentante do cardeal e arcebispo de Braga,^
D. Pedro Paulo de Figueiredo da Cunha e
Mello, nasceu na freguezia de Santar, onde
tinha um formoso palacete — e uma boa casa
na Corga, concelho de Castendo, ele.
Do seu consorcio com a viscondessa de
Taveiro teve um filho:
— José Pedro de Mello, 2," visconde de
Taveiro,
Este casou com a filha e herdeira do
grande proprietário e capitalista conde de
Magalhães, s. g, — e já possue o palacete de
Santar, mas vive em Lisboa, onde é empre-
gado publico, í
V, Taveiro, freguezia do concelho de
Coimbra, vol. IX, pag. 499, col, 2.»
10, »— Casa de Rebordinho, na mesma fre-
guezia de Lourosa,
Pertenceu a José Paulo Pereira de Car-
valho, coronel das milícias de Viseu e mem-
bro da commissão de guerra, que em Viseu
condemnou á morte por crimes políticos em
1832 a 1833 bastantes liberaes.
Fallecendo solteiro e sem successão, dei-
xou a dieta casa a sua sobrinha D, Cazimira
Mascarenhas Bandeira ou antes a seu pae,
que era senhor da excellente casa dos Mas-
carenhas de Villar, em Besteiros, A dieta
ms. param em poder dos seus descendentes
e creio que alguns na casa dos Lemos Sou-
sas e Alvins de Santar; outros, seguodo
consta, deseneaminharem-se com os emprés-
timos, pois sabemos que deixou muitos vo-
lumes de genealogias.
1 V, Reriz, tomo VIII pag, 152, coL^"
— e Resende no mesmo vol, pag. 161, col. 1."
in fine também.
1752 VIS
VIS
senhora reside com seus filhos era Ois do
Bairro, pois casou com Antonio Calheiros de
Noronha e Pitta, natural da dieta parochia
e já fallecido, irmão germano de Francisco
Xavier Calheiros de Noronha. Vide tomo X,
pag. 347, col. 2.»
11. * — Casa dos Bandeiras, na povoação de
Oliveira do Barreiro, freguezia de Lourosa
lambem.
Pertence a José Maria Bandeira Monteiro
Subagua, ramo 2." por varonia dos Bandei-
ras de Fragoas, e natural da quinta da Gran-
ja, em Rezende, onde tem boas casas, e em
Bretiande, junto de Lamego. ^
Casou com uma nobilíssima senhora, pro-
cedente, por seu pae, da nobre família e ca-
sa de Loureiro 2— e por gua mãe descende
dos Abreus Castello Branco, de Fornos de
Algodres, hoje condes de Fornos. Chama-se
a dieta senhora-^1). Maria da Purificação
Abreu e Loureiro Castello Branco e é dona
d'esta casa de Oliveira, bem como de outra
bella residência em Parada d-i (jonta, con-
celho de Tondella, onde Thomaz Ribeiro,
inspirado auctor do D. Jayme, colloca o so-
lar do heroe do seu poema.
José Maria Bandeira tem os filhos seguin-
tes :
— D. Joaquina.
— D. Maria Emilio..
—D. Maria Amélia.
— Adriano d' Abreu e
— D. Maria Antónia, todos ainda solteiros
n'esta data— 1888.
12. *— Caso de Villela, na mesma fregue-
zia de Lourosa.
Pertence hoje esta casa a José de Sousa
Tudelia de Menezes e Castilho, conductor de
^ Na mencionada quinta do visconde de
Tâveiro em Lourosa da Telha ha um penedo
baloiçante, como já dissemos supra. Ha tam-
bém outro na freguezia de Espariz, conce
lho de Tábua, outro na freguezia de Forno
Telheiro, concelho de Celorico, — e outro em
Villa Nova de Tazem, concelho de Gouveia,
todos na Beira.
V. Villa Nova de Tazem, tomo XI, pag.
887, col. 2.» e seg.
2 V. o tópico das familias extinctas, su-
pra, n.* 3.
1.* classe, filho d'outro José de Sousa Tu.
delia de Menezes e neto de Rodrigo de Sou-
sa Tudelia de Castilho, que foi senhor doesta
casa, valente militar e coronel das milícias
de Viseu.
Serviu com muita distineção no cerco do
Porto em 1832 a 1833, no exercito realista,
8 foi ferido em um ataque ao convento da
Serra, fieando-lhe a bala dentro do corpo, a
qual o matou à'ahi a 10 annosl. . .
Este bravo militar prestou relevantes ser-
viços a Viseu, pois salvou a cidade do sa-
que, e excessos da guerrilha do celebre juiz
de fóra de Taboaço, em 1828.
José de Sousa está ainda solteiro.
13. *— Casa de Villa Chã de Sá, a 5 kilo-
metros de Viseu para S. O.
Pertence aos Lemos de S. Gemil e Viseu,
dos quaes se fez menção no tópico das fami-
lias principaes, n.° 7, supra;— é represen-
tante d'esta nobilíssima casa o dr. Heitor de
Lemos e Sousa, ainda solteiro, residente em
Viseu ~ e vivem na casa de Villa Chã sua
mãe, com um filho e uma filha, irmãos do
dicto cavalheiro.
14. ^— Casa da família Barros Campos e
Coelhos, de Farminhão.
Demora a 5 kílometros de Viseu para O.
e pertence a Francisco de Barros Coelho e
Campos, bacharel formado em direito, que
tem sido deputado ás cortes em differentes
legislaturas e já foi lambem governador ci-
vil de Viseu, eíc.
Teve um irmão — Luiz de Campos— que
foi capitão de cavallaría, deputado em diffe-
rentes legislaturas e depois par do reino,
homem de muito talento, poeta insigne e bom
orador.
Falleeea em Lisboa, casado, mas sem fi-
lhos,— e vivem ainda mais dois irmãos: —
Antonio de Campos,— coronel de cavallaría,
— e João de Barros e Campos, capitão da
mesma arma, ambos casados com suas so-
brinhas, filhas do seu irmão primogénito
Francisco de Barros, e ambas s. g.
Ib.^—A Casa de Prime, na freguezia de
Fragczellas, da qual Prime é uma pequena
aldeia, 7 kílometros ao sul de Viseu, pela
estrada real n.» 43, de Viseu a Celorico.
É nm vasto, elegante e magestoso edificio.
VIS
VIS 1753
posto que ainda incompleto; — levanta-se em J
um espaçoso terreiro quadrilongo e rectan- I
guiar, fechado por grandes portões de ferro,
— e prende com uma grande quinta.
Esta respeitável vivenda pertenceu á no-
bre e opulenta familia Sonsas Silvas e Oli-
veira. Casou com um dos senhores d'esta
casa D. Maria de Sousa de Macedo, irmã
germana do celebre Antonio de Sousa de
Macedo, distineto eseriptor publico, auctor
da Eva e Ave e das Flores d'Hespanha e Ex-
cellencias de Portugal, nosso embaixador aos
Estados Geraes em 1651, secretario d'estado
do infeliz D. AlTonso VI em 1663, commen-
dador de Souzellas na O. de Christo e de
Penella na 0. d'Aviz, alcaide mór de Freixo
de Numão, etc, pae do 1.° barão da Ilha
Grande de Joanne, no Pará, do qual descen-
dem os actuaes condes de Mesquitella, ar-
meiros mores, hoje duques de Albuquer-
que.
A esta casa de Prime pertenceu também
o celebre e antigo morgado das Brusseiras,
no Alemtejo, por suecessão de uma íilha B.
que casou n'esta casa de Prime e se intru-
sou n'elle, o que deu origem à macrobia de-
manda que durou noventa annos, como já
dissemos no tópico das famílias principaes
de Viseu, n.» 8.
Possuia lambem esta casa o grande praso
de Corgos, á Nogueira, que rendia 4:000 al-
queires de pão, etc, mas hoje, pela falência
do visconde de Loureiro, toda esta enorme
casa foi a pique e retalhada pelos credo-
res?!...
Sic tranzit gloria mundi.
V. Prime, tomo VII, pag. 673, col. 2.'— e
o tópico supra, já citado.
A COMARCA
Viseu é lambem séde de comarca judicial
de i." classe, formada unicamente pelo con-
celho do seu nome com 1 juiz de direito, 1
delegado do procurador regio,-4 escrivães,
4 offleiaes de diligencias, 1 contador e 1 con-
servador.
Na antiga magistratura, ou até 1833, era
lambem séde de comarca (provedoria e cor-
regedoria) mas comarca muito mais ampla.
pois alem do concelho actual de Viseu com-
prehendia n'este districto os concelhos do
Carregal, Castro d'Ayre (não todo) Man-
gualde, Mortágua, Nellas, Oliveira de Fra-
des, Penalva do Castello, Santa Comba-Dão,
S. João d' Areias, S. Pedro do Sul (não to-
do) e Saltam.
No districto da Guarda os concelhos de
Aguiar da Beira, Fornos d' Algodres, Pinhel
e Trancoso, que eram da provedoria de Vi-
seu, mas da corregedoria de Pinhel.
No districto de Coimbra os concelhos de
Taboa e Oliveira do Hospital, que eram da
corregedoria de Viseu, mas da provedoria
da Guarda.
Finalmente no districto d' Aveiro o conce-
lho de Sever do Vouga, que era da corre-
gedoria de Viseu, mas da provedoria d'Es-
gueira.
Comprehendia lambem coutos, exemplos,
villds e concelhos de donatários e senhorios
particulares, onde era muito reslricta e quasi
nuUa a intervenção do corregedor e prove-
dor; mas todos esses privilégios e exera-
pções caducaram e foram extinclos em 1834.
Era muito extensa a antiga comarca de
Viseu, pois da extremidade S. E. do conce-
lho de Santa Comba-Dão á extremidade leste
do concelho de Pinhel, por Viseu, havia uma
distancia de 140 kilometros approximada-
mente, mas Unhamos comarcas ainda muito
maiores, tal era a de Lamego. Na linha O.
E. prolongava-se desde Arouca até á Barca
d'Alva, na extensão de 140 kilometros de
caminho horroroso,— e da Barea d'Alva ia
para o sul até Alfaiates, na extensão de 80
a 90 kilometros. Alem d'isso comprehendia
em Traz-os-Montes os concelhos da Regoa^
Mezãofrio, Penaguião, Villa Real, Sabrosa e
'Alijó
Eram assim as antigas comarcas, o que
obrigava o povo a grande incommodo e gran-
de despesa para ir à séde traelar os seus ne-
gócios, pelo que os corregedores eostumayam
1 V. Villa Real de Traz-os-Montes, vol.
XI, pag. 931;— FíV/ar Maior, no mesmo vol.
pag. 1243, — e Alvarenga e Lamego no sup-
I plemento a este diceionario.
1754 VIS
VIS
percorrer a comarca toda para favorecerem
os povos, mas não sabemos se isso era favor
ou castigo, porque as aposentadorias eram
uma verdadeira praga, uma contribuição pe-
sadissima, contra a qual os povos muitas
vezes clamaram e gritaram, obrigando os
nossos reis a providenciar sobre o assum-
pto. E alem da praga da aposentadoria, mui-
tos corregedores— sa/ras honrosas excepções
—eram uns grandes comilões I. . .
Toca a mover a mra— diziam elles — quan-
do queriam encher o estômago e as algibei-
ras.
V. Villa Marim, tomo XI, pag. 783, coi.
1.^ e segg.
Os antigos corregedores não deixaram
saudades, mesmo porque hoje a nossa ma-
gistratura (honra lhe seja I) é uma das nos-
sas corporações mais illustradas, mais inde-
pendentes e mais dignas a todos os respei-
tos,—desde os simples delegados alè o su-
premo tribunal de justiça.
Houve tempo em que a relação do Porto
—já depois da creação da nova magistra-
tura, foi uma nota discordante, ima espe-
lunca de Caco, mas hoje é um tribunal di-
gníssimo !
DISTRICTO DE VISEU
Este distrlcto fórma por si só a província
da Beira Alta e é a todos os respeitos um
dos districtos mais importantes do nosso
paiz.
O censo de 1878 deu-lhe a população se-
guinte:
Concelhos
Fogos
Almas
2:936
11:491
Carregal
2:856
12:834
4:747
19:784
1:582
6:321
5:802
24:532
4:846
21:478
Moimenta da Beira.. . .
2:937
11:361
25:706
107:801
Concelhos
Fogos
Almas
25
706
107:801
1
638
6:442
2
065
9:181
3
113
13:126
Oliveira de Frades
1
953
9:385
Penalva do Castello. . .
3
010
12:908
1
752
6:561
4
912
18:721
1
793
7:9.29
1
186
4:921
S. .Toão da Pesqueira, .
3
773
15:638
S. Pedro do Sul
í,
%
377
21:014
2
958
12:767
3
052
12:573
6
043
2
289
8:649
1
669
6:602
6
890
29:542
11
409
50:135
3
372
13:909
92:960
391:256
Contava pois este dislricto em 1878
Concelhos 26
Freguezias 362
Fogos 92:960
Almas 391:256
O recenseamento de 1864 deu-lhe a popu-
lação seguinte:
Concelhos 26
Freguezias 362
Fogos.... 87:157
Almas 368:960
Note-se porem que estas cifras estão lon-
ge da expressão da vferdade, porque ficaram
muito defeituosos aquelles dois censos.
Note-se também que hoje a população
d'este distrieto deve ser muito superior à de
1878, porque nos últimos 10 annos (1878-
1888) não tivemos guerras nem grandes epi-
demias no nosso paiz.
A baixa mais considerável que a nossa po-
pulação soíTreu foi a proveniente da emigra-
ção, e bem quizeramos dar uma nota d'este
VIS
VIS 1755
mas íDfelizmeDte não nos foi possível obtel-a.
É ce.-to porém que a emigração para o Bra-
zil tem sido e continua a ser muilo conside-
rável n'e8te e n'ouiro8 distrietos, — emigra-
ção toda espontânea, determinada pela mira
em riquezas fabulosas, que muitas vezes não
passam d'um sonho, e pelo horror que o
nosso povo hoje vota ao serviço militar,
posto que desde 1847 gosamos as delicias da
paz oetaviana.
Também nos concelhos phylloxerados, no-
meadamente nos da Pesqueira, Taboaço e
Armamar, muitas pessoas e muitas familias
teem emigrado nos últimos annos por falta
de meios.
No ultimo anno (1887) contava este dis-
tricto de Viseu 728:148 prédios inseriptos
na matriz, mas este numero deve ser muito
maior, porque as nossas matrizes actual-
mente são muito defeituosas, já pela sua im-
perfeita organisação, já pela nefasta influen-
cia da politica, o que determinou o governo
a proceder, como está procedendo, á revi-
são das matrizes em todo o reino.
Comprehende também este districto uma
superfície de 497:848 hectares — e terrenos
variadíssimos em clima, altitude, exposição
e constituição geológica, pelo que são variá-
dissimas também as suas producções.
Confina ao norte cora o Douro e com os
distrietos de Bragança, Villa Real e Porto,
alem-Douro; ao sul (S. E.) com o Mondego
e com os distrietos da Guarda e de Coim-
bra alem- Mondego; a leste outra vez com o
districto da Guarda— e a oeste outra vez com
o districto de Coimbra e com o d'Aveiro.
Tem de comprimento máximo cerca de
140 kilometros desde os confins do concelho
de Mortágua, a S. O. até os confins do con-
celho da Pesqueira, a N. E.— e de largura
minima cerca de 40 kilometros desde a ex-
tremidade do concelho de Sernancelhe a E.
— até 03 confins do concelho de Castro d'Ay-
re a 0.
Ê ura dos nossos distrietos mais monta-
nhosos e mais accidentados, e cortado por
grande numero de rios, taes são o Douro, o
Mondego, o Vouga, o Paiva, o Dão, o Torto,
o Távora, o Tedo, o Varosa e outros muitos
Tios secundários.
Tem profundas ravinas e chãos muito ar-
dentes nas margens d'aquelles, rios prin-
cipalmente na do Douro, nos concelhos
de Lamego, Armamar, Taboaço e Pesqueira,
onde no verão tremem sezões os gatos as
gallinhas e os cães 1 ?. . .
Isto é facto.
São também muito ardentes as margens
do Dão e do Mondego, mas em compensa-
ção tem terrenos muito altos, montanhosos
e frios, onde a neve se demora no inverno
e attinge sempre grande altura, ^ taes são as
serras do Caramulo, S. Macário e Gralhei-
ra, as mais altas do districto, — e as de Mon-
te do Muro, Lapa^ Mezio, Poio, Sendim, Pe-
nedono, Paredes da Beira, S. Domingos.
Avòes, Penude, Vouzella, Castro d'Ayre, etc.
Todas estas montanhas são graníticas e
granítico é todo o chão d'este districto, ex-
ceptuando o valle do Dão e parte doa do
Mondego e Sattam, bem como a margem do
Douro, desde o concelho de Lamego até à
Pesqueira. Todo este terreno é schistoso e
muito ardente, pelo que produz o melhor vi-
nho do districto. O do valle do Dão é excel-
lente para mesa; o da margem do Alto-Dou-
ro, principalmente o dos concelhos d'Arma-
t mar, Taboaço e Pesqueira é o afamado Port
Wine, o melhor vinho do mundo ! Só tem
rival— e rival superior — no vinho da outra
margem (direita) do Alto-Douro, nos con-
celhos d'Alijó e Sabrosa.
Produz também este districto muito vinho
nos outros concelhos, mas vinho de mesa
muito inferior áquelle, 2 e algum de enfor-
cado, rascante como o do Minho, tal é o dos
concelhos de Sinfães, Rezende, Castro d'Ay-
re. Oliveira de Frades e Vouzella, na parte
alta dos dictos concelhos.
Da seguinte nota, que é official e me foi
dada muito generosamente pelo governo ci-
vil d'esie districto, pode vôr-se o vinho que
elle produziu no ultimo anno.
1 Ella poisa também por vezes— raras pí-
zes—^m toda a margera do Douro, mas ali
o desgêlo opera-se rapidamente.
2 O concelho de Lamego também proJuz
excellente vinho d'embarque.
1756 VIS VIS
Nota da producção do vinho do districto de Viseu no anno de 1887
CoDcelhos
Vinho tinto
Litros
Vinho branco
Litros
Total cm litros
618:300
190:700
809:200
1.257:450
79:815
1.337:265
579:900
400
580:300
497:518
39:785
537:303
14:900
333
15:233
353:700
4:615
358:315
6.975:590
533:990
7.509:580
1.612:745
3:870
1.616:615
399:670
399:670
771:240
212
771:452
369:800
19:000
388:800
3 802-963
32:980
3.925:945
598:400
643:400
1.241:800
386 900
713-300
1.100:200
1.915:9iO
1.689:745
3.605:685
199:990
395:918
595:908
719:890
834:893
1.554:783
412-940
675970
1.088:910
538:200
549:700
1.087:900
537:000
434:850
976:850
656:890
588:570
1.245:460
295:780
213:200
508:980
54:480
39:000
93:480
916:845
813:471
1.730:316
9.744:802
9.966:634
19.711:436
629:645
622:916
1.252:561
34.951:680
19.092:267
54.043:947
1
Esta nota não será a completa expressão
da verdade, mas deve approximar-se d'ella,
— e advirta-se que os concelhos d'Armamar,
Taboaço e Pesqueira não produzem hoje tal-
vez a decima parte do vinho que produziam
outr'ora, porque estão todos phylloxerados
e teem os seus melhores vinhedos já incul-
tos I . . .
O de Lamego também está todo phylloxe-
rado, mas por ter chãos mais fundos, mais
fortes e mais frescos, hoje todos muito bem
grangeados, muito bem adubados e tracta-
dos com o sulfureto de earbone, que é o me-
lhor insecticida contra a maldicta phylloxe-
ra^ ainda produz talvez metade do vinho que
outr'ora produzia.
Para evitarmos repetições, vejam-se os ar-
tigos Villa Real de Traz-os- Montes, tomo
XI, pag. 1012, col. 2." e segg.;—Villarinlio
de Cotas no mesmo volume, pag. 1344 e
segg.; — Villarinho dos Freires, pag. 1354 e
segg.; — Villarinho de S. Romão, pag. 1373,
col. 2.* e segg.; — e Vimeiro da Lourinhã, no
mesmo volume também, pag. 1437, col. 2.*
e segg.
No valle do Dão tambena já se manifestou
VIS
VIS 1757
a phylloxera, mas em pequena escala e os
seus vinhedos ainda produzem regular-
mente.
Produz também este distrieto muito azei-
te, como se vê do mappa seguinte:
Nota da producção do azeite
do distrieto de Viseu no anno de 1887
Concelhos
Armamar
Carregal,
Castro Daire
Santa Comba-Dão . .
Fraguas
S, João d' Areias —
Lamego
Mangualde
Moimenta da Beira. .
Mondim
Mortágua
Nelias
Oliveira de Frades. ,
S. Pedro do Sul
Penalva do Castello.
Penedono
S. João da Pesqueira
Rezende
Sattam
Sernancelhe
Sinfães
Taboaço
Tarou'*a
Tondella
Viseu
Vouzella
Total... .
Litros
37:423
26:400
17:723
3í4i2
13:713
23:600
537:605
17:999
17:435
4:000
13:228
985
4:005
25:780
9:499
187:995
19:000
5:400
4:915
39:312
45:585
4:417
9:792
25:414
39:005
1.138:658
Este mappa é também offlcial, porque me
foi igualmente dado pelo ex."" sr. governa-
dor civil d'este distrieto, por intermédio do
sr. dr. Nicolau Pereira de Mendonça Falcão
meu bom amigo e cyreneu.
O azeite dos concelhos d'Armamar, Ta-
boaço e Pesqueira é delicioso; talvez o me-
lhor do distrieto; mas a sua producção é
muito incerta, por serem muito ardentes
aquelles chãos e estarem os seus olivedos
carregados de ferrugem ha muitos annos.
No concelho de Taboaço, por exemplo, a
casa dos irmãos Macedos Pintos tem colhido
alguns annos 22 pipas a'azeite de 553 litros
VOLUME XI
cada uma, mas em outros annos não colhe
6 pipas.
Também a grande quinta da Aveleira, na
freguezia de Távora, pertencente ao*mesmo
concelho, tem produzido 8 pipas d'azeite al-
guns annos — e em outros não dá uma!...
Em todo o nosso paiz e n'e3te distrieto,
nomeadamente no Alto-Douro, estão muito
doentes não só as videiras e as oliveiras,
mas todas as outras arvores: larangeiras,
cerdeiras, pereiras, macieiras, castaahei-
ros, etc. ete.
A opulenta casa Macedos Pintos, mencio-
nada supra, tem na villa de Taboaço grande
quantidade e variedade d'arvores fructife-
ras, em que alguns annos apurou mais de
um conto de réis, mas nos ulliqoos annos a
escacez foi extrema I
Também na freguezia de Távora, perten-
cente ao dito concelho, e que era. depois da
freguezia da Penajoia, a que produzia mais
e melhores cerejas em todo o nosso paiz, as
cerdeiras morreram quasi todas. Replantam-
nas e morrem igualmente! O mesmo suceede
também ali com as outras arvores fruetife-
ras que povoavam aquella mimosíssima pa-
rochia, inveja de todo o Alio-Douro, pois
d'elle Lamego até muito alem da raia de Hes-
panha era a parochia que produzia mais e
melhor íructa.
Escusado é dizer que também ali, como
em todo este distrieto e em todo o nosso
paiz,— em Coimbra, em Setúbal e mesmo no
Algarve.— estão muito doentes e agonisan-
tes os pomares de larangeiraa; eomtudo este
distrieto ainda produz muita fructa variadís-
sima, inclusivamente laranjas. São delicio-
sas e afamadas as do valle de Besteiros e as
da margem do Alto Douro, e n'este as de S.
Mamede de Riba-Tua, que são as melhores
de Portugal.
Nos concelhos de Lamego, Mondim da
Beira e Tarouca ha também grande quanti-
dade e variedade de peras e maçãs delicio-
sas.
Também este distrieto produz muita cas-
tanha, muita batata e muitos cereaes— tri-
go, milho, centeio, cevada e feijões,— como
se vé do mappa seguinte :
111
1758
VIS
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tp- — coiioooioooosajN^Obscooscoi^Cí»— coit^cico—
o bScOOiODOsOOíDasCilf— Ol^fOJCD^Oíl^if^O-P-OcCt^CJtOO
bo^1-vjcÒa50jt"í|i-b50H»0^'C005COCOi-i"hSCOOI
OOICO— -o — OOOOOOtOw-OOCO^OH^-Ohi-OOCrtO
tp-ooootífí^c^ooocjíocuatoooojooíooíoooo
00
oo
Não ha elementos para a estatística
ir H
3 Sí
VIS
VIS 1759
Este mappa tem o mesmo caracter o/^-
€ial dos mappas anteriores, porque me foi
também dado pelo muito digno governador
civil d'este districto, por intermédio do sr.
dr. Nicolau Pereira de Mendonça, meu bom
amigo e eyreneu. Recebam pois um e outro
o testemunho da minha cordeal gratidão.
É notável n'e8te districto a freguezia da
Penajoia—minhà terra natal,— pertencente
ao concelho de Lamego e denominada terra
das cerejas, porque alem de ser a freguezia
rural mais vasta e mais populosa d'aquelle
concelho e uma das mais vastas e mais po-
pulosas d'este districto, ^ é a que produz
maior quantidade de cerejas e mais têmpo-
ras em lodo o nosso paiz.
Também produz muitas laranjas, peras,
maçãs, damascos, figos, pecegos e outra
muita fructa variadíssima, da melhor do
Douro, e muito azeite, cereaes, castanhas e
vinho, pois é desde tempos remotos o vinho
a sua principal producção.
Já em 1332 ella produzia 1:600 almudes
d'azeite, 7:000 alqueires de pão, 20:000 al-
mudes de vinho e 25:000 alqueires de cas-
tanhas,—segundo se lé na Descripção do
terreno em volta de Lamego duas legoas,
' pelo cónego tercenario Ruy Fernandes 2
Ainda em l8i0 ella produziu 1884 pipas de
vinho de 553 litros cada uma, — e nunca es-
teve Ião bem cultivada como hoje.
Do exposto se vê que a tal Penájoia, terra
das cerejas, alguma coisa produz mais do
que cerejas !. . .
V. Corvaceira e Peaajoia n'este diceiona-
rio e no supplemento.
Produz também este districto muita baga
de sabugueiro, principalmente nos concelhos
de Lamego, Armamar e Taboaço. Também
não pude obter nota estatística d'esta produc-
ção, mas tem bastante importância, porque
sô aquelles 3 concelhos devera produzir cer-
1 Tem cerca de 6 kilometros de leste a
oeste e conta approximadamente 750 fogos
e 3:200 habitantes.
2 Inéditos da Hist. de Port., tomo V, pag.
549.
0
ca de 20:000 rasas de baga, baga excellente
para tinturaria e para dar côr ao vinho tanto
nacional como estrangeiro, pelo que se ex-
porta em grande quantidade pela Regoa e
pelo Porto, pois só no Douro se cultiva cm
grande escala nos terrenos mais mimosos,
mais fundos, mais frescos e regadios. Em
terreno delgado e ardente ninguém plante
sabugueiros, porque serão sempre rachiti-
cos, emquanto que nos chãos fortes e fres-
cos, adubados e regadios, crescem espanto-
samente, rapidamente, chegando a medir no
tronco mais de um metro de circumferen»»
cia e a produzir por anno 3 a 4 rasas de 15
litros cada uma, vendendo-se a rasa por
4:^000 réis alguns annos.
Só a vil la e freguezia de Taboaço já tem
apurado mais de quinze contos de réis em ba-
ga por anno — e todo o concelho de Taboaço
mais de vinte contos!. . . Só a opulenta fa-
mília Macedos Pintos no ultimo anno apurou
cerca de 1:500^000 réis em baga.
Também produz muita bagan'aquelle con-
celho a freguezia de Távora. Sabemos que o
parocho em um dos últimos annos apurou
na baga do passal mais de 900^000 réis 1 e
ha n'aquella freguezia um proprietário que
espera colher mais de 1:500 rasas por an-
no. É o meu bom amigo Adriano d'Azevedo
Mesquita Pimentel, de Riodades, dono da
grande quinta da Aveleira, que foi dos mar-
quezes de Távora desde que os seus ascen-
dentes a conquistaram aos mouros, bem co-
\ mo toda aquella freguezia e as freguezias
circumvisinhas. Trucidados os dietos mar-
quezes em 1759 (V. Chão Salgado) passou a
mencionada quinta para J. Antonio Salter de
í O passal de Távora tinha campos ferti-
lissimos e mimosíssimos, foram porem pos-
tos em hasta publica pela lei da desamorti-
sação e arrematou-os já e«t'anno de 1888
um filho d'aque!la parochia e juiz de di-
reito—dr. Manoel de Barros Nobre, a quem
hoje pertencem.
V. Távora n'esle diccioaario eno supple-
mento.
O preço da baga é muito incerto.
Por vezes no mesmo anno baixa de 4iíl000
ré\3 a 2^000 réis. Actualmente regula por
y500 réis.
1760 VIS
VIS
Mendonça; no meado d'e8te século com-
prou-a o doutor e depois desembargador da
relação do Porto Joaquim Machado Ferreira
Brandão: d'e8te passou para um dos seus
herdeiros e cunhado Sebastião Pinto Morei-
ra, do Porto, a quem a comprou em 1887 o
dono actual.
É o maior prédio d aquelle concelho e ura
dos maiores d'este dislricto. Tem chãos mui-
to ardentes, próprios só para vinha e olival,
mas tem outros muito mimosos, muito fer;
teis e regadios e passa pelo meio da grande
quinta o rio Távora,
Também produzem muita baga de sabu-
gueiro as frpguezias de Penajoia, Cambres,
Sande e Valdigem,no concelho de Lamego.
Produz também hoje este districlo algum
tabaco n'aquelles 3 concelhos, principal-
mente na freguezia da Ervedosa, concelho da
Pesqueira, e, se este ramo de cultura der o
resultado que se espera (ainda está em ea-
saios) altingirà grande importância.
O nosso governo, a instancias de alguns
lavradores do Douro, nomeadamente do sr.
barão das Lages, permittiu como ensaio a
cultura da nieoceana em 10:000 hectares
dos terrenos phylloxerados d'aquella região
— e os ensaios já feitos são promettedores I
É de óptima qualidade o tabaco e desenvol-
ve-se admiravelmente mesmo nas terras
mais seccas do Alto-Douro. Na Er^dosa,
por exemplo, attingem um metro e m^ais de
comprimento as folhas da tal nieoceana.
Para evitarmos repetições, vejam-se os
artigos Villa Real de Traz-os-Montes, tomo
XI, pag. 1012, col. 2.« e segg.,— FÍj/ZannAo
de Cotas e Villarinho de S. Romão.
Também este districto de Viseu outrora
produziu muito sumagre t,ios terrenos arden-
tíssimos da margem do Alto Douro, perten-
centes aos concelhos de Lamego, Armamar,
Taboaço e Pesqueira, mas, depois que ali se
desenvolveu e generalisou a cullura da vi-
nha, os sumagraes desappareceram.
Nós herdámos dos mouros aquella indus-
tria, como se vê de antigos documentos, no-
meadamente do velho tombo do passal de
Távora, concelho de Taboaço,— tombo que
se refere aos princípios da nossa monarchia
e onde se descrevem muitos sumagraes K
Também ainda nos princípios do século xvi,
como se vê da Descripção do terreno em
volta de Lamego duas legoas, escripta pelo
cónego tercenario Ruy Fernandes em 1532, *
se faz menção do sumagre, como producção
importante n'aquelle concelho. A pag. 552,
por exemplo, diz o auctor que só a quinta
de Mosteiro, * que então era dos frades de
S. João de Tarouca^ produzia S06> arrobas de
sumagre por anno,— alem de 15 a 16 mil
almudes de vinho, 2:500 almudes d'azeite em
anno de safra; 1:000 alqueires de pão, 600
alqueires de castanhas, 300 alqueires de le-
gumes, 300 cargas de cerejas e 500 cargas
d'outras fruetas.
Era e é uma quinta soberba 1
V. Cambres n'este diccionario e no sup-
plemento.
Do exposto se vê que foi muito antiga e
de certa importância no Alto-Douro a indus-
tria do cultivo e preparação do sumagre
para eortumes e tinturaria, mas hoje aquella
industria apenas se exerce em Villa Nova de
Foscôa, também no Alto-Douro, mas já no
districto da Guarda.
V. Villa Nova de Foscôa, tomo XI, pag.
840, col. 1.» e segg.
Também n'este districto é importante a
ereação de gado de differentes espécies. Em
1870 (Dão nos foi possível obter nota pos-
terior? ! . . . ) segundo se lê no Recenseamento
geral dos gados, publicado em 1873, contava
1 Em 1861 a 1863 ainda existia no archi-
vo parochial da mencionada freguezia uma
copia d'aquelle lombo, copia que nós vimos
e lemos muitas vezes, quando éramos ali
parocho.
2 Inéditos da Hist. Port. tomo 5.° pag. 546
a 612.
* Pertence á freguezia de Cambres e foi
do convento de S. João de Tarouca até 1834;
depois passou para o padre José Mendes, de
Cambres, e d'este para os Fragateiros, ne-
gociantes do Porto, aos quaes ainda hoje
pertence, bem como outras quintas comvisi-
nhas, entre ellas a do Cobouco, em frente da
Regoa, quinta que foi dos viscondes de Bal-
semão.
VIS
VIS 1761
eale districto de Viseu a população pecuária
seguinte :
Muar i'.610 cabeças
Cavallar '.. 3:440 »
Asinino 4:074 »
Bovino 29:131 >
Caprino 59:788 .
Suino 61:366 »
Lanigero 258:668 . .
Total 418.097 »
Produz também este districto bastante lã,
toda ordinária (a melhor lã de Portugal é a
do Alemtejo);— manteiga de puro leite de
vacca, muito soffrivel, embora preparada
estupidamente por systemas rotineiros anti-
quíssimos,— e bastante queijo. O melhor
d'este districto é o dos concelhos de Fornos
de Algodres, Mangualde, Tondella e Nellas,
também preparado de um modo muito ru-
dimentar, rnas ainda assim vende-se no
Porto e em Coimbra como queijo da Serra
da Estrella, que é o melhor de Portugal,
embora o dos mencionados concelhos seja
muito inferior áquelle, pois apenas vê de
longe a dieta serra.
Contribuições
No ultimo anno (1887) todo este districto
de Viseu pagou as contribuições seguintes •
Sumptuária 4:720íg587
Verba do sello 8:438;í;447'
Districtal 17: 151 W
Decima de juros 25:405^327
Industrial 40:542^135
Reald'agua 58.553^883
Predial 156:763(^690
Municipal 223:392^718
• Total 534:968^677
Não nos foi possível obter a cifra das
contribuições parochiaes,— cifra hoje impor-
tante, porque as juntas de parochia teem a
seu cargo muitas despezas.
Ainda o districto
Merecem especial menção n'este districto
os bois denominados paivotos, por serem
criados nas margens do Paiva e no concelho
de S. Pedro do Sul.
São vermelhos^ de -côr e medianos de ar-
mação e de corpo, mas bem proporcionados,
elegante?, muito leaes e muitissimo valen-
tes t Que o diga quem já os visse como nós
milhares de vezes temos visto alando ou
guindando os barces do Douro com sirgas
por caminho de cabras. Mesmo nos pontos
e no inverno só duas juntas de bois guindam
contra a corrente os maiores barcos do Dou-
ro carregados. Os pobres bois vão compri-
midos como um caracol; por vezes estala
uma das sirgas, mas a outra junta não cede
e, tendo chão onde Qrmar-se, sustenta eila
sósinha o barco, não estalando a sirga.
A alagem dos barcos rabellos é muitíssi-
mo violenta e perigosa, e n'ella só se em-
pregam os taes boisinhos. Os mirandezes e
barrosões são muito valentes, mas não se
prestam a semelhante serviço, por serem
mais corpulentos e não poderem mover-se e
trabalhar nos taes caminhos das sirgas, que
são uns despenhadeiros perigosíssimos, al-
candorados sobre o Douro.
Os bois da Figueira são ainda mais pe-
quenos do que os paivotos, mais dóceis, e
trabalham muito bem na lavoura e na con-
ducção de pipas, mas, se os mettessem na
alagem dos barcos rabellos, dez juntas não
fariam o serviço de duas dos taes paivotos
— e por vezes iriam todos de mergulho ter
ao Douro ! . . .
Também é deliciosa a carne dos taes boi-
sinhos, principalmente das vitellas do antigo
concelho de Lafões, hoje representado pelos
de S. Pedro do Sul e Vouzella.
Também é deliciosa a carne de porco
n'este districto, principalmente no concelho
de Lamego e nos limilrophes, onde a ceva
é feita quasi exclusivamente com castanhas.
Desde tempo immemorial gosam de justa
fama os presuntos de Lamego.
Também ali, como em toda esta província
1762 VIS
VIS
e na de Traz-os-Montes, são deliciosos os lei-
tões, assados sobre brasas vivas, com re-
cheio. Na antiga eosinha portugueza poucos
pratos haverá tão saborosos.
Também n'este districto ha peixe delicio-
so:—no Douro lampreias, sáveis e mugens;
nos rios do interior, nomeadamente no Pai-
va, trutas, bogas e ciroses.
Ha também n'este districto muita caça
miúda: — lebres, coelhos e perdises. A caça
grossa desappareceu com a cultura das bre-
nhas. Apenas no inverno se encontram al-
guns lobos na falda das serranias, mas tão
pacatos e attenciosos que ordinariamente
não agridem ninguém— e, apenas se opera
o desgêlo, sobem para as montanhas e por lá
se conservam quasi todo o anno.
Quinta regional e Eschola agrícola
Este districto teve uma Quinta regional,
montada primeiramente em um prédio de
renda no local do Viso, arrabaldes de Viseu,
e depois em um prédio próprio que ajunta
geral comprou por 14:000^000 de réis em
1884 a José Antonio da Silva, junto da Car-
reira dos Carvalhos, e que ficou sendo pro-
priedade do districto.
Não tinha offlcinas algumas. Apenas ali se
ensaiava a cultura própria da localidade,
ereação e engorda de gados, ete. para o que
tinha 2 postos hypieos com 2 cavallos, 2
touros e 1 jumento.
O seu pessoal permanente reduzia-se a
um feitor, 4 criados e numero incerto de
jornaleiros, sob a inspecção e direcção do
agrónomo districtal e do intendente de pe-
cuária.
A despeza regulava por 2:200^000 réis
por anno— e também tinha um observatório
meteorológico, mas no uUimo anno a men-
cionada quinta foi transformada pelo gover-
no em Escola agrícola, d'accordo com a
junta geral.
Minas
Ha n'este districto, nomeadamente no con-
celho de Viseu, muitos jasigos de differen-
tes minérios, quasi todos por explorar ainda.
Para não fatigarmos os leitores, menciona-
remos apenas os jazigos do concelho de Vi-
seu, indicando as freguezias, aldeias e sí-
tios onde demoram:
Abravezes: — No monte de Santa Luzia, li-
mite de Paschoal; manganez.
Barreiros:— Cot gdi e Lameiras do Val, li-
mite da Matta; Santa Forna e Gervasinha,.
limite de Brufe: barro para telha e para
» louça fina.
Boa Aldêa:— Forno da telha, estanho; Ou-
teiro de Santo André, estanho; Feiteira e
Valles, baldio; estanho e wolfram.
Bodiosa:—lnsms; vinha do Alqueve e Ca-
brão, limite de Bodiosa a Nova: estanho e
prata; 'Matta do Pinhal, limite de Aval: es-
tanho.
Ca/de;— Cruzinha do Villar e Valle de
Lobo, limite de Povoa de Lourenço Paes: es-
tanho.
Cawrnães:— Barroqueiras, Corgas e Lapa,
limite de Passos: galena de chumbo, chum-
bo e prata.
Couto de Baííco:- Tapada do Carqueijo,
aos Cantarinhos, limite de Villa Nova; chum-
bo e estanho; Valle Gordo, maninho, limite
de S. Cosmado; chumbo; Outeiro da Vinha
do Mouro, limite da Portella: chumbo e es-
tanho; Outeiro da Covella, limite do Couto
de Baixo; idem, idem.
Couto de Cma:— Felgueira, pinhal, esta-
nho; Galypo; chumbo.
Fragosella: — Monte de Cima : feldspatho
ou kaolino.
Lordosa;— Ramalhal, limite de Passo; Ou.
teiro da Portella, limite Galiifonge; Salguei-
rinho á pedra Pousadoira e Carregal, Ri-
beiro da Gorga, maninho; Castro, maninho
municipal: chumbo, cobre, estanho & prata.
Orienía/;— Quintal da casa do Arco: car-
vão de pedra.
Povolíde:— Monie da Cerca, limite de Cres-
tello; cobre; Esfolhada, limite de Nesprido:
estanho e ferro.
Ribafeita:— Terras do Outeiro, limite de
Lustoza; Gayo, limite de Ribafeita; Fecha,
maninho municipal, limite de Seganhos :
chumbo e estanho.
Rio de Loba: — Viso; chumbo e prata.
S. Cypriano: — Marialva, á Valia do
VIS
VIS 1763
Mendes, limite de Ferrocinto: pyrite cú-
prico.
S. Salvador:— Em Paradinlia, próximo da
Quinta de Antonio de Albuquerque de Ama-
ral Cardoso: estanho.
Torredeita:— Nâlle Escuro, limite de Rou-
tar; Souto, Villa de Um Santo, limite de
Cotta; Outeiro da Cabeça da Roza, limite de
Villa Chã do Monte; Castanheiro, limite de
Routar; Pinhal da Tapada do Carqueijal,
Maninho de Villa Chã do Monte: chumbo;
estanho, cobre e prata.
No meado do século xvii ainda n'este con-
celho se exploravam minas de estanho, por
que o dr. Manuel Botelho Ribeiro diz textual-
mente o seguinte : ^
tPois dos metaes que direis do estanho,
que nella (na cidade ou no concelho de Vi-
seu) se tira, em quantidade muito, e em
bondade finíssimo, de que El Rei tira muito
proveito, e renda ? O barro de MoUelos bem
lavrado he o mais cheiroso e fresco que se
pode achar, assi para beber, como para todo
o serviço.»
Não diz o local onde n'aquelle tempo
(1630-1636) se exploravam as taes minas de
estanho.
Em MoUelos ainda hoje se fabrica muita
louça e muito estimada, que exportam para
Lamego, Aveiro, Coimbra e Porto.
É conhecida por louça de MoUelos ou lou-
ça preta, porque o dicto barro, depois de
cosido, toma côr bastante escura.
Esta louça é muito leve,— dà bom sabor
ã agua— e não estala com o fogo, pelo que
é preferida para certas, frigideiras, alguida-
res, cassarolas etc.
Também fazem da dieta louça canecas
muito caprichosas para agua, sendo algumas
rendadas e de segredo, com asas e bordos
vãos por dentro. Note-se porem que a fre-
guezia de MoUelos não pertence ao concelho
de Viseu, mas ao de Tondella. »
Ha também n'este districto muitos jasigos
1 Dialogo 1°, eap. 7.» pag. 50 no códice de
Girabolbos.
de ferro, todos por explorar, .taes são os do
Castello dos Mouros e do Espigão da Serra
na freguezia da Penajoia, concelho de La-
mego,—e ha também 3 minas de chumbo
argenlifero em exploração,— uma em Vár-
zea de Trovões, concelho da Pesqueira,—
outra em Adorigo, concelho de Taboaço,— e
outra em Abragão, freguezia de Santa Leo-
eadia, no mesmo concelho.
Também na Foz do Távora, freguesia de
Valença do Douro, concelho da Pesqueira,
ha outra mina de chumbo argenlifero, que
em 1860 a 1874 foi explorada por Ladislau
Zarzechi, distincto cavalheiro e engenheiro
de minas, filho da Polónia e que viveu mui-
tos annos como emigrado em Portugal, até
que falleceu approximadamente em 1880 no
Alemtejo, estando empregado nas celebres
Minas de S. Domingos.
Também elle registrou e principiou a ex-
plorar outras minas de chumbo argentifero
na margem esquerda do Tedo e do Távora,
e na povoação de Donello, freguezia de Co-
vas do Douro, mas teve de suspender a la-
vra de todas por falta de capital I . . .
V. Cavas do Douro, tomo 2.» pag. 428
col. 1." in principio; Monte Coxo, tomo 5.»
pag. 472, col. 2.';— Távora, rio, vol. 9." pag.
515, col. 1.*,— e Várzea de Trovões, tomo
10." pag. 239, col. 1.*
Linho
Desde tempos muito remotos se colheu e
fabricou n'este distrijto grande quantidade
de linho.
Já em 1630 a 1636 o dr. Botelho {Dialogo
1.» cap. 7.») fallaodo da cidade de Viseu,
disse textualmente o seguinte:
»De panos, especial de linho, concorrem
a ella tantos ao mercado que se faz todas as
primeiras terças feiras dos mezes, que pro-
vê muita parte de Castella, e Alemtejo, para
onde levão mercadores, que a ella vem só a
isso.» E cem annos antes (em 1532) na sua
interessante Descripção do terreno em roda
de Lamego duas legoas disse Ruy Fernan-
des :
titem outro sy ha por soma no dito com -
I passo, de linho, a saber; pano de linho, qufr
1764 VIS
VIS
se faz nestas duas legoas, de dízimo (só de
dizimol) dezoito mil varas, de maneira, que
se colhem no dito compasso, e se fiam cento
e oitenta mil varas, . . .entre o qual he pano
de linho, e estopa, e trez (?), e haa estopa
que se vende a 12, 14, 15 réis até 20, e o
pano de linho de 15 até cento, e cento e
vinte a vara, e vende^ se este pano a merca-
dores, 6 vay pera castella muita soma, e pera
lixboa, e pera alemtejo, e pera o algarve, e
pera as ilhas, e outro se gasta na terra, e fi-
tas em peças. ^
atée agora (1532) se comia n'esta ci-
dade (Lamego) oitocentos mil réis de lonas,
que se faziam pera el rei nosso senhor, que
saya das sisas do dito compasso, e se repar-
tia por fiadeiras, e tascadeiras, e dobadeiras
todo pollo meudo, que he regateiras, e pas-
sadeiras, aiá 08 presos nisto ganhavam de
comer em debar, e almocreves em carretos,
e homens pobres que não tinham oflieios
aprenderam a tecelões das ditas lonas, com
que atée agora se mantinha 2.
«Item ha outro trato delrrei nosso senhor
de bordates, que se soiam a trazer de frança,
e agora se fazem na dita cidade ("Lamego) e
cercohito, que he muito bom pera a dita ter-
ra; porque na dita cidade he cercohito ha-
verá duas mil tecedeiras de panno de linho,
e de estopa, as quaes tecem aqui os ditos bor-
dates; e está aqui na casa da dita feitoria
hum fermoso bronhidor dos bordates, e pre-
sas monstruosas pera vêr andar, e assi ha
2 pisões, ... em o qual se fazem também ba-
caxiis, e fuslões . . . • 3
Do exposto se vé que no meádo do sé-
culo XVI a industria da tecelagem do linho
e da estopa foi muito importante n'este dis-
tricto, nomeadamente em Lamego; onde ha-
via uma fabrica real de lonas, talvez para
velas dos naiVios,— bordates, bacaxiis ou bo-
1 Inéditos de Hist. Port. tomo 5." pag. 555
2 Ibid. pag. 558.
3 Ibid. pag. 589.
1 caxins ^ (tela encerada) e fustões, — fabrica de
que hoje não ha outra memoria, alem da
que deixou o mencionado Ruy Fernandes,
que ao tempo era tratador ou director da
dieta fabrica.
Não sabemos o que eram os taes bordates
de linho, que costumavam vir de França.
Talvez fossem toalhas, guardanapos e cober-
tas ou colchas bordadas no tear, pois ainda
hoje em volta de Lamego e n'oulros pontos
do nosso paiz, nomeadamente em Amala-
guez, freguezia do concelho de Coimbra, se
tecem guardanapos, toalhas e colchas de li-
nho, ou de linho e algodão, com ornatos
muito caprichosos, tudo feito á mão em tea-
res de systema antiquíssimo.
Também na província de Traz-os Montes,
nomeadamente na freguezia de Urros, se fa-
zem colchas muito bonitas de linho, lã e
barbilho (seda grossa) , de cores e desenhos
variados.
O algodão tem affroniado muito a indus-
tria do linho, principalmente nas grandes
cidades, mas n'este districto e nos outros a
N. do nosso paiz ainda o linho è muito esti-
mado e cultivado em grande escala. Usa-se
com preferencia ao algodão para camisas,
ceroulas e roupa de cama. É mesmo um tim-
bre nas casas abastadas terem dúzias e dú-
zias de lençoes e rolos (teias inteiras) de li-
nho.
Seda
Também outr'ora produziu muita seda
este districto.
Em 1532 só no terreno em volta de La-
mego duas léguas se colheram 50:000 on-
ças.
«Item se colhe no dito compasso de dizi-
mo, a saber: de sêda cinquo mil onça», assi
que se colhe cincoenta mil onças. A qual
seda se gasta parte dela em esta cidade (La-
mego) e tarouca, em veludos, çatiis (setins)
tafetás e toucaria; e a mais vae pera fora. 2»
Produzia pois este districto no meado do.
^ Bocaxim. Telia engommada, para entre-
lar vestidos, mais forte e basta, que a Olan-
dilba. Diecionario de Moraes, G.« edição.
2 Ruy Fernandes, loc. cit. pag. 555.
VIS
VIS 1765
século XVI muiia seda e tinha em Lamego e
Tarouca fabricas de veludo, selim, tafetá e
toucaria —fabricas de que não ha memoria,
pois ha muito que a industria da seda de-
cahiu entre nós; mas ainda em vários pon-
tos d'este districto, nomeadamente nas fre-
guezias de Samodães e Penajoia, concelho de
Lamego, e na de Távora, concelho de Ta-
boaço, se vêem amoreiras seculares, raages-
tosas I
Também no meado d este século os fran-.
cezes, hespanhoes e italianos vieram a Por-
tugal comprar casulo para semente e deixa-
ram muito dinheiro n'este districto e no de
Bragança. Foi o ultimo impulío que teve
entre nós a creaçâo do sirgo, mas rapida-
mente amorteceu.
V, Rua, tomo 8.° pag. 253, col. 2.» e segg.
Madeira
Houve também n'e8te districto grande
abundância de excellente madeira de casta-
nho para canstrucções de toda a ordem,
principalmente nos concelhos de Sinfães,
Rezende, Lamego, Tarouca, Mondim, Arma-
mar e Taboaço.
Era trivialissimo ver castanheiros mages-
tosos e casas com madeira toda de castanho;
—soalhos, forros, janellas, portas, traves, ar-
mação e mobília, inclusivamente grandes
arcas, com taboas enormes, formando uma
só taboa cada face; e os forros eram por ve-
zes obras d'arte de grande custo, ainda hoje
muito estimados; mas ha muito que os cas-
tanheiros adoeceram e outros foram arran-
cados para novas culturas, pelo que a ma-
deira de castanho rareou muito e já não se
encontra sã como outr'ora.
Para se formar ideia do que foram os cas-
tanheiros d'este districto no meado do sé-
culo XVI, leia-se o que diz Ruy Fernandes,
loc. cit. pag. 6H, fallando do terreno em |
volta de Lamego : j
«Ha mais n'este cereohito madeira de cas- \
tanho a mais formosa que ha em todo o
Reino, e a maior parte déla se carrega para
lixboa, e para outras partes: ha tavoado que
he mais formoso, que bórdo, e vai hua dú-
zia de tavoado de doze palmos em compri- l
do, e dous em largo, 150 e 160 réis; ha mui-
tos e mui formosos mastos decastinheiro de
15, 16 e 17 braças (?!..•) que estãm onde
se podem carregar no Douro pera o Porto,
e dahi pera outras partes, e os que estam
mais ao sertão se faz delles madeira, e ha
muito tavoado, de quatro^ cinquo palmos em
largo.*
Eram também de castanho todos os toneis
do Douro, inclusivamente os maiores, de 40
a 60 pipas, i Os da nossa província da Es-
tremadura são quasi todos de pinho. Apenas
alguns teem tampos de castanho importados
do Zêzere e do Porto, ou do Douro, porque
a Estremadura não tem soutos de castanhei-
ros.
Fecharemos este tópico transcrevendo o
que Ruy Fernandes loc. cit. pag. 553 e 554,
fallando do terreno em volta de Lamego,
disse em 1532 da producção das
Castanhas
•Item coma a castanha (refere -se ao cir-
cuito das 2 léguas em volta d'aquella cida»
de) de dízimos 47:660 alqueires, de maneira
que somão as que se colhem na terra 476:600
alqueires I A qual castanha muita delia se
enterra, e se vende na eoresma, e outras se-
cam, e a picão, que chamão castanha pi-
cada. Desta castanha picada se faz grande
carregação pollo douro pera lixboa, e pera o
algarve, e pera as Ilhas; e quando o anno he
esterle, os homes pobres moem a dita cas-
tanha, e fazem delia pão, e he muito fartum
e muito doce, que chamam falacha; 2 e de
outra castanha verde caseada cevam muitos e
mui formosos porcos das mais saborosas car-
nes, que ha em todo o Regno. O preço desta
castanha verde em anno de bonança a tres
e a quatro centos réis o alqueire da rebor-
1 No Douro nunca houve toneis de maior
lotação, mas hoje na cidade da Figueira uma
companhia francesa tem toneis de lUO a 200
pipas, cada um, todos de pinho, e em Bar-
celona ha toneis de 500 pipas?! • • •
2 Ainda hoje (1888) ali se usam as taes
falachas, não como alimento ordinário, mas
por mimo.
1766 VIS
VIS
dam ^ e dã longal a 5 e a 6 polia medida
grande desta terra; e a da picada a 20, e a
25, e a 30 o alqueire. E no tempo delia to-
dollos caminhos e estradas sam cobertas, e
polias nom poderem apanhar trazem os por-
cos pollos soutos, que as comam; e todollos
caminhantes, e pessoas que passam fazem
magustos, sem lhe ser defesso; e ha casti-
nheiros muitos que dão 60 alqueires de cas-
tanha, e ha destes muitos; e ha castinheiro
que debaixo delle se colheram 300 homes á
sombra.*
Ainda hoje mesmo em Lamego, junto do
santuário de Nossa Senhora dos Remédios,
ha um castanheiro que tem de eireumferen-
cia no tronco mais de nove metros; mas em
Traz-os-Montes ha troncos de castanheiro
com 12 metros de circumferencial. . .
V. Vinhaes, tomo XI, pag. 1492, col. 2.*
in-fine.
AINDA O DISTRICTO
Viação romana
É certo que os romanos habitaram du-.
rante séculos este districto e n'elle tiveram
cidades e povoações importantes, taes foram
Viseu, Caria, Lamego ou a velha Lama ou
Lameca, Lamas do Molíedo, Murqueira, junto
de Gastando, e Bobadella 2 a S. e não longe
de Viseu, mas já no coneellio de Oliveira do
Hospital, districto de Coimbra. Deviam pois
ter também estradas n'este districto de Vi-
seu para o movimento dos seus exércitos e
serviço d'aquellas e d'outras povoações» mas,
tendo-se encontrado muitos cippos e muitas
lapides com inscripções romanas, até hoje
(1888) ainda não se encontrou 'bem registou
1 Aqui provavelmente houve erro de co-
pia. Suppomos que no original estaria — 3 a
4 réis o alqueire,— salvo í^e a tal medida
grande de Lamego in illo tem.pore fosse co ■
mo é hoje ainda a do sal na Regoa,— uma
enormidade I
2 Vejam-se n'este diccionario os artigos
correspondentes.
Referi mo-nos aos nomes actuaes, porque
se ignoram os que tiveram as mencionadas
povoações no tempo dos romanos.
(que eu saiba) um único marco railliar n'este
districto e n'esta província— nem vestígio
algum authentico das estradas do povo-rei.
Apenas o meu antecessor quando fallou de
Caria (tomo II pag. 109) apontou duas lapi-
des a modo de marcos milliares, mas muito
difíerentes dos que se vêem reunidos no
Campo das Carvalheiras em Braga.
Também elle e Viterbo loc. cit. suppose-
ram— e nós igualmente suppomos— que por
ali passou alguma estrada romana, ^ mas é
sensível a falta ãe padrões ou marcos millia-
res, o que nos leva a crer que os romanos
não tinham n'este districto e n'esta provín-
cia estradas de 1.* ordem, mas somente de
2.% 3.», 4.» e 5.», algumas das quaes nem eram
calçadas de pedra, como já dissemos no ar-
tigo Villa Real de Traz-os-Montes, loc. cif.
Com relação ás estradas romanas d'este
districto é muito interessante o que disse
Botelho em 1630 {Dirlqgo 1." eap. 16) to-
mando por thema uma celebre inscripção
que se encontra na aldeia de Lamas, fregue-
zia do Molledo, hoje concelho de Castro d'Ay-
i re, entre os rios Vouga e Paiva, cerca de 22
kilometros a N. de Viseu.
É uma inscripção verdadeiramente eni-
gmática e que até hoje ninguém decifrou
1 satisfatoriamente, posto que Botelho a co-
! piou e estudou;— foi também estudada pelo
! distinetissimo antiquário Fr. Joaquim de
; Santa Rosa de Viterbo, que não se atreveu
f a dizer d'ella coisa alguma, — e pelo sábio
cónego J. d'01iveira Berardo, que lhe dedi-
cou uma Memoria especial. ^
Também o meu antecessor no artigo Mol-
ledo, tomo V, pag. 372, col. 2.», mencionou a
tal inscripção, limitando-se a dizer que era
1 V. Villa Jusã, tomo XI, pag. 768; Villa
Marim no mesmo vol. pag. 782, col. 2.»; Villa
Pouca d' Aguiar, no mesmo vol. pag. 903,
col. l.« e 903, col. 2.»,— e Villa Real no mes-
mo volume também, pag. 1018.
2 Memoria sobre algumas inscripções en-
contradas no districto de Viseu, Lisboa, 1857,
foi. de 12 pag.
Também foi publicada nas Memorias da
Acad. R. das Sciencias, Nova serie, tomo 2."
parte 2.»
VIS
VIS i767
dedicada a Prosérpina Servatrix e a outras
divindades ! . . .
Botelho apenas viu n'ella a indicação de
muitas estradas e muitos municipios roma-
nos—e Berardo não viu n'ella indicação de
divindades nem de municipios nem de estra-
das romanas, mas somente os limites da pa-
rochia e diocese de Caliabria 1 . . .
Isto é realmente curioso.
Vejamos primeiramente o que disse Bote-
lho. ^,
Estranha que Ptolomeu faça menção de
Laconimurgi {que he Lamego— áiz elle) a 8
léguas de Viseu para o norte, e não men-
cione «outros lugares, e municipios romanos
de que não teve noticia, e nós a temos (?) de
hum letreiro que está em hum penedo no lu-
gar de Lamas, freguezia de Molledo, conee.
lho (então) de Mões, que diz assi :
rvfinv et
Tiro scrip
SERVNT.
ViE Aminico. Ri
DENTI.
Anco. m.
Lamatico
C. RO. V. C. EA. I. Maga
Reaicoi. Petravio. Li.
ado m. porcomjo. v. e. a. i.
Calelobrico I.
«Quer dizer— continua Botelho:— iÍM/íno,
e Tiro escreverão isto: daqui se seguem cami-
nhos para os municipios Amonico, Riduenti^
AncOy e Lamatico. De fronte daqui tomão os
Romanos este caminho para Anco (que he
Villa Cova) e para Lamego, que adeante- se
segue no cume da Maga. Também se segue ca-
minho para os municipios Petravio, Liado,
e Porcomio, e este tomão os Romanos adeante
no cume caleobrico. »
Botelho era bastante illustrado e versado
em antiguidades e epigraphia, mas, se os
leitores compararem esta lição com a de Be-
rardo infra, verão que um dos dois (ou tal-
vez ambos I.. .) foi muito infeliz n'e8te ponto.
Continua Botelho: «Este (cume ealiobrico)
he o outeiro de S. Lourenço, e deixando á
mão esquerda o caminho de Villa Cova a
velha, e de Lamego.
«Todos estes lagares (os que elle viu) na
celebre inscripção supra) são municipios ro'
manos, e não achamos em A. algum fazer
menção d'elle8. O mesmo esquecimento tive-
rão com a nossa cidade de Viseu.' Também
ha fama, que havia antigamente huma ponte
junto ao monte, onde está a Igreja de Pinho,
onde estava a villa povoada dos Romanos,
de que atraz falíamos, que devia chamar-se
Touco Andani, como diz o letreiro já referi-
do (?); do qual lugar, e dos mais da ribeira
do Vouga, onde os Romanos tinhão (?) pre-
sídios, como era Oscella, e outros, devia ha-
ver estradas para se communicarem, e pas-
sarem os exércitos, quando era necessário;
e no lugar de Lomba se veem inda os vestí-
gios de huma estrada que devia ir d'alguma
destas partes, e passando pelo alto do monte
de S. Magaio ou S. Macário, desce para o rio
Paiva por huma ladeira, e costa mui Íngre-
me, mas com tantas voltas, que sem traba-
lho se podia por ella caminhar, como por
hum plano, e passando o rio, encaminhava
para a villa d'Alvarenga, e para as partes do
Douro, livre de maiores subidas, e descidas,
de neves e frios das altas serras, que em
ambas as partes d'esta estrada flcão, como
são de huma parte o S. Magaio com sua ro-
cha, e da outra o Monte do Muro, alem do
Paiva, cujo mais alto cume se chama hoje
Parnaval, quasi igual naquella parte na al-
tura do monte Narval ou Navaso, que he o
S. Magaio. e sua rocha, dos quáes faz men-
ção o dr. Brito,! quando diz por authorida-
de de Santo Isidoro, que quiz passar Gun-
derico, rei dos Vândalos, quando Hermene-
rico, rei dos Suevos, acudio a lhe tomar o
passo, e lhe resistio tão valorosamente, que
o vândalo desistio da empresa, posto que
elle, nem Morales atinarão qual esie monte,
e passo fosse.
«Outra estrada principal (?) dos exércitos
romanos sobia da ponte, e ribeira do Vou-
i Monarch. Lusit. parte 2.* L. Q." eap. 5.»
fl. 156.
1768 VIS
VIS
ga, e carregando á mão direita (?) até Pin-
dello e Lamas, onde está o letreiro, passan-
do até Lamego. Diz o Chantre da Sé de Coim-
bra D. Jorge de Castro, que foi abbade de
Moens, pessoa mui grave, que todos estes
passos, e letreiros vio, que Anco era Covello
ou Villa Cova a Velha, i At^monico, Moens;
Lamaíico, Lamego,— se assim he; e que o
lettreiro não entende o mesmo lugar de La-
mas.
iTâmbem aqui errou Cláudio Ptolomeu na
sua Geographia ^, pois fez de Luconimurgi e
de Lamas 2 cidades differentes, sendo huma
só (?) que teve estes nomes em diversos tem-
pos, como se collige do Bispo Gerundense
(L. 1.») quando lamenta a destruição de La-
macem, que he Lamego, chamada Laconi-
murgi, como consta da Monarch. Lusit. Par-
L. 2." capitulo 7.°— e Parte 2.* L. S.» ca-
pitulo 11.
«O lugar de Lamas certo he que foi po-
voação dos romanos, como se vê das sepul-
turas, que ali deixarão, e tinha muro, e seu
nome ainda hoje se conserva em hum letreiro
que está em hum curral de gado, que diz
assi, achado no mesmo lugar de Lamas:
Gaaia
Pi SIRI F.
An. XXV
H. S. E. S. T. T. L.
«Quer diser: Gaia, fez este sepulchro a
Pisires, que morreu no anno 25 de sua ida-
de: seja-te a terra leve. ^
«No mesmo logar de Lamas em huma pe-
dra, que serve de torsa de huma casa, está
outro letreiro romano, que diz assi; mas com
letras gastadas:
^ Esta Villa Cova será Villa Cova a Coe-
lheira ?
V. tomo XI, pag. 708, col. 2 » e segg.
2 L. 2." Hispan. Lus., sit. cap. 5.»
^ Salvo o respeito devido á memoria do
dr. Botelho, a inscripção supra diz: Gaia, fi-
lha de Pisires, falleceu aos 25 annos de ida-
de e foi aqui sepultada. A terra te seja leve.
C MA I. . .
AlNO . . .
ginmie:
ANN III
Long.
EIAC
Amali
MATER
E. C. 1
«Quer dizer: Este sepulcro he consagrado
aos Deoses do inferno. A alma de Noginmia,
que falleeeo no anno 3.» de sua idade, esteja
longe de males; sua mãi lhe fez este sepul-
cro. 2
«Por toda esta freguezia de Moens se aehão
letreiros romanos^ como foi no logar de Villa
Boa^ andando, lavrando, onde se achou huma
pedra, que depois se trouxe para a baranda
das casas da Igreja, onde hoje (1630) está,
e diz assi:
D. M. S.
Trofimen
a ann xvii
Vrsvs et
sibi. et vx
sori f. c.
• Quer diser: Sepulcro consagrado aos Deo-
ses do inferno. Urso procurou, que se fizesse
para Trofimen, que morreo no anno 17 de
sua idade, e para si lambem, e para sua mo-
Iher. ^
1 Botelho leu assim:
CONSCERATUM MANIBUS.INEERIS
Anima Noginmiae
Anno iii
Longe
JACEAT
A MALIS.
Mater
EJUS condidit.
2 Pareee-nos que a dieta inscripção foi
mal copiada e mal tradusida.
2 Também não julgo muito correctas a li-
ção p traducção d'esta lapide.
VIS
VIS 1769
«Por estes indícios devia ser este lugar
de Lamas a cidade Lama, de que trata Pto-
lomeo, e assim fica desculpado; e não se deve
crer que o dissesse por Lamego, que havia
sido destruído, e assolado em tempo de Tra-
jano, tendo passado pouco mais de 30 annos
até o tempo que este geographo escreveu; e
aquella cidade foi mudada daquelle sitio, em
que até aquelle tempo estivera; e que segun-
do sente Brito, foi onde agora se chama S.
Domingos da Queimada, mudando com o lu-
gar o nome de Laconimurgi em Lameca, e a
assentarão onde agora está Lamego, que em
tão breve tempo não devia ser lugar de tanta
conta, que já Ptolomeo fizesse menção d'elle
e mais escrever Laconimurgi, que tão pouco
havia fora destruída, e se ella inda perma-
necia, não podia faliar doutra. Talvez enga-
nado das informações, faz de huma duas;
pelo que me venho a persuadir, que a La-
ma, de que trata Ptolomeo he o logar dos
letreiros '. ^. ,
• O monte que o letreiro chama cume Ma-
garico (?) he o outeiro de Maga, que está
defronte, e á vista do lugar de Lamas, em
cuja altura ha vestígios, e sígnaes de muros
de pedra tosca cora sua barbacãa, onde es-
tava (?) presidio romano, por onde podião
passar os exércitos seguramente, ajudados
do soccorro daquelle forte.
«Outro havia mais notável, que estava
adiante no mais alto monte desta serra, e
chama-se hoje S. Lourenço, porque esteve
no meio delle a ermida deste santo que se
mudou depois para o lugar de Casais do
Monte, que está perto. Este outeiro foi mu-
rado em redor com pedra tosca de 15 pai.
mos de largo a lugares, cheio ainda (1630 a
1636) e arrasado de terra. Tinha barbacãa,
e o Castello mais alto em huma rocha, don-
de se descobrem muitos lugares mui distan-
tes, ou sígnaes onde elles esta vão.
Tem esta cerca de nascente a poente hum
tiro de espingarda \ mas do norte a sul he
1 Refere-se aos arcabuses d'aquelle tempo
que eram muito pesados, muito imperfeitos
6 de pequeno alcance, emquanto que as es-
pingardas d'hoje (1888) são obras d'arte lin-
mais estreita, e ao redor deste monte passa-
vão 3 estradas, como inda hoje, pouco mais
frequentadas, que da gente da terra. Huma
he esta, que he a de Lamas, e sobindo por
Maga, atravessando o chão da serra, e pelo
pé deste monte de S. Lourenço passava em
Covello, e rio Paiva, e sahía a Villa Cova a
velha (a Coelheira?) que também devia ter
prezidio, e proseguíndo adiante descia ao
valle de Tarouca, e d'ahi a Lamego.
«A 2.» estrada sahia d'esia nossa cidade
de Viseu, e passando o Vouga abaixo adon-
de agora (1630). está a ponte de Cota, hia
ter ao logar do ZonJio, e d'ahi perto do mon-
te de S. Lourenço se hía metter em Covello,
na estrada sobredita para Lamego.
«A 3.» estrada se toma ao pé da dieta ser-
ra, e rodeando hia em sima ao outeiro sobre
a mão esquerda até Fonte Fria; toma ao
Zonho, e dahi aos mais lugares de Cotta, e
aos outros, de que o letreiro faz menção (?)
«Este outeiro de S. Lourenço chama o le-
treiro Calelobrico; devia pois aquella serra
chamar-se Calelobria do lugar, em que co-
meça, que por corrupção do tempo se cha-
ma Calde.
«Esta he a mais certa, e verdadeira infor-
mação, que vos posso dar destas antigalhas,
cuja luz a devemos ao mencionado letreiro »
E tal não disse.
Vejamos agora o reverso da medalha, ou
o que do mesmo letreiro disse Berardo, e ao
que ficam reduzidas as mais certas e verda-
! deiras informações de Botelho.
• Junto ao logar de Lamas de Moledo, no
actual (hoje, 1888, extineto) concelho de
Mões, do distrieto administrativo e bispado
de Viseu, i quasi em distancia de 4 legoas
ao nordeste d'esta cidade, existe uma notá-
vel inseripção encontrada, haverá 50 annos,
ou para melhor dizer conhecida desde aquel-
le tempa pelos homens intelligentes, e pos-
dissimas e variadíssimas;— alcançam 2 a 3
kílometros— e dão 20 a 30 tiros por minu-
to?!...
1 Berardo, Memoria cit. Lisboa, 1857.
1770 VIS
VIS
suidores d'algun3 conhecimentos archeolo-
gicos*.
«É uma extensa lapide de granito com-
mum do paiz, já algum tanto fendida pelo
meio, comprehendendo na sua area 35 pal-
mos craveiros d'altura sobre 33 de largura.
A face d'esta lapide, que está virada para o
norte, contem 11 letreiros desiguaes, tendo
as regras, ou columnas, colloeadas vertical-
mente (^) e começando a mais pequena d'el-
las pela parte do poente.
«Cumpre aqui prevenir, pelo que adiante
teremos de ponderar, que em distancia a
menos de legoa correm alguns ribeiros, que
formam um pequeno rio denominado Coura^
influente da margem direita do rio Vouga,
08 quaes podem ter servido para demarca-
ção de distrietos.2 Eis ahi uma copia fieláa.
inscripção: ^
Rfnet
TROSCRP
SFF.NT.
Veamnicori
DOENTI
Ançom
Lamaticom
Crovgeaimaça
Reaicoi. petrnioit
Adom. porcomiovea?
. . . Callobricoi.
«Com effeito o primeiro aspecto desta ins-
cripção, apresentando caracteres romanos,
siglas quasi desconhecidas, nomes completa-
mente bárbaros, e mais que tudo a direcção
vertical das regras, impressiona o leitor cu-
rioso de tal maneira, que lhe suscita logo a
1 Estranhamos que Berardo era nenhuma
das suas obras cite e mencione os Diálogos
do dr. Botelho, que devia ler e conhecer— e
por certo que leu e conheceu.
2 Logo fallaremos a este respeito.
P. A. F.
^ Não a podemos dar como se encontra na
Memoria, porque foi reproduzida em gra-
vura e tem siglas que só em gravura podem
reproduzir-se, mas daremos os caracteres
-que mais se ápproximam da gravura.
P. A. F.
idéa de uma invenção caprichosa e enigmá-
tica, por ventura imitativa da fabulosa an-
tiga Sphinge de Thebas, para que algum no-
vo Édipo a ousasse interpretar. Varias pes-
soas instruídas nas antiguidades, a quem se
apresentaram copias d'e3tes letreiros, movi-
das da curiosidade partiram de longe ao pró-
prio logar para os observarem por si e eli-
minarem qualquer impostura, que podesse
existir a este respeito. Uma d'ellas foi o nos-
so celebre antiquário Fr. Joaquim de S. Rosa
de Viterbo, porem de todas foram baldíidos
os trabalhos e exames; porque sinceramente
confessaram não somente a impossibilidade
que experimentavam na interpretação, mas
até mesmo não ousaram expressar alguma
opinião provável a similhanie respeito. ^ En-
tretanto ainda que hoje seja summamente
diíficil apresentar uma interpretação satisfa-
tória desta inscripção, não deixaremos com-
tudo de expender as nossas simples conje-
cturas (o que sempre foi permitlido) mais
cotfi o intuito de excitarmos a curiosidade
dos arehíologos sobre esta espécie de eni-
gma, do que persuadidos de o termos des-
coberto.
«A columna terminada ao Nascente pôde
servir de ponto de partida para entrarmos
neste intrincado labyrintho. Sem a menor
hesitação podemos ler Caelobricoi, e referir
este vocábulo (provavelmente em genitivo) á
antiga cidade de Calábria, que no dominio
dos godos fôra séde d"um bispado, composto
principalmente d'uraa paroehia da diocese
de Viseu, como se deprehende das actas do
concilio de Lugo, que estão nos códices de
Braga, cujos fragmentos, ainda que interpo-
lados, tem comtudo muita auetoridade entre
os melhores críticos.»
Dá em seguida algumas noticias de Calia-
bria, citando o Elucidário de Viterbo e a
Hespanha Sagrada, de Flores, mas n'este dic-
cionario já se disse mais e muito mais nos
artigos Caliabrin, Pinhel^ tomo 7.» pag. 66,
I ■
í Porque não diria* Berardo que o dr. Bo-
telho já no 2.« quartel do penúltimo século
emittiu a sua opinião sobre o assumpto?
P. A. F.
VIS
VIS 1771
— e Senhora do Campo, vol. 9." pag. 113 e
segg. 1
Veja-se também n'e3te artigo o tópico in-
fra, relativo ao Bispado de Viseu.
«Em vista do que deixamos copiado so-
mos de parecer que a lapide, de que esta-
mos tratando, fôra allí collocada provavel-
mente pelo meado do século vii — diz Berar-
do na sua Memoria— parsi demarcar os limi-
tes do território do bispado de Caliabria,
desannexado do de Viseu. As seguintes
observações auxiliam a nossa conjectura.
«Primeiramente apparecem alguns cara-
cteres de lettras usadas n'aquelles tempos
barbares. . .
«Em segundo logar o que se pôde ler, sem
forçar muito as appareneias, são alguns no-
mes d' antigas povoações ou parochias, de que
ainda hoje nos bispados de Viseu e Pinhel
existem os vestígios com as denominações
forçosamente convertidas pelo tempo,
• É portanto possível, e até provável, que
Ançom,, corresponda hoje à parochia das An-
tas, ou á de Algodres. . .—Lamahcon será
com toda a probabilidade a parochia de La-
mas de Moledo, onde a lapide está coUosada.
Estas povoações ainda hoje pertencem*á dio-
cese de Nhtxx.— Crongeai Maça podem bem
ser Gouveas e Maçai;— Reainoi Petrnioit, Po-
voa d'El Rei e S. Pedro, parochias dos actuaes
arcipreslados de Trancoso e Pinhel; e ulti-
mamente Adom— Porco Miovea as parochias
hoje denominadas Adem e Porto d'Ovelha\
do arciprestado de Castello Mendo. Todos es-
tes logares pertencem hoje (1857) -ao bispa-
do de Pinhel, que foi separado do de Viseu
em 1770.
1 N'este uUimo artigo, loc. cit. pag. 1!3,
col. 1.»— em vez de. . . foram colligidas pelo
esclarecido cavalheiro, o sr. padre José Cae-
tano Preto Pacheco, prior de Escalhão, leia-se
. . .pelo rtiv. Luiz José Ferreira de Carvalho,
prior de Escalhão, bispado de Pinhel, e pu-
blicadas ...pelo sr. ãr. José Caetano Preto
Pacheco, dislioeio advogado e publicista.
2 Adem ou Ade pertence ao concelho de
Almeida — e Porto d' Ovelha ao do Sabugal.
Também temos Adão e Porco, freguezias,
no concelho da Guarda.
P. A. F.
•Similhanlemente continuando a conside-
rar esta lapide como enigmática, filha do
capricho e barbaridade do tempo, aventure-
mo-nos a interpretar a 1.» e 2.* columna, co-
meçando do poente, por uma espécie de te-
nesis (inaudita na boa latinidade, mas muito
possível nos séculos baixos e bárbaros) onde
vemos as preposições— iíí9—e—7n— segui-
das da conjuncção copulaliva— e/— , para
prender a á syllaba— /ro— , ea 2.» àsyl-
laba— scn>— , querendo assim áizer:— Re-
tro inscriptae.
«Passando á 3.» columna somos levados a
interpretar a sigla— s/)'ní— por — sunt frori'
tatae.
«Na 4.* columna interpretaremos Veamni
Cori pelo pequeno rio de Coura, que acima
indicamos, ficando amni em genitivo bárbaro
com significação diminutiva, por força da
partícula— ije
«Na S.» columna o vocábulo Jioenti, pro-
vavelmente lambem em genitivo, poderá si-
gnificar um limite de logar, monte ou rio,
talvez opposto ao de Coura; mas que hoje é
inteiramente desconhecido. . .
«A sigla da ultima columna ao nascente
poderá significar ecclesiae.
«Por estas conjecturas, ficamos habilita-
dos para a seguinte interpretação:— Ueíro
inscriptae sunt frontatae Veamni Cori, Doen-
ti, Ançom, Lamaticom, Crougeai, Maça, Reai-
coi, Petrnioit, Adom, Porco Miovea, Ecclesiae
Caelobricoi.~As igrejas de Caliabria {tal e
tal, etc.) atraz inscriptas, são demarcadas
pelo rio Coura e Doenti.
«Para ajudar as conjecturas d'e3ta nossa
interpretação cumpre saber qual foi a sorte
do bispado de Caliabria, para onde passou
a jurisdicção ecclesiasiiiia do seu território
e sob quem está presentemente. Ouçamos a
Henrique Flores no tomo 14." da Espana
Sagrada, etc.»— diz Berardo e transcreve em
seguida um longo trecho de Flores, que nós
1 Note -se que Berardo era professor de la-
tim.
Veja-se o lopico Visienses illustres.
1772 VIS
omiltimos, porque adiantam mais os artigos j
citados supra e jà publicados n'este dieeio-
nario.
cEm complemento de tudo isto temos de
accreseentar, que dilatando-se a diocese de
Viseu até o rio Agueda antes da ereação do
bispado de Caliabria, fora o seu território di-
minuido pelo d'esta ultima até áquella parte
do actual arciprestado de Mões, onde se acha
collocada a Inscripção
«Também está averiguado por doeumen
tos dos archivos eeclesiasticos, que desde o
principio da monarchia os bispos de Viseu
começaram a exercer a sua jurisdicção so-
bre o primitivo território assignado em Lu-
go, exceptuando as terras de Cma Côa,qne
pertenceram a Castella, até que el-rei D. Di-
niz as vindicou pelas capitulações de Alcan-
hizes em 12 de setembro de 1297
• Finalmente o mesmo rei D. Diniz fez de-
pois doações de certas Igrejas de Cima-Côa
á Sé de Lamego e de Viseu, do que faz men-
ção o Elucidário; e a diocese d'eãta ultima
ficou demarcada como antigamente até o rio
Agueda, para onde se estende o arcipresta-
do de Castello Mendo, que com o de Tranco-
so e Pinhel pasíou em 1770 a organisar quasi
todo o actual bispado desta ultima cidade.
Não sabemos do documento (a não ser o tle
conquista) pelo qual osbippos de Cidade Ro-
drigo cederam da jurisdicção das terras de
Cima-Côa, de que estavam de posse; porem
de feito assim aconteceu, segundo consta do
arehivo da camará ecelesiastiea de Viseu.»
Assim fechou Berardo este tópico da sua
Memoria, mas quem quizer saber como e
quando obtivemos a temporalidade e depois
a espiritualidade das terras do Cima-Côa leia
os 3 artigos d'este diccionario indicados su-
pra, nomeadamente o artigo Senhora do
Campo.
Do exposto se vê que Berardo e Botelho
interpretaram de modo completamente di-
verso a tal inscripção— e nenhum dos dois
nos satisfaz..
Botelho só viu n'ella estradas e municí-
pios romanos,— estradas e municípios que
nem Berardo nem Viterbo sonharam ! Por
seu turno para Berardo aquelles gregotins
VIS
indicara os limites da antiga diocese de Ca'
liabria, mas,— salvo o respeito devido á me-
moria do sábio cónego,— não podemos accei -
tar semelhante lição.
Sendo erecto o bispado da Caliabria para
commodidade dos povos que demoravam in
illo tempore entre as dioceses de Lamego,
Viseu, Guarda (então Egitania, ou Idanha a
velha) Braga, Coria e Salamanca,— e estando
a cidade de Caliabria junto do Douro e da
confluência da ribeira d'Aguiar com o Dou-
ro, distando approximadamente 70 kilome-
tros de Lamego, 90 de Viseu, 100 de Sala-
manca, 120 de Coria, 140 de Idanha a velha
e 150 de Braga, podiam dar ã nova erecta
uma area bastante espaçosa, sem affronta-
rem nenhuma das dioceses limitrophes, co-
mo afl^rontavam as de Lamego e Viseu, le-.
vando-a até à povoação de Lamas do Moledo
que está entre Viseu e Lamego e dista das
duas cidades apenas 20 a 2i kilometros I. ..
Não é pois crivei que levassem para O. e
O. S. O. o termo da nova erecta até ás por-
tas de Viseu e de Lamego, tendo tanto es-
paço a dar-lhe para leste, sul, sudoeste, nor-
te e noroeste.
Também mal pôde crer-se que dessem
como termo á nova erecta, do lado O. o in-
significante rio Coura descoberto por Berar-
do junto de Viseu, quando tinham outros
rios muito mais importantes e mais bem ta-
lhados para limite da nova diocese d'aquelle
lado, taes eram o Côa, o Távora e o Tedo.
Prosigamos.
Viação antiga
Deixando nas sombras do mysterio a via-
ção romana d'este districto^ indiquemos a
que vigorou desde a invasão dos bárbaros
do norte, ou desde o século v, até o melado
do século XIX, i pois com a invasão dos bar-
1 Pode talvez dizer-se que a destruição do
império romano do oceidente fez recuar a
civilisação de Portugal e da península até o
fim da idade media— e que o pelouro da via-
ção sò depois do meado do sei'ulo actual
attmgiú o grau d'esplendor a que subira no
tempo dos romanos. Teve pois a viação en-
VIS
VIS 1773
baros pouco tempo devia darar a esplendi-
da viação romana e não consta que elles,
nem os mussulmanos, nem posteriormente
os chrislãos a restaurassem.
A moderna viação é superior á dos roma-
nos, mas entre nós foi iniciada no melado
d'e8te século. ^
Até então só ha memoria de barrancos e
precipicios com o nome de estradas— e n'este
districto de Viseu as prineipaes eram as se-
guintes, segundo se lé no Roteiro de João
Baptista de Castro.
De Viseu a Coimbra
{estrada de Lisboa)
Legoag
De Viseu a Fail 1
De Fail a Sabugosa I
De Sabugosa a Tondella 1
De Tondella a S. Joaoninho 1
De S. Joannioho a Casai de Maria 1
De Casal de Maria ao Criz 1
Do Criz ao Barril 1
Do Barril a Freirigo 1
De Freirigo a Sanlo AdIodío do Cân-
taro 1
De Santo Antonio do Cântaro a Ga-
Ihano 1
De Galhano ao Botão 1
Do Boião a Eiras 1
D'Eiras a Coimbra l
Total "I3
Outro caminho seguia por Tondella, Santa
Comba-Dào, Murtagua, Bussaco, Mealhada e
Coimbra. Foi esie o que se macadamisou
depois de 1850 e que teve carreiras de dill-
gt^nfias.
tre DÓS um eclipse que durou 1:300 annos,
approximadamente?!. . .
Só a esplendida mala posta que se mon-
tou entre Lisboa e o Porto em 1854 a 1860
pôde comparar-ae ás carreiras de coches que
os romanos tinham nas suas estradas de 1.*
classe.
í V. n'este diceionario os artigos Estradas
romanas, tomo III, pag. 73 a 77,— e Vias
férreas tomo X, pag. 467 a 502.
VOLUME XI
De Viseu para Aveiro
Legoas
Cruz Alta 1
S. Miguel do Outeiro 1
Portel la 1
Monte Teso 1
Urgueira 1
Cabeça de Cão 1
Ferreiros 1
Arrancada 1
Palhaça 1
Eixo 1
Aveiro. • 1
Total 11
Também havia outro caminho por Vou-
zella, Santiaguinho, Ponte Fóra, Bemfeitas,
Talhadas, Ferreiros, Arrancada, Palhaça e
Aveiro.
De Viseu a Villa Real de Traz-os -Montes
Legoas
Campo i
Ponte do Almargem 1
Rio de Mel 1
Mamoiros 1
Castro d'Ayre 1
Senhora da Ouvida 1
Bigorne i
Povoa 1
Lamego 1
Regoa 1
Villa Real _3
Total 13
Hoje só o percurso entre Lamego e "Villa
Real pela nova estrada é de 43 kilome-
tros I . . .
De Viseu para a Guarda
Legoas
Tagilde • i
Quintella 4
Chans 1
Fornos d' Algodres 1
Total 4
112
I
i774 VIS
VIS
Transporte 4
Figueiró da Granja 1
Celorico 1
Lagiosa 1
Porlo da Carne 1
Cabadonde 1
Guarda 1
Total ,.. <0
Hoje este percurso variou
muito. É mais longo mas mui-
to mais rápido e mais commo
do, porque é feito em grande
parte pela linha férrea da
Beira.
De Viseu ás terras da sua correição
Legoas
Alva 3
Azere 5
Azurara da Beira 2
Banho 3
Bareriro 1
Besteiros 3
Bobadella 7
Canas de Sabugosa 2
Canas de Senhorim 3
Candosa 5
Coja 8
Carrellos 4
Inôas 6
Ferreira d'Aves 4
Folhadal 31/2
Foz de Piodão 9
Gafanhão 4
Guardão 4
Gulfar 4
Lafoens 3
Lagares o
Mangualde 2V2
Mões 3
Mortágua 7
Mouraz 31/2
Nogueira 7
Oliveira do Conde 5
Oliveira de Frades 4
Oliveira do Hospital 6
O voa 6
i*enalva d'Alva 8
Penalva do Castello 3
Pinheiro d'Azere 2 Vz
Povolide 2 Va
Ranhados 1
Reriz 5
Sabugosa 2
S. João d'Areias 5
S. João do Monte ; S
Sandomil 7
Santa Comba-Dão 5
S. P«^dro do Sul 3
Senhorim 2
Silvares 5
Sinde 5
TaboaC 6
Tavares 31/2
Trapa 4
Treixedo 4
Villa Cova de Sub Avô 8
Villa do Sul 4
Vouzella 3
De Lamego a Coimbra
Povoa
Bigiirne
Ca«lro d'Ayre
Alva
Coberlinha '
S. Pedro do Sul
Vouzella
Saniiaguinho ,
Ponte Fóra
Talhadas
Ferreiros
Sardão
Agueda
Avelans do Caminho.
Mealhada
Coimbra
Legoas
Tu tal.
_4
21
* Esla legoa d' Alva a Coberlinha era im-
meiíía. i\ós a p< rcor remos muitas vezes a
Cavallo e uma vpz a pé, no anno de 1834,
chegando ao termo d'clla ja de noite e cho-
rando II...
V. Villa Maior, tomo XI, pag. 774, col. 2.*
e segg.
VIS
VIS 1775
Era este o caminho ordinário entre La-
mego e Coimbra e o único indicado no Ro-
teiro de J. B. de Castro, mas nós algumas
vezes seguimos pelo Porto embarcados ou em
sella; — outra vez fomos por Viseu — e ou-
tr'ora também se fez a viagem pela Gralhei -
ra, Portas do Monte do Muro, Arouca, Al-
bergaria Velha e Sardào.
Calamitosos tempos I . . .
De Lamego para Moimenta da Beira
Legoas
Ferreirim 1
Granja Nova 1
Sarzedo 1
Moimenta i
Total 4
De Lamego para o Porto
Legoas
Saoliaguinho ^ 1
Mezãufrio 1
Teixeira 1
Carrasqueira 1
GestaçÒ l
Canaveses 1
Arrifana 2
Fonte Sagrada 1
Baltar 1
Ponte Ferreira 1
Vallongo 1
Venda Nova 1
Porto _1
Total 14
Este itinerário soffreu lambem grande
modificação depois que a Companhia dos
Vinhos levou a estrada do Porto para a Re-
1 Esta povoação demora no alio da fre-
guezia da Penajoia; — a estrada seguia até ali
pela serra d'Avões — e depois passava o Dou-
ro na barca do Molledo ou do Por Deus, mas
desde que a antiga Companhia dos Vinhos
fez a estrada desde a Rede até á Regoa, os
viajantes deixaram a serra d'Avões e se-
guiam pela Regoa ou peia barca do Carva-
lho, que chegou a render livres para a cama-
rá de Lamego 1:200!?1000 réis por aono?l . . .
goa por Penafiel, Amarante, Quinlella e Me-
zãofrio, desviando a de Canavezes e da Tei-
xeira.
De Viseu a Moncorvo
Legoas
Cavernães 1
Pedrosa I
Fontainhas 1
Lamas 1
Segões 1
Granja de Paiva 1
Moimenta da Beira 1
Fontearcada 1
Chozendo 1
Penedono 1
Banhados i
Cedovim 1
Sebadelhe 1
Freixo de Numão 1
Barca do Pocinho 1
Moncorvo _1
Total 16
De Viseu a S. João da Pesqueira
Legoas
Cavernães 1
Moimenta da Beira 6
Guedieiros 1
Paredes da Beira 1
Trovòf^s 1
Pesqueira 1
Total 11
De Viseu para Almeida por Trancoso
e Pinhel
Legoas
Púvolide IV2
Roriz 1
Esmolfe 1
Sezures 1
Forninhos 1
Penaverde 1
Casaes do Monte 1
Venda do Cego 1
Trancoso 1
Povoa d'El-Rei 1
Total 10 Vg,
177G VIS
VJS
Transporte 10 V2
Valbom 1
Pinhel 1
Pt-reiro 1
Valverde 1
Almeida 1
Total 15^
De todas a» antigas estradas d'este disiri-
cto a melhor e mais luxuosa e de roais mo-
vimento era a de Lamego á Regoa. Tinha 8
a 9 metros de largura, bellos muros desup-
porte e resguardo, valetas de granito, etc.
Foi uma das primeiras que em Portugal se
macadamisou pelos annos de 1850— e logo
se facultou ao transito publico para diligen-
cias e trens, mas infelizmente havia sido tra-
çada para liteiras e tinha declives de 10 a
12 por cento e mais, pelo que foi substitui
da por outra que segue o valle do rio Va-
ro?a e tem de percurso 12 kilometros, em
quanto que a estrada velha media 6 kilome-
tros apenas.
As outras estradas d'este districto— salvas
raríssimas excepções— eram uma sequencia
de barrancos de tal ordem que nem para li-
teiras se prestavam todas. Era mister con-
certal-as ou reparal-as quando por ellas ti-
nha de fazer tranzito alguma pessoa real,
mas esses reparos eram sempre tão ligeiros
que a breve trecho desappareciam. Tão las-
timosa era a viação antiga, que muitos dos
nossos prelados por commiseração manda-
vam concertar os caminhos pelos povos con-
finantes,— outras vezes à custa dos próprios
bispos, alguns dos quaes até mandaram fa-
zer pontes de preço. Assim mandou o bene-
mérito bispo de Lamego D. Manuel de Vas-
concellos Pereira, natural de Castro d'Ayre,
fazer a ponte d'AlvareDga, sobre o Paiva,
mas não pôde concluil a, porque a morte o
surprehendeu.
V. Villa Real de Traz-os-Monles, tomo XI,
pag. 931.
As liteiras tiradas por grandes machos
carregados de campainhas foram o trans-
porte mais luxuoso até o meado d'este sé-
culo. Nós ainda vimos muitas, mas n'esie
districto de Viseu nunca se viram tantas em
columna cerrada como em 1710, quando o
bispo D. Jeronymo Soares fez regressar a
Pinhel as freiras do convento de S. Luiz,
Veja-se n'este artigo Vtseu as pag. 1S86,
col. 2.* e segg.— e 1628, col. 2.' também e
segg.
Fecharemos este tópico dizendo que as la-
goas da nossa antiga viação não tinham cra-
veira própria. Eram talhadas a arbítrio e
muito mais extensas que as d'hoje.
Na viação actual as legoas teem 5 kilome-
tros, emquanto que as antigas correspon-
diam a 10 kilometros aproximadamente.
Viação actual
Desde o tempo dos romanos nunca se li-
gou à viação publica tanta importância co-
mo hoje Todos hoje reconhecem que as boas
estradas e a facilidade de transporte e de
coramunieaçòes são o primeiro factor da
vida e prosperidade dos povos e pode ava-
liar-se a prosperidade e civilisação das di-
versas nações pela sua rede de estradas e
pelos meios de transporte e communicação
de que dispõem.
Nós acordámos só no meiado d'este século,
mas com os limitados recursos de que dis-
pomos bastante adiantámos n'este pelouro
em 36 annos — ou desde 1852 até hoje, pois
já temos uma boa rede de estradas a maca-
dam— reaes, districtaes e municipaes,— bas-
tantes linhas férreas a vapore linhas ameri-
canas e telegraphieas em todo o nosso paiz,
como pôde ver-se no artigo Vias Férreas,
tomo X, pag. 467, col. 2.» e seguintes.
Agora fallaremos da viação actual d'este
districto de Viseu, que n'este ponto cede aos
nossos districtos de Lisboa, Porto e Braga,
mas leva muita vantagem a quasi todos os
outros, como os leitores vão ver.
Seguiremos n*esta exposição a ordem oflQ-
cial, indicando primeiramente as estradas
reaes, depois as districtaes e municipaes e
por ultimo as linhas férreas.
I
Estradas reaes
{.'—Estrada real n.° 7, de Viseu a Villa
Real de Traz-o£-Montes.
VIS
Parte de Viseu e segue n'e8te distrieto até
á margem direita do Douro (ponte da Re-
goa) pelas povoações de Moazellos, Vendas
de Travanca, S. Pedro do Sul, Ladreda, Fi-
gueiredo d'Alva, Castro d'Ayre, Colo de Pi-
to, Mezio, Bigorne, Magueja, Ordens, Lame-
go, Souto Covo e Quintiâo.
Tem de percurso total 94:265,5 metros—
e, passado o rio Douro, communica no dís
trieto de Villa Real com a estação da Regoa,
na linha férrea do Douro.
'i.*— Estrada real, n." 8, da Mealhada, na
linha férrea do norte, a Viseu.
Comprehende no distrieto de Viseu a par-
te d'esta estrada desde o cume da serra do
Bussaco até Viseu, com o percurso de
64:470,6 metros, e toca nas povoações se-
guintes: Moura, Valle d' Açores, Mortágua,
Barril, Breda, Santa Comba-Dão, Vendas de
Villa Pouca, Adiça, Tondella, cercanias de
Sabugosa, Fail, Villa Chã de Sá (cercanias)
e Repeses (idem).
Communica com a linha da Beira Alta na
estação de Mortágua directamente— e indi-
rectamente com a mesma linha na estação
de Santa Comba-Dão, pela estrada real n.°
50, de Santa Comba-Dão á venda do Sebo.
2.»— Estrada real, n." 84, de Peaafiel á
Barca d'Alva.
Pertence ao distrieto de Viseu a parte
d'esta (ístrada desde a ponte da Regoa sobre
o Douro até á villa de S. João da Pesqueira
(ainda não passou d'ali a construcção); este
lanço tem de percurso 40;460,4,—e loca nas
povoações seguintes: Bagauste (em frente do
apeadeiro d'este nome na linha férrea do
Douro) — Folgosa (em frente da estação de
Covelmhas) Tedo, Espinho (em frente da es-
tação do Ferrão, para a qual está a concurso
a construcção de uma ponte sobre o Douro)
— Basteiras, cerca de 1:400 metros a jusante
da estação do Pinhão (até aqui este lanço de
estrada acompanha a margem esquerda do
Douro) — Casaes, na margem direita do rio
Torto,— Ervedosa e Pesqueira.
í.^— Estrada real, n." 41, de Aveiro a S.
l>edro do Sul.
VIS 1777
A parte d'esta estrada que toca ao distri-
eto de Viseu começa na avenida direita do
pontão de Espendello-e termina em S, Pedro
do Sul, onde entronca na estrada real n.» 7,
já descripta, tendo passado pelas povoações
de Ribeiradio, Oliveira de Frades, Vouzella,
Banho e Sub -Estrada.
O seu percurso no distrieto de Viseu é de
33:206,5 metros; corre pela margem esquer-
da do Vouga desde o pontão de Espendeilo
até o Banho, onde em uma bella ponte de
granito e moderna passa para a direita do
Vouga e segue pela dieta margem até S.
Pedro do Sul.
5. *— Estrada real, n." 42, de Viseu ao
Porto.
É commum com a estrada real n.° 7 de
Viseu a Villa Real, entre Viseu e a villa de
S. Pedro do Sul, na extensão de 22:272,0
metros, e cora a estrada real n." 41 de Avei-
ro a S. Pedro do Sul, entre o bairro da Ponte
e a Praça da mesma villa, na extensão de
616,0 metros. D'este ponto segue para Santa
Cruz da Trapa na extensão de 9:412,6 me-
tros, onde termina a parte construída. É
portanto o seu percurso entre Viseu e Santa
Cruz da Trapa— 32:300,6 metros.
6. »— Estrada Real n." 43, de Viseu a Ce-
lorico da Beira.
Pertence a este distrieto a parte que de-
mora entre Viseu e o ribeiro da Canharda,
na extensão de 37:944,2 metros— e toca nas
povoações de Povoa de Sobrinhos, Prime,
Fagilde, S. Cosmado, Mangualde, Freixiosa,
Tragos, Matados, Chans (cercanias) e Villa
Cova de Tavares.
Communica indirectamente com a linha
da Beira Alta em Mangualde (estação d'este
nome ou dos Cubos) pela estrada districtal
n " 53 da Covilhã a Mangualde por Valhe-
Ihas, Manteigas, Serra da Estrella, Gouveia,
Monte Aljão, Ponte Palhez, sobre o Monde-
go, e Mangualde.
7. '— Estrada real, n" 44, áe Lamego a
Trancoso.
Tem de percurso n'e3te distrieto desde
1 Lamego até o pontão das Quebradas, sobre.
1778 VIS
VIS
o Távora, 52:054,3 metros— e toca nas po-
voações de Britiande, Granja Nova, Paçô,
Leomil, Moimenta da Beira, Rua, Adebarros,
Penso, Villa da Ponte (cercanias) e Ponte do
Abbade.
S.^— Estrada real, n.» 45, de Aveiro a
Tondella.
Está construída n'este distrieto entre o
Guardâo e Tondella, onde entronca na es-
trada real n.» 8 da Mealhada a Viseu; a parte
construída tem de extensão 16:628,8 metros
e toca nas povoações do Campo de Bestei-
ros e Mollelos.
9-'— Estrada reaí, n." 46, de Tondella à
Covilhã.
Apenas tem construída no distrieto de Vi-
seu a parte que demora entre a povoação da
Cancella, na estrada real n.» 48 da Figueira
a Mangualde, e a ponte de Taboa, sobre o
Mondego, na extensão de 5:502,0 metros.
Passa pela villa de S. João d'Areias.
10. "— Estrada real, n.» 48, da Figueira a
Mangualde.
A parte comprehendida no distrieto de
Viseu demora entre Foz-Dão e Mangualde,
e comprehende 49.952,4 metros, incluindo
743,0 metros communs com a estrada real
n.* 43 de Viseu a Celorico. Toca nas povoa-
ções de Venda do Sêbo, Rojão Grande, Can-
cella, Guarita, Casa Nova, Carregai, Fiães,
Canas de Senhorim, Nellas, Pinheirinho e
Mangualde.
Partem d'esta estrada 2 ramaes: — um para
os Banhos da Felgueira na extensão de
5:404,1 metros;— outro para a estação de
Nellas, na linha da Beira Alta, com a exten-
são de 215,0 metros.
11. '— Estrada real, n.''50, de Santa Com-
ba-Dão à Venda do Sebo.
Tem de extensão 4:386,9 metros, incluin-
do a parte commum com a estrada real n."
48 da. Figueira a Mangualde, na extensão de
980,6 metros, desde o Bojão Grande até à
Venda do Sebo.
Entronca na referida estrada n.° 48 junto
do Rojão Grande,— o seu percurso até este
ponto é de 3:406,2 metros,— e communica
com a linha da Beira Alta na estação de
Santa Comba-Dão.
II
Estradas disírictaes
{.'—Estrada districtai n." 87, de Lamego
a Entre os Rio.s (Douro e Tâmega.)
Parte de Lamego, da Praça do Commer-
cio, e segue para O. alravez dos coneelhos
de Rezende, SInfães e Castello de Paiva até
á ponte de Entre os Rios, sobre o Douro,
mas até hoje (1888; tem apenas construído
um lanço desde Lamego até à Penajoia, na
extensão de 8:858,6 metros, atravez das fre-
guezias de Almacavo, Ferreiros, Samedães
e Penajoia, não passando ainda do meio d'es-
ta ultima.
'2.*— Estrada districtai n." 40, de Viseu
por Côta á estrada de Lamego para Moi-
menta da Beira, a Moimenta da Beira, e d'ali
á foz do Távora ou Espinho, na margem es-
querda do Douro, a entroncar na estrada
real n." 34, passando pelas freguezias d'Ar-
cozello, Baldos, Sendim, Paradella, Grangi-
nha, Távora e Taboaço.
Está construída entre Viseu e a Portella
de Valle de Cavallos, na extensão de 25:802,1
metros; — entre Moimenta da Beira e Baldos
na extensão de 5,-924, 3 melros,— e desde a
villa de Távora até o Espinho ou foz do Tá-
vora, na extensão de 12 kilomeiros.
O lanço entre Távora e Taboaço é lindís-
simo e quasi plano, mas tem um kilomeiro,
na passagem do Ribeiro Fradinho, que é um
arrojo de construeção e fez titubiar os en-
genheiros, porque passa atravez de um me-
donho estendal de rocha nua com grande
declive, o que obrigou a fazer grandes cor-
tes na penedia do lado superior e grandes
muros de supporte do lado inferior ^
Está em construeção outro lanço também
bastante difflcil desde Távora até o alto da
1 Os laes muros de supporte teem lanços
de 18 metros d'aUura.
VIS
VIS 1779
Granginha, » na extensão de 4 kiloraelros,
approximadamente.
Deve-se á inflaeneia dos srs. Macedos Pin-
tos, de Taboaço, 2 esta importante estrada,
bem como a ponte sobre o Douro na testa
d'ella e a prendel-a com a estação do Fer-
rão na linha do Douro,— ponte que já foi
approvada pelo governo e posta a concurso
por portaria de 6 do mez de junho do cor-
rente anno de 1888.
Os srs. Macedos Pintos teem prestado e es-
tão prestando relevantes serviços a Taboaço,
como o sr. visconde de Guedes Teixeira a
Lamego, o sr. José Guilherme Pacheco à
Villa de Paredes— e o sr. Conde de Castello
de Paiva ao concelho do seu titulo.
Ditosa pátria que taes filhos teve / . . .
3.*— Estrada districtal, n." 40 A, de Viseu
ás Rans.
É eommum com a districtal n." 40 entre
Viseu e um ponto situado alem da povoação
de Cavernães, denominado Penedo de Caver-
nães, na extensão de 10:429,6 metros. Bi-
furca n'este ponto dirigindo-se ás Rans pela
Villa da Egreja;— -e passa junto das povoa-
ções de Contigem e Avellosa I
L*— Estrada districtal n.' 41, de Man-
gualde e Viseu à estação do Freixo na linha
do Douro.
Parte de Mangualde um ramo que está
construído entre esta villa e Castendo, na
extensão de 11:994,6 metros.
Toca na povoação de Santo André.
Outro ramo parte de Viseu; é eommum
com a estrada real n.° 43 de Viseu a Celo-
rico atè um ponto situado entre os rios Sa-
íam e Dão; tem 9:390,0 metros de percurso,
— bifurca n'este ponto com a dieta estrada
1 Todo o lanço (em parle já construído)
desde Taboaço até o alto da Granginha tem
de extensão 8:062,6 metros e foi orçado em
sessenta e um contos de réis ? ! . . .
2 V. Miragaya, tomo V, pag. 269, col. !.•;
—Taboaço, vuJ. IX, pag. 469, col. 2." e segg.;
— Vicente (S.) tomo X, pag. 516, col. 2.» e
segg.,— e Távora, freguezia do concelho de
Taboaço, no supplemento.
real n." 43 — e está construída até á povoa-
ção do Ladario, na extensão de 10:724, 2
metros
Q.'— Estrada districtal n.» 42, de Mangual-
de por Penalva do Castello a Trancoso.
A parte construída (de Mangualde a Cas-
tendo) é eommum com a estrada districtal
n." 41, ramo que parte de Mangualde (n.» 4).
Estrada districtal n * 44, de Viseu
por Nellas, a Ceia.
Á parte comprehendida no districto de
Viseu começa no arrabalde d'esta cidade, no
sitio das Pedras Alçadas, e termina sobre o
Mondego, na Ponte Nova.
Passa por Cabanões, Oliveira do Barreiro,
Casal Sancho, Villar Secco, Algeraz e Nel-
las.
É eommum com o ramal da estrada real
n." 48 (da Figueira a Mangualde) á estação
de Nellas, na linha da Beira Alta, em 213,0
metros— e tem de percurso total 28:912,9
metros.
7.*— Estrada districtal n.° 52, do Carre-
gal pelo Ervedal e Paranhos de Geia a Gou-
veia—e pelo Ervedal e Oliveira do Hospital
a Galliees,
É eommum com a estrada real n." 48 (da
Figueira a Mangualde) entre o Carregal e
um ponto denominado Calvário, na exten-
são de 3:749,1 metros; bifurca n'e9te ponto
com a referida 'estrada, dirigindo-se á Ponte
da Atalhada sobre o Mondego, que divide o
districto de Viseu do de Coimbra, e passa
por Oliveira do Conde.
A sua extensão da Ponte da Atalhada ao
Calvário é de 5:348, 4 melros— e do Carre-
gal á dieta ponte é de 9:097,5 metros.
S."— Estrada districtal n." 53, da Covilhã
por Valhelhas a Manteigas, Serra da Estrella,
Gouveia e Mangualde.
A secção do districto de Viseu demora en-
tre a Ponte Palhez (sobre o Mondego) e Man-
gualde, onde entronca na estrada real n.»
43, de Viseu a Celorico; toca na povoação
de Contenças—e tem o dicto lanço 11:728,2
metros.
)
1780 VIS
VIS
A isto se reduziam em 30 de junho de
1886 as estradas reaes e districiaes de todo
o districto de Viseu, mas devem ter adian-
tado bastante, porque já decorreram 2 an-
DOS até hoje (estamos em julho de 1888) e
não tom havido interrupção nas obras pu-
blicas.
ni
Estradas municipaes do concelho de Viseu i
1. ^—E. M. (estrada municipal) de Lidas-
se n.' 6, de Castro d'Ayre a Viseu.
Pertence ao concelho de Viseu desde a
ponte do Álmargem sobre o Vouga, até á
estrada real n." 7, de Viseu a Villa Real,
na qual entronca junto de Âbravezes.
No limite de Viseu tem de percurso total
13:234,5 metros.
2. *— M. de 1* classe n* 12, de Viseu á
Feira do Campo.
É commum com a E. R. (estrada real) n.»
7, de Viseu a Villa Real, até o sitio da Cruz
da Pedra, na extensão de 355 metros; está
construída até Almas de Farzra, na ex-
tensão de 13:475,0 metros — e toca nas po-
voações de Vil de Moinhos, Figueiró, Mos-
teirinho e Torre Deita.
Percurso total 13:830,6 metros.
3. » — E. M. n." 14 A, da Baiuca de Olivei-
ra do Barreiro á E. M. do côncelho de Ton-
della, da Ponte Pedrinha a S. Gemil.
A secção do concelho de Viseu parte da
E. D. (estrada dislrietal) n.» 44 de Viseu a
Ceia, junto da Baiuca de Oliveira do Barrei
ro, e termina no Arieiro. Toca na povoação
de Pindello e tem de percurso 7:668 metros.
4. "— fí. M. de 2.» classe, n." 1, de Vil de
Moinhos ao Real.
É eommum com a E. M. n.« 12 (de Viseu
à Feira do Campo) entre Vil de Moinhos e
1 Para não fatigarmos os leitores e os edi-
tores apenas indicaremos a viação munici-
pal do concelho de Viseu, pois a de todo o
díá/nc/o /tomaria grande espaço.
j Figueiró, na extensão de 4:880,9 metros;—
toca nas povoações de Figueiró e Farmi-
nhão, — passa junto da de Ferrocinto— e tem
de percurso 8:879,2 metros.
5.*— -E. M. de 2.' classe n. 2, do Persegui*
do a Orgens.
Está toda construida^ mas tem de percursa
apenas 492,7 metros.
%A—E. M. de 2* classe n. 8, da Fonte da
Cruz á Carvalha dos Enforcados
Parte da E. M. de 1.» classe n.« 12 de Vi-
seu á Feira do Campo, no sitio da Fonte da
Cruz;— vae até á dieta Carvalha dos Enfor-
cados, no Couto de Cima,— e tem de per-
curso 3:247,3 metros.
7. '—E. U. de 2.» classe n.» 11, da Bouça
ás Álpondras da Barca.
Tem apenas construído um lanço de al-
guns kilometros a partir do sitio da Bouça
na E. R. n.» 7, de Viseu a Villa Real.
8. »— E. M. de 2.» classe w.» 25, da egreja
de Lordosâ a Villa Corça.
Em junho de 1886 estava apenas construí-
do um lanço de 1:260,6 metros atéMundão.
9. "— M. de 2.* classe n." 28, do Cabeei-
1 Oulr'ora por economia enforcavam tam-
bém os malfeitores nas arvores mais próxi-
mas do local do delicio e parece que alguns
foram justiçados na dieta carvalha, mesmo
porque em Viseu não ha memoria de forca
permanente.
Ha também defronte do palacete do sr. dr.
Nicolau de Mendonça, nosso bom amigo e
Cyreneu n'este artigo, e próximo a Vil de
Moinhos, um monte notável pela sua forma
arredondada e vegetação luxuosa que o re-
veste, de cujo cimo se avista a cidade a
Leste e se descobre a O. todo o vale cortado
pelo Pavia. Parece ter sido o local das exe-
cuções de pena ultima. Ainda hoje conser-
va o nome de Oiteiro ou Cabeço da forca
e — destaca-se a O. da cordilheira que forma
margem esquerda do Pavia.
A bellesa da paisagem formava contras-
te com o lúgubre mister a que o faziam
servir.
VIS
VIS 1781
nha da Orca, i— por Paço de Silgueiros e
Ponte de Parada a entroncar na estrada real
n.« 8, da Mealhada a Viseu.
Pertence ao concelho de Viseu a parte que
denaora entre a E. M. de 1.* classe n.' 14 A
— e a ponte de Parada,— e em junho de 1886
tinha apenas construídos 1:384,5 metros.
A isto se reduziam as estradas municipaes
do concelho de Viseu era junho de 1886.
Linhas férreas do districto de Viseu
1, " — Linha da Beira Alta.
Corta este districto na direcção E. O. e na
extensão de 80 kiloraetros approximada-
mente, desde o ribeiro da Canharda a E.
(confluente do Mondego) que o divide do dis-
tricto da Guarda, até à serra do Bussaeo, a
O., que o divide do districto de Coimbra.
Tem no districto de Viseu as estações de
Gouveia, Mangualde, Nellas, Canas de Se-
nhorim, Oliveirinha (apeadeiro) Carregal,
Santa Comba-Dão e Mortágua.
Esta linha foi aberta ao tranziío aié Vil-
lar Formoso em 1882 e em 1885 até Sala-
manca.
V. Vias Férreas, tomo X, pag. 472, col.
2.», tit. Linha da Beira Alta.
2. " — Linha férrea do Douro, do Porto á
Barca d'Alva e Salamanca também, já toda
em exploração desde 8 de dezembro de 1887.
Vae pela margem direita do Douro desde
o Porto até o celebre Cachão da Valleira \
a montante do qual atravessa o Douro em
uma grande ponte de ferro obliqua, na ex-
tremidade E. do concelho de S. João da Pes-
1 A onomástica afflrma a existência de
uma orca (dolraen ou anta) no tal cabeço,
pois, como ja dissemos no titulo Monumen-
tos prehistoricos, em volta de Viseu, dão aos
dolmens ou anias o nome de orcas e arcas.
2 V. Pontos principaes do Douro, vol. VII,
pag. 199, col. 2.» n." 61; Vias Férreas, tomo
X, pag, 488, col. 1." e segg.— e Villa Secca
d' Armamar, tomo XI, pag. 1059, col. 1." e
seguintes.
queira, districto de Viseu,— seguindo depois
pela margem esquerda do Douro até á Barea
d' Alva e d'ali aié Salamanca.
Suppomos que a extremidade sul da dieta
ponte ainda pertence ao concelho da Pes-
queira, districto de Viseu, mas talvez que
pertença ao concelho de Foscôa, districto da
Guarda.
Dicant paduani.
3.'— Linha férrea de Viseu à estação de
Santa Comba-Dão na linha da Beira Alta.
É um ramal de 40 kilometros approxima-
damente; foi approvado e adjudicado a uma
empreza constructora em 1885, mas ainda
hoje (1888) se acha em construeção e por
certo não se abre ?o tranzito antes do firo
de 1889.
Linhas férreas a concurso
O sr. ministro das obras publicas apre-
sentou ás cortes no dia i." do corrente mez
de junho de 1888 unia importante proposta
para a construeção dos caminhos de ferro
ao norte do Mondego. Como seja bastante
extensa, não a daremos na integra, mas re-
sumil-a-hemos nos seus pontos culminantes.
As linhas, cuja construeção e exploração
o governo põe a concurso são as seguintes:
O prolongamento até Bragança do
caminho da Foz Tua a Mirandella. A actual
companhia nacional de caminhos de ferro
terá a preferencia em igualdade de circum-
staneias. A garantia do juro, será de 5,5 por
cento e comportada sobre a base de réis
19:6921300 por kilometro com o custo de
construeção. O numero dos kilometros para
a garantia de juro não poderá exceder 74.
2."— Caminho de ferro de via reduzida (1
metro entre as faces interiores dos carris),
que partindo de Vidago e passando pelas
Pedras Salgadas, siga por Villa Pouca de
Aguiar, Villa Real, Regoa, Lamego, Villa da
Ponte, Moimenta da Beira e Trancoso a en-
troncar em Villa Franca das Naves na linha
férrea da Beira Alta.
O governo garante o complemento do ren-
dimento liquido annual de 5,5 em relação ao
custo de cada kilometro que se construir,
1782 VIS
VIS
comprehendendo juro e capital. O preço ki-
lomelrico da linha será de 21 comos.
3. »— Duas liohas férreas, adjudicadas a
uma só e mesma empreza, de via reduzida,
de Chaves a entroncar na linha férrea do
Douro, seguindo o valle do Tâmega; e de
Braga a entroncar na linha do valle do Tâ-
mega, em Cavez, seguindo por Guimarães e
Fafe. A séde da empreza será era Braga. A
garantia do juro de 5,5 «obre o preço kilo-
flietrico de 30 contos.
4. » — Linha férrea que partindo de Man-
gualde, na linha da Beira Alta, vá en-
troncar na estação de Recarei, na linha fér-
rea do Douro, passando per Viseu e S. Pe-
dro do Sul. O máximo de extensão kilome-
trica comportado para garantia de juro será
de 157 kilometros e o preço kilometrico será
de 30 contos.
Do exposto se vô que a 2.* e 4.« das men-
cionadas linhas interessam muito particular-
mente a este districto de Viseu— e estamos
convencidos de que mais tarde ou mais cedo
a 4." linha dará para Lamego ura ramal,
partindo de S. Pedro do Sul por Castro
d'Ayre.
Também uma empreza construetora já pe-
diu e obteve licença para fazer — sem subsi-
dio algum do governo — uma linha férrea di-
recta de Coimbra para a estação de Santa
Comba-Dão na linha da Beira Alta, com o
que muito deve lucrar Viseu, porque a no-
va linha é para assim dizer — continuação do
ramal de Viseu até Coimbra em recta e
será o caminho mais curto entre Viseu,
Coimbra e Lisboa.
O nosso governo, desejando concluir em
praso breve todas as nossas estradas a ma-
cadam já principiadas, abriu subseripção
publica para um empréstimo nacional de
3:500 contos a juro de 4 p. c. em abril do
corrente anno de 1888— e rapidamente foi
coberta a dieta somma dúzias de vezes 1
Nunca Portugal teve o seu credito mais
firme nem obii-ve dinheiro mais barato e
com tanta facilidaile-
Também no iiieímo mez d'abril o nosso
governo poz a concurso por disirietos em-
preitadas geraes para a conclusão das dietas
estradas.
Para o concurso da empreitada geral de
estradas no districto de Viseu appareeeram
sete concorrentes, que foram os srs.: Rocha
Souza & C.*, por 192:000^000; Formigai,
por 196:000^000; Semião Amaral, por
197:000i^000; Courinha, por 205:000^000;
João Martins, por 202:000^000; Pereira Sil-
va, por 206:000(^000; Rodrigo de Oliveira,
por 212:000^000. A ba.«e da licitação era de
221:000^000. A adjudicação foi feita aos srs.
Rocha Souza & C* por 192:000iíl000, dando
o abatimento de 12^7 p. c.
Ao sr. Antonio Casimiro de Figueiredo,
dignissimo coronel de engeuheiros, e que
foi durante muitos anoos director das obras
publicas no districto de Viseu, agradeço os
apontamentos qne se dignou enviar-me para
este tópico. No suppiemento ao artigo Fer-
reira d' Aves, terra natal de s. ex.s daremos
a sua biographia; entretanto podever-se no
Álbum Visiense, bem como o seu retrato.
Segurança publica
Hoje n'este districto, bem como em todo o
nosso pai7, nào ha uma quadrilha de saltea-
dores ou de malfeitores, nem grandes crimi-
nosos em liberdade.
As quadrilhas de malfeitores desappare-
ceram ha muito e se alguém commette ura
ou outro crime, é perseguido sem tregoas
pela jusiiça, e— graças aos telegraphos, ao
zelo das auctoridades e à moralidade do po-
vo—muito poucos malfeitores deixam de ser
presos sem demora. São mesmo raros e mui-
to raros hoje entre nós os grandes crimes e
nunca foi tão brando o nosso código penal,
pois d'elle estão banidas ha muito a pena de
morte, as penas corpora^^s, os sequestros e
as prisões por dividas.
Pôde cruzar- se em todas as direcções o
nosso paiz de dia e de noite em diligencia
ou nos caminhos de ferro e mesmo a pé ou
a Cavallo, sem escolta e sem receio, embora
o viajante leve comsigo quaesquer sommas-
Mesmo nas aldeias e quintas fecham-se as
portas por decência e mera formalidade; não
VIS
VIS 1783
se vê uma casa tinica hoje com as portas
chapeadas de ferro, nem com torres e setei-
ras para defesa, nem com eseondrijos para
guarda de joia«, alfaias e dinheiro— e por
vezes os mais ricos proprietários auzenlam-
se, deixando as casas com todas as suas
jeias entre gues a um restrieto numero de
criados valetudinários; — demoram-se o tem-
po que muito bem lhes apraz — e voltam mui-
to tranquiliús, certos de que as encontram
sem lhes faltar coisa alguma.
Tambíím hoje nenhum viajante ou nego-
ciante se lembra de fazer as suas disposições
testamentárias, embora se afaste para gran-
des distancias, emquanto que outr'ora,—
mesmo ainda no 2." quartel d'esie século,—
todos por prudência faziam testamento e tra-
tavam de adquirir salvos-conductos, quando
tinham de viajar e negociar mesmo dentro
do nosso paiz.
Eu ainda conservo o diploma de oflicial
do Santo Ofíido que meu pae obteve como
salvo-conducto para viajar e negociar com
mais segurança entro o Alto Douro (conce-
lhos de Taboaço, Armamar e Lamego, d'este
districto de Viseu) e o Porto,— e ainda as-
sim fez testamento antes de sair de casa — e
muitas vezes teve a vida jogada aos da-
dos!... i
Também sabemos que o celebre Chuço,
lendário salteador de Trancoso, dava senhas
ou passes para todo o nosso paiz e para
grande parte da ílespanha, 2— e ainda em
nossos dias o grande salteador/osé do Telha-
do, deu senhas ou passes ás pessoas das suas
relações que tinham de viajar no Minho.^
1 Note-se que negociava era vinho para a
praça do Porto durante o cerco, em 1832 a
1833. Ganhou alguns contos de réis, mas com
immen?o risco, pois por vezes atravessou
embarcado as linhas do exercito de D. Mi-
guel debaixo de vivo fogo I . . .
2 V. Terranho, vol. IX, pag. 551, col. 2.»,
— e Trancoso no mesmo vol. pag. 719, col.
1.» e segg.
2 O Ji-sé do Telhado, de nome José Teixei-
ra, nasci^u na pequena povoação do Telha-
do, íregutízia d^ S. Salvador de Casiellòes de
Recezinhos, no extineto coucelho de Santa
Cruz, hoje concelho e cornarca de Penafiel;
casou na freguezia de S. Pedro de Cabide de
Nunca se viveu com tanta tranquilidade,
tanta liberdade e tanta segurança e n'este
districto desde o meado d'esle século,— gra-
ças ao novo regimen politico, à crescente il-
lustração do nosso povo e á longa e aben-
çoada paz que temos gosado desde 1847, da-
ta da convenção de Gramido, que poz termo
á revolução da Junta do Porto, ultima guer-
ra civil, de que foi iheatro o nosso paiz na
primeira metade d'este século, i— não fal-
lando na guerra peninsular, que tanto nos
incommodou de 1807 a 1814, ou até que o
nosso exercito regressou de França.
V. Almeida, Bussaco, Gojim, Passos da
Serra, Torres Vedras, Vimeiro da Lourinhã
e Villar Formoso.
Com as muitas guarras e perturbações po-
liticas da primeira metade d'esie século
Portugal soffreu muito e muito soffreu
também este districlo. Elie foi atravessado e
talado primeiramente em 1808 pelo general
franeez Loison, em marcha de Almeida por
Moimenta da Beira e Lamego sobre o Porto,
mas fez alto em Mesãofrio e retrocedeu por
Lamego sobre Viseu, ^ ete — eem 1810 pelo
grande exercito de Massena, quando mar-
chava sobre Lisboa.
Soffreu também muito este districto com
os movimentos, recrutamentos, aquartela-
mentos e fornecimento do exercito anglo-
luso em 1810, quando esperava Massena e
se preparava para o bater, como bateu, no
I Bussaco; em 1811 quaodo o nosso exercito
t perseguia na retirada o de Massena;— em
1812 quando na retirada de Burgos o exer-
cito anglo luso atravessou a parte leste d'es-
te districto e hibernou em Lamego, na Re-
Rei, concelho de Louzada e, depois de ha-
ver praticado algumas mortes e muitos rou-
bos no seu concelho e nos limilrophes, como
chefe de uma numerosa e perigosa quadri*
lha de salteadores, no 3 " quartel (Teste sé-
culo, foi degradado para a Africa, onde fal-
I leeeu.
I V. Castellões de Recezinhos n'este diecio-
j nario e no supplemeuio.
j 1 V. Gramido e Porto, vol. 7." pag. 366,
col. 2,« e segg.
i 2 V. Villa Jusã, tomo XI pag. 771, col. 2.»
1784 VIS
VIS
goa, Amarante e PeDafiel,— eem 1813 quan-
do volveu á campanha, tornando a atraves-
sar grande parte d'este districto.
Termmada a campanha contra os france-
zes em 1814, seguiram-se as guerras civis
que «nsaoguentaram Portugal, este districto
e a própria cidade de Viseu, pois em La-
mego teve o sr. D. Miguel um deposito de
400 a 500 presos políticos, que soffreram as
maiores torturas, comprehendendo pessoas
de todas as cathegorias e até alguns lentes
da Universidade, — e em Viseu teve uma com-
missão mixta, de magistrados civis e mili-
tares, i|que foi o terror da Beira e mandou
fuzilar 25 pessoas. Foram as seguintes:
Primeira sentença
23 de agosto de 1832
—Padre Laureano Pinto de Noronha, na-
tural da quinta da Aveleda, freguezia de S.
Chrystovam de Nogueira, concelho de Sin-
fães.
— Padre Caetano José Pinheiro, natural da
povoação de Villa Chã, freguezia de Nespe-
reira, no mesmo concelho de Sinfães, e
—Padre Antonio Alberto Pereira Pinto
Monte-Roio, natural da povoação de Caseo-
nha, freguezia de S. Thiago de Fiães, no
mesmo concelho. 2
Estes três infelizes, sendo considerados li-
beraes e tendo por isso as suas casas em
sequestro, resolveram acolher-se ao Porto,
onde já estava o sr. D. Pedro IV com o exer-
cito liberal. De combinação com o padre
Joaquim José Pereira dos Santos, frade je-
ronymo, da casa de Maças em Rezende, e
1 Era presidida pelo tenente general. . .
governador das armas da província e, em
virtude dos decretos de 12 de janeiro de
1829, 9 de fevereiro de 1831 e 23 de março
de 1832, a dieta commissão era obrigada a
mandar fuzilar os reus dentro de 24 horas,
depois de proferida a sentença, o que pon-
tualmente cumpriu.
2 A dieta casa de Caconha foi paçod'Egas
Moniz^ aio de D. AíTonso Henriques, e sup-
põe se que o nosso primeiro rei ali viveu
também algum tempo, quando menino.
com outro, cujo nome e naturalidade se
ignora, metteram-se todos 5 em um barco
no caes de Mourilhe, freguezia de S. Chrys-
tovam de Nogueira, no dia 15 de julho de
1832, em direcção ao Porto, mas, percorri-
dos cerca de 2 kilometros somente, ao pas>
sarem defronte da praia de Vimieiro,^ bra-
daram-lhes os guardas miguelistas: Aterra,,
a terral — Queremos ver os passaportesl . . .
Como não obedecessem, fizeram fogo so-
bre o barco, pelo que todos os que iam den-
tro d'elle se deitaram sobre o lastro, menos
o padre Pereira dos Santos que fez alguns
tiros sobre os guardas, mas teve de suspen-
der o fogo, porque foi gravemente ferido
por duas balas;— uma atravessou lhe o cor-
po; a outra alojou-se n'elle.
Caiu banhado em sangue entre os compa-
nheiros—e o barco, prosegumdo sem go-
verno, foi naturalmente dar em terra. O des-
conhecido lançou-se ao Douro e n'elle pere-
ceu; os três saltaram em terra e fugiram,
mas foram logo presos pelos guardas,— e o
padre Joaquim J. Pereira, que jazia no bar-
co, foi ainda crivado de golpes nas pernas
pelo arraes d'ouiro barco.
Conduzidos em seguida á presença do ea-
pitão-mór da Ribeira de Tarouquella, foram
por elle gravemente insultados e mandados
para a cadeia de Cresconha ou Casconha,
d'onde no dia seguinte foram removidos pa-
ra o Castello de Lamego, distante cerca de
60 kilometros,— e a pé, apesar das maiores
instancias para que lhes permittissem ir a
Cavallo. De Lamego seguiram para Viseu,
onde a tal commissão os fuzilou, como já
dissemos.
D. Margarida, irmã do padre Monte-Roio,
desejando valer- lhe, poz-se a caminho de
Viseu, levando valiosas recommendações
para o presidente da commissão; commoveu
até as lagrimas ás íilhãs d'clle e as bondo-
sas senhoras tanto instaram com o pae
que D. Margarida se retirou esperando que
as vietimas apenas seriam condemnadas a
1 V. Vimieiro, aldeia, tomo XI, pag, 1444,
eol. 1.* e segg.
VIS
VIS 1785
degredo, pelo que nas fres casas de Avele-
da, Villa Chà 6 Casconha se resolveu que
uma irmã de cada um dos 3 infelizes os
acompanhasse no exilío^ e as 3 senhoras já
estavam promptas para marcharem, quando
receberam a triste nova.
D. Margarida, alem das reeommendaçòes^
levava também tres mil crusados em dinhei-
ro, para os empregar opportunamente, o que
oão fez, por não ter a certesa de bom êxito.
O padre Joaquim José Pereira dos San-
tos, irmão de José Joaquim Pereira dos San-
tos, !.• barão de Foroellos,— e tio de Fer-
nando Maria Pereira dos Santos, 2." e actual
barão do mesmo titulo, ^ depois de crivado
de balas e golpes, foi conduzido em um bar-
co para Lamego e d'ali transportado para
Viseu, mas não teve a sorte dos companhei-
ros por estar ainda muito doente quando fo-
ram fuzilados. Depois, passados alguns me-
zes, fugiu da prisão com um dos Marçaes de
Foscôa e com o padre Luiz Manoel Mouti-
nho, que morreu sendo prior em Mattosi-
nhos.
Depois de 183i voltou ainda ao seu con-
vento e a elle se deve a salvação da preciosa
bibliotheca e de uma biblia de grande valor
que n'ella havia.
Âo cabo de 12 annos a buxa de um dos
tiros e um bocado do colete sairam-llie en-
voltos em uma membrana,— e também, pas-
sad«s aoDos, ao atravessar o Douro entre
Rezende e Mesãofrio, encontrou casualmente
o arraes que barbaramente o ferira no acto
da prisão e, podendo vingar-se d'elle impu-
nemente—honra lhe seja— perdoou lhel. . .
Falleceu em 1874, sendo conjugo da Sé de
Lisboa.
Fecharemos este sombrio tópico dizendo
que os 3 infelizes chegaram a Viseu no dia
5 d'agosto de 1832; foram eondemuados no
dia 22 e fuzilados no dia 23 do dicto mez
1 V. Rezende, tomo VIII, pag. 160, col. 2.,
— e Villa Verde, quinla^ tomo 11." pag. 1100, !
col. 2.» e segg. i
pelas 6 horas da tarde, no Campo da Feira,
hoje Campo de Viriato, pelos voluntários
realistas de Trancoso, assistindo também
uma força de cavallaria, e foram sepultados
na Capella de Nossa Senhora da Conceição,
que demora no mesmo campo. ^
Segunda sentença
17, ou 19 2 d^oulnhro de 1832
—Fr. Simão de Vasconcellos, monge de S.
Bernardo, natural da quinta do Outeiro, fre-
guezia de Cesár, então concelho da Villa da
Feira e hoje de Oliveira d' Azeméis, ali rezi-
dente por breve apostólico.
V. Cezar.
—Antonio Joaquim, da cidade do Porto,
forriel do batalhão de caçadores n.» 12.
-Joaquim Gonçalves, da freguezia de Ca-
saes, então concelho de Penafiel e hoje da
Lousada, soldado do mesmo batalhão.
V. Casaes, tomo II, pag. 141, col. 2.»
— Francisco José Marques, da freguezia de
Sanfins, concelho da Feira, soldado do bata-
lhão da Serra, organisado no PortJ,
—José d' Oliveira, do logar de S. Gião, fre-
guezia do Souto, concelho da Feira, casado,
lavrador e soldado do batalhão de Villa No-
va, organisado no Porto.
—Joaquim José da Silva, natural do Por-
to, soldado de caçadores n.» 2.
—Luiz Ferreira da Costa SanfAnna, da
freguezia de Ranhados, junto de Viseu, mas
residente no Porto, e ali hortelão dos padres
loyos, de 6o annos de idade.
Segundo se lô a pag. 436 das Memorias
do dr. Sacco já citadas, estes infelizes foram
aprisionados com as armas na mão no dia
9 de setembro de 1832;— condusidos em se-
guida para Lamego e d'ali para Viseu, onde
1 V. Memorias do tempo passado e prezente
para lição dos vindouros pelo conselheiro,
lente da Universidade e nosso primeiro cri-
minalista, dr. Antonio Luiz de Sousa Henri-
ques Secco, 1880. Coimbra, 4." de 804 pag.
afora as erratas e o prologo,— pag. 432 a
! 436-e 707 a 709.
I 2 jijão encontro firmesa n'esta data.
1786 VIS
VIS
chegaram a 19 do dicto mez;— condemnados
pela commissão mixta a 16 ou 18 d'outubro, \
foram mellidos no oratório em uma das au-
las do Seminário no mesmo dia e arcabusa-
dos no seguinte (17 ou 19) no terreiro con-
tíguo ao Seminário, hoje Campo de Alves
Martins, por uma força de milícias de Bra-
gança.
Alguém diz que foram sepultados na Ca-
pella de S. Martinho e em um pequeno ce-
mitério próximo; mas a Chronica Constitu-
cional Giz que foram sepultados em Codeços,
ou antes em um fosso onde costumavam Ian-
çar-se os animaes mortos.
Dicant paduani.
Nos fins do ultimo século viviam na sua
casa e quinta do Outeiro, freguezia de Ce-
sár, José Bernardo Pereira de Vaseoncellos
e sua mulher D. Anna Margarida d'Almeida
Cabral, ricos proprietários no concelho de
Oliveira de Azeméis e nos de Cambra e
Arouca.
Tendo 5 Qlhos e 4 filhas, para assegurar-
Ihes uma posição decente coilocaram alguns \
dos filhos no estado ecelesiastico e outros na
vida militar.
Um d'elle9,— Fr. Simião de Vaseoncellos
—nascido em 28 de setembro de 1789, foj
para a ordem de Cister, professando no con-
vento d'Alcobaça;— e seu irmão Jofé Pereira
de Vaseoncellos foi para a ordem benedi-
ctina; professou no convento de Befoios de
Basto e falleeeu em Lisboa, sendo pregador
geral da congregação. Joaquim Maria Pe-
reira de Vasconcello» e Frederico Pinto Pe-
reira de Vaseoncellos, irmãos também de
Fr. Simão, assentaram ambos praça antes de
i808, aquelle na arma de cavallaria e este na
de infanteria; foram logo reconhecidos ca-
detes e serviram na guerra peninsular.
Joaquim Maria, sendo capitão de cavalla-
ria n.° 6 {Dragões de Chaves) em 1823, re-
cusou adherir á revolução que o general
Silveira, depois marquez de Chaves, fez n'a-
quelle anno em Traz-os-Montes contra o go-
verno liberal, pelo que o dicto capitão foi
desligado do serviço e deportado para Avei-
ro, onde falleeeu.
Frederico Pinto, sendo alferes ajudante
de infanteria n." 18, quando em 1819 casou,
em seguida reformou-se e abandonou a car-
reira militar.— Tanto elle como o irmão Joa-
quim eram liberaes convictos, e as mesmas
ideias perderam. a Fr. Simão de Vaseoncel-
los.
Tinha elle um caracter muito enérgico e
independente, que mal se ajustava com a
vida do claustro, pelo que pediu e obteve
em 1816 a secularisação, allegando a cir-
cumslancia de ter 4 irmãs solteiras, orphãs
de mãe, que necessitavam do seu auxilio.
Obtida a secularisação, viveu alternada-
mente no concelho de Oliveira de Azeméis e
no de Arouca, nas propriedades do seu ir-
mão Frederico, a quem o pae doou a casa
com certas condições.
Desde as primeiras manifestações liberaes
em 1820, Fr. Simão abraçou com enthu-
síasmo as novas ideias politicas, procurando
propagal-as e festejando-as publicamente,
pelo que entre o povo era apontado como
apóstata e pedreiro livre— e era 1828, de-
pois que o exercito liberal emigrou para a
Gallisa e os seus correligionários para dif-
ferentes nações, foi Fr. Simão denunciado
como liberal façanhudo.
Não se fez esperar a ordem de prisão
j contra elle e, como era tido por muito va-
I lente, foi enviada a Cesar uma grande es-
í coita de milícias para o prender; estando
' porem elle prevenido e armado, rompeu
atravez dos milicianos e nenhum se atreveu
a seguil-o.
Este facto exacerbou os perseguidores,
pelo que em seguida marchou do Porto so-
bre Cesar um grande destacamento do cor-
po de policia com ordem de o colherem ás
mãos vivo ou morto.
Surprehendidu peia escolta em uma ma-
drugada na qumia du Outeiro, em ('e^ar,
tracliiu de fugir, ma«, sendo pf r.^esiuido a
tiro?, uma bala fi aclurou-lhe a omoplata es-
querda, saindo por baix'^ da clavícula. O fe-
rimento era ião grave que foi immediua-
i mente confessado e sacramentado e em se-
guida levado em uma maca para a cadeia da
Villa da Feira. Ali esteve em tractaraento
mais de um anno e logrou sobreviver, mas
ViS
VIS 1787
o braço esquerdo ficou leso e quasi tolhido;
ainda assim uma ooite arrombou o telhado
da cadeia e fugiu, vivendo em seguida ho-
misiado até que, entrando no Porto o duque
de Bragança em i832, immediatamente se
lhe apresentou, sendo muito bem recebido.
Passado pouco tempo^ ou por deliberação
espontânea ou por ordem superior, reuniu
alguns soldados de confiança bem armados
e decididos e marchou com elles para Ce-
sár, atravessando as linhas do exercito de
D. Miguel. Marchou logo de Oliveira d'Âze-
meis um forte destacamento de milícias em
perseguição d'elle. Travaram fogo, mas Fr.
Simão teve de fugir com os seus para as
montanhas d' Arouca. Ali o capitão roór com
as suas ordenanças tratou de lhe dar caça e
Fr. Simão, falto de munições e acabrunhado
pelo numerOj foi ferido e preso com alguns
dos seus e em seguida levado para a villa
d'Arouca e d'ali para Viseu, onde teve a
sorte mencionada supra.
Calamitosos tempos t . . . ^
Ter ceira sentença
24 d^outvbro de 1882
— José Francisco, natural de S. Martinho
d'Argoncilhe, concelho da Feira, casado,
proprietário e soldado de caçadores n.» 5.
Este desgraçado foi preso e meltido nas
cadeias de Lamego, d'onde passou para a de
Viseu. Chegou ali no dia 19 de setembro e,
por haver pertencido á geote de Fr. Simão
de Vaseoncellos, a commissão mixta o sen-
tenciou à morte no dia 23 d'outubro e no
dia seguiole o fuzilou no Campo da hibeira.
Foi sepultado no cemitério do hospital,
junto da capella de S. Martinho.
Quarta sentença
30 d^outubro de 1832
— D. Fernando Gutierres Ga^on, natural
de Algeciras, ca Andalusia. . . „ j r-- • j„ « c„.,.„
' — Antomo Homem de Figueiredo e Sousa,
I natural da Cruz do Souto, freguezia de Fa-
1 V. AJemorins do dr. Secoo, pag. 709 a \ '"'"^a Podre, concelho de Penacova.
714. i —Antonio Joaquim, natural da aldeia de
— D. Paschoal Alpalhez^ natural da villa
de Sague, na Hespanha.
— D. Antonio Ximenes, natural de Tarra-
gona.
—D. Eusébio Paschoal, da villa de Naval-
can.
— Manuel Sanches Garcia, natural de Sa-
ragoça, capital do Aragão.
— D. Benito José, natural da freguezia de
Sonera, arcebispado de S. Thiago, na 6al-
lisa, soldado do batalhão da Serra, no
Porto.
Estes 6 hespanhoes foram também apri-
sionados nas serras d'Arouca;— d'ali condu-
zidos para a cadeia de Lamego— e depois
para a de Viseu, onde deram entrada a 19
de setembro. Por terem feito parte da gente
de Fr. Simão de Vaseoncellos, a commissão
mixta os sentenciou a pena ultima no dia 29
d'outubro; n'esse mesmo dia entraram para
o oratório nos claustros do Seminário e no
dia seguinte foram fuzilados pelas milícias
de Bragança no terreiro de Santa Christinay
onde jazeram os cadáveres ensanguentados
iodo o diat
Foram sepultados no cemitério do hospi-
tal da Misericórdia.
D'estes 6 infelizes os 3 primeiros haviam
adoecido na cadeia, pelo que os transferiram
para o hospital, onde lhes foi intimada a
sentença, quando os mpposeram bem ou
mal curados, e era si-guida os levaram para
o oratório, onde já estavam os companhei-
ros; mas tão doentes e faltos de forças se
achavam ainda aquelles 3 infelizes que, ten-
do sido marcado para a execução o largo de
Santo Antonio, hoje Passeio de D. Fernando,
e não podendo aqutlles desgraçados ter-se
em pé, foram fusilados ásaida do oratório^
no Campo de Santa Christina.
Quinta sentença
21 de março de 1833
1788 VIS
VIS
Várzea da Candosa, freguezia de Caodosa,
concelho de Taboa. *
— Padre Antonio da Maia, natural da
Cruz do Souto, freguezia de Farinha Podre,
paroeho encommendado da freguezia de Co-
vellos d'Azere, concelho de Taboa. ^
—Francisco Homem da Cunha, filho de
Bernardo Homem e irmão de Guilherme Nu-
nes, do logar e freguezia da Cortiça, hoje
concelho de Arganil. ^
— Francisco de Sande Sarmewío, solteiro,
natural da povoação de Carvoeira, fregue-
zia 6 concelho de Penacova.
— Felisberto de Sande, irmão do antece-
dente 6 natural da mesma povoação de Car-
voeira
— Guilherme Nunes da Silva, filho de Ber-
nardo Homem e irmão de Francisco Homem
da Cunha, mencionado supra.
—José Maria d'Oiiveira, natural da povoa-
ção da Cortiça, freguezia de Paradella ^ con-
celho d'Arganil.
Estes 8 desgraçados eram todos do actual
distrieto de Coimbra e foram todos fusila
dos em Viseu no Rocio de SarUo Antonio,
hoje Passeio de D. Fernando, a 21 de março
de 1833 por sentença da commissão mixta,
com data do dia antecedente, como reus da
queima da pólvora da Murcella, ou de S.
Martinho da Cortiça.
Esplanemos este facto, porque prende com
Viseu e é muito importante, pois deu ori-
gem a 8 mortes e a muitas prisões e cruéis
perseguições, que se prolongaram por muito
tempo e cobriram de cinzas, iueto e sangue
uma grande parle da Beira.
Desde 1828 até 1834 os habitantes de Mi-
dões sofTrerara muito pelas suas ideias poli-
1 V. Vnrzrn da Cariãf sa, tomo X, pag,
214, col. 2* 9lé |)Hg. 2í8, n \ 1.*, onde se
encontra a medonlia hi-toiia dos famigera-
dos BrandÕBi
2 V. Covelhs, tomo 2." p^g. 430, col. 2.»
3 V. Cortiça, torno 2° pag 402, col
e Chorogr. Mod. tomo 3.° pag. 178.
^ Noie se que algumas casas da povoação
da Cortiça pertencem à freatuezia de Para-
della e as restantes à de S. Martinho da Cor-
tiça.
ticas. Foram ali pronunciados como libe-
raes 84 homens e 11 mulheres e, para sal-
varem a vida, tiveram de homisiar-se e vi-
ver foragidos pelos montes e por differentes
terras.
Nos primeiros dias do mez de março de
1832 estanciavam elles por acaso junto da
povoação da Cortiça (kilometro 42 na estra-
da de Coimbra a Celorico da Beira) um pou-
co a montante da ponte da Murcella, por ser
a dieta povoação também liberal.
Aquelle grupo de homisiados comprehen-
dia 03 seguintes:
Antonio Joaquim, vulgo o Antonio do Ar-
rabalde.
Antonio Rodrigues Brandão, de Midões.
Francisco Rodrigues Brandão, irmão do
antecedente e pae do dr. Antonio Soares de
Albergaria.
Manoel Brandão, o Velho, também de Mi-
dões, pae do Irisiemenle celebre João fimn-
dão e tio dos dois Brandões supra.
Francisco de Sande Sarmento.
Felisberto de Sande Sarmento.
Francisco Soares da Costa Freire, de Tra-
vanca de Lagos, concelho de Oliveira do
Hospital.
Joaquim Antonio Marques, da freguezia de
Lobão, concelho de Tondella.
José Antunes, da Várzea Negra, freguezia
da povoa de Midões, concelho de Tábua, en-
tão Midões.
José Maria d' Oliveira, vulgo o Panella a
ferver ff).
José Soares da Fonseca Magalhães, o Mor'
gado de Midões, irmão do estadista Rodrigo
da Fonseca Magalhães. ^
Martinho Alves, do Casal de Travancinha,
concelho de Ceia.
No fim da tarde do dia 4 do dicto mez re-
ceberam elles aviso para se acautelarem,
1 Do exposto se vé que este celebre esta-
dista, natural de Condeixa, imha parentes
próximos em Midões, pelo que, sendo mi-
nistro, dispensou escandalosa protecção aos
famigerados Brandões, terror da Beira.
V. Várzea da Candoza, tomo X, pag. 214,
col. 2." e segg., nomeadamente a pag. 220,
col. in fine.
VIS
VIS 1789
pois havia chegado á Ponte da Murcella, um
troço de 40 voluntários realistas que vinham
de Abrantes eseoltando um comboio de 20
carros com pólvora, e por isso na manhã do
dia 5 estacionavam elles em uma eira, cha-
mada a Eira do Forno, a montante e no alto
da povoação da Cortiça, observando a estra-
da; mas Martinho Alves e José Maria de Oli-
veira, negociantes d'azeite, desceram à po-
voação por causa dos seus negócios.
Ao passar na aldeia da Cortiça o comboio
que se dirigia para Viseu, Almeida ou La-
mego, um dos carreiros, vendo e conhecen-
do o José Maria d'01iveira, disse para os
soldados da escolta:— a/í estáum malhado^.
Tanto bastou para que a escolta se precipi-
tasse sobre elle e sobre o Martinho e, gri-
tando por soceorro, acudiram logo os outros
companheiros, que estavam a pequena dis-
tancia. Travou-se lueta e, trocados alguns
tiros, não obstante a superioridade numérica
dos voluntários realistas, foram estes todos
aprisionados, incluindo o commandante, que
era um sargento.
Proseguindo o comboio, escoltado apenas
por 2 liberaes, quando chegou à Venda Ci-
meira, sitio denominado também Poços, foi
surprehendido por 30 voluntários que, ha-
vendo escoltado outro comboio de pólvora
na semana anterior, voltavam para Abran-
tes e, tendo noticia da occorreneia, dispu-
nham-se para escoltar e defender o novo
comboio.
Um homem da dieta povoação da Venda
Cimeira foi à Cortiça avisar os liberaes. Mar-
charam logo estes contra a nova força rea-
lista; batendo a de frente e de flanco,, pose-
ram-na em debandada; em seguida fizeram
avançar o comboio para um descampado dis-
tante cerca de 400 metros da povoação; des-
carregaram toda a pólvora dos vinte car-
ros ..)— fizeram um rastilho e lança-
ram-lhe o fogo, sendo lai a explosão que
tremeu a terra até grande distanciai
1 Os realistas denominavam malhados os
constitucionaes— e estes por seu turno de-
nominavam corcundas os realistas.
VOLUMB XI
Ficaram os liberaes muito contentes, mas
em breve mudaram de semblante, porque
rapidamente chegaram ao dicto local as
guerrilhas d'Arganil e com os voluntários
que tinham debandado correram em perse-
guição dos liberaes. Poseram-se logo estes
em faga e, perseguidos de perto por grande
espaço, tiveram de atravessar o Mondego e
refugiarem-se nas proximidades de Coim-
bra, nos Fornos, Alearraque e quinta da
Zombaria, onde os seus correligionários lhes
deram acoitamento; mas, julgando-se ali
pouco seguros, passados poucos dias volve-
ram para as proximidades de Midões, o que
não obstou a serem logo presos junto do lo-
cal do conflicto Francisco de Sande e José
Maria d'01iveira, com outros muitos que por
infelicidade os realistas ali encontraram no
momento.
Foram lambem logo presos na Cortiça
Felisberto de Sande e Antonio Joaquim, o
do Arrabalde, por não quererem afastar-se
das suas famílias.
Para activarem a perseguição em breve se
juntaram aos voluntários realistas d' Arga-
nil as ordenanças de Penacova, L9U?ã e Pe-
nella e alguma infanteria e cavallaria de
Coimbra. A devastação pelo saque e pelo
incêndio pairou sobre as aldeias que circun-
dam a serra de Sanguinheda e aos maus
tratos seguiu-se a prisão de muitas pessoas
que foram enviadas para as cadeias d' Arga-
nil, Mortágua e Coimbra e d'e8tas para a de
Viseu, onde a commissão mixta condemnou
á morte os 8 infelizes, mencionados supra,
que foram fuzilados pelas milieias de San-
tarém, sendo o cadáver do Padre Antonio
Maia sepultado na capella de S. Martinho e
03 restantes no cemitério do hospital pró-
ximo.
O delieto da queima da pólvora foi grave,
mas a pena foi excessiva e alguns dos indi-
víduos fuzilados estavam innoeentes, taes
foram o Padre Maia e Antonio Homem de
Figueiredo e Sousa, pois tinham sido envia-
dos ao local do conflicto pelo Padre Antonio
I Franco de Miranda e Abreu, prior de S.
i Martinho da Cortiça, e pelo padre Luciano
ii3
1790 VIS
VIS
José Pereira da Maia, vigário de Coja (en-
lào homisiados em Paio Velho, junto a Fa-
rinha Podre) para que obviassem á destrui-
ção da pólvora. Como lá foram vistos, jul- '
garara-nos cúmplices.
Também são considerados ainda hoje in-
noeentes Francisco Homem da Cunha e seu
irmão Guilherme Nunes da Silva, pois nào
tomaram parte na queima da pólvora.
As balas da descarga vararam e mataram
instantaneamente aquelles infelizes, deixan-
do incólume o Francisco Homem da Cunha,
mas o commandante da força mandou dar-
lhe um tiro em um ouvido ! . . .
Foi também preso José Homem, irmão
d'aquelles dois desgraçados e teria a mesma
sorte, se o rev. bacharel Francisco de Le-
mos da Cunha, seu lio paterno, então paro-
cho encommendádo em S. Martinho da Cor-
tiça, lhe não passasse, como passou (dizem)
uma certidão de idade, diminuindo-lhe 3
mezes, para que não tocasse os 17 annos e
assim se livrasse, como livrou da pena ul-
tima.
O pae d'aquelles infelizes— Bernardo Ho-
mem da Cunha— desde antes d'aquelle con-
flicto jazia nas cadeias d'Almeida e, quando
respirou a liberdade em 1834, depois da
convenção d'Evora-Monte, encontrou as ca-
sas reduzidas a cinzas, os dois filhos e um
con-cunhado (Antonio Homem de Figueire-
do) fuzilados— e a esposa também já na se-
pultura!...
Aquelles 8 infelizes não foram as únicas
victimas da queima da pólvora, pois outras
muitas pessoas— (homens e mulheres)— fo-
ram presas, fallecendo algumas na cadeia e
jazendo outras em ferros no grande deposito
de Lamego até á convenção d'Evora-Monte.
A isto se reduz o que se lê nas Memorias
do sr. dr. Antonio Luiz de Sousa Henriques
Seeco, pag. 438 a 447,
Fecharemos este lúgubre tópico dizendo
que foram ao todo 2o os indivíduos justiça-
dos em Viseu pela commissão mixta de ne-
fanda memoria e que em 1836 foram tras-
ladados os restos mortaes d'aquelles infeli-
zes para um mausoléu nos claustros da Sé
com grande apparato, em seguida a pompo-
sas exéquias celebradas na mesma Sé.
A convenção d'Evora-Monie (Í26 de maio
de 1834) ou a queda do governo realista poz
termo aos grandes excessos que ainda hoje
conspurcam a memoria d'âquelh partido e
que ajudaram a enterral-o; mas seguiram-se
outros muitos excessos, — roubos, incêndios^
ferimentos, espancamentos e mortes,— pra-
ticados pelos liberaes e que enlutaram e
aterraram por muito tempo o nosso paiz. i
Á sombra da bandeira azul e branca se
reuniram em seguida á convenção muitos
liberaes in nomine, ou anles salteadores que,
a pretexto de represálias sobre os realistas,
insultavam, roubavam e matavam quem ti-
nha alguma coisa de seu.
A um despotismo succedeu outro despo-
tismo. A convenção d'Evora-Monte foi es-
candalosamente falseada — e a segurança pu-
blica foi um termo vão muito tempo.
Mesmo no Porto e em volta do Porto se
formaram quadrilhas de salteadores, que pra-
ticaram grandes excessos em seguida à con-
venção, e ainda hoje ali se apontam como
chefes d'aquelles bandos de communistas
certos senhores que haviam militado nas fi-
leiras de D. Pedro.
Na própria cidade, no concelho e no dis-
1 Mercê de Deus, não me cegam as pai-
xões poliiicas — e hei de dizer a verdade,
como me cumpre, — dôa a quem doer, pois
não escrevo para os liberaes nem para os
realistas, mais para o publico.
Bem quizera não magoar pessoa alguma,
mas n'este tópico ó absolutamente impossi-
vel,'porque devo registrar como factos im-
portantes que foram os excessos praticados
pelos realistas e pelos liberaes, — partidos
oppostos, intranzigentes, que ainda hoje só
vêem virtudes nos seus e culpas e defeitos
nos contrários, em qnanto que uns e outros
delinquiram.
Eu bem sei que censurando os realistas,
estes não me perdoam e exultam os libe-
raes,— e censurando os liberaes, estes me
detestam e exultam os realistas. Alem d'isso
tenho relações em um e outro campo e devo
attenções e finezas a liberaes e realistas, mas
não posso nem devo falsear a historia. Des-
, culpem. '-
I Amicus Flato, sed magis arnica veritasí..
VIS
VIS 1791
triclo de Viseu se praticaram muitos exces-
sos de toda a ordem também.
Ao 9ul d'este distrieto tornaram-se triste-
mente celebres os Brandões de Midões e o
€aca (Antonio de Sousa Macário)— vergo-
nha e terror da Beiral
V. Várzea da Candoza n'e8te diccionario
— e as Memorias do sr. dr. Henriques Sec-
-co, pag. 181 a 226.
A N. e N. E. d'este distrieto flzeram pen-
dant com os Brandões de Midões os celebres
Marçaes de Foscôa, desde a raia da Hespa-
nha até Provezende e Rezende, onde saquea-
ram duas freguezias inteiras e incendiaram
13 casas ? I . . .
V. Provezende e Villa Nova de Foscôa,
tomo XI, pag. 843— e na collecção do Na-
cional (n." 145 de 27 de junho de 1849) os
artigos firmados pelo dr. Antonio Ferreira
Ponfes, então administrador do concelho de
Moncorvo e correligionário dos Marçaes.
Ali se encontra uma lista com os nomes
das pessoas assassinadas — e outra com os
nomes das pessoas espancadas e feridas por
elles;— outra lista com os nomes das pes-
soas que ao tempo andavam homisiadas por
causa d'elles,— e outra lista indicando os
roubos principaes por elles praticados.
Todas as 4 listas estão assignadas pelo
mencionado dr. Pontes e reconhecidas por
um tabeJlião, mas, sendo administrador de
Moncorvo, teve de fugir para Lisboa, aliás
seria victim^, porque os Marçaes, ainda an-
tes da publicação do libello accusatorio, já
Unham ido com o seu batalhão de voluntá-
rios ^ á própria villa de Moncorvo, onde elle
era administrador, procural-o para o mata-
rem, pelo facto d'elle (honra lhe sejal) não
lhes entregar os habitantes de Foscôa que
andavam homisiados no dicto concelho.
Os Marçaes eram filhos de Villa Nova de
Foscôa, distrieto da Guarda, mas foram tam-
bém o terror e açoute dos concelhos da Pes-
queira, Taboaço, Armamar, Lamego, Rezen-
1 Era uma guerrilha ou antes quadrilha
de 300 a 400 malfeitores?! . . .
de, Tarouca e Mondim, pertencentes ao dis-
trieto de Viseu.
Também praticou muitos excessos á som-
bra da bandeira liberal a medonha quadri-
lha de salteadores, capitaneada pelo celebre
Cavallaria de Santo Adrião e pelos dois ir-
mãos Vasques da Regoa,— quadrilha que se
formou em seguida á convenção d'Evora-
Monte e que assolou os concelhos de Arma-
mar, Taboaço e Moimenta da Beira.
Roubavam, espancavam e matavam im-
punemente mesmo de dia ?! . . •
De dia— e em um dia de /eíVfl,— assalta-
ram na villa d'Armamar o palacete do ge-
neral José Cardoso— e no meio da feira ali
assassinaram um pobre homem, sem que as
aucioridades se atrevessem a prendel-os, por
terem sido (os taes 3 chefes) militares do sr.
D. Pedro IV no cerco do Porto.
V. Romão (S.) tomo 8.» pag. 236, col. i.";
— Santo Adrião no mesmo vol. pag. 296— e
o pequeno livro Maria Coroada (Porto, 1879)
pag. 131 a 140.
Foram também terror e açoute d'este dis-
trieto no concelho de Moimenta da Beira os
Andrades; no mesmo concelho e no de Cer-
nancelhe o Pires da Rua, que por ultimo foi
enforcado, como já dissemos no art, Vide,
aldeia, tomo X, pag. 652, col. 1.»; nos mes-
mos concelhos o celebre Espadagão de Cer-
nancelhe, natural de Tabosa das Amas;*
nos concelhos de Taboaço, Armamar e Pes-
queira os Leaes de Longa ^; nos concelhos
d'Ar mamar e Taboaço o Traquina da Gran-
ja do Tedo; ^ nos de Tarouca e Mondim os
Sás da Ucanha— e finalmente no de Lamego
os músicos da Penajoia.
Tendo aquella populosa freguezia desde
tempos muito remotos um mestre régio de
latim e distando de Lamego apenas 5 a 6 ki-
1 V. Valença do Douro, tomo X, pag. 109,
col. 2.»
2 V. Valença do Douro, tomo X, pag. 108,
col. 2.» e segg.
3 V. Valença do Douro, tomo X, pag. 105,
col. 2.» e segg.
Veja-se também o pequeno livro Maria
Coroada.
1792
VIS
lometros, ali estudavam o latim e em Lame-
go se ordenavam muitos filhos d'ella. Pelos
annos de 1836 a 1838 os taes meninos for-
maram uma philarmoniea, espécie de banda
marcial, e tanto se apaixonaram por ella, que
abandonaram os estudos e tractavam só de
festas e folias, mas, como nem todos dispu-
nham de meios e todos gostavam da vida ai-
rada, muniram-se de clavinas e transforma-
ram-se em uma medonha quadrilha de sal-
teadores.
Roubaram diíTerentes casas e igrejas,—
incluindo a da $ua própria freguezid,—e as-
sassinaram diíferentes pessoas.
A principio ninguém suppunha que elles
fossem salteadores, porque eram todos bem
educados, —apresentavam-se muito bem,—
tocavam admiravelmente— e alguns perten-
ciam a boas famílias, mas desmascararam-
se e um bello dia foram quasi todos presos;
muitos falleceram nas cadeias e outros na
Africa.
D'aquelle lanço de rede escaparam ape-
nas 3, que eu muito bem conheci I . . .
O ultimo falleceu em 1887, deixando uma
. fortuna avaliada em 50 a 60 contos de réis (?)
tendo sido muitos annos a primeira influen-
cia eleitoral do circulo de Lamego, vereador,
procurador â junta geral doeste districto—e
commendador?! . . .
Na celebre musica tocava clarinete e foi o
mais feliz da malta, sendo m illo tempore
talvez o mais pobre do bando.
Bispado de Viseu i
É muito antigo este bispado, quer date do
século III, como diz o Padre Sousa (V. pag.
1S95, col. 1." e 1710, col. 1.» também)— quer
date do see vi, como nós dissemos. ^
Já faltámos dos seus bispos; agora falia
remos da sua circumscripção antiga e mo
derna.
1 Para evitarmos repetições, veja-se n'e8te
artigo o nosso Catalogo chronologico dos bis-
pos visienses, pag. 1589, col. 2.^ a 1634 col
1.» e segg.
2 V. pag. 1591, col. 2.» e 1598, col. 1.*
VIS
o documento mais antigo qiie temos so-
bre o assumpto é o concilio de Lugo, cele-
brado no anno de 569, em tempo de Theo-
domiro, rei suevo,— concilio de que apenas
chegaram até nós alguns fragmentos, lodos
bastante alterados pelos copistas, i
D'aquelles fragmentos um traeta da divi-
são dos bispados suevos, eomprehendendo
Coimbra, Manha (hoje Guarda) Lamego e
Viseu. Existe nraa copia do dieto fragmenta
no arehivo da Sé de Braga e outra na col-
lecção dos Concilies de Hespanha por Loay-
sa. Ambos os códices mencionam os bispa-
dos que pertenciam em 569 ao reino dos
suevos— e as parochias que os constituíam.
Tracta também do mesmo assumpto o livra
de Idacio, que Loaysa e Morales dão por co-
pia, mas em todos os 4 códices ha divergên-
cia, suppondo-se mais auetorisado o de Bra-
ga, que pôde ver-se em Argole, loc. cit. pag.
849 a 856.
Ali se diz que o bispado de Viseu se es-
tendia De Borga usque Sortam, et Bonella
usque Ventosum. Não sabemos que limites
eram aquelles, mas parece que deviam ser
mais amplos que os actuaes, porque ao bis-
pado de Viseu pertenciam então as 8 paro-
chias seguintes:— Fwew, Rodomiro ou Ro-
promiro, Submoncio, Subverbeno, Cosonia ou
Ousania, Ovelione ou Ovelhione, Totella ou
Toleta (talvez Tondella) e Cahabria, que de-
pois no tempo dos godos foi sede episcopal
e se estendia até o Agueda (confluente do
Douro) que hoje forma a linha de divisão
entre Portugal e Hespanha, desde as alturas
d' Almeida até à Barea d'Alva.
V. Caliabria, tomo 2.' pag. 47, in-fine; Se-
nhora do Campo, tomo 8.» pag: 113 e segg.
— e Pinhel, tomo 6." pag. 66.
Berardo e Argote, citando o fragmento da
concilio de Lugo, existente na Só de Braga,
dão ao bispado de Viseu n'aquelle tempo as
8 freguezias supra, mas no texto do dieta
fragmento transcripto por Argote, alem d'a-
quellas 8 freguezias meneiona-se a de Cole-
1 V. Memorias d' Argote, tomo 2.° pag. 6G0
a 668; 689 a 698; 803 a 808-e 849 a 856.
VIS
la I Isto nos levou a dizer que eram 9 in illo
tmpore as freguezias d'este bispado, i
V. pag. 1719, col. 1.» supra.
O bispado de Viseu confinava, como hoje,
ao norte com o de Lamego;— ao sul com o
•Idauha (Guarda);— aopoente com o de Coim-
bra—e ao nascente com o rio Agueda. De-
pois, no tempo dos godos, sendo arvorada
em diocese a freguezia de Caliabria, perdeu
a leste e nordeste ura vasto chã% desde o
Agueda— não sabemos até onde. Berardo,
como dissemos do tópico da Viação romana
d'este districto, suppoz que o bispado de Ca-
liabria se estendia para 0. até Lamas do
Molledo, entre Castro d'Ayre e Viseu, mas
nós não podemos aeeeitar a opinião do sábio
cónego pelas rasões ali expendidas.
Com a invasão dos mouros e destruição
de Caliabria foi transferida a séde do seu bis-
pado para Cidade Rodrigo, pelo que ficaram
pertencendo temporalmente ao reino de Leão
e espiritualmente à diocese de Cidade Ro-
drigo as terras que outr'ora obedeciam a
Caliabria e anteriormente a Viseu.
Nos fins do see. xi (anno 1095) pelo casa-
mento do conde D. Henrique, pae do nosso
primeiro rei, com a filha de D. Affonso VI
de Leão, ficaram pertencendo temporalmen-
te ao condado (depois reino) de Portugal, as
terras da margem esquerda do Côa— e espi-
ritualmente aos bispados de Lamego e do
Yigeu— terras que nas proximidades do Côa
talvez tivessem pertencido ao bispado de Ca-
liabria.
Depois, no tempo do nosso rei D. Diniz,
passou para a coroa portugueza a tempora-
lidade do Cima-Coa ou das terras que desde
a margem esquerda do Agueda até à direita
do Côa haviam pertencido a Caliabria. Fi-
nalmente o nosso rei D. João I separou tam-
bém da diocese de Cidade Rodrigo a espi-
ritualidade das terras do Cima- Côa, unin-
4o as ao bispado de Lamego e assim se con-
servaram até 1770, data da creação do bis-
pado de Pinhel, que ficou comprehendendo
as dietas povoações e as dos arcyprestados
1 O de Braga contava então 30; o do Porto
23; o de Lamego 6— e o de Coimbra 7?!...
VIS 1793
de Pinhel, Trancoso e Castello Mendo, então
pertencentes ao bispado de Viseu.
Exlincto o bispado de Pinhel em 1882,
quasi todas as paroehias d'elle passaram pa-
ra o da Guarda e as restantes para o de La-
mego, não reivindicando o de Viseu paroehia
alguma das que em 1770 havia dado para o
de Pinhel.
O bispado de Viseu foi ura dos que me-
nos ganhou com a circumscripção diocesana
de 1882. Apenas recebeu do bispado de
Coimbra as 4 paroehias seguintes -.—Santa
Combadão, villa e séde do concelho do seu
nome, Couto do Mosteiro, S. Joanninho e Vi-
mieiro, todas dl) mesmo concelho de Santa
Combadão,— e a de S. Mamede das Talhadas
DO concelho de Sever do Vouga, distrieto e
antigo bispado d'Aveiro, extincto pela men-
cionada circumscripção e dividido pelas dio-
ceses do Porto e de Coimbra.
Em 1838, segundo se lé na memoria que
Berardo oíTereeeu á camará de Viseu n'a-
quella data, este bispado comprehendia 203
paroehias, divididas por 5 arcyprestados e
estes por 16 distrietos ecelesiasticos da forma
seguinte :
1.»
Arcyprestado do Aro
Subdividia-se em 5 distrietos ou arcypres-
tados menores:
1. »— com 13 freguezias;
2. " — com 11;
3. °— com 9;
4. »— com outras 9;
5. » — com 11.
Total :
Freguezias, 53.
Fogos (n'aquella data) 13:103'.
2 o
Arcyprestado de Besteiros
Subdividia-se em 3 menores :
1. »— com 10 freguezias;
2. " — com 11;
3. °— com 12.
1794 VIS
VIS
Total :
Freguezias, 33.
Fogos (n'aquella data) 80:074.
3. »
Arcyprestado delLafões
Subdividia-se em 3 menores :
i.» — com 15 freguezias;
â.° — eom outras lo;
3.*— com 14.
Total :
Freguezias, 44.
Fogos (n'aqueila data) 7:313.
4. »
Arcyprestado de Mões
Subdividia-se em 2 menores:
1.»— com 11 freguezias;
2.0— eom 13.
Total :
Freguezias, 24.
Fogos (n'aquella data) 3:901
Arcyprestado de Pemverde
Subdividia-se em 3 menores:
1. ° — eom 17 freguezias;
2. » — eom outras 17;
3.0— eom 15.
Total :
Freguezias, 49.
Fogos (n'aquella data) 6:029.
Total geral em 1838 :
Arcyprestados maiores, 5
Arcyprestados menores, 16.
Freguezias, 203.
Fogos, 38:421.
Circumsòripção actual
Hoje (1888) o bispado de Viseu compre-
hende a população seguinte : *
Freguezias 208
Sendo 10 pertencentes aa
districto d' Aveiro (2 ao conce-
lho de Macieira de Cambra e
8 ao de Sever do Vouga) ;— 26
pertencentes ao districto da
Guarda (13 ao concelho de
Aguiar da Beira e outras 13 ao
de Fornos d'AIgodres)— e 172
pertencentes ao districto de Vi-
, seu:— 6 ao concelho do Carre-
gal; 8 ao de Castro d'Ayre; 1
ao de Fragoas; 18 ao de Man-
gualde; 6 ao de Nellas; 12 ao
de Oliveira de Frades; 12 aa
de Penalva do Castello; 7 ao
de Santa Comba-Dão; 3 ao de
S. João d'Areias; 20 ao de S.
Pedro do Sul; 12 ao de Sal-
tam; 23 ao de Tondella; 32 aa
de Viseu— e 12 ao de Vou-
zella.
Fogos 56:366
Almas 246.232
Vê-se pois que desde 1838 até 1878, data
do censo a que nos referimos, como já dis-
semos, o bispado de Viseu augmentou em
freguezias 5
Em fogos 17:945
Em almas (a 4 por fogo) 71:780
Padres
Em virtude da exlincção dos dizimos, do
foro ecclesiaslico e das ordens religiosas, é
hoje muito sensível n'este bispado e em todos
os do nosso paiz a falta de clero.
Os nossos governos teem sido francos em
exigir do clero muitas habilitações. Custa
hoje talvez tanto a ordenação como em 1834
uma formatura.
E' louvável a illusrração do clero, mas ó
altamente revoltante que os nossos gover-
nos não curem nem tratem de garantir-lhe
a sua independência.
1 Referimo-nos ao censo de 1878 e ao
Mappa das Dioceses de 1882.
VIS
VIS 1795
Para o serviço publico equiparam os pa-
rochos aos outros funeeionarios, mas não os
equiparam nos vencimentos.
Emquanto que nas nossas alfandegas e em
outras repartições publicas nós vemos bata-
lhões de indivíduos, muitos d'elles sem exa-
me de instrucção primaria, (?) ganhando
500:000 réis e 1 e 2 contos de réis por an-
no, cora serviço nominal das 9 horas às 3
da tarde, flaneando éscandalosameute, — a
maior parte dos nossos parochos não apura
200:000 réis por anno — e muitos nem ao
menos 100:000 réis!
Tiraram-lhes os dízimos em 1834 e pro-
metteram-lhes uma dotação, mas até hoje
não lh'a deram. O nosso clero — em geral —
é pobre e muito pobre, pelo que os padres
hoje rareiam muito em todo o nosso paiz e
tanto que muitos parochos teem a seu car-
go 2 freguezias e celebram nos domingos e
dias santificados 2 missas, com auctorisação
superior.
Hoje toda a cidade de Viseu apenas tem
28 presbyteros; as 5 freguezias annexas con-
tam apenas 7 presbyteros e todo o bispado
42o, estando muitos d'elles já decrépitos e
completamente inutilisados.
O seu cabido, outr'orâ tão numeroso, pô-
de dizer-se extincto, pois conta apenas 2 có-
negos,— um já decrépito — e outro demen-
te... 1 Não escasseiam porém as habilita-
ções e o merecimento nos presbyteros d'este
bispado. Entre elles occupa um logar dis-
tineto o muito reverendo
João Rodrigues Xavier
Nasceu em 11 de. dezembro de 1850 na
povoação de Paranho, freguesia de Caparro-
sa, concelho de Tondella, n'este bispado de
Viseu. Tem o curso iriennal de theologia; or-
denou-se em 1877; foi parocho encommen-
dado na freguesia de S. João do Monte, no
dito concelho de Tondella; em 1874 foi no-
1 V. pag. 1588, col. 2.» m fine. O meio co-
íie^o— Sebastião Pereira de Figueiredo Quei-
roz—falleceu em janeiro de 1888, contando
85 annos de idade.
meado prefeito do seminário diocesano, mis-
são que exerceu distinctamente, prestando
relevantes serviços na administração dos ca-
pitães, bens e foros da casa, pondo em or-
dem a cobrança das rendas, etc.
Em setembro de 1884 foi nomeado secre-
tario e capellão de s. ex.» reverendíssima,
e em outubro do mesmo anno foi nomeado
thesoureiro e administrador da bulia da San-
ta Cruzada na diocese, missões que exerceu
coDjunctamente com aquellas.
Em 9 d'outubro de 1885 toi collado vigá-
rio na freguezia do Barreiro, mas logo se fez
substituir por um encommendado idoaeo,
para não deixar o serviço do paço episcopal
visiense, continuando a merecer a confian-
ça do seu ex."" prelado.
É um presbytero de singular merecimento
e de exemplar comportamento, — muito il-
lustrado, muito afável, muito piedoso e ge-
ralmente bem quisto.
É também um presbytero de muito mere-
cimento e muito piedoso o reverendo Antonio
Ferreira d' Almeida, digníssimo secretario
da camará ecclesiastica, dono e fundador da
formosa capella de Nossa Senhora e dosan-
tissimo Coração de Jesus.
V. pag. 1560, col. 2.» n." 13.
Provinda da Beira Alta
Viseu é também capital da provinda da
Beira Alta, uma das 8 em que desde 1834 se
divide o nosso paiz. São ellas: — Algarve,
Alemtejo, Estremadura, Beira Alta, Beira
Baixa, Douro, Minho e Traz os Montes.
Desde os princípios da nossa monarchia
as províncias de Portugal eram 5: — - Alem-
tejo, Beira, Estremadura, Minho e Traz os
Montes. Em 1250 addieeionou-se-lhes a do
Algarve e assim permaneceram em numero
de 6 até que em 1834 se creou a província
do Douro, comprehendendo o diítricto do
Porto, que era da província do Minho,-- e
os de Aveiro e Coimbra, que pertenciam a
província da Beira,--e dividiu-se a parte
restante d'e8ta província em duas:— Beiro
Alta 8 Beira Baixa, nomes que tomaram—
não da differença da altitude, pois a Beira
1796 VIS
VIS
Baixa comprehende á serra da Estrella, que
é a maior e mais alta do dosso paiz,
Suppomos que deram às duas províncias
os nomes de Beira Alta e Beira Baixa, por
comprehenderem— a 1.* a parte norte— e a
2.* a parte sul da antiga província da Beira,
posto que a Beira Baixa também toca no
Douro ou na linha que anteriormente limi-
tava a N. (de E. a O.) a província da Beira.
A Beira Baixa comprehende os districtos
da Guarda e Castello Branco;— a Beira Alia
comprehende unicamente o districto de Vi-
seu e por isso, para evitarmos repetições,
veja-seo topko snpTà— Districto de Viseu, —
onde se encontram indicados os limites, a
população, o clima, as producções, rios,
montanhas, etc. da província do Beira Alta-
Vejam-se também os artigos Beira, tomo
2.', pag. 357, col. 2/;— e Lusitânia, tomo
4.° pag. 498, col, 1.» e 2.'— no fira do artigo,
— e Douro, (província) tomo 2.", pag. 481.
in fine.
Viseu é também séde da 2.» divisão mili-
tar, que tem n'e8ta província 2 regimentos
de infanteria: — n." 14 na cidade de Viseu —
e n." 9 na de Lamego; — mais infanteria 12
na Guarda, 21 na Covilhã, 23 em Coim"
bra, 24 em Penamacor, e íinalmente caval-
laria 8 em Castello Branco e cavallaria 10
em Aveiro.
Etymologia do nome d'esta provinda
É muito nebuloso este tópico e até hoje
ninguém o explicou nem nós nos atrevemos
a explical-o satisfaturíamenle. O meu ante-
cessor apfoas o tocou muito de leve no ci-
tado artigo Beira, mas d'elle se occuparam
mais detidamente Fr. Bernardo de Çríto,
Argole e o dr. Botelho, principalmente este
ultimo.
O 1.° na sua Geographia antiga da Lusi-
tânia diz textualmente o seguinte:.
tHe tão nomeada em Poriugal a comarca
da Beira, e ião poueo sabida a origem do
seu nome, que mil vezes me desvelley pela
saber, e só em Alladio, e nas annolações do
Bispo Pinheiro achey algum rasto do que
buscava, porque dizem que os povos Biro-
nes, que Strabão pòe junto aos Celtiberos,
entrarão pella Lusytania em tempo de im-
perador Tibério, e povoarão hua parte delia,
donde infere o Bispo, que a província em
que viverão teve o nome Beria, e depois
Beira, e os Berones pello discurso do tempo,
víerão com piquena corrupção a se chamar
Beirões. Mas esta conjectura não tem mais
Authores por si, dado que seja muy boa, e
eu a tenha por muy vezinha da verdade:
mas por agora flque esta província metlida
era mãos dos Turdulos antigos, té que na
Segunda Parte d'esta obra acabemos de ave-
riguar a certeza. I ^
Eal não disse!
Argote nas suas Memorias de Braga, tomo
1." pag. 449 e 450, dissertando sobre o local
da cidade de Numancia, diz;
tO segundo argumento de que se valem
os que pretendem fosse a antiga Numancia
no sitio de Numão^, he, que aquella famosa
cidade estava entre os povos chamados Be-
rones conforme a descreve Ptolomeu na se-
gunda Tábua da Europa, capítulo sexto,
pag. 45. Mas esta razão está tão longe de fa-
vorecer esta opinião, que antes a destroe,
porque Ptoloraeo alli descreve as cidades de
huns povos chamados Berones, que fieavão
junto aos Autrigones, que erão, ou em Bis-
caya, ou alli perto. Nem Ptolomeo na verda-
de situa Numancia entre os taes povos Be-
rones, mas entre os Apevacos, e destes diz
que fieavão abaixo dos Pelendones., e Bei'o-
nes. . . — e os Pelendones e Berones erão po-
vos que fieavão na Hespanha Tarraconense
e Cilerior; e junto ao- nascimento do rio
Douro 03 Pelendones, diz Plínio, livro 4.°
eap. 20;— os Bellones junto aos Cantabros,
como diz Estrabo no livro 3.° Nem os povos
que habitavão a nossa província da Beira,
se chamavão naquelle (empo Berones, mas
sim Vettones, ainda que Florião do Campo,
1. 2." cap. 10, dá a entender que algumas
vezes os chamavão Berones.*
Foi isto o que escreveu Argote em 1732;
1 Monarch. Lusit. tomo 1.' pag. 570, col.
I 2."
I 2 V. Numão n'este diccionario, tomo 6.*
1 pag. 178, col. l.« e segg.
VIS
VIS 1797
vejamos agora o que era 1630 e 1631 (um
século ames) havia eseripto o dr. Manoel
Botelho Ribeiro visiense, que foi quem até
hoje tratou melhor a questão :
No sevL Dialogo 1.» cap. 18, pag. 97 a 101
(codiee de Girabolhos) — depois de citar a
opinião de Fr. Bernardo de Brito, exposta
supra:— que esta província tomou o nome
de Beira, depois que a invadiram os Bero-
nes,—áiz que ella lomou o nome dos Veto-
nes, seus antigos habitantes, pela mudança
do Fem B—e do Tem B.—o que julga na-
turalíssimo, imaiormente (diz elle) quando
alettra B he mais familiar na. nossa lingoa,
e na dos mouros que o V: e inda hoje (re-
fere-se ao seu tempo, 1630 a 1636) entre a
gente rústica e galega nada se «pronuncia
com V. Por vós dizem bós; por varanda,
baranda; por virote, birote; por valle, baile...
»08 mouros, em cujo tempo se corrompeo
a maior parte dos vocábulos, e nomes de
Hespanha, sempre foram mais aff^eiçoados á
lettra B, pelo que tem de brutos (?). Por pec-
cado dizem becado, por vilão, bilão, etc. Co-
mo ehamarião pois aos Vetones senão Be-
nes? E se se chamavão Vergones, que por es-
tes nomes se achão, como dirião, senão Ber-
gonesi E tirando o g que nesle nome parece
que vai puxado, como diriào, senão Berões
e Berones? E nós, apurada a lingoa, e cor-
rupto o nome, chamamos lhe Beirões, ac-
crescentando hum i.
tHe tão familiar a lettra b em os beirões,
que até os meninos, quando começão a fal-
lar, e pedir agoa, dizem abua, mudando o
g em b,—e outros, tiraodo lhe o primeiro a,
dizem bua, mudando og emb. Desta manei-
ra perdião o g dos Vergones e o v mudado
em b, como era forçado em a nossa antiga
lingoa, 6 na dos mouros, ficava Berones, e
dahi Beroes ou Beirões, como hoje se cha-
mão.
«Não vos espante esta corrupção, nem
mudança difficuUosa, que vos darei outros
exemplos de nomes, que nem semelhança
tem do que forão.
«Quem dirá que Gerabrica se mudou em
Alemquer; Taladrica em Cacia, no rio Vou-
ga; Solaria em Alcácer do Sal; Tubucia em
Abrantes; Quatraleucos em Portalegre; Men-
deculia em Montalvão; Landobry emBerlen-
gas. . . Equa Bona em Coina, etc.
«O rio Távora primeiro se chamou Tabra
com b. Assim era fácil, e provável que os
Vetones, ou Vergones se mudassem em Be-
rones pelos mouros, ou na nossa lingua an-
tiga, e como costumavão sempre abreviar,
d'ahi se mudou em Berões, e depois em
Beirões. »
Depois diz que os Vetones eram povos da
Lusitânia que comprehendiam na sua juris-
dição os Vacceos, os Pesures d' alem da Ser-
ra da Estrella, Cidade Rodrigo, Salamanca
e muitas outras terras e povoações até o rio
Tejo, citando Plinio, Strabão e Ptolomeu. E
á observação dos que dizem que os mencio-
nados autores parece collocarem aquelles
povos na Estremadura e Cima Côa, respon-
de que elles situam a cidade de Lamego en-
tre os Vetones;— qne tão longe está Lamego
da Estremadura como Viseu— e que os an-
tigos geographos conheceram mal esta pro-
víncia, por ser montanhosa e pobre e pouco
frequentada des romanos, amigos de senho-
rear poderosos e ricos,— *e com haver nas his-
torias romanas muita menção de guerras
com os lusitanos, todas se achão nas partes
do Alemtejo, porque é tgrra chã,e esta nos-
sa (da Beira) apparelhada a ciladas, de que
usavão os lusitanos, que pelejavão á ligeira,
e os romanos a pé quedo, carregados de fer-
ro, fugião delia.»
Por ultimo á observação dos que estra-
nham que as terras apontadas piMos amigos
geographos como centro dos Vetones ou
Vergones não conservassem o nome de B4-
ra, mas sómente esta província, responde—
que isso não admira, porque na Beira, por
ser montanhosa e pouco aeeessivel, tiveram
menos guerras e mais demorada permanên-
cia do que na Estremadura, província muito
mais plana, menos defeusivel e theatro con-
stante de guerras sangrentas.
«Querem outros, diz Bluteau, que se cha-
«me Beira, por ser província, interiormente
«banhada de muitos rios, e pela costa do
1 «mar, que vae correndo da foz do Mondego,
1798 VIS
VIS
tpor baixo de Buarcos, até S. João da Foz,
«uma legoa abaixo do Porto.»
Seja o que fôr: o nome não dá a essência
às cousas.
Passemos a outro tópico.
Visienses illustres
Este tópico deve ficar muito deficiente,
porque Botelho, Berardo, F. Manoel e os srs.
Oliveira Mascarenhas e Cesar Augusto d'Al-
meidâ apenas o esboçaram e nós somos es-
tranhos a Viseu e como taes incompetentis-
simos para organisar uma lista que satisfa-
ça. Aos illustrados filhos de Viseu convinha
pugnar pro domo sua, mas, a despeito das
nossas reiteradas instancias, não nos auxilia-
ram, como lhes cumpria. Devem pois notar
grandes omissões, mas a culpa não é nos- !
sa. — Sibi impuíentl. . . I
i
Monarchas
—El-rei D. Duarte, filho de D. João I.
Nasceu n'esta cidade no dia 31 d'outubro
de 1311 e falleeeu em Thomar no dia 9 de j
setembro de 1438, tendo reinado apenas 5 j
annos. j
Para evitarmos repetições, veja-se o tópi-
co supra — Corte e cdríí-s— pag. 1721.
Senhoras
— D. Eugenia Nunes Viseu, viscondessa
de S. Caetano, filha de Henrique Nunes Vi-
seu e de D. Eugenia da Silva Mendes.
Ao que já dissemos d'e8ta illnslre e bene-
mérita titular no tópico das Famitias no-
bres de Viseu na actualidade, n." 11, titulo
Silvas Mendes, pag. 173o, col. 2.», aecres-
centaremos o segujnte:
Nós não tivemos a honra de a conhecer,
mas tributavamos-lhe o mais profundo res-
peito pela sua pasmosa caridade para com
os desvalidos.
Com data de 15 de maio de 1884, por
exemplo, disse um jornal de Viseu:
tA sr.* viscondessa de S. Caetano deu ás
creanças do Asylo d'Infancia um excellente
jantar, que durou desde as 7 horas ás 10 •
da noite. Depois offereceu também um jan-
tar aos empregados e direcção do asylo,» —
e deu 20 libras de esmola ao mesmo insti-
tuto de beneficência.»
Em julho de 1885, tendo-se formado em
todas as freguezias do concelho de Viseu
commissões de beneficência com receio da
invasão do cólera, que ao tempo devastava a
Hespanha e se aproximava da fronteira, a
viscondessa de S. Caetano, muito generosa
e espontaneamente disse á coramissão da
sua freguezia, (Ranhados) que tomaria a seu
cargo o tratamento dos pobres da dita fre-
guezia— até onde chegasse toda a sua for-
tuna.
Felizmente o cólera não trân?poz a fron-
teira.
Na semana santa de 1887 mandou s. ex."-
vestir 35 pobres;— deu 100 réis de esmola a
cada um dos presos da cadeia de Viseu— e
50:000 réis ao Asylo da Infanda Desvalida.
No domingo de Paschoa do mesmo anno deu
um abundante jantar a 167 pobres — e um
bolo de S. Bento e 200 réis de esmola a ca-
da um, — e no dia de Natal do dicto anno
fez servir um lauto jantar a 210 pobres, a
cada um dos quaes deu também uma avul-
tada esmola em dinheiro.
Os actos de philanlropia e caridade que
s. ex.* praticou não teem conta, porque, vi-
vendo só e solteira, e dispondo d'avultada
fortuna, os pobres eram a sua familla, os
seus amores e achava um prazer ineíTavel em
os ver sorrir; mas infelizmente falleeeu tão
bondosa e benemérita senhora, no dia 5 de
junho do corrente anno de 1888.
Toda a imprensa jornalística de Viseu a
pranteou vivamente e o Jornal de Noticias
do Porto,' lhe dedicou estas linhas:
« Viscondessa de S. Caetano. — Já acabou
para a illustre dama que se chamou Euge-
nia Viseu a vida de soffrimenlo horrível,
que ha muito vivia.
• Morreu ante-hontem a desventurada se-
nhora.
«Passou 18 mezes sentada sempre na mes-
1 D£ 7 de junho de 1888.
VIS
VIS 1799
ma cadeira e sem tentar, por lhe causar do-
res terríveis, outra posição mais commoda.
Alli gosava as suas flores predilectas, que os
familiares lhe levavam em ramos variados e
numerosos.
«Era um jardim ambulante a sala onde
exhalou o ultimo su?piro. N'essa sala, con-
vertida depois em camará mortuária, ficam
dispersos, por sobre os consoles e mesas,
musicas d'autores clássicos, livros amados
de litteratura hespanhola, italiana, ingleza e
franeeza, de sciencias naturaes, sociológicas,
de religião e até d'artes e oíBcios, sem faltar
o diccionario de medicina de Robin e Littré.
«Murcharão á vista do cadáver as bellas
rosas, cinerarias e as azalias de que ultima-
mente recebera exemplares formosíssimos a
illustre morta, que teve uma agonia horro-
rosíssima. O tumor que a victimou, no seu
crescimento prodigioso causára deslocações
incomprehensiveis, e o corpo da gentil Eu-
genia Viseu era agora uma monstruosida-
de medonha, que nos dois últimos dias a
gangrena ennegrecera ascorosamenle.
— «SoíTro muito; tenho soíTrido com uma
paciência que não imagino que possa ser
maior, mas não tenho força para maisi
Deixe-me queixar, sim?»
«Eram frequentes estas palavras dirigi-
das por ella ao seu medico e á amiga D.
Maria Guilhermina, que foi heroina de ma-
ternal dedicação.
«Duas horas antes de morrer, fez o se-
guinte testamento, que demonstra bem a
bondade d'aquelle coração que deixou de
pulsar.
«Deixa a D. Maria Leocadia Guilhermina
Castello Branco, da cidade de Lisboa, e que
actualmente vive em sua companhia e por
uma só vez, a quantia de 450iíl000 réis, que
lhe serão entregues dentro d'um mez de-
pois do seu falleeimento.
«Deixa o usofrueto de todos os seus bens
mobiliários e immobiliarios a sua prima D.
Virgínia Vizeu da Costa, de Lisboa, e por
sua morte a propriedade passará para a Mi-
sericórdia de Vizeu, cora a obrigação de
fundar um asylo de mendicidade, que se
denominará — Asylo de Mendicidade da Vis-
condessa de S. Caetano.*
Do exposto se vê que nem a morte a pôde
separar dos pobresinhos, pois os instituiu
por seus universaes herdeiros.
No Diário Illustrado de i3 de junho d'es-
te mesmo anno pôde ver-se o retrato da il-
lustre finada e um inspirado necrológio de-
vido á pena da distincta escriptora e sua boa
amiga, a sr.» D. Guiomar Torrezão. Bem
quizeramos nós transcrevel-o, mas não nos
é possível, por ser bastante longo. Apenas
transcreveremos alguns períodos:
' «A viscondessa de S. Caetano chamou a
si as creanças, os velhos, os orphãos, os
parias, todos os exilados do banquete da
vida, amparando-os nos seus braços, con-
solando os com a sua voz acarieiadora, aga-
salhando-os na sua casa,80ccorrendo-osna
sua miséria, exaltando-os na sua humilda-
de; não podendo ser feliz, ella que possuía
desde o berço a belleza, a bondade, a iolel-
lígencia e a riqueza, perdoou ao destino a
sua illogica crueldade, revendo se na feli.
cidade dos outros.
O amor votado á infância, inspirado pela
desventura, suscitado pelo aspecto de to-
das as lúgubres misérias humanas, absor-
veu exclusivamente esse grande coração
que se esqueceu de si, para se abandonar,
sem partilhas, aos seus filhos adoptivos, —
os pobres.
A viscondessa de S. Caetano não se limi-
tava a soccorrer os desvalidos, os orphãos,
os doentes, os fammtos, os aleijados, todos
os desherdados da vida que sem cessar
afluíam ao solar de S. Caetano, tantas ve-
zes transformado em asylo e hospital.
Amava-os estremecidamente, padecia com
as suas lagrimas, ungia as chagas de Job
com o unctuoso bálsamo do seu amor.
Todos os anoos, por oecasião da romaria
de Santa Eufemia, * a viscondessa ia a Ra-
nhados, presidir ao jantar que a sua inex-
1 A grande romaria de Santa Eufemia é
uma das maiores dos arrabaldes de Viseu.
V. o tópico supra, relativo á freguezia de
Ranhados, pag. 1532, col. 2.» ÉlMiíító
I
1800 VIS
gotavel caridade distribuía por duzentos
pobres.
Dorme na serena paz da aldeia, na doce
pacificação do campo e ao seio das flores»
essa que leve na terra um calvário suppli-
ciante e que foi procurar no ceu uma bem-
aventurança radiosa.
Os seus responsos soluçaram-os ao longo
da azinhaga, embuseada em madresilvas, os
pobres, que lhe formaram alas: o a^e glo-
rioso da sua immortalidade, entoal-o-hão os
anjos.
Giúomar Torrezão.*
—D. Eugenia Cândida da Silva Mendes,
ascendente da viscondessa de S. Caetano.
Casou cora João da Silva Mendes, rico ne-
gociante, proprietário e capitalista de Viseu;
sendo já viuva e muito rica, prestou grandes
serviços ao partido liberal na cruel perse-
guição de 1828 a 1833, pelo que em 1837
foi agraciada com o titulo de baroneza da
Silva.
Foi uma senhora muito enérgica e tanto
que arriscou a sua fortuna e a própria vida
em defesa da causa liberal, chegando a ser
presa, etc.
Veja-se o tópico das Familias nobres de
Viseu, n.o il.»— titulo Silvas Mendes inprin
cipio, pag. 1733, col. 2.»
—Merchala ou Mercala, mulher gentia
romana dos arrabaldes de Viseu e triste-
mente celebre, mencionada na inscripção la-
tina que se encontra em um monte, junto
de Lordosa.
V. pag. 1711. col. 2.» e 1712, col. 1.'
Fr. Luiz dos Anjos no sen Jardim de Por-
tugal, pag. 527 e 528, menciona a dieta mu-
lher e dá na sua integra a tal inscripção,
dizendo; «. . .ouve de seu próprio pay hum
filho, por nome Euforbo, com o qual casou
despois de ter idade, de modo que era seu
filho, seu irmão, e seu marido; assim o le-
mos {diz elle) era hum livro muy curioso
dos mais notáveis Epitáfios do mundo, que
está em a livraria Regia do Escurial, im-
presso. . . »
VIS
Registramos o lenda, porque é realmente
curiosa.
—D. Josepha Maria de Sá, filha do dr.
Antonio de Sá Mourão.
Pelos annos de 1718 casou com o celebre
escriptor e medico Braz Luiz de Abreu, ex-
posto da roda de Coimbra, e não filho da
Villa d'Ourem, como diz Ignacio Barbosa
Machado.
Tendo do seu consorcio já 3 filhas e 3 fi-
lhos, os dois esposos muito espontaneamen-
te separaram-se. Ella recolheu-se cora as fi-
lhas ao convento ou recolhimento de S. Ber-
nardino da cidade d'Aveiro, onde o marido
vivia exercendo a clinica; elle ficou com os
3 filhos;— vestiu o habito da 3.» ordem de S-
Francisco, na qual era professo; ordenou-se
em menos de 6 mezes em Lisboa, obteve um
breve apostólico para continuar a exercer a
profissão; voltou para Aveiro; foi nomeado
syndico e medico eíTectivo do convento de
S. Bernardino, e fallava quasi diariamente
com a esposa, mas depois da separação não
roais tornou a ver-lhe o rosto, porque ella
tinha o cuidado de o cobrir sempre com um
veu.
Ella entrou para o noviciado em 25 de
março de 1732, e professou com as 5 filhas
no dia 24 de dezembro de 1734— e n'esse
mesmo dfa cantou o marido a sua l.« missa
e pregou com muito applauso o sermão
próprio da profissão da esposa e das filhas,
cujos nomes eram: Anna Maria, Maria da
Natividade, Thereza de Jesns, Antónia Ma-
ria e Sebastiana Ignacia.
Ignoramos os nomes dos 3 filhos. Apenas
sabemos que um falleceu de tenra idade,—
outro foi frade de S. Domingos— e o 3.' je-
suíta.
Depois da profissão da esposa e filhas,
Braz Luiz d'Abreu viveu ainda 22 annos em
Aveiro, tratando da administração do con-
vento e da cura dos seus doentes; por ulti-
mo falleceu no dia 10 d'ago3to de 1756, con-
tando 65 annos de idade e estando muito
bem disposto, sentado em uma cadeira,—
pois foi victima de uma apoplexia fulminan-
te, pelo que não pôde receber sacramentos
nem fazer disposições algumas.
VIS
VIS 1801
Foi sepultado no próprio convento de S.
Bernardino, onde viviam como religiosas
professas a esposa e filhas.
Tudo isto com as demais circumstancias
que ignoramos e com as obras que Braz
Luiz d'Abreu deixou, deu assumpto ao inte-
ressanlissimo romance que o sr. Camillo
Castello Branco, hoje (1888) visconde de
Correia Botelho, publicou sob o titulo Olho
de Vidro, alcunha de Braz Luiz d'Abreu, por
haver perdido um olho e usar d'oulro de
vidro.
As obras de Luiz d' Abreu são o Portugal
Medico—o Sol nascido no occidente e posto
ao nascer do sol, ou a vida de Santo Anto-
nio portuguez,— e Aquilas, hijas dei Sol,—
obra escripta em castelhano.
Veja-se o diccionario de Innoeeneio e o
que disse em contiDuação o sr. Brito Ara-
nha.
—D. Maria do Ceu da Silva Mendes, filha
do grande patriota e distincto eseriptor pu-
blico João da Silva Mendes.
Foi uma senhora formosíssima; está ain-
da solteira, e toca divinamente piano.
Veja-se o tópico supra — Familias nobres
de Viseu, n.° H, titulo Silvas Mendes — e o
Almanach de Vizeu, de 1884, pag. 50.
—D. Izabeldo Amaral e Vasconcellos, &s-
cendente da nobilíssima Casa dos Coutos
que foi dos Albuquerques da casa do Arco.
Fez de novo o capitulo dos frades capu-
chos d'Orgens e d'elle ficou sendo padroeira.
V. pag. 1543, col. 2.»
—D. Maria de Queiroz Castello Branco.
Esta senhora e o licenciado Belchior Lou-
renço, seu marido, fundaram em Viseu o
convento do Bom Jesus, de freiras benedi-
ctinas.
V. pag. 1661, col. 1.»
— D. Anna de Jesus Serpe.
Esta senhora e seu marido doaram aos
congregados do Oratório a quinta onde se
êstabeleceram e fizeram o seu convento, hoje
seminário episcopal de Viseu.
V. pag. 1649, col. 1.»
—Filippa Varella.
Fez e dotou a eapella do Espirito Santo,
na Sé de Viseu.
Era irmã de Gaspar Varella de Campos,
o Surdo, e ambos filhos de Pedro Rodrigues
Ferreira, feitor do marquez de Ferreira.
— Uma mulher, cujo nome se ignora.
Viveu 120 annos e foi casada uma só vez,
mas teve entre filhos, netos, bisnetos e tata-
ranetos 96 pessoasi . . .
Dial. í.' de Botelho, eap. 20, pag. 110 no
códice de Girabolhos.
— Outra mulher, cujo nome se ignora tam-
bém, e que viveu no sec. xvi.
«Pariu 3 filhos, a qual, como andasse pre-
nhe d'aquellâ barriga, indo o Ouvidor da In-
fanta D, Maria prender-lhe o marido, ella
lhe quebrou a vara, e o tratou tão mal, que
fez queixa á Infanta,^ que tomou d'isso gran-
de paixão; mas a varonil mulher, como pa-
riu, se foi com elles lançar a seus pés, e pe-
dir-lhe perdão, dizendo que quem tinha em
si 4 corações não era de espantar commet-
tesse tal atrevimento; que S. Alteza lhe per-
doasse: e a Infanta o fez, respeitando ao que
via diante de si »
Dial. de Botelho, loc. cit.
— D. Francisca de Campos Coelho,
— Ignez Seraphina Margarida de Jesus e
—D. Thomazia Maria Micaela de Lou-
reiro Lacerda.
Foram senhoras de muita illustração, pois
Berardo as menciona como escritoras na
Memoria que offereceu à camará em 1838,
—parte 1." § 12.
—D. Dorothêa d'Almeida Furtado,
— D. Francisca d'Almeida Furtado,
— D. Eugenia d' Almeida Furtado, e
—D. Mària das Dores d'Almeida Furta-
áo,— pintoras insignes, filhas do celebre mi-
nialurista José d' Almeida Furtado, sendo as
1 Esta infanta era filhad'el-reiD. Manuel
V. pag. 1722, col. 1.% n.» 9.
1802 VIS
VIS
duas primeiras Académicas de mérito pela
Academia portuense de Bellas Artes.
Veja-se o tópico infra — Pintores.
Bispos
Remissol, 1.' bispo de Viseu, segundo o
nosso humilde catalogo.
V. pag. 1598, eol. 1.» supra.
Alguém diz que este prelado era filho de
Viseu.
— D. Luiz do Amaral.
Veja-se o nosso catalogo supra, pag. 1605
col. 1.^ in fine e segg.
—D. Manuel de Almeida Carvalho, bispo
do Pará, ele.
Veja-se o tópico Escriptores, infra, oode
fazemos menção d'este benemérito filho de
Viseu.
—D. Gaudêncio José Pereira, hoje arce-
bispo de Mytilene, com o titulo de conde,
bispo eleito e governador do bispado de Por-
talegre.
V. pag. 1589, supra, col. 1.»
Está eleito e governando aquella diocese
desde a morte do ultimo prelado, mas até
hoje (15 d'agosto de 1888) ainda não foi
confirmado,
D. Gaudêncio José Pereira foi nomeado
suíTraganeo do ex."» Cardeal Patriareha de
Lisboa por carta régia de 31 de janeiro de
1887.
Confirmado Arcebispo de Mitylene e suf-
fraganeo do Patriareha de Lisboa por Bulla
de 14 de março de 1887. Tomou posse do
Jogar de Provisor e Vigário GeraJ do Pa-
triarchado, presidente da relação e cúria
patriarchal de Lisboa, em 19 d'abril de 1887.
Sagrado Arcebispo de Mitylene em 1 de
maio de 1887.
Nomeado vigário procapitular do bispado
de Portalegre por provisão do ex."" Cardeal
Patriareha de Lisboa, na qualidade de me-
tropolita, em 15 de setembro de 1887.
Nomeado e apresentado bispo de Portale-
gre por decreto de 22 de dezembro de 1887-
Preconisado bispo de Portalegre em Roma
no consistório de 1 de junho de 1888.
Prestou juramento no ministério da justi-
ça em 3 de julho e nas mãos do em.™* Car-
deal Patriareha em 4 de julho de 1888.
Tomou posse (por procuração) do bispado
de Portalegre em 21 de julho e fez a sua en-
trada solerane na Sé em 5 de agosto de
1888.
Foi o terceiro que honrou nos tempos mo-
dernos o corpo docente do Seminário vi-
siense com o báculo pastoral, sendo o pri-
meiro D. Thoraaz Gomes d'Almeida, hoje
bispo da Guarda: o segundo D. Antonio Se-
bastião Valente, arcebispo de Goa e primaz
do Oriente. E coisa singular: todos três as-
sistiram á ordenação do que depois foi bispo
de Beihsaida, hoje commi8?ario da Bulla, D.
Antonio Ayres de Gouvêal Em tempos mais
remotos (1792) foi alumno do Seminário vi-
siense Manuel Pires de Loureiro, que foi prior
de S.André de Lisboae de poisbispo de Beja,
fallecido em 1851. É seu parente o actual
commissario de policia, Antonio Pires de
Loureiro.
Escriptores
—João de Barros, o Livio portuguez, au-
ctor das Décadas.
Nasceu, conforme a opinião mais seguida,
na cidade de Viseu em 1496 e falleceu em
1570 na sua quinta de Alitem, ou de S. Lou-
renço, junto da villa de Pombal, sendo sepul-
tado na matriz de Alcobaça.
Relativamente á sua biographia e às obras
de que foi autor, vejam -se os interessantes
artigos publicados por Innocencio F. da
Silva no Diccion. Bibi, tomo 3.° pag. 318 a
323,— e pelo sr. Brito Aranha na continua-
ção do mesmo diecionario, tomo 10.° pag.
187 a 189.
Veja-se também o art. Pombal, tomo 7."
pág" 138, eol. 2.*, e as Memorias de Berar-
do (cap. 10.0) publicadas em folhetins no
Liberal e no Observador.
Como ainda se discutem alguns pontos
da biographia de João de Barros, o Livio
VIS
VIS 1803
portuguez, vamos exlraclar o que d'elle diz
o dr. Manoel Botelho no seu|Día/. 4.*, cap.
27, e que algum peso tem, porque Botelho,
alem de ser muito illustrado e muito versa-
do em genealogias, era parente de Gaspar
Barreiros (sobrinho de Jo5o de Barros) —
possuía mss. de Barreiros (veja-se o tópico
infra)— e escreveu os seus Diálogos em 1630
a 1636.
No cap. 27.» diz elle:
Mecia Martins de Figueiredo, filha 2.» de
Martim Annes Durào da Matta. . . houve de
seu marido a Tareja Rodrigues de Figueire-
do, que casou com Gil Martins, dos quaes
nasceu Diogo Gil de Figueiredo, que casou
com Beatriz Affonso, de quem nasceu Gil de |
Figueiredo. . . e i
— Isazel Rodrigues de Figueiredo.
Casou com Lopo Dias e houveram a
— Leonor Dias de Figueiredo.
Casou com Lopo de Barros, cidadão de
Braga, filho d'ouiro Lopo de Barros e de
Maria Gonçalves Raposa, filha d'um cidadão
do Porto. Descendiam estas fidalgos de um
Martim Martins de Barros, senhor do mor-
gado de Moreira, junto a Braga, e d'e8te
nasceu Alvaro de Barros, pae de Lopo de
Barros, «que o foi do que traetamos».
Lopo de Barros, marido de Leonor Dias
de Figueiredo, foi muitos annos corregedop
entre o Tejo e Guadiana e criado de D. Af-
fonso V, d; João II e d'el-rei D. Manoel, — e
capitão de 4 naus na tomada d*Arzila, capi-
tão d'um esquadrão no cerco do Sabugal^
etc. «E segundo achei por certeza, seu avô
não se chamava Alvaro de Barros, mas Gon-
çalo Dias de Barros, que foi abbade do mos-
teiro de Calvello, 3 legoas de Braga, e d'ou-
Iros beneficios, que por sua morte annexou
a Villar de Frades, onde jaz sepultado.»
^Lopo de Barros houve de Leonor Dias es-
tes filhos:— João de Barros, Diogo de Bar-
ros, Alvaro de Barros, Christovam de Bar-
ros, Genebra de Barros e Maria de Barros.^
Teve também 2 filhos naturaes: — João de
1 Esta Maria de Barros teve entre ou-
tros filhos, Gaspar Barreiros, como logo di-
remos.
Barros (o . das Décadas) e Martha de Bar-
ros.
Em seguida váe fallando de todos os fi-
lhos legitimos, mencionados supra, indican-
do os seus casamentos e a descendência que
deixaram, e por ultimo diz textualmente o
seguinte:
«/oõo de Barros filho natural de Lopo de
Barros,. . . foi feitor da Casa da índia, e Mi-
na, muito privado d'el-rei D. João III, e
com o príncipe se criou, sendo menino; e
foi a causa, que Lopo de Barros tinha gran-
de amisade com D. João de Menezes, e à
hora da morte disse-lhe que tinha seus fi-
lhos acomodados, senão hum, que tinha na-
tural de hua mulher honrada; que lhe pedia
muito que lho encommendasse a el-rei; o
que D. João fez, offerecendo-lho, que o to-
mou, e criou com o príncipe D. João, e o
fez da sua guarda roupa. Compoz este João
de Barros as Décadas da Historia da índia,
com outras muitas obras famosas. Casou
com Maria d'Almeida {sic) filha de Diogo
d' Almeida, de Pombal, pae também de Lopo
d'Almeida, de Leiria, da qual houve —Jero-
nymo de Barros, Antonio de Barros, João de
Bairos, que morreu na batalha d'Alcaeere,
e Lopo de Barros, que foi tão esforçado, e
valente lutador, que botava os homens por
cima de si para traz, — e Diogo d' Almeida, os
quaes todos forão filhados por fidaldos; e
D. Maria d' Almeida, e D. Catharina de Bar-
ros, mulher de Christovão de Mello, filho de
Diogo de Mello da Silva veador da rainha
D. Catharina; Anna de Barros, e Isabel d" Al-
meida, que casou cora seu parente Lopo de
Barros, filho de Diogo de Barros, em Braga.»
A transeripção é bastante longa, mas in-
teressante, mesmo porque os Diálogos do
dr. Botelho aiada estão mss. e não se encon-
tram facilmente.
—Gaspar Barreiros, sobrinho do antece-
dente.
Foi cónego na Sé de Viseu, sua pátria,
onde nasceu não sabemos quando, e ali fal-
iaceu em 1 d'abril de 1573, segundo diz Be-
rardo, loc. cit.— ou em 6 d'agosto de 1574,
segundo diz Innocencio.
1804 VIS
Foi também cónego e inquisidor em Évo-
ra e por ullirao religioso franciscano com o
poma de Fr. Francisco da Madre de Deus.
Escreveu varias obras, cuja lista pode
ver-se na Bibi. Lusit. mas foi impressa ape-
nas uma Chorographia, na qual descreve a
viagem que fez no anno de 1546 á Itália;
principia porém a discripção em Badajoz e
falia muito e muito bem da Hespanha, da
França e da Itália, mostrando profundo co-
nhecimento dos antigos geographos, mas in-
felizmente não se occupou de Portugal, o
que deveras sentimos, pois estava habilita-
do como talvez nenhum dos nossos choro-
graphos para descrever a antiga Lusitânia,
— e elle a descreveu e talvez dissesse muito
da provinda da Beira e de Viseu, sua terra
natal, mas infelizmente essa discripção fi-
cou ms. e perdeu-se ou jaz ignorada em au-
(hographo e exemplar único nos Açores.
Sendo elle tão versado em antiguidades e
occupando-se tão largamente de paizes es-
trangeiros, seria demasiada ingratidão não
se oceupar do seu paiz; mas não lhe cabe a
censura, porque Barbosa Machado aponta os
seguintes mss. de G. Barreiros:
— Commentaria de Ophyra Regione;
— Censura in quendam authorem;
"'Carta de Roma (i547) a El-Rey;
'—Censuras sobre os 4 livros de Latão;
—Vita D. Francisci;
—Verdadeira Nobreza, ou Linhagem de Por-
tugal;
'^AnnotaçÕes a Ptolomeu;
— Descripção do Egipto;
—Carta Consolatoria (Roma, i563) á In-
fanta D. Maria;
—Carta de Santarém (1569) a Damião de
Goes;
— Observações Cosmographicas;
—Egloga pastoril, em louvor da Infanta D-
Maria;
—Homilia sobre * Angelus Domini apparuit
in somnis Jozeph*;
— Geographia da Antiga Lusit aniafl .■ -
Debalde procurei este ultimo ms. nas nos-
sas biblioíheeas publicas e particulares, prin-
cipiando pela de Évora, já por ser muito
VIS
abundante em ms.— já porque ali viveram
G. Barreiros e o irmão, também cónego e
que alem da Chorographia que fez publicar,
muito provavelmente herdou do aueior to-
dos os outros mss. Tractei mesmo de vêr
se algum bibliophilo d'Evora os possuía ou
me dava noticia d'elles, nomeadamente da
Geographia da Antiga Lusitânia, e não foram
completamente baldadas as minhas pesquisas,
porque o sr. Antonio Francisco Barata, dis-
tincto escriptor publico ali residente, se di-
gnou enviar-me a carta seguinte, que muito
agradeço:
• Posso dizer alguma coisa sobre o ms. de
Gaspar Barreiros.
A Bibi. Lusit. dá perdida a Descripção de
Hespanha, creio que no terramoto de 1755;
haverá porém 4 annos, achando eu em Lis-
boa, na livraria de Antonio Rodrigues, um
ms. folio, sem começo nem fim, mas de le-
tra do see. xvi, li-o e descobri n'elle o ms.
de Barreiros, que Barbosa dava perdido.
Foi comprado para mira pelo sr. dr. Au-
gusto Filippe Simões, e pára hoje na ilha
de S. Miguel (Açores) em Ponta Delgada.
Foi da Marqueza d'Alorna— e é o primei-
ro trabalho de Barreiros, o borrão d'onde
talvez se tiraria a copia que se perdeu em
1755.
Começa por uma descripção da Lusitânia
e depois descreve a Hespanha. Não me lem-
bro se a descreve toda se, ao que me pare-
ce, as terras do littoral somente.
Embora sem principio e talvez incomple-
to, é estimável este ms. que oíTereci ao sr.
José do Canto.
Em Évora não existe copia.
A. F. Barata.»
Do exposto se vê que de tantos elão pre-
ciosos mss. de Barreiros apenas existe nos
Açores o borrão e exemplar único da sua
Geographia da Antiga Lusitânia, exposto a
perder-se como se perderam os outros mss.
do mesmo autor e como se teera perdido e
estão perdendo tantos outrosl
Quando se resolverão os nossos governos
a salvar em edições baratas os muitos mss.
VIS
que ainda restam e que jazem ignorados nas
nossas bibliolheeas?!
Prosigamos.
— Dr. Manoel Botelho Ribeiro Pereira, àn-
tor dos Diálogos moraes e poUticos, e fun-
dação da cidade de Viseu, ete. tantas vezes
por nós citados.
Era ainda parente de Gaspar Barreiros e
compulsou alguns dos seus eseriptos, por
que a elles faz de longe em longe algumas
leves referencias; escreveu os seus Diálogos
em 1630 a 1636 e lamentamos que até hoje
1 V. Gaspar Barreiros no Diccion Bibi.
de Inaocencio e na citada Memoria de Be-
rardo e a sua genealogia no Dial. 4.» cap.
27 do seu parente dr. Manoel Botelho, o
qual, depois de dizer que o dito Gaspar Bar-
reiros era filho do 2.° matrimonio de Buy
Barreiros de Seixas e de Maria de Barros,
filha de Lopo de Barros e Leonor Dias, men-
ciona os filhos que tiveram:
— hyancísca Barreiros, mulher de Anto-
nio Godinho, o qual acompanhou o bispo
D. Miguel da Silva, quando tugiu de Viseu
para Boma;
— Lopo de Barros, cónego d'Evora, e de-
pois abbade de Tavares, pae de Antonio de
Barros, collegial deS. Paulo;
— Gaspar Barreiros, também cónego em
Évora, «d'onde foi a Boma por mandado do
cardeal D. Henrique, ultimo rei portu-
gunz (m illo tempore, 1630-1636,) visitar
S. Santidade. Depois se fez frade de S.
Francisco, e se chamou Fr. Francisco.
Compoz muitas obras, como foi o seu Itine-
rário, —hum livro da Verdadeira nobreza,
C(im muitas gerações, que não sahiu à luz,
— e a Descripção de Hespanha, que tenho
em meu poder (11...) mas imperfeita, ou
rascunho da obra que intentava.» Era mui-
to provavelmente o códice que hoje existe
nos Açores e de que já fizemos menção su-
pra.
Menciona também Botelho outro irmão de
Gaspar Barreiros;
— O dr. Antonio Barreiros, que foi corre-
■ gedor no Porto e Coimbra, cavalleiro do ha-
bito de Ghriâto e aposentado com o titulo de
dezembargador e tença.
Casou e teve successão.
Botelho, loc. sit. diz também que João de
Barros, o das Décadas, erà filho, mas filho
natural, do mesmo Lopo de Barros, avô ma-
terno de Gaspar Barreiros.
VOLUHK XI
VIS 1805
(1888) não fossem dados á estampa, mas por
fortuna são bem conhecidos e não se perde-
ram, como succedeu á maior parte dos mss.
de Barreiros.
Para evitarmos repetições veja-se o que
d'estes Diálogos dissemos supra, pag. 1340,
eol. l.s 1725, eol. 1." e 2.«; 1660, col 2.» in-
fine),—e particularmente pag. 1684, col. l.«
e 2."— e 1694 a 1696.
Que nòs saibamos, ha d'estfts Diálogos pe-
lo menos 8 copias: 3 em Viseu, sendo uma
a de Girabolhos; 3 na Bibliotheca Municipal
do Porto; mais uma no Porto na interessan-
te 6 valiosa livraria particular do sr. Anto-
nio d'Almeiàa Campos e Silva, — e outra em
Lisboa na bibliotheca da Academia Real das
Sciencias.
Também deixe u inéditas varias poesias,
que se perderam, segundo diz Berardo.
— José Antonio Madeira, dr. em cânones
pela Universidade de Coimbra, e cónego
doutoral na Sé de Viseu, provido em 31 de
março de 1594.
Escreveu e publicou a Regra dos Sacer-
dotes. . . 1.» parte, Coimbra^ 1603.
• É obra rara, de que difficilmenle appa-
rece algum exemplar. Pela minha parle não
a poude ainda ver«--dizlQnocencio, — e não
foi mais feliz o seu continuador Brito Ara-
nha.
— Antonio Reinoso, dr. em medicina e
lente da Universidade de Coimbra quando a
reformou D. João IIL
Escreveu um Tratado das Febres, — se-
gundo diz Berardo, loc. cit.; mas nem o Die-
cionario de Innoeencio, nem o seu continua-
dor Brito Aranha, nem o Man. Bibliog. de
Mattos mencionam tal eseriptor.
— Antonio Ribeiro Raya, que nasceu em
1693.
«Parece ter seguido as armas, porque
deixou inédito um tratado da Pratica e
Theoria da Guerra» — diz Berardo, loc. cit.
Nem Innoeencio, nem Brito Aranha, nem
Pinto de Mattos o mencionam.
Ii4
1806 VIS
VIS
— Dr. Antonio Ribeiro da Costa e Al-
meida.
Innoceneio e Mattos não o mencionam; —
o sr. Brito Aranha dà-ltie o nome de Anto-
nio Ribeiro da Costa somente e acerescenta:
«Bacharel em Direito e professor no Ly-
ceu Nacional do Porto. Ignoro as demais
circurastancias da sua pessoa, e só vi im-
pressa com o seu eome e á venda a obra
seguinte, de que pude tomar nota: — Curso
elementar de Philosophia . . . Porto. 1866.»
É neto do infeliz tenente — rei da praça
d'Almeida — Francisco Bernardo da Costa e
Almeida; casou e vive no Porto, onde é pro-
fessor do Lyceu e actualmente governador
civil, etc.
Veja-se o tópico supra — Familias nobres
de Viseu, n.° II, Silvas Mendes, pag. 1735,
onde se encontra a biographia d'este escri-
ptor, benemérito filho de Viseu.
— Amaro de Reboredo, famoso latinista,
muito elogiado por José Vicente Gomes de
Moura.
Escreveu a Verdadeira Grammaíica La-
tina... (Lisboa, 1615) — e outras obras in-
dicadas por Innoceneio, o qual não pôde ve-
rificar ao certo a naturalidade do aucior,
que foi bineficiado na villa da Arruda e na
Sé de Vi.-eu, pelo que Innoceneio o julgou
natural d'esta cidade, ou da villa de Algoso,
mas o sr. Brito Aranha aííirma que nasceu
em Algoso — e á mesína opinião se inclina o
Manual Bibliographico.
— Dr. Antonio Nunes de Carvalho da
Costa Monteiro de Mesquita, do conselho de
S. Magestade, eommendador da O. de Chris-
to, cavalleiro da de Nossa Senhora da Con-
ceição, dr. e lente de direito na Universida-
de de Coimbra, etc.
Nasceu na rua Direita da cidade de Viseu
a 16 de junho de 1786 e falleceu em Coim-
bra a 5 de junho de 1868, contando por con-
sequência 82 annos de idade.
Nós o conhecemos em Coimbra durante a
nossa formatura (1851 a 1856) regendo a
cadeira de direito romano.
Era um dos primeiros ornamentos da Uni-
versidade, muito versado em todos os ramos
da faculdade de Direito, n'outras seiencias e
em linguistica, pois andou annos emigrado
6 viajando pelos paizes, estrangeiros e co-
nhecia bem muitas línguas.
Era também muito versado em bibliogra-
phia, tanto portugueza como franceza, io-
gleza, hespanhola, italiana, etc. Foi talvez o
1.° bibliographo que teve Portugal no seu
tempo.
Regia a sua cadeira cora muita proficiên-
cia, mas era muito excêntrico. Gostava de
formular umas certas perguntas d'algibeira,
com que se entretinha a estender os seus
disciputos todos^ inclusivamente os mais
distinctos, e, costumando os outros lentes ou
não irem à aula na véspera de ferias, ou
irem e não chamarem á lição, elle ia sem-
pre,—fazia prelecção e chamava à lição^
— mesmo no ultimo dia d'aula dos annos le-
ctivos, na véspera das ferias grandes.
Por estas e outras picuinhas ejusdem fus-
furis na sua aula nem elle, nem o guarda-
mor com todos os archeiros jamais poderara
manter a disciplina.
Por vezes a dita aula parecia uma praça
de tourosi Os discípulos, sempre numero-
sos i, respeitando aliás todos os outros len-
tes, caprichavam em arreliar e fazer troça
ao bom do dr, Nunes.
Ahi vae uma amostra do pano;
" Os salões das aulas n'aquelle tempo ti-
nham lá no fundo a cadeira do professor, es-
pécie de púlpito que sobrepujava 2 a 3 me-
tros ao pavimen^lo do salão — e este era -abo-
badado e dividido longitudinalmente com
duas ordens de pesados bancos de pinho em
píãno inclinado para a cadeira do lente, fi-
cando a meio das bancadas uma coxia ou
vão, para passagem dos estudantes e do
lente.
Nos dias da grande troça, principalmente
nas vésperas de ferias, quando o pobre dr.
Nunes estava fazendo a prelecção e chaman-
1 Os cursos de Direito no meu tempo re»
guiavam por 100 alumnos, e alguns ultra-
passavam esta cifra.
VIS
VIS i807
4o á lição, 08 discípulos conversavam, can-
tavam, reeiíavara, gritavam, atiravam com
grandes papeloíes em todas as direcções, sem
respeitarem a cadeira do lente e o próprio
lente— i cantavam a ladainha em eôro, al-
ternando os de um lado da eoxla (aproxima-
damente SO) com os do outro lado, o que
em um vasto salão de abobada era de en-
surdecer! Por ultimo saltavam para a coxia>
deixando os bancos todos vazios; — tomba-
vam o ultimo e mais alto contra o immedia.
to; este cabia sobre o banco visinho e com
o peso próprio o tombava — e assim com o
peso próprio iam tombando e caindo todos
os bancos, produzindo um estrépito infer-
nal!
O dr. Nanes não se incommodava com
bagalellas, mas quando o barulho era de-
masiado, puxava pelo cordão da campainha^
— acudia o guarda-mor com os archeiros e
por vezes prendia bandos de estudantes.
Por seu turno o dr. Nunes também nos
actos flnaes era franco em deitar RR — e um
anoo deu-se o facto seguinte: — Um seu dis-
cípulo, estudante aliás distincto e bera com-
portado (é actualmente juiz de direito) ficou
ationílo por ver que, tendo tirado distinc-
rões nos outros annos, n'aquelle lhe deita-
ram um R. Sabendo que o blinde proviera
do dr. Nunes, foi procural-o e queixar-se.
«Os senhores durante o anuo cantaram a
ladainha, pois agora cantem o misererel . . . »
— lhe disse o dr. Nunes.
Elie nunca foi meu lente, mas assisti a
muitas das taes touradas nas vésperas das
ferias, porque os meus lentes e todos os ou-
tros, se appareeiam então nas aulas, ersr sò
para se despedirem. Ficávamos pois todos
livres e, como rapazes íamos logo para a
aula do dr. Nunes, por ser o espectáculo
sempre interessante e gratuito.
Desculpem-nos estas reminiscências de
tão saudosa época — e prosigamos.
No Álbum Visiense, pag. 8 i a 83, se en-
contra em lithographia um bello retrato do
benemérito dr. e o seguinte esboço biogra-
phico, escripto pelo sr. M. d'Aragão;
«Entre os nomes que por diversos títulos
nobilitam a cidade de Viseu merece honro-
sa menção o do conselheiro Antonio ISunes
de Carvalho da Costa Monteiro de Mesquita-
Basta o facto de ter doado a esta cidade
a máxima parte dos livros que hoje consti-
tuem a sua bibliotheea publica, para que o
nome de tão illustreeomo prestante cidadão
deva gravar se na memoria de seus habitan-
tes 6 principalmente dos que se empenham
no engrandecimento das artes, letiras e
sciencias.
Nasceu Nunes de Carvalho em 16 de ju-
nho de 1786 na rua Direita d'esta cidade e
casa onde hoje (março de 1885) habita o
meu bom amigo José Augusto d'Almeída do
Amaral.
Foram seus paes José Nunes de Carvalho
e Maria Angelica da Costa, o que pode ve-
rificar-se no seu assento de baptismo, que
se encontra a fl. 182, v. do livro dos as-
sentos da freguezia Oriental da Sé de Viseu,
relativo, entre outros, ao anno de 1786, ar-
chivado na camará ecelesiastica.
Destinado por seus paes ao estado eccle-
siastieo, consagrou os primeiros annos da
sua mocidade ao estudo das humanidades,
que então floresciam na casa que aqui pos-
suíam os padres do Oratório, hoje seminá-
rio diocesano.
Mereceram-lhe especial dedicação os clás-
sicos gregos e latinos, e foi tal o progresso
e distineção que alcançou, que tendo ape-
nas 18 annos de edade, foi nomeado substi-
tuto da cadeira de latim n'esta cidade.
«Pelos esforços e cuidados do arcebispo
D. Frei Manuel do Cenáculo Víllas Boas,
Évora havía-se tornado o theatro esplendi-
do d'um vasto plano de sólidos estudos, on-
de progrediam as lettras, bellas artes e lín-
guas vivas.
O illustrado prelado não perdia occasião
de convidar para o magistério os maisau-
ctorisados professores. E tanto já soava a
fama de Nunes de Carvalho, que em 1805
mereceu a mui subida honra de ser cha-
mado para em tão illustrada escola professar
as humanidades.
, ;Ali, pelo tracto intimQ .com o douto pre-
lado, pela convivência com sábios distinetos
1808 VIS
VIS
e tendo á sua disposição os melhores livros,
enriqueceu a sua educação litteraria, adqui-
riu o mais entranhavel amor e esclarecido
zelo pelas lettras e pelos seus cultores, e
animou os vôos do seu génio que tão alto o
elevaram e tanta gloria grangearam para si
e para Vizeu, onde se ufanava deter nasci
do, pois era raro escrever o seu nome sem
accrescentar— «críMra/ da cidade de Viseu.
Nos fins de 1808 teve de interromper os
seus exercícios escolares em consequência
da invasão franceza e dos calamitosos suc-
cessos de que foi theatro a província do
Alemtejo, particularmente a sua capital,
que pozeram em risco a vida de todos os
seus habitantes, especialmente a do seu
prelado.
Nunes de Carvalho não hesitou em arriscar
ã sua vida e incorrer nos ódios da popula-
ça para salvar a do arcebispo, não esque
cendo assim na adversidade a benevolência
com que este o acolhia na prosperidade.
Dos valiosos serviços que n'esla conjun-
clura o joven professor prestou à cidade de
Évora e ao seu prelado, de quem fôra se-
cretario, existe honrosissimo documento do
próprio punho do venerando arcebispo.
O curso dos acontecimentos reconduziu
Fr. Manuel de Cenáculo são e salvo à sua
egreja; e Nunes de Carvalho voltou também
a professar por algum tempo as humanida-
des no seminário eborense.
O sábio e modesto professor continua ahi
desenvolvendo as suas felizes disposições
para as lettras, e o illuslre prelado não ces-
sa de o animar com o exemplo e bons con-
selhos e de lhe proporcionar todas as con-
dições favoráveis a esse desenvolvimento.
Repartiu com elle uma parte dos livros da
sua biblioiheea, por sem duvida a dadiva
mais valiosa que podia ofTertar-lhe.
Em 28 de janeiro de 18i3 obteve Nunes
de Carvalho a nomeação de substituto inte-
rino da cadeira de pbilosophia racional e
moral no collegio das artes em Coimbra,
cujos professores gosavam as honras de len-
tes da Universidade.
das duas faculdades em que' então se divi-
diam os estudos de jurisprudência, fazendo
sua formatura em cânones no anno de 1820
e em leis no anno seguinte, e recebeu o grau
de doutor d'esta ultima faculdade em 28 de
abril de 1822.
Por carta regia de 17 d'ouiubro de 1817
foi provido definitivamente na substituição
da cadeira de pbilosophia, e em 1822 suc-
cede na propriedade d'ella a D. Fr. Francisco
de S. Luiz, já então reitor reformador da
Universidade, -e sagrado bispo de Coimbra
em 15 de setembro d'este ultimo anno.
A despeito de todas as perseguições que
lhe moviam pela sua reconhecida adhesão
aos princípios liberaes e intima ligação com
os seus mais strenuos defensores, Nunes de
Carvalho continuou no exercieio das fane
ções do magistério até 1828, anno em que
principiam as mais sangrentas luctas entre
realistas e constitucionaes.
Depois da batalha da Cruz dos Marouços,
que ficou indecisa, o brigadeiro Saraiva Re-
foyos, commandanle das tropas liberaes,
possuído de um terror pânico, como que a
tivesse perdido, ao anoitecer do dia 25 de
junho de 1828 deu ordem para abandonar
aquelle logar e partiu para Coimbra.^ Na
noite de 26 ordena a retirada para o Porto.
Alguns habitantes de Coimbra, uns por se-
rem avisados, outros por sentirem a mar-
cha das tropas, acompanharam-as para não
cahirem nas mãos do inimigo e serem victi-
mas das suas vinganças.
Nunes de Carvalho, mal convalescido ain-
da de uma grave enfermidade que o havia
aecmmettido, seguiu-as a pé para o Porto.
A inactividade e a falta de coragem da
Junta, que se havia formado n'aquella cida-
de, e depois a sua dissolução, produziram
grave consternação no animo dos seus ha-
bitantes. Uns refugiaram-se nas suas quin-
tas, outros nas casas dos seus amigos, e o
maior numero as acompanha para a Gal-
liza.
«Em outubro de 1815 matrieulou-se no
primeiro anno jurídico, seguindo o curso
1 V. Cruz dos Marouços, tomo 2.» pag.
453.
VIS
VIS 1809
Depois de aauiios trabalhos e privações
que soífreram no terreno castelhano, gran-
de parte dos emigrados embarcaram na Co-
runha e no Ferrol, indo procurar asylo na
Inglaterra.
N'este numero entrou Nunes de Carvalho,
que aproveitou as longas horas do duro
exilio em profundas locubrações scienlificas
em novos e variados estudos. Examinou de-
tidamente a bibliolheca do museu britânico
em Londres e mais tarde as principaes bi-
blloihecas e arehivos de Paris, etc.
«Desassombrado dos terrores que primeiro
lhe infundira a revolução do Porto, D. Mi-
guel aproveita a Victoria e assume a cubi- |
çada realeza, sendo declarado rei pelos tres
estados do reino em 23 de junho de 1828.
Por carta regia de 14 de julho foi creada
uma Alçada para processar e julgar em ul-
tima instancia todas as pessoas implicadas
na insurreição do Porto, inaugurando -se em
todas as terras do reino um regimen de
sangue e terror.
Etn Coimbra são pronunciados pelo crime
de rebelllão vários lentes, oppositores, estu-
dantes e outros empregados da Universida-
de, em cujo numero entrou Nunes de Car-
valho.
No dia 7 d'ag03to do referido anno pro-
cederam a um exame nos livros que elle
havia deixado n'aquella cidade, mencionan-
do os trechos d'aqQelles em que poderam
achar alguma doutrina que desagradasse
aos miguelistas.
Transcreveram-se as cartas por elle diri-
gidas a Fr. Francisco de S. Luiz, em que
manifestava as suas opiniões liberaes, e to-
dos os papeis com que julgaram poder fa-
zer-lhe carga, não se esquecendo de renova-
rem a velha accusação que lhe faziam de
pedreiro livre, e de ter em sua casa a loja
maçónica dos jardineiros, o que não foi con-
firmado pelas minuciosas pesquizas n'ella
feitas em 1823.
«Nunes de Carvalho, com alguns exilados,
transportou-se de Inglaterra para a França,
onde todos são recebidos generosamente.
Foi n'esta época (1833) que elle publicou
o precioso manuscripto inédito de D. João
de Cistro:— Roteiro em que se contem a via-
gem que fizeram os porluguezes no anno de
1541...
Esta obra, além dos retratos de D. João
de Castro e de D. Estevam da Gama, é pre-
cedida de uma douta e erudita prefação e
acompanhada de um atlas de 17 cartas ou
taboas, e de valiosas notas.
...03 estrangeiros possuíam desde muito
tempo impressa uma obra que talvez falta-
ria ainda hoje na liogua original, que a pro-
duziu, se não fosse a sollicitude e zelo pelas
letiras de Nunes de Carvalho, e o concurso
de circumsiancias que o levaram a publi-
eal-a. E a empreza da publicação sobe de
valor, se se attender a que elle, privado dos
meios da mais parca subsistência, não duvi-
dou mendigar dos seus compatriotas os re-
cursos pecuniários precisos. Mais vasto, po-
rem, era o seu intento^ como declara no
prefacio do Roteiro. Propunha-se dar á es-
tampa 03 outros 2 Roteiros qiie D. João de
Castro composera das suas viagens de Lis-
boa até Goa e Diu, assim como todas as de-
mais obras d'esle insigne capitão.
Quando depois da batalha da Asseiceira
reinou em Portugal o sol da liberdade, Nu-
nes de Carvalho regressou a Lisboa do seu
longo exilio, sendo pouco depois nomeado
lente ealhedratico da faculdade de leis na
Universidade de Coimbra e deputado da
real junta da directoria geral dos estudos.
Pela extiocção das ordens religiosas, as
suas bibliothecas e arehivos, que continham
obras e mss. de grande valor, ficaram em
poder do governo ... e foi o nosso beneme-
rito concidadão encarregado de colligir no
vasto deposito do convento de S. Francisco
de Lisboa os livros e códices dos conventos
da capital e das províncias da Estremadura
e Alemtejo.i e ninguém mais competente do
1 Alguém diz que n'aquelle mare magnum
de livros e mss. também coUeccionou e sepa-
rou muitos para a sua bibliolheca particu-
lar.
P. A. Ferreira.
1810 VIS
VIS
que elle para desempenhar tão laboriosa co-
mo di£QciI commissão.
Oâ seus profundos conhi cimentos biblio-
graphicos eram reconhecidos ainda fóra do
paiz. Ferdinand Deniz diz na Nouvelle bio-
graphie universetle. Paris, 18Si, tomo 8.»: —
M. Carvalho {Antonio Nunes) á visite la
France et VAngleterre, et ses investigations
lui ont acquis des rares connaissances en
bibliographie.
Também o Diccionaire du XIX siêcle, de
Larousse, na palavra Carvalho, não se es-
quece de o mencionar como bibliographo, e
de apresentar alguns traços da sua vida.
Em 1836 foi nomeado bibliotheeario-mor
da casa real.
Pela demissão do guarda mor do real ar- \
chivo da Torre de Tombo concedida ao bis- I
po-conde D. Fr. Francisco de S. Luiz, Pas- i
SOS Manuel, ministro do reino do chamado
governo patriótico, por decreto de 28 de se-
tembro de 1836 nomeia-o interinamente pa-
ta esse cargo, ao qual andavam annexas as
honras de ofiBcial mor da casa real, e insta
com elle para que acceile a propriedade.
Obstaram porem a que accedesse ás solici-
tações do ministro á amisade e o respeito
que consagrava ao seu illustre antecessor e
a esperança de que, reformada em cortes a
constituição de 1822, que havia sido pro-
clamada pela Revolução de Setembro e que
o prelado não quiz jurar, cessariam os es-
crúpulos e, prestado o devido juramento á
que se fizesse, elle reassumiria as funcçòes
d'es8e cargo.
«Até 30 de setembro de 1838 desempe-
nha cumulativamente as funcçòes deguar-
da-mor do Real Archivo e as da commis-
são do deposito das livrarias dos extinetos
conventos
Altestam de sobejo o zêlo e a dedicação
com que soube desempenhar-se de tão hon-
rosos encargos a reorganisação da aula de
diplomática, que desde 1834 se achava fe-
chada, o estabelecimento da bibliotheca es-
pecial do Real Archivo e outras muitas
providenf^iãs e melhoramentos realisados
sob a sua esclarecida administração n'a-
quelle archivo nacional.
No meio das suas múltiplas e variadas
occupações não se esqueceu de prestar á
Universidade, de que era membro, distin-
ctos serviços. A's suas espontâneas dili-
gencias deve este estabelecimento scientifi-
co a valiosa cedência dos edifícios dos con-
ventos e cercas de S. Bento e S. José em
Coimbra.
Terminadas as funcçòes publicas em
Lisboa, passou a residir era Coimbra, en-
tregando-se exclusivamente á regência da
cadeira de direito romano, sendo por to-
dos respeitado como professor consummado.
As horas que lhe sobravam dos seus de-
veres consagrava-as ao estudo na sua rica
e selectissima livraria, que franquiava a
mestres e discípulos que o consultavam.
Depois de 48 annos de carreira publica
requereu a sua jubilação, que lhe foi con-
cedida por decreto de 2o d abril de 1851,*
mas nem por isso deixou de concorrer ao
serviço académico^ excepto o da regência
da cadeira. Quando, porea), pela sua mo-
léstia e avançada edade já não podia ap-
plicar-se ao estudo, querendo dar á sua pá-
tria testemunho do seu entranhavel affecto
e amor, dôa-lhe a sua livraria, primeiro
por titulo particular escripto por seu pró-
prio punho, cujo original está no archivo
da camará municipal de Viseu, e depois
por eseriptura publica, oulhorgada nas no-
tas do tabellião da comarca de Coimbra,
Manuel José de Sousa, aos 28 de setembro
de 1864.
«Quiz que os livros ofTertados eonstituis-
1 Aqui houve erro typographico. Em vez
de 1851 deverá ler-se 1861, pois durante
a minha formatura,— 1851 a 1856 e mes-
mo no anno lectivo de 1856 a 1857 — ainda
elle regeu a cadeira de direito romano. Em
56 a 57 foi lente substituto da mencionada
cadeira o sr. dr. Adriano d'Abreu Cardoso
Machado, que hoje (1888) é reitor da Uni-
versidade, ministro d'estado honorário, ete.
P. A. Ferreira.
VIS
VIS 1811
sem o Queleo da Bibliolheca Publica de Vi-
seu, que desejava fosse a melhor (?) do
reino; e que esta, para ficar central e ac-
eessivel a todos, se colloeasse no edifício da
Misericórdia ou no CoUegio (antigo seminá-
rio) onde effectivamente o foi, sendo aberta
ao publico ainda etn sua vida (1865).
Na sala (do Coliegio;, onde ainda hoje se
acha, foi collocado o retrato do doador, co
piado do original pelo nosso eximio pintor...
Antonio José Pereira, cujo serviço a cama-
rá municipal de Viseu remunerou cora uma
insignificante quantia.
Falleeeu Nunes de Carvalho em Coimbra
aos 5 de junho de 1867, sendo sepultado no
cemitério publico d'aquella cidade.
Viseu nunca mais se lembrou d'elle, não
praticando acto algum pelo qual manifes-
tasse 03 seus sentimentos de reconhecimen-
to e gratidão para com a memoria de seu
illuâire filho, que tanto a amava. Outro tan-
to não suceedeu com o seu fiel creado e ami-
go José Maria Lila, que, sacrificando todos
os seus haveres, com elles mandou erguer
sobre a sepultura do seu amo um mausoléu,
evitando assim que o% seus ossos se con-
fundam com os de tantos outros que jazem
a seu lado.
.Março de 1885. ,
M. Aragão.»
A isto se reduz a homenagem que o Ál-
bum Visiense prestou ao biographado, mas
d'elle .se oecuparam também Innoceneio eo
seu continuador Brito Aranha no Dicc. Bi-
bliographico. O sr. dr. José Maria d'Abreu
lhe dedicou um longo artigo no Conimbri-
cense n." 2080 e 2081, o qual foi transcri-
pto na Gazela de Portugal, n." 1372 de 27
de junho de 1867, -e finalmente o sr. con-
selheiro José Silvestre Ribeiro publicou, em
supplemento áquellt^, outro longo artigo no
Jornal do Commercio, n.» 4108 de 9 de ju.
lho.
A mencionada Bibliotheca, segundo o ca"
talogo impresso em 1869, comprehendia
n'aquella data 4:555 números e cerca de
8:000 volumes, que eram com pequena dif-
ferença os que recebeu do benemérito dr-
Nunes, pois este lhe doou 6892 volumes
em obras completas, mais 800 em folhetos
e obras truncadas,— total, 7ÍS92 volumes.
Prosigamos:
— Fr. Bernardo de Santo Antonio, car-
melita descalço fallecido em 1729.
Deixou inédita uma ínstrucção para
aprender com summa brevidade o latim..
Berardo, loc. cit.
—El-Rei D. Duarte, de quem já fizemos
menção.
Foi um escriptor dislincto, auctor do
Leal Conselheiro, ete.
V. Diccion. de Innoceneio e o Manual
Bibi. de Mattos.
— Ernesto Martins, natural de Viseu, ou
pelo menos ali residente.
. Publicou em 1857 na typographia do Vi-
riato o drama Jogo e Vinho, segundo diz In-
noceneio.
— Padre José d' Abreu Pessoa.
Foi mestre de Capella ná eathedral de Vi-
seu e publicou uma Arte de Cantochão para
usu do Seminário da mesma cidade. . . Lis-
boa, Irap. Regia. 1830.
—Padre João d'Abreu Pessoa. Veja se o
tópico Músicos, infra.
—João da Silva Mendes, nascido em Viseu
em i7 de abril de 1822.
Publicou A Sancfificação do Trabalho
drama em 4 actos, Lisboa, 1852,— e o Gene-
ral Pádua (visconde de Tavira) esboço bio-
graphico. Lisboa, 1870.
Também escreveu a Memoria biographica
do infeliz lenente-rei da praça d'Almeida>
seu avô, revista e accrescentada pelo sr.
dr. Antonio Ribeiro da Gosta e Almeida,
também neto do mesmo tenente-rei. Porto,
1883.
Foi também orador distiocto. fundador e
redactor do Liberal e do Jornal de Viseu e
collaborador d'outro3 muitos jornaes políti-
cos e litterarios.
' Falleeeu em 20 d'outubro de 1881.
i Para evitarmos repetições, veja-se o topi-
i812 VIS
VIS
CO saipTA—Familias Nobres de Viseu, tit. H*
—Silvas Mendes, Diccion. Bibi. de Inno-
cencio e a continuação pelo sr. Brilo Aranha,
o Album Visiense, publicado em 1884-
1885, onde se encontra um bello retrato e
uma interessante biographia d'este benemé-
rito filho de Viseu.
— Joaquim Maria Alves Sinval, como es-
creve Innoeencio, ou tAlxez Joaquim Alvares
Maria Sinvál, como diz o meu informador.
Foi bacharel formado em leis pela Universi-
dade de Coimbra, havendo terminado o seu
curso em 1813.
Publicou em 1820 a 1823 o Astro da Lu-
sitânia, jornal politico,— e a Defesa do reda
dor do Astro da Lusitânia, perante o jury,
em lí d' abril de 1823.
V. Diccion. de Innoeencio— e a continua-
ção pelo sr. Brilo Aranha, que apenas recti-
ficou uma data no que escreveu Innoeencio
e este, emquanto á biographia do mencio-
nado dr. Sinvál, apenas disse: «Foi natural
de Viseu, porem ignoro a data de seu nas-
cimento e óbito. • Aecrescentaremos pois o
seguinte;
Era filho legitimo de Francisco Alves dos
Reis, negociante, e de sua mulher. . ., talvez
de appellido Sinvál.
Nasceu na cidade de Viseu, não sabemos
quando, e ali falleceu no dia 30 de dezem-
bro de 1827.
Foi casado com D. Anna Barbara da
Silva Barbosa, que lhe sobreviveu cerca de
50 annos, conservando se no estado de viu-
va, p. falleceu em 5 d'abril de 1877.
D'este matrimonio nasceram dois filhos:
Francisco e João Alves Maria Sinval. O pri-
meiro conservou-se muito tempo na compa-
nhia de seu tio paterno, o cónego Manue'
Alves dos Reis, na casa e quinta da Via Sa-
cra, em Viseu; sendo já adulto embarcou pa-
ra o Brazil, d'onde não mais voltou. O segun-
do formou-se em medicina pela Universida-
de de Coimbra e falleceu no estado de sol
teiro, na companhia de sua mãe, no dia 16
de junho de 1857.
Francisco Alves dos Reis alem do nosso
biographado Joaquim Maria Alves Sinval^
ou Joaquim Alvares Maria Sinvál, como es- I
creve o meu informador,— teve um outro fi-
lho—ilíanue/ Alves dos Reis, que se orde-
nou; foi cónego na Sé de Viseu e ali expi-
rou repentinamente na sua casa e quinta da
Via Sacra em 24 de junho de 1862. E do
mesmo consorcio, alem d'e8les 2 filhos, teve
Francisco Alves dos Reis mais 6 filhas, que
morreram todas solteiras e sem succes?ão
no convento de Jesus da cidade de Viseu,
onde 4 foram religiosas professas e 2 secu-
lares ou recolhidas.
Extinguiu se pois a suceef.^-ão de Fran-
cisco Alves dos Reis, que falleceu em 8 de
janeiro de 1812.
Em Viseu não ha hoje família alguma de
appellido Sinvál.
Pode dizer-se que representa ali o nosso
biographado um seu primo pelo lado ma
terno, (sobrinho da esposa) excellente pes-
soa e bacharel formado em direito— Jose
Barbosa de Carvçillio, de quem já fizemos
menção supra, na lista dos Bacharéis for-
mados, filhos de Viseu, pag. 1726, col; 1.»
A isto se reduz o que podemos apurar
com relação ao dr. Jaaquim Alvares Maria
Sinvál, de Viseu, que pelo lado materno tal-
vez fosse parente de José Gregorio Lopes da
Camara Sinval, eavalleiro da Ordem de
Christo, lente da 6.» cadeira na escola me-
dico-cirurgica do Porto, antigo vogal do
conselho de saúde publica do reino, sócio
correspondente da Sociedade das Sciencias
Medicas de iJsboa e honorário da Academia
das Bellas-Artes da mesma cidade, membro
do Conservatório Real de Lisboa, pregador
distinciissimo, tte.
Nasceu em Lisboa no dia 12 de feverei-
ro de 1806 e falleceu no Porto, na rua do
Príncipe, a 24 de março de 1857, contando
apenas 51 ânuos de idade.
Tinha o curso da escola medica de Lisboa,
onde foi noviço dos padres do Oratório, e,
quando ali entrou o exercito liberal em 1833,
apresentou-se como voluntário e foi reco-
nhecido oíiieial — tenente coronel do batalhão
académico.
Em 1836 Passos Manoel, sendo ministro,
o nomeou lente da Escola Medico-Girurgiea
do Porto, onde o bispo D. Jeronyrao José da
VIS
VIS 1813
Gosta Rebello lhe conferiu ordens menores
6 lhe deu licença para prégar.
Foi um orador disiinetissimo, porque alem
de ser um homem de talento e scienciaj
muito animado e excellente conversador, era
muito eloquente, muito versado em huma-
nidades, muito syrapathico e tinha boa esta-
tura e bella voz.
Pregou muito e com grande applauso no
Porto e cireumvisinhanças, e correm im-
pressos alguns dos seus sermões, entre elles
um que prègou em Paranhos, dedicado á
Virgem Mãe, sob o titulo de Senhora do
Parto, sermão notável que offereeeu ao bis-
po D. Jeronymo.
^ íara a sua biographia e obras veja-se o
Diccion. Bibi. de lonoceocio; a continua-
ção pelo sr. Brito Aranha, — e no livro dos
sermões, publicado no Porto em 1864, a in-
trodueção biographica, escripta pelo sr. Ca-
millo Castello Branco, intimo amigo do fi-
nado.
Terminaremos dizendo* 1.» — ^^que J. Gre-
gorio da Camara Sinval, vivendo muitos an-
nos no Porto e sendo muito expansivo, nun-
ca fallou nos seus paes, o que nos leva a crer
que teve nascimento mysterioso; — 2." que
pronunciava o seu appellido Sinval, com o
accento no i, em quanto que o dr. Sinvál de
Vi^eu punha a aci:eDtuação no a.
— Fr. Diogo de Castello Branco, monge
e chronisla da ordem de S. Bernardo.
Falleceu em 1707, deixando manuscripta
a Historia d' Alcobaça e d'outros Mosteiros.
— Fr. Donato de Viseu, monge de Cister.
Consta que deixou manuscripta uma Glos-
sa da Epistola de S. Paulo aos Romanos.
— Dr. Fernando Rodrigues Cardoso.
Falleeeu em 1608, tendo t^ido lente na Unl-
Vfrgidade de Coimbra e physico-mor do rei-
no, ttc.
Publicou algumas obras em latim e por-
tuguez, sobre sciencias naluraes, e deixou
outras inéditas,— diz Berardo, mas nem o
Diccion. de Innoceneio, nem o seu continua-
dor Brito Acanha o mencionara como eseri-
ptor.
— Dr. Francisco Coelho.
Foi lente na Universidade de Coimbra,
onde era appellidado o Mestre de Viseu, —
e ultimamente desembargador do paço.
Deixou manuscripias Annotações ás Or-
denações do Reino, etc.
— Francisco Coelho de Carvalho.
Publicou uma Relação breve das festas
que se celebraram na cidade de Viseu, fei-
tas em louvor da Virgem Nossa Senhora
do Pranto n'este anno de 1744. Lisboa,
1747, 4.» de 16 pag.
D'este livro já nós fizemos menção no tó-
pico Templos actuaes, supra, n.' 15, pag.
1560, col. 2.» e 1561, col. 1.»
— Gabriel da Fonseca — falleeido em
1678.
Publicou alguns opúsculos em latim e
foi lente na Universidade de Pisa e no
Collegio da Sapientia, em Roma, — segun-
do diz Berardo, pois Innoceneio e Brito Ara-
nha não mencionam tal escriptor.
—Dr. João de Mello e Abreu, provisor
d'este bispado e thesoureiro-mor da Sé.
Deixou em ms. 12 grossos volumes sobre
Resoluções d' ambos os Direitos — e falleceu
no anao de 1720.
— Dr. João Rebello de Campos, distincto
advogado, falleeido em 1728.
Escreveu vários opúsculos de direito na
lingoa latina, mas parece que nenhum d'el-
les chegou a ver a luz da publicidade.
—Fr. João de Seixas, monge de Cister.
Deixou inéditos alguns commentarios das
obras de S. Thomaz — e falleceu em 1674.
— Padre Jorge Henrique.
Foi cónego da Só de Vizeu e deixou ma-
nuseripto o seu Itinerário de Jerusalém,
onde (dizem) celebrou a 1.^ missa, no pró-
prio altar do Santo Sepulcro, segundo se lê
nas Memorias de Berardo.
— Lopo d' Abreu.
Foi deão na Sé do Porto e depois jesuíta.
1814 VIS
VIS
Escreveu Summa de Moral em 1603, segun- j
do diz Berardo, mas nem lonoceneio, nem
Brito Aranha o mencionam como escriptor*
— Dr. Leão Rodrigues' Leitão, distinelo
advogado.
Deixou inéditos varies opúsculos de di-
reito em latim.
— Lourenço Trigo de Loureiro, dr. em
sciencias sociaes e jurídicas pela Academia
de Olinda, lente de direito no Recife, em Per-
nambuco, etc.
Nasceu na cidade de Viseu, em Portugal,
a 25 de c'ezembro de 1763; em 1810, por
causa da invasão franceza, deixou a Uni-
versidade de Coimbra, onde frequentava a
faculdade de direito, e foi paraoBrazil. Em
março do dito anno desembarcou no Rio
de Janeiro, onde foi primeiramente offlcia'
na administração geral do correio; depois
professor de portuguez e francez no Colle-
gio Nacional de S. Joaquim (hoje Collegio
de D. Pedro 11); d'ali passou lambem como
professor das mesmas disciplinas para o Col-
legio das Artes da Academia de Sciencias
sociaes e jurídicas de Olinda, onde leccionou
de 1828 aié 1841. Tendo-se formado entre-
tanto na mencionada academia, foi nomeado
substituto interino em 1833; lente substitu-
to em 1840, e lente cathedratico em 1852.
Esie benemérito filho de Viseu desempe-
nhou também ali differentes cargos de elei-
ção popular, inclusive o de deputado á as-
sembleia provincial de Pernambuco.
O Jornal do Recife n." 40 de 1 «routubro
de 1859, deu a biographia do dr. Loureiro»
tecendo-lhe grandes encómios.
Ainda vivia em 1860 e já então tinha pu-
blicado as obras seguintes: —Granjmaí^ca
portngueza . . . Rio de janeiro, í828;— Ele-
mentos da theorta e pratica do processo»
Pernambuco, 1850: — Phedra, tragedia.. .
Pernambuco, 18ôi; no mesmo volume a tra-
dueção das tragedias Andromacha e Esther;
— Elementos de Economia politica . . . Re-
cife. i8òi;— Instituições de direito civil bra-
zileiro. . . tomo 1° Pernambuco, 1851, tomo
2." Recife, 1851 também.
Diccion. Bibi. de Innocencio.
■—Manuel d' Almeida, padre jesuíta, cuja
roupeta vestiu em 2 de novembro de 1594-
Em 1597 partiu com outros missionários
para a índia, onde permaneceu o resto da
sua vida, exercendo entre outros cargos o
de reitor no collegio de Goa e depois o de
provincial.
Falleceu em 10 de maio de 1646, contan-
do 65 annos de idade.
Foi homem de vasta erudição e escreve*!
a Historia da Efhiopia alta.
Esta obra, começada por Pedro Paes, tam-
bém jesuíta, elle a continuou e addicionou;
ficando porem inédita, o padre Ballhazar
Telles a fez publicar em seu nome, juntan-
do-lhe novas addicções e algumas correc-
ções, pelo que é mais frequentemente cilada
como obra de Ballhazar Telles.
Suppõe-se que foi também auetor d'ou-
tras obras indicadas por Innocencio.
—D. Manuel d' Almeida Carvalho, clérigo
secular e bispo do Pará, eleito em 5 de maio
de 1790.
Nasceu em Viseu no dia 1 de janeiro de
1747 e falleceu, não sabemos onde, em
1818.
D'este prelado visiense corre impresso um
\i\To:—Pastoraes aos seus diocesanos.
«Conservo na minha colleeção (diz Inno-
cencio) um volume de 106 pag. in 4." sem
folha de rosto nem designação de legar e an-
no da impressão, o qual contem 5 paslo-
raes d'este prelado; a saber: 1.^ por occa-
sião da revolução de Pernambuco em 1817-
Não tem data. 2.» Sobre a conquista da Guia-
na franceza; datada de 18 de fevereiro de
1809... 3.» Sobre a declaração da guerra
contra a França, datada de 4 de novembro
de 1808. 4.» Sobre a restauração de Portu-
gal, datada de 16 de dezembro de 1808. 5.»
Ordenando preces, por motivo do captiveiro
de Pi0 Vil, datada de 16 de março de 1809.
«Consta que além das referidas mandara
imprimir mais algumas, entre ellas uma de
20 de setembro de 1815, e outra de 11 de
maio de 1816, as quaes se diz o foram clan-
destinamente: n'ellas pugnava contra os re-
cursos dos ecclesiasticos aá Pnwcíjjm, co-
mo contrários ao direito da egreja.»
V. Diccion. Bibli.
VIS
VIS 1815
—O rev. dr. Manuel d' Almeida Castello
Braoco, lente em Coimbra, cónego doutoral
na Sé de Viseu e depois na de Braga.
Falleeeu em 1652, deixando inéditas Seis
Posíilas de Direito Canónico,— diz Berardo
nas SUAS Memorias.
— Dr. Manuel Fernandes Raya, medico,
talvez parente próximo de Antonio Ribeiro
Raya, supra.
Falleeeu era 1668 e escreveu alguns opús-
culos, dos quaes apenas se publicou a Es-
perança Enganada. . . segundo diz Berardo
nas suas Memorias, mas Innoeencio não
menciona tal escriptor — e a continuação do
Diccion. BiblioQ. até hoje (agosto de 1888)
ainda não passou da letra L.
— Dr. Manuel Gouveia Teixeira, advo-
gado.
Falleeeu em 1733 e deixou inéditos alguns
opúsculos sobre jurisprudência, — diz Be-
rardo.
— Manuel Marques Rezende.
É mencionado na Bibi. Lusit. mas o seu
auctor apenas diz — que foi versado na gram-
matica, rhetorica. poesia e geometria.
Nasceu a 22 d'abril de 1697 em Viseu;
ignoramos a data do seu fallecimento — e
d'elle correm impressas as obras seguin-
tes: — Sentimentos na morte de Antonio
Correia da Silva, natural de Viseu, — Lis-
boa, 1728. 4 ° em 8." rima; — A formosa Fé-
nix de Lisboa, e historia de uma dama nau-
fragante... Lisboa, por Pedro Ferreira (sem
ser o auctor dVstas linhas) 1736; — Espelho
da corte. . . Lisboa 1728 — e ultimas expres-
sões da magoa... Lisboa, pelo mesmo Pe-
dro Ferreia, no diclo anno de 1736.
Diccion. Bibliogr. de Innoeencio.
— Miguel Reinozo.
Falleeeu em 1723 e d'elle se publicou no
mesmo anno um opúsculo latino, que depois
foi reimpresso com additamentos, segundo
diz Berardo nas suas Memorias. Innoceneio^
porem, não menciona tal escriptor.
— P. Pedro Dias, jesuita e reitor do col-
legio da sua ordem em Olinda.
Falleeeu com 79 annos na cidade da Ba-
hia, a 35 de janeiro de 1700, tendo nascido
em Viseu no anno de 1621.
É auctor da Arte da lingua de Angola,
offerecida á Virgem Senhora do Rosario, mãe
e senhora dos mesmos pretos.
Diccion. Bibliog. de Innoeencio.
— Dr. Pedro Paulo de Almeida Serra,
presbytero secular, bacharel formado em
theologia pela Universidade de Coimbra.
«Em 1822 foi eleito deputado ás cortes
ordinárias pelo circulo de Viseu (provavel-
mente o da sua naturalidade) sendo então
vigário na freguezia de Correllos {Currellosf
concelho do Carregal). Nada mais apurei a
seu respeito,— diz Innoeencio, que mencio-
na d'elle a tradueção de um Methodo de
ajudar os moribundos, impresso em Lisboa
no anno de 1802.
Diccion. Bibliog.
— Fr. Manuel de Santa Maria., antiquário
visiense.
Nem o Diccion. de Innoeencio, nem o Ma-
nual Bibliog. de Mattos mencionam tal escri-
ptor, mas d'elle faz menção o sr. Oliveira
Mascarenhas no Portugal e Possessões, art.
Viseu, pag. 862.
— José d' Oliveira Berardo.
Foi uma das primeiras illuslrações de Vi-
seu e distincto escriptor publico.
Nasceu no lugar do Pinheiro, freguezia de
Santos Evos, concelho de Viseu, no dia 3 de
junho de 180o e expirou a 26 d'oulubro de
1862 na Casa do Cruzeiro, em Viseu, junto
da bella avenida do paço episcopal de Fon-
tello.i
Alem das obras indicadas por Innoeencio
e pelo sr. Brito Aranha, guarda-se no ar-
1 Veja se o tópico supra — Edificios braso-
nados particulares, pag. 1552, col. 2.», — e o
tópico— Familias nobres de Viseu, parle II,
n." 5, pag. 1740, col. 1.»
1816 VIS
VIS
chivo da camará municipal de Viseu uma ;
Memoria que Berardo offereceu á dita ca- '
mara em 1838, sendo administrador do con- |
celho, na qual resume a outra memoria |
Noticias históricas de Viseu, publicada em
folhetins no Liberal era i8S7^ e em seguida
n*ella se encontra um rnappa geographico do
concelho de Viseu, feito pelo mesmo cóne-
go Berardo, — e differentes mappas esta-
tislicos indicando as freguezias e população
do concelho de Viseu antes e depois do ar-
redondamento feito pelo decreto de 6 de no-
vembro de 1836. Temos sobre a nossa mesa
de estudo uma copia da áilâ Memoria, copia
tirada pelo sábio académico dr. Agostinho
de Mendonça Falcão e hoje pertencente ao
seu filho e nosso bom amigo e cyreneu, o
sr. dr. Nicolau Pereira de Mendonça Fal-
cão.
Deixou Berardo também manuscripta ou-
tra Memoria com relação a Grão Vasco, in-
dicando todos os quadros de Viseu attribui-
dos áquelle celebre pintor, etc.
D'elia se faz menção adeante no tópico re-
lativo a Grão Vasco— e d'ella já demos tam-
bém noticia supra, pag. 1714, col. 2."
Deixou lambem ms. e em latira um com-
pendio das antiguidades de Yise\i:—Eccle-
siae Visonensis Epitome . . . Visonio, 1855.
Para evitarmos repetições, veja-se u lugar
citado, col. 1." in fiue.
Ao nosso bom amigo e eollega, o rev. sr-
Fortunato Casimiro da Silveira e Gama, de
novo agradecemos estes e outros mss. bem
como a collecção completa do Liberal de Vi-
seu, cuja publicação principiou ao dia 6 de
1 Esta Memoria foi também posterior-
mente publicada em folhetins no Observa-
dor, jornal de Viseu, em 1871, com a 1.» e
2.» parte da Chronica Visiense do sec. xvn,
obra do mesmo auctor e transcripta tam-
bém do Liberal.
A 2.» pane da dita Chronica é toda dedi-
cada ao dr. Manuel Botelho Ribeiro Pereira,
mas visando a deprimil'o! . . .
Não sabemos bem a rasão porque Berar-
do foi tão cruel para com o dr. Botelho, sen-
do ambos pairieios e ten<lo decorrido entre
um e o outro nada menos de dois séculos.
maio de 1857 e terminou com o n.° 173 no
dia 3 de janeiro de 1859. Era bi semanal e
publicou-se a principio nos sabbados e quar-
tas-feiras; — depois nas segundas e quintas.
Foi fundado e redigido pelo benemérito vi-
siense João Mendes da Silva e por Berardo,
sendo redactor principal o dr. Manuel José
d'Alraeida, e n'elle collaboraram outros es-
criptores, incluindo o próprio sr. Fortunato
Casimiro da Silveira e Gama.^
1 É d'elle o interessante folhetim do n."
163: — Viseu — O cardeal D. Miguel da Silva
—a quinta de Fontello.
Nasceu s. ex.* na villa (hoje cidade) da
Figueira em 22 de setembro de 1835— e fo-
ram seus paes Joaquim Francisco Casimiro
da Gama, natural da villa d'Ançã, varão de
nobre linhagem e um dos bravos do Min-
dello, e sua mulher D. Maria Manuela Cân-
dida de Gouveia e Seixas, senhora de mui-
ta virtude e rara energia, — digna compa-
nheira d'aquelle ousado e valente militar,
que assentou praça de cadete e morreu offi-
cial do exercito.
Por fallecimento de seu pae, a mãe fixou
residência em Viseu, terra da sua naturali-
dade, levando eomsigo o nosso biographado,
que ali frequentou com distineçào as aulas
de preparatórios e depois o curso iheologi-
co do Seminário diocesano.
Em 18i9 recebeu ordens menores; em
1850 foi chamado para fâmulo do bi:'po D.
José Joaquim d'Azevedo e Moura (n." 78 da
nossa lista pag. 1734) que em 1856 o levou
corasigo para Braga, onde concluiu a orde-
nação e celebrou com grande pompa a 1.»
missa em 24 d'outubro de 1858. Em 1859
foi apresentado e se collou na abbadia de
Quinchães, junto de Fafe, e ali se tem con-
servado até hoje, (1888) posto que o sr. D.
José Joaquim d'Azevedo e Moura, que mui-
to o estimava e considerava, por vezes lhe
oíTereceu melhor collocação e outras honras,
que o nosso biographado, pela sua modéstia
e padecimentos, recusou, bem como a elei-
ção de procurador a junta' geral do distri-
cto.
É um parocho de bons costumes, muito
illustrado, muito modesto, geralmente bem-
quisto, e foi sempre admirada a sua primo-
rosa calligraphia.
É também amador e eolleccionador de
moedas e medalhas antigas, e tem um bom
mealheiro, comprehendendo mais de 2:000
exemplares, cuja indicação pôde ver-se no
Diccion. de Numismática portugueza do sr.
VIS
VIS 1817
Foi Berardo mentor de Alexandre Hereu;
lano e de Raczinski, quando estiveram em
Viseu, pelo que ambos íhe teceram justos
encómios.
Berardo era da escola de Herculano: —
muito liberal em crenças e muito severo nos
seus PStTíptop, emquanto que o dr. Botelho
era muito nligioso e muito crendeiro, qual
outro Fr. Bernardo de Brito, mas muito il-
lustrado e auclor dos Diálogos Moraes e Po-
Hticos.. . com relação a Viseu, obra ainda
ms. e de muito merecimento (pondo de par-
te as crendices) pelo que estranhamos que
Berardo, escrevendo tanto sobre o mesmo
assumpto — historia e antiguidades de Viseu
— nunca citasse a dita obra, citando-a e com
louvor o próprio Raczinski e o dr. Hubner
Berardo, como já dissemos supra, fàllaudo
da celebre inscripção de Lamas de Molledo
(pag ) deu a entender quewão conhe-
cia os Diálogos de Botelho, mas conhecia os
pois na Chronica do sec. xvn, que publicou
no Lrberaly n." 18 a 24, menciona aquelles
Diálogos e melte a ridículo o auctor, posto
confesse que na opinião de todos passou
pelo homem mais douto de Viseu in illo tem-
pore.
Fecharemos este tópico transcrevendo do
Almanach de Viseu de 1884 ^ o bello artigo
que o sr. Julio Teixeira dedicou ao nosso
blographado, pintando o com vivas cores.
Ê o seguinte:
«Jose d'Otiveira Berardo. Eis o nome do
homem mais afamado e mais excêntrico que
Viseu teve até hoje, durante este século. . .
Foi alferes de milícias durante 9 annos-
Preso como afTecto ao liberalismo, percorreu
por espaço de tres annos (1828 a 1831) as
dr. José do Amaral B. de Toro, pag. 79, 137,
160 e 226.
É finalmente sócio da Sociedade promo-
tora de Bellas Aries em Portugal e sócio cor-
respondente da Real Associação dos Bene-
méritos Italianos de Palermo, etc.
- 1 Não se confunda o Almanach de Viseu,
com o Álbum Visiense, também publicado
no mesmo anno de 1884.
V. pag. 1665, col. 2.» supra.
cadeias de Mangualde, Viseu, Almeida e Re-
lação do Porto. . .
Em 1835 era Berardo eleito vereador mu-
nicipal. Desde 1836 a 1839 exerceu o car-
go de administrador do concelho. Em 1844
é nomeado mestre de historia sagrada e ec-
clpsiastica para o seminário diocesano vi-
siense; mas, sendo accusado de lutherano e
calvinista, (?) breve teve de resignar.
Presbytero aos 40 annos, foi elle o primei-
ro reitor do lyceu visiense, chegando á digni-
dade de cónego (janeiro de 1862) quando .^e
aproximava o momento em que a trajectória
da existência tomou o ponto extremo da sua
evolução (outubro de 62) i.
Avaliado pelo rasto grandioso, tradicio-
nal, que a sua passagem deixou e se man-
tém quasi indelével, jamais a consagração
popular, cremos que um pouco mconscien-
te 6 sem critica, deu proporções e vulto mais
avantajados a ninguém na sua própria terra.
Com a sua agigantada figura de homem
membrudo e de formas esculpiuraes, o pa-
dre Berardo enchia litteralm' nte as ruas
tortuosas e apprtadas de Viseu; com as suas
grande? botas de coiro grosso e bem ferra-
das cobria as lages amplas e mal gradadas;
com as suas polemicas de uma lógica ás ve-
zes capciosa, dura como ferro e de quando
em quando soez, elle enchia inteiramente a
sua terra.
«Segundo a tradição popular, Berardo
nada ignorava! Era paleographo, latinista e
antiquário; archeologo, jurista, naturalista,
phiiologo, medico, engenheiro, mathematieo,
historiographo, iheologo, philosopho e mu-
sico!...
Uma verdadeira encyclopedia encaderna-
da em saragoça de Gouveia ^ ferrenho e for-
1 Antes de ser nomeado cónego, foi paro-
cho de Ribafeita no concelho de Viseu.
P. A. Ferreira.
2 Na villa e no concelho de Gouveia ha 27
fabricas de saragoça e com estes rudes lani-
fícios se tem feito ali boas casas, avultando
entre ellas a dos Rainhas, avaliada em 600
a 700 contos!
V. Gouveia e Villa Nova de Tazem.
1818 VIS
VIS
temente agarrado ao dogmatismo e infalli-
bilidadf» das suas opmiões; sem ideal no fu-
turo que o fizesse propagandista e o com-
pellisse a preparar as causas de revolução
mais ou menos afastada. Gomtudo, n'uma
época mais remota a imaginação popular
tel o-hia desfigurado creando em seu logar
«m mytho>
Honrado e bom, o padre Berardo foi um
colosso que encheu a pátria de D. Duarte,
mas a sua descommunal grandeza parece
que não logrou transpor os muros da velha
cidade sem se amesquinhar e reduzir quasi
a um ponto sem brilho.
Quaes foram os méritos do padre Be-
rardo?
—Os títulos de soeio correspondente da
Academia Real das Seieneias de Lisboa; das
Academias de archeologia de Roma e de
Berlim, do Instituto de Coimbra, parece res-
ponderem não desfavoravelmente. Entretan-
to uma commissão presidida por João Men-
des da Silva, no intuito de prestar à sua me-
moria manifestação e preito condignos, revol-
veu os seus manuscriptos, mas, segundo se
affirma, nada absolutamente appareceu con-
digno ao fim proposto, mallogrando -se d'este
modo a projectada manifestação. De maneira
que, se o padre Berardo alguma coisa de me-
recimento escreveu, tudo isso resumiu-se nas
memorias por elle enviadas ás academias de
que era sócio.
«Na visita que Alexandre Herculano
fez a Viseu procurou o padre Berardo
1 Os paes o destinavam para a vida mo-
nástica, pois o metteram do convento dos
Jeronymos em Belém, onde viveu alguns an-
nos e fez os seus primeiros estudos, mas de-
pois abandonou o convento e foi militar, etc.
Consta que alem das obras apontadas por
nós e por Inooeencio, publicara um livro so-
bre historia natural e vários folhetos defen-
dendo a nomeação dos vigários capitulares,
nomeação que deu origem a ura schisma e
grandes desgostos em 1834 a i844.
P. Ferreira.
e diz-se que o notável historiador o elo-
giara. 1
O vulto lendário, creado pela imaginação
phantasiosa do povo seu conterrâneo, pôde
bem resumir-se nas duas seguintes anecdo-
tas:
Certo dia, questionando acaloradamente
com João Viciorino, medico afamado na ter-
ra, este, a certo dito de Berardo, replicou-
Ihe:
— Cale-se, porque em medicina ignora vo-
cê tudo completamente!
Berardo desppareceu; no fim de oito dias
viram-n'o procurar com insistência o medi-
co. Os dois contendores encontraram-se no
ponto onde se suscitára a questão; a lucta
foi renhida, mas o medico teve a desgraça
de se ver em publico inteiramente derro-
tado!
Certa noite, recolhendo á Casa do Cru-
zeiro, encontrou o portão do pateo fechado
e lá dentro havia toques, descantes e dan-
ças populares. Elie berrou, mas o seu enor-
me vozeirão perdia-sen'aquellelabyrinto de
sons. Então volta convenieniemente a re-
gião lombar e firmando-se no bengalão des-
pede alternadamente as suas tremendas bo-
tas. Como ariete das guerras medievaes ba-
tendo em cheio na muralha, tres vezes se
ouviu— pá!
i Também quando Raczinski em 1843 a
1845 percorreu Portugal, estudando os nos-
sos monumentos artísticos, Berardo lhe pres-
tou relevantes serviços, como o próprio con-
de no seu Dicciônaire du Portugal, verbo
Berardo, confessa, elogiando-o:
* Berardo, escriptor publico, de 40 annos
de idade aproximadamente, vive na cidade
de Viseu e é dotado de grande zelo pela gloria
litteraria de Portugal. Homem muito instruí-
do e de posição muito independente, en-
trega-se com ardor ao estudo. Foi elle quem
descobriu o assento do baptismo de Vasco
Fernandes e tem-se dedicado com a maior
felicidade ás pesquisas tendentes a esclare-
cer as trevas que ainda em 1843 envolviam
a existência d'aquelle pintor. (Vejam-se as
minhas Cartas, pag. 300 a 308, 370 e 371).
Tem eseripto varias memorias históricas
com relação a Viseu, das quaes o Panorama
deu alguns extractos no vol. 5." n ^ 216, pag.
185..
VIS
VIS 1819
A tranca chiou, gemeu e estalou ao ter-
ceiro embate, deixando rodar a porta rápi-
da e estrondosamente até o coice, no meio
do silencio produzido de repente, do assom-
bro e do receio causado pela apparição sú-
bita da figura membruda e hercúlea do pa-
dre Berardo.
Julio Teixeira.»
—Haphael Carlos Pereira de Souza.
Reside ha muitos annos na aldeia de Pe-
dras Rubras, freguezia de Moreira, concelho
da Maia, dislricto do Porto, mas nasceu na
cidade de Viseu em 3 de março de 1821 e
foram seus paes Francisco Manuel Pereira
de Sousa, escrivão da provedoria visiense, e
Thereza Rieardina de Jesus.
Aprendeu em Guimarães a arte de ferra-
dor, officio que ali exerceu, bem como
em Azurara de Villa do Conde, Casal de
Pedro, Ponte de Lima e Vianna do Castello.
Em Casal de Pedro tomou conhecimento
com um pharmaceutico d'aquella aldeia, que
tinha uma boa livraria. Leu muito e tomou
gosto pela astronomia.
Em 1847 foi para Pedras Rubras, onde ca-
sou em 1848 com Maria Alves Pereira, filha
d'aquella povoação.
É ferrador com carta de veterinário, pin-
tor, alfaiate^ funileiro, tamanqueiro, espin-
gardeiro, fogueteiro, sapateiro, professor de
instrucçào primaria pelo methodo de João
de Deus, astrónomo e escriptor publico, pois
este homem encyclopedieo, excellente pes-
soa, muito tratavel, muito apresentável e
bom conversador, tem muito talento e bas-
tantes conhecimentos; aprendeu o francez
sem mestre, começou a escrever o calendário
para o Almanach de Lembranças, de Casti-
lho;—tem collaborado também no Almanach
da Porto e no Almanach das Senhoras — e
são frueto seu as publicações seguintes:
— Almanach Borda Leça, desde 1850 até
hoje (1888);
— O Livro do Futuro (Lunario Perpetuo)
ou arte da adivinhar pela astronomia, chi-
romancia, cartomancia 6 mais seieneias oe-
eultas;
—Pypthechnica, ou iVouo Manual do Fo-
gueteiro;
—Nova Veterinária, ou compendio de
medicina veterinária theorieo e pratico, con-
servação e hygiene, anatomia, cirurgia e pa-
thologia, seguido de um formulário geral
com todos os medicamentos necessários e
descobertas que ultimamente se teem feito
na medicina veterinária.
É isto o que se lê em um ariigo que o sr.
Padre João Vieira Neves Castro da Cruz,
distineto escriptor catholico^, publicou em
1884 na Revista da Maia, (o." 13, 3.° anno)
da qual era proprietário e redactor princi-
pal, o sr. Abilio Augusto Monteiro, illustrado
tabellião na Maia e auctor d'outras publica-
ções não menos interessantes, posto que nem
o Diccion. de Innoceneio, nem o seu conti-
nuador Brito Aranha o mencionam como es-
criptor.
Como additamento ao artigo supra, lê se
em uma nota da redacção o seguinte:
«Ha poucos annos appareceu em alguns
jornaes do Porto um annuncio do sr. Ra-
phael Carlos Pereira de Sousa, oíTerecendo
á venda um seu invento: — uma machina
para em 60 minutos exterminar um exercito
de 100:000 homensl Pouco depois soubemos
haver vendido a invenção; e, logo que nos
foi possível, procuramol-o para indagarmos-
a verdade.
Disse-nos apenas: — tO invento consiste
n'uma metralhadora giratória e tão leve que
pode ser conduzida às costas d'um homem.
Dispara em 2 minutos 6 tiros de 5 balas
cada um.»
Perguntando-lhe o nome do comprador e
o preço da venda, respondeu-nos que tinha
a sua palavra compromettida em não divul-
(/ar,— não o nome d'âquelle, que ignorava,
sabendo apenas que residia em Inglaterra,
mas o do seu agente no Porto, e que re-
cebeu pelo plano a quantia de 501000
réis.»
E lá foi para a Inglaterra a invenção por-
1 V. Milheiros da Maia, tomo 5.° pag. 227,
coL 2.*— e este artigo Viseu, pag. 1591, eol.
1.»
1820 VIS
VIS
tugueza de uma arma talvez ÍDteres8antis- j
sima e que venha a fazer a gloria e fortuna i
d'algum eatrangeirol . . .
Terminaremos dizendo que este benemé-
rito visiense, tão trabalhador e com tanto ta-
lento e tantas aptidões,— es/á pobrel ^
— Antonio d'Oliveira da Silva Gaio, dou-
tor em mediema e lente da mesma faculda-
de na Universidade de Coimbra, onde se
graduou em 31 de julho de 1858.
Era filho de Manuel Joaquim d'Almeida
Silva Gaio, bacharel em direito, e de sua
mulher D. Anna Augusta. Nasceu em Viseu
no dia 14 d'agosto de 1830 e falleceu no
Bussaco em 8 d'agoslo de 1870. contando
apenas 40 annos e tendo publicado as obras
seguintes:
— A Lithotricia. . . Dissertação inaugural,
Coimbra, 18S8.
—O Mário, romance histórico em 2 volu-
mes.
— D. Fr. Caetano Brandão, — drama his-
tórico.
Foi lambem redactor principal do Com-
mercio de Coimbra em 1863 a 1864 e colla-
borador d'oulros muitos jornaes políticos e
litlerarios.
— Francisco Manuel Correia.
Nasceu na cidade de Viseu em 1800 e fal
leceu na mesma cidade em 18 de setembro
de 1882 no estado de solteiro.
Foram seus paes Manuel Francisco Cor-
reia e Maria Clara dos Anjos.
Cursou as aulas do lyceu visiense e par-
te das do Seminário episcopal com o intuito
de se ordenar, mas apenas recebeu em Pi-
nhel ordens menores; desistiu da ordenação
por não poder eonformar-se com o novo re-
gimen politico de 1834.
Era uma exeellente pessoa, muito religio-
1 Na mencionada aldeia de Pedras Rubras
tem hoje uma estação a linha férrea da Po-
voa—e ali acampou o exercito de D. Pedro
em 1832, depois do desembarque em Pam-
pellido, vulgo Mindello.
so e muito curioso na investigação de anti-
guidades, pelo que, apesar dos ténues meios
de que dispunha, gastou a maior parte da
sua longa vida estudando a historia, os tem-
plos e as antiguidades de Viseu e deixou
manuscripta uma interessante memoria tan-
tas vezes por nós citada e por elle intitula-
da— Memorias em respeito á cidade de Viseu,
sua antiga fortificação, cattiedral, bispos e
priores, cabido e ducado extincto e mais no-
tabilidades de remota antiguidade e posterio-
res, de que ha noticia.
Por hum curiozo visiense
Anno 1816
Para evitarmos repetições, veja-se o quw
d'esta Memoria e do ?eu benemérito auctnr
já dissemos supra, pag. Í573, col. 1.» e 2.%
— e pag. 1590, col. 2.«
É uma das monographias de Vi.^eu mais
interessantes e muito digna de ser publica-
da, mesmo porque ainda não ha d'ella copia
alguma e está exposta a desapparecer de
um mompntn para o outro, o que seria um-i
grande perda para Viseu, pois só a descri-
pção e a planta baixa da Sé representam um
trabalho impertinentíssimo e conscienciosís-
simo de muitos annos!.. .
— Dr. Paulo Emilio.
Foi homem muito lllustrado e muito con-
siderado em Viseu, fundador e principal
redactor do Viriato e dislincto juriscon-
sulto.
— Dr. Manuel José d^Almeida.
Foi um talento de primeira plana, jorna-
lista muito dislincto e afamado juriscon-
sulto.
Falleceu no 3.° quartel d'este século.
— Padre Leonardo de Sousa.
Posto que era lisbonense, residiu muitos
annos em Viseu, como congregado do Ora-
tório e honrou Viseu com os seus escriptos,
pois é o auctor do Epitome carmeíitano, já
VIS
VIS 1821
impresso 1, e do esplendido Catalogo dos
bispos de Viseu, ainda ms. e tantas vezes por
nós citado.
V. pag. 1591, eol. 1.», e pag. i649, col.
2.* in fine, onde fizemos detida menção d'este
precioso catalogo, até Iioje completamente
desconhecido, e aproveitando o ensejo, di-
remos que já depois de escrevermos aquellas
linhas appareceram em Viseu os dois pri-
meiros tomos do dito catalogo na livraria do
sr. conde de Prime, a quem o sr, Antonio
d'Almeida Campos e Silva muito generosa-
mente deu o 3.» volume que possuia. Está
pois completo o dito catalogo e bem estima-
ríamos que tosse dado ao prelo, porque é
muito interessante e pôde desapparecer de
um momento para o outro, por ser exem-
plar unicol E já correu imminente risco,
pois, pertencendo á livraria do convento dos
congregados de Viseu, que desde 1824 é se-
minário diocesano, ali estava quando ardeu
o edifício em 1841.2
O fogo poupou a bibliotheca, mas no mo-
mento e como prevenção, quando o incêndio
estava devorando a casa, atiraram com os
livros todos para a cerca e ali permanece-
ram alguns dias ao lado do grande brazei-
ro. Muitos ficaram deteriorados e outros fo-
ram roubados, — entrando n'este numero o
pobre catalogo, que andou de mão em mão,
indo parar o 3." volume ao Porto e o e
2." à bibliotheca do sr. conde de Prime, on-
de post tot tantosque labores de novo se re-
uniram os tres!
Bem estimaríamos, pois, que fosse dado
ao prelo, mesmo porque tem siogular me-
recimento e é muito lisongeiro para Viseu^
Nós apenas vimos e folheámos o 3.° tomo;
viu, porém, e folheou os 2 primeiros o sr.
dr. Nicolau Pereira de Mendonça, ficando
extasiado. Em carta com data de 2 de se-
tembro de 1887 s. ex.» nos disse: «Hontem,
passei pelos olhos os 2 primeiros volumes
ádiS Memorias do padre Sousa e fartei me de
gostar. Com que miudesa e claresa elle nar-
1 V. pag. 1685, col. 1.»
2 V. pag. 1645, col. 2."
VOLUME XI
ra os factos! Conheceu melhor e versou
mais o antiquíssimo archivo da Sé de Viseu,
do que Botelho, Coldt e quantos o precede-
ram. Além de não ser tão massador como a
dr. Botelho, é mais critico, tem melhor lin-
guagem e é talvez mais consciencioso.
• Que elogio elle faz da província da Bei-
ra na grande Introducção e Anfilóquio, com
que abre o l." volume! Até para engrande-
cel-a cita os 2 factos seguintes: D. Diniz
intitula-se nos documentos e alvarás Rei da
Beira, e D. João III chama á Beira — Lago
de gente nobre?! . .
€0 que elle sabia de historia e humani-
dades! Que miúdos conhecimentos elle já
tinha de estatística e da população do nosso
paiz! A este respeito cita dado? tão miúdos,
que não será fácil encontrai -os em outro es-
críptor amigo!»
O padre Leonardo de Sousa foi sócio da
Academia Real de Historia Portugueza, na
qual succedeu ao seu confrade João Coldt,
como este a D. Luiz Caetano de Lima, a
quem a mesma Academia primeiramente
encarregou de escrever a historia ecelesias-
tiea de Viseu, historia que o padre Coldt
tratou muito de leve no seu resumido ca/a-
logo.
V. pag. 1590, col. 1.» supra.
O sr. dr. Nicolau diz ainda:
i Saberá que os 2 primeiros volumes do
Catalogo do padre Sousa estão completosí
No que tem muitas folhas soltas, não
j fâlta uma só. Até na Introducção e AntilO'
1 quio, que comprehendem 23 folhas, nada
falta, o que admirei, estando completamente
desencadernado'^! »
Com vista ao sr. conde de
Prime e a todos os filhos de
Viseu que tenham amor á sua
pátria e presem as boas lel-
iras.
Não nos oceorrem no momento mais es- ^
criptores filhos de Viseu. Quem vier depois
de nós que complete a lista e a ponha em
ordem alphabetica, pois nós nem para isso
lemos tempo!
Não mencionamos os eseriptores visien-
115
1822 VIS
VIS
ses contemporâneos (desculpem ss. ex.") por
que somos estranhos a Viseu e não temos a
honra de os conhecer, mas pôde formar-se
ideia do grande numero d*elles pelo grande
numero de jornaes que actualmente se pu-
blicam em Viseu.
V. pag. 1640, col. 1.» e segg.
Passemos a outro tópico.
Visienses illustres pelas lettras
mas não escriptores
Padre José Bernardo d" Almeida.
Foi professor publico de grammattca lati-
na, e era homem de muito talento, mas pou-
co estudo.
Nada publicou e falleeeu em i817.
—João Viciorino de Sousa Albuquerque,
bacharel formado em medicina.
Aos vastos conhecimentos theoricos e prá-
ticos da sua profissão reunia outros muitos
de sciencias politicas, económicas, etc, co-
mo provara os diários das camarás legislati-
vas, de que foi membro.
Também conhecia e cultivava as bellas-
lettras, nomeadamente a poesia, «como tive-
mos occasião de ver n'algumas das suas pro-
dueções»— diz Berardo nas suas Memorias>
cap. 10.
Falleeeu em 1854.
— Dr. Manuel da Veiga Esteves.
Foi cónego magistral na Sé de Viseu e
abbade de Santa Maria do Castello em Pi-
nhel.
— Dr. Gaspar Homem Cardoso.
Foi lente de Instituía na Universidade de
Coimbra.
— Dr. Francisco Cardoso do Amaral, ir-
mão do antecedente.
Foi lente de direito na Universidade, des-
embargador dos aggravos, corregedor do
crime, etc.
— Fr. Caetano da Annunciada.
Foi Agostinho descalço, ou frade gr^lo^ e
professou no seu convento de Portalegre no
dia 16 de novembro de 1718.
Foi o l.« visiense religioso da dita ordem.
— Fr. Francisco de Santa Genoveva, re-
ligioso da mesma ordem.
Professou no seu convento da Boa Hora,
em Lisboa, no dia 14 de setembro de 1746.
— Dr. Antonio de Barros.
Foi lente de theologia em Coimbra.
—Dr. Manuel Machado d' Andrade.
Foi também lente dos 3 livros do Código
em Coimbra, deputado do Santo Offleio, có-
nego doutoral na Guarda e Braga, etc.
—Dr. Manuel Alvares Tavares.
Foi deão na Sé de Viseu, inquisidor em
Évora, do conselho geral, etc.
— Dr. Fernando Bodrigues Cardoso.
Foi lente de prima na faculdade de medi-
cina em Coimbra e physico-mor do rei-
no, etc.
— Dr. Jorge do Amaral.
Foi lente de código era Coimbra, desem-
bargador da supplicação e corregedor da
côrie em Lisboa.
— Dr. Antonio d' Andrade do Amaral.
Foi lente de leis em Coimbra e desembar-
gador dos aggravos, etc.
— O rev. dr. Albino Jacintho José d' An-
drade e Silva, filho de João Carlos d' Andra-
de e Silva e de D. Maria Emilia de Gouveia
Duarte Figueiredo Castello Branco.
Foi meu contemporâneo na Universidade,
e no 6.° anno da formatura d'elle (18S5-1856)
foi meu condiscípulo, pois frequentava eu
então o 5." como ordinaj-io e elle como re-
petente.
Era uma excellente pessoa, muito sympa-
thico, muito tratavel e tinha um talento
enormel
Nasceu em 5 de junho de 1831; doutorou-
se em theologia no anno de 18S6, tendo si-
do sempre o 1." premiado do seu curso; foi
VIS
VIS 1823
professor de seiencias ecclesiasticas no se-
minário episcopal de Viseu e no da patriar-
chal em Santarém,— depois lenle calhedra-
tico de tlieologia na Universidade de Coim-
bra, onde falleceu a 22 de fevereiro de
1875.
Teve um tio paterno, Joaquim José d' An-
drade e Silva, cónego da cathedral e forma-
do em direito; 3 irmãos, João, Jacintho e
Joaquim, formados em direito; outro, Luiz,
em medicina, e outro que não se formou, mas
é padre. Este ultimo ainda hoje vive, bem
como o bacharel em direito— Joaquim José
d'Andrade e Silva, irmão do biographado.
V. pag. 1726, col. 1.»
—Dr. Antonio de Sá Mourão, sogro do ce-
lebre medico e distincto escriplor publico
Braz Luiz d' Abreu.
Veja-se o que dissemos, fallando de D-
Josepha Maria de Sá, no prmcipio d'este tó-
pico.
— Dr. Belchior Lourenço, fundador do con-
vento de Jesus, das freiras benedietinas, em
Viseu.
V. pag. 1661, col. 1.»
—Dr. João Saraiva de Carvalho.
Foi desembargador e era filho do mestre
pedreiro David Alvares, de quem fallaremo»
adiante no tópico dos artistas.
—Dr. Antonio Luiz Dourado, medico e
operador distinctissimo, filho de Luiz José
d'01iveira Dourado e de D. Anna Bernardi-
na de Vasconcellos.
Nasceu em 19 ã% setembro de 1807, e
suppomos que ainda vive.
No Álbum Visiense, pag. 25 a 27, .se en.
contra o seu retrato e a sua interessante
biographia, que bem desejávamos transcre-
ver, mas já o não comportam as dimensões
d'este artigo.
«É s. ex." o exemplo vivo do mais bri-
lhante desinteresse, do grande sentimento
altruísta e da mais incansável dedicação que
pôde eneontrar-se em Viseu» — como diz o
seu biographo,— e foi também o 1.» que em
V iseu empregou o chloroformio nas opera
çoes.
— Dr. Francisco Paes Cardoso.
Foi juiz de fora em Pinhel.
— Dr. João Homem Cardoso, irmão do
antecedente.
Foi provedor em Guimarães.
— Dr. Pedro Vaz do Amaral.
Foi à índia; no seu regresso instituiu o
morgado de Pindo em 1S47, — e posterior-
mente foi chaneeller-mor do reino, do con-
celho d'el-rei, desembargador do Paço, ete.
Dialogo 4.° de Botelho, cap. 36.^
— Dr. Belchior do Amaral.
Achou-se com el-rei D. Sebastião na tris-
tíssima batalha d'Aleacer-Kivir, onde ficou
captivo dos mouros, e depois do seu resga-
te foi desembargador do paço, etc.
Diálogos de Botelho, logar citado— m fine-
—Dr. João Affonso.
Casou com Leonor Botelho, da nobre fa-
mília Boíelhos de Mondim, Viseu e Traz-os.
Montes, e foi meirinho da correição da Bei-
ra, etc.
V. Dial. 3." de Botelho, cap. 15. pag. 239
no códice de Girabôlhos.
—Dr. Affonso Botelho, filho do antece-
dente.
Foi meirinho das comarcas da Beira, como
seu pae, e senhor do Fojo, ele.
—O rev. Luiz Eanes de Loureiro, fidalgo
distinctissimo e riquíssimo, filho de João
Anes de Loureiro, senhor da quinta e casa
de Loureiro, — e de sua mulher Calharína de
Figueiredo, descendente do celebre bispo de
Viseu— D. Gonçalo de Figueiredo, o Anchi-
nho, patriarcha da nobreza da Beira.
Este seu descendente não degenerou, pois
foi cónego e depois arcediago da Sé de Vi-
seu, abbade de S. Miguel de Campia, que
permutou pela abbadia de Ribafeíta no an-
no de 1476. Foi conjuntamente abbade de
1824 VIS
VIS
Santa Maria de Silgueiros^ e de Santa Maria
de Torre Deita, etc. Como diz Botelho, loc.
cit. infra, «multiplicou este Loureiro em co-
pioso frueto; porque de Branca Affonso hou-
ve Henrique de Loureiro, e Luiz de Lourei-
ro: de Isabel Alvares de Figueiredo teve
Gabriel de Loureiro, Duarte de Loureiro»
Filippe de Loureiro, Genebra de Figueiredo,
Maria de Figueiredo, Anna de Figueiredo,
outra que casou em Serpa, e outra que foi
freira em Guimarães. De outra mulher hou-
ve outro filho, que também se chamou Luiz
de Loureiro, e Clara de Loureiro. •
D'este celebre abbade, cónego e arcediago,
foi neto o Grão Capitão Luiz de Loureiro^
como se deprehende do Dialogo 4,° de Bote-
lho, cap. 22, pag. 342 no códice de Girabo-
lhos.
— Dr. Francisco de Figueiredo, o Racha.
Foi juiz do duque d'Aveiro e ouvidor nas
terras do infantado.
—Orev. Filippe de Loureiro, filho do ce-
lebre cónego Luiz Annes de Loureiro.
Foi também cónego da Sé de Viseu e ab-
bade dfc cinco Igrejas!? . . .
—Fr. Pedro Moreira, religioso capucho^
filho de Francisco Moreira e Antónia do
Bego.
Fundou o convento que a sua ordem te-
ve em Moncorvo e que é hoje de Antonio
Caetano d'01iveira, o 1." proprietário d'â-
quella villa e um dos homens mais ricos da
província de Tras-os-Montes,^ capitalista e
negociante no Porto, onde vive.
1 Este beneficio era um dos melhores do
bispado de Viseu, pois ainda em 1630 ren-
dia 400^000 réis e era da aprezentação da
casa do dicto abbade, porque seu pae e tias
dotaram largamente e com essa condição a
dieta egreja, que havia sido fundada por Da-
ganel e D. Sancha, fidalgos distinctos, avós
paternos do mesmo abbade e senhores da
casa e quinta de Loureiro. V. Silgueiros e
Dial. 4.» de Botelho, cap. 22.
2 Só das propriedades que possue no con-
celho de Moncorvo pagou no ultimo anno
(1887) 1:100^000 réis de contribuições?!...
V. Moncorvo n'esle Diccion. e no supple-
mento.
— Dr. Jorge do Amaral, irmão de João
Paes do Amaral, casado com Maria de Lou-
reiro, prima do Grão Capitão Luiz de Lou-
reiro e filho d'outro Luiz de Loureiro, o do
Penedo, assim denominado por viver em
umas casas assentes em um grande penedo
na rua do Soar, em Viseu.
Foi eorregador da Corte.
— O licenciado Alvares Cardoso.
Foi aio do infante D. Pedro, o da Alfarro-
beira, irmão d'el-rei D. Duarte.
Dial. 4." de Botelho, cap. 26, in prin-
cipio.
— Dr. Mathias Ferrão, filho de Antonio
Ferrão e de Guiomar (ou Caiharina) de
Mesquita.
Foi provedor em Portalegre.
— Dr. Pedro Lopes Cardoso, filho de Lopo
Alvares Cardoso e de sua 1.» mulher Leo-
nor Rodrigues, Cardoso.
Foi dezembargador da Supplicação e o
l.e corregedor da comarca da Beira no tem-
po d'el-rei D. Manuel, em 1508.
— Dr. Francisco Cardoso, filho do cónego
João Lopes Cardoso e de Ignez Alvares.
Foi fidalgo, cujo filhamento se fez em 3
d'agosto de 1556, — e ouvidor do infante D.
Luiz nas terras da Beira, o qual em 1546 lhe
deu o título de dezembargador da supplica-
ção;—e em 1559 a infanta D. Maria o no-
meou seu ouvidor na cidade de Viseu, cujo
senhorio então era da dita infanta.
Foi também commendador de Castello
Mendo, etc. »
Casou com Antónia de Caceres, filha de
Gonçalo de Caceres, também cónego da Só
de Viseu, como fôra o pae d'elle, e houve-
ram entre outros filhos, João Lopes Cardo-
so, pae de João Cardoso de Caceres, o Nada
lhe luz, por alcunha.
Dial. 4.» de Bot. cap. 26.
— O cónego Henrique de Lemos.
Mandou fazer o monumental cruzeiro de
Santa Cbristioa em 1563.
VIS
VIS 1825
V. pag. lo82, col. 2.» {nota) supra, e pag.
1730, col. 1.» m fine.
— O padre jesuíta Bernardo Pereira e
seu irmão
—Fr. Rodrigo de Jesus, da ordem do
Carmo.
V. pag. 15i7, col. m fine, onde já fize-
mos menção d*e3tes 2 virtuosos varões. No
Dialogo 5." de Botelho, eap. 17.», 18.°, 19.» e
20.*, pag. 449 a 469, (códice de Girabôlho) se
encontra a genealogia d*elle3 e uma larga
historia da vida, trabalhos apostólicos e vir-
tudes de um e outro.
Entre os ascendentes d'estes 2 marlyres da
fé menciona o dr. Botelho Gonçalo Pires d'Al-
meida e diz: —«foi senhor do morgado, e
celleiro de Moçamedes, reguengo, de que lhe
fez doação Martim Vaz da Cunha, senhor de
Alafões e Besteiros, a qual foi feita em Oli-
veira de Frades, couto de Santa Cruz e jul-
gado de Altafões, aos 17 dias de maio, era de
Cesar 1427, que he anno de Xpo 1389. Foi-
Ihe confirmada por el-rei D. João I na cida-
de do Porto, aos 11 de outubro, anno de
1398, e n'esta cidade lha tornou a confirmar
aos 30 de janeiro anno 1410.»
Este tópico elucida o que no logar citado
dissemos da Moçamedes, ou Mossamedes}
«O padre Bernardo Pereira (diz Botelho,
loc. cit.) era tão brando e afável de condi-
ção, que nunca em sua bocca se ouviu pa-
lavra deshonesta nem que a fama do próxi-
mo tocasse,— no que muito degenerava do
costume da terra (Viseu) hoje (refere-se ao
anno de 1630) selva de feras mais do que
Líbia pela carne humana, de que se cevão
mais que os cavallos de Diomedes, sem con-
siderarem mais os ociosos, que ser detrac-
ção do próximo todas as mentiras qut con-
tão, e não considerando as repugnancias, e
1 O actual conde de Mossamedes, filho 2.°
dos condes da Lapa, tomou o titulo d'e8ta
antiquíssima villa (quinta) de Mossamedes,
por ter sido um dos mais nobres solares dos
seus ãute-passados.
difficuldades dos casos, nem desenganados
se desdizem, nem com a verdade se retra-
etão. He-lhes mui diflaculloso dar credito ao
bem, porque a ninguém o querem ver; e
mais facilmente dão credito ao mal, porque
todo a todos o desejão. Taes são hoje (1630)
os mais grados d'esta' terra, (Viseu) . .
Embarcaram os 2 irmãos para a índia em
1609 na armada de D. Manoel de Menezes?
e ali chegaram a salvamento. Poucos dias
depois de chegarem à índia o padre Bernar-
do Pereira entrou na Companhia de Jesus e
n'ella resplandeceu em virtude e seiencia,
D'ahi a pouco seu irmão deixon também as
armas e se fez religioso de Nossa Senhora
da Graça. Estudou com muito aproveita-
mento e foi pregador distincto: mas era 1623
foi trucidado pelos persas na tomada de Or-
muz, contando de idade apenas 30 annos.
O padre B. Pereira, depois de ser captivo
e de sofFrer cruéis torturas longo tempo,
sendo enviado para a missão da Ethiopia em
1624, antes de chegar ali foi martyrisado,
— O rev. Antonio Bernardo de Loureiro do
Amaral Cardoso.
Foi cónego— mestre-escola— na sè de Vi-
seu, fidalgo distincto, etc.
Viveu no meiado do ultimo secuio e pos-
suía por compra talvez a 1.* copia dos Diá-
logos do dr. Botelho, pois' no fim do códice
de Girabolhos, tantas vezes por nós citado
se lê o seguinte:
«Este livro que compoz Manuel Botelho
Bibeiro, natural que foi d'esta cidade, eu
Antonio Bernardo de Loureiro do Amara'
Cardoso, Mestre-Eseola na Santa Igreja Ca-
thedral da dita cidade, o comprei aos her-
deiros de João da Silva Correa, o qual o ti-
nha fielmente copiado pelo próprio original,
que n'esie tempo existia em poder de Anto-
nio de Figueiredo de Moraes. Ao dito tras-
1 Note-se qne o dr. Botelho era um fidal-
go visiense, muito illustrado, muito delica-
do, sempre franco em elogiar e muito re-
misso em censurar os seus patrícios.
1826 VIS
VIS
lado mandei ajuntar as seguintes noticias da
minha família, incluídas todas dentro do n.°
de 26 appellidos, dos quaes todos tenho as-
cendência. Parece-me que vae tudo na ver-
dade, por quanto esta addição me deve uma
mutto particular averiguação; e para em to'-
do o tempo constar o referido, mandei fazer
aqui esta declaração. Viseu 16 de janeiro
de 1764.» E em uma nota se lê no códice
de Girnbolhos o seguinte:
«Separou-se esta addição genealógica
d'este volume, não só por não o engrossar
mais; mas por se ajuntar a outros eseriptos,
e papeis genealógicos, a que pertence pelo
seu objecto.
Girabõlhos 26 d'outubro de 1830.
Agostinho de Mendonça Falcão.»
Como já dissemos algures, este sr. que
em 18S0 vivia em Girabõlhos e que ali co-
piou 0 dicto códice, era o dr. e ex-correge-
dor Agostinho de Mendonça Falcão da Ca-
nha e PoVoas, sócio correspondente da nossa
Academia Real das Sciencias, philologo dis-
tincto, auctor das obras indicadas por Inno-
cencio e d'outras muitas que deixou manu-
seriplas, entre ellas uma traducção da Pu-
celle, traducção que revelia grande trabalho
e tem muito merecimento, por ser em verso
e quasi litteral. Foi feita pelo dr. Agostinho
de Mendonça quando frequentava a univer-
sidade:— depois, sendo já viuvo e estando
emMonte-Mor o -Velho, hospedado em casa
do seu amigo e parente..., ali retocou e
refundiu a mencionada traducção e a deu
a ura medico de partido na localidade, por
haver tratado o dr. Mendonça em uma gra-
ve doença e não querer aeceitar dinheiro.
Por morte do medico passou para o amigo
do dr. Mendonça, que a emprestou ao sr.
conselheiro, ministro de estado honorário e
distincto poeta, Thomaz Ribeiro, seu pos-
suidor n'esta data (1888); mas pertence ao
nosso bom amigo e principal cyrineu n'este
artigo— o sr. dr. Nicolau Pereira de Men-
donça Falcão (filho do traductor) porque
lh'a deu o amigo e parente de Monte-Mor-o
Velho, como o próprio sr, dr. Nicolau de Men-
donça nos disse em carta que conservamos.
—Antonio d" Almeida Campos e Silva, fi-
lho de José d' Almeida Campos, negociante»
e de D. Maria da Conceição de Jesus Cam-
pos.
É uma exeellente pessoa e vive no Porto,
onde é negociante de vinhos, distincto bi-
bliographo e bastante illustrado.
Tem sobre diversos assumptos alguns mss.,
que por modéstia não quer publicar, e pos-
sue uma das melhores livrarias particulares
do Porto, comprehendendo muitas obras es-
colhidas, raras e caras.
V. pag. 1391, col. 1.» n.» 9.
Teve um irmão (era o mais velho) por
nome José d'Almeida Campos, que foi mui-
tos annos director do Banco União, no Por-
to, mas infelizmente, sendo já decrépito ali
se suicidou no dia 31 de janeiro do corren-
te anno de 1888, deixando filhos e esposa —
D. Helena Augusta Mendes de Carvalho—
que falleeeu pouco tempo depois, — no dia
11 de fevereiro d'este mesmo anno.
Tem vivo ainda em Viseu outro irmão —
Joaquim d'Alraeida Campos, também nego-
ciante e que já foi ali vereador.
Entre as diversas raridades bibliographi-
cas do sr. Antonio d'Almeida Campos, não
podemos deixar de mencionar aqui uma,
porque prova que a imprensa em Viseu
data do sec. xvi.
Referimo-nos ao pequeno livro intitulado
— * Exercícios e muy devota meditação da
vida e paixão de Nosso Senhor Jesv Christo.
Composta pelo allumiado varam frey Joam
Thaulero da ordem dos pregadores. Trasla-
dado de latim em lingoagem por frey Marcos
de Lisboa frade menor da província de Por-
tugal. . . Impresso na muy nobre cidade de
Viseu\per Manoel Joam impressor de S. 11-
lustriss. S. Anno MDLXXI.» — 12.» de 302
fl. numeradas (faliam lhe algumas no fim)
mais 6 inumeradas no principio com a ta-
voada, ele.
Temos também sobre a nossa mesa de es-
tudo outro livro publicado em Viseu no sec.
XVI. Intitula-se — Compendio e svmario de
confessores. . . Foi impresso em a Cidade de
Viseu por Manoel Joam impressor do Se-
VIS
nhor BispoA Agora novamente emendado.
Anno MDLXIX—l^.' de 630 pag. numera-
das, mas 7 fl. no principio com o prologo,
introducção, etc. e 23 no fim com a tavoada
ou Índice, todas inumeradas.
No verso do rosto tem uma carta ou pro-
visão do bispo D. Jorge d'Athaide, recom-
mendando o mencionado livro— o qual nesta
cidade de Viseu mandámos imprimir . . .
Dada em esta nossa quinta e couto de Fõ-
têlo. . . aos 26 de Maio de 1569 . . . D. Jor.
UAttaide Bispo de Viseu.
Parece pois fóra de duvida que este livro
foi impresso em Viseu por ordem do bispo
D. Jorge d'Athaide em 1569; mas no fim da
tavoada própria se lê o seguinte: «Foy im-
presso este Compendio & sumario do Ma-
nual de Navarro, a segunda vez emendado
por mandado do senhor Bispo de Coimbra,
na muy nobre & sempre leal cidade de Coim-
bra, por Antonio de Maris, Impressor do
senhor Arcebispo de Braga, Primaz, etc.
Acabouse aos XXX dias do mes de Abril.
Anno de 1569.»
Esta data do acabamento da impressão
combina-se com a da provisão de D. Jorge
d'Alhaide, mas não podemos harmonisar e
combinar o que disse este prelado no rosto
do livro, com o que se diz e lê na declara-
ção final em caracteres maiúsculos.
Pertence este livrinho ao sr. Antonio Mo-
reira Cabral, excellente pessoa, negociante
de vidros no Porto, bastante illustrado e do-
no de uma das melhores camoneanas e li-
vrarias particulares d'aquella cidade. É tam-
bém colleeeionador d'objecto3 antigos e tem
alguns de merecimento. De sociedade com
o sr. Tito de Noronha editou em 1874 o Es-
pelho de Casados do dr. João de Barros— e
anteriormente as Antiguidades do Porto de
Simão Rodrigues Ferreira.
Nasceu na freguezia de Cêtte, concelho de
1 Este prelado era D. Jorge d'Athaide, cujo
pontificado principiou em 1568 e terminou
€m 1578.
V. pag. 1612, col. 1.» e segg.
VIS 1827
Paredes, no dia 22 d'outubro de 1833 e fo-
ram seus paes Francisco José QabraU, ja
fallecido, e de Anna Moreira da Silva, que
ainda vive e já conta 84 annos.
É sócio fundador das Sociedades de Ins-
trucção, Camoneana e Geographica do Por-
to, e sócio correspondente do Retiro littera-
rio portuguez do Rio de Janeiro.
Também cultiva a poesia. Em 1883 pu-
blicou o Passamento de Camões e tem pu-
blicado outras composições poéticas em dif-
ferentes jornaes litterarios, nomeadamente
no l." volume das Artes e Lettras.
—Francisco de Sousa Loureiro, natural
de Viseu.
Formou-se na escola medico-eirurgieada
cidade do Porto, onde casou e teve entre
outros filhos Urbano Loureiro, distineto es-
criptor publico já fallecido, mas livre pen-
sador e republicano exaltado, redactor da
Lucta, etc.,— e Arthur Loureiro, pintor dis-
tineto, que depois de frequentar no Porto a
Academia de Bellas Artes, foi á custa do sr.
conde d'Almedina estudar pintura em Roma.
—Francisco Cardoso Pereira, filho único
d'oulro Francisco Cardoso Pereira e de D.
Rita Leonor.
Nasceu no dia 6 de março de 1815: foi
•tenente-quartel mestre do exercito realista,
convencionado em Evora-Monte; depois ne-
gociante, como fòra também seu pae;— em
seguida escrivão de fazenda— e por ultimo
bibliothecario do lyceu, cargo que ainda
exerce.
Casou em 1835 com D. Maria dos Praze-
res Pereira e tiveram os filhos seguintes:
Francisco Cardoso Pereira Júnior, nego-
ciante em Lisboa, casado e e. g.
Alfredo Cardoso Pereira, negociante em
Manàos, no Brazil, também casado e c. g.
» Era homonino do poeta Fráncisco José
Cabral.
V. Villarinho de Cotas, tomo 11.", pag.
1349, col. e segg.
1828 VIS
VIS
João Cardoso Pereira, que, segundo se
suppõe, vive no Rio da Prata.
Antonio Cardoso Pereira, negociante no
Maranhão, casado com D. Constança Umbe-
lina Gomes Pereira, da qual tem 3 filhos:—
Antonio, Carlos e Affonso.
José Cardoso Pereira, negociante no Rio
de Janeiro, casado com D. Rita da Silveira
Cardoso Pereira, da qual tem 2 filhos: —
fíerminio e Beatriz
D. Maria dos Prazeres, que vive com seus
paes e ainda solteira.
Tiveram mais 2 filhos que morreram na
infância.
O sr. Francisco Cardoso Pereira, caracter
nobilíssimo, é muito curioso; conhece como
ninguém a historia moderna de Viseu, po-
dendo dizer-se chronista d'esta cidade, com
relação á qual tem muitos mss. seus, com
muitos nomes e datas; è tão modesto que
nada publica, mas do seu vasto pecúlio se
teem aproveitado muitos jornaes de Viseu e
differentes escriptores que fallaram d'esta
cidade, entre elles Silva Gaio, pois fornece
apontamentos a quem lh'os pede, e nós al-
guns lhe devemos, depois que um ataque
apopletico inutilisou o sr. dr. Nicolau de
Mendonça, nosso principal cyreneu n'este
artigo. Tivemos de recorrer a outros ami-
gos, entre eiles ao sr. Cardoso Pereira, mas
infelizmente encontramol-o lambem já de-
crépito 6 sem forças para nos auxiliar! . . .
Deus lhes prolongue a existência.
— João Pereira Dias Lebre.
Reside no Porto, onde é lente da escola-
medieo-cirurgica.
—Fr. Antonio de S. Bernardo.
Era natural do Couto da Boa Aldeia e foi
religioso Agostinho descalço e padre Mestre.
Professou no seu convento do Monte Oli-
vete, ou do Grillo, em Lisboa, no dia 13 de
junho de 1789.
Poetas
*-Dr. Manuel Botelho Ribeiro Pereira, de
quem já se fallou sui^ra, no til. Escriptores.^
Deixou em verso varias composições que
se perderam, mas ainda se podem ver mui-
tos versos d'elle em castelhano e portuguez
nos seus Diálogos moraes e politicas.
— Sebastião d' Almeida Amaral.
Floreceu também no sec. xvii e foi com
certeza um poeta notável, pois nas casas que
hoje (1888) são do visconde d'Almeidínha,
sitas na rua da Corredoura, em Pombal, se
vê no peitoril de uma janella interiormente
a inseripção seguinte:— «N'estas casas mor-
reu o insigne poeta de Viseu Sebasiião d' Al-
meida Amaral, na era de 1653, de edade de
63 annos.»
Não sabemos se publicou algumas poe-
sias, pois não temos noticia d'ellas — e o
Diccion. de Innoceneio nem o menciona co-
mo escriptor.
— Augusto Frederico de Bayma Forte
Gatto, distincto escriptor publico e mavioso
poeta.
Nasceu na pátria de D. Duarte a 24 de fe-
vereiro de 1836 e é filho de Bento Antonio
Forte Gatto, liberal muito exaltado, mas hon-
radíssimo,—e de D. Rita Augusta de Bayma;
—neto paterno de D. Francisca Forte Gatto,
e do commendador Antonio Joaquim Forte
Gatto,— e materno do ministro Filippe Ma-
rianno de Bayma e de D. Maria Luisa Bay-
ma d'Araujo Nogueira Vasconcellos.
É empregado publico, escrivão de direito
em Fafe, — tendo sido também escrivão era
Ceia e Cintra, mas é um cavalheiro nobilís-
simo, talento superior e muito illustrado-
Foi assiduo collaborador do Viriato, Li-
beral e d'outro8 jornaes de Viseu; eoUabo-
1 Casou 2 vezes; a l.« com Anna Paes
Correia, da villa de Cernancelhe, e. g.; a 2 *
«com Antónia Botelha de Proença, filha de
Manuel Botelho da Costa, fidalgo de geração,
6 teve 6 filhos: 2 machos, que embarcarão, e
hum que morreo frade capucho; mais 3 fl-
IhaSj duas em que se não falia, e huma que
casou com Julio de Vilhegas Castello Bran-
co, de que ha geração»— disse elle próprio.
Jíial. 4.0 cap. 24.
VIS
VIS 1829
rou também nos jornaes de Viaona do Cas-
telio, onde passou algum tempo com seu tio
o dr. José Maria Forte Gatto, director da al-
fandega d'aquella cidade, e também colla-
boroQ em differentes jornaes polilicos e lit-
terarios de Coimbra e de Lisboa, nomeada-
mente no Diário Illustrado, Contemporâneo,
Revolução de Setembro, pelo que o proprie-
tário e redactor d'e8te ultimo,— Antonio Ro-
drigues Sampaio,— sendo ministro, lhe offe-
receu uma commenda, que o nosso biogra-
phado pela sua modéstia recusou, bem co-
mo um diploma de deputado.
Casou era 1860 com D. Maria do Carmo
d'Azevedo e Lemos, senhora nobilíssima de
Várzea de Trovões,* e viuvando passou a
segundas núpcias com D. Estephania Merce-
des d'Almeida Corte-Real, dos Corte-Reaes
da Pocariça.
Estreou-se na vida litteraria com um ro-
mance que logo se esgotou,— Poesias d um
Álbum. Em seguida publicou o poema Ave
Mater, depois as Auras; vae publicar no mo-
mento 2 grossos volumes de versos, — Orchi-
deas—e — Na Sombra;— lem publicado mui-
tas poesias soltas em differentes jornaes — e
traduzido muitos versos de Victor Hugo,
Espronceda, Ariosto, ete.
— Dr. João Victorino de Sousa Albuquer-
que.
Também cultivou a poesia, como diz Be-
rardo.
V. o tópico supra— Visienses illustres pe-
las kttras, mas não escriptores.
■—Padre Alexandre de Miranda Vilhegas,
fallecido em 1723.
1 Em Várzea de Trovões também casou e
vive com o distincto eseriptor publico Anto-
nio da Cunha d'Aze7edo uma irmã do nosso
biographado, — D. Maria Innocencia de Bay-
ma Forte Gatto, —■ senhora gentilissima e
muito illustrada também.
V. Várzea de Trovões, tomo 10.» pag.
239, col. 1.» 6 segg.
«Escreveu Varias poesias á morte de An-
dré d' Albuquerque, as quaes fez imprimir
em Lisboa em 1661.»— É isto o que diz Be-
lardo, mas nem o Diccion. de Innoeencio,^
nem o seu continuador Brito Aranha men-
cionam tal eseriptor.
— João de Paiva.
Consta que em 1656 escrevera um poema
sobre a Fundação e Antiguidades de Viseu.
fNão o vimos,— diz Berardo,— mas estamos
persuadidos que a sua perda em nada pre-
judicou a lilteratura portugueza, e com bons
fundamentos fazemos o mesmo juizo daa
obras poéticas de Manuel Botelho Ribeiro.*
Veja-se o que dissemos d'este antiquário
visiense no principio d'e3te tópico— e o que
dissemos d'elle e de Berardo (José d'01ivei-
ra) no tópico Escriptores.^
— Miguel Botelho de Carvalho.
Floresceu nos princípios do see. xvii e
deixou muitas composições poéticas e de me-
recimento, no idioma castelhano, — diz Be-
rardo, mas Innoceneio não o menciona coma
eseriptor.
— Manuel Marques Rezende, poeta muito
distincto, segundo diz Berardo.
Veja-se o tópico Escriptores, supra, onde
já fizemos menção d'este sábio visiense.
1 Berardo, cuja memoria muito respeito,
foi o mais cruel e accintoso detractor de Bo-
telho, tendo decorrido entre um e outro na-
da menos de dois séculos — e, se os apre-
ciarmos devidamente, lendo em atteução a&
épocas em que viveram:— Botelho no mela-
do do sec. xvii, e Berardo no meiado do
sec. XIX, qual dos dois teria mais mereci-
mentos?
Só os Diálogos de Botelho, se fossem pu-
blicados quando elle os escreveu, em 1630
a 1636, — com certeza valeriam mais e muito
mais in illo tempore, do que valem hoje to-
das as obfas de Berardot . . .
Appellamos para o testemunho sincero e
consciencioso de quem tenha lido os traba-
lhos de um e outro.
Suum cuique.
1830 VIS
VIS
— o rev. dr. Bernardo José de Mello,
advogado e fallecido nos prineipios d'este
século.
tFoi eminente em poesia latina (diz Be-
rardo) especialmente no género epigrammas.
Possuímos alguns chirographos das suas
composições, e damos para espécimen da
sua invenção os seguintes dísticos, qne lhe
foram eneommendados para 4 liminares da
caza da Mizerieordia; mas que não chegaram
a ser esculpidos, por isso que o pedantismo
lh'os rogou com tanta instancia, quanta fo-
ra a indifferença com que depois os menos-
prezou.!
Podem ver-se na Memoria de Berardo
aquelles 4 dísticos
—Luiz de Campos, de Farminhão.
Foi capitão de cavallaria, deputado ás cor-
tes em differentes legislaturas, par do reino,
poeta disimcto.
V. pag. 17o2, eol. 2.» n." 14, supra.
Visienses illustres pelas armas
— Viriato lusitano, o grande.
Náo se estranhe o mencionar-mol-o aqui,
porque ainda hoje se ignora qual foi a sua
terra natal e alguém o considera como filho
de Viseu! , . .
Para evitarmos repetições, veja -se o tópi-
co relativo á Cava de Viriato, pag. 1690, col-
2.* e segg.; a nota de pag. 1711, col. 1.» — e
Povoa Velha, tomo 7.» pag. 637, col. 2.» e
segg.
— Ayres Mendes e
— Pedro Paes, o Carofa.
Rebellaram-se contra D. Affonso Henri-
ques, antes de ser aeclamado rei e flzeram-
se fortes no eastello de Ceia, mas elle os
venceu, — eonfiseou-lhes os bens — e os deu
a João Viegas, seu privado.
V. Memoria sobre a villa de Ceia por
Agostinho de Mendonça Falcão (pae do meu
bom amigo e cyreneu n'e8te artigo, o sr. dr.
Nicolau Pereira de Mendonça Falcão) pag.
13 no tomo 8.» das Mem. da Acad. R. das
Sei.
—O Grão Capitão Luiz de Loureiro, que
foi um dos mais distinctos cabos de guerra
no sec. XVI, eommendador da Ordem de
Christo, senhor do solar de Loureiro, etc. ete.
Para evitarmos repetições v. pag. 1738,
supra, no tópico das Familias nobres de Vi-
seu, parte 2.' n.° 3.
— Luiz Annes de Loureiro, filho do ante-
cedente.
Contando apenas 14 annos e seguindo as
pisadas do Grão Capitão, foi como elle tru-
cidado na Africa pelos mouros.
— Ruy Lopes de Souza, ascendente do sr.
D. Ruy Lopes de Sousa Alvim e Lemos de
Carvalho e Vasconcello?, residente na sua
nobre casa de Santar.
V. Bordonhos, Santar, Torre d' Alvim
Trofa do Douro, e n'e8te artigo Vízeu o to*
pico das Casas e quintas notáveis. . . mas não
habitadas pelos seus antigos donos, pag
n.» 2, tít. Lopes de Sousa e Lemos de Santar^
onde dissemos que esta nobre família tam-
bém oulr'ora residiu em Viseu, onde tinha
um palacete brazonado, e que n'elle viveu no
sec. XVII um distincto eavalleirn, que foi
quem acclamou em Viseu el-rei D. João IV.
D'esse cavalleíro— /ímí/ Lopes de Sousa—
nos occupamos no momento, aproveitando o
que disse o jornal a Nação de 1 de dezem-
bro de 1869:
«Teve a capital da Beira por seu accla-
mador em favor de D. João IV a Ruy Lopes
de Sousa, para prova do que citaremos a
mercê que fez el-rei D, Pedro II a Fradique
Lopes de Souza, decimo sétimo senhor da
casa de Bordonhos, em 7 de março de 1691»
na qual— recordando -se os relevantes ser-
viços prestados por aquelle seu ínclito as-
cendente, se diz:
t Ruy Lopes de Sousa... sendo aleaíde-
mór da villa de Porto de Moz, foi encarre-
gado por cartas do sr. rei D. João IV de
muitos particulares tocantes á formatura de
gente para a guerra, fazendo varias levas na
dita villa e seu distrieto. No anno de 1646
lhe encarregara outras semelhantes diligen-
cias Fernão Telles de Menezes, governador
i das armas da província da Beira, na eo-
VIS
VIS 1831
marca de Viseu, m qual serviu á sua custa
com vários criados e cavallos por mais de
um anno, acompanhando ao mesmo gover-
nador na primeira entrada que fez á viila
de Val- Verde e Castello de Elyes, no assalto
da Villa de S. Martinho, e sitio d' Aldeia do
Bispo até se render, e no encontro de Val
de LamuUa, fazendo outras entradas em
companhia do Mestre de Campo D. Sancho
Manuel, sendo em uma d'ellas ferido em um
braço sem se querer retirar da peleja, pro-
cedendo sempre mui conforme á sua alta
qualidade, sendo o primeiro que na cidade
de Viseu acclamou o sr. D. João IV, ete.»
Era fidalgo cavalleiro com a elevada mo-
radia de 2:500 réis por mez e um alqueire
de cevada por dia, — commendador de Mon-
saraz na Ordem de Christo, alcaide mor da
villa de Porto de Moz, 5.» administrador do
morgado do Pinheiro, senhor dos logares de
Villarinho, Villela e Villarelho, 13.» das ter-
ras de Bordonhos e seus padroados, 2.° do
nome na suecessão d'esta casa, 8.» neto de
D. Affonso Diniz, filho d'el-rei D. Affonso
III, o bolonhez, ete.
Veja-se no fim d'esta lista o tópico — Ac-
damação d'el-rei D. João IV.
—Antonio Correia da Silva, natural de
Viseu.
Suppomos que foi militar e militar muito
distincto, pois mereceu as honras de ser can-
tado em 8.* rima pelo poeta seu palrieio Ma-
nuel Marques, Rezende em 1728.
V. Manuel Marques Rezende no tit. Poe-
tas, supra.
— Fernão Lopes, cavalleiro distinctissimo.
O dr. Botelho, no Dialago 5.« cap. 6.°, fal-
lando do infante D. Henrique (o de Sagres)
duque de Viseu, diz textualmente o se-
guinte:
«Com este Infante e Duque nosso se acha-
ram muitos cavalleiros d'esta cidade nas
partes d'Afriea, onde por suas eavallarias
eram do Príncipe muito estimados, ganhan-
do nome de esforçados e bellieosos, como
foi no palanque de Tangere, e tomada de
Alcacere, e outros recontros, como já o ti-
nham feito na tomada de Arzila por el-rei
D. Affonso 5.» a 24 de Agosto anno 1471, em
cujo arraial se achavão 300 cavalleiros d'e3-
ta cidade, e termo, com Fernão Lopes, que
lá foi armado cavalleiro por mão do mesmo
rei, com outros, como diz o letreiro da por-
ta do muro da Regueira, rua d'esta cidade
(Viseu) o qual ali mandou fazer, e pôz este
cavalleiro depois que veio, ao tempo que os
muros se faziam.
•Diz o letreiro:
No tempo d' El Rey
D. Afonso Quinto se
achou na tomada de
Arzila Fernam Lopes
desta cidade com 300
cavaleiros, e lá foi ar-
mado cavaleiro por mão
do dito Rey com outros mais.*
Sendo demolida a dita porta dos velhos
muros, desappareceu a mencionada inseri-
pção e d'ella já não havia memoria, mas por
acaso o nosso bom amigo e cyreneu, o sr .
Nicolau Pereira de Mendonça, em 1887 en-
controu a dita lapide no quintal de uma ca-
sa da mesma rua da Regueira.
Jaz em exposição á porta do palacete do
mesmo sr. dr. Nicolau de Mendonça.
— Vasco Paes Cardoso.
Foi Alcaide-mor de Moreira de Rei, junto
de Trancoso, e senhor de Ervilhão.
— Fernão Cardoso, irmão do antecedente.
Poi alcaide-mor de Celorico da Beira.
V. Dialogo 4," do dr. Botelho, cap. 36, pag
383 no códice de Girabolhos.
— Fr. André do Amaral.
Foi commendador de Vera Cruz e balio
da ordem de Malta, ete.
Bateu e destroçou em 1S09 nos mares da
índia uma armada do Soldão, que levava
madeira para fazer uma frota contra os por-
tuguezes, por ordem dos venesianos, que de-
sejavam oppor-se ás nossas conquistas.
Botelho, loc. cit.
—Dr. Belchior do' Amaral.
1832 VIS
VIS
Militou em Africa; — foi eaplivo na ba-
talha d' Alcácer;— depois foi desembargador
do paço, ele.
— Manuel de Figueiredo, filho de Antonio
de Figueiredo, descendente do celebre bispo
de Viseu D. Gonçalo de Figueiredo, o An-
chinho, D." 36 do nosso cathalogo. V. pag*
1603, col. 2." supra.
Indo em uma armada contra os mouros
por ordem do Grã Capitão Luiz de Lourei-
ro, já mencionado e seu parente, foi capti-
vo e no captiveiro morreu.
Dial. 4." de Botelho, cap. 21, pag. 314 no
códice de Girabolhos.
—Luiz de Loureiro (um dos 12 filhos do
celebre cónego, abbade e arcediago Luiz
Annes de Loureiro) irmão de Henrique
de Loureiro, pae do Grão Capitão Luiz de
Loureiro.
Foi também afamado cavalleiro em Africa.
'—Henrique de Loureiro, pae do Grão Ca-
pitão supra.
Foi também distincto cavalleiroem Africa.
V. Dial. 4.' de Botelho, cap. 23, m prin-
cipio.
—Luiz de Loureiro, o da mãozinha, filho
de Luiz de Loureiro supra, sobrinho do an-
tecedente Henrique de Loureiro e primo do
Grão Capitão Luiz de Loureiro.
Foi também na Africa esforçado cavallei-
ro e capitão em armadas de galeões — e por
que em um recontro ficou aleijado oe uma
mão, lhe deram a alcunha da mãozinha,p&-
ra o distinguirem do Grão Capitão Luiz de
Loureiro, seu primo.
Casou em Africa com Leonor Cebolinha;
viveram em Viseu e tiveram entre outros
filhos: — Antonio de Loureiro, o Boia (ou
BôcaJ Negra, e
— Alvaro de Loureiro.
Foi fronteiro na Africa.
•—Antonio de Loureiro, filho de Duarte de
Loureiro e de Isabel Affonso Cardoso.
Foi commendador de Santa Maria de Lor-
dello da Ordem de Christo no arcebispado
de Braga, eapitão-mor e governador da ci-
dade de S. Jorge da Mina, etc.
— Antonio de Loureiro (outroj neto do ce-
lebre cónego Luiz Annes de Loureiro, e pri-
mo do Grão Capitão Luiz de Loureiro.
Também militou na Africa e ali morreu
em uma nau que se incendiou.
Dial. 4.» de Botelho, cap. 24.
— Nuno de Barros de Loureiro, filho de
Manuel de Loureiro, por alcunha o da Ala-
gôa, e de Isabel Gomes de Miranda.
Militou com grande distineção no Brazil
contra os hoUandezes, e no seu regresso á
pátria ganhou por demanda o morgado de
Loureiro.
Casou a vez com uma filha de Fran-
cisco d' Almeida, o Terronhe, e viuvando s.
g. casou 2." vez no Brazil com Maria d'Al-
buquerque, da qual houve diíTerenles filhos,
entre elles um Luiz de Loureiro, e. g.
Assim como na familia dos
marquezes de Távora se repe-
tiu muitas vezes o nome Luiz
Alvares de Távora, n'esta dos
Loureiros se repetiu mais ve-
zes ainda o nome Luiz de Lou-
reiro, porque todos os paren-
tes do Grão Capitão se orgu-
lhavam com o nome d'elle.
—Pedro Ferreira, irmão de Pedro (ou
Diogo) do Rego.
Militou na índia; no seu regresso casou
com Anna de Figueiredo, 8.* filha do có-
nego Luiz Annes de Loureiro, e alem d'ou-
tros filhos, tiveram — Pedro Ferreira e Ca-
tharina de Figueiredo, a qual casou com
Jorge Ferreira e teve vários filhos, entre el-
les um de nome também Pedro Ferreira,
que foi, como este seu homónimo, abbade,
mas de Lumiar, junto de Lisboa.
— Pedro Ferreira, filho mais velho de Pedro
Ferreira e de Anna de Figueiredo, casou
com Isabel Cardosa, de Lamego, e tiveram
entre outros filhos uma senhora que casou
VIS
VIS 1833
com Mathias de Carvalho, filho de Pedro
Rodrigues de Carvalho.^
V. Dial. 4.« de Botelho, eap. 24.
— Antonio Pereira, filho de Henrique Pe-
reira, moço fidalgo de Tentúgal, e de Anna
de Figueiredo da cidade de Viseu, onde vi-
veram.
Militou na índia.
— Antonio Paes, filho de Leonel Cardoso
e de Calharina Paes do Amaral, filha do
deão da Sé de Viseu D. Gaspar do Amaral,
Militou também na índia no sec. xvi.
—Antonio d' Aguilar, filho de Antão Mar-
tins Indiatico (sobrinho do bispo D. Diogo
Ortiz de Vilhegas) e de Maria d'Azevedo.
Foi sargento em Itália no exercito do Im-
perador Carlos V, debaixo da capitania de
Francisco Pinheiro, no estado de Sena sobre
o monte Aquino, onde falleeeu.
Dial. 4,° de Botelho, cap. 26 pag. 345 no
códice de Girabolhos.
— Fr. Diogo Fernandes d' Almeida, filho de
Martim Lourenço, o Velho, dos Coutos, e de
Maria d'Ornellas.
Foi comraendador de Malta e senhor da
lEste tópico parece que prende com a mi-
nha obscura familia, pois eu sou Pedro Fer-
reira; tenho um irmão Jorge Ferreira; foi
meu tio -avô outro Jorge Ferreira, e conta-
mos entre os nossos humildes ascendentes
mais 2 (que eu saiba) com o mesmo nome
de Jorge Ferreira.
Foi doDo da casa onde eu nasci (a Casa
da Capella, na povoação da Curvaceira, fre-
guezia da Penajoia) Domingos Rodrigues de
Carvalho, que fundou a dita Capella (de
Nossa Senhora da Lapa) em 1740, e foi ve-
reador em Lamego, onde casou; e teve um
irmão — Antonio Roiz de Carvalho — meu vi-
sa vô materno?!. . .
Acaso eu ainda terei algum sangue do ce-
lebre cónego Luiz Annes de Loureiro e do
Grão Capitão, seu neto, Luiz de Loureiro?
Com vista aos meus sobri-
nhos e primos, que teem bra-
sões d'armas.
V. Corvaceira e Penajoia n'este dicciona-
rio e no supplemento.
jurisdieção crime dos Coutos por mercê d'el-
rei D. Alfonso V, sendo passada a provisão
na cidade de Faro aos 8 d'abril do anno
1476.
Não casou, mas teve filhos naturaes e vi-
veu na Africa, onde foi grande cavalleiro.
Dial. 4." de Botelho, eap. 28.
— João Nunes da Costa.
Militou com tanta distineção na índia, que
foi denominado OjCavalleiro de Samorim,
— Gonçalo Pires Bandeira, ascendente dos
Bandeiras da Torre-Deita e do Ladario em
Viseu, etc.
Foi cavalleiro muito esforçado no tempo
d'el-rei h. Alfonso V e salvou heroicamen-
te a bandeira portugueza na batalha de To-
ro, pelo que os seus descendentes se appel-
lidaram Bandeiras.
—Francisco da Costa.
Foi Alcâide-mor de Bragança e do Cas-
tello do Outeiro, por nomeação do duque D.
Jaime.
— José de Mattos Cid.
É tenente coronel d'engenheiros, muito il-
lustrado e cavalheiro a toda a prova.
—Rodrigo de Sousa Tudella de Castilho,
da nobre casa de Vill^a, freguezia de Lou-
rosa.
V. pag. 1752, col. 1." supra, n.» 12.
Este valente militar e fidalgo distineto era
uma exeellente pessoa e prestou á cidade e
ao concelho de Viseu relevantes serviços no
calatniioso anno de 1828.
Na tarde de 17 de julho do dito anno en-
trou em Viseu uma numerosa guerrilha
commandada pelo dr. Francisco de Maga-
lhães Mascarenhas, o Solus altissimus de al-
cunha, por ser muito corpulento, então juiz
de fóra de Taboaço e terror da Beira.
Na marcha de Mangualde para Viseu, ter-
ra em que predominavam os liberaes, que
elle se propunha castigar saqueando e talvez
incendiando a cidade, como promellera, foi
adestrando a sua guerrilha com o saque e
i incêndio da casa da quinta de José Antonio
1834 VIS
VIS
da Silva, negociante, no sitio de Lava mãos,
perto de Viseu.
Ficou a cidade aterrada. Felizmente esta-
va eommandando o regimento de milicias de
Viseu o seu coronel Rodrigo de Sousa Tu-
della de Castilho que, apesar de ser lambem
realista, ficou indignado. Formou immedia-
tamente o seu regimento no terreiro das
freiras; dirigiu-se ao truculento juiz de fo-
ra e perguntou-lhe que vinha fazer a Viseu
com a tropa de seu commando.
' — Não tenho a dar-ihe explicações, mas
tão só e unicamente a el-rei D. Miguel I, —
respondeu o Solus altissimus.
Rodrigo Tudella apeou-se immediatamen-
te, sem lhe volver uma única palavra; en-
trou no estabelecimento comraercial mais
próximo, pertencente a Joaquim Manuel
Loureiro; ali mesmo escreveu ura oflQcio
que mandou entregar ao celebre juiz de fo-
ra, ordenando-lhe que deposesse immedia-
tamente as armas, tornando-o responsável
por todo e qualquer excesso que em Viseu
praticassem os seus guerrilhas nas casas em
que fossem abolelados— e que para tornar
effectiva a ordem, já tinha formado e prom-
pto o seu regimento de milicias.
Obedeceu o guerrilheiro e foi logo depôr
as armas no pateo do Collegio (antigo Semi-
nário) junto da Sé.
Toda a noite Rodrigo Tudella mandou pa-
trulhar a cidade por fortes piquetes; na ma-
nhã seguinte foi com todo o seu regimento
entregar as armas ao truculento juiz — com
o mesmo regimento o acompanhou e á sua
guerrilha até fora de portas — e Viseu não
soffreu coisa alguma, além do susto da ves.
pêra.
Toda a cidade exultou e nunca esqueceu
tão generoso e cavalheiroso procedimento^
pelo que Rodrigo Tudella^ mesmo depois da
convenção d' Évora Monte, foi sempre estima-
do e respeitado por gregos e troianos.
Um facto muito semelhante e não menos
honroso praticou n'aquelles tempos o tenen-
te coronel de voluntários realistas — Antonio
Ferreira da Silva — de Riodades. A muito
custo salvou a villa de Trovões, também
muite líber aly mas depois da convenção d" Évo-
ra Monte 08 habitantes de Trovões por gra-
tidão o penhoraram e confundiram e, ape-
sar de ter sido oíflcial realista,— nada, abso-
lutamente nada soffreu até que expirou
muito tranquillo na sua casa de Riodades
depois de i861.
Nós ainda o conhecemos e d'elle próprio
ouvimos a narração do facto,
V. Riodades e Trevões n'este diceionario e
no supplemento.
Pouco antes do assalto do juiz de fora de
Taboaço deu-se também na cidade de Viseu
um choque político insignificante, mas que
teve lamentosas consequências. Foi o tiro-
teio da ponte de Prime, em junho de 1828-
Tentando algumas forças populares rea-
listas entrar em Viseu e constando que já
estavam em Mangualde, certo numero de
constitucionaes visienses resolveram oppor-
se-lhes.
Achava- se então em Viseu José Joaquim
Semblano, capitão de infanteria com exercí-
cio de major do regimento de milicias,— al-
gumas praças de cavallaria e caçadores dos
batalhões n."' 7 e 9, que adheriram ao mo-
vimento constitucional. Juntos com bastan-
tes populares partiram de Viseu em som de
guerra no dia 5 de junho de 1828,— S.» feira
de Corpus Christi.
Encontraram-se as duas forças nas altu-
ras de Fagilde e principiou logo o tiroteio,
ficando morto dos constitucionaes Joaquim
Gonçalves,! caixeiro de Joaquim José Gon-
çalves Lima, negociante de pannos,— e feri-
do apenas o padre João d'Almeida Menezes
6 Vasconeellos, vulgo Padre João Côco.
Dos populares realistas julgo ser eomman-
dante Bernardo Mimoso Alpoim, de Linha-
res, que depois foi coronel dos voluntários
de Mangualde.
Durou apenas alguns momentos o tiroteio,
1 As ossadas d'este moço foram depois
trasladadas para o mausoléu onde repou-
sam nos claustros da Sé os que foram fusi-
lados em Viseu nos annos de 1832 e 1833,
como já dissemos.
VIS
VIS 1835
retrocedendo as forças realistas e recolhen-
do-se os constitueionaes a Viseu; mas por
causa d'este pequeno tiroteio muitos visien-
ses ficaram culpados na devassa de que foi
ministro o juiz de fóra dr. Francisco da
Costa Mimoso Alpoim e escrivão Manuel de
Sales Mendonça e Silva, dando áquelle tiro-
teio o nome de Fogo de Prime, posto que o
facto se deu um pouco alem da ponte de
Fagilde.
Outro facto bem simples e de mais dolo-
rosas consequências foi o seguinte:
Em novembro de 1836, estando aquartela-
do em Viseu o batalhão de caçadores 2, sen-
do general das armas da província da Beira
João Schw^albach— administrador geral Luiz
de Loureiro de Queiroz Cardoso Leilão, do
Couto, depois barão de Prime, — e juiz de
direito da comarca o dr. Joaquim d'Almeida
Novaes, constou que vários realistas anda-
vam alliciando soldados do dicto batalhão
em favor do seu partido.
O caso foi tomado a serio e empregaram-
se logo enérgicas medidas.
Na tempestuosa noite de 30 do dicto mez
partiu uma força de soldados com alguns
guardas naelonaes para diversos pontos dis-
tantes de Viseu; n'essa mesma noite mata-
ram dois realistas suspeitos, — e quasi em
seguida os guardas naeionaes mataram ou-
tros realistas, entre elles um infeliz que
prenderam, aíflançando lhe que nada soffre-
ria, por serem conhecidos e amigos d'elle;
mas a flnal bem perto de Viseu mataram-no
barbaramente e depois levaram o cadáver
em triumpho pelas ruas da cidade?!
Não satisfeitos aquelles canibaes com es-
tes e outros excessos, obrigaram o juiz de
direito a abrir devassa contra a suppostaal-
liciação; mas os depoimentos das testemu-
nhas, falsas ou verdadeiras, iam compromet-
tendo tantas pessoas, que o juiz, — honra lhe
seja! — para evitar maiores desgostos, sus-
pendeu a devassa e, se a ultimou, guardou a
6 levou- a comsigo quando foi nomeado juiz
da relação do Porto. F?.lleeeu na sua casa de
Nellas a 13 d'agosto de 1854.
Viseu não lhe deve menos gratidão do que
a Rodrigo de Sousa Tudella.
Calamitosos tempos?. . .i
Mais:
A divisão do general Silveira, marquez de
Chaves, tendo-se revolucionado contra o
partido da Carta em 1826, entrou em Viseu
pelo Natal do mesmo anno, praticando ex-
cessos e roubos nas casas de alguns consti-
tueionaes, nomeadamente na de José Antonio
da Silva, negociante, fronteira ao convento
de Jesus.
Depois de deixar Viseu, a divisão do ge-
neral Silveira foi seguida e batida pela dos
generaes Claudino e conde de Villa Flor em
Coruche, concelho d'Aguiar da Beira, no dia
9 de janeiro de 1827, e em seguida o ge-
neral Silveira emigrou cora bastantes offl-
ciaes para a Heapanha, d'onde regressou a
Portugal só depois que o infante D. Miguel
desembarcou em Lisboa no dia 22 de feve-
reiro de 1828.
V. Coruche, Canellas, Villa Real de Traz
os-Montes, vol. 11.° pag. 1029. col. 2.» in fine
e segg.
— Antonio de Campos, de Farminhão, co-
ronel de cavallaria, e seus 2 irmãos:
—Luiz de Campos, já fallecido, e
— João de Barros e Campos, capitães da
mesma arma de cavallaria.
V. pag. 1752, col. 2.» n.° 14 supra.
Acclamação d'el-rei D. João IV
Viseu foi uma das terras do nosso paiz
que mais soffreu durante o jugo filippino,
por se haver pronunciado em 1580 era favor
de D. Antonio, prior do Crato; foi por isso
também que recebeu e festejou cora grande
alvoroço a noticia da revolução de 1640 e
da acclamação d'el-rei D. João IV.
As grandes festas foram em resumo as
seguintes:
1 Veja-se o tópico supra— Segurança pu-
blica no districto de Viseu.
1836 VIS
VIS
«No dia 14 de dezembro de 16iO aeha-
vam-se reunidos na sessão ordinária os ve-
readores da camará de Viseu— Dr. Antonio
Botelho da Costa Homem, juiz pela Ordena-
ção, Adrião Barreto de Seixas, Manoel Fer-
rão Castello Branco, e o procurador Manuel
4a Costa Loureiro.^ Estavam despachando
negócios correntes, quando enirou o licen-
ciado Mánoel Carvalho da Silva, juiz de fo-
ra, servindo de corregedor da comarca, o
qual apresentou a seguinte carta que aca-
bava de receber do governador das justiças
da cidade do Porto:
tHoje dez do presente ás dez horas da
noite, chegou hum correio de Lisboa, e deo
nova carta de como el-rei D. João, a quem
Deos guarde, ficava já na dita cidade. Vos-
sas mercês o hão appelidar por nosso rei
natural, como nosso pae que nos vem a re-
unir, mandando fazer todas as festas e so-
lemnidades que merece e nós temos obriga-
ção de lhe fazer. . . Porto, 10 de dezembro
de 1640. Manoel de Sousa da Silva, Gover-
nador.»
A leitura d'esta carta impressionou sobre-
maneira os circumstantes, porque o negocio
€ra incerto e o evento perigoso... Neste
èstado de receios assentaram que o objecto
era de consideração! . . . e mandaram con-
vocar immediatamente a nobreza da cidade.
Reforçada a assembléa por este modo, e
instruídos os novos membros do que se pas-
sava, apoderou-se d'elles o mesmo espirito
de receio. . . ponderando um dos mais au-
ctorisados o seguinte:
«Que o negocio de que tratavam era in-
dubitavelmente de muita transcendência;...
que a cidade de Viseu era uma das mais
antigas e nobres de Portugal, e por isso lhe
deveriam ser brevemente enviadas as or-
dens e communicações do novo governo,
que se dizia já constituído era Lisboa; e que
finalmente n'aquelle dia tinha de chegar o
1 Vejam-se os 2 interessantes folhetins
publicados pelo cónego José d'01iveira Be-
rardo,—í/m capitulo de Viseu em 1640, — no
Liberal, de 5 e 9 de setembro de 1857.
correio ordinário da capital, e então hiave-
riam todos huma certeza, do que se podieria
obrar com tento e segurança.»
• Sendo com effeito este conselho miuito
prudente, e por ventura astucioso, e co3ndi-
zendo com a vontade e timidez da asíemlbléa,
assentaram unanimemente de não rormpe-
rem em demonstrações sem que chegassse a
carta d'el-rei D. João.
Estas deliberações tinham protrahiido a
sessão até ás 2 horas da tarde. Mas o jpovo
da cidade, que não entendia nada d'(estes
conselhos prudenciaes,. . . já instruído) pe-
los simples rumores que corriam, de te^r si-
do aeclamado em Lisboa o duque de Bra-
gança, levanta-se em massa tumultuossa e
como por instincto, pessoas d'ambo3 os* se-
xos, de todas as idades e condições, coirrem
aos paços do concelho situados juntío da
praça publica; huns trepam pelo pelcouri-
nho; sobem alguns ao campanário para tan-
ger o sino da cidade; e outros arremeíttem
pela sala da camará e casa das audienicias,
clamando em altas vozes: Viva o sr. D. João
IV, rei de Portugall. . .
Aqui expirou o rigoroso precato doss ho-
mens da governança. Levantara-se todo)s al-
voroçados, e correspondem áquellas wozes
do povo com tanta força e segurança, ccomo
se tivessem levado nVllas a iniciativa!
Veio logo o estandarte da cidade, e co ve-
reador mais velho, desenrolando-o na firente
de toda aquella comitiva, marcha diamte ao
meio do largo da praça, onde por longo tem-
po se repetiram as acclara&ções, as qjuaes
não terminaram sem que primeiro peireor-
ressem as ruas priueipaes da cidade co)m as
mesmas demonstrações de enihusiasrao).
O mesmo juiz e vereadores, para emi tu-
do satisfazerem ao povo, juotando-se sejguu-
da vez ao anoitecer, cursaram pelas ruías da
cidade, repetindo as acclamações, que {pare-
ciam não acabar. Tão grandes eram ass an-
ciãs de exhalar desejos por tanto tempio so-
pitados, mas não extinctosi . . .
«Com effeito ao 3.» dia, que foramo 19
' (aliás 17) de dezembro d*aqueUe anno (11640)
VIS
VIS 1837
chegou a Viseu hum correio, portador da
seguinte carta,... que foi lida em ca-
mará:
«Juiz, vereadores, e procurador da camará
da cidade de Viseu. Eu el-rei vos envio mui-
to saudar.
«Já havereis entendido a mercê, que
aprouve a Deos N. Senhor de me fazer na
restituição da corôa d'e8tes meus reinos, e
posto que de todos os vassallos e naturaes
d'elles, particularmente dos moradores d'e8-
sa cidade, tenho por certo que em confor-
midade do que esta cidade de Lisboa come-
çou, me havereis ahi de alevantar e accla-
mar por vosso rey e senhor natural, se por
ventura se tiver dilatado esta solemnidade,
vos encommendo e mando que logo a façaes
na forma costumada. . . Escripta em Lisboa,
a 10 de dezembro de 640. Rey.»
Feita a leitura, já os nossos homens não
quizeram demoras.
No mesmo dia foram convocados na casa
da camará, por notificação e ao chamamen-
to da campa tangida, muitos fidalgos e ca-
valheiros dos mais antigos e nobres, grande
numero de cidadãos e immenso povo, oííi-
ciaes de juptiça, juizes, jurados e quadri-
lheiros do termo da cidade; e bem assim os
2 mesteres da camará, e os 12 do povo com
o seu juiz, aos quaes todos fallou o corrigi-
dor da comarca nos termos seguintes:
«Senhores, já deveis de saber como o mui-
to alto e poderoso príncipe el-rei D. João o
IV, nosso senhor, que Deos guarde, foi ae-
clamado na cidade de Lisboa no 1.» de de-
zembro do presente anno; e ainda que S. M.
também o foi n'e8ta cidade de Viseu no dia
14 d'este mez;. . . eomtudo por isto se não
ter passado com aquella solemnidade, que
tão grande acto merecia,. . . por isso hoje
sois aqui convocados para o feliz aeereseen-
tamento de tamanha solemnidade. .. Eia
pois, senhores, vamos a coroar a obra da
nossa redempção!»
dez de Carvalho, * indo no meio de dois no-
bres e distinctos cavalheiros, que foram se-
guidos pelos vereadores ornados das suas
insígnias, e no centro de toda aquella nume-
rosa comitiva que os rodeava.
Era meio dia, e chegavam á porta da
egreja cathedral, onde o reverendo cabido
e clerezia (então estava a Sé vacante) os
aguardava de cruz levantada. Entraram to-
dos ao canto do hymno Te-Deum, e tendo
subido até á capella-mor, deram alli hum
juramento solemne de acelamarem por seu
rei natural e senhor que lhes vinha por man-
dado de Deos, ao muito alto e poderoso
príncipe el-rei D. João o IV. O alferes fez a
ceremonia costumada com o estandarte, e
descendo depois com os vereadores até á
boca da capella mòr, e no meio dos 2 men-
cionados cavalheiros, Antonio Rodrigues de
Figueiredo e Antonio Coelho de Campos,
este ultimo dirigio ao povo huma arenga
pathetiea, mais própria do seu patrio-
tismo e persuasão, do que de estudados
recursos ;
«Senhores (disse elle) esta acclamação de
S. M. he milagrosa; he hum acto da sua di-
vina justiça; he huma restituição que lhe he
feita d'estes reinos, que já estavam ha mui-
to tempo saudosos de não terem hum prín-
cipe poriuguezl. . .
Agora simi. . . agora sim, foi Deos servi-
do favorecer-nos, como a vassallos fieis que
somos, com este grande príncipe da nossa
nação e natureza!.. .»
E aqui, entrecortando-se-lhe as palavras,
começou o honrado cavalheiro a derramar
lagrimas de prazer.
O alferes da camará, arvorando o estan-
darte, 3 vezes o voltou, e outras tantas ex-
clamou o vereador mais velho;— i?ea?, Real,
pelo muito alto e poderoso principe D. João
o IV, rei de Portugall
«Sahio da cathedral esta grande comitiva
ao som de muitos repiques dos sinos, e co-
«Então sahindo os ofiQciaes mecânicos com
as suas bandeiras, tomou o estandarte da
cidade o alferes da camará Vasco Fernan-
VOLUMB XI
1 Tinha quasi o mesmo nome do celebre
pintor Grão MascoH. . .
116
1838 VIS
VIS
mo chegassem à praça publica os arcabuzei- i
ros, que alli se achavam formados com as
suas bandeiras e tambores, dispararam
huma grande salva. Repetio-se a ceremonia
do estandarte, como se fizera dentro da ca-
thedral. ao que a multidão do immenso po-
vo correspondeu com indisivel enthusiasmo:
— Viva el-reiD. João o IV Nosso Senhorl —
e seguiram-se os toques das charamellas e
trombetas.
De tarde percorreram as ruas da cidade
com estrondosas acclamações, e tendo-se
recolhido á eaza da camará, o senado de-
cretou 08 seguintes artigos:
1. °— Que todos os moradores da cidade
illumioassem as janellas das suas casas por
aquellas3 noites;
2. °— Que pelo espaço de 8 dias a nobreza
fizesse festas de cavallo;
3. °- Que se dessem corridas de touros, e
se fizessem danças, pélas, chacotas, e toda a
casta de regostjos pela feliz aeclamação de
el-rei;
4. °— Que no fim de tudo se desse parte ao
mesmo Senhor, como era mister.
Os regozijos e demonstrações de contenta-
mento não ficaram por aqui: a oppressão
fora prolongada, e grande devia ser o desa-
bafo.
No dia 23 de dezembro acharam-se reuni-
dos nos claustros da Sé o Corregidor da co-
marca, os vereadores, os mesteres da ca-
mará e muitos cidadão.s prineipaes, onde,
de combinação com o rev. cabido e minis-
tros ecclesiasticos do bispado, asseniaram:
— que no dia seguinte, que era domingo, 24
d'aquelle mez, se fizesse a Deos N. Senhor
huma festa em acção de graças, que se ex-
pozesse o Santíssimo Sacramento, e de tar-
de houvesse huma procissão pela grande
mercê que Deos fizera a estes reinos, e com
especialidade à cidade da Vizeu,. . . — e que
á dita funcção assistissem os ministros, ofíi-
ciaes da camará, o cabido e todos os eccle-
siasticos, como se costuma no sahimento de
Corpus Christi. Alem disto os vereadores
determinaram que em a noute daquelle dia
e na outra seguinte todas as janellas da ci-
dade estivessem illuminadas: e que no men-
cionado dia os mordomos dos ofiQeios me-
cânicos tivessem promptas as suas bandei-
ras, danças, festejos e cAaco/as; assim como
as pélas, trombetas, charamellas e tambores,
debaixo da pena de 30 dias de cadeiaU . . .
«Com efftíito no dia aprazado sahiram dos
paços do concelho o senado da camará, os
mesteres e muitos cidadãos, dirigindo-se to-
dos à eathedral, onde assistiram à solemos
funcção ecclesiastica, em que prégou o guar-
dião dos capuchos de S. Francisco d'Orgens
com a satisfação e aprazimento dos circums-
tantes. Pela tarde reuniram na mesma ea-
thedral, e então teve logar o 8ol«mne .«;ahi-
mento pelo modo seguinte:
Na frente de tudo marchavam os tange-
dores das charamellas e trombetas, concer-
tando huma ingrata harmonia (sic) segundo
seu talento e os costumes daquelle tempo.
Seguiam-se as folias, espécie de dança ou
coro de raparigas, tripudiando com vários
gestos e posturas para divertimento do vul-
go ignaro. Após estas vinham as chacotas^
que dançavam cantando varias lôas, de que
se riam e alegravam os auditores. Vinham
também as pélas, notável dança, que se com-
punha de meninos levados nos hombros d'ou-
trem, onde se contorneavam com varias mí-
micas extravagantes.
Apparecia de próximo a charola de S.
Jorge, defensor do reino, seguido de bastan-
tes cavallos d'estado ajaezados, onde os bor-
dados telizes mostravam ao povo nos bra-
zões muitas orelhas de mouros, que os ante-
passados de seus donos nunca cortaram. Após
desenroladas vinham as bandeiras dos oflS-
ciaes mecânicos com as pinturas dos santos
seus patronos; como era de ver no mester
dos sapateiros S. Crispim apontando ao po-
vo a curva e buida sovella na dextra mão
>
emquanto seu irmão Crispiniano ostentava
o duro bisegre luzidio.
Rematava esta espécie de avançada o al-
feres da camará, levando a bandeira de
S. M...
Então se estendia a fileira das cruzes das
freguezias, que eram seguidas pela corpora •
ção da confraria do Senhor, e apôs tiveram
cabimento os frades de S. Francisco d'Or-
VIS
VIS 1839
gens. Finalmente seguia-se a clerezia com
o cabido, e o palIio levado por 6 nobres ca-
valheiros, e no couce de tudo o senado da
camará.
«Quando o pallio se mostrou no adro da
cathedral (diz o alfarrábio municipal que
consultamos) a milícia das ordenanças, pos-
tada com firmeza e galhardia, atirou huma
grande salva dos negros arcabuzes, cujo fo-
go lhes fora communicado pelos morrões
accezos.
N'este Ínterim os sinos das egrejas resoa-
vam de maneira que aturdiam, e logo a mi-
lícia arcabiizeira, governada por barbudos
sargentos, por alferes e gordos capitães, ao
som dos tambores e charamellas,;.cercou em
duas alas o couce da procissão.
Assim caminharam pelas ruas destina-
das. . . até o remate com a entrada na ca-
thedral. Subiu então ao púlpito o dr. Manoel
d' Almeida Castello Branco, cónego na Sé de
Vizeu, onde fez hum douto sermão alludin-
do às semanas do propheta Daniel, dizendo:
ique foram outras tantas como os annos em
que o reino de Portugal esteve sugeito a
Castella; mas que pela acelamação de S. M.
sahiram os portuguezes do captiveiro.» Ain-
da que n'esta conta andava um erro de dez
annos, pouco importava para o assumpto...
• Concluída a funeção religiosa, o resto do
dia e a maior parte da noite passaram-se
nas encamisadas, género de festas que com-
prehendía as espécies de jogos denominados
cavallinhos, justas e torneios, em que os
homens a eavallo, e vestidos de certo modo,
brincavam entrecorrendo huns pelos outros,
batendo-se com fustes ou cannas.
Todos estes regozijes. . . foram participa-
dos a el-rei, que muito agradeceo, enviando
a carta seguinte:
«Juiz, vereadores. . . e povo da cidade de
Viseu: Eu el-rey vos envio muito saudar.
Vi a vossa carta de 20 do mez passado,
pela qual me destes conta da solemnidade
com que n'essa cidade se fizera a minha ac-
elamação, e as festas que depois d'isso se
seguiram, assim ao divino como ao humano,
o que tudo foi muito conforme á confiança
que de tão honrados cidadãos e leaes vas-
sallos tenho, ficando certo que com boa von-
tade folgareis de me ajudar a defender es-
tes reynos, que Deos N. Senhor foi servido
restituir-me para haver lugar de vos fazer
mercê. Escripta em Lisboa aos 6 de janeiro
de 1641. Rey.»
A isto se reduzem os 2 folhetins que o
sábio eonego extrahiu do alfarrábio da ca-
mará e que em verdade são um capitulo in-
teressante da historia de Viseu e bem mais
alegre do que alguns dos tópicos supra.
VISIENSES ILLUSTRES
PELA SUA POSIÇÃO SOCIAL
—Martim d' Almeida, dos Coutos — o Ve-
lho.
Foi caudel-mor.
— Martim Lourenço d' Almeida, pae do an-
tecedente.
Foi reposteiro-mor d'el-rei D. loão I.
— Pero Lourenço d' Almeida, irmão de
Martim d' Almeida, o Velho.
Foi o 1." almotacé-mor de PortugaL
Dial. 4.° de Botelho, cap. 28.
—Diogo Botelho da Costa, descendente do
famoso Cavalleiro de Samorim, João Nunes
da Costa.
Casou em Bejar, na Hespanha, com D.
Ignez de Artiaga e Souto Maior, filha de Ro-
drigo d'Arliaga, da ereação do duque d'a-
quella villa, e de D. Anna Souto -Maior, pa-
renta da duqueza, e tiveram entre outros fi-
lhos:
—D. Antonio Botelho, que succedeu na
casa de seu pae e em 1630 vivia em Viseu;
—D. Rodrigo d' Artiaga Souto-Maior^ que
foi thesoureiro-mor do México, de proprie-
dàde;
—D. Gaspar, e
—D. Alonso, que também viveram do
México, e
1840 VIS
VIS
— D. Francisco éTArtiaga, que pelos an-
nos de 1630 vivia no Peru.
Dial. 4° de Botelho, eap. 33.
— Gonçalo Pires Bandeira da Gama, se-
nhor da nobre casa e morgado dos Bandei-
ras de Torre-Deita.
Era descendente e representante do fa-
. moso Gonçalo Pires Bandeira, que na bata-
lha de Touro salvou a bandeira portugneza,
como jà dissemos no tópico dos Visienses
illustres pelas armas.
Nasceu na sua casa da Torre-Deita no dia
10 de dezembro de 1818, e ali falleceu no
dia 14 de julho de 1884, deixando vivas
saudades e um vaeuo profundo no concelho
de Viseu, pois era o modélo d'um Portugal
velho honradíssimo e cavalheiro a toda a
prova.
No Álbum Visiense pôde ver-se o seu re-
trato e a sua biographia. Por ser bastante
longa, d'ella faremos apenas um leve ex-
tracto:
«Era filho de D. Clara Luiza Bandeira da
Gama, da casa dos Coutos, e de Thomaz An-
tonio da Silva Gama, da quinta da Re-
guenga.
Manteve inalteráveis a consideração, o
prestigio 8 o respeito do seu antigo, rico e
nobilíssimo solar.
A grande fortuna, o elevado nascimento,
as excellentes qualidades e a figura gen-
til do fidalgo tornavam-no apto para os
mais importantes cargos, grangeando-lhe
sympalhias e captivando a attenção de todos
ã quem elle encantava com a sua affabili-
dade.
Nomearam-no commandante da guarda
nacional de Viseu, e n'estri cargo revelou
melhor o seu animo folgasão e os instinetos
de proteger toda a gente, do que a rigida
tempera do austero disciplinador.
Em 1853 elegeram-no presidente da ca-
mará municipal de Viseu.
acharam n'elle senão auxilio para o inces'
sante caminhar.
Durante a sua gerência municipal pro-
mulgou o í." código de posturas que teve o
concelho.
Mais tarde, nos annos de 1864 e 1865, tendo
sido eleito procurador á junta geral do dis-
tricto, occupou o logar de presidente d'esta
importante corporação
Foi eleito deputado ás cortes por indica-
ção do seu amigo do collegio o sr. Casal
Ribeiro,! nias não pôde tomar assento na
camará por motivos particulares.
Instaram-no repetidas vezes para acceitar
condecorações e títulos, etc, mas nunca po-
deram obler a sua aequiescencia
Um titulo único lhe era agradável:— o de
Morgado da Torre. É que esta designação
que o povo adoptou carinhosamente, e que
por longos annos guardara gravada no co-
ração, representava para Gonçalo Bandeira
a synthese de todos os affectos que mereceu,
de todas as altenções com qne os pobres
agradeciam à casa da Torre immensos favo-
res e benefieios
Rasgos generosos ninguém os tinha maio-
res do que o Morgado da Torre.
Quando se procedia aos estudos da estra-
da municipal de Viseu ao Valle de Bestei-
ros, offereceu gratuitamente as vastas expro-
priações das suas propriedades, reeommen-
dando com empenho — que desviassem o tra-
çado das terras dos visinhos, que com isso
se inquietassem, e o levassem pelas suas...
Grandes e pequenos so curvam deânte do
tumulo que nos esconde o amigo querido,
um grande coração, que deixou orphãos mi-
lhares de infelizes que n'elie achavam cer-
tos o seu remédio e conforto.»
Casou com a sr.» D, Cândida Carolina
Seabra Bandeira.
Olhou sempre para a frente, e os melho-
ramentos materiaes, o progresso, nunca
1 Hoje, 1888, é digno par do reino e nos-
so embaixador em Madrid, etc.
VIS
VIS 1841
— Luiz Galvão.
Casou com uma senhora dos Bandeiras da
Gama, da casa do Ladario—e «foi (diz Bo-
telho, seu contemporâneo Dial. 4." cap. 33)
o primeiro mantenedor (jogador) de mani-
lha, que houve em Viseu, e parles da Beira
em tempo do bispo D. João de Bragança»—
1599-1609.
— O rev. João Nunes da Cosia, filho de
Fernão Alvares Cardoso e de Brites Nunes.
Foi abbade da Lageosa — «o qual teve de
hua Filippa Alvares, ou Brites Alvares, mais
de vinte filhos ...» — diz Botelho, Dial. 4.»
cap. 34,— alguns dos quaes deram numerosa
descendência e oecuparam altas posições.
— Antonio d' Abreu de Mello, filho do cele-
bre cónego Pedro Gomes d'Abreu, sobrinho
do bispo D. João Gomes d'Abreu.
Foi pagem do brandão do príncipe D. João,
pae d'el-rei D. Sebastião.
Dial. 5.0 de Botelho, cap. 3."
— Adrião Barreto de Seixas e
— Manuel Ferrão Castello Branco.
Eram vereadores e estavam em sessão or-
dinária com o procurador da camará.
«
— Manuel da Costa d^ Loureiro, sob a pre-
sidência do juiz pela Ordenação D. Antonio
Botelho da Costa Homem, quandu entrou na
sala das sessões o licenciado Manuel Carvalho
da Silva, no dia 14 de dezembro de 1640, e
lhes apresentou uma carta que acabava de
receber do governador das justiças da cidade
do Porto, eommunieando-lhe a feliz nova da
revolução de 1 de dezembro do dicto anno e
da acelamação de D. "João IV, e mandando
que em Viseu se repelisse a mesma acela-
mação com todas as demonstrações pró-
prias.
Os illustres vereadores tilubiaram com re-
ceio, mas o povo os compelliu.
Veja-se o tópico supra: Acelamação d'el'
rei D. João IV.
— Vasco Fernandes de Carvalho.^
Em 1640 hasteou à bandeira de Viseu nas
festas da acelamação, pois era o alferes da
camará.
— Antonio Rodrigues de Figueiredo e
— Antonio Coelho de Campos.
Foram os 2 fidalgos visienses que tiveram
a honra de ladear o alferes da bandeira nas
pomposas festas da acelamação de D. João
IV, em 1640.
— O dr. Manuel d' Almeida Castello Branco.
Era cónego da Sé de Viseu em 1640 e
prégou com muito applauso nas festas da
acelamação.
V. o lopieo citado supra.
—José Ribeiro de Carvalho e Silva, nego-
ciante de grosso trato no império do Brazil,
primeiramente no Bio de Janeiro e depoi^
na província de Minas, onde se estabeleceu
e casou em Sant'Anna de Capivary.
Nasceu na cidade de Viseu em 1824 e fo-
ram seus paes Manuel Ribeiro de Carvalho
6 D. Maria José.
Como bom patriota jamais esqueceu a sua
terra natal. Nãe só veiu expressamente vi-
sital-a em 1880 e 1882, mas deixou largas
esmolas aos seus conterrâneos. Declarou-se
protector e bemfeilor do Asylo d'Infancia
desvalida e deu á Santa Casa da Misericór-
dia quantia suííieiente para com o seu juro
dar-se uma sopa económica durante 4 me-
ses por anno a 18 pessoas;— fundou e sub-
sidiou em Viseu uma escola nocturna pelo
methodo de João de Deus; subsidiou o pro-
fessor primário da Corga, onde nasceram
seus paes; deu 500^000 réis para ajuda de
uma bibliotheca popular na mesma aldeia —
e deu mais 100 volumes dos Colloquios aí-
1 Era quasi homonymo do celebre pintor
Vasco Fernandes— o Grão Vasco, de quem
faltaremos adiante.
Seriam parentes?
i842 VIS
VIS
deiões de Castilho para prémios dos alum-
nos.
Mais ainda.
Sabendo que em Viseu havia um caixeiro
pobre com rara vocação para desenho e pin-
tura, subsidiou- o para ir, como foi, para o
Porto, frequentar a Academia de Bellas Ar-
tes, e tanto aproveitou que já em 1884 a
1885 foi o director artistico do primoroso
Álbum Visiense, onde a pag. 17 a 19 se vê a
biographia do sr. José Ribeiro de Carvalho e
Silva — e o retrato do mesmo benemérito vi-
siense, desenhado pelo {dieto moço, que é
hoje um artista de merecimento,— José d' A/-
meida e Silva, do qual adiante fallaremos
no tópico Pintores.
— Antonio d' Almeida Totar.
Foi o ultimo senhor e representante da
nobre familia Almeidas da Calçada, hoje
Noronhas Faro e Menezes.
V. pag. 1728, col. 1.» n.° 2.
— Antonio de Albuquerque d' Amaral Car-
doso.
Foi o ultimo senhor e representante da
nobilíssima e riquíssima Casa do Arco.
V. pag. 1727, col. 2." n.» 1.
— João da Silva Mendes, rico negociante,
proprietário e capitalista.
Foi o tronco da nobre familia Silvas Men-
des.
V. pag. 1733, col. 2.» n.° 11.
—O conde de Santa Eulália, Antonio Au-
gusto de Mello Castro e Abreu.
Foi o ultimo senhor e representante da ri-
ca e nobre casa dos Mellos Castros de Viseu.
V. pag. 1737, col. 2.»
— D. Maria Cândida á* Almeida Vasconcel-
los de Mello Abreu e Carvalho.
Foi a ultima representante da nobre fa-
milia Almeidas e Vasconcellos de Mello e
Abreu, da casa e quinta de Santo Estevam.
V. pag. 1740, col. 1.»
— Luiz de Loureiro Queiroz Cardoso, 1."
visconde de Loureiro, filho único do 1.» ba-
rão de Prime.
Foi o ultimo senhor e representante da
opulenta casa de Prime, junto de Viseu, que
eomprehendia outras muitas.
V, pag. 1736, col. 2." n.» 12,— e 1752, col.
2.* n.» 15.
— Fernando d' Almeida e Silva Cerqueira
Lacerda Vasconcellos.
Nasceu a 18 de Março de 1779 e falleceu
em 18 de julho de 1868. Foi representante
de varias casas de Viseu, Amarante, Sam-
paio, etc.
Capitão de infanteria do antigo regimen-
to 11, fez a guerra peninsular; assistiu
ao combate do Bussaco, onde foi ferido. Foi
condecorado com a medalha das 4 compa-
nhas. Renunciou a vida militar e não fez
parte da expedição de Montevideu para ca-
sar com D. Maria Augusta Pinto Guedes de
Almeida Vasconcellos, da Casa de Santa
Eulália, no concelho de Cêa, senhora de
raras virtudes, fallecida em 23 de março
de 1870. Não houveram filhos e suecedeu
na casa, por disposição testamentária, a so-
brinha D. Eduarda Augusta Pereira Pinto
d'Almeida Vasconcellos Queiroz, casada
com Bento Queiroz Pinto Serpe de Mello,
morgado das casas de Favaios, S. João da
Carreira, Covello e Fundão, fallecido em 12
de janeiro de 1886. V. o tópico supra —
Familias nobres de Viseu na ac[ualidade>
parte I, n." 10, tit. Queirozes Pintos.
— Emygdio Julio de Navarro, actual mi-
nistro das obras publicas. Nasceu na rua do
Arco em 19 d'abril de 1844.
Ê filho legitimo de André Navarro, da ci-
dade d'Alicante, na Hespanha, e de D. Car-
lota Joaquina do Carmo Machado, natural da
Villa (hoje cidade) de Guimarães. É distin-
to escriptor publico, redactor das Novidades
e auctor do formoso livro—QuATRo biAs na
SERRA DA ESTRELLA, elc. Adiante volveremos
a fallar do sr. Emygdio Navarro no tópico
Estadistas.
VISIENSES NOTÁVEIS
PELAS SUAS VIRTUDES
— Padre Bernardo Pereira, jesuita e seu.
irmão
— Fr. Rodrigo de Jesus, da ordem do
Carmo.
V. pag. 1547, coL 1.» ín fine — e o tópica
VIS
VIS 1843
s\ipT3i— Visienses illustres pelas leítras, mas
não escnptores.
—Padre Antonio Leitão, o padre ladrão.
V. pag. 1618, eol. 2."
— Jeronymo Bravo, e sua mulher
—Isabel d^ Almeida, fundadores do 1."
hospital da Misericórdia.
V. pag. 1666, eol. 1."
— O dr. Belchior Loureiro, e sua 1.» mu-
lher
— Maria de Queiroz Castello Branco, fun-
dadores do convento de Jesus.
V. pag. 1661 col. 1."
—Simão Machado, e sua mulher
— D. Anna de Jesus Serpe.
Deram a sua casa e quinta de Santa
Christina aos congregados, para n'ella faze-
rem, como fizeram, o convento, hoje Semi-
nário diocesano.
V. pag. 1649, col 2.»
— Uma emparedada cujo nome se ignora.
D'ella faz menção Viterbo no Elucidário,
dizendo:— «Do Livro Velho dos Óbitos de Vi-
seu, a 5 de janeiro, consta que no anno de
1313 falleceu n'aquella cidade Margarida
Lourença, que deixou ao Cabido seis soldos,
impostos na sua càsa da Ribeira, que de
uma parle confrontava com a Emparedada-
E esta mui provavelmente foi a contempla-
da em um testamento de Maceiradão de
1307, no qual se acha esta verba:— Mawdo
aas Confrarias de Viseu cinqui soldos, e aa
Emparedada.
V. Inclusa n'este diccionario, tomo 3." pag
389, eol. 2.«
— A viscondessa de S. Caetano, generosa
protectora dos desvalidos.
V. pag. 1798, col. 1.»
— Gonçalo Pires Bandeira da Gama, ge-
neroso protector dos desvalidos também.
V. o tópico supra, — Visienses illustres
pela sua posição social.
—Dr. Antonio Luiz Dourado, medico dis-
tinctissimo e amantissimo da pobreza.
V. o tópico supra — Visienses illustres pe-
las lettras, mas não escriptores.
Estadistas
— Emygdio Julio Navarro, bacharel for-
mado em direito e actualmente ministro das
obras publicas, ete. etc.
D'elle jà flzpmos menção no fim do tópico
Yisienses illustres pela sua posição social.
Concluiu a formatura no dia 18 de junho
de 1859 e tem sido deputado ás cortes em
differenles legislaturas.
Casou em Coimbra com a ex.* sr.» D. Er-
nestina Cândida Lopes, filha do dr. Adriano
Lopes Guimarães e de D. Anna Justina Lo-
pes d'Andrade.
O sr. Emygdio Navarro é um talento de
1.» plana e orador distinctissimo,— e, apesar
de ser ainda muito novo, é um dos minis-
tros mais energieos e mais atilados que Por-
tugal tem tido até hojel Deixa o seu nome
vinculado a muitas e muito importantes
obras publicas: — vias férreas e estradas a
macadam; portos e docas; arborisação das
estradas, das dunas do litoral e das serras
da Estrella e do Gerez; albufeiras e canaes
de irrigação; escolas indusiriaes e agríco-
las, etc, etc —o que tudo a historia um dia
registará com louvor.
Visienses tristemente celebres
— João Ferrão de Castello Branco, filho
d'outro do mesmo nome e de D. Maria d'Al-
meida.
Antes de 1630 matou o seu irmão primo-
génito Manuel Ferrão de Castello Branco;
em seguida homisiou-se e nunca mais ap-
pareceu! . . .
Dial. í." de Botelho, eap. 26, pag. 343 no
códice de Girabolhos.
— João Gomes Pardello.
Assaltou e tentou incendiar em 14 d'agos
1844 VIS
VIS
to de 1641 o convento dos frades capuchos
de Santo Antonio de Maçorim, procurando
Luiz Ferrão para o matar.
V. pag. 1640, col. 1.»
— Domingos Lopes, de SO annos de idade
e viuvo.
Estuprou violentamente em sitio ermo
uma menina de 8 annos, deixando-a em mí-
sero estado, pelo que foi preso e enforcado
no Campo da Lã, em Lisboa, no dia 16 de
dezembro de 1745.
Mem. do Dr. Secco, pag. 343.
— Manoel Cardoso de Loureiro, fidalgo
dislincto, capitão-mór de Viseu, etc, e seu
filho do mesmo nome
—Manoel Cardoso de Loureiro.
Tornaram -se tristemente celebres e sof-
freram grandes trabalhos pelas suas aventu-
ras com as freiras benedictioas do convento
de Jesus nos fins do ultimo século.
V. pag. 1662, col. 2.»
— José Paulo Pereira de Carvalho, da no-
bre casa de Rebordinho em Lourosa da Te-
lha.
V. pag. 1751, n.° 10, col. 2.«
Foi coronel das milícias de Viseu e um
dos vogaes da celebre commissão mixta que
em 1832 e 1833 ordenou os fusiiamentos
politico» mencionados supra, pag. 1784, col.
l.' e segg.
— Francisco d' Almeida Vasconcellos, major
reformado.
Foi lambem um dos vogaes da celebre
commissão mixta.
Os outros vogaes eram de terras estra-
nhas e por isso os não mencionamos n'este
rol.
Artistas notáveis
—Luiz Antonio dos Santos, o engenheiro.
. Tendo sido um simples carpinteiro, che-
gou a ser organeiro distincto.
Foi elle quem fez em 1814 a 1819 o ma-
gestoso órgão actual da Sé.
V. pag. 1633, col. 1." i
I — Padre Antonio Duarte Moura, de quem
já fizemos menção no titulo Escriptores.
É também artista mechanico muito dis-
tincto e de aptidões variadas, musico e or-
ganeiro.
Em 1876 concertou admiravelmente o
grande e magestoso órgão da Sé, como já-
tinha concertado o da Misericórdia e ou-
tros,— e construiu um pequeno órgão de sala
muito engenhoso, inventado por elle.
Veja-se o tit. Músicos, infra.
— Manuel Duarte Moura, pae do antece-
dente.
Foi um bom relojoeiro.
— Gaspar Joaquim da Fonseca, esculptor.
Foi discípulo de Barros Laborão; traba-
lhava admiravelmente em pedra e madeira,
— e desde 1822 até que falleceu de 33 an-
nos, em Lisboa, foi ali ajudante do profes-
sor na aula de escuiptura.
Mem. de Francisco Mannel Correia, pag.
123.
— Manuel de Figueiredo, gravador.
Ainda este anno de 1888 gravou a meda-
lha de prata que os bombeiros voluntários
de Viseu mandaram fazer para recompen-
sar os actos heróicos da sua benemérita
corporação.
— Narctzo de Sousa Mello, enlalhador.
Foi este artista quem fez a obra d'enta-
Iha do magnifico órgão da Sé.
— João Gomes Pardello, serralheiro.
Foi mester da camará em 1641 e homem
audaz, agitador e perigoso, pelo que se tor-
nou tristemente celebre, como já dissemos
no lopieo antecedente.
—Raphael Carlos Pereira de Souza, de
quem já fizemos menção no tópico Escri-
ptores.
É um artista encyclopedieol
— José Lopes Grillo, de 59 annos de idade.
É bom esculptor e lambem pintor, sem
auxilio de mestre.
VIS
VIS 1845
—Bernardo Rodrigues Lourenço, da fre-
guezia de Travassos e cunhado do antece-
dente.
É bom escuiptor de imagens, distinguin-
do-se principalmente nas do Sagrado Cora-
ção de Jesus.
— José Monteiro Nellas, natural de Viseu.
Tem muita aptidão para esculptura e pin-
tura e promette ser um bom artista.
—Antonio José Pereira, nascido em 1820,
e professor de desenho no lyceu nacional
d'estâ cidade,
É in-igne na esculptura e principalmente
na pintura, a que se dedicou sem auxilio de
mestre. Conhece a escola de Grão Vasco,
como poucos. Pode dizer-se que nasceu
n'elia e n'ella se formou. São quadros seus,
alem d'outros, o da Geia no altar do SS. na
Sé e que foi o primeiro que fez; os dos al-
tares coUateraes da egreja da Misericórdia^
representando um as Dores e outro a visi-
tação da Virgem a Santa Isabel, e os de
muitos e vários bemteitores d'esta casa. Che-
fe de uma familiade rara habilidade, são obra
sua e de sua mulher e filhas um rico e bem
trabalhado reposteiro da egreja da Miseri-
,cordia, outro da dos Terceiros de S. Fran-
cisco e outro da egreja do Seminário, que
prima pela elegância e simplicidade da or-
namentação.
Também trabalha em oiro, prata, mar-
fim, etc.
D'esie illustre visiense volveremos a fallar
no tópico Pintores.
Mestres d' obras
— João Affonso, ferreiro de Fragosella.
Foi um insigne bemfeitor dos frades de
S. Francisco d'Orgens.
«As ciaustras fez Fr. Antonio de Buarcos
(diz Botelho) com ajuda da esmola que dei-
xou hum João Affonso, ferreiro de Fragosel-
la, como consta do letreiro, que está em
huma quina dos claustros, cuja virtude me-
rece esta memoria.!
Dial. 4.° cap. 32, pag. 369 no códice de
Girabolhos.
— David Alvares, pedreiro e mestre d'o-
bras.
Era o dono da quinta (hoje dos CardosQS
de S. Miguel) que os frades capuchos com-
praram em 1633 e onde viveram antes de
passarem para o convento de Santo Antonio
de Maçorim.
V. pag. 1658, col. 2.«
—Daniel Alvares, também pedreiro e mes-
tre d'obrâs, talvez pae do antecedente.
Viveu no tempo do bispo D. João Manuel ,
(1599-1609) e por ordem do mencionado
bispo e segundo a planta dada por elle, res-
taurou e fez de novo a capella de Santa
Martha no paço de Fontello e as 3 salas
contíguas.
Foi homem de fortuna e pae do dezem-
bargador João Saraiva de Carvalho, de
quem já fizemos menção.
V. pag. 1616, col. 2.»
— Manuel Ribeiro, carpinteiro.
Fez as obras de madeiramento do Hospi-
tal Novo da Misericórdia.
—V. pag. 1668, col. l.«i
—Francisco Lopes Peres, da freguezia de
Ranhados.
Foi um carpinteiro e mestre d'obras mui -
to intelligente.
— José Antonio Peres, sobrinho e sucees-
sor do antecedente, natural da mesma fre-
guezia e como elle carpinteiro e mestre de
obras.
Foi quem na restauração dirigiu as obras
de madeiramento no 3." andar do Seminá-
rio visiense, bem como as da sacristia e ba-
laustrada da escadaria, torreão da mes-
ma, etc.
V. pag. 1656, col. 2.»
1 As paredes do dicto hospital foram fei-
tas pelo pedreiro e mestre d'obras Jaeintho
de Mattos, de Villar de Besteiros, concelho
de Tondella, como também dissemos loc.
cit.
1846 VIS
VIS
— Seraphim Lourenço Simões, da freguezia
de Lordosa, pedreiro intelligentissimol
Foi elle quem restaurou o ultimo lanço
das celebres escadas do mesmo Seminário
e as escadas da capella mor, etc.
V. pag. 1656, col. 1.» e 2.»
MÚSICOS
— Manuel José Boto.
Foi mestre de capella na Sé de Viseu e
musico distincto.
— Manuel Boto Machado, filho do antece-
dente.
Foi organista da Sé com grande applauso
muitos annos, alé que falleceu em 17 de ja-
neiro de 1822. 1
«O seu engenho, como compositor de mu-
sica ecclesiaslica, é altestado pelas muitas
obras que deixou (diz Berardo) e que me- '
reeiam ser conhecidas e avaliadas dos en-
tendedores. Ê muito de admirar que este
homem, sem nunca ter viajado, nem se lhe
proporcionarem os meios de consultar os
grandes mestres, e ouvir as composições fa-
mosas, desenvolvesse tanta invenção, bom
gosto e propriedade. Não hesitamos de col-
local-o a par do exímio compositor D.Joa-
quim de Menezes e Athaide, que foi bispo
d'Elvas.«i
— Padre José d' Abreu Pessoa, mestre de
capella na Só de Viseu.
«Foi hábil na execução musical, e muito
erudito nas matérias da arte que professa-
va; comtudo as suas composições não pas-
saram da sufflciencia, e publicou uma Arte
de Canto Chão para uso dos alumnos do
Seminário episcopal de Viseu, impressa em
Lisboa em 1830.» É isto o que diz nas suas
Memorias o mesmo cónego Berardo.
1 Não cantaremos extra chornm dizendo
que nos primeiros 6 mezes do corrente an-
no de 1888 importámos 7:820 instrumentos
músicos e entre elles 433 pianos. '
Foi professor de canto-chão no Seminário
diocesano; era ura presbytero de exemplar
comportamento e falleceu de provecta ida-
de no dia 2 d'agosto de 1830.
Foi contemporâneo de Manoel Boto Ma-
chado, mencionado supra.
— Padre João Ribeiro d' Almeida Campos^
mestre da capella e depois cónego na Sé de
Lamego.
tFoi muito conhecido não só como hábil
executor de instrumentos, como por algu-
mas composições, que testificavam sua pe-
rícia e bom gosto.
«Publicou uns Elementos de Canto-Chão,
e outros Elementos de musica, obras rudi-
mentares para uso dos principiantes. Falle-
ceu no Porto em 1833.
Ê isto o que diz Berardo, mas lonocencio
apenas disse— que foi professor de canto no
seminário de Coimbra (?)— e que escrevera
os Elementos de Musica, destinados para uso
da aula do Paço episcopal de Coimbra (?).
Coimbra, na imprensa da Universidade, 8.»
de VIII— 92 pag. — com uma estampa. Tam-
bém disse constar-lhe que se matriculou no
1.» anno de direito na Universidade de Coim-
bra em 1783.
O sr. Brito Aranha em additamento, ci-
tando os Músicos portuguezes do sr. Joaquim
de Vasconcellos, diz que o nosso biographa-
do se formou effeelivamente em leis pela
Universidade de Coimbra, mas só com o no-
me de João Ribeiro d' Almeida, ao qual pos-
teriormente accrescentou o appelido Cam-
pos.
Nem lonoceneio nem o sr. Brito Aranha
dizem que o nosso biographado foi mestre
da capella e depois cónego na Sé de Lame-
go, com diz Berardo;— nem Berardo o men-
ciona como dr. ou bacharel, mas não pôde
duvidar-se de que se formou em Coimbra,
porque temos sobre a nossa mesa de estudo
os seus t Elementos de Cantochão offereeidos
a Saa Alteza Real o Sereníssimo Senhor D.
João Príncipe Regente, por João Ribeiro de
Almeida Campos, Presbytero Secular, Bacha-
rel formado em leis pela Universidade de
Coimbra, Mestre de Capella da Cathedral de
Lamego, professor e examinador de Canto-
VIS
VIS 1847
chão no mesmo bispado. Destinados para
uso do novo Seminário de J. M. A.^ Lisboa,
anno de MDCCC 8.° de 71 foi.
Também aliunde soubemos o seguinte:
Era muito illuslrado e foi muito estima-
do pelo bispo de Lamego D. João Binet Pin-
cio, que o formou e lhe deu o canonieato,
em Lamego. Teve ali 4 filhos, sendo 2 va-
rões, dos quaes formou um em medicina,—
outro foi capitão de infanteria e um dos
presos politicos da praça d'Almeida em 1828
a 1834. Das filhas uma foi freira de habito
branco.
Pelos annos de 1829, sendo perseguido co-
mo liberal, emigrou com o filho medico; re-
gressaram com o sr. D. Pedro em 1832 ao
Porto, onde foi proviíor ou governador do
bispado, e alli falleeeu em 1833.
Tocava toda a casta de instrumentos e era
muito excêntrico! Um bello dia ao sair da
sua casa ao fundo da rua da Olaria, em
Lamego, deparou com um amigo:
—Para onde vaes?— perguntou-lhe o có-
nego.
— Viajar para a França.
—Espera, que eu vou comtigo. E passa-
dos poucos momentos partiu com elle para
França e por lá andou viajando alguns me-
zes.
— D. Maria do Ceo da Silva Mendes, já
mencionada supra, no tópico das Senhoras
mais notavei*, filhas de Viseu.
É considerada por todos como 1.» pianis-
ta da Beira.
— Antonio d^ Almeida Duque.
Foi distincto professor de piano.
Pôde ver-se o seu retrato e a sua biogra-
phia no Álbum Visiense, pag. 73. Seja-nos
licito copiar d'ella apenas as primeiras li-
nhas:
«Publicamos hoje o retrato d'e8te nosso
patrício.
1 Jesus Maria e Anna é o titulo do Semi-
nário de Lamego,
O Álbum Visiense destinou -se a ser uma
galeria de homens illustres d'esta terra.
O que hoje apresentamos foi incontesta-
velmente um homem illustre.
Teve a nobreza do trabalho, porque tra-
balhou, indefesso, desde a infância.
Teve a nobreza da probidade, e nunca
foi excedido n'esta virtude.
Teve a nobreza do talento, porque foi um
insigne pianista, um perfeito musico, um
ensinador proficiente e consciencioso...»
Nasceu em 5 de março de 1835 na rua da
Regueira, na casa das Bocas, e falleeeu a
10 de setembro de 1883 na casa da Bica,
edificada por elle na rua de D. Luiz em Vi-
seu.
— José d' Oliveira Berardo, o sábio cónego,
de quem já fizemos menção no tit. Escripto-
res.
Foi distincto amador e profundo entende-
dor de musica, e no Liberal àe Viseu (n.0 5
de 20 de maio de 1837) publicou sob o tit.
Artistas portuguezes^ uma extensa lista
chronologica dos nossos músicos escriptores
— e outra dos compositores,''^ precedidas de
uma interessante introdueção histórica.
—Padre Antonio Duarte Moura, filho do
relojoeiro visiense Manuel Duarte Moura.
É homem muito illuslrado, muito sympa-
thico e de variadíssimas aptidões: distincto
1 Sob o mesmo tit. e no mesmo jornal
(n.» 2 de 9 de maio do dito auno) havia fal-
lado dos nossos artistas gravadores^ pintores
e calligraphos. Depois lambem fallou parti-
cularmente de Grão Vasco nos n."» 52 e 85
do mesmo jornal, dedicando-ihe dois longos
artigos, muito interessantes.
2*N'esia8 2 listas ha grandes lacunas e in-
exactidões.
O trabalho até hoje mais completo e de
mais merecimento sobre o assumpto é o do
sr. Joaquim de Vasconcelios, publicado sob
o tit. — Músicos portuguezes, em 2 grossos
volumes,— e sabemos que se dispõe a dar
ao prelo ura 3.» volump, acerescentando mais
de 300 nomes, colligidos nos seus aturados
estudos de 18 annos — ou desde 1870, data
I em que publicou os seus Músicos.
1848 VIS
VIS
eseriptor publico e afamado polemista; mu-
sico notável theorico e pratico— e artista de
raro engenho para a mecânica.
No Álbum Visiense pode também vêr-se o
seu retrato e a sua biographia, primorosa-
mente eseripla pelo sr. Joaquim Augusto de
Oliveira Mascarenhas, distincto official do
nosso exercito e auetor do Portugal e Pos-
sessões.
Não podemos resistir á tentação de copiar
d'ellâ algumas linhas:
«Semi-pallido, alto e aprumado como um
mameluco, olhos rasgados e coruseantes co-
mo os d'um giíano; nem feio como Ades ou
Caronte, nem bello como as bellas eseulptu-
ras de Lysipo ou d'Agesandro.
Ás vezes tem as expansões francas, pue-
ris, espontâneas, simplicíssimas d'um com-
pleto beirão d'outros tempos, e é então amá-
vel até o extremo e obsequiador até á im-
portunidade; outras vezes concentrado, ca-
bisbaixo, nervoso,— cora o seu enorme cha-
péu braguez carregado até os supercilios, —
corrupiaodo a bengala com a habilidade de
um tambor-mór francez — e, se responde aos
cumprimentos verbaes de qualquer amigo
que se lhe abeira, é com uns monossylla-
bos quasi insonoros e vagarosamente. . . ga-
guejados.
Depois desata a rir, a rir, a rir, e a bor-
rasca passou.
Como homem de lettras, o padre Moura
ascende a uma plana reconhecidamente su-
perior.
Em i867 publicou elle na Gazeta da Bei-
ra a substanciosa serie d'artigos intitulada
— Dissonâncias na harmonia social, — que
lhe valeu honrosissima dislineção como phi-
losopho e litterato Em 1870, de camarada-
gem cora outros escriptores visienses, criou
a Atalaya, jornal politico e religioso, onde
elle, com a acrimonia própria do seu génio,
discutiu com o laureado jornalista Sousa
Monteiro, do Bem Publico, de Lisboa; cora
o saudoso João da Silva Mendes, do Jornal
de Viseu; com o Diário da Tarde, do Porto;
com a Nação; Catholico; Bejense;" Indepen-
dência, d'Elva8; Direito; Correspondência de
Coimbra, e outras folhas conhecidas
Em 1878 tomou conta da redacção do
Observador, escrevendo consecutivamente
n'este periódico muitos e valiosos artigos so-
bre religião, politica, phylosophia e bellas-
artes, sobresahindo os que se intitulam—
Reformas e reformadores; Catholicismo e
forma de governo; O homem e o macaco;
Musica religiosa; Sócrates e Christo, ele. etc.
«Como musico, depois de ter concluído a
sua escola com o distincto professor Rober-
to Palomino, e ainda após ulteriores estudos
sobre harmonia e contraponto,... começou
a dar á publicidade varias musicas sacras e
profanas, entre as quaes teera logar distin-
cto tres missas sobejamente conhecidas.
Uma d estas composições, que, segundo o
testemunho dos mestres, honra a arte e
prestigia o auctor, foi escripta em 1866....
Em 1882 escreveu expressamente um Te-
Deum, que foi executado na Sé de Vizeu,
por oecasião da visita dos nossos reis e seus
filhos.
Para o theatro escreveu em 1882 a ope-
reta cómica Dote de meu tio, que em duas
ou tres recitas que teve, foi ruidosamente
applaudida.
Entre as suas ultimas composições tem
logar avantajado aquella marcha fúnebre
que ha poucos mezes (refere-se ao anno de
1884) ouvimos á banda de infanteria n.° 14,
por oecasião das procissões de Passos e da
Semana Santa.
Como theorico escreveu em 1873 um li-
vro intitulado— SoÍMfão de grandes proble-
mas musicaes, baseada na philosophia, na
historia e na litteratura da arte. Esta famo-
sa producção seientifica, que um critico da
capital classificou de documento grandioso,
conserva-se ainda inédita, por mercê da re-
voltante modéstia do seu auctorUl
Alem d'esta obra tem escripto e publicado
outras egualmente theoricas, taes como um
Tratado de harmonia e acompanhamento, —
Lições de musica elementar, etc. etc.
VIS
VIS 184
íO meu primeiro brazão (disse-nos An-
tonio de Moura) é o d'artista mechanico.
Ufano-me d'isso. O í7'abalho do braço, prc-
scripto por Deus, foi-me sempre distracção
e alivio.
Se como maestro e litterato o nosso talen-
toso biographado é o que fica dito, como ar-
tista mechanico não é menos babil e justa-
mente apreciado.
Nascido em Viseu a 31 de março de 1843,
dislinara-o seu faliecido pae — o honrado
e laboriosissimo relojoeiro— Manoel Duarte
Moura, — a seguir a sua arte, para a qual
manifestou em pouco tempo uma decidida
tendência, bem como para outros géneros
meebanicos
Passados poucos annos era o nosso bio-
graphado ura artista completo. Mas o velho
Manoel Duarte teve uma ideia, que pouco a
pouco se converteu n'um facto: Fazer orde-
nar o rapaz, que, por aquelles tempos, já ti-
nha os exames de portuguez e francez.
E nem as supplieas do filho, que lhe aífir-
mava que a sua vocação não era para a vi-
da sacerdotal, mas sim para as artes; nem
as petiçues que os amigos lhe faziam a toda
a hora, nem considerações algumas obriga-
ram o bom velho a desistir do seu propó-
sito.
Em 1859 o honrado velho ajoelhava no
templo aos pés do filho com a face inunda-
da de lagrimas de prazer, e beijava a mão
do novo leviía, que dizia então a sua pri-
meira missa, saerifiCMndo assim ao amor Q-
lial as áureas illusò-^s da mocidade e até —
talvez— as flores mais queridas da sua alma.
Durante o curso do lyceu e, mais tarde,
durante as aulas theologicas, dedicou-se
sempre ora á musica, ora à mechanica.
Em 1872 engenhou elle um machinismo
complicado— um tdegrapho muito notável,
que os seus amigos applaudiram e viram
funccionar.
Mais tarde modificou um outro tflegra- j
pho atmospherieo, de invenção franceza... I
construindo em seguida um outro que ain-
da hoje possua.
Em 1876 foi convidado pela direcção das
obras publicas de Viseu para compor o
grande e magestoso órgão da Só, conseguin-
do deixal-o bom, como já havia deixado ou-
tros, entre elles o da Misericórdia, que en-
contràra n'um estado miserável, sendo certo
que differentes organeiros de Lisboa o não
poderam concertar.
Em 1879 construiu um órgão de sala,
portátil, originalíssimo,— rfe invenção sua — ,
um instrumento de eíTeitos maravilhosos e
do um mechanismo complicado, o qual pos-
sue palhetas, tubos metálicos e de madeira,
laminas de cristal e uns timbres novos d'um
eífeito suavíssimo.
E' um modelo.
Setembro, 1884.
Oliveira Mascarenhas.»
Concluiremos dizendo que no mesmo Ál-
bum, pag. 37, se encontram duas lithogra-
phias representando o dicto órgão — e uma
minuciosa descripção d'elle, cujo acabamen-
to lhe custou dois asnos de trabalho assí-
duo.
É um instrumento original, que n'outro
paiz de mais recursos faria a gloria e a for-
tuna do seu inventor e coostructor.
Pintores
— Vasco Fernandes, o Grão Vasco, as-
sombro dos pintores de Portugal e de Viseu.
D'elle fallaremos adiante em tópico espe-
cial.
— José d'Almeida Furtado.
Nasceu na pátria de D. Duarte era 1778 e
ali falleceu em 9 de setembro de 1831, vi-
ctima das perseguições politicas d'aquelle
tempo.i
1 Foi perseguido como liberal e viveu ho-
misiado 3 annos (1828-1831) com o que ar-
ruinou a saúde e encurtou a existência. Sof-
freu muito, posto que era uma exeellente
pessoa e havia pintado um grande retrato de
! D. Miguel para as festas e lUurainações que
1 em Viseu se fizeram em 1828.
1850 VIS
VIS
Sendo ainda muito novo e tendo rara vo-
cação para desenho, partiu para Lisboa, on-
de foi alumno da escola do Nei e recebeu li-
ções do afamado Sequeira.
«Foi exeellente retratista, como ainda ho-
je podem attestar alguns retratos confronta-
dos com os originaes, e o voto dos intelli-
gentes o abona como hum dos primeiros
pintores portuguezes em miniatura*— iiz Be-
rardo na Memoria que oífereceu á camará
de Viseu em 1838,
Fez o painel de Nossa Senhora para a
tribuna da egreja da Misericórdia d'aquella
cidade, painel espaçoso, onde se vê cercada
de serafins a imagem de Nossa Senhora em
tamanho alem do natural.
Também pintou muitas bandeiras para
diversas irmandades e confrarias de Viseu
e seus arrabaldes, sobresaindo entre ellas
uma de Nossa Senhora da Conceição e ou-
tra de S. Pedro da Eseulea; mas a sua espe-
cialidade eram retratos em miniatura, como
ao tempo, na falta de photographias, se usa-
vam para enviar em cartas e para trazer em
collares e medalhas.
N'aquelle género de pintura fez muitos re-
tratos não fò para os portuguezes seus pa-
trícios, mas para os oflieiaes estrangeiros —
hespanhoes e francezes— que n'aquelle tem-
po vieram a Portugal e Viseu, retratos que
mesmo na Hespanha e na França eram vis-
tos com assombro, pelo que foi instado para
ir estabelecer-se em Madrid ou Paris, mas,
não tendo forças para se afastar tanto de Vi-
seu, foi estabelecer-se em Salamanca, onde
trabalhou muito para os hespanhoes e fran-
cezes e ali casou em 1811 com D. Maria do
Loreto Araezqueta d' Almeida Furtado, se-
nhora de raras prendas, da qual teve os 8
filhos seguintes:
1. ' Thadeu Maria d' Almeida Furtado, cava-
lheiro estimabilissimo, ainda hoje (1888) sol-
teiro e residente no Porto, onde vive des-
de 1834 e é professor jubilado de desenho
6 secretario da Academia de Bellas Artes.
2. » D. Maria das Dores d' Almeida Furtado,
que falleceu solteira.
Foi também pintora insigne em miniatu-
ra e ha d'ella muitos retratos em Viseu e no
Porto.
3.» José d' Almeida Furtado.
Desenhava muito bem. Foi professor de
portuguez, francez, musica e desenho no Ma -
ranhão, d'onde passou para S. Paulo e d'ali
para o Rio de Janeiro, não havendo até hoje
mais noticias d'ellel . . .
L" Francisco d' Almeida Furtado.
Foi escrivão dos direitos eveniuaes na re-
partição de fazenda, no Porto, onde morreu
solteiro.
Todos estes 4 nasceram em Salamanca;
os 4 restantes nasceram em Viseu.
5. " D. Eugenia d" Almeida Furtado, que fal-
leceu solteira.
Também desenhava e pintava.
6. " D. Dorolhêa d' Almeida Furtado, que
também falleceu solteira.
Foi académica de mérito pela Academia
portuense de Bellas Artes, pois pintava admi-
ravelmente em miniatura.
7. ° D. lioza d' Almeida Furtado, ainda sol-
teira e residente no Porto.
Desenha multo bem.
8. " D. Francisca d' Almeida Furtado, ainda
solteira e também residente no Porto com
os seus dois irmãos Thadeu e D. Roza.
Ê uma senhora illustradissima e dis-
tinctissiraa pintora de miniatura também,
pelo que obteve da Academia portuense de
Bellas Artes o diploma de académica de mé-
rito.
Tem pintado muito e entre as suas pro-
ducções uma das mais notáveis é a minia-
tura do. sr. conde de Samodães, miniatura
que offereceu á Academia portuense de Bellas
Artes como signal de gratidão pelos relevan-
tes serviços que o sr. conde tem prestado à
mesma academia, como seu desvelado ins-
pector, pois a elle se deve o termos sempre
estudando pintura em Paris á custa do nos-
so governo 2 alumnos da mencionada aca-
demia, e pelos seus esforços elevou a dota-
ção d'ella ao dobro, etc. etc.
O dito retrato é na opinião de pessoas
competentes um assombro de verdade e ni-
tidez,—uma das miniaturas mais primorosas
que se conhecem em Portugal!. . .
Fecharemos este tópico dizendo que o
único mestre da dita senhora e de todos os
seus irmãos e irmãs foi o seu bondoso e
VIS
VIS 1851
muito illustrado irmão maia velho— Thadeu
Maria d'Almeida Furtado.
Prosigamos.
—Antonio José Pereira, de quem já fize-
mos menção supra no fim do tópico — Artis-
tas notáveis.
Tem raro talento e pinta bera, sendo para
lamentar que nunca tivesse mestres, nem
saísse de Viseu. Isto mesmo notou com ma-
gna o conde Raczinski, diplomata prussiano.
quando foi a Viseu, pelo que muito genero-
samente o convidou para ir á custa d'elle
conde, estudar desenho e pintura nas gran-
des escolas da Itália, de Paris ou da Aile-
manha, fineza que não acceitou, por haver
casado recentemente e não poder levar com-
sigo a esposa nem ter coragem para sepa-
rar-se d'ella.
Foram seus paes Antonio José Pereira
Soares Guimarães^ oriundo da província do
Minho, e Maria Barbara, de Viseu, 2.» do
nome, pois foi casado duas vezes e ambas as
mulheres tinham o mesmo nome.
Casou no dia 31 d'agosto de 1839 com
Rosa Carolina, filha de Joaquim Lopes e An-
tónia Maria, de S. João de Lourosa.
Teve entre outros filhos os seguintes: An-
tonio José Pereira, padre e beneficiado na
Sé de Viseu, e José Augusto Pereira, que
frequenta o quarto anno da faculdade de di-
reito na universidade de Coimbra, o que é
para lamentar, porque tem um talento as-
sombroso e pronunciada aptidão para de-
senho e pintura.
Ambos desenham e pintam, assim como
um outro que ha pouco falleceu, por nome
Luiz, que a julgar pelos primorosos speci-
mens que deixou e que são património da
familia, viria a ser um verdadeiro assombro
da arte.
— Antonio José Ferreira, de Ranhados. Foi
também pintor e dourador e morreu d'idade
avançada. Dourou a tribuna do altar-mor da
egreja da Misericórdia.
Assistiu ao combate do Bussaco sendo im-
pedido do exercito anglo-luso, e contava va-
rias peripécias engraçadas, como a de um
bombo que, destacando-se do alto da monta-
nha, veiu rolando até ao valle com grande
confusão dos soldados do exercito inimigo,
que, não sabendo explicar o caso nem tendo
coragem para indagar, voltavam costas a to-
da a pressa como se o bombo fosse uma
metralhadora.
Deixou dois filhos com a mesma profissão:
José, já fallecido, e Francisco, que casou em
Valle d' Azares, concelho de Celorico da
Beira.
—José d' Almeida e Silva, de quem já fi-
zemos menção supra, pag. 16iO, col. 2.» — e
no tópico dos Visienses illuslres pela sua po-
sição social, na biographia do sr. José Ri-
beiro de Carvalho.
Nasceu no dia 12 de novembro de 1864 —
e foram seus paes José d'Almeida e Silva e
D. Maria Leonor.
Vive no Porto, onde já frequentou o cur-
so de 5 annos de desenho na Academia de
Bellas Artes e os 3 primeiros annos (faltam-
Ihe apenas 2) do curso de pintura histórica,
ficando sempre distincto, pelo que lhe agou-
ramos o mais lisongeiro futurol . . .
Emprega as suas horas d'oeio actualmen-
te trabalhando no Charivari, jornal illus-
trado que se publica no Porto.
É uma exeellente pessoa,-- -muito modes-
to, muito sympathico, muito intelligente,
muito amigo da sua terra natal e muito tra-
balhador.
Já vimos diíTerentes estudos seus, que re-
velam grande talento e pronunciada voca-
ção para desenho e pintura — e os seus pró-
prios mestres o elogiam.
— José Lopes Grillo e
— José Monteiro Nellas. »
Também pintam e d'elle3 já fizemos men-
ção supra no tópico dos Esculptores.
— Narciso Pereira Cabral.
Sendo ainda creança, perdeu o braço di-
reito, mas tal vocação tinha para desenho,
que tirava retratos á penna, pelo que o sr.
D. José Dias Correia de Carvalho, bispo
actual de Viseu, e outros bondosos cavalhei-
ros mandaram o pobre maneta estudar de-
1852 VIS
VIS
senho e pintura na Academia de Bellas Ar-
tes, em Lisboa, onde ja fez exame do 3.» an-
no de desenho.
É muito intelligente e tem grande apti-
dão para desenho e pintura— e particular-
mente para gravura.
O pobre mocinho, — tão pobre, que não
conheceu pae nem mãe, pois é engeiíado,
exposto da roda de Viseu, e já foi alumno
do Asylo d' Infância Desvalida d'aquella ci-
dade,—se Deus lhe prolongar a existência e
os seus protectores o não abandonarem, ha-
de ser um grande artisfal. . .
Foi exposto na roda de Viseu em 19 de
novembro de 1867 e entrou para o asylo em
20 d'abril de 1875. Fez exame d'admisi«ão
aos lyceus em maio d'aquelle mesmo anno
esahiu para Lisboa em 9 d'outubro de 188V
— Estevam Gonçalves Neto, abbade de
Serem e cónego de Viseu, ele. auclor do
esplendido missal bom conhecido i^or Missal i
de Estevam Gonçalves.
V. Serem, vol. 9.» pag. 1S2, eoi. 1.»
Posto que se ignora ainda hoje a natura-
lidade d'e8te grande pintor, não se estranhe
o mencionarmol-o aqui, porque viveu mui-
tos annos na pátria de D. Duarte e n'ella,
segundo se suppõe, escreveu e pintou o fa-
moso Missal. Ao que de um e outro se lê no
citado artigo, veja-se o que no seu n.° 126
disse o Districto de Viseu em 20 de janeiro
de 1881:
«Tem estado n'e9ta cidade um empregado
dos srs. Cruz & C." que em Lisboa repre-
sentam a casa Maciá & G.« de Paris, editora
do Missal Portuguez de Estevam Gonçalves
Netto.
• Vem encarregado de diligenciar a ven-
da d'algUDS pxnmplares d'aquella primo,
rosa obra, a qual, sendo um monumen-
to ariistieo de grande preço, tem pa-
ra nós os visienses o mérito particular de
ter sido feita, segando se julga^ aqui, em
Viseu . . .
«Vimos ura exemplar d'este primor de il-
luminura, tirado em França pelos processos
cromo liihographicos do original existente
na Academia R. das Sei. de Lisboa e ali co-
piado com auetorisação do governo por uma
I commissão d'arli8tas expressamente vindos
de Paris. . .
«A critica exercida sobre este trabalho ê
accorde em asseverar que a reproducção é
um fac-simile perfeitíssimo. . .
«O Missal do cónego visiense, trabalho
feito à penna e pincel... é o documento
mais singular da perfeição que attingiu a
arte de illuminura no sec. xvii. As vitrines
das bibliothecas, nem os museus archeologi-
cos de bellas letras offerecem trabalho mais
primoroso no género, nem exemplo de tan-
ta paciência aliada a tamanho talento.— Os
quadros são do mais correcto desenho edo
mais bello colorido e disposição. As figuras
fazem lembrar algumas que já vimos nos
quadros attribuidos a Grão Vasco. .
«O custo de cada exemplar é de llfillOOO
réis... 2
«A imprensa deu um golpe fatal na arte
que tanto floresceu na idade media e foi uma
das mais rendosas industrias dos copistas
anteriores ao sec. xv. Por isso mesmo que
essa arte decaiu, maior attenção merecem
os productos que deixou e que hoje são ra-
ros, porque o tempo consumiu a maior par-
te d'elles. Graças à chromo lithographia, os
monumentos condemnados aos estragos do
1 O estylo é muito diíTerente.
P. A. Ferreira.
2 O da Bibliotheca Municipal do Porto
custou o seguinte;
Cadernetas 12 a 7^oOO 90^000
Introdueção francesa por Ferdi-
nand Denis 7^000
Traducção da mesma em portu-
guez por Mendes Leal, e notas
do traducior 7^300
Pastas para encadernação, ricas e
luxuosas, duas __S^0
Somma 110^240
A publicação terminou em 1880, havendo
consumido annos.
P. A. Ferreira.
VIS
VIS 1853
rempo perpeluam-se pela reproducção e
UDiversalisam-se admiravelmente, tornando
se mai3 accessiveis por mais baratos.
«Estas palavras foram-nos suggeridas pelo
exame do Missal de Estevam Gonçalves,
obra duplamente valiosa para Viseu, pplo
muito que vale eomo trabalho artístico e
por ser executada n'esla cidade por um
cónego d'esta Sé, que á semelhança de João
de Barros e Grão Vasco, honrando se a si,
muito honrou a terra onde viveu e a arte
sublima qne tão magistralmente profes-
sou...»
Agora alguns traços biographicos escri-
ptos em 1815 pelo celebre pintor e litierato
José da Cunha Taborda:
tDe Estevam Gonçalves Netto"podémos
descobrir fora capellào do bispo de Viseu
D. João Manoel, e provido por elle a 8 d'ou-
tubro de 1622, no canonicato d'aquella Sé,
vago por morte de Christovam de Mesquita,
de que tomou posse a 9 do mesmo mez e
anno. Ignoramos a sua filiação e naturali-
dade. Presumimos terem sido victimas do
incêndio, que soffreu o cartório do cabido
d'aquella cidade em 1711, estando na quin.
ta de Foniello, os documentos respectivos à
sua ordenação, os quaes deveria ter apre-
sentado no acto da collação, para serem au-
tuados segundo já o costume d'aquelle tem-
po; a não haver dispensa do Prelado, como
a seu familiar. É porem indubitável, e mui-
to digno de louvar-se o grande génio e su-
blimes idéas com que desempenhou varias
obras, por onde nos merece hoje não só a
nossa admiração e respeito, mas alé o nome
de pintor sublime.
«Na livraria do Convento de Jesus d'esla
corte, deposito de muitas preciosidades, se
conserva em muita estimação um Missal
escripto em pergaminho, era que da primei-
ra até á ultima pagina se admira a summa
variedade e bom gosto, com que soube em-
belezar todas as margens de ornatos os mais
bellos, adequados, e brilhantes.
«Este rico monumento por si sóé bastan- j
te a dar-nos uma perfeita idéa do seu gran- i
VOLUME XI
de talento na arte; porquanto ali se acham
unidas e judiciosamente executadas muitas
partes, que formam o caracter distinclivo
dos grandes mestres.
«As composições são bellissimas e cheias
de muita novidade; o desenho é correcto; o
colorido admirável; e porque se assemelha
ao de Baroccio e de Tadeo Zucaro, talvez
deva conjecturar passas?e elle á Itália e que
estes houvessem sido os seus modelos.
«No thezouro da eathedral de Viseu ha
d'elle memoria: existe um cálix rico, que
serve unicamente nas festas priucipaes, e
tem no fundo da base as armas do^ Net-
tos com e?ta legenda na circumfereneia
— Estevam Gonçalves Neto — Anno 1626.
A. B. H. V.
"No livro das missas annuaes, que o ca-
bido é obrigado a fazer celebrar por varias
instituições, acham-se esiabt-lecidas pelo
mesmo Estevam Gonçalves, 10 pela ?ua al-
ma e de seus paes, e 5 pela do bispo D. João
Manoel.
• Soube entender excellent emente as re-
gras da arehitectura, perspectiva, e ornato.
D'isto é também prova decisiva o citado
Missal, que supposto por único, tem um ti-
tulo de raro, e merece toda a estimação,
muito mais lhe é devida ainda por encerrar
dentro em si tantas maravilhas d'arle, quan-
tas são as estampas que contem,
«Não podemos proferir sem magoa, que
ignoramos outras muitas particularidades
d'este insigne varão tão respeitável pelos
talentos pictóricos, como o seria talvez nos
diversos ramos scientiflcos. Sabemos apenas
ter acabado os seus interessantes dias a 29
de julho de 1627.»
Consignemos também aqui o que se lê na
mteressante Memoria ms. de F. Manoel Cor-
reia:
j «O accrescento da capella-mor da cathe-
i dral de Viseu é e tem sido attribuido ao
117
1854 VIS
VIS
bispo D. João Manuel, cujo ponlifieado se
prolongou de 1610 a 1625.1
«Estevam Gonçalves foi capellão do di-
to bispo antes d'elle o fazer cónego, e pa«
rece que a pintura da abobada da capella
mór era arabesco seria obra do dito cóne-
go, mas sendo o segue-se que quando em
1635 cahiu a torre dos sinos e parte da
fronteria da Sé, já o accrescento da capel-
la-mór estava feito; ainda porem ali estava
a tribuna antiga, pois a fronteria nova tem
os 4 nichos para os 4 Evangelistas, como se
veem na antiga tribuna que foi colloeada na
Capella do Espirito Santo...
tO bispo D. Jorge d'Atbaide, que era tio
do bispo D. João Manoel, leve tenção d'am-
pliar a cathedral; ainda lhe acerescentou a
bella sacristia e não fez mais obras porque
renunciou; mas é de suppor e se diz que
instou com o bispo D. João Manoel, seu so-
brinho, para que fizesse o accreseentamen-
to da capella-mor, mesmo por ter junto de
si, como seu capellão, um homem tão hábil
em arehiteciura e pintura, com era Gonçal-
ves Neto.»
GRÃO VASCO
Vamos encerrar com chave d'ouro este
tópico dos Visienses illustres e o longo ar-
tigo Viseu, publicando a Memoria que o sr.
Joaquim de Vaseoncellos a nosso pedido se
dignou expressamente escrever com relação
ao afamado pintor Vasco Fernandes, gloria
de Viseu e de Portugal.
Muito se tem eseripto sobre Grão Vasco
i V. pag, 1615, n.» 63, col. 2.»— e o tópico
relativo á cathedral de Viseu, pag. 1574, col.
1.^—1578, col. 2"-e 1581, col. 1.»
Veja-se finalmente a Introd. hist. a res-
peito dos illuminadores portuguezes por
Ferdinand Denis, esse vulto litterario da
França, tão amigo de Portugal, e note-se
que foi o sr Joaquim de Vaseoncellos, seu
amigo e correspondente, quem lhe forne-
ceu os principaes subsídios para aquelle
trabalho, bem como aifferentes desenhos e
fac símiles de illuminuras antigas.
desde que o conde de Raczynski (diploma-
ta prussiano, ministro em Lisboa, etc, etc.)
levantou a questão adormecida durante sé-
culos. Eseriptores naeionaes e estrangeiros
tentaram reconstruir a biograpbia de um
pintor que vivera na 1.» metade do século
XVI, 6 que ainda tres séculos depois era
quasi um mytho!
Era vez de um único e grande pintor, que
absorveu a fama de gerações d'artistas, te-
mos hoje uma dúzia d'arlista3 mais ou me-
nos notáveis;- em vez de uma escola de Grào
Vasco, que seria a gloria exclusiva de Vi-
seu, temos vários centros artísticos em diffe-
rentes pontos do paiz, que constituem, com
a de Viseu, a antiga escola de pintura portu-
gueza, cujos quadros se espalharam por todo
o paiz, seguindo atraz dos pintores, em con-
tinua peregrinação.
Fallando de Viseu, julgamos indispensá-
vel tratar d'este assumpto — Grão Vasco- e
para esse flm recorremos ao nosso bom ami-
go, o sr. Joaquim de Vaseoncellos, como
pessoa idónea, que em Portugal se tem de-
dicado especialmente ao estudo da Historia
da arte nacional.
Na Memoria, que vae ler-se, resume o au-
ctor o resultado dos estudos históricos e
críticos sobre Grão Vasco durante 40 annos,
desde as tentativas do conde de Raczynski
(1846-1847) até ás mais recentes publiea-
çòes:-- -as do sr. Carlos Justi (1886, 1887 e
1888) incluindo os trabalhos dos eseriptores
naeionaes durante o mesmo período. O au-
clor não se limita, porém, a uma simples
revista critica; junta os resultados dos seus
próprios estudos especiaes sobre a questão
Grão Vasco e, em geral, sobre a Historia da
antiga pintura portugueza, que não se resu-
me de modo algum n'esse único problema:
escola de Grão Vasco, muito embora seja este
assumpto aquelle que mais nos interessa
n'este logar.
Cremos que prestamos um bom serviço
ás lettras, dando a palavra ao escriptor que
tem consagrado mais de vinte annos de es-
tudo, a sua intelligencia e os seus recursos ,
i com rara generosidade e absoluto desinte-
VIS
resse, ao estudo dos problemas mais diffl- •
ceis da historia das nossas artes e das nos- |
sas industrias. Fallem os factos; veja se a |
lista já extensa (e ainda assim, muito incom- \
jpleta) dos seus importantes trabalhos litte- i
rarios no Diccion, Bibi. de Innocencio, tomo
XII, pag. 166 e 404. Ali encontrará o leitor
lambem um resumo da biographia do sr.
Joaquim de Vaseoncellos que, além de ser
uma das nossas primeiras illustraçòes con-
temporâneas, muito trabalhador e de apti-
dões variadíssima?,— redactor|do Commercio
do Porto, o l.« jornal d'esta cidade, — pro-
fessor d'allemão no lyceu central portuense,
por concurso publico^ conservador do Museu
industrial e commercial da mesma cidade e
distincto escriptor,— é talvez hoje o homem
que em Portugal melhor,5'eonheee a histo-
ria das nossas artes, artes industriaes e in-
dustrias, teodo fundado o estudo d'estas
disciplinas no methodo da historia da arte
comparada.
A boa porta bati, pois, e com profundo
reconhecimento lhe beijo as mãos agradeci-
do por se dignar attender-me.
A Pintura portugueza nos séculos xv e xvi
{Segundo Ensaco)
Grão Vasco
por Joaquim de Vaseoncellos
(Escripto a pedido do redactor e actual
continuador d'este Diccionario. Porto, 29 de
Junho de 1888. )
^ Em que foi classificado em primeiro lo-
gar.
Escreve e falia muito correctamente dif
ferentes lingoas, nomeadamente o allemão,
pois foi primorosamente educado na Alie-
manha, e ali casou com a sr.« D. Carolina
Michâ-lis de Vaseoncellos, senhora muito
illustrada e disiioeta escriptora também.
Ainda no anno de 1885 publicou uma primo-
rosa edi(^ão critica das Poesias de Sá de Mi-
randa,—a edição mais completa e de mais
mereeimt^nto entre todas as que já conta-
vam as obras d'aquelle nosso grande poeta
quinhentista.
A sr.« D. Carolina Michaelis nasceu em
Berlim, em 1851.
Tem um filho único, de nome Carlos, que
nasceu no Porto em 1877.
VIS 1855
I
A questão sobre Grão -Vasco e a sua es-
cola foi discutida principalmente de 1843-
1845^ pelo conde de Raiízynski^ e por al-
guns poucos escriptores portuguezes, que o
ajudaram efficazmente, forneeendo-lhe mui-
tos e valiosos subsídios, citações importantes
de livros impressos e mss., documentos extra-
hídos dos archivos nacionaes, e das biblio-
theeas publicas e particulares, ete. Sem a
1 Para a biographia d'este escriplor-di-
plomata e exame dos seu-» trabalhos históri-
cos vid. o nosso estudo: Conde de Raczyns-
ki (Athanasius). Esboço biographieo por J.
de V. Porto, 1875, 4.»
O conde chegou a Lisboa a 13 de maio de
1842; a ultima carta (q.° 29), datada de Lis-
boa, é de 1 de agosto de 1845.
2 Nos dois volumes seguintes: Les artsen
Portugal, leítres adresséns à la Société artis-
tique et seientiflque de Berlin, et accompa-
gnées de documents. Paris, Jules R^nouard,
1846. 8.» de IV (mn.) 548 pag. e Dictionnai-
re histórico- artislique pour faire suite à
Touvrage ayant pour titre: kes urts en P.
ete. Paris, mesmo editor, 1847, 8.» de XII
306 e 2 de err. (innum.) e 2 estampas. A
3.» parte da sua obra, um Resumo histórico
da arte em Portugal, não foi publicada, ape-
sar de promettida; sobre as causas prová-
veis vid. o nosso Esboço. Reconhecendo
aqui mais uma vez os notáveis serviços que
o conde prussiano nos prestou, entendemos
que é tempo de provar que podemos apre-
sentar hoje estudos mais completos e mais
methodicos do que o d'elle. Estão feitos; e
estariam publicados em dois a tres aunos,
se a Academia Real das Sciencias ou o go-
verno de S. M. desse, ao menos, o papel e a
impressão. Para maior brevidade citaremos
os dois trabalhos do conde, resumidamente:
Les arts — Diction. ete. As cartas que tratam
especialmente da questão Grão -Vasco são: a
VII pag. 117 com 4 appendices; a VIII p.
175 com 2 append.; a IX p. 187; a XII p.
308 com 2 append. a XVI p. 365; e a XXIX
pag. 487. Veja-sa o juízo do Comte de La-
borde sobre ambas as obras, já formulado
em 18491 e de que em Portugal deveriam
ter tomado nota. Foi citado pela primeira
vez por nós em 1878: Sobt^e alguns pontos
da Historia da arte nacional : Carra ao Dr.
Aug. Felipe Simoes, na revista A Renascen-
ça do Porto, pag. 31 e seg.
1856 VIS
VIS
seieneia e a erudição histórica de iioraens
como Herculano, Vasco Pinto de Balsemão,
Cunha Rivara, o visconde de Juromenha,
Oliveira Berardo e outros, nunca os traba
lhos do conde leriam adquirido a importân-
cia que tiveram e que ainda hoje teem, ape-
sar da questão Grão-Vasco estar hoje posta
em termos muito diíTerentes.
O visconde de Juromenha, principalmente,
forneceu-lhe os apontamentos mais preeio-
Bos, serviço que o conde reconheceu sem
rodeios «sans son aide je ne serais jamais
venu à bout de cette entreprise.» {Diction.
pag. 169.)i
Antes da viagem do diplomata prussiano
havia apenas um nome vago e a tradição,
também vaga, da existência de um grande
pintor portuguez chamado Grão Vasco, que
com uma actividade fabulosa, tinha pintado
innumeros quadros, espalhados por todo o
paiz.
O conde e os seus collaboradores porlu-
guezes trataram então de reconstruir a bio-
graphia d'esse pintor tão afamado.
Pelo exame dos documentos impressos ve-
rificou-se, recuando successivamente as da-
tas, que a tradição do Grão-Vasco tem base
segura desde 1716. É no Sanctuario Mari-
ano de Fr. Agostinho de Santa Maria (anno
de 1716) que-apparece citado quatro vezes
ura pintor Vasco, de grande fama na região
de Viseu, pintor que elle qualifica todas as
quatro vezes de insigne.
O exame dos documentos manuscriptos
deu ainda resultados mais felizes, achando-
se n'um volume de Manoel Botelho Ribeiro
Pereira^ duas vezes o nome do pintor, já
1 O fallecido visconde de Juromenha dis-
se-nos ha annos, em Lisboa, que fornecera
ao conde perto de 'mil documentos; quem
conheceu, como nós, o saber do illuslre es-
criptor em así>umpt03 naeionaes, não duvi-
dará um instante da aíTirmação. O fallecido
biographo de Camões era o typo do perfeito
fidalgo poriuguez; a sua probidade litiera-
ria, o seu amor à verdade era tão grande e
sincero como o seu desinteresse.
~ O titulo é: Diálogos moraes, históricos e
politicos. Fundaçam da cidade de Vizeu.
com a qualificação de grande Vasco Fernan-
des, e uma vez, simplesmente, Vasco Fer-
nandes. O manuscripto tem a data 1630;
o autor, natural de Viseu, podia pois ter
recolhido as noticias, que nos dá, ain-
da de pessoas idosas, que teriam co-
nhecido ou o pintor ou algum dos seus dis-
cípulos.
A tradição conservou-se viva durante to-
do o século XVIII. Temos noticias successi-
vas, impressas, dos seguintes annos e au-
tores, a respeito do Grão Vasco: de Diogo
Barbosa Machado de 1751; do bispo de Beja,
Dom Frei Manoel do Cenáculo de 1776; de
D. Thomaz Caetano de Bem de 1792; de
Francisco Dias Gomes de 1799; de Taborda
de 1815; e de Volkmar Machado de 1823
(Raczynski)
A primeira noticia em livro estrangeiro
impresso é a de Pietro Guarienlii, pintor
italiano e inspector da Galeria de Dresden,
que esteve em Portugal examinando, ava-
liando e restaurando quadros de 1733 a
1736: ''Vasco, chiamalo nel regno di Porto-
gallo col litolo Gran-Vasquez per le molte e
insigne piílure da lui falte e per tuito quel
regno disperse» ete.
Depois d'este aueior segue- se a nota de
Historia de seus Bispos; genealogia de suas
familias, etc, por Manuel Botelho Ribeiro
Pereira. São dois mss., n.°' 187 e 544 da Bi-
bliolheca municipal do Porto (Estante B 4),
que foram copiados dos originaes em 1747.
Veja-se o extracto do Visconde de Jurome-
nha remetiido ao Conde, a 22 de janeiro de
1844; L^'s arts pag. 180-183.
1 Publicou uma das numerosas edições
do Abecedario pitlorico de Orlandi. (1.* ed.
1704).
É só na edição de Veneza, 1753, que se
acham as notas do Padre Guarienti. que
Raczynski reuniu em Lesarts pag. 314-328.
Guarienti foi inspector da já então celebre
galeria de Dresden, e agente activíssimo e
astuto do Eleitor da Sáxonia e Rei da Po-
lónia. Vid. o Catalogo grande de W. Schae-
fer. Dresden, (s. d.) vol. I p. 56. Repare-se
que na citação de Guarienti não se mencio-
na a palavra Viseu, nem qualquer outra lo-
calidade!
VIS
VIS 1857
Roland leVirloys (1771), m seu Dictiomai-
re d' Architedure, vol. 3.» pag. 91,*
«Vasco, vivant en 1480, dit en Portugal
le grand Vasquez, à cause du grand nom-
bre de beaux ouvrages de peinture quMl a
faits en différens endroits de ce Royaume,
particulièrement dans toutes les Maisons-
Boyales, les Monastères et Eglises, bâtis par
ordre du Roi; il paraít par sa manière,
qu'il était éiève de Pierre Perugin; les fonds
de ses lableaux sont toujours ornés de bai-
les fabriques d'archUeeture, ou de beaux
paysages; son goút le portait toujours à
peindre des sujeis de THisloire Saiote.»
N'esta citação não se falia de Viseul
São estes os factos que se apuram no meio
das repetições, contradicções e duvidas do
Conde de Raczynski, que enchem uma ter-
ça parte do seu volume, intitulado Les Arts
en Portugal, e uma não pequena parte do
seu Dictionnaire.^
O escriptor prussiano não pôde, nem de-
ve ser accusado d'esses defeitos; já o disse-
mos ha annos e em mais de um estudo.'
Elie tirou apenas as conclusões dos docu-
mentos qne os eruditos portuguezes lhe
apresentaram*, e estes escriptores appro-
1 Dictionnaíre d' architedure civile, mili-
taire etnavale antique, ancienne et moder-
no et de tous les arts et métiers qui en dé-
pendem (em seis línguas), etc. Paris, 1770,
(l.o vol.) a 1771 (3.<» vol). Valiosa obra em
3 vnl. em 4.» A noticia, apesar de incomple-
ta, é tirada evidentemente de Guarienti. O
auctor cita como fonte de consulta o Abece-
dario Qo Prologo. A data 1480 está no Abe-
cedario.
2 Vejam-se as seguintes biographias do
Didion. Fernandes (Vasco) pag. 93; Grão-
Vasco pag. 120; Pereira (Vasco) pag. 228;
Vasco pag. 293; e Vasquez lusitanus pag.
293; as passagens de Les arís estão citadas
em a nota 2 da pag. 283, retro.
3 Esboço biogr., 1875, passim; Carta ao
Dr. Simões, 1878 na Renascença. A pintura
portugueza nos séculos xv e xvi por J. de V.
Porto, 1881.
* O Conde assim o declara muito termi-
naatemeate, e mais de uma vez: Les arts
pag. 117, nota: Je vous ferai etc; pag. 129
DOta: Je conseille etc.
varam as conclusões (Juromenha, Balsemão»
etc.) Recuando successivaraente as datas,
chegou o Conde era pouco tempo, relativa-
mente (se considerarmos que até ali tudo
era confusão e incerteza), ás primeiras fon-
tes seguras da tradição.
Infelizmente, dois trechos de auctores já
citados embaraçaram seus passos; o primei-
ro é o documento apresentado pela primei-
ra vez por Taborda, a carta de illuminador
passada a um Vasco em 145S (7 de março,
Livro 13.» da Chancelaria de D. Alfonso V),
documento queTaborda refere ao Grão-Vas-
eo da tradição; o outro trecho é a nota de
Guarienti, relativa a um Instrumento de
acquisição de uns moinhos em 1480 pelo
pintor Gran- Vasquez. (Raez. Les arts. p-
327).
Cousa curiosal Nem Taborda falia uma só
vez de Viseu^, nem Guarienti, apesar de este
se referir ao moinho do pintor, tradição
que é, com effeito, de Viseu.
Raczynski não deixou comtudo de apon-
tar para a qualificação de illuminador e de
fazer sentir a differença que houve sempre
entre illuminador e pintor de painéis com
assumptos religiosos, profanos ou históricos;
e fez isto com insistência^, em face das al-
legações do Director da Academia de Bellas
Artes de Lisboa, Franeisdo de Sousa Lou-
reiro', principal defensor da opinião a fa-
1 Isto é facto, apesar do que diz Raczyns-
ki (Didion. p. 120); somente Cyrillo Volk-
mar ó que cita Viseu era 1823; nem Gua-
rienti, nem Taborda faliam de Viseu, torna-
mol o a repetir; não sabemos como isto es-
capou a Raczynski!
2 Les arts pag. 162 nota; e pag. 323 nota.
' Loureiro resumia a questão do seguinte
modo: Vasco (illuminador) cujo diploma é
de 1435, enviado à Itália para estudar a arle
(p. 167, Raez ) por ordem de D. João II;
Vasquez, lusitanus, pintor que trabalhou em
Hespanha e do qual ha quadros assignados
em S. Lucar de Barrameda com a data 1562;
e Vasco Pereira, que trabalhava em Sevilha
em 1594 e 1598. Loureiro considerava o pri-
meiro como o Grão-Vasco da tradição. Logo
veremos que os dois outros se fundem, se-
gundo o sr. Justi, n'ura só pintor, do qual ha
quadros de 1562, 1576, 1579 e 1583, que o
1858 VIS
VIS
vor do Grão-Vasco de 1455 (o illuminador
supra-cilado). O Conde pouco tempo se de-
morou n'esta hypoihese que designaremos
com o numero 1.
Também não é só de Raczynski a propos-
ta para a adopção do nome Vasco Fernan-
des do CasaU, moço da camará do Infante
D. Duarte em 1520, qu3 se baseia em docu-
mentos remettidos de Viseu e que foram
redigidos para o Diccionario Geographico
de Cardoso (ross. de 1758). Oliveira Berar-
do aceitava aauthenticidade d'este nome ain-
da a 15 de novembro de 1843, assim como
Balsemão e Juromenha (Racz. Les arís. pag_
163 nota). Vasco Fernandes do Casal re-
presenta a hypothese n." 2.
Pouco depois (pag. 298) eliminou o Con-
de este nome, ficando em campo desde o
meio do volume até ao flm da obra {Les
Arts) o, na sua opinião, verdadeiro auctor dos
quadros de Viseu: Vasco, filho de Francisco
Fernandez, pintor, o qual Vasco nasceu em
1552, segundo um documento achado por
Berardo no cartório da Cathedral de Viseu.
Este Vasco, que o documento dizia filho de
pintor, sem aflançar, de nenhum modo, que
seguira a arte de s u pae, seria, segundo
Raczynski, o auetor de to Jos ou quasi todos
os quadros da Sacristia da Sé^.
Foi esta a 3." e ultima hypothese de Rac-
zynski.
sr. Justi viu. Raczynski encontrou um em
Sevilha com a data 1575 (pag. 505). Bermu-
dez, Diccionario histórico, vol. V p. 141 e
142 considera os nomes como pertencentes a
dois pintores O sr. Justi aíBrma que em Se-
vilha suppunham alguns críticos ser Vasco
Pereir.i o próprio Grão-Vasco; Raczynski já
tinha lá ido para verificar o caso. e emen-
dara o erro (Les arts p. 487 e 505).
^ As paisagens prineipaes sobre Vasco
Fernandes do Casal são: Les arts p. 133
nota; 163, nota; 170, nota; 177. Note se que
o apppllido do Casal só se encontra n'uma
das tres communicações manuscriptas envia-
das de Viseu para Lisboa no sec. xvm; é na
do Padre Manoel Lopes d'Almeida, 1758
(Rací. Les arts pag. 131).
2 QuasHoáos, '"'\d. Raczynski (Diction. p.
95); corrigindo ideias anteriores; os qua-
dros menores pareceram-lbe de outra mão. i
Esta opinião, repetida ainda no DicHon'
naire, foi partilhada até ao ultimo instante»^
pelo Visconde de Juromenha,^:
O Grão-Vasco da tradição, considerado
como auetor da timmensa quantidade de
quadros gothicos, pintados sobre madeira^
e espalhados por todo o Portugal • coniinúa
sendo para elle um mylho até ao fim; e di-
remos nós, com toda a razão. A immensa-
actividade, e a immensa quantidade são,
com efi^eito, uma fabula, que tem a sua ori-
gem em Guarienii (1733). Em lugar de um
único grande pintor terismos, pois, uns pou-
cos de pintores notáveis, em Viseu, e no-
resto do paiz; e esta opinião é a que preva-
lece hoje,
Raczynski, apesar de ligar grande impor-
tância ao testemunho dos documentos, re-
conheceu a difficuldade de pôr era con-
cordância as datas d'estes com a data pro-
vável dos quadros, que tinha à vista. O con-
de reagiu logo, com toda a razão, contra a
approximação do Vasco, illuminador de
1455 e do Vayco nascido em 1552; e notou
que os quadros aitribuidos ao Grão Vasco
da tradição são, p^^la factura, posteriores ao
primeiro Vasco e anteriores ao segundo.
Na opiniãò de Raczynski (Diction. p. 121)
foi o auetor do Sanctuario MaHano (1716)
obra muito lida e muito importante, quem
espalhou a fama de Vasco Fernandez, que
elle chama insigne, da cidade de Viseu para
o reino inteiro; então nasceu o epitheto de
Grande ou Grão Vasco. Entre 1716 e 1733
(Guarienti) nasceu a fabula da immensa
quantidade de quadros, referidos a um só
pintor; e este foi também o parecer definiti«
vo de Juromenha. {Diction. pag. 123-125).
A critica patriótica não se contentou, po-
rém, com estes resultados, e cominou res-
mungando até boje, attribuindo ao distiocto
eseriptor diplomata o que elle não dissera^.
1 Vid. o seu aditamento ao artigo Grão-
Vasco do Diction. de Raczynski, pag. 123 e
seg.
2 Ainda ha pouco o fallecido Dr. A. F. Si-
mões attribuia a Raczynski novos absurdos
VIS
VIS 1859
Os resultados a que a critica chegou, de- i
pois de Raczynski, pelos esforços de Robin-
soa e do sr. professor Carl Jusii, são, como
já dissemos, os seguintes: em lugar de um
único pintor, chamado Grão Vasco, que
absorveu a fama de uma serie de pintores
mais ou menos notáveis, lemos vários artis-
tas de grande mérito, que trabalharam em
differentes pontos do paiz.
É isto menos glorioso do que termos um
único Grão-Vasco? j
Quanto ao pintor que o manuscripto de
Botelho Pereira (1630) chama Grande Vas
CO Fernandez, e Fr. Agostinho de Santa Ma-
ria (1710) insigne Vasco, julgamos nós que
é o Grão Vasco da tradição, assim como
também cremos que a tradição partiu de
Viseu, muito embora o afamado pintor não
seja idêntico com o Vasco nascido cm 1552'
filho de Francisco Fernandes, pintor, por-
que, repetimol-o: não era forçoso que o fl-
Iho de um pintor seguisse a profissão de
seu pae.
Quando nasceu este nosso Grão Vasco?
A' falta de documentos só se poderá res-
ponder aproximadamente.
Appareeeu, é verdade, em Viseu um qua-
dro assignado Vasco Fernandez, e peia d,ita
aproximada do quadro se poderia calcular
a idade do pintor; mas, considerando nós a
n'um ensaio histórico e critico (t) de que
logo fatiaremos. O Conde nunca negou que
Grão Vasco tivesse existido; nunca disse que
era ura mytho (Les arts, p. 121 e p. 369.)
Raczynski reagiu contra a falta de tino dos
chamados patriotas, agrupados em torno
do critico Loureiro, Director da Academia
de Bellas Artes de Lisboa, defendido entre
outros pelo famoso (famoso, mais tarde) A.
F. de Castilho na Revista Universal. O Con
de dizia no fim que o sr. Castilho era um
dos melhores versificateurs de lépoque, mas
que era infelizmente cégo! E que Loureiro
era bom medico, professor de medicina na
Univer-idade etc. etc. três lettré, mais il me
semble avoir élé élranger aux arts (Dicdon. j
p. 178) Castilho (cego), a julgar da questão i
Grão Vasco, parece-se com o fallecido Inno- '
cencio do Dicc Btbliogr. a julgar do Slabat |
Mater de Pergolese pelo de. . . José Mauri- '
cio! i
assignatura do quadro pertencente ao pin-
tor José Pereira, de Viseu, mais que duvi-
dosa, prescindimos d'esáe recurso. Adiante
diremos o porque.
Quaes serão os quadros do verdadeiro
Grão-Vasco entre os que existem? Logo ve-
remos isso.
II
Depois de Raczynski, que sahiu de Por-
tugal em fins de 18i5 sem nos dar a ter-
ceira parte do seu trabalho, appareeeu em
fins de 1865 o sr. J. C. Robinson'. Viu ape-
nas alguns quadros da Academia de Lisboa,
mal e à pressa; examinou, tamb-^m acorrer,
os da Sacristia de Sa ta Cruz de Coimbra e
os da Sé de Viseu, existentes na Sacristia e
Sala do Capitulo^. Não visitou Évora, nem
Setúbal, nem Thomar, onde ha series impor-
tantíssimas de quadros attribuidos ao tra-
dicional Grão Vasco. Em seguida redigiu
logo uma breve memoria que foi escripta
em novembro de 1865 para El-Rei D. Fer-
nando. Traduziu-a em 1868 o Marquez de
Sousa Holstein. então Vice inspector da Aca-
demia de Bellas Artes de Lisboa 3. A versão
1 Robinson era era 1862 Super intendent
das collecções do Museu de South K^'nsing-
ton; n'es8e anno publicou vários Catalogas
das collecções especiaes on loan. Os seus es-
tudos especiaes versam sobre a arte italiana
da Renascença.
2 Dos de Lisboa (collecçãa da Academia)
quasi que não falia; é verdade que a gale-
ria ainda não estava organisada, nem era
publica; abriu se em 1868. Não diz palavra
dos quadros da Madre de Deus. Em summa,
seria absurdo pôr e.xte auctor era parallelo
com Raczynski, sempre e em tudo um mo-
delo de boa fé.
3 O estudo do sr. Robinson sahiu primei-
ro na The fine arts quarterly review. Nu-
mero de outubro de 1866, pag. 37.^-400. Fez-
se um i tiragem especial, com a mesma com-
posição, e ' fronti?picio ad hoc, sem data,
nem lugar em 30 pag. 8,° (London, impressor
Chiids and Son). O titulo é o mesmo: The-
early portuguese school of painling with no-
tes on the pictures at Viseu and Coimbra
traditionally ascribed to Gran Vasco.
A tiragem especial é rara, por isso faze-
mos as citações pela revista.
1860 VIS
VIS
é péssima, infiel e incompleta em muitas
passagens, afflrmando o Marquez em mais
de um ponto o contrario d'aquillo que o es-
criptor inglez disse. Já provamos tudo isto
n'uma analyse minuciosa publicada ha an-
nos, confrontando o original inglez com a
tradueção», Comiudo, os nossos compatrio-
tas coniiouam a citar e a aproveitar esta
péssima traducção, arehitectando phantasias
como fez ainda ultimamente o fallecido dr.
Felipe Simões^.
Não faremos, por isso, caso algum da tra-
ducção e apresentaremos as nossas conclu-
sões sobre o original inglez.
Robinsou estreou-se em Portugal com
absoluta falta de probidade lliteraria. O sfu
ensaio baseia-se n'uma descoberta que se
arroga, e que não é d'elle.
Já provamos em 1881 que a assignatura
Velasciis do quadro do Pentecostes na Sa-
cristia dtí Santa Cruz de Coimbra foi desco-
berta pelo pintor de Viseu Antonio José Pe-
reira, que a eommunicou ao professor da
Academia de Lisboa João Christino da Sil-
va. Este deu noticia do facto n'uma extensa
carta, publicada no Jornal do Commercio de
Lisboa de 30 de setembro de 1862, tres an-
nos antes de Robinson entrar em Portugal.^
O inglez leva a noticia do próprio Pereira,
segundu todas as probabilidade3.
«O sr. Rubinson foi a Viseu depois de ter
examinado as pintaras de Coimbra; viu as
de Viseu e voltou a Coimbra (led me back
to C.) para fazer a sua descoberta, e só en-
tão a fez; só então viu a assignatura. Não é
1 A pintura portugueza nos sec. xv e xvi
por J. de V. Porto, 1881 4 », com a confron-
tação do original com a traducção.
2 Grão- Vasco; ensaio histórico e critico; de
pag. 234-237 do volume; Escriptos diversos
de Augusto Filippe Simões. Coimbra, 1888.
S." Descontando o que deve ser Considerado
erro de iiupressão e falta de cuidado dos re-
dactores do volume, ha n'elle lapsos deplo-
ráveis. Não se concebe como semelhante im-
bróglio podia merecer as honras de uma re-
impressão; adiante as provas.
^ Vid. a» provas e documentos no nosso
estudo A pintura portugueza pag. 6 e 38.
natural suppôr que o sr, Antonio José Pe-
reira, seu guia em Viseu (volunteered to be
myguide), descobridor da assignatura desde
1862, lhe revelasse a existência d'ella? Con-
fessamos que a leitura da caria de Christine
da Silva de 1862 produziu em nós uma des-
agradável surpreza. Isto não é questão de
campanário; lemos dado bastantes provas de
imparcialidade no modo de apreciar os tra-
balhos de escriptores estrangeiros a respei-
to de Portugal. Repetimos: isto não ó ques-
tão de campanário; é questão de stricla jus-
tiça. Suum cuique.
O mérito do sr. Robinson reduz-se, por-
tanto, ao seguinte: ter determinado as datas
aproximadas dos dois grupos de quadros
existentes na Sé de Viseu, marcando ao gru-
po da Casa do Capitulo as datas 1500 a
1520. e ao grupo da Sacristia as datas 1520
a 1S40.
A separação dos quadros em dois grupos,
de pincel distincto, já Raczynski a tinha
proposto. O Conde reconhecera claramente
a differença de esiylo entre os dois grupos,
e lambem a differença de idade, (pag. 370),
mas não determinára as datas. Robinson in-
clina-se a crer que os quatro quadros gran-
des da Sacristia, — S. Pedro, Baptismo, S-
Sebastião e Pentecostes — são todos do mes-
mo auctor, mas não julga este facto absolu-
tamente fóra de duvida'-^. Raczynski notava
differença de factura, comparando os qua-
dros pequenos da Predella com os grandes
da Sacristia, que elle attribuia em geral ao
auctor do quadro do Calvário, existente na
Capella de Jesus: o grande Vasco Fernan-
dez, do manuscripto de 1630. Robinson con-
corda em attribuir o Calcário ao mesmo pin-
cel que traçara os painéis grandes da Sa-
cristia e 03 quadros pequenos da Predella.
Observaremos, desde já, que discordamos
de ambos os auctores. O Pentecostes é um
1 Nossas palavras em 1881; vid. Estudo
supra cit.
2 A phrase sublinhada foi supprimida pelo
Marquez: / do not, however, consider this
i fact entirely without doubt. pag. 383.
VIS
VIS 1861
quadro de mérito muito inferior aos outros
ires, grandes, da Sacristia, e ainda ao pró-
prio Calvário, que Robinson contra Raczyns-
ki julga ser o mais fraco de todos (p. 384)-
Os antigos eseriptores portuguezes citam'
sobre tudo, este uliimo, provavelmente por
ser o mais dramático e o que mais impres-
sionava as massas.
As conclusões a que Robinson chega, ba-
ptisando e disiribuindo os quadros^ a seu
modo, são as seguintes, (pag 394):
1. » O pintor, anonymo, dos 14 quadros da
Casa do Capitulo, executados entre 1500 e
1520.
2. * Vasco Fernandez, autor do quadro que
pertenceu a Anioaio José Pereira, executado
cêrca de 1520.
Robinson põe em seguida ao nome»
entre parenihesis, «Gran-Vasco?» — o que
parece indicar que duvidava se seria o pin-
tor citado no Sanctuario Mariano «insigne
Vasco», e chamado «Grande Vasco Fer-
nandes» no ms. de 1630; em summa, se
seria o Grão-Vaseo da tradição.
3. » O pintor da «Ceia», quadro existente
no palácio dos bispos em FoQtello, que elle
presume ser discípulo ou imitador de Vas-
co Fernandez.
4. " Velascus (Robinson escreve Velasco^,)
pintor do Pentecostes de Coimbra e dos qua-
dris da Sacristia na Sé de Viseu, e do Cal-
vário (cerca de 1 530-40)
1 E-<creve Velasco, não sabemos porquel
A ultima letra é uma abreviatura bem co-
nhecida, que vale us.
2 A julgar por duas passagens anteriores
deve eniender-se que Robinson identifica
este Velascus com o Grão Vasco, affastan-
do-se da hypothese antiga (vid. sub. 2). Eis
as passagens, que não deixam perceber clara-
raentH a opinião de Robinson:
Pap. 391 «I have, inshort, the conviclion,
that ihis pieture is ih« work of lhe Iradi-
tional Gran Vasco of Vi^eu (irata sb áo Pen-
tecostes de Coimbra).» E logo mais adiante:
It is I think evident that M. de Raczynski's
Gran Vasco in reality was this same Ve-
lasco.»
Agora, pag. 394: «I eannot but believe, in
short, that lhe painter of Senhor Pereira 's
5. " Francisco Fernandez, pintor, que vi-
via em 1552, segundo o registo de baptismo,
achado pelo cónego Berardo no Cartório da
Sé de Viseu.
6. » Vasco Fernandez, filho do precedente,
segundo o regi.sto supra.
Raczynski suppoz, sem prova, que fôra
pintor, como seu pae; e aitribuiu-lhe o gru-
po da Sacristia de Viseu; Robinson regeita,
com rasão, esta hypothese.
7. " O autor, anonymo, do painel «Jesus
na casa de Martha», em Fontello; e que, na
opinião de Robinson, foi imitador de Ve-
lascus.
O auctor inglez cita mais dois, que mos-
tram nas suas obra» uma «certa analogia
geral com os pintores de Viseu» (sie) pag.
394.
8. » «Ovia» auctor do Ecce Homo era Santa
Cruz de Coimbra.
9. ' O auctor do S. João na Academia de
Lisboa, hoje no palácio das Janellas Verdes.
III
Agora o nosso commentario.
Ad i.") —Raczynski já fez a separação dos
grupos da Casa do Capitulo e da Sacristia.
Concordamos com eile e cora as datas de
Robinson.
Ad 2.»)— O monograrama do quadro de
A. Y. Pereira, que Robinson leu Vasco Fer-
i nandez, parece-nos muito suspeito, e por
j isso, ocioso lodo e qualquer calculo feito so-
bre elle. Vimos o quadro na Academia de
Lisboa, e era com efTeito uma rui na, tendo
sido radicalmente lavado, barbaridade que
o sr. Robinson confessa. O monogramma
VASCO FRZ fi.;ou porém pintado, luzidio
e brilhante, em bellas letlras amarellas, por
um milagre que ninguém explicou até hoje!
I pieture, Vasco Fernandez as he signs him-
I self was ih i person to whora, on aecount of
j hiá preeraineuce in art, lhe eulogistic epilhet
Gran or Grande was, either during his life-
time, or shorily after his death, bestowed».
I Parece pois haver contradiçãol
1862 VIS
VIS
Seria necessário examinar technicamente a
assigoatura, a tinta, a forma paleographiea
da lellra, (que é muito duvidosa), as partes
lavadas e não lavadas (?) do quadro, ele.
A. J. Pereira, interrogado pelo signatário
sobre estes e outros pontos, respondeu sem-
pre evasivamente, e negou-se não só a indi-
car o nome do inglez que lhe tinha compra-
do o quadro, mas até a procedência do mes-
mo quadro 1. Fazendo se-lhe a obsprvaçào
sobre a lavagem, o estado de ruina do
quadro e a salvação milagrosa da assigna-
tura, emmude.cia.-0 quadro foi antes da la-
vagem uma obra díslincta. A data 1520 mar-
cada por Robinson, é acceiíavel.^
í Simões foi mais feliz n'este ponto. O
quadro teria pertencido, segundo confissão
do Pereira, ao convento de S. Francisco de
Orgens (pag. 153). É singular que Berardo
nas suas Mt-morias sobre os quadros de Vi-
seu (na que Baczyn^ki publicou e n'outra,
nas. de 1849, que temos presente) não falasse '
d este quadro de Orgens; que um homem
tao escrupuloso, tão diligente e tão investi
gador, que viveu a maior parte da sua vida
em Vi»eu, não visse uma assignatura a tinta
amarella, tão grande, tão visivel!
2 As nossas duvidas sobre a tal assigna-
tura e a singular altitude de Antonio José
Pereira communicamol-as logo em 1879 ao
nosso amigo o sr. Antonio Augusto Gonçal-
ves, professor de desenho em Coimbra, que
nos acompanhou pouco depois a Viseu (se-
gunda viagem nos.sa). Passados annos veiu-
nos á mão a 3.» ed. das Traveis in Portugal
by John Latouche. London, s. d. O escriptor,
que se occulta sob um pseudonymo é o sr
Oswald Crawfurd, cônsul de S. M. B. no Por-
to, pessoa que pela sua variada instrueção,
imparcialidade e fino gosto artístico nos me-
rece toda a consideração. O douto estrangei-
ro (em geral, juiz benévolo e imparcial da»
nossas cousas), na 3 • ed. duvida fortemente
da authentieidade da tal assignatura; depois
de ter visto o (|uadro de Pereira, diz;
^ «O triplico é uma obra arruinada de con-
siderável mérito; mas apesar do melhor de-
sejo em aereciitar na boa fé humana, devo
dizer que nunca contemplei uma assigna-
tura mais duvidosa, do que esla. distincta-
mente traçada: Vasco Fez. Traveh pag. 268 j
nota. A data do Prologo d'esta 3» "ed. é
Sept. de 1878; a 2.» edição das Viagens, de
1875, já a traz; apontamos as datas, porque !
desejamos declarar que formámos o nosso j
juizo sobre a assignãtura, sem conhecer a |
opinião do sr. Crawfurd.
Ad 3 »)— O quadro da Ceia, em Fonlello,
parece-nos notável a todos os respeitos e de-
veria ser confrontado, cuidadosamente, com
o quadro d*a Ceia na Casa do Capitulo, na
Sé de Viseu e com o numero 246 da Col-
lecção da Academia, que representa o mes-
mo assumpto. (Cat. provis. de 1872 p. 63).
Ad 4.°) — ignoramos por que motivo Ro-
binson leu Velasco no quadro do Pentecos-
tes. O ultimo signal da assignatura é indu-
bitavelmente a antiga abreviatura us. Ro-
binson não percebeu que Velascus é, simples-
mente, a forma alalinada de Vasco (antiga
porluguez Vaasco, de Veasco por Velasco).
Na colleeção Portug. Monum. encontram se
a cada passo exemplos dVstas duplas for-
mas do mesmo nome. Induzido em erro pela
transcripção Velasco por Velascus, preten-
deu outro eseriptor inglez, o sr. Laiouehe,*
que o nome é hespanhol, e que se refere ao
pintor hespanhol Luis Velasco, que traba-
lhou em Toledo cerca de 1564 e morreu em-
1606! O sr. Professor Jusli, que viu os qua-
dros d'este pintor em Hespanha, nega que
haja a menor relação entre o estylo d'este
maneirista italiaoisado e o de Velascus.^
E ainda quando no quadro se houvesse
de ler Velasco, isso não provava que o pin-
tor fosse hespanhol, porque no sec xvi, épo-
ca em que na corte se fallavam ambas as
lingoas cora a mesma frequência e facilida-
de, muitos portuguezes seguiam a moda,
hispanisando seus nomes, p. ex. o celebíe
poeta Jorge de Montemor, que ainda hoje
chamamos em Portugal Monlemayor; o fi-
dalgo João de Mello, justador do *Paso Hon-
roso*, que na corte de D. João II de Castella
figurava como D. Juan de Merlo. No tCan-
cionero General • apparecem poesias de dois-
1 Na obra cit. Traveis in Portngal 3.
ed. pag. 271. O aucior lê a sigU Velascus L
=Luis Velasco. Este pintor é" o me.*mo que
Cerin Bermudez cita no vol. v pag. 152;
morreu em 1606.
2 Die portugiesische Malerei dessechzehn-
ten Jakrhvnderfs von C. Jusli, na coUecção
Jahrhuch der Koenigl, preussischen Kunst-
sammlungen, vol. ix. Berlim, 1888, pag. 137
e seg.
VIS
VIS 1863
irmãos porluguezes D. Antonio e D. Inigo de
Velasco, que em Portugal com certeza se ap-
pellidavara Vasco}
Ad. 5.)— Não ha nenhum quardro que se
possa attribuir a este pintor; os críticos nào
fazem por isso menção especial delle.
Ad. 6.») — Não ha prova alguma de que
seguisse a profissão de seu pae.
Ad. 7.»)— Este quadro, que está em Fon-
tello, merece como a «Geia» existente no
mesmo palácio, especial attenção. Osr. pro-
fessor Justi gaba-o muito.
Ad. 8.°)— A assignatura «Ovia» é uma fa-
bula; as lettras lá estão n'umã lança, mas a
verdadeira interpretação ainda ninguém a
deu.
Também Raezynski leu um nome Abram
Prim, no quadro n.° 224 da Academia,^ e afi-
nal, é simplesmente o velho patriarcha Abra-
ham prim fus) isto é, o primeiro da arvore
genealógica do Novo Testamento. A inseri**
pção esiá no eollo de um vaso do qual sahe
a flor syraboliea de S. José. Abrahão foi o
tronco (primus) da geração do esposo da
Virgem. (Evang. de São Matheus I).
Mais importante do que a inseripção Ovia é
a seguinte eircumstanela. N'e3le Ecce Homo
apparece o retrato de Damião de Goes, co-
mo já dissemos em 1879.^ É a primeira figu-
' Vid. Cancionero general de Hernando
dei Castillo. Ed. de Madrid 1882, vol.ii pag.
SIO. A 1.» ed. é de 1511; o nome apparece !
primeiro n'uma edição de 1527. Com rela-
ção a Mello viJ. El Cancionero de Juan Al-
fonso de HafUa^ pag. LV da Introd. do Mar-
quês de Fida! ed. de Leip?,ig (Brockhaus).
Mello era alcaide de Alcala la Real em 1435.
2 Raczynski cita sempre Abraham; mas o
que lá está é Abram. O Catalogo do Muscu
nacional (Lisboa, 1883. p. 88) acha que é
umaallusão á virgem, e lê Abram primogé-
nita.sidl E8te Catalogo, provisório em 4.»
ed. (nu 3.», se não cornarmos a ed de 1862,
abafada; posteriores 1868 e 1872) está cheio
de erros hist^ricoíi, e organisado sem crité-
rio, nem meihodo. Simõas interpreta quasi
como uós, pag. 254.
3 Vid. o E-tulo A cabeça de Damião de [
Goes, na Actualidade de 2 e 3 de outubro de
1879. I
ra, que está atraz de Pilatos. Goes foi grande
amador e colleecionador de obras d'arte.
Possuia illuminuras de Simão de Bruges
(Benichius?), esculpturas notáveis, retavolos
de grande preço, entre outros, dos pintores
Quintin Massys ou Metsys, Hieronimus Bosch
e muitos objectos d'arte industrial cora que
presenteou a rainha D. Caiharina, El-rei D.
Sebastião, o núncio Monte Pulciano, o vali-
do Pedro d'Alcaçova Carneiro, seu irmào
Fruetus de Goes, Fernão Coutinho, etc, va-
rias egrejas etemplos, prineipalmentea egre-
ja de Nossa Senhora do Castello de Almada e
a de Nossa Senhora da Várzea da villa de
Alemquer. El rei D. João iii e a Rainha, a In-
fanta D. Maria, protectora das lettras e das
artes, o próprio Cardeal D. Henrique foram
ver á sua casa as preciosidades artísticas que
trouxera de Flandres e Allemanha^ Está
hoje provado que Goes tivera relações de
amisade com o celebre Albrecht Diirer, que
o retratou.2 Compare se a physiognomia do
retr-^íto a carvão do grande artista, e a gra-
vura com o falso monogramma A. D. de
1572, com o typo retratado n'esle quadro. É
a mesma cabeça, salvo a idade; Goes parece
ter aqui 30 a 35 annos. Teado nascido em
1501, o Ecce Homo seria pintado entre 1530
a 1535.
Ad. 9.°) — Pelo sysiema de Robinson se-
ria fácil duplicar o numero dos pintores.
Comtudo, não é d'elle, mas sim de Raczyos-
ki a ideia de considerar o auetor do quadro
do S. João como um typo especial. Rac-
zynski chama-o peintre aux bonnes drape-
i riest.^
í Factos referidos no processo da Inqui-
sição, existente na Torre do Tombo, e de
que ha copia na Ribliotheea nacional.
2 Vid. 03 nossos e.sludos: Gnésiana.
' Simões faz a propósito do S. João, citado
por Robinson, combinações singulares. Ro-
binson falia claramente de uma pequena fi-
gura era pé, a httle standing figure of St.
John (p. 392), e accre.^ícenia: uào a indicada
pelo Goude de Raczynski como obra do pin-
tor das betles drapenes Robinson falia do
S. João Baptista, n.° 211 do Catalogo de 1872
ou n.° 1 do Catalogo de 1883. O pintor das
1864 VIS
VIS
Eliminando-se o monogramma do N." 2 i
como muito suspeito, o N.° 5 de que não |
ha quadros e o N.* 6 por falta de provas,
fica sómeQte o N.° 4 como pretendente ao
titulo histórico: Velascus, traduzido em por-
luguez Vasco, que é o Grão Vasco, prova»
velmente o grande Vasco Fernandez do
Sanctuario Mariano e do ms, de Botelho Pe-
reira (i630). B temos depois mais os se-
guintes pintores: os designados sob o n." 1
(Sala do Capitulo) n.» 3 e 7 (em Fontello:
Céa e Martha) e os pintores do Ecce homo
(o pseudo tOvia») e do S. João Baptista da
Academia. Veremos ainda, que os dois úl-
timos pertencem a grupos caracteristicos,
seguado a opinião do sr. Prof. Jusli.
IV
Os estudos pouco avançaram depois de
Bobinson. Os escriptores nacionaes não re-
solveram a questão e pouco adiaotaram; e
entre os estrangeiros apenas dois: J. Latou-
che 6 o nosso amigf> A. de Ceuleneer,! es-
criptor belga, deram um novo impulso ao
problema; mas o segundo confessa que ofíe-
rece só umas simples notas, para despertar
a atienção dos especialistas. A tentativa que
este critico faz, apresentando novos agrupa-
mentos, esiá prejudicada pelo ensaio do sr.
prof. Justij e por isso não nos demoraremos
na analyse do seu opúsculo, o qual, no en-
belles draperies ou bonnes draperies referia
Baczynski ao quadro n ° 160 (S. João Evan-
gelista) da sua lisia (vid. Les arts pag, 151),
que no Catalogo de 1872 é o n.° 256 e no
Cat. de 1883 falta. Simõt^s vae buscar o
quadro n." 27 do Cat. de 1883, S. João Ba-
ptista ensinando a orar o príncipe, D. João,
phantasiando por ahi fóra, e attribuindo
uma serie de absurdps ao sr. Bobinson!! O
sr. prof. Jusli colloiía o pequeno S. João na
serie de Frey Carlos, com toda a razão.
^ Le Portugal. Notes d'art et d'archéolo-
gie. Contém: Cougrès d'archéo!ogie préhis-
toriquH — Azulejos — Grand Va^co. Anvers,
1882. 8." de 90 pag; Tiragem ã parte do
Buíletin de 1'Acadéinie d' Archéotogie de Bel-
gique. O estudo sobre Grão-Vasco oecupa as
pag. 60 90.
tanto, contém, na parte relativa ao Grão-
Vasco, algumas informações aproveitáveis.
Os outros capítulos dão testemunho do estu-
do e do saber do auctor, e merecem que lhe
tributemos aqui o nosso reconhecimento.
Do sr. John Latouche falíamos mais
adiante. É o pseudonymo do sr. O. Craw-
furd, cônsul de S. M. B. no Porto. O auctor
é muito injusto para com os quadros da
Academia de Lisboa, hoje no Museu nacio-
nal, que não deviam ser julgados todos pe-
la mesma bitola. As suas notas appareeeram
no volume Traveis in Portugal, cuja pri-
meira edição é de 1873, segundo crémos; a
é de setembro do mesmo anno, a 3.» de
Sept de 1878. Vejam-se a.s passagens p. 145
146 (quadro da Misericórdia do Porto) p.
193-196 (quadros de Lisboa); p. 253-273
(quadros de Viseu). Estamos convencidos
que a leitura do Ensaio do sr. Prof. Justi o
fará mudar de opinião sobre o valor dos qua ■
dros de Lisboa; pela nossa parte temos de
reconsiderar; adiante o confessamos. Deve-
mos porém declarar que as notas do sr.
Crawfurd não influiram no juizo que fizemos
em 1881 sobre o valor de certos quadros da
Academia. Expliea-se pela recordação vivís-
sima que trouxemos do estrangeiro em 1871
e 1875, depois do exame das obras primas da
antiga escola de Flandres e de Brabaote, da
escola de Colónia e de outras do see. xv e xvi.
Em compensação, o sr. Crawfurd manifesta-
se com o maior enthusiasmo a favor do S.
Pedro de Viseu, e parece-nos exagerado n'e8-
ta parte. O outro volume do mesmo auctor:
Portugal old and new (London, 1880 8.«) na-
da contem relativo a Grão Vasco, mas é in-
struetivo, sympaihico, cheio dehumour ede
vida, emfim digno de ser lido: falia n'elle um
critico justo, benévolo, cujo juizo é fundado
no conhecimento intimo da vida publica e
particular da nação.
Sobre a monographia do sr. Tubino, de
Míiirid, que trata dos quadros que perten-
ceram ao convento de Palmella, já demos o
nosso parecer em 188 1.^ Ê inútil procurar
I
1 A pintura porlugueza nos sec. xv e xvt
Porto, 1881, p. VI.
VIS
VIS Í865.
ahí um único facto novo. O sr. Prof. Justi é |
da mesma opinião em 1888. j
Entre os eseriptores nacionaes tia tres que \
merecem menção, o fallecido Marquez de
Souza Hol!*lein: o sr. Theophilo Braga, que
foi iofeiiinssimo, e o fallecido Dr. Simões,
que fez tres tentativas infruetiferas.^ Os dois
últimos íiaram-se, infelizmente, na tradui;-
ção da Memoria de Robinson, feita pelo
Marquez, e repeliram os mesmos erros,
augmentando a confusão; nenhum se lem-
brou de recorrer ao original inglez da Me
moria, havendo na traducção portugueza si-
gnaes evidentes de infidelidade. Não pode-
mos estar aqui a esmiuçar os numerosos
erros, as hypotheses inverosímeis e as phan-
tasias do sr. Th. Braga, que falia de qua-
dros que nunca viu, porque o nosso intuito
é concentrar os factos e os resultados segu-
ros, de outro modo teríamos de escrever um
volume.
A discussão com o dr. Simões já não é
possível, porque falleceu; a sua iillima ten-
tativa foi desastrada, tão desastrada que nos
parece que o auctor não teria publicado p
seu Ensaio histórico e critico sem uma re-
visão prévia e radical. Sobre a primeira
parte já demos o nosso parecer em 1881,
em vida do auctor, que, contra o seu costu-
me, não respondfU.2 A segunda é deplora-
1 Na Academia, revista de Madrid vol. ii,
1877; na revista de Lisboa A Arte em 1881;
e n'um trabalho, que sahiu posthumo, e
e onde refundiu o que dissera nas duas re-
vistas: Grão Vasco. Ensaio histórico e criti-
co pag. 234-257 do volume Escriptos d/rer-
50S (Coimbra, 1888), que a Secção de Archeo-
logia do Instituto de Coimbra mandou col-
ligir.
O sr. Theophilo Braga intitulou o seu tra-
balho: Grão-Vasco. Determinação histórica
da sva personalidade^ pag. 174-189 do volu-
me Questões de litteratura e arte portugueza.
Lisboa, 1881, 8.°
2 A pintura portugueza ele. pag. vn e viii
Ahi mesmo a nossa opinião resumida sobre
08 outros auctores portuguezes; Juromenha
(eseripto de 1877), Marquez de Souza, Th.
Braga etc. O sr. A. de Ceuleneer teve a pa-
ciência e a indulgência de reunir (pag. 62)
vel, nma teia eramaranhada, apontamentos
cosidos ao acaso, sem nexo, como se esti-
véssemos lendo um borrãol
O Marquez de Sousa preslou-nos um bom
serviço, publicando o Catalogo provisório da
Academia em 1868 ^ Valha-nos isso, já que
teve artes e manhas para abafar a edição de
1862! O catalogo é muito resumido, mas no
fim agrupou o auctor 65 quadros, que dis-
tribuiu por treze pintores anonymos. Sob a
mesma letira alphabetiça reuniu os quadros
que lhe pareceram do mesmo auctor; dís-
tribuiu-os bem nas salas, com ordem e em
boa luz, e facilitou assim o estudo da antiga
escola portugueza de pintura ao publico,
trinta <? cinco annos depois da Academia ter
recebido o espolio dos conventos extinctos!
(1833-1834).
O agrupamento feito pelo Marquez era
aceeitavel e provava que tinha olhado para
os quadros com alguma attenção, guiando-
se, em parte, pelas indicações de Raczyoski.
Foi este auctor o primeiro que se lembrou
de agrupar os antigos quadros portuguezes.
No fim do lodice mencionava o Marquez
mais 20 quadros soD a rubrica Diversos.
Total: 85. Na edição de 1872 encontrámos só
mais quatro quadros n'esta rubrica; o agru-
pamento é o mesmo da edição de 1868. To-
tal: 89.
O Catalogo provisório do Museu nacional
de 1883 (ult. edição, já exhausta) menciona
os títulos de outros pequenos artigos de au-
ctores portuguezes eesiraogeiros sobre Grão-
Vasco, de pouco ou nenhum valor Por exce-
pção mencionaremos como novidade os de A.
Glardon na Bibliotheque universelle de Gênè-
ve 1876 vol. 57, feitos sobre os estudos de
Latouche, pseudonymo de O. Crawfurd. Não
os conhecíamos.
1 Á frente do Cat. uma pequena Introdu-
ção em que se toca, de passagem, na ques-
tão Grão-Vasco. O Marquez publicou depois
a traducção da Memoria de Robinson, com
um Prefacio, que analysàmos em 1881, as-
sim como os seus artigos na revista Artes e
Lettras (1872). O melhor serviço, repeti-
mol-o, foi a publicação do índice especial
dos quadros attribuidos á antiga escola por-
' tugueza, no Cat. de 1868.
1866 VIS
VIS
85 quadros (salvo erroj sendo 16 novos, que
não estavam expostos na Academia; em
compensação faltara outros que lá vimos.
Este Catalogo não tem índice especial dos
quadros antigos porluguezes, não tem agru-
pamentos, excepto no texto era alguns au-
tores já conhecidos. Não fallaremos dos ou-
tros defeitos raais ou raenos seusiveis d'esia
quarta tentativa provisória, por falta de es-
paço, e se a apontaraos é para fazer sentir
ao leitor qne o redactor da edição de 1883
difflcultou o estudo, em vez de o facilitar,
porque nem ao raenos se lembrou de co|-
locar entre parenthese os antigos números
da ed. de 1872, pela qual quasi todos os es-
criptores naeionaes e estrangeiros fizeram
os seus apontamentos.
A ordem salteada dos números é inadmis-
sível; um índice geral como o d'esse cata-
logo, ridículo, não fallando nas novas atlri-
buições e nas noticias biographicas(ll)
É tempo, porém, de passarmos ao ultimo
capitulo, o mais importante.
A um erudito professor allemão devemos
o estudo mai<» importante sobre a antiga
pintura portugneza, que sahiu à luz depois
dos trabalhos de Raezynskí.
O Sr. Prof. Justi ' separa os quadros go-
1 Além do Estudo especial, que citamos
retro (pag. 297) esereveuo Sr. Professor Justi
alguns artigos preliminares, importantes, na
seguinte revista: Zeitschrifl fúr bildende
Kunst vol. XXI, n.° 4 Janeiro de 1886, pag'
53-93; no mesmo vol. n." 6 pag. 133 140; no
vol. XXII, n.o 6 pag. 1*9-186; e n.« 8 pag.
244-2ol. O titulo geral traduzido diz: Sobre
os antigos quadros flamengos existentes em
Hespanka e Portugal. Contem factos impor-
tantes, que não se encontram no Estudo já
citado; os dous trabalhos completam se mu-
tuamente. Sobre os quadros flamengos exis-
tentes na península convém consultar ainda
hoje, principalmente: J. D. Passavam. Die
chrislliche Kunst in Spanien. Leipzig, 1853,
S.o, pag. 123-145; e depois a obra de Crowe
& Cavaleaselle sobre a antiga pintura flamen-
ga : The early Flemish painters. London
1857. A traducção franceza de Alex. Pinchart
thicos existentes em Portugal em duas clas-
ses distinctas :
A. Os trabalhos dos arlislas flamengos,
naluraes dos Paizes Baixos, quo pintaram
no seu paiz, por encommenda, ou que, ten-
do emigrado para Portugal, foram naturaii-
sados ft aqui pintaram seus quadros.
B. Os de portuguezes que estudaram nos
Paízes Baixos e pintaram em Portugal, de-
pois do seu regresso. Estas obras são as mais
frequentes, e em muito ma'or numero.
A respeito dos primitivos artistas dos
Paizes-Baixos, ^ dos mais antigos pintores do
século XV, declara o Sr. Prof. Justi que não
achou vestígios d'elleá em Portugal. Estamos,
portanto, aqui no ponto de vista que accen-
tuamos em 1881 era face das pretensões do
Marquez de Souza Holsteín.
«Essa escola anterior deve ser a qu ' re-
cebeu a influencia de Van Eyck (v. retro
pag. 13); infelizmente não resta uma única
taboa de pintor nacional do meado do sécu-
lo XV, e muito raenoí da época era que o ce-
lebre artista flamengo esteve em Portugal
(.1428-1429).
D'ahí até ao quadro assignado Vasco Fer-
nandez (1520, segundo Robinson) ou até ao
outro assignado Velasco (1530-1540, segun-
do o mesmo Rob.) temos um século inteiro.
et Ch. Ruelens. Bruxellas, 1862-1865 em 2
vol. ê preferível, por causa do 2.» vol.. que
contém valiosíssimos documentos. Ha ainda
uma iraducção allemã, com novas correcções
e aditamentos, feita por A. Springer. Leipzig
1875, 8.0. Vid o Cap. V, pag. 383 e seguin-
tes.
Nãorecommendaremosaleiturada obra de
Alfred Michiels. Histoire de la peinture fla-
mande. Paris, 1865 187tj em 10 vol. por ser
muito difusa e confusa; o que diz respeito á
antiga pintura flamenga (século xv e xvi)
está concentrada nos vol. II e V. Exproban-
do a Raezynskí os seus erros augmenta ain-
da mais a confusão, com novos erros !
1 Dizemos Paizes- Baixos, porqu^é incorre-
cto e induz em erro fallar-se unicamente da
escola de Flandres, quando é certo que esta,
cujos chefes são os irmãos Van-Eyck, não
se deve confundir com a Escola de Brabant,
cujo chefe é Roger van der Weyden. Vide
Crowe op. cit.
VIS
uma solução de continuidade enorme. Note-
se que pouco imporia allegar que liouve
quadros portuguezes intermédios; temos de
argumentar com factos, e não com hypothe-
ses.» 1
Com effeito não ap pareceram ainda, entre
nós, quadros de Jean Van Eyck, de Peter
Christus, Hugo van des Goes, Rogier van
der Weydeu, Dierik Bouts, para citar só os
mais notáveis. Apenas um grande mestre,
um pouco posterior, está representado, este,
é verdade, admiravelmente. E' Gerard Da-
vid, 2 que já vivia, trabalhando, em 1484, e
que falleceu a 13 de agosto de 1523. Igno-
ra-se a data do seu nascimento.
São d'elle, segundo o Sr. Justi, que reco-
nheceu immediataraente o autor, os seguin-
tes quadros, existentes em Évora no palácio
do arcebispo. Como foram atiribuidos a Grão
Vasco ^, temos de os citar aqui.
1 A pintura portugueza, pag. 16.
2 David foi discípulo de Memlinc e nas-,
ceu em Oudevaier (Hullanda); sabe-se que
vivia em 148'; pertencia eoião à confraria
dos piniores (Malergilde) de Bruges. Morreu
a 1? de agosto de 1523. Hans Memlinc, pro-
vavelmente de origem allemã, apparece em
1478, primeira daia certa; julga-se que fci
discípulo de Rogier van der Weyden, chefe
da Escola de Brabante; morreu pouco antes
de 1495. V 1(1. Woltmann. Gí-scMc/ííe der A/fl-
lerei. Lf^lpzig. 1879, vol. II. Os quadros de G.
David sào muito raros; caleule-se pois o the-
souro que Évora possue !
3 Raczyn!<ki Les arís, pag. 159 e pag. 353
e seg. No Archivo Pittoresco vol. xi (1868)
pag. 177 vem uma gravura em madeira d'es-
te quadro, que parece antes uma caricatura;
o artigo de Simões oscilla entre influencias
byzaniinas e Grão Vasco ! ! Mais tarde em
1881 {A Arte, pag. 36) attribuiu o quadro
«senão ao próprio Memlloo (sic), pelo menos
a algum dos seus melhores discípulos». No
ultimo estudo, impresso em 1888 o quadro
é primeiro de algum discípulo (pag. 2il) ;
ires pagioas mais adiante, é obra talvez do
próprio Meemlmc (244). Tanto n'e8te uliimo
estudo, como em 1881 teima em chamar ao
quadro a Assumpçãol O assumpto é a Co-
roação da Virgem; o nome Nossa Senhora da
Gloria é o popuiarl Os doze quadros, que
pertencem á peça central, quiz Simões enfi-
leirar, ao que parece, ainda na escola de
m 1867
Uma grande taboa principal, a Ado-
ração da Virgem e do menino, chamada
Nossa Senhora da Gloria, e mais onze qua-
dros menores (1",88— l°',33j, que represen-
tam :
1. O Nascimento da Virgem.
2. A Virgem no caminho para o templo.
3. O Casamento.
4. A Annunciação.
5. O Sonho de S. José.
6. O Nascimento de Christo.
7. A Apresentação no templo.
8. A Epiphania.
9 A Circumcisão.
10. A Fuga para o Egypto.
11. O Menino entre os doutores.
12. O Transito da Virgem.
Na Galeria Grão-Ducal de Darmstadt exis-
te uma repetição da taboa central, também
sobre madeira (0,93"' de alt.X0,73 de Larg.)
n.» 189 do Catalogo, p. 47. ed. de 1875. Ha,
comiudo, algumas differenças nos episódios
representados nos dois quadros. Eis o de lá;
«A Virgem Maria com o menino sobre o
throno, cujo espaldar é formado por um ri-
co tapeie. O menino, que está no cólo, fo-
lheia n'um livro de horas, que a Virgem tem
na mão. A' direita quatro anjos, cantando ;
á esquerda mais tres anjos que tocam no ór-
gão ; o terceiro dá ao fole. Os anjos são imi-
tados, innegavelmente, do polypticho de
Ganle dos irmãos Huberto e João Van Eyck. A
vista estende-se de cada lado do throno por
um jardim fóra, circumdado por um muro.
Grão-Vasco (pag. 255), aproximando-os dos
de Setúbal !! O sr. Gabriel Pereira [Estudos
Eborenses; opúsculo Beílas-Artes. Évora,
1886 pag. 21) advertido provavelmente pelo
Sr. Prof. Justi, já cila Gerard David, como
auciordos quadros. Raczyuski referia, a pro-
pósito do quadro O menino entre os doutores,
o nome Christovão de Utrecht por causa do
raonogramma, que n'elle se encontra ; Les
arts pag. 200 monogr. n.» 3 ; está na Biblio-
theca, mas pertence ao grupo dos que "
vôem na Capella e, portanto, o Gerard Da
vid (vid. Zeitschrift.)
1868 VIS
VIS
no qual ha uma ramada; ao longe uma pai-
sagem extensa, povoada de arvoredo.» ^
O Sr. Prof. .Tusli exalta o merecimento
d'estes quadros, dizendo que a pequena ga-
leria de Évora é o coojuneto mais conside-
rável que a antiga escola flamenga produziu,
segundo o seu conhecimento. São, innegavel-
mente, jóias da arte, que pouco soíTreram
dos restauradores, mas nada tem que vêr
com o Grão-Vasco, O Sr. Prof. Justi nota
apenas uma physionomia românica na Cir-
cumsição; todos os episódios são flamengos,
e por isso não se pôde duvidar que os qua-
dros foram importados. A época a que os
quadros correspondem é a do Governo do
Bispo D. Affonso de Portugal, (1485-1522)
da casa de Vimioso. ^
A influencia dos antigos flamengos revela-
se ainda, segundo o especialista allemão, nos
seguintes quadros :
Missa de S. Gregorio — pertencente à Sr.«
Condessa d'Edla, no género de Roger van der
Weyden — ; os treze santos teem, comtudo,
aureolas com nomes portuguezes ; na série
figura Santa Izabel de Portugal.
Pertencem á Escola de Gerhard David os
seguintes :
O Tripticho do Museu Nacional n.» 697.
Nossa Senhora da Misericórdia— São Chris-
tovão — São Sebastião ; no verso das portas
S. Pedro e S. Paulo. Veio da Madeira e foi
comprado ao sr. Agostinho de Ornellas, di-
gno Par do Reino.
E' de outro artista flamengo A fugida pa-
ra o Egypto. Aead. Cat. 1872 n.« 229. ^
1 Die Gemaelde-Sammlmg des Grossh. Mu-
seums zu Dnrmslndt ; verzeiehnet von. Prof.
Rudolf Hoffman. 2." Aufl. Darmstadt. 1875.
O quadro é aliribuido no catalogo á Escola
de Memlinc do sec. xvi, talvez Gerhart Ho-
reboui; em nota: antigamente altribuido a
Hans Memlinc.
2 Sobre este prelado e um antigo quadro
do sec. XVI com o seu retraio, lypo Grão-
Vasco existente na Bibliotheca de Évora, vid.
o que dissemos nas notas à ed. de Francisco
de Hollanda p. xviii. ^
3 O sr. Justi não indica numeração algu-
ma, com relação a este quadro. Suppomos
O grande quadro da Misericórdia do Por-
to : Fons vitae. ^
O typo da Nossa Senhora, e o colorido re-
cordam, segundo o mesmo escriptor, a fa-
ctura de Bernhsrd van Orley. A composição
e o estylo tem aíBnidade com o tripticho ci-
tado.
Temos mais pintores flamengos em Tho-
mar, no Convento de Christo:
A entrada em Jerusalém.
O capitão de Cafarnaum. (S. Matheus
Vill, 5)
A resurreição.
Todos tres no estylo de Dierik Bouts, ce-
lebre pintor, que vivia em li60 e falleceu
em 1475, chamado impropriamente Sluer-
bout.
O Sr. Prof. Justi, reparando no grande nu-
mero de quadros que ornavam a egreja do
Convento de Christo (eram 39^ hoje apenas
31) 2 e lembrando-se do pintor Joanms Dra
lia, sepultado em Thomar, sugere a hypolhe-
se de ter eiie sido talvez o auelor das pintu-
ras archaicas no género flamengo. Além das
taboas referidas cita o sr Justi o que esca-
pou: uma das portas (lado esquerdo dore-
lavolo da Crucificação; 16 figuras de anjos
com os iosirumenios da paixão no estylo do
sec. XV, cujos rostos foram repintados; 10
taboas da vida de Christo (sendo 8 grandes
e 2 menores) muito damnificadas ; e por de-
baixo 12 pinturas de grandes dimensões,
ser o n." 229, (Cat. de 1872) que é hoje o n."
14 do Museu nac. Cat. pag. 96. Laurent re-
produziu o n.° 690.
1 A este quadro corresponde melhor o ti-
tulo Fons vitae, fons misericordiae, fons pie-
tatis. Em 1877 (Archeol. artist. fase. iv pag.
xvn) attribuimos este quadro a Quinten Mes-
sys (1460-1530); corrigiremos ainda outra
noticia de 1877: o Holbein, chamado da jBm-
posta, propriedade nacional, confiada a El-
Rei D. Kernando, é com effeito de Holbein,
pae; a assignaturaé aulheutica, vid. Wolt-
mann u. Woermano, Geschlchte d. Malerei
vol. II (1881) pag. 460.
2 São 31, segundo o Sr. Justi. Raczynski
{Les arts p. 157) cita apenas vinte e dois;
Volkmar Machado indica também 22, pag. 52.
VIS
VIS 1869
das quaes restam apenas as quatro que ci-
tamos retro ; as oito restantes foram rouba-
das.
Como se vê, apenas se apuram tres no-
mes: Roger, Gerhard David e Dierik Bouts.
E' certo que em Lisboa appareceu uma obra
de Jean Van Eyck, a Stigmatísação de S.
Francisco, que Lord Heytesbury comprou.
Felipe II, grande amador de pinturas flamen-
gas, como se sabe, parece que levou para Ma-
drid pinturas importantes que achou em Lis-
boa, retratos de pessoas reaes, que appare-
cem citados nos inventários do Alcazar ré-
gio ainda no tempo de Felipe III, e estavam
na Galeria dei cierzo. ^
Entre os Pintores estrangeiros naturalisa-
dos cabe o primeiro legar a Frey Carlos,
pintor de Évora. Vivia no convento do Es-
pinheiro em 1517. O nome d'este artista ap-
pareceu n'um quadro de 1537 que perten
ceu ao pintor Roquemont; infelizmente, não
se sabe ondè pára hojel As suas obras mais
importantes estavam no Convento do Espi-
nheiro, junto a Évora, e guardam-se hoje no
Museu nacional. O Marquez de Sousa tinha
agrupado seis quadros como pertencentes a
este artista n.<" 176, 2H, 212, 214 a 216 (Ca-
talogo de 1872 in fine).
O Sr. Prof. Justi vae muito mais longe, at-
tribuindo-lhe os seguintes:
A Annunciação. Museu n.» 677 (Cat. 1872
— N." 176)
Christo apparece á Virgem. Museu n." 2
(Cat. 1872 — N.« 212)
A ascenção de Christo. Museu n." 83 (Cat.
1872 — N." 215)
A ascenção da Virgem. Museu n." 82 (Cat.
1872— N.° 214)
O bom pastor (S. João Bapt). Museu n.°
1 (Cat. 1872 — N.» 211)
O pentecostes. Museu n." 34 (Cat. 1872 —
N.» 263)
A adoração dos pastores. Museu n.° 81
(Cat. 1872 — N.o 216)
1 Noticia do Sr. Justi — O que parece fóra
de duvida é que o livro de desenhos de Hol-
landa, hoje na Bibliotheea do Escoriai, foi
lambem um rapto de Felipe II.
YOLUMB XI
A Verónica. Museu n.» 51 (Cat. 1872 —
N.° 213)
E talvez, até novo exame, mais estes :
A Virgem com o menino e duas santas :
Cal. de 1872— n.» 221.
Um pequeno quadrinho na Exposição re-
trospect. de 1882. Catalogo. Sala J. n.° 97
Nossa Senhora com o menino. Alt.0,41— larg
0,31, pertencente à Casa Pia.
S. Juan de la Cruz dando o Estatuto ás
freiras Carmelitas de Avila. Museu n.* 85
(Cat. 1872 n.» 276).
Poderemos aeerescentar pela nossa parte:
duas pequenas taboas, representando tam-
bém Nossa Senhora com o Menino, uma
pertencente ao nosso amigo J. M. Nepomu-
ceno e outra do Museu Allen, hoje Musçu
Municipal do Porto (sem numero).
Justi louva muito este pintor, no qual Rae-
zynski encontrou pouco mérito (pag. 123
Les Arts). Je lui trouve un type partieulier,
mais bien peu de mérite.»
O autor allemão classifica-o na escola de
Harlem e acha que tem grande afinidade com
o celebre Jan Joest, i chamado de Kalkar ;
da mesma opinião é o dr. Scheibler, cuja
competência é universalmente reconhecida
na especialidade dos quadros antigos alie*
mães e flamengos.
B
Passemos agora á outra classe de pintu-
ras, que procedem de artistas portuguezes,
que estudaram nos Paizes-Baixos:
A influencia mais saliente é a do pintor
Quinten Metsy ^ «
lEste autor é chamado de Kalkar, porque
é n-esta cidade que se guardava sua obra pri-
ma, o grande retavolo da egreja de S. Nico-
lau. O seu estylo approxima-se do dos con-
temporâneos de Meemlinc. oriundos daHol-
landa (Escola de Harlem). Trabalhou de 1505
a 1508 n'esse retavolo e parece que morreu
em i519. (Woltmann, op. cit. Vol. II p. 492
e 530).
2 E' o chefe da escola de Antuérpia. Nas-
ceu antes de 1460 e morreu em 1530.
Este grande mestre gosou de immensa fa- •
ma na Península. Basta recordar que é o
único pintor flamengo que Francisco de Hol-
li8
1870 VIS
VIS
Justi encontrou os seguintes quadros que .
a comprovam :
O menino entre os doutores, pertencente á
Sr.» Condessa d'Edla (Exposição retrospect.
de 1882J.
A apresentação no templo.
A fugida para o Egypto.
Maria junto da Cruz ; estes tres da col-
leeção Fidié^ em Lisboa, e procedentes, bem
como o anterior, do conveato da Madre de
Deus, fundação da rainha D. Leonor, mulher
de D. João II, que se distinguiu sobremodo
pela proiHCção excepcional que dispensou ás
lettras e ás artes:
Deve juntar-se o quadro do Museu nacio-
nal, baplisado com o nome de Holbein A Vir-
gem com o menino n." 546 (Cat. 1872 n.° 72)
que foi da collecçào do Conde de Farrobo.
Todos estes quadros, que poderiam pelo
seu raro valor e pela factura ser altribuidos
ao próprio Metsys, são nacionàes, assim co-
mo os que seguem:
Em Thomar: O Baptismo, a Tentação e
as Bodas de Caná, de menor valor; mais
amaneirados.
No Museu Nacional tres: um grande tri-
ptycho : Christo na Cruz, tendo nas portas
S. João Baptista e o Evangelista ; ^
S. Vicente e S. João EvangelistaUusAí
(Cat. 1872-271);
S. Thiago e S. Agostinho Mus. 45 (Cat.
1872-272) ;
Estas obras não teem o mesmo mereci-
mento das taboas da Madre de Deus (Con-
landa incluiu na lista dos que elle chama
águias. (Da Pintura antiga foi . 179) I E'
.«abido que Hollanda se pronuncia ostensiva-
mente contra a pintura flamenga em gerai.
O nome d'esle pintor varia nos documentos:
Mas^y-i, Messys, Matsys e Metsys. Foi amigo
de Darer e Erasmo, e d'ahi talvez as rela-
ções de Goes com este pintor, cujos quadros
figuravam na galeria do celebre chronista.
1 O pequeno museu de curiosidades de
Fidié foi vendido em 1887 (?) em leilão por
morle do possuidor.
~ O Sr. Prof. Justi não indica o numero,
provavelmente porque o viu n'algum corre-
d@r da Academia ; no cat. de 1883 não está.
dessa d'Edla e Fidié) mas podem, segundo
Justi, ser do mesmo auior; aqueUas repre-
sentariam o artista na plenitude dos seus
recursos, logo depois do regresso de Antuér-
pia; estas uma diminuição de forças, n'um
meio inferior, em face de um publico menos
exigente.
Quem é porém esse artista nacional, que
tanto aprendeu na escola de Quinten Metsys?
Justi crê que será o Eduwart Portugaloys,
seu discípulo tm 1504, proclamado vrymees-
ter (mestre pintor) da confraria de S.Lucas
de Antuérpia em 1508.
No mesmo archivo da Gilde encontrámos:
Symon Portugaloys, discípulo de Goosen
(Goswin) van der Weyden em 1504. Goswin
foi, segundo Laborde, filho do grande Roger;
segundo Crowe e Cavaleaselle, mais prova-
velmente, neto.
Affonso Castro (Allonse Crasto) discípulo
do mesmo mestre em 1522.
Ha mais : Hanneken {João)Talasco, àhd-
puio de Jacob Spueribol em 1540.
Pedro (Peeter) de Castro, discípulo de Jau
SoezeWict em 1559.
«Estes factos, diz o Sr. Prof. Justi, forne-
cem, com eífeito, a chave para a avaliação
de uma grande parte dos quadros antigos
portuguezes.» ^
1 O sábio escriplor refere-se n'esta passa-
gem aos nossos trabalhos sobre historia da
arte nacional com palavras de tanto louvor,
que não podemos deixar de as agradecer
aqui publicamente; ao mesmo tempo subli-
nha a grande importância que o achado d'es-
tes nomes tem para a historia da pintura
portugueza. Os nomes foram citados pela
primeira vez por nós das fontes hollandezas
na Carta ao Dr. Simões de 10 de março de
1878, na Renascença.
Simões não percebeu, ou fingiu nao per-
ceber o vàlor da descoberta e deu no mes-
mo jornal uma resposta pueril, sem senso
commum.
Os nomes foram encontrados nos annaes
da confraria dos pintores de Antuérpia :
Rombouts & van Lerius. De Liggercnenan-
dere historische archieven der aníioerpsche
sint Lucas gilde. Antwerpen, 1872—1876, 2
vol. 4." gr.
VIS
VIS 1870 A
E' muito provável que estes artistas es-
tudassem em Flandres à custa de D. João II
e de D. Manoel, sob a vigilância dos feito-
res. 1
Assim como o Sr. Justi conseguiu achar
03 quadros que se relacionam com o discí-
pulo porluguez de Metsys, é possível que en-
contre mais tarde as obras dos outros bour-
siers ou pensionistas portuguezes.
Justi filia ainda na Escola de Antuérpia
um outro artista porluguez, o autor dos qua-
dros que Raczynskí baptisou:
São Bento (da Saúde), pela proveniência
das tãboas. Os seus trabalhos teem muita
1 Já averiguámos nos nossos trabalhos que
os feitores de Portugal em Antuérpia eram,
por assim dizer, os tutores dos numerosos
estudantes portuguezes que a coroa subsi-
diava em França e em Flandres. Em Paris
chegaram a reunír-se eincoenta boursiers
portuguezes! Vid. krcheol. arlist. fase. IV
pag. 46. As numerosas edições de obras
de autores portuguezes, feitas nas mais cele-
bres officínas da Europa, não só de humanis-
tas, em latim, mas também em língua porlu-
gueza, só se podem explicar por intervenção
dosfeitores. Vide as provas no nosso ensaio:
A feitoria de Portugal em Flandres. Porto,
188o, o'um opúsculo do Atheneu commer-
cial do Porto.
analogia com os de um chamado Konrad
Fyoll, cujas obras se encontram em Franc-
fort sobre o Meno. ^ Este Fyoll tem bastan-
te simílhança com mestre Quinten Metsys.
A serie dos quadros do mestre de São
Bento é numerosa:
A Visitação de Nossa Senhora. Mus. 4
(Cat. 1872-236).
A Epiphania, Mus. 5 (Cat. 1872-237).
A apresentação no templo, Mus. 6 (Cat.
1872—238).
O menino entre os doutores, Mus. 7 (Cat.
1872-239).
Accreseem os seguintes de Coimbra: V.
pag. 1871.
As relações dos feitores com os celebres
artistas flamengos e allemães do século xv e
XVI foram amplamente documentadas por
nós em 1877.
1 Aliás pseudo Fyoll, diz o sr. Justi, porque
o Konrad Fyoll, citado em documentos de
1471-1476, nào pode ser o pintor que tem
grande analogia com o Mestre de S. Bento,
e cujas obras se encontram em Franefort ;
este pintor de Franefort pertence ao princi-
pio do século XVI, e approxíma se de Quin-
ten Metsys e da Escola de Antuérpia Vid.
Woltmann, op.cit. vol. II, pag. 98; e Schnaa-
se, Geschichte der bildenden Kunste. Sluit-
gart, vol. VIII pag. 376 e segg.
Joaquim de Vascongillos.
EMENDAS E ADITAMENTOS
Á MEMORIA SOBBE GRÃO -VASCO
A nota. Segundo Ensaio, à frente d 'este
estudo, allude ao primeiro Ensaio, publica-
do em 1881: A pintura portugueza, ete.
Pagina 1861, eolumnà 2.» linha 30 -A. Y.
Pereira — leia -se: A. J. Pereira.
Pagina 1866, columna 2.» linha 10 — Os
dc portuguezes. . . Depois da palavra re-
gresso, aecrescenlar: e os de seus alumnos.
Pagina 1867, columna 2." linha H— dos
que vêem— leia-se: dos que se veem.
1870 B VIS
Pagina 1868, coiumna 2.» IÍQha34 e 35—
E' de outro artista flamengo A fugida para
o Egypto.
Elimine-se a designação Aead Cal. 1872,
n " 229. A referencia do sr. Prof. Justi al-
lude a um quadro do Convento da Madre de
Deus. A nota 3 à mesma passagem é, pois,
supérflua.
Pagina 1869, coiumna 1.» liniia 14— Feli-
pe III— leia-se: Felipe IV.
Pagina 1869, coiumna 2.» ultima linha —
Metsy — leia-se: Metsys; e na nota immedia-
ta leia-se: Memlinc em logar de Meemlinc.
Pagina 1870, coiumna l.Minha 17— -n.»
§46 (Cat. 1872, n.« 72)— leia-se; (Gat. 1872,
n." 148), que corresponde ao n.«546 do Cat.
de i883.
Pagina 1870, coiumna 1.» linha 23 — Em
Thomar. Accrescente-se: na Egreja de S.
João Baptista.
Pagina 1870, coiumna 1.» linha 26 — No
Museu Nacional— leia-se: na Academia, em
S. Francisco, Depois do titulo Christo na
eruz, junte-se: ladeado por Nossa Senhora e
S. João Baptista.
Pagina 1871, coiumna l.« linha 3^0 Im-
perador Heráclio e o retavolo com S. Cosme I
VIS
e São Damião são ambos do depossiJoposito d
Universidade.
Pagina 1872, coiumna 1.» linha 24i 2( 24 — nJ
galeria Raczynski deve contar-se maainíniais un
quadro portuguez do typo Velaseus. F3. is. E' un
triptycho A paixão de Nossa Senhoras rara junt»
da cruz, com S. João Baptista e S. Jeroovrieronymo
n." 122 do Cat. de 1876.
Pag. 1877, coiumna 2.» linha 15— (d^- depois
da palavra Sé, aecrescentar: e da gceig< geração
anterior.
Pagina 1880, coiumna 1.» linha 6 ' — des-
vanecem-se — leia-se: Desvaneceu-se.
Pagina 1881, coiumna 1.» nota í.« liinlii linha 7
—são os segumtes — leia-se : as seguiiiu^uintes;
depois da data 1537 leia-se no portal;; i; il; onde
diz convento de freiras, junte-se; capiuoupuchas
da Madre de Deus.
Pagina 1883, coiumna 2.» linha 6 - D I- Dres
den Cat. Ved. franc, — corte-se o V, eí ie e leia
se: edição,
A monographia do sr. Prof. Justi ísosí sobre
Velasquez, a que se allude a pagina 1.' l 1888, I
nota 1, sahiu em fins de 1888. Diego VefeVelaz-
quez und sein lahrhundert. Bonn. 188}8,838, ed.
Max Cohen, 2 vol. 8," gr, de VllI-'4S4í-428 e
X-434 pag. Como era de esperar, é unnn m la-
vor litterario de primeira ordem, em tod)dodo o
sentido.
Joaquim de Vasconcellos)S.os.
VIS
VIS
1871
A Crucificação, na Sacristia de Santa Cruz
•em Coimbra.
O Imperador Heráclio, restituindo a sagra-
-la cruz a Jerusalém.
Um relavolo com S. Cosme e S. Damião,
ambos do deposito dos quadros da Universi-
<iade.
E mais os seguintes na egreja do Conven-
to de S. Francisco, de Évora:
A' entrada da Capella-mór, nos altares la-
teraes, do lado do Evangelho e da Epistola:
A estygmatisação de São Francisco.
Santo Antonio., prégando aos peixes.
Santa Clara.
O archanjo São Miguel; e mais uma Pietà
na crypta da egreja. i
Ainda ao mesmo pintor do São Bento at-
tribue o Sr, Justi parte dos quadros do con-
vento de Jesus de Setúbal, sem, eomtudo,
■os especialisar; e em Lisboa:
Nossa Senhora da Conceição, quadro que
estava na Academia, sem numero, e não ap-
parece no Museu nacional.
O Padre eterno — Mus. n.° 28 (Cát. 1872
— n.» 258).
O casamento de D. Manoel na Misericór-
dia de Lisboa, que esteve na Exposição de
arte ornamental de 1882. ^
1 As indicações dft Raezynskinão concor-
dam ; e as nossas notas, tomadas em Évora,
são também diíferentes. Os quadros estão
dispostos do seguinte modo: no altar do la-
do do Evangeliio : S. Francisco recebendo
os stigmas, e Santo Antonio prégando aos
peixes; por debaixo do primeiro São Ber-
nardo (ou S. Bernardino de Siena ; um San-
to, rejeitando tres mitras) e por debaixo do
outro Santa Clara. No aliar do lado da epis-
tola O anjo da guarda, com as armas reaes
de Portugal, e São Miguel; por debaixo S.
Jeronymo e outro Santo. São, ao todo, oito
pinturas.
2 Este quadro foi, durante muito tempo,
attribuido a Blas dei Prado! O absurdo sal-
ta aos olhos de quem viu os quadros authen-
ticos d'este artista em Madrid. Vid. Cean-
Bermudez vol. iv. p. 116; o culpado foi Gua-
rienli (17o3) vid. Baczynski Les arís p. 317.
. O Abbade de Castro publicou sobre este
quadro o seguinte opúsculo: Resumo histó-
rico sobre o quadro pintado a oleo, repre-
Todos os quadros d'este auctor, diz o Sr.
Justi, são superiores ás quatro seenas da
lenda de Santa Úrsula (Madre de Deus).
No capitulo Velascus, chega o eseriptor
allemão ao seguinte agrupamento:
O Pentecostes, na Sacristia de Santa Cruz»
assignado.
O Ecce homo, ahi mesmo.
Santa Helena descobrindo a Sagrada Cruz
no patamar da escada que conduz ao Sacra -
rio.
Oito quadros, que foram do convento do
Paraizo, e eslão hoje no Museu nacional; in-
cluindo todo o grupo que Raczynski desig-
nou Abram Prim. São:
Mus. n." 8; Cat.- 1872 — 223: — toa-
mento de Nossa Senhora.
Mus. n.» 9 ; Cat - 1872 — 224 : — Annim-
dação.
Mus. n.° 10; Cat - 1872 --225: — Visita-
ção.
Mus. n.» 11 ; Cat - 1872 — 226:— Aáorarão
dos pastores.
Mus. n.» 12; Cat - 1872 — n7:—Epipha-
nia.
Mus. n.° 13; Cat- 1872 —228: —^p;'e-
sentação do templo.
Mus. n." 14 ; Cat - 1872 ~ 229 : — Fugida
para o Egypto.
Mus. n.o 15; Cat - 1872 — 230 : — Tran-
sito de Nossa Senhora.
Mus. n." 30; Cat - 1872 — 268 : — Nossa
Senhora com o menino e vários anjos, brin-
cando no Jardim do Paraizo,
Na egreja de S. João Baptista de Thomar.
Abrahão e Melchisedek.
O Maná no deserto.
Missa de S. Gregorio, Papa.
A degolação de S. João Baptista.
A apresentação da cabeça do Santo.
O sr. prof. Justi nota que Baezynski achou
estes quadros de Thomar fracos e até de-
testaveisl {Les arts pag. 127 e ainda pag.
sentando o acto do casamento d'El-Rei o Se-
nhor D. Manoel com a Senhora D. Leonor
etc. Lisboa, 1871. 8.° de 6 pag. Pouco ou ne-
nhum valor tem.
1872 VIS
VIS
48i), gabando os de Lisboa, que devia ter
reconhecido como obra do mesmo pincel.
No convento de Jesus, em Setúbal, onde
ja encontrámos o mestre de São Bento, os
seguintes:
A Annunciação.
A Adoração dos pastores.
A Epiphania.
A Ressurreição.
O sr. prof. Jusli acha que não é faeil dis-
tinguir em Setúbal os trabalhos do mestre
de São Bento e os de Velascus. O primeiro
tem figuras de proporções esbeltas, cabeças
sobre o comprido, de feição flamenga, dedos
compridos e delgados, gesticulação animada
e tonalidade clara. Velascus apresenta pro-
porções curtas (Raczynski diz tozze) cabe-
ças sobre o largo, de feição meridional,
mãos curtas e largas. Em seguida compara
os typos portuguezes d'este pintor com ou-
tras figuras de monumentos nacionaes em
Belém, em Santa Cruz, etc.
Para completar a lista cita ainda os dois
quadros da Galeria Raczynski de Berlim:^
Santa Catharina com Santa Barbara; e
Santa Apolonia com Santa Ignez; são pen-
dants em Lisboa os quadros do Museu na-
cional n.° 52 (Cat. i872 n.° 274) que repre-
senta Santa Luzia com Santa Agatha; e
o n." 53 (Cat. 1872 n.« 273), que representa
Santa Margarida com Santa Maria Magda-
lena.
Os quadros da Galeria Raczynski foram
da Galeria do Marquez de Penalva.
A propósito d 'este Velascus tóca o sr.
prof. Justi, de passagem, na questão Grão
Vasno, observando que Velasco e Vasco são
o mesmo nome; a primeira fórma antiga,
não conirahida ainda; a segunda, já contra-
hida pela quéda da liquida e fusão das
duas vogaes e-a (por assimilação a-a). Do
mesmo modo como de Pelayo nasce Payo;
de Melendez, Mendez; de Venegas, Vegas, de
color, côr, ehega-se de Velasco a Vasco, em
perfeita concordância com as leis phoneti-
1 Teem no catalogo, edição de 1876, os
n.'=' 74 e 123.
ticas da lingua portugueza, como já atraz
notámos.
Nos Portugalliae Éonumenta apparecem
as formas Valascus, Valasco, Velasco, Vasco;
os apellidos Velasquiz, Valasqui, Velasei e
Vaasquiz. ^
Occorre aqui, naturalmente o nome de
João Valasco, discípulo de Jacob Spueribol
em 1540, mas o sr. prof. Justi não crê isso
provável, por causa da differença radical
entre o estylo de Velascus e o que então
reinava em Antuérpia. O mesmo auclor in-
clina-se a crêr que o Velascus de Coimbra
é, com effeito, o Grão-Vasco da tradição: «A
sua actividade nos monumentos de funda-
ção regia, o grande numero dos seus traba-
lhos, o desenvolvimento da sua escola, a
concepção nacional das suas physiognomias,
a jovialidade e a graça das suas figuras fe-
mininas, o movimento dramático, arrebata-
dor das suas grandes obras: todas estas cir-
cumstaneias eram muito próprias para fa-
zerem d'elle o pintor favorito da nação, por
que não seria o modo puramente flamengo,
sempre um pouco estranho e frio, o que po-
dia agradar aos portuguezes.»
«A absorpção, poderemos ainda accres-
eentar, começaria do seguinte módo: omit-
tindo-se o nome dos seus collaboradores; do
Mestre de São Bento, hoje representado em
Coimbra e em Setúbal, e do mestre Eduardo
(Porlugaloys) em Thomar.»
Passando ao Vasco Fernandez, pintor de
1 Temos pois, em conclusão: Velasco, fór-
ma antiga de Vasco; Velascus, tradução la-
tina de Velasco ou Vasco; Vasquez ou Vas-
ques (apellido) significa filho de Velasco ou
Vasco. Era hespanhoi ha: o nome de baptis-
mo Velasco e o apellido Velasquez, que si-
gnifica filho de Velasco: também apparece
frequentemente no sec. xvi, e ainda depois,
a fôrma portugueza Vasquez (só com z) co-
mo apelhdo. Na Itália chamavam no sec. xv
um portuguez Vasco— Fe/asco di Portogallo
jurisconsulto illustre que estudou em Bolo-
gna, e gozou de grande fama em toda a Itá-
lia no meado do sec. xv {Vite di uomini
illustri dei secolo xv scrilte da Vespasiano
da Bistieci ed. Angelo Mai; Firenze, 1859
pag. 520 e seg.)
VIS
VIS 1873
Viseu, o escriptor allemão separa-o clara e
deflnitivamente do anterior.
Segundo o Ms. de Botelho Pereira a dis-i
posição dos quadros era a seguinte:
A Paixão na capella de Jesus, o único que
ficou no seu primitivo logar.
O São Sebastião n'uma capella do Clau-
stro, provavelmente n'uma capella do mesmo
norae, fundada pelo bispo D. Gonçalo Pi-
nheiro;! d'esta fundação falia o ms. de Bo-
telho Pereira.
São Pedro no altar de uma capella, á di-
reita da Capella-Mór;, onde hoje está a sua
estatua.
O Baptismo de Christo, na capella de S.
João Baptista.^ Os pequenos quadros da
1 Folheámos os eseriptos menores latinos
do humanista e archeologo André de Re-
zende, de seus amigos e discípulos, m espe-
rança de encontrarmos alguma noticia dos
quadros de Viseu nas composições que de-
dicaram a pessoas e a logares celebres da
cidade e arredores, no meado e na segunda
metade do see. xvi.
Nem na vida do bispo D. Gonçalo Pinhei-
ro por Diogo Mendes de Vaseoncellos (pag.
331-355), onde se referem as importantes
obras que fez em Fontello; nem no extenso
poema Fontellum, que celebra as bellezas da
quinta, dedicado por Antonio Cabedo ao
mesmo bispo (pag. 534-542) se encontram
vestígios de Grão-Vasco. Estes trabalhos
formam a segunda parte da seguinte edição
das obras de Rezende: De antiqvitatibvs Lv-
sitaniae libri quatuor promovida pelo Dr.
Gonçalo Mendes de Vaseoncellos e Antonio
Cabedo. Romae, apud Bernardum Basam,
1597. 8." Toda a 2.» Parte (pag. 321-576)
contem cartas e poesias dos auclores cita-
dos e de Miguel Cabedo, D- Gonçalo Pínhei-
. ro, do Cardeal Stephaní, de Ignacio de Mo-
raes, Manoel Pimenta, Jeronymo Osorio (Bis-
po de Silves). Pedro Mendes, Luiz Pereira,
etc. Noie-se que esta família dos Pinheiros,
poderosa e rica, tinha intimas relações com
as principaes casas de Setúbal, principâl-
mente cora os humanistas da família dos
Cabedos; e em Évora com os antiquários e
humanistas da familia Mendes de Vascon-
cellas. Ora, Viseu, Setúbal e Évora possuem
quadros muito importantes da escola do
Grão-Vasco.
2 O Ms. de Botelho Pereira diz, com rela-
ção a estes quadros, o seguinte:
Predela, são doze, representando vários
santos.
O escriptor allemão é de parecer que o
pintor d'estes quadros representa uma in-
dividualidade distineta, e que não é o mes-
mo que nos legou o quadro assignaJo Ve-
lascus; comtudo, não é um artista excepcio-
nal, nem tem as proporções que quizeram
dar-lhe. Como encontrou em Viseu também
um quadro do Pentecostes, serve-lhe este
quadro para decidir a questão. O de Viseu
julga-o uma imitação do de Coimbra, mas
de mérito muito iaferior, uma traducção em
linguagem vulgar. Perfeitamente d'aecordo.
«Foi, diz o sr. Justi, um artista muito co-
nhecedor do seu officio; as extremidades das'
suas figuras, assim como as proporções em
geral, estão bem estudadas e acabadas, um
pouco sobre o comprido; as roupagens teem
estylo e caem naturalmente, seguindo os
movimentos do corpo; mas os rostos das fi-
guras, os movimentos e gestos são extrema-
mente monótonos, amaneirados, e ao mesmo
tempo vulgares e inexpressivos. Novo é o
effeito do claro-escuro. Para conseguir a
modelação emprega sombras em que pre-
domina um tom castanho carregado, que se
aproxima do negro; o effeito total é muito
sombrio, como se olhássemos para dentro
de um subterrâneo. »i A opinião do critico
ácerea dos restantes quadros não é muito
«Vasco Frz se chamava o Autor de tão
maravilhosas pinturas, o qual também o foi
das collateraes de S. Pedro e S. João Ba-
ptista, altar privilegiado todas as segundas-
feiras, bem grandíssimo para as almas do
purgatório; também pintou o de Santa An-
na e Sam Sebastião dos Claustros, e o de
Jesus que é o da Capella do Bispo Dom
João o Protector» (pag. 553). Poderá offere-
cer reparo a designação Santa Anna, quan-
do o quadro representa o Pentecostes; mas
é possível que a designação fosse a da Ca-
pella em que o quadro estava. Também o
S. Sebastião estava n'uma capella que, tendo
a invocação d*este santo, se chamou da Vera
Cruz, quando o Bispo Dom Gonçalo Pinhei-
ro a reedificou.
1 Esta opinião parece dever applicar*
se tão somente ao quadro do Pentecostes.-
1874 VIS
VIS
favorável, incluindo o da Crucificação, que
Raczynski distinguiu, mandando-o gravar,
com o São Pedro, para o seu Dicítonnaire.
Comquanto reconheça qualidades e me-
recimentos notáveis no São Pedro, certa-
mente a taboa mais notável do grupo, pare-
ce-lhe antes uma grande figura de repre-
sentação, uma acção puramente litúrgica.
Como concepção, não é nova; estas figuras
são elemento obrigado no centro dos gran-
des retavolos da Édade Media. Sentindo,
porém, que o quadro merece oceupar uma
posição á parle, o sr. prof. Justi julga que
pode ser talvez de outro auctor: «as cabeças
de anjos da casula apresentam o typo de
Velascus. » ^
Estamos pois, como o leitor vê, muito
longe do enihusiasmo que o São Pedro tem
despertado na maioria dos visitantes de Vi-
seu. Um d'elles, estrangeiro, e insuspeito, o
sr. Crawfurd p. ex. diz o seguinte:
«Qual foi o meu espanto, quando depois
de um leve ranger da chave, a porta se
abriu e eu me achei em íace de uma das
maiores obras primas da pintura! Nem mes-
mo diante das mais extraordinárias pintu-
ras do mundo, das poucas que existem, co-
mo a Madonna (sixtina) de Raphael em Dres-
den, ou os grandes frescos do Vaticano, ou
da Capella Sixtina, senti tão distinctamente
tjue estava em frente da obra de ura grande
e singular génio; e mesmo agora, apesar de
serem passados alguns annos, não hesito um
momento em repetir e confirmar a miuha
opinião; que a grande pintura de Viseu em-
parelha com as seis ou sete obras primas
que existem no mundo.
Note-se que esta opinião é a de um cri-
tico que julga muito desfavoravelmente o
mérito dos quadros portuguezes existentes
na Academia de Lisboa,^ (hoje Museu nacio-
nal), e reduz muito as pretensões dos criti-
1 Como vimos, o sr. Robinson também
duvida que os quatro quadros grandes da
Sacristia sejam do mesmo auctor.
2 Traveis in Portugal 3.» ed. pag. 2o8.
i Ibid. pag. Í92-196.
cos nacionaes a uma chamada Escola de
pintura portugueza.
Seja como fôr, parece que o juizo formu-
lado pelo escriptor inglez levou a Arundel-
Society de Londres a mandar um pintor a
Viseu para copiar o São Pedro, a fim de o
incluir na galeria das suas famosas publi-
cações.i
Não discutiremos aqui as opiniões extre-
mas do sr. Justi e do sr. Crawfurd; diremos
somente com relação aos quadros da Sa-
cristia o seguinte:
Que os dois quadros do Pentecostes não
nos parecem do mesmo auctor; que o de
Viseu ó muito inferior ao de Coimbra; e só
poderá ser considerado como um plagiàto.As-
sim o declarámos em 1880 ao sr. Ad. de Ceu-
leneer, que foi da mesma opinião, depois de
ter visto os quadros de Coimbra e Viseu.^
Crémos que o de Viseu foi pintado na dita
cidade, porque na abobada, representada na
taboa, figura o mesmo cordão que se vê na
abobada da Sé, e que simula um artezoado; a
architectura é a mesma. O cordão, com nós de
espaço a espaço, parece uma aliusão symbo-
liea ao Bispo D. Diego Ortiz de Villegas' que
1 Foi o prof. Emilio Constantini de Flo-
rença que copiou o quadro, Agosto de 1887.
Alguns jornaes citaram o nome de outro
pintor: Desideri, que era esperado em Lis-
boa em dezembro de 1886; julgamos haver
engano.
0 39° Relatório annual do Conselho de
Administração da Arundel Society (junho de
1888) diz que a missão do prof. Constantini
custou à Sociedade 18i lib. 9 sh. 8 d, quan-
tia avultada, em virtude de cireumsiancias
extraordinárias e diffieuldades da viagem.
O Balanço d'esta Sociedade, protectora das
Bellas- Artes, subiu desde 1 de janeiro a 31
de dezembro de 1887 à quantia de lib. 6:321
2 sh, 11 d. Desideri figura também como
piotor-copista da Sociedade.
2 Pouco anten, tinha o nosso amigo o sr.
Antonio Augusto Gonçalves, de Coimbra, ti-
rado um esíaoceto do Pentecostes de Viseu,
para fazermos a confrontação com o qua-
dro da Sacristia de Santa Cruz.
2 Este mesmo prelac\o presidiu á cerimo-
nia com que se inauguraram as obras de
reconstrucçáo do convento de Jesus em Se-
VIS
VIS
1875
Tecoostruia a càihedralS sagrando-a nova-
mente em 1516; no fecho da abobada do cô-
ro eneontram-se as suas armas, com uma
inscripção aUusiva e a data 1513. Segundo
o ms. de Manoel Botelho Pereira de 1630,
no retavolo do altar-mór da Sé^ estava ao
tubal, no remado de D. Manoel, onde ha
importantes quadros portuguezes; ii'um
d'elles. que representa SanH €lara, Santa
Ignez e outras santas, vô-se a portada do
convento.
1 O padre João Col diz no Catalogo dos
Preladat da Egreja de Viseu (Acad. Real de
Historia) tRefez este Bispo a Cathedral e a
sagrou no mez de julho do anno de loi6.>
Sendo a ioscripção do coro, allusiva ao
mesmo Bispo, de 1313 pode dizer- se que foi
quasi uma reconstrucção! Toda a obra da
abobada, tanto no corpo da egreja, como no
côro, é sua: «dantes hera forro de madeira»
(Ms. de Botelho Pereira, pag S56).
2 Não se sabe que retavolo era esse, nem o
quadro ou quadros que o compunham.
Ninguém o explica O sr. Tiíeophilo Braga
(que nunca esteve em Viseu) julga que era
um Descimentada Cruz, quadro «aulhenti-
cado (sie) no ras. de Botelho, da Bibliotheea
do Porto, pag. 553». Não pudemos achar ves-
tígio de semelhante citação nes mss. que o
es"eripíor diz ter consultado; nem consegui-
mos adivinhar de onde veio semelhante des-
coberta, e semelfcanle quadro — que nenhum
escriptor, dos que escreveram sobre o Grão
Vasco, cita!
São conhecidos apenas dois quadros com
o Descimento da Cruz, pertencentes à região
de Viseu: o quadro que foi do sr. Pereira e
um que existe em S. Francisco d'Orgens.
Quererá o sr. T. Braga alludir ao primeiro?
Mas Perewra confessou a Simões que o seu
quadro era do mesmo convento de Orgens!
A cátação de Ms. de Pereira diz apenas:
«hum escuáo das armas d'este Prelado (i. è:
D. Fernand© de Miranda) e de sua geração
está em o relabolo do Altar mayor da Só
com oatro de Dom Ortiz de Villegas seu
lado do escudo éo Bispo D. Fernando de
Miranda, o de Ortiz, que governou o bispa-
do de 1507-ÍS19, anno em que falleceu em
Almeirim.
Para voltar ao quadro do Pentecostes re-
cordaremos K^ue o exemplar de Viseu não
está isolado; na matriz de Soure encontrá-
mos em 188o um outro Pentecostes, que pelo
eslylo das figuras e da parle arehiteetonica
deve ser de 1550, e que é uma reminiscên-
cia evidente do exemplar de Coimbra; outro
quadro, ainda do Pentecostes, que recorda o
de Coimbra em alguns detalhes, encontrá-
mol o na Exposição districtal de Aveiro em
1882; devia ser da mesma época ou pouco
posterior (1550-1570). Isto prova a reputa-
ção de que Velascus gosou no seu tempo e
a fama dos seus quadros.
Para concluir com os quadros da Sacris-
tia, resumiremos a nossa opinião em poucas
palavras:
Os Ires quadros grandes, começando pelo
S. Pedro, (cujo mérito superior reconhece-
mos), o Baptismo e o S. Sebastião são do
mesmo auctor; ó possível que o Calvário da
Capella de Jesus Itie pertença lambem, mas
a concepção e execução é mferior á dos ou-
tros quadros. O Calvário de Coimbra é, sem
duvida, obra muito mais notável do que o
da Sé visiense. O Pentecostes de Viseu é de
outro pincel, talvez de algiim discípulo do
auctor de S. Pedro e das ouir-as taboas, e
deve considerar-se como um plagiato da ta-
boa de Coimbra. Os doze quadros da Prede-
la são dignos de elogio pela sua execução;
as cabeças dos dezeseis^ santos e santas,
são, em geral, características bem modela-
das, enérgicas as áoi homens, cheias de ex-
pressão e de vida; as das santas acabadas
com amor e arte não vulgar; a paisagem
suecessor donde infiro que hum o mandou
fazer e outro o mandou juntar.» Parece al- í em alguns dos quadros é bellissiraa, o colo
ludir-se a um retavolo composto de vários
quadros; ura eacommendaria a pintura, e o
outro mandaria funtar e inserir as taboas na
armação da talha. Serão os quadros da Casa
do Capitulo? O sr. prof. Justi julga que es-
tes quadros pertenceram a um grande reta-
volo, cuja peça central se perdeu. Ou es-
taria a serie dos qualorze quadros distri-
buídos no côro?
rido intenso e brilhante; os aecessorios sem-
pre pintados com primor. Estes quadras me-
nores leem sido tratados, em geral, com
pouca justiça. Parece nos que pouco ou na-
da soffreram dos restauradores, o que é mais
uma eircumslaneía que realça o seu valor.
Os quadros grandes, principalmente o àa.
3 Sachristia da Sé de Viseu. A disposição era a seguinte (1885):
1876 VIS
VIS
Baptismo e de S. Sebastião foram repinta-
dos de uma maneira atroz pelo sr. Antonio
José Pereira, pouco anles da ultima visita
de SS. MM. a Vizeu (1882); e se o S.Pedro
escapou é porque os cónegos da Sé tiveram
uns restos de remorsos. Quando vimos as
pinturas de Viseu pela primeira vez, em
1879, os dois quadros {Baptismo e S. Sebas-
tião) estavam bastante damniflcados, e reto-
cados em algumas partes; temos notas minu-
ciosas sobre o estado em que encontrámos
então 03 quadros. Voltando a Viseu em 1881
com o nosso amigo sr. Antonio Augusto Gon*
çalves, professor de desenho daEscola Brote-
ro, de Coimbra, encontrámos os quadros no
mesmo estado, mas pouco depois soubemos
do vandalismo eommettido por Antonio Jo-
sé. Duvidámos, a principio, e quizemos con-
veneer-nos: vêr com os próprios olhos! Em
1885 voltámos pela terceira vez áanliga cida-
de e reconhecemos a bella obra do dilecto filho
de Viseu em toda a sua magnitude! Com ef-
feilo, os Srs. Cónegos podem-se gabar da
bella inspiração que tiveram, assim como o
ministro que propoz a S. M. El-rei o habito
de São Thiago para esse preterjdente á glo-
ria de Grão- Vasco— em paga de ter apresen-
tado os veneráveis quadros tão bonitos e tão
Pentêcostes
10
S, Sebastião
1)
12
-Entrada-
a, b, c— janellas, sendo b a menor; por cima de b um postigo oval.
• Christo crucificado (esculptura).
Os quadros menores 6 a Í2 estão suspensos do friso sobre que assenta o tecto de ma-
deira pintado de arabescos. São, salvo erro:
1. São Paulo e São Thiago.
2. São João Evangelista e Santo André.
3. São Jeronymo.
4. São Pacomio (?)
5. São Pedro in vincula e S. José.
6. Santa Barbara e Santa Margarida de Antiochia.
7. Santo Antonio, Eremita.
8. Santo Estevão.
9. São Braz.
10. Santa Luzia.
11. São Boque.
12. Santa Calharina.
VIS
VIS
1877
fresquinhos aos Augastos Personagens... Já
antes d'isso o mesmo Antonio José tinha van-
dalisado eom as suas restaurações os ires
pequenos quadros da iSacristia da Miseri-
córdia {Transito da Virgem, Degolação dos
Innocentes e outro, de assumpto desconhe-
cido); a tentativa agradou aos entendedores
de Viseu ; a imprensa local applaudiu; e
mestre Antonio José levantou o vôo, e lá foi
pôr o seu òvo no ninho da águia. Em Viseu
dissemos mais de uma vez a todos quantos
nos quizeram ouvir que esse individuo era
indigno de servir sequer de preparador de
tintas do autor do S. Pedro.
Elie monopolisava então em Viseu toda
a fama do Grão-Vasco; — ai I do forasteiro
que se esquecesse de lhe fazer a visita de
respeito! E á sombra do Grão-Vaseo ia agen-
ciando os seus pequenos negócios de copista
e plagiário, com que deleitou differentes in-
glezes, alguns fidalgos devotos, varias beatas
ricas e as venerandas confrarias e irmanda-
des do districto de Viseu, cujos estandartes
e guiões illuminou para maior luzimento das
procissões do districto. Raczyaski encon-
írou-o em 1844 a copiar o S. Jeronymo da
Sacristia da Sé; e n'es8e santo mister de co-
pista o fomos encontrar trinta e cinco annos
depois, às voltas com o mesmo S. Jeronymol
Nunca passou d'ahi— de ser um soffrivel co-
pista de um pequeno quadro e de mais tre.s
ou quatro cabeças, que tem repetido toda
a sua vida. Era necessário sublinhar de-
vidamente esta questão: Antonio io&é ver-
sus Grão-Vaseo, aliás teríamos d'aqui a um
ou dois séculos uma nova questão Grão-
Vasco, mais embrulhada do que a primei-
ra: a moderna celebridade visiense eclipsan-
do a antigal e... empalmando lhe a gloria.
Ainda em outra questão discorda o Sr.
Justi da opinião dos antecessores, no que diz
respeito aos quadros de Fontello, que elo-
gia muito, considerando-os como typicos
e bem nacionaes. São de um pintor anony-
mo, que elle separa de todos os já citados.
As taboas são duas, e representam a Ultima
Ceia e Jesus Christo em casa de Martha e
Magdalena. O critico allemão julga-os supe-
riores aos quadros da Sacristia da Sé; infe-
lizmente, estão muito maltratados pelo tem-
pOj sobretudo o ultimo.
A hypothese que o Sr. Prof. Justi inter-
calla n'este logar, a propósito de Vasco Fer-
nandez do Casal, e da sua relação com
Grão-Vaseo, suppondo-o talvez discípulo de
Velascus, não nos parece acceitavel. Esse
nome foi logo abandonado por Raezynski,
como já vimos, e não merece discussão.
Por ultimo menciona o Sr. Justi ainda ou-
tro pintor anonymo e fecha, com chave de
ouro, o seu estudo, estabelecendo a relação
dos quadros da Sala do Capitulo da Sé de
Viseu com uma serie de pinturas do Museu
nacional.
Os quadros da sala do capitulo são qua-
torze; ^
Sala do Capitulo; disposição em 1885:
1 6 1
1 5 1 1
4 1 1 3 1
l 2 i
1"^ 1
a
10
11
12
13
1878 ^ VIS
1 A Annunciação.
2 A Visitação, Nossa Senhora, entrando em
casa de Zaeharias, saúda Santa Isabel.
8 A Natividade.
A Circumcisão.
5 Ã Adoração dos Reis Magos.
6 A Apresentação no templo.
7 A Fugida para o Egypto. Seguem os
quadros da Paixão:
8 A Ceia.
9 Christo no Jardim das Oliveiras.
10 A Prisão.
11 O Descimento da Cruz.
12 A Besurreição.
13 A Ascensão.
14 O Pentecostes.
Com esta imponente série de quadro?, que
são indubitavelmente do mesmo auclor, e
que dão uma alta idéa das suas faculdades,
relaciona o Sr. Prof. Justi os seguintes do
Museu nacional :
Nossa Senhora assentada sobre um throno
de Mármore, com o menino ao coUo, e dois
anjos. Museu. n.° 2o; Cat. 1872 n." 222; Lau-
rent n." 683.
S. João ensinando a orar o príncipe D.
João (nascido em 1502); Museu 27 (Cat. 1872
n." 252). 1
S. Domingos ensinando a orar um outro
piincipe, Museu 31 (Cat. 1872 n.» 253).
O estylo da pintura, a composição, os ac-
cessorios, a concordância nas dimensões,
tudo leva a crer que as tres taboas consti-
tuem um triptycho, na opinião do Sr. Prof.
Justi. Ligadas as peças, teríamos a apresen-
tação de dous príncipes á Virgem, pelos res-
pectivos padroeiros. E' evidente que os san-
tos apresentavam os seusprotegídos aalguem,
mas nenhum critico antes doescriptor allemão
lembrou a integração; na opinião do mesmo
VIS
3
autor, o segundo infante seria D. Affonso
nascido em 1509. A analyse, que o sábio pro-
fessor faz dos tres quadros, convence quem
tiver, como nós, bem presentes na memoria»
as feições características da série da casa do
Capitulo, e tiver tirado as notas sufficientes-
Mais notável ainda é a relação de todo o
grupo com os seguintes quadros, também
grandes e também quadrados como os da Sa-
cristia da Sé de Vizeu :
A Virgem, o Menino, Sanla Julita e S. Gue-
rito (Cyriaeo). Museu 678 (Cat - 1872 — n."
200. Dimensões 2,'°40 X 2,'"02.
I Suzana e os dous accusadores perante o
propheta Daniel; Museu 679 (Cat. - 1872 —
n." 209. Mesmas dimensões.
Finalmente, os seguintes, relativos á pai-
xão de Christo:
Christo no horto das Oliveiras; Museu 97
(Cat - 1872 — n,° 284).
Christo no caminho para o Calvário; Mu-
seu 96 (Cat- 1872 — n.» 285).
O Descimento da Cruz; Museu 95 (Cat-
1872— n.« 280).
O Enterro; Museu 98 (Cat. - 1872 — n.-
279).
O Sr. Prof. Justi não indica os números
correspondentes dos Catálogos de 1872 e de
1883; comiudo, parece-nosfóra de duvida que
são esses os quadros a que allude, porque an-
tes de lermos o seu valioso estudo já tínha-
mos agrupado nosnossos cadernos essas qua-
tro taboas da Paixão com a série da casa do
Capitulo, por motivos intrínsecos. Concor-
damos plenamente com os resultados do sá-
bio allemão ainda n'esie ponto.
Esta ligação da série de Vizeu com nove
quadros importantes de Lisboa é um resul-
tado de primeira ordem, era nossa opinião,
porque d'ahi resulta, cada vez mais eviden-
a e b janellas que deitam para uma varanda.
1 Ceia,— 2 Horto,— 3 Prisão— 4 Descimento,- 5 Resurreição,— 6 Ascensão,— 7 Pen-
tecostes,—8 Annunciação,— 9 Visitação,— 10 Natividade,— 11 Circumcisão, — 12 Epipha-
nia,— 13 Apresentação, — 14 Fugida.
1 Este quadro foi publicado em Outubro de 1843 no Jornal de Bellas Artes ; no mes-
mo numero sahiu uma boa líthographia do quadro da Epiphania, actualmente n." 5 do
Museu nacional (Cat - 1872 n.» 237).
VIS
te, a conclusão de que os notáveis pintores
do see. xvi, incluindo os de Vizeu, não esti-
veram reclusos, sequestrados n'uma qual-
quer cidade da provineia ; a sua fama
correu pelo paiz. Os notáveis pintores repre-
sentados hoje em Vizeu, em Coimbra, em
Thomar, em Setúbal, no Museu de Lisboa,
em Évora, e ainda ha pouco em Lamego ^ es-
palharam as suas obras por todo o paiz. A
questão de uma Eschola de Vizeu, até hoje
uma pequena questão provincial, transfor-
ma-se n'uma série de problemas em que to-
mam parle as províncias do Norte e as do
Sul. Assim como se prova que os quadros
de Vizeu foram imitados n'aquella cidade,
com a Sé á vista, ou talvez mesmo na caih i-
draU também se prova que as taboas de Se-
túbal foram pintadas no Convento de Jesus
ç as da Madre de Deus á sombra da pia fun-
dação da Rainha D. Leonor, em Lisboa. Os
pintores viajaram, andaram de um lado para
o outro, conhecerara-se, e coUaboraram, ás
vezes, na ornamentação do mesmo templo.
Em logar de um Grão-Vasco, |raylho, temos
uma dúzia de individualidade^ dignas de es-
tudo e do nosso reconhecimento.
E' muito para sentir que não seja conhe-
cida a procedência de muitos quadros do
Museu nacional; que as successivas edições
do Catalogo offlcial, desde 1862 até 1883 se-
jam tão deficientes e tão provisórias (incluin-
do a ultima, que é já a quarta) porque
1 Dizemos: ainda ha pouco, porque os qua-
dros qufi alli examinámos em Setembro de
1881 foram pouco depois mandados para a
Academia de Lii^boa, a pretexto da Exposi-
ção de arte ornamental de 1882 e — nunca
foram expostos! Em Maio de 1882 estavam
n'uma das salas da Academia, transformada
em bric-à-brac, no chão; alli os mostrámos
ao Sr. Prof. Justi.
2 As edições são: a 1.* de 1862, abafada
logo depois" da entrada do Marquez de Sou-
sa-Holstein. Pelo exemplar que possuímos
incompleto se conhece que era um Catalogo
critico de certo merecimento e exacto, com ex-
tensas noticias sobre os quadros portugue-
zes; a Advertência é&ssignsiáaí por Jorge Hus-
son da Camara, Académico honorário; Anto- j
nio Manoel da Fonseca e Thomaz José d'An- i
VIS 1879'
seria da maior importância saber-se de ond®
vieram esses nove quadros, que se relacio-
nam com os quatorze da Casa do Capitulo
da Sé de Vizeu. Em todo o caso a combinação
do Sr. Robinson cáe por terra. E não é só a
mais que hypotheticaassignaiura VASCO FRZ
do quadro de Pereira; é a pretensão de uma
eschola provincial, baseada sobre essa série
mais archaica da sala do Capitulo, e a existên-
cia de um precursor viziense de Grão-Vasco,
chamado VASCO FRZ. Cáe por terra,emam, a
pretenção de querer ligar o Velaseus de Coim-
bra à eschola de Vizeu, aiiribuindo-lheos qua-
dros grandeseospequenosdaSacrisiiadaCa-
ihedral. Que houve em Vizeu ura pintor cele-
bre, chamado Vasco Fernandez, não ha duvi-
da; e é provável que alli trabalhassem tempo-
rariamenteloutrosarlistas, comoseusdíscipu-
I los ou eomo^collaboradores, vindos defóra;
I mas resumir a gloria da pintura portugueza
j n'uma única eschola, e dar aVizeuahonra de
I a haver produzido n'ura completo isolamento
—isso é inadmissível hoje perante tantosqua-
dros notáveis quejhano paiz. alguns dos quaes,
p. ex. f,os de.Seiubal, são ião valiosos como
os de Vizeu.; E' esta a verdade, parece-nos;,
não nos deslumbremos só perante o São
Pedro, porque se este quadro é de grande
mérito, lá está o Baptismo, o S. Sebastião (pa-
ra não fallar no Pentecostes, de valor secun-
dário) e o Calvário, que ficam a notável dis-
tancia do primeiro, e não soíTrem o confron-
to com as grandes taboas do convento de Je-
sus. Robinàonprecipitou-se; não teve o cui-
dado de examinar os quadros já então reu-
nidos na Academia de Lisboa; não se deu.
nunciação, professores da Academia. A 2." ed.
com o titulo Csil provisório sahiu em 1868; o
terceiro cMlogo provisório (i\c) é de 1872, e
diz, falsamente, 2." edição, porque convinha
abafar a lembrança da* de 1862. A edição de
1883 — a quarta, diz ; — Museu nacional de
Bellas Arte^. Catalogo provisório. Secção de
pintura. Lisboa, Imprensa nacional, 1883.
8.* de vii-117 pag. E' digno da lêr-^e o in-
génuo prologo do illustre conde de Almedina
(Delphim Guedes); mas mais preciosa pela
sua franqueza, é a Nota do redactor anony-
mo, a pag. 111 1
1880 VIS
VIS
ao trabalho de estudar os quadros de Tho-
mar e de Setúbal a dous passos da capital,
nem sequer os da Madre de Deus! Não po-
dendo comparar senão Coimbra e Vizeu,
chamou tudo para este ultimo centro. Des-
vaneeem-se com a descoberta da assignatura
Velascus — descoberta que não é d'elle — ;
deixou-se illudir com aphantastica assigna-
tura VASCO FRZ, ecreou um precursor ao
Grão-Vatco, complicando e obscurecendo o
problema, em vez de o esclarecer.
OSr. Prof. Jusiiabre, com^effeito, [uma nova
era com os seus estudos, que abrangem qua-
8i todos os documentos importantes, a quasi
totalidade dos quadros, que era forçoso exa-
minar. O seu methodo seguro e cauteloso;
a sua critica lúcida, minuciosa, abrangendo
todas as particularidades technicas, sem per-
der nunca de vista as relações históricas e o
ponto de vista geral da arte; a sua affeição
ás cousas da península, cuja historia e cuja
arte o tem occupado longos annos^; e emflm,
last not least, a sua imparcialidade, o seu
animo sereno, desapaixonado, que não se
deixa illudir com as nossas predilecções par-
ticulares, ou com preconceitos nacionaes —
tudo isto lhe assegura o perdurável reconhe-
cimento dosportuguezes. Atra vez dassuaspa-
lavras sente-se, quando mesmo desapprovam»
a sympathia que as inspira. ^ Façamos votos
para que oillustre sábio possarematar a sua
obra, após uma nova viagem a Portugal; os
resultados geraes não soffrerão modificação
sensível, mas o que podemos e devemos espe-
rar é que a luz se faça em outros centros e pe-
rante outros quadros, que nem Robinson,
nem cscriptor algum estrangeiro ou nacio-
nal tem até hoje visitado. Reivindicamos es-
«as descobertas, cujo valor não pretendemos
encarecer antes de tempo.
Ainda duas palavras. O Sr. Prof. Justi re-
1 O Sr. Prof. Justi prepara, ha muito, uma
monographia sobre Velasquez. No Jahrbuch
de lierlim e na Zeitschrift de Lutzow tem
publicado artigos importantes sobre a histo-
ria da pintura hespanhola.
^ Veja-se a lotroducção geral ao seu En-
saio e a Conclusão.
conhece mesmo a necessidade de ulteriores
investigações no flm do seu ensaio^ quando
diz que ha ainda outros grupos a estudar, e
que seria preteneioso querer construir a his-
toria da pintura portugueza de um lance. Ha
ainda p. ex. os quadros de Palmella, i rela-
tivos à lenda de São Thiago ^ com a assignatu-
ra Marcos. ^ Em Madrid, no Museu do Pra-
do, appareee uma Santa Catharina com a as-
signatura Carvalho. Dos quadros de Lamego
já fallámos, de passagem. O Sr. Prof. Justi
deplora não os ter podido examinar com
mais soeego, e mais detidamente. ^
1 Sobre estes quadros publicou o Sr. Tu-
bino de Madrid uma monographia La Pintu-
ra en tabla en Portugal, no vol. vii, 1876 do
Museo espanol de antiguedades pag. 395-426 e
pag. 671-673, cousa muito pobre e muito ba-
nal, sem um facto novo, como já dissemos
em 1881.
2 O Cat. do Museu nacional abandona a
ideia de que os quadros sejam allusivos a
Payo Perez Corrêa, e subsiitue o nome do
cavalleiro pelo de S. Thiago. Cat. de 1883 n.«"
18 e 19 Sala H.
3 Deveríamos dizer antes inscripção em
vez de assignatura. O nome Marcos ó, prova-
velmente, o de um espadeiro. Na Eufrosina
de Jorge Ferreira de Vasconcellos (1527) en-
contra-se a seguinte passagem : Com Marcus
me fecit (em griffo) na cinta, para me pôr al
tablero de la muerte, por vida dos Couti-
nhos. . . etc. O nome Carvalho appareee tam-
bém en el canal de la hoja de la espada, como
diz Madrazo (Catalogo de los cuadros dei Museo
dei Prado, Conpendio. Madrid, 1873 pag. 398).
E' curioso que ambos os nomes appareçam
em espadas, no canal da folha, onde os espa-
deiros costumavam pôr suas marcas! Carva-
lho é um nome absolutamente desconhecido
na historia da pintura peninsular do sec. xvi,
mas ha um Carvalho espadeiro, com obras
datadas de 1633. O Cat. do Museu nacional
aíBrma que a letra M «inicial do nome que
appareee na espada» se vê em duas ban-
deiras, levadas por cavalleiros christãos; mi-
cial do nome, porquê? não pôde ser Maria,
que appareceu a São Thiago? E' precisa-
mente o assumpto do outro quadro n." 18.
^Os quadros de Lamego representam
1. Annunciação, 2. Visitação,^. Apresentação
no templo, 4. Circumcisão, e 5. A Creação do
mundo.
Não pudemos tirar dimensões exactas se-
não do primeiro l.'"72X0,89; do quarto
VIS
VIS 1881
Erfí tres pequenos capilulos discute ainda
sábio escriptor os seguintes assumptos:
1.» A ornamentação dos quadros portugue-
zes, sob o ponto de vista da arehiteetura e
da arte industrial.
2. " A questão : Existiu uma antiga escola
portugueza de pintura ?
3. ° Os maneiristas, i, é. os partidários e
imitadores da escola italiana.
O Sr. Justi admira, como nós, og trabalhos
dos ourivezes^ as jóias, as armas, os bordados,
os estofos, emfim, os productos da arte indus-
trial, que os quadros portuguezes nos reve-
lam em toda a sua belleza, e n'uma varieda-
de inexgotavel. Na arehiteetura descobre a
influencia da Renascença florentina uma
^,'"'!3X0m e do quinto 1^68X0,84; to-
davia parece-nos serem restos de dous tr.pty-
ehos. A Annunciação e a Visitação, de muito
merecimento, teem pontos de contacto com os
quadros de Vi7:eu, da Sacristia e do Cabido.
O quadro da Creação, que representa o Pa-
dre eterno, abençoando o mundo animal: o
Cavallo, o unicórnio, veado, boi, urso, ele-
phante, ovelha^ lobo, muitas aves (entre el-
las o papagaio) e outros animaes, perfeita-
mente caracterisados.é curiosíssimo. A época
dos primeiros quatro quadros será de 1510-
1520. Pintura sobre grossas taboas de casta-
nho de 0,4 eent. de espessura. Poucos reto-
ques, boa conservação. Estavam na sala das
sessões capitulares do Paço episcopal.
A origem nacional d'estes quadros não sof-
fre duvida; typos, paisagem, arehiteetura,
os aecessorios, tudo é portuguez ; vejam-se
as peças de cerâmica, o cesto de vime, o car-
ro de bois (1) etc. na Visitação ; o fogareiro
Annunciação; a arehiteetura extremamente
earacterisiica : na Annunciação gothica e do
Renascimento; na Circumsição manoelina
etc.
1 A primeira data que encontramos nos
quadros portuguezes, marcando um lavor
arohitectonico da Renascença è 1529 (Museu
n." 2; Gat. 1872; n.» 212 — Laurent 679).
Exemplos de construcções como as do qua-
dro da Visitação (Museu n.'= 10; Cat. 1872
n-o 225 — Laurent 686) o alpendre com ar-
cos de volta redonda, assentes sobre colum-
nas, e galeria ou loggia sobreposta, encon-
trál-os-ha o Sr. Justi a cada passo em Évora,
e sobretudo em Estremoz, Villa Viçosa etc.
Do mesmo modo as janellas altas geminadas,
com elegantíssima columna de mármore ao
Renascença relativamente precoce ;i crê que
os pintores copiaram do natural^ e que as
obras que vemos não são de pura imaginação.
Assim será, em certos casos; mas é diíBcil
provar que o género de arehiteetura, repre-
sentado pelos pintores, foi logo ensaiado pra-
ticamente pelos architeetos, contando mesmo
com a intervenção de Andrea Contucci. Este
illustre arehitecto e esculptor esteve em Por-
tugal nove annos no reinado de El-rei D. João
II (1481-1495) e executou bastantes obras
que desappareceram em grande parte; em
compensação, abundam obras da Renascen-
ça que denunciam a influencia duradoura
de um grande mestre sobre numerosos dis-
cípulos em centros importantes como Coim-
bra (cidade e todo o districto), Guarda, Évora
etc. Esta Renascença, a dos discípulos, è, em
geral, posterior a 1535 e prolonga-se até fim
do sec. xví; mas apparece raras vezes nos
quadros.
A' pergunta Houve uma antiga escola por-
tugueza de pintura? responde o Sr. Prof-
Justi affirmativamente. Não são as moedas,
os fogareiros e quejandas bagatellas que de-
cidem a questão.
E' o modo de sentir os assumptos, de tra-
duzir ahistoriasagradan'um realismo, repas-
sado de poesia, quetransformaaiendareligi-
meio. Outro typo de loggia encontra se na
Beira (Guarda) em bonitos solares do see.
XVII, em estylo da Renascença, com datas que
avançam até 16801
1 Precoce (Friihrenaissance) relativamen-
te, para Portugal, se considerarmos a data
1529 (v. supra); porque o primeiro período
da Renascença na Itália abrange as datas
1420-1500. As datas mais antigas que conhe-
cemos em fragmentos architeetonicos impor-
tantes são os seguintes, em Évora: 1529,
(Capella do Esporão, na Sé); Convento do
Paraizo, 1535; 1536 e 1537 portal de S. Do-
mingos, hoje entrada do cemitério; Loyos,
1536; Graça 1537. Em Faro, 1539 Convento
de freiras; em Vizeu, na Sé 1544 e 1567. A
transformação do estylo, desde o manoelino,
pôde estudar-se no convento de S. Marcos
perto de Coimbra, onde se encontram sete
datas do sec. xvi (desde 1510-1588) e duas
do sec. xvn (1692 e 1696). Vid. o nosso estu-
do Da arehiteetura wanoeíína. Coimbra, 1885.
1882 VIS
sa em episódios da vida coramura de familia.
É a caracierisaçãodas physiognomias, o ges-
to, o dialogo e a mimiea peninsular; é a pai-
sagem toda, a luz e o ar, a natureza meri-
dional; emíim : a architectura e a habitação
humana, o vestuário e os aceessorios.
Oi artistas portuguezes educados em Flan-
dres, fornecem o maior numero de quadros e
os melhores. Os estrangeiros, os pintores fla-
mengos mesmo, como Frey Carlos, não po-
dem subtrahir-se á influencia do meio ;
acompanham os portuguezes, seguindo na-
turalmente a corrente, nacionalisam-se, até
certo ponto. A technica, o estylo de pintar, é
flamengo, sem duvida; mas sem a seccura,
as figuras inteiriçadas, a feição mesquinha e
desgraciosa dos artistas flamengos de segun-
da ordem ; os portuguezes movem-se airo-
samente, com a simplicidade, graça e elegân-
cia no gesto e nos ademanes que é natural
nos povos românicos.
O gosto pela belleza da paizagem apren-
deram-no em Flandres, assim como a paixão
pelos detalhes, o amor aos mil episódios do
pintor miniaturista. A architectura é tosca-
na ou florentina, em geral. Estamos longe,
felizmente, dos processos summarios e ex-
pedientes dos maneiristas, das receitas e lo-
gares eommuns dos partidários da pintura
italiana, diluida em pincel flamengo — até
n'isto, conelue o Sr. Justi, quiz a fonuna fa-
vorecer o pequeno reino, na época em que
elle deu leis ao mundo ! Livrou-o de eahir
nas mãos dos pseudo-italianos e na triviali-
dade.
São estas, em summa, as conclusões do
sábio professor. Traduzimos as ideias, não lit-
teralmente as palavras; e confessamos que te-
mos de corrigir o juizo que formulámos ha
annos a respeito de certos quadros da Aca-
demia de Lisboa. ^ Pareceram-nos, em ge-
^ A pintura porttigueza nos see. xv e xvi
Porto 1881, passim. Dizemos quadros da
Academia e não do Museu nacional, porque
esta collecção é bastante differente da pri-
meira, e contém muitos quadros novos, que
éstavam nos depósitos da Academia; era
compensação, faltam outi'os que o Cat, de
1872 menciona; por isso fazemos sempre a
referencia aos dois catálogos.
VIS
I ral, menos importantes, mais amaneirados.
com excepção de um ou outro grupo, co-
j mo p. ex. o de Frey Carlos, cujo valor é in-
I discutível. Os quadros da Sacristia de Santa
Cruz, principalmente o Calvário eo Pentecos-
tes e os de Setúbal absorveram talvez a nos-
sa attenção, a ponto de sermos menos justos
com os da Academia. Ainda assim, o perío-
do de duração da escola portugueza de pin-
tura fica limitado aos reinados de D. Manoel
e D. João III, isto é, a meio século apenas,
correndo de 1500-1550, máximo 1560, por^
que já em 1562 temos os trabalhos de Vas-
co Pereira, que é um maneirista, um parti-
dário das receitas e processos italianos.
Da época de 1560-1580 ha não poucos
maneiristas, cujos quadros se podem vêr nas
salas do Paço do Arcebispo em Évora e na
Sé, nos altares das naves lateraes.
A solução de continuidade que havíamos
apontado em 1881, desde a visita de Van-
Eyck em 1428 até 1500, subsiste. ^
Em Hespanha, porém, não faltam os elos
intermédios, e os artistas do século xvapre-
sentam-se, desde logo, de uma maneira tão
imponente e ião característica, que não é
difflcil calcular o que hão de ser d'ahi a cin-
coenta annos: os precursores dos grandes
mestres do sec. xvii. 2
1 Já em 1877 apontámos para a existência
de quadros flamengos em Portugal, antes da
vinda de Jean Van-Eyck Ern 1415 mandou
o Duque Jean sans Peur de Borgonha (1404-
1409) o seu retraio a El Rei D. João I, feito
por Jehan Malwel ou Melluel, que foi pintor
oíficial do Duque de 1397 a 1415, anno em
que morreu, lendo coneluido, pouco antes,
o retrato. Arch. artist. fase. IV p. 87. Cha-
mamos aqui, novamente, a attenção do leitor
para o retrato d'El-Rei D. João 1, que está
no museu Ambraser-Sammlnnç de Vienna,
e que é da Escola de Van-Eyi-k; na mesma
collecção dois bellos retratos da Infanta D.
Leonor, filha di-" D. Duarte, e neta de D. João
I ; casou com Frederico IIÍ, Imperador da
Aileraanha em 1452 e morreu era Vienna em
1467. Esies tres retratos foram citados por
nós pela primeira vez em 1877.
2 Mencionaremos apenas um grande ar-
tista hespanhol, evidentemente discípulo de
Van-Eyck, o aucíor do grande retavolo de
VIS
VIS 1883
Apesar do que diz o Sr. Prof. Justi em
seolido relativamente tão favorável, o appa-
recimento da pintura porlugueza do sec.xvi
é como o de um meteoro.
Na breve analyse dos trabalhos de Vasco
Pereira com que o Sr. Justi fecha o geu En-
saio dá-nos a conhecer cinco quadros, sen-
do o mais importante uma Annmciação na
egreja de S. Juan de Marchena e o Santo
Onophrio da Galeria deDresden, que apre-
sentámos aos leitores da Archeologia Ar-
tística em 1877. Vasco Pereira, que se inti-
tula ora de Évora, ora de Lisboa foi um
pintor de bastante mérito, sabedor do seu
ofQcio, e que honrou o nome portuguez em
Hespanha.
D'este pintor fizeram Cean Bermudez e
depois Loureiro e Raezynski ainda outro
artista: Vasquez Lusitanus, sem razão de
ser, como se verá na lista das suas obras.
São, resumindo as diíTerentes citações de
Cean Bermudez, Raezynski e do Sr. Justi
as seguintes :
1. São Sebastião, na egreja de S. Lucar
de Barrameda. Assignado : TVNG DISCE-
BAM VASCPE I REA LVSITAN'DE | VRBE
LIX I BONESlSAnno 1562. Apud Justi, que
o examinou; Cean Bermudez cila diíTerente-
mente: Vazquez Lusitanus tunc incipiebam
anno 1562. (Vol. V pag. 142), i
2. Descimento da Cruz ; apud. Cean «casi
perdido» no principio d'este século, sem
data.
3. A Annunciaç.ão, na egreja de S. Juan
de Marchena. Assignado :
VASCVS PEREIRA i ELBORENSISLVSI
! TANVS FACIEBAT { CIq. D, LXXVI (o Iv
na quarta palavra, ligados). Apud Justi,
que o examinou.
Barcelona Luis Dalmau, assignado e data-
do, 144o. O Sr. Prof Justi analysa este qua-
dro 6 os de outros hespanhoes discípulos da :
escola flamenga, pertencentes ao sec. xv Vid. j
Zeitschrift e^Jahrbuch.
1 A apostrophe depois do C e iV representa \
a abreviatura ?ís; o E da ultima palavra com j
til.
4. S. Pedro e S. Paulo. No Museu nacio-
nal, Cat. de 1883 n.« 896. Sala F. Assigna-
do: V. P. Lzíno 1575, segundo o mesmo ca-
talogo. O Sr. Justi leu 1579.
5. Santo Onophrio. Na Galeria real de
Dresden, Cat. Ved. frane. de 1868, pag. 170.
Assignado: VASCO PEREIRA | PICTOR,
1583.
6. Um quadro com a Adoração dos Pas-
tores e a Epiphania. Foi visto por Stirling
{Annals of the artists of Spain) em Sevilha;
apud Justi s. d.
7. Um quadro de 1575, que Raezynski viu
em Sevilha na coUecção Bravo ; não diz o
que representava (Les arts pag. 505).
No Diction p. 229, cita outras duas pintu-
ras de 1594 e 1598, existentes na mesma ci-
dade, sem indicar os assumptos ; provavel-
mente essas duas obras são as citadas por
Cean (p. 141) com as mesmas datas.
De Cean Bermudez aecrescentaremos,
além de diííerentes frescos, os Quatro douto-
res da Egreja, na cartuja de Santa Maria de
las Cuevas, e uma Annunciação no collegio
de S. Hermenegildo (pàg. 142). Segundo o
mesmo auctor Vasco Pereira morreu no prin-
cipio do see. xvii.
VISEU, povoação (aldeia) da freguezia de
Paços, concelho de Cabeceiras de B^sto.
V. Paços, tomo 6." pag. 393, col. 2."
Esta freguezia eomprehende também as
aldeias seguintes: — Fundo de Villa, Cimo do
Villa, Portella, Vinhal, Quiniã,Bandeira, Boa
Vista, Cruz, Ribeira, Paço, Penedo, Val de
Chãos, Tojeira, Souto Meio, Ribeirinhas, Ca-
nhoteira, Cancella e a quinta do Prado, —
segundo se lê na Chrographia Moderna, mas
contando esta freguesia pelo ultimo recen-
seamento apenas 81 fogos, as taes 18 aldeias
devem ser muito pequenas! . . .
VISEU, quinla ou casal da freguezia à' Al-
verca no concelho de Villa Franca de Xira.
V, Alverca e Sobral, tomo 1.°, pag. 177,
col. 2.»
Esta parochia, alem da villa, comprehen-
; de os legares ou aldeias seguintes: — Aree-
í na. Sobral, outr'ora curato, A dos Potes, A
I dos Melros, Sobralinho, Adarce, Moinho do
I Vento, Proverba, Termo ou Ponto, Verdelha,
' Bom Suecesso ; — os casaes de Barreiras,
1884 VIS
VIS
Monte Gordo, Robarias, Bandeira, Valinho,
Polycarpa, Entroga, Fonte, Boa Vista, da Es-
colástica, da Alegria, da Carvalha, da Fun-
cheira, da Regueira, da Tapada, Cova, Fi-
dalgo, Pardieiro, Graciosa, da Oliveira, dos
Anjos, de Santo Antonio, de S. Fernando,
Brejo, Moledo, Torres, Drogas, Pedreiros,
Carapito, Rio Secco, Areias, Fonte Santa,
Lages, Portella, Casal Novo, Batoquinho,
Carcaça, Fondogos, Moinho d' Alem, Val de
Ranas, Cova da Rita, do Bastos, das Empare-
dadas, Ventoso, da Valentina, da Serra, da
Corte, da Mourisca, da Olmeira, do Val de
D. Maria, Casal Novo da Serra, do Covão, da
Matia, da Costa, Vendas Novas, Mangareira,
Sapinho, Brandoa, Palacio da Brandoa, Ma-
lha Miiho, Bello, Val de Ranas e Casal Novo
da Portella;— os casaes, quintas e azenhas
Valioso e do Batoque; — as quintas do Moinho
de Ferro, do Duque da Terceira, do Canana,
Pardieiro, Formigueira — e a estação de
Alverca no caminho de ferro do norte.
Do exposto se vé que esta fregueziaé mui-
rinha, Outeiro, Cubida, Cega, Valle, Abegoa-
ria, Beata, Vendinha de Cima, Namorada,
Herdadinha e Furada; — as quintas ou hor-
tas de Teixoeira, Herdadinha, Horta Fura-
da, Monte da Egreja, Carreirinha e Callado,
— e o casal ou sitio de Monie Baldinho.
A população d'esta parochia está muito
dispersa pelos montes (casas) das diversas
herdades,— e a egreja era sitio isolado.
Pelo ultimo recenseamento contava ape-
nas 100 fogos.
VISEU, sitio, casal e horta na freguezia e
concelho de Villa Real de Santo Antonio, dis-
tricto de Faro.
V. Villa Real de Santo Antonio, tomo 11,%
pag. 915, col. 1.»
Esta parochia comprehende também os
casaes (hortas) segumtes: — Val da Muda,
Cabeça Perdida, Val de Corgos, Traz das Vi-
nhas, Areias, Lagar, Cerca Nova, Palmeiri-
nha. Bem Parece, Branquinho, Portal^ Poço
Fuzeiro, Bem Vides, Val Verde, Rocha do
Vau, Semedeiro, Caga Jones, (o nome è
to importante. Pelo recenseamento de 1878 j indecentel) Fronteira, Serra cu Cerra Bodes,
contava 404 fogos, mas hoje deve contar Contendas, Barranco d'Agua, Hortas do Vau,
cerca de 425 ou mais. I Ribeiro do Pereiro, Monte da Córte, Espra-
VISEU, quinta ou herdade, na freguezia \ galinho, Monte da Medronheira, Monte dos
de Pigeiro, concelho, comarca e districto de
Évora.
V. Pigeiro, tomo 7." pag. 24, col. 2.^ — e no-
te-se que ali houve salto na impressão, pois
tanto esta freguezia como a de Pigeiros, con-
Valles, Monte da Sé, Monte dos Leões, Mon-
te da Atalaia, Monte Velho, Monte Alto, Mon-
te do Estanqueiro, Portella da Vaqueira; os
2 casaes e moinhos: — Moinho da Rocha e
Moinhos de Arão, — ela celebre Caso da^íT-
celho da Feira, deviam ser descriptas no diencia
mesmo tomo Ifi pag. 22, — entre Piedade
(Cova da) e Pilar (Serra do).
Note-se lambem que hoje (1888) esta fre-
guezia de Pigeiro está civilmente annexa
ã de S. Manços, do mesmo concelho d'Evora.
V. Tomo 5.» pag. 48, col. 2.«
A mencionada freguezia de Pigeiro está
na margem esquerda da ribeira de Degebe,
da qual a matriz da parochia dista 5 kil. para
E; 2 da estrada d'Evora a Reguengos, para
S., — e 7 da cidade d'Evora para E. N. E.
Além da herdade de Viseu, comprehende
33 seguintes:— Pero Escuma, Val de Ferrei-
ros, Montes Claros i. Pego do Lobo, Correi-
Quasi todas estas hortas * são habitadas e
coraprehendem actualmente 230 fogos.
Não se confunda esta herdade, com o si-
tio Montes Claros, onde se feriu a grande
batalha em 1665.
V. Montes Claros, tomo. 5.°, pag. 535, col.
2.»
1 No Al garve denominam-se hortas o que
no Alemtejo denominam hortas e montes —
e ao norte do nosso paiz casaes e quintas.
Também no Alemtejo denominam Montes
as povoações que na Beira, Douro e Minho
se denominam aldeias, togares e povos— e no
districto de Bragança, nomeadamente nos
concelhos de Vimioso, Miranda e Mogadou-
ro, se denominam quintas, sendo algumas
VIS
VJS 1885
YISEU (do)— casal da parocbia e conce-
lho e comarca de Leiria.
V. Leiria, tomo 4.», pag, 69, col. 2.*
Alèm d*este casal do Viseu, compreiíende
esta parocbia osseguiotes:— Mourão, Guerra
Fontainhas e Santo Antonio do Carrascal;—
as quintas de Santo Amaro, Porto Moniz,
Lagar d'EI-Rei, Val de Lobos, S. Venâncio,
S. José, Fagundes, Paraíso, Pa teiro. Tavares,
S. Bàrthíílomeu, Vieiro. Matta, Seixal, Isi-
dras, Barro Ruivo, Porleila e Capuchos ; —
08 sitios do Terreiro, Portella. Nossa Senho-
ra da Encarnação (formoso saociuario) Rego
Travesso e Cabeça d'El Rei. Comprehende
lambem a povoação do Arrabalde, que por
decreto de 20 de maio de 1871 foi desanoe-
xada da freguezia de Marrases e unida á de
Leiria.
VISEU DE BAIXO,-e VISEU DE CIMA,—
aldeias da freguezia de Carvalhal, concelho
da Certã, districto de Castello Branco.
V. Carvalhal, tomo 2.', pag. 134, col. 2.*
A matriz demora na povoação do Carva-
lhal, cerca de 2 kilomeiros a S. E. da mar-
gem esquerda do Zêzere e dista da villa da
Certã 10 kil. para N. O.
Esta freguezia foi da apresentação do
grão prior do Crato no termo da villa de
Pedrogam Pequeno; depois passou para o
patriarchado e desde 1882, data da ultima
circumscripção diocesana, pertence ao bis-
pado de Purtalegre.
Além das 3 povoações mencionadas supra
comprehende as seguintes: — Aldeia Cimei-
ra, Aldeia Fundeira, Aldeia Metade, Aldeia
das Mulheres, Casal do Bispo, Casal do Ses-
mo, Eira do Sesmo, Amieira, Amieirinha,
Casal d'Escusa, Ramalhos de Cima, Rama
lbo« de Baixo, Horta Cimeira e Sobral.
Esta freguezia pelo ultimo censo contava
142 fogos e foi erecta depois de 1708,
pois Carvalho não a mencionou, mas somen-
d'el]as povoações com capella publica e 10 a
20 fogos, ou mais ? ! . . .
' Na freguezia de Miranda do Douro, p. ex.
ha uma quinta (povoação) tão important*',
que o prior de Miranda ali vae, com previa
auctorisação do prelado, dizer uma missa
DOS domingos e dias santos, antes de cele-
brar a missa conventual na cidade.
TOLma XI
te o logar de Carvalhaes no termo da villa
de Pedrógão Pequeno, onde havia uma ca-
pella com a mesma invocação da padroeira
— Nossa Senhora do Amparo.
VISEUS, aldeia da freguezia de Santa
Barbara dos Padrões, concelho de Castro
Verde, districto d« Beja.
V. Padrões, tomo 6.» pag. 409, col. 2.*
A povoação de Santa Barbara, séde da pa-
rocbia, está em campina, 3 */i kil. a E. da
margem direita do rio Cobres, sobre uma pe-
quena ribeira aííluen te do mencionado rio,na
estrada antiga de Castro Verde para Mértola.
Dista de Castro V-erde 14 kil. para S. E.
Comprehende esta freguezia as aldeias se-
guintes:—Rolão, Viseus, Lombarda, Sete Al-
çarias,— e os casaes, montes e herdades do
Corvo, doNfves, Bringelinho,Espancha, Ro-
sa Gorda, Bosa Magra, Monte Novo, Monte
da Rosa e Montinhos.
Todos estes casaes, herdades e montes são
habitados, e pelo ultimo recenseamento com-
prehendia esta parocbia ao todo 38i fogos-
Era em população a 2.' d'este con''elhOj
sendo a 1.» a villa de Ca«tro Verde, que ao
tempo contava 876 fogos e 3:600 habitantes.
Temos pois differentes Viseus era lodo o
nosso paiz; — na Beira Alta, na Beira Baixa,
no Minho, na Extremadura, no Alemtejo e
no Algarve ? I . . .
Também outr*ora se denominou Visêa ou
Viseia na província do Douro uma das fre-
guezias do bispado do Porto, como já disse-
mos no artigo Viseu, cidade, tomo U.",pag.
1716, col. 1.»
Com vista aos forjadores e amadores de
etyraologias,— e aos que pretendem derivar
o nome Vi<ieu de viso, cumiada de monte^
muito respeitosamente lembramos que devem
ir ver todos os Viseus indicados supra, para
saberem se estão em cumiadas ou planícies.
O passeio é bastante longo, mas per áspera
ad astral . . .
Também seráconveniente darem umavolta
pela Hespanha, irmã gémea de Portugal, pois
assim como lá se encontram muitas terras e
povoações com os mesmos nomes das nossas,
é possível e até provável que por làencontrem
alguma com o nome de Viseu também.
119
índice '
DO
ARTIGO VISEU
TopicoSj paginas e columnas
pag. col.
Abra vezes 1539, 1.»
Aeclaraação d>lrei D. João IV... 1835, 2.»
Aírostinho de Mendonça Falcão... 1826, l.«
Albuquerques 1727, 2.»
Alcaides mores 1709, 1.»
Almeidas da Calçada 1728, !.«
Almeidas Vaseoncellos 1740, 1.»
Alvelloã (MHIos Lemos) 1728, 2.»
Antas e dolmeos 1699, 2 •
Antiguidade de Viseu 1709, 2.»
Antonio d'AlmPÍda Campos 1826, 1 •
José Pereira, 1845, 1.» e. 1851, 1.»
Moreira Cabral 1827, 1.»
Apoplexias no aee. xv.. ........ . 1608, 1.»
Arcas e cubas 1585, 2.»
• e orcas 1699, 2."
Armas de Visen e a lenda de D.
Ramiro 1674, 1 »
Artistas notáveis 1844, 1.»
Azylo dTnfancia desvalida 1671, l.«
» de Inválidos 1670, 2.»
» de Mendicidade (nota) 1736,
col. 1.» e 1799, 1.»
1 Por descuido da impressão não vae este
Índice no logar próprio.
Desculpem.
Também pelo mesmo motivo reservamos
para o svppi emento as rectificações que ten-
cionávamos publicar no fim d'e8te longo ar-
tigo» Viseu, - antes do índice, — e que bem ne-
cessárias eram, porque todo este longo artigo
B
pag. col.
Bacharéis, filhos de Viseu 1725, 2."
Baga de sabugueiro 1759* ii«
Banco Agrícola 1554^ i.»
Barbeiro modesto 1723,' 2!*
Barreiro, concelho extineto 1533* 2!"
Barros Campos, de Farminhão. . . 1752, 2!*
Berardo (José d'01iveira) 1815,
col. 2.» e 1847, 2.«
Bispado de Vizeu 1792, l.«
Bispo Azul i(j07| l.«
» eleito de 3 annos 1621, 2.»
» que remendava as suas vestes 1624,' 1."
» de treze annos 1611, l.«
Bispos de Viseu 1589, 2.*
Veja se também o tit. Prelados,
infra.
Botelho Pereira (Dr. Manoel) 1805,
col. 1.» e 1825, 2.»
Brandões de Midões 1790, 2.»
Braz Luiz d'Abreu 18OO,' 2!»
Brito, Higuera, Lavanha e Lousa-
da, 1681, col. 1.» e 1682, 1.»
Bulhas do cabido, 1587, col. 1.» e. 1632* 2."'
foi escripto aujour le jour no Porto, a dis-
tancia de 192 kilometros de Viseu, e publi-
cado muito precipitadamente em Lisboa a
distancia de 337 kilometros do Porto.
Por vezes tinha original no prelo para
dois fascículos, o que me difficultava as re-
ferencias e me expoz a lapsos, de que peço
desculpa.
VIS
VIS
1887
c
Calçadilha
Cantigas d'Almeida Garrett
Capellas de Vineu
Captiveiro de Viseu
Gasa d'el rei D. Duarte, n." 7. .
» » » o.* 11,
Gasa dos Paes
Casas 6 famiiias notáveis
» e quintas •
Castanhas
Gaialogo dos bispos de Viseu
Cailiedral e dspeodencias
» factos importantes
Cava d(> Viriato
Gavalgata impoaente
Cavalhada dos moleiros
Cavallo de Maio
Cemiieno
Gliaves, família nobre
Ghrystovam Rebello de Macedo..
Clima de Vis^u
Comarca de Viseu
Concelho de Viseu
Conde de Santa Eulália
Gonveutos, 1542, 2.»; 1648, 2.»;
1657, 1.» e
Gorregedor exeommungado
Côrte e côrtes
Costas Homens
Couto da Sé
Gramol
r>
Descantes populares
Desordem na Sé
Diocese. V. Bispado.
Districto de Vi^^eu
Dolmens. V. Monumentos prehisto-
ricos.
Duques e senhores de Viseu
Edifieios brasonados.
» principaes
Emparedadas
Emygdio Navarro
Ernestos de Viseu
Eseriptor e artista notável.
Eseriptores
Estevam Gonçalves
Estradas. V. Viação.
Etymologia da Beira
Etymologia de Vi-eu
Eugenia INunes Viseu
Excessos lamentáveis
Execuções
pag. col.
1609, 1.
1678, 1.
1559, 2.
1716, 2.
1551, 2.
1552, 2.
1742, 1.
1748. 2.
1748, 2.
1741, 1.
1765, 2.
1589, 1.
1571, 1.
1585, 2
1690, 2.
1628, 2.
1537, 2.
1690, 1.
1669, 1
1729, 2
1696, 2.
1747. 2.
1753. 1
1744, 1.
1737, 2.»
1661, 1.»
1624, 2."
1721, 1.»
1738, 2."
1723, 2.»
1722, 2.»
1541, 1.» ,
1587, 1.»
1754, l.«
1721, 2.'
1551, 1.»
1549, l.«
1843, 1.»
1843, 2.»
1736, 2.»
1819, 1.»
1802, 2 *
1852, 1.»
1796, 1.» i
17i4, 1.» I
1798, 1.» j
1790, 2.» !
1784, 1.' !
F
pag. col
Fabrica de moagem 1726,2
Factos importantes 1586,1
Famiiias nobres na actualidade... 1727, 1
» » nos arrabaldes.. 1748, 2
» » extinctas 1737, 2
Feira franca 1554, 1
Fetal (S. Miguel do) 1565, 2,
Foraes de Viseu i 1686, 1,
Fernão Lopes 1831, 1
Forneiras 1722, 1
Forte Gato 1828, 2.
Fortificações de Viseu 1706, 1.
Francisco Cardoso Pereira 1827, 2.
» Manoel Correia 1820, 1.
Freiras de Pinhel 1586, 2
. 1628,2
Freiraticos 1662, 1
Fundação de Viseu • 1709,2
Fusilamentos , 1784,1
G
Gaspar Barreiros 1803, 2.»
Gonçalo Pires Bandeira 1840, i.''
Grande conflicto de prelados 1602, 1 ■
Grandes motins, 1632. 2.»e 1660, 1.»
» tempestades, 1615, 1.» e
2.»; 1619, l.«; 1621, 2.»; 1628, 1.» e 1662, 2.»
Grão capitão 1738,2."
i* Vasco, 1539, 2.«,-e 1854 a. 1883.2
II
Hospitaes 1666, 1.
Igrejas e capellas 1559, 1.»
Imprensa em Viseu no sec. xvi... 1826, 2.»
Incêndio no paço da Sé 1629, 2."
Inseri pções romanas, 1563, 1.";
1568, l.«; 1693, 2.«; 1694, l.«;
1706, l.';e 1709, l.«
Instracção publica 1641, 2.»
1 O foral do bispo D. Pedro Gonçalves,
encontra- se textualmente no Elucidário de
Viterbo, lit. Ferraduras.
2 Por descuido da impressão vae também
n'este appenso a columna que devia ser a
1.» da pag. 1871 na esplendida Memoria do
sr. Joaquim de Vasconeellos, a quem pedi-
mos desculpa d'este lapso.
Os editores
1888 VIS
VIS
jr
pag. col.
João de Barros 1802,2.»
Joaquim de Vasconcellos i854, 2.»
José d'Almeida Furtado 1849, 2.'
» . e Silva 1851, 2.*
» Ribeiro de Carvalho 1841, 2.*
Judiaria 1743, 1.»
Lavanha, Lousada, Fr. Bernardo
de Brito e o Nobiliário do conde
D. Pedro julgados por A. Her-
culano, 1681, 1.» e 1682.
Largos e praças 1557, 1.»
Lemos de S. GemiJ, 1731, l.» e. . . 1752, 2.»
Lenda de D. Ramiro 1674, 1 *
Linho. 1763.2'
Loureiros 1731, 1.»
. 1738, 2.«e 1740, 1.»
Lourosa da Telha (casas nobres),
1750, 1751 e 1752.
Lyeeu 1643, 1.»
M
Madeira 1765, 1.»
Marçiies de Foscôa 1791, 1.»
Marechaes 1606, 2.»
Mestres d*obra3 1845. 1 *
Minas. 1/62, 1."
Misericórdia 1665, 1.*
Monte- Viseu. V. Orgens n'este art.
e Monie Viseu, tomo 5.» pag. 533,
col. l.»,i
Monumentos prehistoricos 1699, S »
Morgados de Santa Chrieitina 1742, 2 •
Mossamedes 1345, 1 *
Movimento jornalislico 1640, 1.»
Músicos 1846, 1.»
N
Nápoles da Prebenda 1730, 1.»
Narciso Pereira Cabral 1851, 2.»
Nicolau P. de Mendonça, 1590, 1.»;
1591, 1.» e 1748, 2.»
Nobiliário do conde D. Pedro 1674, 2.»
• . ..... 1681, 1.»
Nomes dados a Viseu 1714, 1.»
Nunes de Carvalho (dr.) 1806, 1.»
1 Como reetifleação ao que o meu bene-
mérito antecessor disse ali, note-.«e que o
convento de Orgens foi sempre autónomo
até 1834 — e não vígairaria do de Santo An-
tonio de Viseu.
O
pag. col.
Obras à'&Tle:— abobada dos nôs.. 1577, 2.»
> » escada dos Nerys. . . 1654, 1.*
» » esculpiuras 1631, 2.»
» > órgão da Sé 1584,
1.» e 1632. 2.»
» » pelicano 1671, 2.»
» » pinturas. V. Grão-
Vasco.
Orcas, arcas, antas e dolmens. . . . 1699, 2.»
Ordens 3.»» 1663, 1.*
Orgens 1542, 1."
I?
Paço de Fontello 1724, 2.'»
Paços do concelho 1673, 2.»
Padre ladrão 1618, 2.»
» Leonardo de Sousa 1820,2.»
» Moura 1847, 2."
Pedro Ferreira lí^32. 2.»
Pelicano da Sé 1671, 2.»
Penajoia. 1579, 1.» e 179J, 2.»
Penedos baloiçanles 1699, 2.»
Pepino (Antonio Jerouymo) 1542, 2.»
Pessanhas 1732, 1.»
Phylloxera 1756, 1.»
Pintores.. 1849, 2.»
Poços do Douro 1704,2.»
Poetas 1828, 1.»
Policia civil 1726, 2.»
Prelado amante d'obra8 d'artp 1631, 2."
» muito enérgico, n.» 81... 1636,2.»
» muito esmoler, n.» 71 1627,1.»
» muito espiriiuo.io, muito
generoso e por vezes tam-
bém muito rigoroso n." 70 1625, 2.»
» piedosíssimo, n • 64 1617, 1.»
» que ordenou mais de
20:000 sacerdotes 1622,2.»
» que percorreu mais de
5:000 legoas. n.» 65 1619, 1.»
» de Viseu que entrou em
Viseu já morto, n." 66. . . 1621, 1.»
Prelados pouco felizes, 15H0, 1.»,
1605, 1.» n.» 45; 1610. 2.» d.» 55;
1630, 2.», n.» 72; 1636, 1.» n.»
80; ei 1663, 1.»
Prelados que foram insignes bem-
feitores da Misericórdia, col. 1.»
e segpintes 1666.
1 Veja-se lambfm no supplemento a»
longas e intere.«santes biographias do car-
deal D. Miguel da Silva e do bispo D. Julio
Francisco de Oliveira.
VIS
VIS
1889
pag. col,
Prime (casa nobre) 1752, 2 *
Procissão dao foroeiras — 1722, 2/
Província da B^íra Alta 1793, i."
Púlpito, p*as e altar de porpbydo
1561,2.% 1624, l.«e 1669, 2/
Q
Queima da pólvora. • 1788, 1.»
Queiroses 1732.2.»
Quinehães e Figueira. 1816, 1.*
Quinta de Marzuvellos 17 2.*
>• da Medrouhosa. • 1750, 1*
» regional 1762 1.*
. de S. Salvador 1748, 2.»
• de Tundeiínha 1750, 1.*
R
Raios que caíram na Sé 1628, 1.*
D. Ramiro de Leão 1674,
Ranhados 1531, 1.»
Rio de Loba 1530, 1 •
Rios e ribHiroí» do concelho 1745, 1 *
Rios e montanhas do districto... 1755, 1.*
Rodrigo dri Sou^a Tudella 1833, 2.'
D. Ruy Lopes de Sousa 1741, 2.*
. 1830, 2.»
S. Salvador, fríguezia 1533, 2.»
» quinta 1748, 2.»
Schisma 1633, 2.»
Seda.. 1764,2.»
Segurança publica 1782, 2,»
Seminário diocesano 1643,2.»
• de.Hcrip' ão da escadaria 1654, L»
Senhores de Vis-u^ 1721, 2.»
Sepulturas em rocha 1743, 2 »
Serras da Beira Alta ^ 1735, 2.»
* V. Santarém, tomo 8." pag. SOO, col. 2.»
e segg.
2 V. também Monte Muro, tomo 5.' pag.
523, 2.%— e Monte Raso, tomo 5.» pag. 527,
col. 1.»
pag. col.
Silvas Mendes 1733, 2.»
Sinval 1812, 1.»
T
Távora e Taboáço 1757, !••
. 1759, 1.»
Templos da cidade 1559, 1.»
Tumulo de D. Rodrigo 1565, 2.»
» — outro 1571, 1.»
Tenente rei fusilado 1734, 2.»
V
Vasco Fernandes, V. Grão-Vasco.
Viação do concelho 1639, 1."
» do districto: romana 1766, 1.»
t • antiga .- 1772. 2.»
. t actual 1776, 2.*
Vil de Moinhos 1S:{7. 2.»
Viriato, o grande 1830, 1.»
Visconde do Taveiro 1751, 2.«
Visconde.ssa de S Caetano 1798, 1.»
FíS(?M- principio do artigo 1527, 2,»
» como se escreve (nota). . . 1527, 2.»
» sua eiymulogiâ 1714,1.»
» sua situação 1528, 1.»
» freguezias da cidade 1528, 1,»
» freguezias annexas 1528, 1.»
» labyrinto 1547, 2.»
» editicios mai.4 notáveis.. . . 1549,2.»
» grandes proprietários. .. . 1639,2.»
» local amigo e moderno. . . 1716, 1.»
Visienses illustres: Mooarchas. . . 1798, 1.»
t » —Senhoras ,. 1798, 1.»
. -Bispos 1802, 1.»
» » — Escriptores. 1802, 2.»
» » —pelas I* ttras,
mas não es-
criptores. . . 1822, 1.»
» » —pelas armas 1830, 1.»
„ >. —pela sua po-
— siçào social . 1839, 2.»
„ • —pelas virtu-
des 1842, 1.»
, . —estadistas . . 1843, 2.«
• tristemente celebres... . 1843,2.»
Visoi 1715,2.»
1890 VIS
VIS
VISINHO ou VIZINHO — que mora com
outros Da mesma casa, na mesma rua, oa
mesma povoação ou na mesma freguezia.
Os amigos historiadores e chorographos
denominavam visinhos o que iioje denomi-
namos fogos, familias; — não almas ou habi-
tantes.
V. Fogo, tomo 3.» pag 203, col. 2.»
Também antigamente se chamaram visi-
nhos os que eram àdmittidos a terem bens
no termo d'algumas villas, concelhos ou ci-
dades. Eram ordinariamente pessoas da pri-
meira nobreza e chegadas ao throno, para
serem na corte seus protectores.
Em tempo de D. ÁtTonso III os seus gran-
des vahdos D. João d'Aboim, D. Esteve-An-
nes e D. João Moniz foram pelos concelhos
de Évora, Beja e outros nomeados seus vi-
sinhos com todos os privilégios próprios dos
dictos concelhos.
No anno de 1211 o concelho de Mesãofrio
(Mansionis frigidae) vendeu a Affonso Pires
uma herdade em Villa Marim.i hoje paro-
chia do mesmo concelho, e juntamente o fi-
zeram seu visinho, para que os ajudasse e
defendesse de quem os inquietasse.
Doe. de Tarouca.
A D. Abril doou nos mesmos termos o
concelho de Numão também uma grande
herdade no anno de 1238.
V. Numão, tomo 6.» pag. 179, col. 2.».
Não consentia n'estas cartas e doações de
visinhança o concelho de Pinhel, pelo que
teve grandes questões com o celebre mare-
chal Gonçalo Vasques Coutinho.
V. Pinhel, tomo 7.» pag. 63, col. !.■ pag.
67. col. 1.» também; e pag. 70, col. 2.»
El-rei D. Pedro I não permittia na sua
corte pessoa alguma obrigada ou visinha dos
concelhos, para que o seu vâlimento não pre-
judicasse a rectidão da justiça.
1 O dito concelho havia comprado aquella
herdade a D. Rodrigo Mendes, o qual a
houve de Miguel Picon, que a perdeu por
haver assassinado aleivosamente Garcia Paes,
mordomo de D. Rodiigo Mendes.
Estes visinhos também se chamavam
naturaes dos dictos logares, villas e cida-
des.
VISITA — pensão que antigamente se im-
punha em alguns prasos e consistia em um^
presente ou mimo de cousas comestíveis que
o emphyteuta, caseiro ou colono devia dar
uma ou mais vezes por anno ao directo se-
nhorio.
E nos fareis visita huma vez no anno cot»
o que tiverdes. Praso de 1479.
Em outros prasos se estipula a mesma vi-
sita duas vezes por anno.
VISITAÇÃO — certo fôro ou tributo qufr
09 vassallos outr'ora pagavam ao rei e os
emphyteutas ao senhorio.
V. Colheita, vol 2.» pag. 358, col. 2.»
Também se denominou visitação a visita
que os prelados costumavam fazer pessoal-
mente ou por commissão ás diversas fregue-
zias das suas dioceses todos os annos, pelo
que era algumas parochias aindahoje se en-
contram livros com as actas d'aquellas vi-
sitas, denominados Livros das Visitações^
sendo para lamentar que a maior parte
d'elles se perdesse, pois eram muito cu-
riosos e muito interessantes para a historia
local.
V. Villar d^ Andorinha, tomo 11» pag. 1167,
col. 2." e seguintes, onde se encontra men-
ção e longo extracto de um dos taes li-
vros.
VISITAÇÃO — quinta ou casal na fregue-
; zia de Villa Verde dos Francos, concelho
i d'Alemquer.
V. tomo 11.» pag. 1115, col. 1.»
VISO — cume, collina, logar eminente
com vasto horisonte, pplo que alguém pre-
tende que a cidade de Viseu tomou este no-
me, por estar em uma eminência ou viso de
um monte. *
É certo que pela eminência em que demo-
ram temos em Portugal com o nome de Viso
nada menos de 28 aldeias, 3 casaes, 2 qnin-
I
1 V. Viseu, tomo 11." pag. 1715, vol. 2.»
VIS
VIS 1891
tas, vários outeiros e montes, e differentes
santuários e eapellas; — mais um casal com
o nome de Viso de Cima, outro com o de Viso
de Baixo, outro com o nome de Viso Gran-
de, outro com o de Viso Pequeno e 2 aldeias
com o nome de Visos! Para não fatigarmos
os leitores, mencionaremos apenas os Visos
seguintes.
VISO — aldeia e monte (logradouro com-
mum) da freguezia de Fontellas, concelho e
comarca do Peso da Regoa, disiricto de Vil-
la Real de Traz-os-Montes.
V. Fontellas, tomo 3.» pag. 209, col 1.»
Demora esta importante freguezia era ter-
reno muito saudável, vistoso mimoso e fér-
til no centro da região denominada por jus-
tos titulos coração do Douro.
V. Villa Jusão, tomo xi. pag. 771, vol 1.»
A sua producção principal desde a institui-
ção da'poderosa Companhia dos vinhos do Al-
to Douro foi vinho de feitoria ou de embar-
que. V. Villa Jmão. loc. cit.=Em 1840 pro-
duziu ella 1:323 pipas de5601itros cada uma,
e ainda hoje (1888)appzar da phylloxera, pro-
duz muito vinho, como todas as fregupzias do
concelho da Regoa, e dos de Lainego, Pena-
guião, Villa Real e Mesão frio, porque o chão
d'e8tes concelhos é mais fundo e menos ar-
dente do que o do Alto-Douro.
V. Villarinho de Cotas, Villarinho dos
Freires e Villarinho de S. Romão.
Esta freguezia pertenceu judicialmente á
comarca de Penaguião, da qual passou para
a da Regoa; — ecclesiasticamente pertenceu
ao bispado do Porto, do qual passou para o
dT^Lamego em 1882 com todas as d'este
concelho, bem como as dos concelhos de Me-
sãofrio, Penaguião, Sabrosa, Murça, Alijó e
duas do de Villa Real.
Também outr'ora, ainda no principio d'es-
te século, pertenceu à provedoria de La-
mego.
Freguezias limitrophes: Jugueiros, ou S
José do Godim, e Loureiro, ambas do conce-
lho da Regoa, e Oliveira — do concelho de
Mesãofrio.
Comprehende as aldeias seguintes :— No-
gueira, Estremadouro, Poriella, Souto, Quin-
ta, Brunhedo, Paço, Viso, Caldas do Molledo,
Costa, Quartas, Neto, Palia, Moreira, Mouri-
nho, Outeiro, Outeiro de Baixo, Outeiro de
Cima, Revoltinha, Canal, Corredoura, Gan-
cello, Ranha, Rocio, Poças, Palheiros, Alena
da Fonte, Sobre a Fonte, Lojas, Pinheiro,
Cederma ou Aciderma, Carvalho, Egreja,
Villa Boa; — e as quintas do Neto, Corre-
doura, Tinoco e Praso, — e a estação das
Caldas do Molledo.
A quinta do Neto pertence hoje á familia
Champalimaud, de Cidadelhe, concelho de
Mesãofrio, mas até 1834 pertenceu aos pa-
dres Loyos, de Lamego, que n'ella fizeram
um luxuoso pomar de larangeiras cora al-
! tos muros de bem trabalhado granito —
j e no leito do Douro uma grande pesquei -
! ra, ainda hoje denominada pesqueira dos
\ Loyos.
A quinta das Caldas, que pertenceu á fa-
milia Cambiasso e hoje pertence á opulenta
familia Ferreirinhas, da Regoa (V. Villa Real
de Traz-os-Montes, tomo xi, pag. I:i03, col.
1«.) é hoje absolutamente a mais importante
d'esta freguezia. Além de ter mimosos cam-
pos regadios, um bom pomar de larangeiras
e luxuosos vinhedos que já teem produzido
180 pipas de vinho de embarque ou de ex-
portação, comprehende todo o estabeleci-
mento ihermal e vários prédios urbanos da
povoação das Caldas, avultando entre elles
o elegante e magestoso palacete mandado fa-
zer no fim do 3 " quartel d'este século pelo
2.° marido da sr.« D. Antónia Adelaide Fer-
reira,— o par do reino Francisco José da
Silva Torres. Custou lhe cerca de oitenta
contos de réis; — tem nas lojas um bom ar-
mazém com uma soberba coUecção de toneis
de castanho e tampos de vinhatico, — e na
extremidade E. uma lindíssima capella con-
tigua, com a porta franca ao publico.
É o palacete mais luxuoso que ha nas
duas margens do Douro actualmente desde o
i Porto até á Hespanha.
Foi muito mais luxuoso o palácio do Frei-
xo, na freguezia de Campanhã, fundado pe-
los marquezes de Távora no meiado do ulti-
mo século, mas tem passado por cruéis alter-
nativas I No*" rincipios d'e8te século eslevft
1892
VIS
VIS
®m grMode abandono e arvorado em arnia-
z«m de salga e deposito de peixe^ I. . .
No meiado d'este século comprou-o o ba-
rão de Velado, capitalista brazUeiro, depois
visconde do Freixo, que o restaurou e mo-
bilou ricamente. Foi a casa mal'<[luxuo9ado
Porto alguns anoos, mas por morte do vis-
conde passou para a viuva e d'esia para es-
tranhofi, achando-se novamente em mísero
estado ? I . . .
V. Campanhan tomo 2." pag. 58, — e
Freixo (quinta do) tomo 3.» pag. 233,
col. 1.»
A quinta das Caldas, quando o sr. Torres
a comprou, aproximadamente em 4850, era
muito mais pequena e estava quasi toda in-
culta; mas aquelle grande capitalista, ópti-
mo agricultor e o 1.* negociante de vinhos
de Portugal no seu tempo, i addicionou-lhe
por compra muitas propriedades, — replan-
tou-a toda, — e restaurou também o estabe-
lecimento thermal, que é hoje um dos mais
limpos e mais concorridos do nosso paiz, já
pela variedade e excellencia das suas aguas,
já porque a linha férrea do Douro lhe deu
estação própria na extremidade leste da po-
voação, lornando-a muito accessivel a men-
cionada linha que passa a N. e montante das
casas, tocando em algumas d'ellas. Além
d'isso corre pelo meio da povoação a estrada
real do Porto á Rngoa, formando uma estra-
da— rua, e a jusante a via fluvial do Dou-
ro, que nas enchentes cobre alguns ba-
nhos.
Não ha em todo o nosso paiz outro es-
tabelecimento thermal tão accessivel como
«8te.
^ Era natural da freguezía de Dois Portos,
concelho de Torr*^s Vedras;^ — nos seus vas-
tos armazéns de Villa Nova de Gaya chegou
a ter um deposito de 15:000 pipas de oinho
d'embarque — e deixou uma fortuna avalia-
pa em seis mil contos!. . .
I V. Molledo, aldeia, tomo 5.» pag. 372, col.
2.*, — e Villa Marim, tomo xi, pag. 780 e
781, com as suas respectivas notas, onde já
fizemos varias rectificações aos 2 menciona-
dos artigos Molledo e Rede, eseriptos pelo
meu benemérito antecessor, i que foi n*elles
muito infeliz, por não conhecer a locali-
dade.
Aproveitando pois o ensejo, completare-
mos aquellas rectificações.
Principiando pelo art. Molledo, cumpre-
nos dizer o seguinte:
1 • Aquella povoação está como a da Cur-
vaceira, junto da margem esquerda do Dou-
ro, naas distam uma da outra cerca de 2
kilometros — 3ío//gdo a jusante (0.) e Cur-
vaciira a montante (E ) das Caldas, — mes-
mo era frente da actual estação do Molledo,
ou das Caldas de Molledo.
2. * A velha povoação do Molledo que deu
o nome ás ditas Caldas, não demora no de-
clive da serra de Villar, nem de serra algu-
ma, mas na baixa e a meio da grande
freguezia de Penajoia. A serra de Villar
muito impropriamente dita, pertence á fre-
guezia de Barrô, limítrophe e visinha da
Penajoia, e distante do Molledo 2 a 3 kil-
para. O.
3. » A ponte do Piar^ também dista da
antiga povoação de Molledo 2 a 3 kilo-
metro» para O. — a jusante de Villar e Me-
sãofrio.
4. * Como dissemos em Villa Marim, loc.
cit. as aguas thermaes estão na freguezia de
Oliveira, concelho de Mesàufrio,— e o resto
da povoação (quasi toda) na freguezia de
Fontellas.
5. * A povoação da Rêde, como também já
dissemos no art. Villa Marim, pertence
^ Nós acceitámos a continuação d'este dic-
cionario, depois de principiado o art. Vianna
do Castello.
Suum cuiqne.
> Da vetha ponte já pouco existe;
resta porem o ponto do Piar. V. Pon-
tos do Douro, vol. 7.* pag. 199, col.
n.« 2i.
VIS
VIS 1893
áqufUa freguezia e à de Santa Christina de j
Mesâufrío. Nada tem com as Caldas do Mol- j
ledo e dista d'ella8 3 kil. por O. metteudo- |
se de permeio toda a parte baixa da fre- |
guezía de Villa Marim e parte da de Oli-
veira.
6. * A Villa de Mesãofrio está sobranceira
não á povoação das Caldas, mas á da Rêde.
7. " As antigas diligencias do Porto à Re-
goa (acabaram, logo que se inaugurou a li-
nha do Uouro) não passavam perto das Cal-
das, mas pelo meio da povoação d'esie nome.
8.0 Os banhos da Lameira foram muito
humildes e d'tlks se utilisaram com prefe-
rencia os pobres, mas hoje estão restaura-
dos e mesmo aceiados, e d'eiles se utilisam
os pobres e os ricos.
9.» Antes de se abrir ao tranzito a linha
do Douro, podia ir-se em diligencia não só
até perto das Caldas, mas até á porta de to-
das as habitações das Caldas— e até á porta
de todos os banhos, exceptuando os da mar-
gem do no.
IO* Na povoação das Caldas não ha so-
mente uma boa hespedaria e uma loja de
mercearia bem sortida, mas bastantes casas
para os banhistas^ algumas espaçosas e mui
to decentes,— uma boa pharmacia, um ta-
lho de carnes verdes, 3 capellas particula-
res, mas com porta franca ao publico, sen-
do uma dVlIas inaugurada ainda esteanno^
— uma pholographia, differentes estabeleci-
mentos de sapateiros, funileiros, relojoeiros
6 barbeiros, 4 ou 5 lojas de mercearia e fa-
zendas brancas, eic, todas bem sortidas,
—caixa de correio, 5 tabernas, e na es-
tação balnear um pequeno mercado mi-
moso de excelleule fructa, fornecida pela
grande freguezia de Penajoia, que está de-
fronte, n^ outra margem do Douro, e que é
talvez a freguezia de Portugal que produz
mais e melhor fructa.
No verão aquella vasta freguezia, que de
leste a oeste cou) prebende 6 kiiomelrose de
norte a sul 4 a o, parece toda um pomar,
um jardiml . . .
Paliemos agora do artigo Rêde:
Além das rectificações já feitas supra e no
art. Villa Marim, loc. cit. apontaremos as se-
guintes:
1. » Como já dissemos, aquella povoação
não pertence á freguezia de Fontella*, mas
às duas de Villa Marim,— e Santa Christina,
do concelho de Mesãofrio.
O amigo apeadeiro, hoje estação da Rêde,
pertence á freguezia de Santa Christina, e
dista não 5, mas 8 kil. da Regoa; 95 do
Porto; 20 de Lamego pela estação da Regoa
— e 432 de Lisboa.
De Lamego para as Caldas só algum po-
bre segue ainda hoje a antiga estrada di-
recta de 6 kilometros. Todos preferem a
viagem pela estação da Regoa e p'la nova
estrada a macadam de Lamego á Regoa, que
tem d'extensão 12 kil. e foi feita não para
sub'tituir a velha estrada direcia para as
Caldas, mas a antiga estrada de Lamego á
Regoa, que tinha também 6 kilometros de
extensão, com declives de 10 a 12 por cento
e 6 a 8 metros de largura. Foi uma estrada
luxuosa em outro tempo, quando o melhor
transporte eram as liteiras.
2. » Antes de se desenvolver a povoação
das Caldas, muitos banhistas occupavam as
casas fronteiras pertencentes ás quintas da
Penajoia, na margem esquerda do Douro,
mas nunca foram habitar a povoação da
Rêde, distante 3 kilometrosi . . .
3. * Alem da antiga e nobre casa da Rêde,
solar dos Alpoins, huuve ali outra muito
mais antiga e mais nobre, denominada tam-
bém casa da Rêde, que foi dos Peixotos
Pinto Coelhos, representantes d Egas Moniz.
O edificio era humilde, mas o casal opulen-
to, pois comprehendia muitas terras em
volta, hoje todas perdidas e possuídas por
estranhos.
O palacete da nobre família Alpoim é hoje
sem contestação o l.» da localidade e foi
feito no sec. xvii.
Também ali tiveram nobre solar, — diffe-
rentes casas e muitos bens, eomprehenden-
do o palacete de S. Thiago,— os Soares de
Albergaria, hoje alliados com um dos repre-
sentantes d'Egas Moniz Coelho.
V. Albergaria, tomo 1." pag. 48. col. 2.*
1 —Villa Marim, loc. cit. pag. 779, col. o
i894 VIS
VIS
segg. — e pag. 78S, col. 2.»— e Villa Jusã no
mesmo vol. pag. 771, col. 1.»
Prosigamos.
As primeiras casas da povoação das Cal-
das do Molledo foram as da quinta onde bro-
tam. Feita a estrada marginal da Rede até
a Regoa pela Companhia dos Vinhos (V.
Villa Jusã loc. cif.) em substituição da ve*
lha estrada de sirga, que era um carreiro de
cabras, tornaram-se os banhos muito mais
accessiveis e mais concorridos, e logo se
fizeram uns humildes quartéis a 0. dos ba*
nhos da estrada e a N. d'e3ta, — quartéis
que ainda hoje lá se vêem.
Depois o capitão Isidro, da Regoa, fez uma
boa casa, com capella, para os banhistas.
Tem 3 pavimentos e ainda hoje conserva o
nome de quartéis do Sidro. Também por
esse tempo um tal Manoel d'Almeida fun-
dou uma estalagem a montante da nova
estrada e junto do ribeiro que vem deFon-
lellas, — estalagem que foi muito concorrida
e bem conhecida como estalagem do Almeida
até ser expropriada e demolida para a con-
strucção da linha térrea.
Depois d'aquellas 3 casas construiram-se
gradualmente outras e assim se formou a
povoação.
Junto da estalagem do Almeida (lado O.)
se estabeleceu no %' quartel d'esie século
como ferrador um bom homem e um gran-
de artista,— José Pereira, — que foi um dos
ferradores mais acreditados e mais afregue-
zados que houve entre o Porto e a Regoa.
Casou com uma fílha do dono da estalagem,
por nome Josepha d'Almeida, que ainda vi-
ve, já viuva; os dois fizeram differentes ca-
sas na povoação e tiveram differentes filhos,
entre elles um, de nome João dos Santos
Pereira que, apesar de ser surdo mudo, de- j
senha e pinta; tem tirado muitos retratos a I
oleo e é também photographo^ excellente <
pessoa e muito intelligente.
Foi âlumno do collegio de Surdos Mudos
que o chorado rei D. Pedro V. montou na
Casa Pia, em Lisboa, e depois frequentou
também algum tempo a Academia de Bellas
Artes, no Porto.
Outro filho do ferrador José Pereira se-
guiu a profissão do pae. Chama-se Manoel
dos Santos Pereira e foi elle quem fez a no-
va Capella (do Coração de Maria) que este
anno se benzeu e inaugurou com uma pom-
posa festividade em cumprimento de certa
voto.
Demora a dita capella entre a estação e a»
Caldas, muito perto do sitio onde o funda-
dor nasceu.
Também na povoação das Caldas se esta-
beleceu com um talho de carnes verdes an-
tes de 1850 Marcos Correia, homem agigan-
tado, muito enérgico e muito valente, mas
muito traiavel e excellente pessoa. Ahi tem
feito interesses e construiu uma das melho-
res casas da povoação; montou também ali
uma boa mercearia e tem sido dos últimos
tpmpos arrendatário dos banhos.
Também no melado d'este século um ne-
gociante e capitalista de Lamego, — Custo-
dio Correia da Rocha, — mandou ali fazer
um grande hotel^ que ainda hoje é o pri-
meiro das ditas Caldas.
Esta parochia de Fontellas confina aa
norte com o monte Mourinho,^ e ao sul com
o rio Douro, na extensão de 1/2 kilometro,
aproximadamente, desde o pequeno ribeiro
das Caldas, linha divisória entre os conce-
lhos da Regoa e Mesàofrio, até o ribeiro da
Palia na extremidade O. da freguezia de
Jugueiros.2 Comprehende no Douro o cele-
bre ponto da Curvaceira, que tomou o no-
me da vistosa, mas pequena povoação que
está na margem esquerda, freguezia da Pe-
1 N'este monte ha uma capella de S. Gon-
çalo muito antiga, com festa e romagem to-
dos os annos, mas pertence á freguezia de
Loureiro, qne parte com a de Fontellas.
2 O ribeiro da Palia dpsagua no Douro
junto da barca do Carvalho e vai só até ali,
pela margem do Douro a freguezia de Fon-
tellas, mas avança muito mais para o nas-
cente contra a freguezia de Jugueiros por
uma linha convencional a montante da es-
trada nova e da linha férrea, — sem descer
até o Douro.
VIS
VIS 1895
Dajoia,— mesmo em frente da estação do
Molledo.
V. Pontos do Douro, tomo 7. o pag. 199,
col. n.» 26, — e Corvaceira n'e8te diccion.
e DO supplemento.
Na margem direita do dito ponto e nas
aguas d'esta freguezia se montou aproxima-
damente em 1852 um moinho com 3 rodas,
dentro de um grande barco; junto d'este
moinho se fez depois outro e ambos ali tra-
balharam muitos annos; por vezes foram rio
abaixo d'envoita com as cheias, mas ainda
lá se vé um com 2 rodas dentro de um bar-
co—e 2 feitos de pedra ou azenhas que tra-
balham só no verão.
Ha também nos limites d'estã parochia
uma barca de passagem sobre o Douro, bem
conhecida como barca do Carvalho. Cruza
o Douro entre esta freguezia, no sitio da
Palia, cerca de 300 metros ao nascente
da actual estação do Molledo, e a fre-
guezia de Samodães, no sitio do Car-
valho. D'ella fez menção o cónego ter-
eenario Ruy Fernandez, em 1532, na sua
Descripção do terreno em volta de Lamego
duas léguas, e pertencia n'aquelle tempo á
quinta do Loureiro, que ainda hoje lá se
vé com uma capella na margem esquerda
do Douro, termo da freguezia de Samodães,
a montante do tal sitio do Carvalho.' De-
pois, não sabemos quando, passou para a
camará de Lamego que, antes de se abrir
á circulação a linha férrea do Douro, cos-
tumava arrendar a dita barca por réis
l:200i|i000 annualmente, livres para a ca-
mará, ficando a cargo dos barqueiros a
construcção e reparação das barcas, etc—
E os barqueiros faziam interesses, pois nós
conhecemos n'esse tempo dois: — Manoel
Marques, já falleeido,— e Joaquim Marques,
ainda vivo, irmãos, excellentes pessoas.
í Inedit. de Hisí. Port. tomo 5.» in fine.
O auctor simplesmente diz que a barca
do Carvalho era de hua quinta; suppomos,
porém, ser a tal quinta do Loureiro, por-
que é muito antiga e demora junto da
barca.
muito tratáveis e muito generosos. Não ac-
ceitavam um real dos habitantes dos povos
visiohos, Curvaceira, Caldas, etc. — e apesar
d'Í8so o 1." construiu uma boa casa na Pal-
ia—e o outro um bom prédio nas Caldas
do Molledo, onde vive.
Depois da barca da Begoa, a barca do
Carvalhoera a mais importante, de mais mo-
vimento e mais rendimento que havia em
todo o Douro, desde que a Companhia dos
Vinhos fez a estrada do Porto até à Regoa,
pois passou para a barca do Carvalho qua-
si todo o movimento da antiquíssima barca
do Molledo (a povoação que deu o nome às
Caldas, ou do Por Deus.) '
Todos os viandantes, cavalleiros e almo-
creves que transitavam entre o Porto, Mi-
nho, Lamego e Beira abandonaram o anti-
go itinerário pela Íngreme ladeira da Pena-
joia, Santiaguinho e serra d'Avões — e se-
guiam pela barca do Carvalho, Cambres e
Lamego, ou pela barca da Regoa, mas pre-
feriam a do Carvalho por duas rasões:—
i.» porque encurtavam 6 kilometros : — 2.*
por ser ali a passagem mais commoda, mais
rápida e mais segura.
Na Regoa a passagem era morosa e pe-
rigosa, principalmente no inverno. Ainda
n'esttí século, aproximadamente em 1850,
ali se submergiu uma grande barca com-
pletamente carregada, perecendo muitas
pessoas, em quanto que no Carvalho não ha
memoria de naufrágio algum! O rio presta-
se admiravelmente para a passagem; — o
serviço era bem feito— e tinham barcas so-
berbas! Nós ainda ali conhecemos uma que
recebia 10 cavalgaduras carregadas — ou 3
carros de bois a um tempo, carregados e
sem desapporem ou desprenderem os bois,
levando conjuntamente grande namero de
pessoas, etc.
Fecharemos este tópico mencionando um
facto importante, horroroso, tristíssimo, que
se deu na barca do Carvalho.
1 V. Villa Jusã, tomo li.» pag. 768, col.
i.»;— Villa Marim, no mesmo vol. pag. 782,
col. 2.%— e Viseu, pag. 1775, col. e sua
respectiva nota.
1896 VIS
VIS
Em 1827 a 1829, com as perturbações po-
liticas esteve algum tempo a dita barca sem
ser arrendada, coDliDuando os antigos bar-
queiros a fazer o serviço e auferindo inte-
reíses. Com a mira na gauanciaum proprie-
tário visinho, Manoel Pinto Pereira Borges,
da povoação da Cederma ou Aciderma, ofiB-
«iai do sr. D. Miguel, mandou fazer barcas
suas e cellocou-as ao lado das outras, em
competência com ellas; mas o povo indigna-
do não poz pé nas novas barcas e continuou
a demandar somente as velhas. O tal senhor,
vendo maliograda a sua torpe e vil especu-
lação, mandou baixar os preços das passa-
gens nas su»s burcas; mas, nada conseguiu-
do, escolheu para barqueiros homens per-
versos e deu ih^s ordem para coagirem os
transeunte:^. S-guiram-se alguns espanca-
mentos que maÍ8 afugentaram ainda o publi-
co. Indignado o tal senhor e abusando da
sua posição como offidal miguflista, cer-
ta noite reuniu um bando de partidários
seus, — arrombou a machado as portas da
casa onde dormiam os antigos barqueiros;
assassinou barbaramente um e espancou e
feriu os restantes, deixando-os em perigo de
vida. Depois dirigiu-se às barcas d'elles; —
lauçou-lhes o fugo; — soltou-as — e ellas lá
foram ardendo pelo rio abaixo?! • . .
Eu aiuda conheci o tal heroe.
Foi procesi>ado; andou homisiado muito
tempo; compr ometteu a sua casa para se li-
vrar do crime e morreu pobre, amaldiçoa-
do e despresado por todosi . . .
A dita barca hoje rende apenas SOOiílOOO
réis, porque a linha do Douro levou para a
estação da Regoa todo o movimento entre o
Porto, Mmho e Lamego ; — acabou com os
almocreve» que pejavam a dila barca — e
amorteceu a navegação do Douro, o que
prejudicou muito a barca, pois os barcos
rabellos, quasi sempre tirados por bois na
viagem ascendente, seguem na maior parte
do anno pela margem esquerda do Douro
até o Carvalho e ali cambam para a margem
direita, passando os bois na dita barca. Nas
cheias cambam um pouco mais abaixo,
mesmo deffonte ã» estação do Molledo, mas
os bois passam também na mesma barca.
Ali passavam outr'ora por vezes em um dia
mais de 30 juntas de bois, em quanto que
hoje esse movimento é muito limitado.
Também outr'ora não era permittida a
passagem n'ouiros barcos até certa dístan-
cia, emquanto que hoje entre o eaes da Car-
vaceira e a estação do Molledo, para serviço
d'esta cruzam o D>)uro constantemente com
passageiros e mercadorias muitos barcos.
Também esta em projecto uma ponte so-
bre o Duuro juQio da estação de Molledo e,
logo que ella se construa, — adeus barca do
Carvalho! . . .
Uma poderosa companhia estrangeira pro-
põe-se construir 9 pontes sobre o Douro,^
ficando uma d'ellas na estação da Rêde, mas
nós trabalhamos para que a dicia ponte se
faça junto da estação de Molledo (entre ella
e a povoação da Cu r vaceira, minha terra na-
tal) porque ali lera muito maior movimento
e é de mais facil cousirucção, como já fize-
mos ver em um longo artigo publicado em
differented joroaes da Regoa, de Lamego, do
Porto e de Lisboa,— artigo que ninguém im-
pugnou, por ser de rigorosa justiça o que
n'elle expendo e peço. E ao mencionado ar-
tigo hãode seguir -se outros!. . .
Tenho, pois, bem fundadas esperanças de
ver construída ali a ponte.
A questão é de tempo.
Mencionaremos também aqui outro facto
importante e ho.'^roroso que em 1837 se
deu junto da dita barca.
Foi o seguinte;
Morava a N. da estrada real, em uma hu-
milde choupana, defronte da avenida que
desce para a barca, uma familia por alcu-
nha Miséria, que tiuha uma moça nova e
sympathica; e havia então em Fonieltas um
moço de boa família, por nome Antonio de
Seixas, muito valente e muito desordeiro,
que requestava a dita moça e a visitava re-
1 Hoje (1888) ha sobre o Douro as 5 pon-
tes seguintes: í no Porto, ambas de ferro,
sendo uma de dois tabuleiros, — e 3 de pe-
dra e ferro:— uma na foz do Tâmega, outra
na Regoa e outra no Alto -Douro.
VIS
VIS 1897
petidas vezes Tinha ella também um irmão,
Manoel da Silva Borges, de pelle diubi, que
resolveu desíazer-se do tal Seixas e uma
noite, quando este denteia de Fontellas para
cumprimentar a menina, o irmão esperou-o
em um recanto da estrada, cerca de 300 me-
tros a montante da choupana que habita-
vam;—deu-lhe um tiro à qu-^ima-roupa e o
matou mslantaneamente, deixando-oem mí-
sero estado, porque o apanhou pelo centro
do corpo, Incendiando-se os cartuxos que
trazia em uma canaoa e o assaram e quei
maram horrivelmente, pois vinha bem ar-
mado!. . .
Eu era então muito creança,'' vivia com
meus paes na povoação da Hurvaceira, qua-
si defronte, e ainda me recordo de ouvir a
detonação do tiro e a narração do facto,
etc. etc.
Houve n'e9ta freguezia de Fontellas, entre
a barca do Carvalho e a estação do Molledo,
um santuário aniiquiasimo, alcandorado so-
bre o Douro no cume de um grande morro
de schisto, pelo que tomou a invocação de
Senhor da Fraga. Ignoramos o nome do
* Contava apenas cinco annose meio, pois
nasci em 14 de novt mbro de 1832 e o lai
Seixas foi morto na noite de 24 de maio de
1837.
Vivia ainda então o meu avô materno Jo-
sé Bodrigues Curvaceira, com o qual eu ia
subindo da margem do Douro para a nossa
casa, a casa da cnpella. A meio caminho en-
contrámos Fr. Venâncio Pmto da Silva,
egresso b^nedictino e nosso visinho. então
meu professor de instrucção primaria, que
nos deteve um pouco, palestrando com o
meu avô N'esse momento ('Stou bem cer-
to!...) ouvimox o grande tiro alem-Douro;
—depois recolhemo nos ás nossas casas e
no dia seguinte (se b^m me recordo era um
domingo) espalhou se a noticia da tal morte.
Foram pronunciados — como auctnr o tal
Miséria e como mandante o tal Fr. Venan
ao (?) que andou homisiado muito tempo e
gastou muito dinheiro para livrar se do
crime. Elie era então ainda novo e tinha
apenas ordens menoreí"; mais tarde, porém,
ordenou se e já falleceu ha bastantes annos.
S. T. T. L.
\ fundador, bem como a data e o motivo da
I fundação, mas suppomos que seria fundado
pelos marinheiros rabellos, por estar a mon-
tante do ponto da Curvaceira, que outr'ora
foi um medonho sorvedouro de barcos e de
vidas. Pelo mesmo motivo elles fundaram
diiferentes capellas junto d'uutros pontos^
nas margens do Douro.
Tinha este santuário uma capellinhá no
alto dos rochedos;— vários nichos com san-
tos; uma gruta para o ermitão, nos mesmos
rochedos,— e uma escadaria dupla por on-
de se subia para o pequeno santuário; mas
quando a Companhia dos Vinhos, nos fins do
ultimo século, mandou fazer a estrada do
Porto á Regoa, expropriou e demoliu a Ca-
pella e a maior parte do morro, por estarem
no alinhamento da estrada e por ser o dito
morro uma excellente pedreira, embora
de schisto, d'onde extrahiram muita pedra
para os grandes muros de supporte da es-
trada.
Desappareceu, pois, o santuário nos fins
do ultimo século; no meiado d'e8te ainda
nós vimos a gruta do ermitão e parte da es-
cadaria, cuja pedra os visiiihos foram rou-
bando; por ultimo até o próprio morro des-
appareceu com a exploração da p^dra para
a construeção da linha férrea do Douro.
Pelos annos de 18S0 e no rigor da estia-
gem foi visto com surpresa um grande sô-
Iho junto da barca do Carvalho; passados
dias alguns habitantes da Curvaceira viram-
no descendo pelo ponto d'este nome, porque
! a agua ali no verão tem pouco fundo, — é
transparente— e o sôlho alem de ser grande
tinha o dorso escuro. Os taes meus visinhos
foram rapidamente a suas casas;— levaram
armas de fogo e dispararam sobre elle al-
guns tiros, mas não conseguiram matal-o.
O solho mergulhou e pouco depois appare-
ceu nadando alguns centos de metros mais
abaixo entre a estação do Molledo e a po-
voação da Curvaceira, cujos habitantes se
alvorotaram e correram ao Dt»uro, também
armados com espingardas, pólvora e chum-
bo. Saltaram para differenies barcos e fize«
j ram contra o pobre sôlho uma verdadeira
I monteria, divertimento estranho que durou
1898 VIS
VIS
algumas horas. Apenas o lobrigavam, faziam
fogo; elle mergulhava e sumia-se; d'ahi a
pouco apparecia novamente e seguia-se nova
descarga. Durou bastante tempo o tiroteio
e já muitos dos caçadores se haviam retira-
do esmorecidos, quando o pobre solho ap-
pareceu boiando morto. Levaram -no para
a povoação da Curvaceira; collocaram-no
em um taboleiro coberto com um lençol e
ao som de um tambor andaram passeando
com elle pelos povos visinhos; depois divi-
diram-no por todos os que haviam tomado
parte na brineadeira.i
Parecia um grande atum. Tinha de com-
primento cerca de 2 metros; pesou sessenta
e tantos kilos— e apenas recebeu dois feri-
mentos de bala.
Os solhos, oriundos do mar, costumam
subir pelo Douro e alguns ali permanecem
nos grandes poços, taes como o da Pedra
Caldeira, Saião e Pocinho, a montante da
Regoa,2— e aquelle de lá veiu desnorteado.
Hoje uo Douro são raríssimos, mas parece
que outr'ora eram ali vulgares e muito es-
timados, pois d'elles fazem menção os fo-
raes antigos, eonsiderando-os peixe real e
como taes pertencentes ao senhor da terra.
V. nos Ined. de Hist. Port. o antigo foral
de S. Martinho de Mouros e a Descripção do
terreno em volta de Lamego duas legoas, es-
cripta em 1532 pelo cónego tercenario Ruy
Fernandes, o qual diz textualmente o se-
guinte: «Ha também (nas duas léguas em
volta de Lamego) alguns solhos, ainda que
a mór caotidade morrem daqui pera cima
em villa nova de fazcôa. Estes solhos que
aqui morrem são peixes de 10, 14, 15 pal-
mos (?) e muy grossos, e sám peixes reaes;
1 Nós vimos os touros de palanque,— ãaíS
janellas da minha casa, — a casa da capella,
que demora no meio da povoação da Cur-
vaceira e domina um grande tracto do
Douro.
Não tomámos parte na funcção, mas ain-
da assim os taes senhores brindaram-nos
com uma grande postal
2 V. tomo XI (art. Viseu) pag, 1704, col.
2.» e seg.
e quando morrem he por serem grandes
dorminhocos, e dormindo, por acerto vam
dar em os canaes onde dam em séco; e os
outros, que matam no dito Douro^ em villa
nova, morrem pelo mesmo theor em arma-
dilhas; e os pescadores os tem á sirgua ata-
dos no Douro 15, 20 dias, e quanto querem
atee que vem pessoas, que os compram.
Sam peixes, que vale cada hu 1:000, 1:200,
1:500 réis, porque ha hi peixes que pesam
50, 60, 80 arrates cada hu, e dam o arrátel
por 20 reis (sic): e quando os tiram da au-
gua, deitam-lhe hua canada de vinho bran-
co polia boca, com que os levam dous diás
VIVOS, e os que morrem neste eercoito em
canaes, que sam poucos, sam do Senhor da
terra, por serem peixes reaes; ainda que el-
les comem os menos, porque quando os
acham os pescadores, furtam-nos, e vendem-
nos, e delles comem.»
Inéditos, tomo V, pag. 562.
Parece que o arrátel m illo tempore era
muito maior que o de hoje, pois ali (pag.
571) o mesmo autor diz que as vaccas de
criação pesavam 5, 6, 7 arrobas'^!. . .
Outro facto também curioso e observado
também por mim, quando vivia na Curva-
ceira, minha terra natal.i— mesmo em fren-
te da estação de Molledo, ou do sitio que
ella hoje occupa.
Aproximadamente em 1850 fez-se uma
pequena casa de tabique entre as Caldas
do Molledo e a estalagem do Almeida, a
montante da estrada nova e cerca de 8 me-
tros afastada do alinhamento d'ella.
Depois o dono reconsiderando e queren-
do-a no alinhamento da estrada, reuniu um
bando de homens todos armados com pan-
cas e alavancas;— atiraram-se á pobre casa
e levaram-na de rojo para o novo alinha-
mento, com grande pasmo do publico!
Também defronte d'aquelle sitio, pelos
aunos de 1838 a 1840, deu-se um facto de
2 V. Corvaceira e Miragaya, tomo 5.*
pag. 250, col. 1."
VIS
VIS 1899
grande risota, que podia ter serias conse-
qneDciast. . .
Andando a celebre musica da Penajoia a
folgar DO Douro em barcos, alguns d'elles
com senhoras, tocando e cantando o arrom-
ba, arromba, arrombou se o barco das se-
nhoras! — Tomaram banho sem quererem,
terminando a festança em gritaria.
V. Villa Real de Traz os Montes, tomo
II.» pag. 1006, col. 1.*— e Viseu no mesmo
vol. pag. i791, col. 2.» in fine.
Cortam esta freguezia na extensão de 1/2
kilometro de leste a oeste pela sua extremi-
dade sul a estrada real do Porto á Regoa e
a linha férrea do Douro, aqui parallelas e
beijando-se.
Está também quasi construída uma es-
trada municipal a maeadam de Godim para
a matriz de Fontellas.
O vinho d'esta freguezia é do melhor do
Baixo Douro, por estar voltada ao sul e ser
bastante iogreme e muito batida do sol. É
muito superior ao das 3 freguezias que lhe
ficam fronteiras alem-Douro:— Cambres, Sa-
modães e Penajoia; mas em compensação
estas 3 freguezias são muito mais mimosas
e mais abundantes d'agua, de cereaes e de
fructa.
No caminho das Caldas para Fontellas ha
uma quinta apparatosa com boa casa e Ca-
pella da invocação de Senhora do Amparo.
Foi do benemérito bispo do Porto— D. João
de Magalhães e Avellar — filho da pequena
povoação de Arneiroz, junio de Lamego.
V. Arneiroz e Villa Nova de Souto d'El-
Rei, tomo XI, pag 872, col. 2."
Houve em Fontellas um homem impor-
tante, dono da nobre casa do Estremadouro.
Chamava-se Antonio Felisberto da Silva e
Cunha;— foi governador de Villa Real, etc.
— e falleceu já depois do meiado d'este se-
culo.i
1 Era parente próximo do sr. dr. Jerony-
mo da Cunha Pimentel, actual director da
Penitenciaria em LÍ!*boa, mas natural de
Provezende, no Douro, representante da no-
bre casa da Calçada. V. Provezende.
Esta parochia, alem da sua matriz, que é
um bom templo, tem as capellas seguiu*
tes:
1. » — S. Francisco, a mais luxuosa de to-
das, pertencente ao palácio que mandou
fazer nas Caldas, Francisco José da Silva
Torres.
2. " — Senhora da Saúde, também nas Cal-
das, pertencente aos quartéis do Sidro, (IiU
dro) mencionados supra.
3. '— Coração de Maria, também nas Cal-
das e pertencente ao seu fundador Manoel
dos Santos Pereira.
4. »- SenAora do Amparo, junto das mes-
mas Caldas e pertencente à quinta da Re-
voltinha, que foi do bispo D. João de Ma-
galhães e Avellar.
5. *— Espirito Santo, pertencente à quinta
da Corredoura.
6. "— S. Francisco (outro) em Cimo da
Fonte, na quinta que foi do Champalimaud,
de Cidadelhe, e que é hoje do Banco da Ré-
gua.
7. « — Senhora das Dares, nas Lageas, per-
tencente aos herdeiros de D. Marianna de
Azevedo Leal.
8 » — Senhora da Lembrança, na povoação
do Pinheiro, pertencente a Antonio José de
Carvalho Borges.
9. *— Senhora do Carmo, na Portella, per-
tencente a Manoel Alvares Pereira Carnei-
ro Leal.
10. » — Senhora das Preces, no Estrema-
douro, pertencente a Luiz da Silva Cunha
Leite.
11. '— Santo Antonio, nas Quartas, perten-
cente ao dr. Rodrigo Telles de Meneses, de
Penafiel.
12. «— Sanío Antonio (outra) na povoação
de Moreira, pertencente a Antonio Ignacio
Vieira Borges.
Todas estas 12 capellas são particulares.
13. »— S. Paulo.
É publica e estava no monte do Viso,
donde foi transferida para o cemitério pa-
rochial, quando este se fez, em 1880. É um
bom cemitério, distante da matriz cerca de
V2 kilometro.
Tiveram também os Loyos uma capella
na sua quinta do Neto, mas foi profanada ha
1900 VIS
VIS
muito — e também jà desappareceu, como
dissemos, o santuário do Senhor da Fraga.
A navegação do Douro vae em grande
decadência depois que se abriu á circulação
a linha férrea marginal; mas oulr'ora foi
muito importante. Muitos arraes fizeram
boas casas; alguns ordenaram, formaram e
doutoraram os filhos*— e pertenceu a esta
parochia um dos ultimes arraes do Douro
mais iniportanieS;, mais considerados e mais
ricos, bem conhecido desde o Porto até à
Hespanhã como José Ignacio da Palia, por
que o seu nome era José Ignacio Vieira
Borges e morou muitos annos na pequt^na
povoação da Palia, junto da barca do Car-
valho; mas depois viveu e falleceu em 1880
na sua bella quinta da Corredoura (a mon-
tante da Palia) que comprou por doze con-
tos de réis e que é hoje dos seus filhos.
Era hnmem muito honrado e generoso,—
um cavalheiro no seu procedimento,— e ti-
nha uma soberba colleeção de barcos, sen-
do um d'elles (nós o vimos muitas vezes)—
o maior do Douro no seu tempo. Carregava
80 pipas de 557 litros cada uma.
Mencionaremos também aqui um outro
filho d'esta parochia de Fontellas, contem-
porâneo de José Ignacio da Palia e que foi
também como elle muito honrado e muito
trabalhador.
Chamava-se
José Pedro d' Oliveira
vulgo
José Pedro de Fontellas
Foi muito conhecido, muito respeitado e
muito considerado no Douro, no Porto e en-
tre o Porto e o Douro, porque no 2.* quar-
tel d'este século, antes de se estabelecerem
na província as agencias bancarias, foi mui-
tos annos consecutivos recoveiro de dinheiro
e só de dinheirofl . . .
Levava do Porto para os lavradores (pro-
* Nó" conhPcemos um par do reino e len-
te da Universidade filho de um arraes do
Douro. Ainda vive.
prietarios) do Douro a importância dos seu»
vinhos, mediante o premio de 30 réis em
moeda de iéSOO réis,— ou 50 réis de premio,
tomando sobre si todo o risco.
Assim conduziu do Porto para o Douro
cargas e cargas de dinheiro em ouro e prata»
no valor de centos de centos^ e estando ao
tempo a estrada do Porto coberta de saltea-
dores, principalmente desde Amarante até
Mefãofrio, — nunca lhe roubaram um real
nem deu um real de prejuiso aos seus com-
mitenies, pelo que fez bons interesses e, alem
de um nome impoluto, deixou boa fortuna.
Casou e teve filhos, dos quaes ainda hoje
(1888) vivem tres: — José Pedro na sua casa
de Fontella8;=Z). Delfina no Porto— e D.
Thereza em Amarante.
Gaspar Borges d^Avellar
Fecharemos este artigo mencionando um
dos homens mais illustrados que esta paro-
chia tem produzido até hoje,— Gaspar Bor-
ges d'Avellar, — distincto professor, redactor
e escriptor publico, parente do benemérito
bispo do Porto D. João de Magalhães e Avel-
lar, mencionado supra, que morreu na sua
casa de Arneiros com uma indigestão de ce-
rejasfl . . .
Gaspar Borges d'Avellar nasceu na casa
solarenga da Arrenha, a 29 de fevereiro de
1844, e foram seus paes Henrique da Silva
Avellar e D. Anna Ludovina de Magalhães
Avellar.
Na Regoa, onde seu pae era empregado
da Companhia dos Vinhos, estudou instruc-
ção primaria e os primeiros rudimentos de
latim com o professor Manoel Mendes Oso-
rio, irmão mais velho de João Mendes Oso-
rio, hoje capitalista, residente no Porto e ali
muito considerado.
Aos 11 annos o nosso biographado foi
para o Porto como alumno interno do Col-
legio de S. Sebastião, onde esteve até os 15
annos e completou o curso dos lyceus, pelo
que tem o diploma de bacharel em lettras-
Matriiíulou-se nà escola polytechnica do
Porto aos 16 annos-, cursando o 1.» anno de
I mathematica, em que foi approvado nemine
' discripante, e chimica, em que obteve o 1.»
VIS
VIS 1901
premio honorifico. No anno seguinte fre-
quentou botânica, obtendo o l.' accessit.
Por falta de saúde abandonou os estudos.
Casou em 22 de fevereiro de 1865 com D.
Maria Henriqueta d' Almeida Navarro, filha
de Daniel d'Almeida Navarro, antigo dire-
ctor do collegio Instituto Portuense. Pouco
depois o nosso biographado assumiu a di-
recção do dito collegio, dedicando-se ao en-
sino, que ainda hoje exerce, das línguas
portugueza, franceza e iogleza, litteralura,
geographia e historia.
Publicou uma selecta da lingua ingleza,
que durante alguns annos foi adoptada no
lyceu e no Instituto Industrial do Porto, —
e tem inéditas duôs grammaticas — uma fran-
ceza e outra ingleza, que' se propõe publi»
car brevemente.
Encetou a sua carreira jornalística escre-
vendo no antigo periódico — A Justiça. An-
nos depois fundou com Urbano Loureiro o
celebre Diário da Tarde.
Algum tempo depois entrou para a redac-
ção do Commereio Portuguez, do qual é ain-
da hoje (1888) um dos prineipaes redacto-
res,— e tem collaborado em differenlés pu-
blicações litterarias.
Foi um dos sócios fundadores da Socieda-
de de Geographia Commercial e da Associa-
ção dos jornalistas e homens de lettras do
Porto, sendo actual presidente d'e8ta ulti-
ma.
Tem escripto muito para o theatro. Mais
de 150 composições suas se teem represen-
tado no Porto, em Lisboa, nas províncias e
no Brazil, sendo algumas originaes e outras
adaptações e traducções. Das ditas peças es-
tão publicadas — Os filhos, Os Parasitas, etc.
Tem feito também para os jornaes muitas
traducções de romances franeezes e ingle-
zes, achando-se algumas d'ella8 publicadas
em volume, taes como': — Julia de Trêcoeur,
de Octávio Feuillei; Os Invisíveis de Paris,
de Gustavo Aymard; O gato de bordo, de Er-
nesto Capendu; Vinte mil legoas sub-mari-
nas, de Julio Verne, etc.
Teve 2 irmãos mais novos — Manoel e Hen-
rique— ambos já fallecidos.
VOLUME XI
O pae era natural do Porto, filho do an-
tigo almotacel Manoel de Avellar Barbedo
Cerveira, e frequentou a Universidade, que
abandonou para seguir a causa de D. Mi-
guel, em cujo exercito militou. Depois da
convenção retirou se para Fontellas, onde
casou com sua prima, e falleceu no Porto
em 1865.
A mãe do nosso biographado ainda vive.
É natural de Lagos, no Algarve, donde foi
em tenra idade para casa de uns tios que
tinha em Fontellas, donos da casa da^ Arre-
nha, e que lhe deixaram a dieta casa e so-
lar, hoje pertencentes a estranhos.
O benemérito bispo D. João de Magalhães
e Avellar era tio de Henrique da Silva Aval-
iar, que com elle viveu algum tempo.
O nosso biographado também durante 4
annos regeu a cadeira de portuguez (!,• e
2.* parte) no lyceu do Porto, como profes-
sor interino.
Escreve com muita facilidade, — é muito
intelligente, — muito trabalhador — e sócio
da U Ex&ursionista, de Barcelona, associa-
ção catalã de excursões scientifleas, etc.
P. S.
Á ultima hora soube que a povoação da
Cederma, ou Aciderma, não pertence a esta
freguezia de Fontellas, mas á de Godim, soa
limiirophe — bem como parte da quinta do
Neto, que foi dos Loyos.
VISO— aldeia da freguezia de Villa Verde
dos Francos, no concelho de Alemquer.
V. tomo XI, pag. 1:115, col. 1.»
VISO— eminência da freguezia de Fontes,
concelho de Santa Martha de Penaguião.
V. Fontes,- yol 3." pag. 211. col. 1.»
Pelo censo de 1878 contava 576 fogos e
1:962 habitantes esta importante freguezia,
que è a mais populosa do concelho de Pe-
naguião e bem merecia que ampliássemos
j as poucas linhas que o meu benemérito an-
tecessor lheidedicou; mas, para não abusar-
mos da paciência dos editores, guardemos a
tarefa para o supplemento e consignemos
agora aqui apenas o seguinte."
Ha n*esta parochia um monte denominado
monte do Viso, coroado por uma capella
que d'elle tomou a invocação de Nossa Se-
120
i902 VIS
VIS
nhora do Viso,' e que tem i)omposa festa,
romagem e feira annual do ultimo domingo
d'âgosto.
Já em 1716 o auctor do Sanctuario Ma-
riano (tomo 5.» pag. 131 a 135) failando
d'esta mesma capella, dizia:
«O conceliio de Penaguião flea em a co-
marca de Sobre-Tamegaji da parte do nas-
cente, olhando para a cidade do Porto, don-
de dista 15 legoas. He senhor d'este conce-
lho o marquez de Fontes, conde de Pena-
guião, e elle apresenta in solidum todos os
seus OfiBcios. Tem este cc-ncelho 14 fregue-
zias de diversas apresentações. A de San-
tiago de Fontes, de donde os marquezes tem
o titulo, he vigairaria confirmada, que apre-
senta o comraendador da ordem de S. João
de Malta, a qual rende tres mil cruzados.
Tem a villa de Fontes mais de 300 visi-
nhos.
«No districto d'esta freguezia se vê o san-
tuário de Nossa Senhora do Viso, casa de
muito concurso e romagem. He este santuá-
rio muito antigo, e na estruciura é obra ma-
gnifica, porque tem de longitude setenta
palmos, e de latitude trinta.
«Tem 3 altares, o mayor aonde se vê col-
Ipcada a imagem de Nossa Senhora do Vi-
so, cooao patrona daquella casa, e douscol-
lacteraes, hum dedicado e N. S.« com o ti-
tulo das Candeias; o outro a N. S.» das Ne-
ves: os quaes 2 altares ou capellas reedifi-
cou o commendador d'aquella commenda
Fr. André Pinto, em acção de graças pelos
muytos beneflcios que da Mãy de Deos ha-
via recebido, principalmente nas viagens de
Malta, de donde invocava sempre a Senhora
do Viso em seu favor.
«As duas imagens da Senhora, assim a
das Candeas, como a das Neves, são de es-
cultura de madeyra, e estofadas preciosa-
mente, e a sua estatura são 5 palmos; e am-
* Referia-se ás comarcas ecclesiasticas da
diocese do Porto, que até 1882 comprehen-
dia os concelhos da Regoa (só as freguezias
da margem direita do Corgo) Mesãofrio e
Penaguião.
bás tem o Menino Deos em seus braços. A
Senhora do Viso também tem em seus bra-
ços a Deos Menino, e he da mesma propor-
ção das mais, e tem ambas as imagens, Mãy
e Filho, coroas de prata muyto ricas na câ*-
beça, e tem também hum frontal da mesma
prata batida C) cou?a muyto preciosa em
custo, e feitio; e tem riquíssimos ornamen-
tos, tudo ministrado por aquelle seu devota
comraendador; e todos os mais ornatos e
peças do culto divino são ricas e perfeitas.
«He este templo grande, espaçoso, e muy-
to perfeito, não só quanto á architectura,
mas quanto ao ornato. Está todo azulejado^
e o teclo apaynelado com muyto ricas pin-
turas dos Mysterios da Senhora.
«Tem 2 arcos de pedra lavrada e 4 pias
de agua benta de jaspe (?) porque tem 3
portas.
•Tão generoso se mostrou o commenda-
dor, que levantou casas não só para os er-
mitães, mas para os peregrinos, e>omeyros
porque são muytos os que de varias e dis-
tantes terras concorrem a venerar aquella
milagrosa Senhora, que sempre está como
de atalaya vendo e vigiando sobre o bem
dos seus devotos.
«Não só os moradores de Fontes continua-
mente frequentão aquelle santuário, e casa
da Senhora do Viso, mas outros muytos que
vivem bem distantes.
•A sua festividade se celebra a 8 de se-
tembro, dia da Natividade da Senhora,* e
nessa occasião se faz huma grande e nume-
rosa feira por espaço de 3 dias.
«Os milagres e maravilhas que obra, são
muytos e continues . . .
1 Depois mudou-se para o ultimo domin-
go d'agosto, por se fazer a 8 de setembro a
grande festa, feira e romagem de Nossa Se-
nhora dos Remédios, em Lamego, — festa
muito mais concorrida e que é ha muitos
annos a 1.* nas duas margens do Douro e
em toda a província da Beira Alta.
V. Lamego n'e3te diccionario e no sup-
plemento.
VIS
VIS 1903
«o exm.* marquez de Fontes, D. Rodrigo
Pedro Anes de Sá, confessa^ que sendo me-
nino, o levarão seus pays à Senhora do Vi-
so em hum grande aehaque que padecia, e
que a Senhora lhe dera perfeitissiraa saúde.
•Como esta casa da Senhora do Viso he
muyto antiga, e tanto que se achão noticias
de haver sido egreja parochial com o titulo
de abbadia, por isso se nào sabe dizer nada
da sua origem ... O que só consta he que
D. Diniz dera esta casa da Senhora aos ea-
valleirõs de Rhodes, hoje de Malta . . . e que
sendo antigamente abbadia, já no tempo da-
quelle grande Rey o não era.
«Dizem aquelles moradores de mayor dis-
curso, e capacidade, que esta capella foi a
matriz da povoação de Fontes em seus prin-
cipiios; porem como esta se foy augmentan-
do muyto no terreno em que hoje se vê, e
o santuário da Senhora lhe ficava distante
mais de hum quarto da legoa, e em terreno
muy escabroso, resolverão edificar outra
nova matriz mais próxima »
Termina dizendo que dos commendado-
res de Fontes o que mais protegeu e benefi-
ciou este santuário, foi o eommendador Fr-
André Pinto, da casa de Felgueiras,— e nós
terminaremos consignando um facto medo-
nho que suecedeu aqui na véspera da festi-
vidade em 1886, pelas 11 horas da noite:
Principiavam a queimar o fogo; estava a
musica tocando em palanque próprio no
adro e o monte coberto por milhares de
pessoas, quando por fatalidade se incendiou
o deposito de foguetes, rebentando as bom-
bas todas a um tempo?! . . .
Tremeu a montanha; apagaram-se instan-
taneamente todas as luzes da illurainação,
do arraial e da feira; abateu o palanque da
mu?ica; fendeu- se a capella e ficaram mui-
tas pessoas feridas, da» quaes logo ali pere-
ceram 4 mulheres e 2 homens.^
1 Também ao tempo ali estava um meu
irmão, Jorge Augusto Ferreira, que por for-
tuna ficou iocolume! . . .
O povo era compacto e a mortandade se-
ria muito maior, se os foguetes em vez de
estarem, como felizmente estavam, em um
recanto e voltados contra uma grossa pa-
rede, estivessem voltados para o lado op-
posto e corressem atravez da multidão.
Foi uma scena iristii^simal
Em tão negra conjunetura prestou gran-
des serviços o alferes, commandante da for-
ça destinada a policiar o arraial, posto que "
também ficou gravemente ferido.
O meu irmão estava um pouco distante
da catastrophe, sentado em uma cadeira.
Sentiu tremer o chão e nas costas um abalo
como se recebesse uma pancada! Voltando
a si de repente, viu todo o arraial ás escu-
ras e no mais profundo silencio; mas em
breve se levantou um grito geral, horroro-
so, e se explicou tão estranha occorren-
cia.
VISO— monte da freguezia de Numão,
concelho de Villa Nova de Foseôa.
Também ali ha um bom santuário de
Nossa Senhora do Viso.
V. Numão, tomo G." pag. 181, col. 1.»
VISO— monte da freguezia de Mascare-
nhãs, concelho de Miraadella.
V. Mascarenhas, tomo 5.* pag. 120, col.
Em 1716 havia também no dito monte
uma capella de Nossa Senhora do Viso, cer-
cada de muros e barbacãs, a modo de forta-
leza, o que nos leva a crer que o dito mon-
te foi outr'ora"fortificado.
Também consia que se fundou ali a dita
capella, porque ali apparecera a Virgem a
um pastor, — e que no mesmo sitio reben-
tára uma fonte, mas já em 1716 estava
secea.
Pelos annos de 1698 fundou-se na diU
capella uma irmandade, que rapidamente se
desenvolveu e passados apenas 6 annos já
contava 400 irmãos, cada um dos quaes era
obrigado pelo estatuto a assistir ao funeral
dos que falleciam e a dar 50 réis para missas
e sufl^ragios pela alma d'elles.
A imagem da Senhora era de roca e ves»
tidos; — tinha 5 palmos à'aUura — grand
festa na 2.' oitava da Paschoa das flores.
V. Sant. Mariano^ tomo 5.» pag. 373,
576.
1904 VIS
VIS
Segundo se lé na Monarch. Lusit, tomo
4.» 1. 15, eap. 46, ó muito antiga esta povoa-
ção de Mascarenhas, pois jà em 1207 D.
Sancho I a doou com o titulo de villa (tal-
vez na aceepção de granja, casa de campo)
a Estevam Rodrigues, que fundou a egreja
matriz d'esta paroehia, a qual o mesmo rei
lhe couiou e assim passou aos seus descen-
dentes», mas D. João I a uniu à coroa, se-
gundo se lô na obra cit. tomo 5." 1. 17,
cap. 1.®
Não sabemos se ainda existe e em que es-
tado se acha a dita capella.
VISO— monte da íreguezia de Senhorim,
concelho de Nellas.
Também ali ha uma capella com a invo-
cação de Nossa Senhora do Viso, que já em
1716, segundo se lê no Sant. Mar., tomo 5.»
pag 329, era muito antigal
Não sabemos em que estado se acha no
momento.
V. Senhorim, voi. 9." pag. 144, col. 1.'
VISO— monte da íreguezia de Carvalhal
Redondo, no mesmo concelho de Nellas.
V. Carvalhal Redondo, tomo 2." pag. 135,
col. 1.'
Ha também ali uma capella antiquíssima
com a invocação de Nossa Senhora do
Viso.
Jà em 1716 não havia memoria da sua
fundação! Apenas constava ler sido matriz^
e n'ella se haviam encontrado sepulturas
com muitas ossadas humanas, quando se la-
geou o pavimento.
A própria architeclura ja então revelava
grande antiguidade.
A imagem^da Senhora era de pedra, mas
muito bem cinzelada; linha de altura pou-
co mais de 3 palmos e o Menino Jesus nos
braços. Também tinha irmandade própria
era 1716 e grande festa e romagem no dia
15 de agosto.
V. Sant. Mar. tomo 5.» pag. 228.
VISO— quinta e monte na íreguezia de
Ranhados, concelho de Viseu.
V. Ranhados, tomo 8.» pag. 46^ col. 2.» -
6 Viseu tomo XI, pag. 1532, col. 1.» in prin-
cipio.
VISO— monte e 4 quintas na íreguezia de
Rio de Loba, concelho de Viseu também.
i V. Rio de Loba, tomo 8." pag, 194, col. i.«
1 — e Viseu, tomo XI, pag. 1530, col. 2.*
Alguém prentende que o
nome da cidade de Viseu pro-
vem d'e8tes últimos 2 Visos,
V. Viseu, tomo XI, pag.
1714, col. 1.» e segg.
VISO (Alto do)— serra e monte na íregue-
zia de Nossa Senhora da Annunciada de Se-
túbal, cerca de 2 kilometros a O. d'e8ta ci-
dade.
Alto do Viso é o ponto culminante da
serra do Viso, que se prolonga de norte a
sul, passando a N. d'ella a antiga estrada
de Coina, hoje estrada d' Azeitão, e a S. o
pequeno valle das Pedreiras, d'onde se tiram
grandes pedras para mós e para outras ap-
plieações.i
Ha na serra do Viso muitos moiohos de
vento, a maior parte dos quaes se inutilisou
depois que se introduziram os moinhos a
vapor,
Quasi toda a dita serra é formada de ro-
chas calcareas, cobertas de solo argiloso de
pequena espessura e por isso em grande
parte inculto, exceptuando a vertente Occi-
dental, onde estão 2 casaes, denominados
Viso Grande e Viso pequeno.^
O casal do Viso Grande tem boas casas
de habitação, onde esteve o quartel general
do conde de Vinhaes em 1847, quando se
feriu a acção do Alto do Viso, que adiante
descreveremos.[Pertencia então o dito casal
a Manoel Severo Correia de Brito Guedes,
tenente coronel reformado que foi governa-
dor do forte de Albarquel, em Setúbal, e
também governador militar d'esta cidade,
í O foral novo, dado por D. Manoel a Se-
túbal em 27 de junho de 1514, mandou que
se pagasse de portagem das mós de barbei-
ro 2 reaes; das de moiohos ou atafonas 4
reaes— e das de mão para pão ou mostarda
1 real, exceptuando as que fossem levadas
por qualquer pessoa do termo para seu uso.
* Por estes sitios casal significa proprieda-
de rural, composta de casa, arvoredo e ter-
ras de cultivo. Diífere do que chamam hor-
ta ou quinta, por não ter chãos regadios.
VIS
etc. Alguns annos depois do seu /allecimento
os herdeiros venderam a dita propriedade a
Eduardo Augusto de Sousa, capitão da nos-
sa marinha mercante, o qual depois foi para
Sião, onde falleeeu ha poucos mezes, como
ofBcial da marinha de guerra siamesa e
muito considerado pelo governo d'aquella
nação, que o distinguiu com varias mercês
honoriflcas.
O valente oflBcial da marinha siamesa dei-
xou na posse do dito casal a esposa— D. Ma-
ria Salomé da Conceição e Souza,— senhora
bastante illustrada, que se tornou tristemen-
te celebre, porque não só se filiou na ma-
çonaria em Lisboa, mas montou uraa loja
maçónica de senhoras (?) intitulada Filippa
de Vtlhena; laes desatinos, porem, eommet-
teu, que foi maçonicaraente processada e
expulsa da maçonaria com grande escânda-
lo, segundo disseram differentes jornaes.
O Século, por exemplo, jornal maçónico e
ultra-republicano de Li-iboa, no seu n.» 1:402
de 8 de agosto de 1885, publicou na sua in-
tegra o famoso decreto d'expulsào, docu-
mento estranho e muito curioso..
É o seguinte:
«Gran Delegacion en Portugal
dei
Grande Oriente de Espana
VIS
1905
14.«
cion de Ley segun art.« 293, §§ 1.', 9.
y 15.»
Esta Gran Gomision de Justicia unanime-
mente ha pronunciado el seguiente Decreto:
Considerando: Estar plenamente probada
la infraecion de Ley, segun Acta de acusa-
eion;
Considerando: Que el gr. superior de la
Ré no la puede exhimir de penalidade en
las faltas y delitos cometidos;
Resultando: Ser reincidente y condenada
ya por un Guerpo Masonico más ó menos
regular.
Venimos en aplicarle por medio deste
Nuestro Decreto, la imposicion de la Pena
Mayor, o sea la Irradiaeion ó Expulsion de
la Òrden donde cuenta as Sup. • . Cons. • .
ySup.-. Gr.-. Log.-. Sim.-, dei Gr.-.
Oriente de Espana, asi como á todos los
Or. • . regulares, segun pratica y uso.
Lisboa, sala dei Sup. • . Tribunal de Jus-
ticia á los 27 dias dei mes de Julio de
1885.
El Presidente Isidro Villarino; el Vice-
Presidente Cesar Augusto Falcão, Lamarti-
ne; el Fiscal Joaquim Pires, Marquez de
Pombal; Consejeros: João José Teixeira Jú-
nior, Lamartine; Alberto Máximo Pereira
Torres, João de Barros; Antonio Augusto
Carvalho, Alexandre; el Gran . • . Canciller*
Leandro Queirós Navarro, Tibério Graco.*
Pobre Filippa de Vilhena\ . . .
A.-. M.-. T.-. O.-. S.-. A.-. G.-.
Ordo— Ab— chao
El Supremo Tribunal — Gran Gomision de
Justicia
Envia
A todos los Masones, Logias, Capítulos y
demás centros masonicos regulares y le-
galmente constituídos
\ Acção do Alto do Viso
O que deu notoriedade a este monte foi a
acção que n'elle se feriu em i de maio de
1847 enire as forças militares da rainha, ali
acampadas e commandadas pelo conde de
Vinhaes,— 6 as tropas da Junta do Porto^
commandadas pelo visconde de Sá da Ban-
deira, que occupavam Setúbal.^
S. . A.-. P.-
Sabé:— Que procesada masonicamente D.
Mana Salomé da Conceição e Sousa, de
nombre sinb. • . Filippa de Vilhena, gr. • .
33 ex Ven. • . Maes. - . de la log. • . de se-
noras Filippa de Vilhena, n.» 31, por infra-
1 V. Porto, vol. 7.» pag. 366, cêl. 2.», on-
de nas epheraerides relativas ao anno de
1846 se encontram algumas çotieias da
guerra da Junta do Porto, ou da Patuleia,
ou da Maria da Fonte.
1906 VIS
VIS
As numerosas victimas sepultadas no Al-
to do Viso foram saeriflcadas ao brio irre-
flectido, ou antes — à maior das imprudên-
cias.
Não foram só os académicos, a quem o
verdor dos annos e o fogo da juventude le-
varam a fazer instancias menos prudentes e
que resolveram o sr. visconde de Sá Ban-
deira a dar aquella acção (diz o sr. João
Carlos d'Almeida Carvalho): a vontade de
sair a campo e de atacar as forças do Alto
do Viso era manifestada por toda a divisão.
A principio era só a vontade; depois veiu
a naurmuração, e bem depressa se seguiram
as declamações nas praças e ruas^ pronun-
ciando-se a indisciplina e a desordem. A
soldadesca chegou a fallar de um modo se-
rio e tumultuario, e alguns d'aquelles que
a podiam conter . . . concorriam desgraça-
damente para que mais lavrasse o exalta-
mento das paixões irreflectidas. O visconde
de Sá da Bandeira foi d'isto avisado pelo
conde de Mello, e o nobre visconde mani-
festou a resolução de se demiitir, se a di-
visão se insubordinasse pretendendo im-
por-lhe ordens.
«Nas vésperas do i.» de maio, quando
Setuba trona quasi prompta a sua linha de
efega, e as forças que a guarneciam ha-
zm tomado melhor ordem, o sr. visconde
de Sá da Bandeira sabia que tropas tinha
pela frente...— alem d'isto não daria nem
podia dar a acção pelas ponderosas rasões
que lhe não era possível revelar.
«No dia 27 de abril já o nobre visconde
havia sido instruído por sir H. L. Bulwer,
ministro inglez em Madrid, de que no dia
18 o governo hespanhol e inglez tratavam de
ama convenção, que lhe dizia— ser conve-
niente e honrosa tanto para S. M. a rainha,
como para a junta do Porto; e que assim re-
corria a elle visconde a fim de que não le-
vasse os Negócios a extremos, çwe podiam
er fataes á causa que s. ex.* seguia.
«No dia 29 entrava no Sado o vapor de
guerra Polyphemus,^ de bordo do qual o co-
ronel Wilde participou ao sr. visconde de
Sa da Bandeira que o governo da rainha
havia aeeeitado a mediação da Inglaterra,
para se pôr termo á guerra civil — e con-
cluia propondo a s. ex.* uma suspensão de
hostilidades.*
O visconde entendia não dever dar a ac-
ção, mesmo porque lhe faltavam munições.
Não tinha pólvora!. . . Mas a imprudência
exaltava cada vez mais os soldados. Os aca-
démicos foram em corporação instar com
Sá da Bandeira para que atacasse o inimi-
go; alguns commandanles d'outros corpos
secundaram os académicos e declararam que
não se responsabilisavam pela disciplina se
a acção se não desse, pelo que muito violen-
tado e por assim dizer arrastado, — anuuiu,
para evitar maiores desgostos.
A tropa recebeu com grande satisfação a
noticia de qué estava marcado o dia seguin-
te, 1." de maio, para o combate.
Os soldados em magotes percorriam as
ruas e praças entoando cânticos guerreiros;
á noite os ofiQciaes agruparam-se defronte
do quartel general dando vivas a Sá da Ban-
deira, ao conde de Mello e ao tenente coro-
nel Galamba, e as musicas tocavam hymnos
naeionaes e patrióticos.
O conde de Vinhaes foi prevenido, mas
não acreditou tal noticia, por ter a certeza
de que Sá da Bandeira não ignorava as ne-
gociaçõés pendentes e foi quasi surprehen-
dido com o rompimento das hostilidades.
Pelas 6 horas dá manha de 1 de maiOi
pouco depois do conde de Vinhaes ter feito
a descoberta sobre Setúbal e recolhido aos
seus entrincheiramentos, rompeu Sá da Ban-
deira as hostilidades na fórma seguinte:
As suas tropas formaram em duas colum-
í V. o Livro Azul, ou correspondência
relativa aos negócios de Portugal, traduzi-
do do inglez em 1847.
VIS
nas: a 1.* composta de caçadores 3, fusilei-
ros da liberdade, movei de Coimbra, arti-
Iheria de campanha e 120 eavallos, devia
apoderar-se da íorie posição em que o iai-
migo apoiava a sua direita, e ganhar a po-
sição sobranceira á esquerda inimiga, para
ali montar a artilheria e proteger a colum-
Da da direita composta dos batalhões 1.° de
caçadores,! emigração lisbonense, 2." da le-
gião, companhia de Cintra e 60 eavallos.
Esta columna devia atacar a esquerda ini-
miga, destruir o seu reducto e operar d'ac-
cordo com a outra columna.
Além d'esta3 disposições ordenou que o
6." de caçadores,^ eommandado pelo major
Freire, descesse de Palmella e fosse postar-
se de reserva junto a S. Paulo, ameaçando
a estrada e a rectaguarda inimiga,— e que a
brigada do Algarve formasse a reserva prin-
cipal e se postasse junto da linha de defesa.
Aquella brigada era composta dos bata-
lhões de atiradores— !.• de Faro, sobo com-
mando do tenente coronel José Coelho de
Carvalho; 2.* d' Albufeira, sob o commando
do tenente coronel Júdice Samora,— e parte
do 3." de Lagos.
Ordenou também que o movei d'Evora e
SO eavallos assegurassem as posições da
quinta dos Bonecos e Alto de Branca Annes
onde eslava o forte Barrete de Clérigo,
guarnecido por atiradores do Algarve.
Deu também ordem aos navios de guer-
ra, sob o commando de Salter, para prote-
gerem o movimento, fazendo fogo sobre o
inimigo.
A columna da direita marchou pela es-
trada d' Azeitão,— e a da esquerda, para cha-
1 Era o batalhão organisado no Algarve
sob o commando do coronel Neutel, que se
denominou Leaes Caçadores, por ser com-
posto em grande parte de soldados de caça-
dores 5, fngidos depois de ficarem prisio-
neiros na acção de Torres Vedras.
* Era o batalhão movei de Portalegre, de-
nominado pela junta — Conquistador da li-
berdade.
VIS 1907
mar ali a attenção do inimigo e coadjuvar
a operação, marchou a coberto pelo cami-
nho próximo do castello de S. Filtppe.
A rapidez do ataque fez com que o inimi-
go perdesse a forte posição da sua direita.
Caçadores S, sob o commando do valente
major Constantino d'Azevedo, correu a apo-
derar-se da extrema direita;— o tenente co-
ronel Joaquim Guedes, á frente do movei de
Coimbra, avançou a proteger a artilheria e,
apesar de gravemente ferido, continuou a
partilhar as gentilezas do seu batalhão.
Por seu turno> conde de Vinhaes, ape-
nas soube que era atacado e que já tinha
perdido as primeiras posições tão vantajo-
sas, reuniu immediatamente a sua divisão.
Ordenou que a 1.» brigada, composta de
infantaria i e 2, — de uma companhia da
guarda municipal de Lisboa e de um es-
quadrão de cavallaria 5, marchasse logo
pelas ladeiras que subiam ás altas posi-
ções da direita. Entretanto a artilheria de
Sá da Bandeira, postada nas alturas, fulmi-
nava o inimigo, cuja divisão soífreu logo
muita perda, ficando feridos entre outros
officiaes o coronel Marcelli, commandante da
1.» brigada, o coronel Barreto e o tenente-
coronel Pereira, commandantes dos regi-
mentos 1 e 23.
Engajou-se então um fogo vivíssimo en-
tre as duas divisões e ambas se batiam ga-
lhardamente.
Morreram logo na 1." carga o tenente-
eoronel Castello Branco e o tenente Panca-
da,i aos golpes do corajoso tenente coronel
Galamba, que destemidamente correu a vin-
gar a morte do seu camarada.
As forças da junta, protegidas pela sua
artilheria, repelliam com vigor o ataque e
1 Era tenente de cavallaria das forças da
junta e foi sepultado no acampamento. Cas-
tello Branco, tenente coronel da mesma ar-
ma, das tropas da rainha, foi sepultado na
1 Capella de Santa Efigênia, na quinta d'esta
I denominação, ao norte do Alto do Viso.
1908 VIS
VIS
sustentavam as posições da direita. N'esta
conjunetura a guarda municipal correu para
caçadores 5, bradando: Vimos entregar-nosl
Este corpo, composto em grande parte de
soldados novos e tendo apenas um diminuto
numero de officiaes, não obstante as reite-
radas advertências d'estes e as vozes para
atacar, dadas pelo seu intrépido comman-
àante,~deixou-se ílludir, vendo-se bem de-
pressa envolvido pela infantaria e carregado
pela cavallaria inimiga, pelo que retirou em
desordem, não escutando a voz de firmei
dada repetidas vezes pelo valente major Aze-
vedo Cunha, recnrdando-lhe ao mesmo tem-
po as gloriosas iradições do 5 de caçado-
res.
Os Fuzileiros da Liberdade, que estavam
de reforço, sustenlaram-se com admirável
firmesa e dariam logar a caçadores 5 para
se formar de novo e volver ao ataque, mas
infelizmente os fuzileiros haviam recebido
nas vésperas armamento novo, apprehendi-
do no vapor Royai Tar, e a maior parte
das armas errava fogo, por terem os canos
sujos, ou os ouvidos entupidos, pelo que
muitos dos pobres fuzileiros com o desespe-
ro quebraram as armas e outros iam para a
retaguarda. Inda assim o corpo continuou a
bater-se com o mesmo denodo, ficando fora
do combate muitos oíFiciaes e soldados.
O conde de Vinhaes empregou então es-
forços superiores e toda a sua cavallaria. As
forças da junta, por esta circumstancia e
por falta de pólvora, foram cedendo em or-
dem, protegidas pelos fogos do Castello de
S. Filippe e dos vapores de guerra, até que
finalmente caçadores 5, fuzileiros e o movei
de Coímftra» abandonaram as suas posições.
O corpo académico, levando á sua frente
o bravo capitão Fernando Mousinho d' Al-
buquerque e tendo avançado com o maior
denodo, foi atacado por forças superiores e
obrigado também a retirar, deixando no
campo alguns mortos e feridos, entre estes
o seu eommandanle. Os briosos académicos
teriam deixado o campo juncado de cadáve-
res se por um movimento rápido não se aco- '
lhessem no castéllo de S. Filippe, cuja ar-
tilheria, jogando sem cessar, os salvou. Era
governador do castello o major Gamitto, que
n'e8ta conjunetura deu mais uma prova da
sua intrepid'ez.1
Emquanto as coisas assim se passavam
na esquerda, a columna direita da junta não
mostrava menor valor.
O 2." da legião (Serginos de Braga) sob o
commando do tenente coronel Montalverne,
—uma companhia do lisbonense, comman-
dada pelo capitão Manoel de Jesus Coelho,
e a companhia dos cintrenses, que eram por
assim dizer os Zuavos da divisão,— repelli-
ram as primeiras forças inimigas, que es-
tavam emboscadas. O major Montenegro su-
biu com estes atiradores á montanha, e com
igual intrepidez caçadores 1, que chegou ao
mesmo tempo ao reducto inimigo, parallelo
ao forte Velho, começando a sua destruição
debaixo de vivo fogo. Mandou logo o conde
de Vinhaes em defesa d'esta importante po-
sição a 2.» brigada, composta de caçadores
5, de infanteria 6, 2 peças d'artilheria e 60
cavallos. Travou-se então vivíssimo fogo em
toda a linha por mais de duas horas com
muitas baixas e vários successos em um e
outro campo. Foi chamada a brigada de re-
serva da junta, que se portou com distinc-
ção, sendo afinal repellidas as tropas da
rainha.
Sá da Bandeira, com a sua natural placi-
dez d'animo, parecia assistir às continências
d'uma parada no meio do troar constante
da artilheria e fuzilaria, correndo a todos os
pontos e apresentando -se em toda a parte.
. O conde de Mello mostrou também ser o
bravo defensor da bateria do Bomfim no
cerco do Porto e o valente general em fren-
1 Antonio Candido P. Gamitto, natural de
Setúbal, também se immortalisou em uma
expedição ao interior da Africa, deseripta
fielmente no livro intitulada Muata Cazembe.
VIS
VIS 1909
te dos muros de Estremoz, tendo ferido a
seu lado o ajudãDte.
Portaram-se também com galhardia os
oflBciaes do estado maior:— os coronéis Gi-
ton e Bustorf; o tenente coronel Mendes
Leite; o major José Estevam; os capitães
Pinto Carneiro, Carlos Ribeiro, Domingos
Ardisson e José Xavier de Bastos; os tenen-
tes Abreu Vianna e Palma Reis; os alferes
Vasco Guedes, D. João de Menezes, Manoel
Eniauz, Antonio Maria da Cunha e Carlos
Costa. Mas a ala direita das forças da junta
já havia cedido terreno e oecupava outras
posições, apoiada pelo Forte Velho, do qual
saia um fogo vivíssimo, dirigido pHo go-
vernador Pinto e Horta. Começou então a
escaeear a pólvora e de toda a parte a requi-
sitavam ao visconde de Sá da Bandeira os
commandantes dos differentes corpos, bra-
dando com a ueieásíáe — venha pólvora! E
o general respondia a todos— lá vae, —
sabendo que não a tinha?! . . .
Westa conjunetura foi ao acampamento e
se apresentou a Sà da Bandeira o capitão
inglez Mac Cleverty, o qual, em nome do
coronel "Wilde, convidou o illustre general a
suspender as hostilidades e lhe entregou o
seguinte oíflcio:
«A bordo do navio de S. M. B. Polyphe-
mus — Setúbal 1 de maio de i8i", — às 7 ho-
ras da manhã. Urgente. !
Sr. visconde.— N'este momento sou infor- I
mado de que as forças debaixo do eomman-
do de V, ex.» vão marchando com o intento
de atacai- as tropas da Rainha. Penso por-
tanto que é de justiça informal-o, que tendo
S. M. F. acceitado a mediação da Inglaterra,
se V. ex.* ficar victorioso, tprá provavel-
mente de encontrar as forças britannicas
que estão no Tejo, preparadas para defen-
der a capital e opporem-se á passagem do
rio. E por outro lado se v. ex.» for derrota-
do, tornar-se-ha um dever para mim o re-
eommendar que as tropas que estão debaixo
do seu eoramando, sejam excluidas do be-
neficio da amnistia, que segundo informei
hontem a v. ex.*, S. M. F. tem tenção de
promulgar.! Tenho a honra, etc, — Wilde,
coronel.»
A acção ainda continuava cora empenho,
mas o visconde de Sá da Bandeira, rece-
bendo do capitão Mac. Cleverty a promessa
de que Yinhaes mandaria immediatamente
cessar o fogo, deu ordem para que cessasse
também da sua parte.
Eram 9 horas da manhã e o campo já es-
tava coberto de mortos e feridos, sendo o
maior nemero das forças de Vinhaes, em
consequência das vantagens que as de Sá da
Bandeira haviam ganhado no principio da
acção,— e dos fogos da esquadra, castello de
S. Filippe e Forte Velho.
Em poi*co tempo as forças de ambas as
partes recolheram às suas antigas posições.
Sá da Bandeira, elogiando no seu oflftcio
0 denodo das suas tropas, dizia* «O corpo
académico tinha solicitado a honra de fazer
a guarda avançada, e nada ha que eguale o
seu valor.»
E no discurso que recitou sobre a campa
d'um^d'esses bravos, disse:
— iDuranie a acção todos se portaram
com admirável valor, ficando parte fóra do
combate. O primeiro ferido que observei no
campo da batalha foi um academieo.2
1 O decreto de amnistia foi publicado poste-
riormente, mas tem a data de 28 d'abril,
como se vê a pag. 303 do Livro Azul, já ci-
tado.
A amnistia comprehendeu todos os crimes
políticos commettidos desde 6 d'outubro de
1846, como se estipulou na Convenção Ae
Gramido; mas ainda assim, depois da con-
venção e do desarmamento da junta, mui-
tos partidários d'esta soffreram bastantel...
V. Porto, vol. 7.», pag. 370 e 371,— e Gra-
mido, tomo 3.» pag. 316, col.a."
^ Os académicos de Coimbra, que na dita
acção formavam a linha de atiradores, com-
mandados pelo capitão de Fuzileiros da Li-
berdade, Fernando Mousinho d'Albuquerque,
foram os seguintes:
Tenente— Mhuoel Fialho d'Abreu, morto
no campo da batalha.
Alferes— íosé Maria Tavares Ferreira.
1910 VIS
VIS
No seu otficío dizia|tambem: «O regímen- |
to de Fuzileiros correspondeu ao juizo que I
d'elle furmãVã. O tenente coronel Galamba,
carregando com alguns cavallos, em poucos
minutos fez retrogradar a cavallaria inimiga,
matando-ihe o seu commandante.»
Por seu turno o conde de Vinhaes recom-
mendava o valor da sua divisão em geral,
nomeadamente o major Barrote, comman-
dante da guarda municipal, e o comman-
dante da cavallaria, tenente coronel Castello
Branco.
Terminado o combate, foi o conde de
Mello, como chefe do estado maior da divi-
são da junta, conferenciar com o conde de
Vinbaes sobre os artigos da suspensão. Dis-
Voluntarios
— Agostinho Leite.
— Amónio Aives de Macedo, ferido em
uma perna.
— D. Antonio da Gosta de Sousa Macedo.
— Antonio José de Barros e Sá.
—Antonio Maria de Lemos.
— Antonio dos Santo» Pereira Jardim.
— Augusto José Gonçalves Lima.
— Augusto Zefermo.
— Ayres d'Araujo Pitta Negrão, morto de
um ferimento, no dia 2.
— Candido Maria Cau.
— Carlos Honorio Borralho.
— Domingos Antonio Ferreira, ferido, pri-
sioneiro e morto depois.
— Eugénio da Costa e Almeida.
— Francisco Pimentel de Macedo.
— Frederico Augusto Jansen Verdades.
—Guilherme de SanfAnna e Miranda.
— José Antonio de Macedo Ferraz.
—João Antonio dos Santos Silva.
— João Pereira Ramos Brun do Canto.
— João Ribeiro Barreira.
— Joaquim Guilherme de Seixas.
— Joaquim de Pinho e Sousa, contuso em
um braço.
—José Antonio Carlos Madeira Torres,
morto no catopo da batalha.
— José Gouveia de Sousa, ferido em um
joelho.
— Manoel Gomes Pinto.
—Manoel Ignacio Brun do Canto, ferido
em uma mão.
—Pedro Joyee.
— Raymundo Cesar Borges e
— Xisto Caetano Moniz Barreto.
se-lhe Vinhaes: «Se eu soubesse o estado
em que se achavam, sem terem pólvora, ti-
nham de certo hoje levado uma boa Ução e
pago cara a ousadia do ataquei . . . •
Eis aqui muito em resumo o que foi a
acção do Alto do Viso, segundo se lô no in-
teressante opúsculo do sr. João Carlos d'Al-
meida Carvalho, escriptor consciencioso e
esclarecido, muito conhecedor d'aquelle fa-
cto.
O mencionado opúsculo foi publicado em
1863 e tem por titulo tDuas palavras ao au-
ctor do Esboço Histórico de José Estevão^ ou
refutação da parte respectiva aos aconteci-
mentos de Setúbal em 1846 a 1847, e a ou-
tros que com aquelles tiv-ram relação.»
V. também Setúbal, vol. 9." pag. 232, col.
2.*— anno 1847, e Santarém, vol. 8.» pag.
520, col. 1.*, onde o meu antecessor, que
foi também militar de D. Miguel e da Jun-
ta do Porto,^ tratou bem cruamente o vis-
conde de Sá da Bandeira?! . . .
Finalmente agradeço ao sr. Manoel Maria
Portella, illustrado filho de Setúbal, os apon-
tamentos que se dignou enviar me, como
enviou outros muitos ao meu benemérito
antecessor, para o artigo Setúbal, pois nin-
guém conhece hoje aquella cidade melhor
do que s. ex.»— já por ser fllho d'ella e n'ella
1.» ofQeial da camará,— já por ser um dis-
tincto escriptor publico. Tem redigido di-
versos jornaes e collaborado em outros mui-
tos,— e também já publicou 3 livros de ver-
sos:—Ensaios poéticos -Eccos do Ermo — e
Lyricas e Lendas, sendo este ultimo impres-
so no Brazil.
V. Setúbal, vol. 9° pag. 210, col. 1.»
VISOI ou VISOY.— nome próprio de ho-
mem, bastante vulgar na idade media em
Portugal e na península.
1 V. Sabroso, tomo S." pag. 283, coL l.«e
segg.; — Vianna do Castello, tomo 10.° pag.
461, col. l.« e segg. — e Vimieiro, freguezia
do concelho d'Arrâyolos, tomo 11.» pag. 1457
col. e segg. lambem.
VIS
VIS mi
Para evitarmos repetições, veja-se o art.
Viseu, tomo XI, pag. i715, col. 2.*
Também por vezes assignavam Vizoi e Vi-
zoy—e parece que a formula feminiiaa era
Visèa, ou Vizêa, ou Vizeia. Assim se deno-
miuava no sec. vi uma das freguezias do
bispado do Porto, como dissemos no logar
citado.
VISONHA,— portuguez antigo,— visão, es-
pectro, apparição de figura repellenlel
iOh Jesus que má visonhal»
Cane. fl. 207.
VISO REI,— depois Vice-rei—e anterior-
mente Vis -rei, ou Yiz rei.
Assim se denominava outr'ora o nosso
governador geral da índia.
VISTA ALEGRE, — fabrica muito impor-
tante de vidros e porcelana, fuudada em
1824 no concelho e parochia de Ílhavo, dis-
tricto de Aveiro.
V. Ílhavo, tomo 3.» pag. 387, col. 2.% onde
o meu antecessor já indicou a dita fabrica;
mas tanto avulta ella em todo o nosso paiz,
que bem merece um tópico especial.
Temos sobre a nossa mesa de estudo lar-
gos apontamentos com relação a esta grande
fabrica^ principiando pelo bello artigo que í
D. José de Urcullu em 1837 lhe dedicou na
sua Chorographia, tomo 2.» pag. 90, acom-
panhado de duas primorosas gravuras re-
presentando-a;- a vista da parte da ter-
ra;— a 2 • vista da parte do rio; mas, como
desde aquella época tem progredido e au-
gmentado muito este grande estabelecimen-
to industrial, transformando inclusivamente
a quinta e fabrica da Vista Alegre em uma
risonha e alegre povoação^ aproveitaremos
a Memoria que em 1883 lhe dedicou o sr.
Marques Gomes, d' Aveiro.
Vamos pois fazer da dita Memoria um le-
ve extracto, já que não podemos dal-a na
sua integra.
«A menos de 2 kilometros de Ílhavo e so-
branceira ao braço da ria d' Aveiro, que li-
ga a chamada Calle da Villa com o Bócco,
fica a Vista Alegre. Quadra bem este titulo
á risonha povoação em que um dos homens
mais prestimosos e emprehendedores que
Portugal tem conhecido no presente século»
veio fundar a fabrica de porcelanas, que do
locat toma o nome.
A Vista Alegre como povoação em si, tem
também como o importante estabelecimen-
to que a tornou conhecida, tanto no paiz co-
mo no estrangeiro, uma historia sua, de
quem a lenda por mais de uma vez se apos-
sou ja, deturpando -a.
JNâo nos caoçaremos em lhe procurar a
etymologia, pois ó fóra de duvida que o no-
me lhe proveio do foruiosissimo panorama,
que a contorna^ moldurando-lhe o rosto
gentil.
t Anteriormente á fundação da fabrica, a
Vista Alegre não linha fôros de povoação.
Era uma quiata apenas. Um templo formo-
síssimo e uma casa modesta que servia de
habitação aos proprietários da quinta, eram
os únicos ediflcios, que ali existiam e isto
ainda no quartel do sec. xix.
A fundação de um tão bello templo, co-
mo é o de Nossa Senhora da Penha de Fran-
ça, n'um sitio tão ermo, como era a Vista
I Alegre^ fez com que muitos principiassem a
architetar romances mais ou menos verosí-
meis. Imaginaram-se desterros e deporta-
ções, e bem assim fofo ninho de criminosos
amores d'um prelado illustre com uma da-
ma de elevado nascimento e freira professa
n'um convento de Lisboa.
Não longe da Vista Alegre, a um kilome-
tro para o sul, fica o antigo solar da Ermi-
da, Villa e concelho até 1834, a quem D.
Manoel deu foral em 8 de junho de 1514.1
N'esta povoação houve um praso, cuja ori-
gem data de séculos, tendo por cabeça vima
grande quinta denominada o Paço da Er-
mida. Este praso e quinta andava no se-
nhorio dos Mouras- Manoeis, família muito
illustre, pois trazem a sua descendência de
1 V. Ermida, tomo 3." pag. 47, col. 2.» in
fine-
P. A. Ferreira.
1912 VIS
VIS
D. Branca de Sousa, filha de Lopo Dias de
Sousa, grào meslre da Ordem de Christo.
Alguns escriptores teera confundido a
quinta da Ermida cora a da Vista Alegre, e
aflBrmado que foi seu proprietário o bispo
de Miranda, D. Manoel de Moura Manoel.
Nem a quinta da Vista Alegre já foi co-
nhecida por quinta da Ermida, nem tão
pouco aquelle prelado foi dono de qualquer
d'ellas.
É fora de duvida que D. Manoel de Mou
ra Manoel vinha frequentes vezes passar al-
guns dias, e ás vezes mezes até, á quinta da
Ermida, que conjuntamente com o praso do
mesmo nome pertencia a seu irmão primo-
génito Ruy de Moura Manoel. Durante a sua
estada aqui, travou relações com o proprie
tario da quinta da Vista Alegre, o dr. Ma-
noel Furtado Botelho, relações que se foram
tornando cada vez mais intimas, de sorte
que, passados annos, edificou em terrenos
dependentes da mesma quinta a capelia de
Nossa Senhora da Penha de FrançaA
«Por morte de Ruy de Moura Manoel,
passou a quinta da Ermida para seu filho
Rodrigo de Moura Manoel, que tendo casado
com D. Rosalia da Silva, Qlha de Luiz Lobo
da Silva, governador e capitão general de
Angola, morreu sem successão, pelo que os
seus bens passaram para suas irmãs. A Er-
mida pertenceu a D. Maria Maximiliana,
casada com Jeronymo de Castilho. Por mor-
te dVstp, ficou sendo senhor d'ella seu filho
Jerónimo Antonio de Castilho que, coojun-
ctamente com sua mulher D. Joaquina Isa-
bel Freire de Castro, a vendeu por escri-
ptura lavrada nas notas do tabellião da en-
1 Fica assim rectificado o que disse o meu
benemérito antecessor nos artigos Ílhavo e
Penha de França.
P. A. Ferreira.
: tão Villa d' Aveiro, em 15 de janeiro de 1727,
I a Zeferino Rodrigues Caudello. Em 17 de
março de 1812 fez venda da mesma quinta
ao sr. José Ferreira Pinto Basto, D. Bernar-
da Thereza Umbelina Caudello de Mariz
Sarmento, neta do referido Zeferino Rodri-
gues Caudello.
O proprietário da quinta da Vista Alegre
dr. Manoel Furtado Botelho, tendo fallecido
em 9 de setembro de 1733, dispoz dos seus
j bens como se vê da parle do seu testamen-
j to que passamos a transcrever do livro dos
óbitos da freguezia de Ílhavo, no aono de
1733: — «que seria sepultado na capelia de
Nossa Senhora da Penha de França,' e dei-
xava entre outras missas, 50 pela alma do
seu amigo o sr. Bispo que foi de Miranda.
Instituía por sua universal herdeira — D.
Theodora de Castro Maria Manoel, de seua
bens, e que esta poderia vender d'elles o
que lhe parecesse para dividas e ser freira
sem constrangimento de pessoa alguma;
nem justiça alguma lhe tomaria conta, nem
fariam inventario; e os bens que ficassem
por sua morte d'ella, iriam ao usufructo do
seu testamenteiro o padre licenciado Do-
mingos Ferreira da Graça, cura de Ílhavo,
e por morte d'este a Nossa Senhora da Pe-
nha de França da Vista Alegre, que entran-
do na posse seria obrigada a fabrica da ca-
pelia a fazer uma festa á dita Senhora em
8 de setembro de cada anno, da qual o ca-
pellão daria contas ao dr. Vizitador.»
Não foram, ao que parece, totalmente cum-
pridas as disposições do testador, pois é
certo que os seus bens tiveram um destino
muito differente do que o que lhe havia
marcado.
«D. Theodora de Castro Moura Manoel,
era, como o próprio nome o indica, — filha
do bispo de Miranda, a quem pertencia tam-
bém o appelido Castro, pois o houve de sua
mãe^ D. Maria de Castro. Aquella senhora,
destinada segundo parece para a vida claus-
trai, não tomou o habito, nem tão pouco
chegou a casar, mas teve um filho, a quem
deu o.nome de seu pàe, d'ella, Manoel Fe-
VIS
VIS 1913
reira de Moura Manoel, que ordenando-se
foi abbade da freguezia de S. Romão (?) de
Guimarães.
O appellido Pereira, do mesmo modo que
o de Castro, era também pertença do Bispo»
pois era 2.° neto de João Rodrigues da Gos-
ta e de sua mulher D. Isabel Pereira.
O abbade... morreu ainda em vida de
sua mãe, mas não sem deixar sueceísáo/
pois teve uma filha de D. Clara Maria de
Barros, natural de Gondar, no concelho de
Guimarães, D. Josepha Gaetana de Gastro,
que casou em 20 de novembro de 1748 com
o capitão Manoel Alvares Brandão, de Santa
Maria de Taboa, no bispado de Coimbra.
D'este consorcio nasceram duas filhas e um
fllho^ que todos foram baptisados na egreja
de S. Salvador de Ílhavo, a cuja parochia
pertence a Vista Alegre.
D. Theodora de Gastro... falleceu em
1767, sendo sepultada na capella de Nossa
Senhora da Penha de França, quaes porem
as suas disposições testamentárias, se as
deixou, são desconhecidas.
«O testamenteiro do dr. Manoel Furtado
Botelho, o padre licenciado Domingos Fer-
reira da Graça, para quem devia passar o
usufrueto da herança que aquelle havia dei-
xado a D. Theodora de Gastro de Moura
Manoel, sobreviveu ainda a esta, pois só fal-
leceu em 7 de maio de 1772; mas se elle
usufruiu ou não a herança é que é ponto
muito duvidoso, sendo certo porém que tal
herança por venda fletieia ou por outro
qualquer meio, nunca chegou a pertencer á
fabrica da capella de Nossa Senhora da Pe-
nha de França, pois passou para o capitão
Manoel Alvares Brandão e d'este para seus
filhos, um dos quaes, Alexandre da Costa
Brandão, que foi capitão- mór de Cantanhe-
de, vendeu em 1815 a quinta e capella da
Vista AUgre ao sr. José Ferreira Pinto
Basto.
1 Qui viget in foliis, venit e radicibus hu
mor?!. . .
P. A. Ferreira.
' «Esboçámos a historia da Vista Alegre:
! agora resta-nos reunir aqui alguns aponta-
mentos biographicos do fundador da capei-
la. . . e fazer uma deseripção ainda que rá-
pida da mesma capella.
O. Manoel de Moura Manoel nasceu em
Serpa, sendo seus paes Lopo Alvares de
Moura e D. Maria de Gastro. Filho segando
de uma casa vinculada como era a sua, e
não querendo seguir a carreira das armas,
abraçou a que lhe restava, segundo o seu
nascimento, — a ecelesiastica. Seguindo os
estudos superiores na Universidade de Coim-
bra, doutorou-se em cânones, e na qualida-
de de oppositor a uma das cadeiras d'esta
faculdade, foi eleito colleglal do Real GoUe-
gio de S. Paulo em 28 de julho pe 1658,
sendo reitor do mesmo o dr. Ambrósio Tri-
gueiros Semmedo.
Em 17 de dezembro de 1660 foi nomeado
cónego doutoral da Sé de Lamego, donde
passou para a de Braga por promoção que
obteve no 1.» de maio de 1666. ^
Nomeado deputado da Inquisição d'Evora,
passou para Inquisidor de Coimbra em 13
de outubro de 1665, e a deputado do con-
selho geral do Santo OfiBeio em 13 d'abril
de 1674.
. Eleito em lista tríplice para reitor da Uni-
versidade, foi provido n'este logar por el rei
D. Pedro II, em 25 d'agosto de 1685, que o
nomeou por essa occasião sumilher da cor-
tina. Havendo prestado juramento em 16 de
novembro d'aquelle anno, governou a Uni-
versidade até o l." de fevereiro de 1690 em
que foi eleito o seu suceèssor D. Nuno da
Silva Telles.
Etecolhido para bispo de Miranda em 28
d'abril de 1689, foi sagrado em outubro do
mesmo anno na egreja parochial de Nossa
Senhora dos Anjos de Lisboa, pelo cardeal
D. Veríssimo de Lencastre, sendo assisten-
tes D. Fr. Luiz da Silva, bispo da Guarda, e
D. Simão da Gama, bispo do Algarve.
Fazendo jornada para as Caldas de S. Pe-
dro do Sul, adoeceu gravemente nos Fer-
1914 VIS
VIS
reiros,* próximo a Vizeu, e ali falleeeu a 7 |
de setembro de 1699*
Durante a doença foi-lhe enfermeiro o bis-
po d'aquella diocese, D. Jerónimo Soares,
que assistiu também ao seu funeral e orde-
nou que fõsse sepultado na capella-mor da
egreja d'aquella freguezia, d'onde as suas
cinzas foram trasladadas para a Vista Ale-
gre em 1706.
«Ignora-se o anno em que D. Manoel de
Moura Manoel mandou edificar a capella de
Nossa Senhora da Penha de França, mas
ainda assim parece não haver duvida que
foi já depois de estàr bispo de Miranda.
Ê bella de aspecto a frontaria do templo,
avistando-se a algumas legoas de distancia
1 Ferreiros, pequena povoação da fregue-
lia de Serrazes, concelho de S. Pedro do Sul,
a 7 kilom^tros d'esta villa para O. S. O., na
margem direita do Vouça — em frente dos
Banhos de S. Pedro do Sul, cujas aguas bro-
tam na Aargem esquerda do mesmo rio, na
antiquíssima villa e couto do Banho, hoje
simples aldeia pertencente à freguezia de
Várzea de Lafões, do mesmo concelho de S.
Pedro do Sul, bispado de Viseu.
Suppõe-se que D. Manoel de Moura ali
adoeceu estando a banhos, ou indo em via-
gem de Miranda para a Vista Alegre, tal-
vez pelo Mogadouro, Moncorvo, Pocinho,
Penedono, Moimenta da Beira e S. Pedro do
Sul. O caminho era mau. mas o trajecto era
o mais curto entre Miranda do Douro e a
Vista Alegre.— e por qualquer outro itine-
rário m illo tempore as estradas pouco me-
lhores seriam.
A tal povoação dos Ferreiros dista de Vi-
seu cerca de 30 kilometros para N. O. pela
estrada real n." 7 de Viseu a S. Pedro do
Sul— e pela real n.« 41 de S. Pedro do Sul á
Ponte do Banho e Aveiro.
P. A. Ferreira.
2 Alguém diz que foi envenenado por um
medico judeu (christão novo) para vingar a
morte da mãe que havia sido queimada pela
inquisição, sendo aquelle prelado inquisidor.
V. Vista Alegre, nas Memorias do sr. Bri-
to Aranha, pag. 308.
P. A. Ferreira.
j os corucheos das suas duas torre?.* O inte-
rior não é menos elegante. As paredes do
corpo da capella são forradas d'aIto a baixo
de bons azulejos, todos coevos da sua funda-
ção— fins do sec. xvii; — a abobada é ornada
de boas pinturas a fresco. Tem dois altares
lateraes de boa talha dourada, dedicados
ambos á virgem, sob a invocação do Rosa-
rio e da Conceição.
O retábulo e altar da capella-mor são tra-
balhos primorosos em fino mármore de
Itália.
Embebido na parede da mesma capella e
do lado da epistola está o tumulo do funda-
dor, fabricado primorosamente de granito de
Ançã.
A urna funerária é sustentada por 3 leões
de farta juba, que parecem prestes a ser es-
magados pelo seu peso.
No centro da urna, levantado em altore-
( levo, está um escudo oval partido, com as
armas dos Mouras Manoeis, tendo por tim-
bre um chapéu episcopal.
Sobre ella «stá a figura do bispo, de ves-
tes prelaticias, meia deitada, com a mão es-
querda sobre o peito e a direita estendida
como que a apontar para o tempo, que está
ao fundo sobraçando o panno mortuário que
deve cobrir o sarcophago.
A execução é primorosa, eonhecendo-se
até nos mais pequenos lavores o primor do
cinzel que o trabalhou.
O povo rude das aldpias visinhas acredi-
ta que tal obra não podia ser executada po
mãos de horaení», e por isso attribue-a ao
diabo, creando uma lenda que o sr. Brito
Aranha reproduziu já no seu bello livro —
Memorias Mstorico-estatisticas de algumas
villas e povoações de Portugal^
1 Esta linda capella vê-se muito bem de-
senhada de frente na 1." gravura da Choro-
graphia de Urcullu.
P. A. Ferreira.
2 N'este livro, publicado em 1871, se en»
contra também uma descri peão da Vista
Alegre, desde pag. 29o até 333.
Para ali remettemos os leitores, porque
VIS
o nome do escaiptor Cláudio de Laplada
cahiu coro effeito no olvido, de sorte que o
forasteiro, que visitando a Vista Alegre per-
guntasse quem havia feito o tumulo do bis-
po, recebia sempre em resposta aquella
lenda.
«Fronteiro a este tumulo, está um outro,
muito mais modesto, sem duvida, mas ain-
da assim digno de ser apreciado, como obra
^ue é do mesmo artista. Sobre uma urna fu-
nerária, onde se vê também um escudo
com as armas dos Castros .está sentada uma
figura de mulher, sustentando na mão es-
querda um baixo relevo, representando uma
cabeça de freira, aliuf^ào sem duvida á vida
monachnl que o bispo desejava que sua fi-
lha D. Theodora. . . abraçasse, pois era, co-
mo as i3 arruellas dos Castros do escudo o
indicam, para ella destinado o moimento.
Por debaixo d'e9te tumulo e por tanto
fronteiro ao do bispo está uma grande lapi-
de de mármore branco, tendo gravada a se-
guinte inscripçào latina:
Deo opt.» Max.»
Deiparae virgini
Diei ultimae
A tal inscripçào é enormel
Coroprehende nada menos de 73 linhas,
pelo que nos falta coragem para a transcre-
vermos; pode porem ver-se o texto latino,
bem eomo a traducção portugueza, na Me-
moria do sr. Marques Gomes, pag, 13 a 18,
— e mais correcto e mais completo ainda
nas Memorias do sr. Brito Aranha, pag. 303
a 307.
ali se narra muito bem a lenda, segundo as
tradições que o sr. Brito. Aranha colheu na
localidade.
Também ali se encontram documentos e
Dotas estatisticas muito interessantes com
relação á grande fabrica.
P. A. Ferreira.
VIS 1915
«Um outro monumento antigo da Vista
Alegre (diz o sr. JUarques Gomes) é a fonte
do Carapichel, hoje quasi soterrada, manda-
da construir em 1696 pelo bispo Q. Manoel
de Moura Manoel, e notável pela sua fôrma
e excellente agoa, e mui'o principalmente
por uma inscripção em caracteres gothicos
e que é a que passamos a transcrever:
Esta fonte, ó navegante,
cuja liquida cnrpente
cristaes pródiga desata,
attenções vistosa prende.
1
Os portuguezes que haviam sido os pri-
meiros povos da Europa, que introduziranoi
a porcelana oriental nacoramercio doocci-
dente, foram quasi que os últimos a ensaia-
rem o seu fabrico. Datam apenas do ultimo
quartel do século xviii estes ensaios, reali-
sados em Li.«boa pelo brigadeiro Bartholo-
meu da Costa e no Rio de Janeiro pelo pro-
fessor régio João Manso Ppreira.
Parece que as experiências de Bartholo-
meu da Costa para obter a porcelana dura,
foram feitas na antiga fabrica do Rato, em-
pregando como matéria prima differentes
barros explorados nas visinhanças d'Aveiro.
Ignora-se quaes seriam estes barros, não
obstante affirmar-se. . . que foi o de Taboa-
della, concelho d' Albergaria. O que é certo
porem é que. . . foi o preferido para a edi-
ficação do forno onde se deluiu o metal
para a estatua de D. José I. .
As qualidades refractárias d'este barro
eram conhecidas já então, pois havia annos
que um chimieo francez, — Drout, o havia
descoberto, fazendo até com elle magníficos
1 Ficaremos por aqui, pois é irmã gémea
da do tumulo. Comprehende ao todo' 83 li-
nhas e pólie também ver-se nas duas cita-
das Memorias.
P. A. Ferreira.
1916 VIS
VIS
tijolos refractários, para o que estabeleceu
um forno nas proximidades d'Aveiro, se-
gundo afiirma Ratoo.»
«Forain quasi nulias as tentativas de Bar-
tholomeu da Costa. Depois fizeram-se outras
em Coimbra com o mesmo fim, mas sem
melhor resultado, até que o sr. Jose Ferrei-
ra Pinto Basto estabeleceu um pequeno la-
boratório ehimico no jardim do seu palácio
do largo das Duas Egrejas em Lisboa, em
1820 ou 1822, afim de descobrir barros com
os requisitos necessários para fabricar por-
celana.
Foram segundo consta pouco animadores
08 resultados obtidos. . . mas. . . resolveu
proseguir as experiências iniciadas, fundan-
do desde logo uma grande fabrica.
O local aprazado foi Aveiro, e isto por a
tradição indicar como sendo d'aqui o bar-
ro de que Bartholomeu da Costa obteve
a sua chamada porcelana.
Apesar de possuir as duas magnificas
propriedades da Ermida e da Vista Alegre..,-
quiz estabelecer a nova fabrica na própria
cidade, e para isso entabolou negociações
com o proprietário da quinta dos Santos
Martyres, para a adquirir, o que não pôde
conseguir, por esta propriedade fazer parte
d'um antigo vinculo. Attenta esta difBcul- 1
dade, resolveu eoião estabelecer a fabrica
na Vista Alegre. . .
Foi em janeiro de 1824, que principiaram
os trabalhos. . .
Uma das obras que primeiro se concluiu
foi um pequeno forno para coser louça, feito
segundo as indicações e immediata direc-
ção de Domingos Raimão, oleiro de uma fa-
brica de Coimbra.
Em abril fizeram-se as primeiras expe-
riências para obter a porcelana. Realisou-as
Bento Fernandes, mestre de olaria na fabri-
ca do Rato, com o barro de Util, concelho
de Cantanhede; — e o de Talhadella, conce-
lho d' Albergaria.
Foi pouco satisfatório o resultado obtido,
mas ainda assim... o sr. José F. P. Basto
pediu a el-rei D. João VI qne lhe fossem
concedidos os privilégios de que gosava a
fabrica de vidros da Marinha Grande, o que
obteve, como consta dos documentos que se-
guem.
São muito lisongelros para o benemérito
eraprehendedor,* mas bastante ex^tensos, e
por isso 08 omitlimos; podem porem ver-se
nas duas citadas Memorias.
O 1.» é de 1 de julho de 1822— e o 2.» de'
3 de março de 1826.
• Estava portanto fundada a fabrica de
porcelana, mas restava descobrir o kaulin
de que ella se obtém. Fabricava-se louça, ó
verdade, mas esta louça era má faiança em
vez de boa porcelana. Procura vam-se bar-
ros em differentes pontos do paiz e construi -
ram-se novos fornos conforme as plantas
vindas de Sevres, mas nada d'Í8to deu o re-
sultado que se desejava, de sorte que em
1826 o fundador contractou na Saxonia 3
artistas para virem dirigir o fabrico da por-
celana e ensinal-o aos operários portugue-
zes.
Dos 3 só vieram 2, sendo apenas verda-
deiro artista um, José ScÕrder. . . modela-
dor de mérito, que prestou importantes
serviços à fabrica, creaodo bons discípulos
que lhe perpetuaram o nome.
O sr. Ferreira Pinto Basto em 1830 man-
dou seu filho Augusto Ferreira Pinto Basto
a França, a fim de estudar na fabrica de
Sevres. . . os melhores processos e meios de
investigação. Ali recebeu aquelle cavalheiro
1 Falleceu em julho de 1875 na sua gran-
de quinta da Foja, freguezia de Ferreira a
Nova, concelho da Figueira, e foi sepultado
com grande pompa no cemitério Occidental
de Lisboa, no dia 10 do dicto mez e anno.
P. A. Ferreira.
VIS
VIS 1917
sábios conselhos e preciosas indicações do
iirecior d*aquellâ importante fabrica o il-
lustre Brogniart, que lhe fez ver a completa
impossibilidade de se fabricar porcelana,
sem o kaulin, que era o que faltava na Vis-
ta Alegre.
O sr. Augusto Ferreira Pinto regressou a
Portagal trazendo amostras do kaulin em-
pregado em Sevres, e depois da sua chega-
da os ensaios e experiências continuaram in-
cessantemente na Vifta Alegre, mas sempre
sem melhor resultado, até que em 1834 se
descobriu o verdadeiro kaulinl . . .
«O sr. Ferreira Pinto tinha mandado vir
de differentes pontos do paiz, por intermé-
dio dos administradores do contrato do ta-
baco, de que elle era arrematante, amostras
de quantos barros havia mais ou menos co-
nhecidos, a fim de vêr se entre elles se en-
contrava o desejado kaulin. Estes barros
eram todos submettidos a um exame chi-
mico, mas com resultado sçmpre nega-
tivo . . .
Ao mesmo tempo ... ura aprendiz de olei-
ro, fazia por conta própria algumas expe-
riências não só com aquelles barros, mas
com outros que a pedido seu lhe eram tra-
zidos por operários que dos concelhos d'0-
var e Feira vinham trabalhar nas construç-
ções que na Vista Alegre se estávam fazen-
do. Entre estes barros veiu o kaulin de Val
Rico, d'aquelle ultimo concelho.* Trouxe-o
um trolha e foi reconhecido pelo aprendiz
oleiro, que no meio da sua humilde obscu-
ridade prestou o grandiosíssimo serviço á
fabrica de lhe descobrir a matéria prima
para o fabrico da porcelana.
O descobridor... foi Luiz Pereira Capote,
natural de Ílhavo, que falleceu em 1870.
1 Val Rico é uma aldeia da freguezia do
Souto, concelho da Feira e distante d esta
Villa f) kilomeiros para S.S.O. — e 7 da esta-
ção d'Ovar no caminho de ferro do Norte.
V. Souto, vol. 9.» pag. 443.
P. A. Ferreira.
VOLUME XI
Descoberto o kaulin, principiou desde en-
tão a fabrica a produzir porcelana dura,
datando por tanto de 1834 o seu fabrico,
que se foi aperfeiçoando gradualmente, de
fórma que em 1840 principiou a Vista Ale-
gre a poder conppetir em qualidade com as
fabricas estrangeiras, o que não succedeu nos
preços, pois produzia caro.
O elevado dos preços difiicultou alguns
annos a extracção da louça, tornando a
pouco conhecida. Os armazéns da fabrica
estavam atulhados de louça, quando em
maio de 1846 rebentou no Minho a revolu-
ção popular. Os proprietários da fabrica, re-
ceiosos de queella fosse victima, annunciaram
a venda por lotes de toda a louça em depo-
sito, venda que se realisou por preços bas-
tante convidativos, o que fez com que os
productos da Vista Alegre se espalhassem,
divulgando se o seu bem acabado e a sua
bâratesa. Estava aberto um novo período de
prosperidade para a fabrica
Prosperando sempre de anno para anno,
a fabrica chegou ào apuro em que hoje es-
tá, apresentando largas tendências para pro-
gredir, tal é a activa e intelllgente direcção
que hoje tem. . . Os seus productos tem si-
do premiados em todas as exposições de
Londres, Paris, Philadelphia, Vienna d'Aus-
tria. Rio da Janeiro e Porto.
Do consummo que teem obtido os mes-
mos productos são prova irrefutável os se-
guintes algarismos, importância da louça
fabricada:
Em 1860 21:949:000
. 1870 26:994 000
» 1880... 40:750:000
» 1881 51:828:740
. 1882 52:200:900
» 1883 54:817:090
. 1884 54:500:800
. 1885 55:000:660
« 1886 58:400:180
. 1887 58:725:500
Fabrica de vidros e cristaes
Da mesma Memoria extractaremos ainda
o seguinte:
121
1918 VIS
VIS
• Gonjuncta mente com a fabrica de porce-
lana, fundou o sr. José Ferreira Pinto Bas-
to na Vista Alegre e no mesmo anno de 1824
uma outra de vidro e cristal, que lhe ficou
annexa. Os primeiros trabalhos foram diri-
gidos por nm allemão, Francisco Miller, que
havia annos já estava dirigindo a do Côvo,
no concelho de Oliveira d'Azemeis,i o qual
foi substiiuido em 1826 por João da Cruz e
Costa, de Lisboa, que esteve a dirigir o fa-
brico do vidro até 1854.
Foram desde logo bastante satisfatórios
os resultados obtidos, de sorte que o fun-
dador procurou pôl-a a par das melhores
do estrangeiro, mandando vir mestres ex-
perimentados para as diflerentesoíiicinas da
lapidação e floristagem. Para aquella con-
traetou em 1826 na Inglaterra Samuel Hun-
les, que veiu ganhar 2iíí400 réis diários, e
ali esteve até 1828, deixando bons discí-
pulos.
O mestre de floristagem era italiano e não
passou de Lisboa. . . por alguém lhe aflBr-
mar que era muito miasmatico o clima da
Vista Alegre. Para Lisboa pois foram os
aprendizes d'esla offleina, que ao fim de tres
annos de pratica foram dados por promptos,
aflQrmando o mesire que um d'elles — João
Ferreira Ribeiro, de Vagos, estava já mais
mestre dq que elle, o que não era sem fun-
damento; e foi para a Vista Alegre dirigir a
officina de flonsiagem com grande proficiên-
cia.»
Desde 1837 até 1840 foi enorme a produc-
ção de vidro, todo da melhor qualidade e
algum de perfeição inexcedivel; mas ao pas-
so que desde aquelle anno principiou a pro-
gredir o fabrico da porcelana, foi decaindo
o do vidro, até que cessou de todo em 1846,
Em meados de 1848 continuou afabricar-
se, mas em menor quantidade e sô liso, por-
que os lapidarios e floristas durante aquelle
1 V. Côvo, tomo 2.» pag. 436, col. 2.«,— e
Villa Chã, tomo li." pag. 684, col. 2.» tam-
bém.
interregno uns foram para a fabrica da Ma-
rinha Grande, outros appliearam-se a diffe-
rentes misteres, de fórma que os tempos
áureos da fabricação do vidro na Vista Ale-
gre passaram para nunca mais voltarem.
Em 1880 acabou de todo a fabrico de vi-
dro, demolindo-se o respectivo forno!. . .
Annexo à fabrica de porcelana e vidro
houve também un laboratório ehimico. Foi
fundado igualmente em 1824 e de 1827 a
1832 teve por director D. Euzebio Roiz,offl-
cial de cavallaria hespanhol e ehimico mui-
to dislincto, que viera para Portugal emi-
grado em 1826. Depois da sua saida acabou
o laboratório.
De 1827 a 1835 foram os productos da fa-
brica marcados com V. A. entre duas pal-
mas rematadas por uma coroa. Esta marca
era gravada em um carimbo, aberto por
Manoel de Moraes. De 1838 a 1861 não foi
geralmente marcada a louça; desde 1861
tem sido toda marcada cem V. A. em azul.
. Com o fim de crear artistas hábeis fundou
em 1826 o sr. José Ferreira Pinto Basto na
Vista Alegre um collegio com internato, on-
de"se ensinava, alem dos misteres das offl-
cinas, iostrucção primaria e musica.
Os primeiros alumnos íoraijfi 13, e o di-
j reetor José Vicente Soares, de Penafiel; aca-
I bou porem tão santa e util instituição em
1842, chegando a ler nos últimos annos 4Q
alumnos.
Como dependência do grande estabeleci-
mento fabril, ha também na Vista Alegre
um pequeno, mas elegante theatro, que
alem da galeria ou camarote para os pro-
prietários da fabrica, tem plateia com 180
logares.
Foi fundado em 1851. O panno de bocca
e o tecto foram pintados por Chartier Rous-
seau, director da ofiQcina de pintiira. Aquel-
le representa a vista da Praia Grande de
Macau; este Apollo e as 9 musas.
VIS
VIS 1919
Anteriormente houve ali 2 theatros, sen- [
do o i.o fundado em 1826 ou 1827. |
Ha também na grande fabrica uma phi-
larmoniea privativa, composta exclusiva-
mente de operários d'ella.
Foi tocar ao Porto no Palacio de Cristal
em 1882, quando a Sociedade de Instrucção
do Porto ali realisou uma importante expo-
sição de cerâmica, na qual oecupou logar
distincto a fabrica de Vista Alegre e lhe foi
dado o i.° premio.i
Em 1846 os proprietários d'esta grande
fabrica adheriram a revolução do povo; fe-
charam a fabrica e formaram um batalhão
de voluntários com os seus artistas e al-
guns visinhos, pelo que se denominou haia-
Ihão daVista Alegre. Foi commandante d'elle
um dos proprietários e administrador da fa-
brica—Alberto Ferreira Pinto Basto,— e ma-
jor o director da mesma fabrica— João Ma-
ria Rissoto.
Apresentou-se á junta do Porto em 28 de
outubro de 1846; tomou parte na acção de Val
Passos em 16 de novembro do mesmo anno
— e capitulou com todo o exercito da junta
na convenção de Gramido em 24 de junho
de 1847.
V. Gramido e Val Passos.
No dia 13 de cada mez ha na povoação
da Vista Alegre um importante mercado,
conhecido pela tríplice denominação de
Feira dos treze, da Ermida — e do Bispo.
Este mercado foi estabelecido a petição
do juiz, vereadores e povo das villas da Er-
mida e Ílhavo, por alvará de IS de junho de
1 A mesma banda de musica também foi
tocar a Lisboa nas grandes festas do casa-
mento do nosso principe D. Carlos com a
princezà D. Maria Amélia v^'Orleans, nos dias
22 a 30 de maio de 1886.
P. A. Ferreira.
1693, que ordenou fosse este mercado an-
uual no dia 13 de setembro, dia da invoca-
ção da padroeira da capella da Vista Alegre
—Nossa Senhora da Penha de França, cO'
mo já dissemos.
As matérias primas empregadas no fabrico
da porcelana são argilas kaulinicas, o quar-
tzo e o feldspalho, — aquellas provenientes
de Val i?íCo;— estes de Villa Meã, Mangualde
e Porto.
As argilas kaulinicas são aqui lavadas e
passadas por peneiras, a fim de se separa-
rem os corpos em diversos estados d'aggre-
gação, sendo empregadas como quartzo as
areias grossas que deixam.
O quartzo e o feldspalho são escolhidos
primeiramente também, a fira de se evitar
que levem grandes porções d'oxido de fer-
ro, que ordinariamente lhe anda unido. De-
pois calcinam-se e levarç-se para as galgas.
Os differentes materiaes que hão de com-
por a porcelana, depois de moidos e lavados,
são compostos e em seguida levados ás mós
horisontaes, para os moerem e triturarem—
e depois guardados em depósitos até adqui-
rirem certo grau de consistência. D'e3tes de-
pósitos vae a massa para a casa da amassa-
dura onde é lançada em vasos debarro poroso
de fórma de pyramides cónicas troneadas, a
que dão o nome de coques. D'e8tes é a mas-
sa levada para uma larga banca de pedra,
onde é amassada a pés por dois ou mais
homens. Depois dividem-na em fracções com
a fórma de cones, a que chamam pélas, as
quaes em seguida são levadas para a ofiS-
eina das rodas de oleiro, onde são separa-
damente amassadas á mão sobre uma pe-
quena banca de mármore, etc.
O methodo aqui empregado na execução
das differentes peças de porcelana é o de
encher e o de moldar.
As caixas refractárias (gazetas) onde se
metlem as peças para serem levadas aos
fornos, são feitas por moldes de gesso.
Depois de bem seccas as peças que sai-
4
1920 VIS
VIS
ram da roda do oleiro ou dos moldes, pro-
cede-se ao enfornameoto, mettidas nas ga-
zetas, ou sem eilas. Levadas ao forno são
collocadas no 2.« pavimento, pois agora só
recebem calor brando, ou chacota, — e de-
pois d'esta cozedura, vão para a officina de
vidrar.
O vidrado é por immersao das peças den-
tro de uma grande lina onde se acham di.
luidos em agua os corpos que compõem o
esmalte.
As peças mettem-se e liram-se rapida-
mente, ficando logo seccas, como se não
houvessem recebido banho algum. Depois
tira-se o vidrado dos pontos de contacto e
dá-se nos pontos em que a peça não o pôde
receber na parte coberta pela mão. Os re-
toques são feitos a pinct-l.
Mettidas novamente dentro das gazetas,
em cujo fundo se lança alguma areia, são
outra vez enfornadas, mas agora no outro
pavimento do forof, afim de receberem o
grande calor que termina a cozedura, sendo
as gazelas collocadas umas sobre outras a
toda a altura do forno, a que se dá o nome
de fios.
Feito o enfornaraento, accendem-se as 4 I
fornalhas que tem o forno, havendo tòdo o
cuidado para que a inieniàdade do lume se-
ja a mesma em todas as fornalhas e unifor-
me a teríperaiura.
Passadas 10 horas de lume brando, ou de
esquenta, tapam-se as boecas dos fornos com
tijolos refractários, afim de concentrar a
força do calor interiormente. Começa então
o grande calor, ou lume de calda, renovan-
do suceessivamente a lenha nas fornalhas e
conservando-se o fogo bem activo e unifor-
me 24 a 36 horas.
Completa a cozedura, tira-se a lenha das
fornalhas, diminuindo gradualmente d'este
modo o calor dentro do forno, conservando-
se a louça dentro dVlIe até que eâteja com-
pletamente fria. Só então se começa a des-
enfornar.
De entre as peças vidradas separam-se as
que tem de ser piotadas, para o que se con-
duzem a um armazém conliguo ás salas
pintura.
São muitas as cores usadas na pintura da
porcela.na, quasi todas vitrificáveis e obtidas
pela combinação de óxidos, saes metalíicos
e fundentes.
Os óxidos empregados de preferencia são
03 de choromio, ferro, uramio, zinco, man-
ganez, cobalto, antimonio, iridium, estanho
e cobre;— os saes são o chromalo de ferro,
de barita, de chumbo e algumas vezes o
chioreto de prata.
Pintada a louça, vae á estufa para secca-
rem as tintas: depois ê mettida em muflas
I para se fixarem as tintas, gaohando'a3 res-
pectivas cores, as quaes se verificam com
os fundentes.
Resenha do pessoal superior
Ua grande fabrica
Administradores:— Augvisio Ferreira Pin-
to Basto, 1824-1828; Alberto Ft-rrnra Pinto
Basto, 1829-1855; Duarte Ferreira Pinto
Basto, 1856-1861; Domingos Ferreira Pinto
Basto, 1861-1882; e depois suceessivamente
—Duarte Ferreira Pinto Basto Júnior, Theo-
doro Ferreira Pinto Basto, Gustavo Ferreira
Pinto Basto e Duarte Ferreira Pinto Basto,
administrador actual (1888).
Directores:— Anionio d'Almeida Ferreira
Duque, 1836-1840; João Maria Ripoto, 1840-
1878; Duarte Pinto Basto Juuior, 1878-
1882; João Antonio Ferreira de i5 de maio
de 1882 até hoje, novembro de 1888.
Mestres de pintura : — Victor Francisco
Chartier Rousseau, 1836-1856; Filippo For-
tier, 1857-1860; Gustavo Fortier, 1861-
1865; Joaquim d'01iveira, 1866-1881; Fran-
cisco da Rocha Freire, de 1881 até hoje.
Mestres de porcelana:— íoão da Silva Mon-
teiro, 1826-1833; João da Silya Monteiro Jú-
nior, 1833-1838; João Antonio Ferreira
1838 até maio de 1882, data em que foi sup-
primido o cargo de mestre de porcelana, fi-
cando a fazer as vezes d'elle 2 contra-mes-
ires.
VIS
VIS 1921
A fabrica tem uma maebina a vapor da
força de 14 cavalios.
Foi feita em Lisboa por Baehelay — e mon-
tada em 1855.
A chamioé tem 14 metros d'altura e foi
construida em 1879 por operários do esta-
belecimento.
Ha 4 fornos para coser a porcelana, todos
de forma cylindrica e feitos com tijolos re-
fractários fabricados no estabelecimento. Ca-
da um tem 4 fornalhas e 2 andares.
Ha também 8 muflas, oa fornos mais pe-
quenos, destinados a fixar as tintas. São cai-
xas feitas d'argila refractária, separadas
umas das outras por paredes de igual natu-
reza, e com fornalhas independentes.
Do exposto se vê que é muito complica-
do e melindroso o fabrico da porcelana}
Em 1880 empregavam-se n'e8ta grande
fabrica 127 homens, 25 mulheres e 27 ra-
1 Ainda não está bem averiguada a ori-
gem d'este nome porcelana. Suppòe se que
a sua etimologia é portuguesa, como se lô
na Memoria da Vista Alegre pelo sr. Brito
Aranha. Diz elle:
«A primeira louça da China e do Japão
veio para Portugal no 1.° decénio do sec.
XVI. Transportou-a, segundd a tradição, um
navio de que era coramandante um antigo
marítimo por nome Pero Solano. Soube-se !
isto na Europa, e da Hespanha e França
vieram para Lisboa, dentro d« pouco tem-
po, pedidos de louça deP^ro Solano. D'aqui
nasceria pois por corrupção do vocábulo, a
persolana, que encontramos desde as mais
antigas memorias transformada na palavra
porcelana.
«A inlroducção d'esta espécie de louça na
Europa causou- tal admiração. . . que desde
então se começaram as experiências para
imitar o precioso artefacto oriental, mas só
passados 2 séculos é que se obtiveram re-
sultados satiâfactorios, porque vemos que a
celebre fabrica deSaxonia principiou a pro-
duzir regularmente porcelana depois de
1711, a de Vienna em 1720. a de Bt-rlim em
1751, a de Sévres em 1765 e a Worcester
em 1768..
pazes; hoje (1888) empregam -se — homens
160; mulheres 24; rapazes 40.
Os trabalhos são quasi todos feitos de em-
preitada, e 08 salários variam conforme a
natureza do trabalho. Nas offlcinas de por-
celana e pintura os homens ganham por dia
600 a 1^000 réis; nos outros serviços 300
a 500 réis; as mulheres e rapazes 120 a 240
réis.
Consome pinho no valor de 7 a 8 contos
de réis por anno— e 320 tonelladas de car-
vão de pedra.
Vende toda a producção, não dando por
vezes aviamento ás encomroendas;— tem por
mercado todo o continente e ilhas, nomea-
damente a cidade d'Elvas.*
Os preços da porcelana branca são muito
diminutos. Apresentam chávenas de 39 a 35
réis cada uma — e pratos de 70 a 80 réis;
mas a porcelana dourada e pintada sobe até
alto preço, na proporção do tamanho e do
trabalho artisti -o. ,
Entre as peças mais notáveis que a gran-
de fabrica produziu até hoje merecem espe-
cial menção dois grandes vazos de porcela-
na, que o sr. bispo conde de Coimbra man-
dou expressamente fazer em 1887 para dar
a S. Santidade Leão Xlíl por occasião das
grandes festas do seu jubileu sacerdotal (31
de dezembro do dicto anno.) Os vasos me-
diam 0°',86 de altura e eram de íórma ele-
gantíssima, verdadeiras obras d'arte feitas a
capricho e primorosamente acabadas.
Em uma das faces tinham o retrato de
Leão XHI emmoldurado em um festão d'ou-
ro; na outra as armas do mesmo pontífice
com as cores próprias; no pedestal os bra-
zões do bjspo conde e da cidade de Aveiro,
em fundo verde-claro, — e em cada uma das
faces da baâe, que era quadrangular, tinham
a seguinte legenda:— 3i decembris J887 —
Observantiae pignus — Amoris argumentum
Olf. Ep Conimbricensis.
Os dois vasos custaram duzentos mil
réis.
A ■ familia Pinto Basto é muito numerosa
e muito considerada no nosso paiz.
José Ferreira Pinto Basto, fundador da
1922 VIS
VIS
grande fabrica da Vista Alegre, filho de Do-
mingos Ferreira Pinto Basto e de sua mu-
lher D. Maria do Amor Divino Costa, nas-
ceu no Porto a 16 de setembro de 1774; ca-
sou com D, Barbara Innoceneia Felicidade
Allen em 14 de janeiro de 1801; falleceu
em Lisboa no dia 23 de setembro de 1839;
foi senador, caixa do contracto do tabaco,
deputado ás cortes, membro do conselho de
família por fallecimento deel-rei D.João VI,
provedor da Cana Pia de Lisboa, ete. ete.
Teve 9 irmãos e 15 filhos, dos quaes a
maior parte deixou successão.
Numerosa familial. . .
Os irmãos foram: Antonio, Maria, Eufrá-
sia, Anna, Quitefia, Helena, Isabel, Fran-
cisca e João.
Fillws: José, Duarte, Theodora, Felicida-
de, Augusto, Alberto, Julio, Maria, Domin-
gos, Joaquim, Emilia, Justino, Anselmo,
Guiomar e Frederico?! . . •
Alem da grande fabrica da Vista Alegre,
deixou muitas e valiosos propriedades, en-
tre ellas a quinta de Ceítè no concelho de
Paredes, quinta que abrange o antiquíssimo
convento e cerca dos frades benedictínt>s de
Ceííí, hoje muito embellesada, muito bem
arborisada e uma das vivendas mais pitto-
rescas, mais mimosas e mais luxuosas do
districto do Porto; as quintas da Gafanha e
Cantanhede;— a grande quinta de Foja, q\ie
foi dos cruzios, junto da Figueira; — a quin-
ta do Rol, junto de Coimbra;— a quinta de
Malvedo, na Tua;— a casa do Correio e mui-
tas propriedades em Cabeceiras de Basto;
— muitos prédios em Lisboa e Belém e mui-
tas propriedades em Queluz, ele.
A fabrica da Vista Alegre ainda hoje per-
tence aos descendentes do fundador, os
quaes em numero de 12 formaram em 1882
uma parceria para a explorarem com o ca-
pital de 64:8004000 réis, entrando cada um
com 5:400^000 réis.
Os 12 parceiros são os seguintes:
—D. Felicidade Firmina Teixeira Pinto
Basto.
—Custodio Teixeira Pinto Basto.
— Reynaldo Ferreira Pinto Basto.
— Th€cdoro Ferreira Pinto Basto.
—Duarte Ferreira Pinto Basto.
—Gustavo Justino Ferreira Pinto Basto.
— Vasco Ferreira Pinto Basto.^
—D. Maria Helena Ferreira Pinto Basto.
—D. Barbara Camilla Ferreira PintoBasto.
—D. Joaquina d'Avilez Teixeira Pinto
Basto.
—Alberto Ferreira Pinto Basto e
—D. Joanna Victoria de Sousa Correia.
VISTA ALEGRE,— quinta, pertencente à
freguezia de Covas do Tiouro,^ concelho de
Sabrosa, districto de Villa Real de Traz os
Montes.
V. Covas do Douro, tomo 2.*' pag. 427, col.
2.» tambem.^e Poiares, tomo 7.» pag. 123,
col. 1."
Esta freguezia de Covas foi uma das mais
ricas do Douro, porque demorava na região
do PoTt-Wine e^só a freguezia de Poiares^
citada supra e pertencente ao concelho da
Regoa, produzia mais vinho, posto que mui-
to mais inferior. Em 1840, p. ex. a fregue-
zia de Poiares produziu 3:930 pipas; esta de
Covas 2:870; a de Cambres 2:657; a da Re-
goà 2:573— e a de Godim ou Juqueiros 2:494,
todas de 557 litros cada uma. Na região do
Port- Wine eram estas as 5 freguezias do Dou-
so que produziam mais vinho, sendo muito
superior em qualidade e preço o d'e3ta de
Covas, pelo que era muito rica, mas hoje,
depois que o phylloxera destroçou os seus
vinhedos, é uma das mais pobres do Douro,
pois talvez que hoje não produza 300 pipas
— e de vinho fino com certeza não produz
100?!...
1 É um cavalheiro de muito merecimento
e neto do fundador. Casou com D. Maria
Helena, u na das sobrinhas e herdeiras d'Al-
varo Leite Pereira de Mello e Alvim, e mo-
ra no Porto, no palácio de S. João Novo,
que foi do dicto Alvaro Leite, palácio quei
d*elle herdou a mencionada sobrinha.
V. Nicolau (S.) do Porto, voL 6.» pag. 89,
col. 2 •
2 Assim se denominou sempre e denomina
ainda hoje; não Covas do Rio, como se le na:
Chorogr. Moderna.
VIS
V, Villarinho de Cotas e Villarinho de S.
Romão, onde descrevemos o estado presen-
te do Douro.
Esta freguesia, alem da povoação de Co-
ros do Douro, séde da matriz e situada em
uma cova, sitio abafado e fundo, ardentíssi-
mo no verão, comprehende as povoações de
Donelio, Poça, Pesiniio, Chancelleiros,i _ e
as quintas da Vista Alegre, Agua Alta, E?pi-
nhal, Veiga, Pomar, Ferrão, Larangeira,
S. Fins, Ceira, Boa Vista, Bateiras, Cachu-
cha,^ Quiuta Nova, Porto, Formigosa, Ujó,
Oliveirinha, Sopas, Moura, Goutelho, Tran-
cada e Bom Dia. Estas ultimas 4 (eu já as vi-
sitei) pertencem ao meu amigo Alexandre
Augusto Pereira de Barros, de Donelio, que
era um dos melhores proprietários d'esla
freguezia, mas depois que a phylloxera a
destroçou, vive no extincto convento de S.
Pedro das Águias, bella residência quepos-
sue na freguezia de Távora, concelho de Ta-
boaço, na outra margem do Douro.
Das quintas mencionadas supra, as 3 me-
lhores eram as seguintes? !.■ Ferrão, da fa-
mília Pess^nhas; 2.» Quinta Nova, de José
Paulo de Abambres; 3.» Cachucha, que foi
dos SúMvedras, de Provezende.
V. Monte Coxo e Távora, vol. 9.» pag.
516, col. 1." — Note-se que o dito convento
in illo tempere pertencia ao sr. José Cons-
tantino, irmão do actual possuidor. Aquelle
ainda vive em Donelio e está solteiro; é muito
illustrado e talentoso, mas muito excêntri-
co. Só convive com os livros; devemos-lhe
porem a fineza de palestrar muito comnos-
co, quando éramos abbade em Távora.
A quinta de Gontelho está no caminho do
Douro para Covas e era um dos sitio? do
vinho mais afamado, pelo que ali, ao longo
1 D'aqui é oriundo, aqui tem uma boa
casa e d'ella tomou o titulo o actual viscon-
de de Chani".elleiros.
Vi Villa Verde dos Francos, tomo 11.» pag.
iH9, col.
* I)'ella tomou o nome o celebre ponto da
Cachucha. V. Pontos do Douro, n.* 43.
VIS 1923
da estrada, os proprietários da freguezia fi-
zeram differentes armazéns, que parecem
um povo, onde tinham em deposito os seus
vinhos.
A quinta do Ferrão, pertencente à nobre
família Pessanhas. deu o nome e o ser à es-
tação actual do Ferrão, na linha do Douro,
pois a estação demora em sitio deserto e foi
feita ali, junto da mencionada quinta, em
attenção aos donos d'ella.
Tem esta quinta lagares soberbos com os
maiores tampos que ha era todo o Douro!
V. Monte Coxo, loc. cit.—e Villa Nova de
Foscoa, tomo 11.» pag. 840, col. 1.»
Um pouco a montante da dila estação vae
construir-se uma ponte sobre o Douro, na
testa da estrada dístrictal n." 40, de ViseU
á foz do Távora, por Taboaço, Távora e Moi-
menta da Beira.
V. Vicente (S.) sitio, tomo IO.» pag. 516,
col. 2.»— e Viseu, tomo 11.» pag. 1778, col.
2.* n.» 2.
VISTA ALEGRE. -quinta da freguezia da
Fontéllo, concelho d' Armamar.
V. Fontéllo, tomo 3.» pag. 209, col. 2.*
Alem da povoação de Fontéllo, séde da
matriz, comprehende esta parochia as po-
voações seguintes : — Balteíro, Commenda,
Villar, Serro do Maio— e as quintas da
Lapa, Vista Alegre, Bagauste, Villar, Talha-
douro e 3 na Pedra Caldeira.
Era Bagauste, na margem esquerda do ri-
beiro d'este nome e no termo da freguezia
de Parada do Bispo, ha outra grande quinta
com Capella e casa nobre, pertencente aos
herdeiros de Luiz Pinto de Sousa Vahia.
Comprehende largos vinhedos, parte dos
quaes estão em terreno que oulr'ora foi
comprado ou emprasado à extincta camará
de Parada do Bispo, e o dito emprasaraento
ou título de venda foi assignado apmaspe/o
escrivão da dieta camará, declarando que
não assignavam os íllustres vereadores —
por não saberem escrever? ■ • •
O sitio de Bagauste, onde demoram as
mencionadas quintas, é conhecido desde
tempos muito remotos, pois houve ali um
convento antiquissirao!
V. Bagauste n'este diccionario— e Bacalar
em Viterbo.
1924 VIS
Suppôe-se que o dicto convento estava no
sitio onde hoje se vê a quinta dos Vahias,
pois quando no meiado d'este século se fez
a grande casa e se restaurou a capella, ali
se encontraram sepulturas anliquissimas.
O mencionado ribeiro de Bagauste divi-
de a freguezia de Parada da de Fontello—
e na foz d'elle ha uma barca de passagem
. sobre o Douro, barca que outr'ora foi dos
bispos de Lamego.
Na foz do mesmo ribeiro ha uma boa
ponte de cantaria de granito, feita pelo
meiado d'este século na estrada marginal
do Douro—e em frente, na margem direita
do rio, ha um apeadeiro denominado de Ba-
gauste, na linha férrea do Douro.
Demora também a jusafite de Bagauste o
ponto d "este nome— e a montantè o poço da
Pedra Caldeira.
V. Pontos do Douro, tomo 7.* pag. 199,
col. n." 30 e 31,— e Viseu, tomo 11.» pag.
1704, col. 2.'
A quinta de Villar pertence ao sr. Duarte
Huet e delia já fizemos menção.
V. Yillar, aldeia. . , tomo 11." pag. 1175,
col. 2.»
VISTA ALEGRE, — quinta e casa nobre,
pertencente à freguezia de S. Thiago de
Piães, concelho de Sinfães.
V. Piães, tomo 7.» pag. 8, col. 1.»
Esla importante freguezia comprehende
as aldeias seguintes:— Casconhe, Queixada,
Oleiros, Villar d'Arca, Santo Antonio, Ven-
tozellas. Cimo de Villa, Cabo de Villa, Cru-
tello, Quinta, Preguinho, S. Pedro. Santa
Comba. S. Martinho, Lagea, Vermilhos, Pa-
ço de Sanfins, Barreiros, Govaes, Outeiro
do Mouro, Seixos, Castro, Bouça, Riscas Ve-
lhas, Villa Verde, Amial, Torneiros, Ante-
mil, Cancella, Pereira, Lamas, Folhadal,
Areial, e Feira;— os casaes de Joanne, Luz,
Benecal, Sobr.-ira, Val do Mendo, Areial, '
Costa da Pereira, Cavada, Souto, Espadanai,
Outeiro, Arge, Lameiras, Rebolho, Cabrel-
la. Estriga, Regada d'01ho— e as quintas de
Murjon, Soalheira, Residência, Cardaes,
Moinho do Cubo, Ribeira, Devesa, Lama,
Bouça d'Affon8o, Presa, Povoa, Casal See-
00, Penna do Anjo, Casas Novas, Quinta,
VIS
j Fojo, Poreas, Ganal, S. Juste, Reguengo,
Quebrada, Fontellas, Prado, Barras, Aviler-
ma. Juncal e Vista Alegrei.. .
Na sua casa e quinta da \ista Alegre fai-
leceu em novembro de 1882 o dr. Diogo
Leite de Castro Pinto Castello Branco, juiz
da relação dos Açores, magistrado integer-
rimo e cavalheiro digníssimo.
VISTA ALEGRE,— quinta da freguezia de
Tarouquella, concelho e comarca de Sin-
fáes.
V. Tarouquella, vol. 9.» pag. 494, col. 2.»
Comprehende esla freguezia as aldeias
de Urbão, Pinheiro, Casaes, Fontes, Granja,
Paços, Barral, Mosteiro, Torre, Outeiro, Re-
gadas, Val de Vez, Sobrado de Baixo e So-
brado de Cima. — 03 casaes da Corredoura,
Alqueve, Palheiros, Campo Grande, Tapa-
dos, Abobreira e Candeira;— as quintas de
Crasto (Castro) Cadeia, Cantarioho, "Lamei-
ras, Carril, Sele ou Cêtle, Gouja, Picota,
Adega, Aido, Eira, Fraga, Figueiró, Boa
Vista e Vista Alegre.
VISTA ALEGRE,— quinta da freguezia e
Villa de Palmella, concelho de Setúbal.
V. Palmella, tomo 7.» pag, 431-440.
A freguezia de Palmella, oragò S. Pedro,
é muito populosa e uma das mais extensas
do paiz, porque absorveu e representa mais
duas:— a de Santa Maria do Castello e a
de S. Pedro de Marateca, distante mais de
20 kilomeiros para o nascente e que tinha
pequena população, mas uma area vastís-
sima.
V. Marateca, tomo 5.« pag. 59, col. 2.»
A freguezia de Palmella, representando
aquellas 3 freguezias, tem de bombordo a es-
tibordo cerca de 40 kilomeiros (?!,..) e com-
prehende além da villa as povoações de Ca-
banas, Penteado, Barris, Venda do Alcaide,
Pinhal Novo, Carregueira, Lagoinha, Olhos
d'Agua, Carrasqueira, Fontainhas, Ponte da
Vaca, Serra, Abreu, Aréias, Terrim, Aldeia,
do Pinheiro, Horta do Sobftjiro, Marateca,
Poceirão, ^ Aguas de Moura; — os casaes de
^ Este pequeno povoado era do termo da
freguezia de Maratéea e d'elle tomou o no-
me a estação do Poceirão na linha ferrrea
de S., que passa a pequena distancia.
VIS
VIS 1925
Lagoa da Palha, Sesmarias, Algeraz, Pernuda,
Roboredo, Moinho No vo^ Ferrarias, Pego Cla-
ro, Asseiceira, Lagôa do Calvo, FoDte Bar-
reira, Agualva, Moinhota, Amieira, Rio Frio»
Zambujal, Seixolioha, Guarda Mór, Arrabi-
das, Boqueirão, Parrella, Cano, Cômoros,
Ferrador, Monte Cortiço, Baludes, Boino,
Cerrado, Aifundão, Buenos Aires, Pinhal
Novo, Gaitella, Cabedo, Safla, Monte Pavor,
Salsa, Ponte Seeea, Valles, Cabeço da Ade-
ga, Junçal, Rosa, Garcia, Cabeço Calado,
Martiuheira, Martinhal, Serro, Páscoa, Por-
tella, Tapada, Tremoços, Val de Pereiro,
Calhariz, Val do Momho, Carrascal, Pande-
ro, Rossas, Lago, Pedreiro, Pinhal Basto, Es-
ponja, Casalinho das Rossadas, Fornos, Fi-
gueiras, Moinho da Páscoa, Fonte Velha, Ca-
sal Branco, Aparadas, Bento Pequeno, Cos-
ta Velha, Cova da Raposa, Matta, Cruz, Ca-
sal Pequeno, Barro, Serra e Lago;— as quin-
tas da Feia, dos Bonecos, de Aires, do Bar-
radas, Thomé Dias, Arcyprestes, do Jacob,
do Centeio, do Hilário, das Machadas, Olei-
ro, Gloria, Camarnal, Bréjo, Alcáçovas,
Quinta Nova, Pateo, Queimada, Amoreira
de Cima, Amoreira de Baixo, Vião. Calvão,
Fonte da Talha, Peixoto, Vianna, Várzea,
dos Mellos, Formas. Val Verde, Samouco,
Azenha, Carvalhos, Custodio, Ferraria, Es-
trangeira, Escudeira, Boa Vista e Vista Ale-
gre;—herdades do Marmelinho, Horta do |
Sobreiro, Guia, Sant'Anna, Vanechel e Mi-
sericórdia;—os sitios de Val de Grou, Sa-
lema de Baixo, Salema de Cima, Santo An-
tonio, Arca d'Agua, Fonte da Pipa, S. Pau-
lo, S. Romão, Fonte dos Cavalleiros, Alfer-
rara e Monte Tinhosof 1 . . .
Quasi todos estes sitios, herdades, quintas
e casaes são habitados.
Pelo censo de 1878 a freguezia de Palmei-
la contava
Fogos 1:505
Almas 6:542
A freguezia de Maratéca:
Fogos 104
Almas 415
Total da grande freguezia de Palmelia,!
Fogos 1:809
Almas 6:957
A povoação do Pinhal Novo tem augmen-
tado muito nos ultimes anno!*, já pela visi-
nhanga da estação do caminho de ferro do
sul, entroncamento da linha férrea de Seta-
bal, já porque o sr. José Maria dos Santos
aqui possue uma vastíssima herdade muito
bem agricultada e quasi toda plantada de
vinha, onde emprega constantemente cen-
tenares de jornaleiros que formam uma
grande colónia.*
Só na dieta herdade já plantou cerca de
nove milhões de vides?! . . •
E' o maior vinhedo que ha hoje em todo
o Dosso paiz.
Os habitantes da povoação do Pinhal No-
vo, distante de Palmella cerca de 8 kilome-
tros para N., desejam formar ali a séde de
iima freguezia própria com algumas povoa-
ções mais visinhas, taes são Fonte da Vacca
e Venda do Alcaide, mas até hoje, a despei-
to de todos os seus esforços, representações
e empenhos, ainda não conseguiram des*
membrar-se da vastíssima parochia de Pal-
mella.
VISTA ALEGRE, — quinta pertencente à
freguezia da Sé da cidade d'Evora, capital
do Alemtejo.
A dita cidade tem 4 freguezias, que divi-
dem entre si a parte urbana, mas a fregue-
zia da Sé, alem da parte urbana, compre-
hende extra muros [um largo termo rural
í Note-se que actualmente comprehende
também a de Marateca, por ser muiio pou-
co populosa e não ler elementos para sus-
tentar a sua autonomia.
* V. Pinhal Novo, tomo 7.' pag. 38,
col. 1.»
O sr. José Maria dos Santos, hoje par do
reino, tem uma fortuna avaliada em 2:000
contos e, depois da Casa de Bragança, é o
primeiro proprietário do Alemtejo?! . . .
1926 VIS
com muitos casaes, hortas, herdades, quio-
tas e montes. Podíamos indicai- os todos e
dar minuciosa noticia d*elles, porque se en-
contram indicados na Ckorogr. Moderna e
porque desde os bancos da Universidade, ou
desde 1851 a 1856, data da minha formatu-
ra, temos boas relações com o ex.""* e rev.
sr. dr. Alexandre José Freire de Faria e
Silva, digno parocho actual da freguezia da
Sé, professor de disciplinas ecclesiasticas no
seminário ar^hiepiscopal eborense, promotor
da diocese e que por vezes tem sido gover-
nador d'ella; mas não me atrevo a mencio-
nar tantos casaes, hortas, herdades, quin-
tas e montes, porque ao todo são mais de
quinhentasfl . . .
A quinta da Vísta Alegre bem mal mere-
ce o nome, porque está em sitio fundo e
pouco vistoso, a N. da cidade d'Evora e dis-
tante d'ella apenas 1 kilometro. Produz vi-
nho, azeite, laranjas e trigo; é habitada e tem
casa soíTrivel e pertence actualmente a Luiz
Valente Pereira da Rosa, antigo commer-
ciante e hoje proprietário.
Demora esta quinta junto da estrada de
ArrayoUos e Monte-Mor o Novo — e em volta
4'ella ha quintas muito mais importantes,
taes são as seguintes:
•^Quinta do Palha, hoje do Thiago, de
Soure, cora esplendidas vistas.
—Quinta dos Frades da Graça, também
muito vistosa, pois abrange um horisonte
de 50 kilometros talvez.
— Quinta do Chantre.
— Quinta de S. Bento eas quintas deJlíti-
nisola (hoje do visconde da Esperança) —
Ramalho, Santo Antonio, Saramago, Escri-
vão, Parreira, Qumta Grande, Torralva,
Cartucha (dos herdeiros de Jose Maria Eu-
génio, que a comprou por 24 contos de
réis)— Quinta da Moura, Valboeira, Espa-
da, S. José, S. Pedro e outras de somenos
importância, todas a N. da cidade, não fal-
tando nas muitas que demoram ao nascen-
te, poente e sul, algumas a 12 kilometros
de distancia, lodsts pertencentes à freguezia
da Sé.
VIS
o reverendo dr. Alexandre José Freire
de Faria e Silva nasceu em 2 de setembro
de 1828 na aldeia de Ceres ou Ceras, fre-
guezia de S. Pedro de Alviubeirà, hoje con-
celho de Thomar,* e é filho legitimo de Ale*
xandre José Freire e de D. Anna Ignacia
da Silva, — elle da mesma aldeia de Ceras—
e ella da povoação de Freixo, freguezia de
Alviubeirà, filha do afamado clinico Tho-
maz de Faria Leitão, que teve mais 3 filhos;
—Thomaz de Faria e Silva, também medico,
falleeido ha poucos annoã em Lisboa, sendo
ali director do hospital da Marinha;— Ber-
nardo de Farii e Silva, doutor em medi-
cina, mas falleeido pouco depois de douto-
rado,—e Diogo de Faria e Silva, que foi có-
nego—fabriqueiro da Sé arehiepiseopal de
Évora durante 45 annos e falleceu não ha
muito. Era uma excellente pessoa; ganhou
muito dinheiro, porque as conezias d'Evora
foram muito rendosas e são ainda hoje abso-
lutamente as melhores do nosso paiz, e po-
dia deixar uma fortuna colossal, mas des-
pendeu muito cora a educação dos seus nu-
merosos sobrinhos:
1." — Paulo Godinho da Silva.
Casou com uma irmã do nosso biographa-
do e tem 4 filhos:— José Carlos Godinho de
Faria e Francisco Godinho de Faria, ambos
médicos, residindo o 2.o em S. Mamede de
Infesta, na Maia; — Guilherme Godinho de
Faria, medico em Ferreira do Zêzere — e
João Gualberto Godinho de Faria, capitão
de marinha.
O 2," sobrinho, educado pelo reverendo
conego-lhezoureiro, foi o nosso biographado.
i V. Alviubeirà, tomo 1.» pag. 184, — e
Cêras, tomo 2.» pag. 241, col; 1.»
A povoação de Cêras está junto da estra-
da que liga Thomar a Coimbra; tem cerca
de 40 fogos e mais de 1 kilometro d'exien-
são— e é cortada pela ribeira de Cêras, que
tem ali uma ponte e divide a parochia de
Alviubeirà, concelho de Thomar, dá de Nos-
sa Senhora da Graça de Areias, coheelho
de Ferreira do Zêzere.
VIS
VIS 1927
Principiou 03 seus estudos em Lisboa.
Nomeado o tio cooego d'Evora em 1841, foi
elle para esta cidade e ali cursou os prepa-
ratórios no lyeeu; em 185á foi para Coim-
bra, onde esteve até 1857, data em que con-
cluiu a formatura em Ttieologia. Em setem-
bro do mesmo anno foi nomeado professor
de sciencias ecclesiasticas para o seminário
eborense, cargo que muito dignamente exer-
ceu durante 28 annos,— e desde 1857 tem
sido promotor dojuiso ecelesiaslico, desem-
bargador da relação archiepiscopHl, defen-
sor dos matrimónios e profissões religiosas,
examinador pro-syoodal e por differentes
vezes governador da diocese, merecendo
sempre dos seus superiores e do governo
portarias e attestados muito honrosos.
O 3.» sobrinho educado pelo benemérito
cónego, foi o reverendo Carlos de Faria da
Silva Freitas, natural da mesma parochia
de Alviubeira.
Cursou o lyceu e o seminário eborense e
é parocho de S. Miguel de Machede, a I5ki-
lometros d'Evora, desde 1857.
4. " — Jofié Ribeiro de Faria.
Cursou também o lyceu d'Evora; depois
formou-se na escola-mediea de Lisboa, e é
clinico e guarda-mor de saúde em La-
gos.
5. ° — Bernardo de Faria e Silva, irmão
do antecedente.
Cursou também o lyceu d'Evora e depois
a escola do exercito em Lisboa; tem o cur-
so de artilheria, actualmente é capitão da
arma.
Auxiliou também outros sobrinhos que
por desleixo se não formaram e no seu tes-
tamento deixou 50011000 réis annuaes para
a educação litteraria de um sobrinho mais
novo, muito intelligente, que já tem o 4.* an-
no do lyceu d'Evora e se destina à enge-
nharia civil.
Do exposto se vê que o reverendo cónego
foi um bom tio e bom cidadão.
Nós tivemos a honra de o conhecer em
1878, quando visitámos o Alemtejo e Évora,
pois foi elliò quem nos franqueou e mostrou
o thesouro da cathedral e do cabido.
Deus o tenha em bom logar.
VISTA ALEGRE, — sitio na freguezia de
Lordello do Ouro, bairro oceideutal da ci-
dade do Porto.
V. Lordello do Ouro, tomo 4.* pag. 439,
col. !.■ in fine.
O meu benemérito antecessor foi pouco
generoso para com esta freguezia, pois de-
dicou-lhe apenas 38 linhas, merecendo ella
bem mais, por ser muito populosa, muito
industrial, muito mimosa e fértil e ura ar-
rabalde do Porto, parte integrante d'aquel-
la cidade;— por ter um estaleiro, o Estalei-
ro do Ouro, — onde desde tempos muito re-
motos se canstruiram muitos barcos da
nossa marinha de guerra e mercante — ^^e
ainda recentemente a galera mercante Ame-
rica, um dos maiores e mais formosos na-
vios que tem a praça do Porlo.
Foi também Lordello do Ouro pátria do
bondoso e saudoso capitalista conde da Sil-
va Monteiro, ete. etc.
Bem merecia pois esta parochia um lon-
go artigo — e o meu antecessor por certo lh'ó
dedicàra, se soubesse que n'ella tinha de
passar) como passou, os últimos annos da
vida; quen'ella tioha de escrever, como es-
creveu, parte d'este dieeionario; que n'ella
tinha de expirar, como expirou, na rua de
Serralves, n.» 39J, — e que no cemitério
d'ella tinha de jàzer, como jazt. . .
V. Viannado Castello, tomo 10.» pag. 461,
col. 1.» — e Vimieiro de Arrayollos, tomo II.»
pag. 1457 a 1464.
A terra lhe seja leve!
VISTO— Formula escripta em algum acto
e que, assignado por pessoa para isso aucto-
risada, torna esse acto authentico.
Para se formar ideia do que eramoulr'ora
os vistos de muitos corregedores, veja-se o
que. dissemos no art. Villa Jíanm, tomo li.*
pag. 782, col. 2.» in p,né e segg.
Risum teneatis.
VISTORES, portuguez antigo.
Assim se denominavam no sec. xiv os
louvados, vedores e apegadores que iam ver
as terras e quaesquer propriedades, fructos»
bens moveis ou de raiz, para se averiguar
a verdade ou se decidirem duvidas e con-
tendas.
1928 VIT
VIV
VITA, — portuguez antigo, — fita com que
atavam em redor das fontes as eorOas, os
cabellos, as flores, etc.
Costa, Georg 3.
Era quasi synonimo de venda, na acee*
pção de faxa.
VITANDO,- termo frequente na discipli-
na ecciesiastica.
Excommungado vitando é aquelle com
quem se não deve conversar, associar se,
ajuntar-se em sessões, conferencias, etc.
VITARÃES, — Assim se denominava ou-
tr'ora a freguezia de Bitarães, concelho de
Paredes.
V. tomo 1.» pag. 402, col. 2.»~e Aguiar
de Sousa no mesmo vol. pag. 40, col.
VITATORIO,— portuguez antigo.
Pregno vitatorio era o que dava o pre-
goeiro, antes de se executar no padecente a
pena ultima.
Gil Vicente, — Anto da Barca do Inferno.
Felizmente a pena de morte foi abolida
em Portugal por decreto de 1 de julho de
1867, ou ha 21 annos, pois estamos em ou-
tubro de 1888.
Nas Memorias do tempo passado e presen-
te para lição dos vindouros pelo dr. Anto-
nio Luiz de Sousa Henriques Secco,* pode
▼er-se de pag. 227 a 798 uma extensa lista
das execuções de pena ultima que Portugal
presenciou.
Leia quem tiver corageml . . .
VITELLIO,— imperador romano.
Foi a vergonha da humanidade, mas ta-
lis Vita, finis ital . . .
Era descendente de uma das mais illus-
tres famílias de Roma— e explorou succes-
sivamente a intemperança, a crueldade, as
dissoluções e os vieios dos imperadores Ti-
bério, Calígula, Cláudio e Nero.
Não decahiu na amisade dos seus patro-
nos, como succedeu a outros favoritos. Pas-
sou por todos os cargos do império e ga-
nhou os soldados com dadivas. Estando á
frente do exercito na Germânia, quando
» Coimbra, Imprensa da Universidade,
1880,-8.« de 804 pag.
Olhão foi proclamado imperador, Vitellio
foi igualmente revesfido da purpura pelos
soldados e marchou contra Olhão. Segui-
ram-se 3 grandes batalhas em que Vitellio
foi batido, mas na 4.», entre Mantua e Cre-
mona, ficou senhor do campo e do império.
Depois praticou as maiores crueldades, en-
tregou-se aos maiores excessos e chamou
sobre si a indignação publica. Sendo pro-
clamado imperador Vespasiano e enviado
Primo, seu ministro, para assassinar Vitel-
lio, este se escondeu debaixo da cama do
seu guarda-porião, mas ahi mesmo foi pre-
so; alaram-lhe as mãos atraz das costas e
depois foi conduzido nú pelas ruas mais pu-
blicas de Roma, com a ponta de uma espa-
da por baixo da barba, para o obrigar a le-
vantar a cabeça. SoíTreu os maiores insul-.
tos da plebe e por ultimo foi suppliciadono
anno 69 da era ehristã, depois de um reina-
do de 11 mezes e 19 dias apenasl. . .
VITULA,— deusa dos romanos, que exci-
tava a alegria.
VITUMNO ou VITUNO,— certo deus que
os pagãos adoravam, crendo que era elle
que dava a vida ás ereaturas no ventre da
mãe.
S. Agost. De Civit. Dei, 1. 7.'
VIVENDA,— portuguez antigo,— modo de
vida, subsistência ou praso para viver.
«E antre os foros, que pagam, e o que
Ihys assi filham, nom podem h&ver vivenda.*
Documento da camará municipal de La-
mego com data de 1358.
Também significava outr'ora — vida, com-
portamento, conducta.
• Devemos muito trabalhar, que nosso po-
vo faça vivenda, que seja muito a serviço
de Deus, e a sua prol; assy que quando Ibe
pedirem graça pera acrescentamento dos
bens temporaaes, e prol de suas almas, o
possam dei gaaoçar.»
Cod. 4//. liv. V, tit. 41, § 1.»
Também já significou o viver, o passadio
em algum logar.
«Nenhum cura aturava (nas egrejas de
Barroso) por ser a vivenda intolerável.»
Vida do Arcebispo, 3, 6.
VIVENTAR, — portuguez antigo, — hoje
aviventar.
VIZ
VIZâGRA, ou VISAGRA, ou VIZAGIA, ou
MISAGRA,~portuguez amigo, hoje bisagra,
— dobradiça, gonzo, êíc.
«Armadura cheia de visagras de ouro e
azul.» Palm. I. c. 30.
«Lançou (pariu) junto de huma fonte
duas crianças como vizagras.* Cam. Filot.
S,4.
VIZELLA ou VISELLA.
Este nome eomprehende umas caldas, 6
paroehias e 1 rio; daremos por tanto sob o
mesmo titulo Vizella 8 artigos:
i.' — Vizella (Caldas de);
i.''~Vizella (Santo Adrião) freguezia;
3.'— Vizella (S. Faustino) freguezia;
4. " — Vizella (S. João) freguezia;
5. » — Vizella (S. Jorge) freguezia;
ò."— Vizella (S. MigUf^l) freguezia;
7. "— Vizella (S. Paio) freguezia;
8. "— Vizella — rio.
Não se estranhe, pois, que este tópico se-
ja longo, porque as dietas Caldas são as
mais importantes do nosso paiz e datam do
tempo dos romanos; aquellas freguezias são
coevas das Caldas e por consequência mui-
to antigas também,— e o pequeno rio mere-
ce especial menção, já porque deu o nome
ás Caldas e a todas aquellas freguezias,— já
porque banha e fertiliza muitos campos,—
já porque move muitos moinhos, azenhas e
fabricas, entre as quaes avulta uma de fia-
ção d'algodão, que é no seu género a 1." do
nosso paiz e a que maior lucro está dando
aos seus felizes proprietários.
Entremos no assumpto:
Vizella (Caldas de).
Esta risonha povoação demora ao sul de
Guimarães, donde dista 9, kil., — e no mes-
mo local existiu oulr'ora uma grande po-
voação com o nome de Suzana, como afiBr-
ma a tradição popular e como provam os
muitos vestígios de luxuosas construeções,
encontrados ali:--muiia pedra lavrada, mui-
tos fragmentos de louça e de telha com re-
bordo, moedas e capiteis de columnas, mo-
saicos, ínscripções, etc.
VJZ
1929
Tudo isto prova que a antiga cidade foi
muito importante.!
Mencionemos as inscripções de que pode-
mos encontrar noticia:
DEDICAVIT. T. FLAVIVS.
ARCHELAVS. CLAVDIANVS.
LEG. AVG.
Foi deeoberta pouco depois de 1600 e le-
vada pelo celebre jurisconsulto Manoel Bar-
bosa para a sua quinta d'Aldão, subúrbios
de Guimarães, onde se conservou até 1887,
data em que o sr. José Martins Ribeiro da
Costa, actual proprietário da quinta, a offe-
receu á benemérita Sociedade Martins Sar-
mento, de Guimarães, em cujo museu se
guarda, bem como as seguintes:
RVEC
ENSIS
H. S. E.
Foi encontrada em 1884 pelo sr. dr. Fran-
cisco Martins Sarmento.
MEDAMVS
CAMALI
BORMANI
CO. V. S. L.
Foi encontrada era Vizella junto do Ba-
nho do Medico^ em 1841.
C. POMPEIVS
GAL. CATVRO
NIS. FIL. R ECT
VGENVS. VX
SAMENSIS
DEO. BORMA
NICO. V. S. L. M.
QVISQyiS. HO
NOREM. AGI
TAS. ITA. TE. TVA
GLORIA. SERVET
^ PRACEIPIAS
PVERO. NE
LINAT. HVNC
LAPIDEM
1 V. Materiaes para a archeologia de Gui"
marães oa Revista de Guimarães, n.' 4.
1930 VJZ
VIZ
Esta inseri pção tem, como se vé, duas
partes; foi encontrada na Lameira e levada
para a Casa do Paço, freguezia de S. João, j
onde se conservou até os princípios d'este I
anno de 1888.
Perderam-se outras muitas inseripções de
que faliam Mascarenhas Neto e o Agiologio
Lusitano, mas o que fiea apontado e que
mais detidamente pôde ver-se nos auetores
citados fcupra. nomeadamente em Argote e
na Revista, é bastante para nos convencer
da importância de Vizella outr'ora.
Quanto á moderna povoação, pode dizer-
se que principiou nos íins do sec. xviii,
quando se descobriram os banhos e come-
çaram a affluir os banhistas, ou em 1814,
data em que o provedor Barroso mandou
fazer as obras de que adiante fallaremos.
Os grandes e bellos ediflcios que rivali-
sam com os das nossas mais populosas ci-
dades, datam de 1868 por diante.
A casa em estylo golhieo, a cavalleiro da
ponte velha, foi mandada fazer pelo nego-
ciante do Porto — Guilherme Wilbi, — e pôde
ver-se na gravara que se encontra no jornal
illustrado Artes e Lettras, collecção de
1872.
Alem do espaçoso e pitloresco parallelo-
grammo que antigamente se chamava La-
meira e hoje Largo da Alameda, , onde até
1881 estava a maior parte dos estabeleci-
mentos thermaes, que então foram arrasa-
dos, fiiando ali apenas iftn marco fontena-
rio, comprehende Vizella as seguintes ruas:
— Estrada Nova. Estrada Velha, Rainha das
Caldas, S. Miguel, S. João, Ferreira Caldas,
Medico Reis, Ponte Velha, Prado, Medico e
Travessa de S. João.
Possue 4 restaurantes, muito regulares, e 7
boteis: — Cruzeiro do Sul, Vizellense, Frank-
fort, Bragança, Universal, Central e di-ande
Hotel de Vizella,— iQáoi em boas condições
sendo mais concorridos o Vizellense ou do
Padre, e o Cruzeiro do Sul.
Tem mais 2 pharmaeias: Freitas e Silva;
-r3 cafés com bilhares: Bragança, Prado e
Central, não contando outros cafés sem bi-
lhares; — 10 estabelecimentos commerciaes
bem montados e sortijjk)S, além d'outros me-
nores;—1 formoso estabelecimento de cal-
çado, 2 alquiladores com bons trens; 2 ar-
madores; 2 talhos de carnes verdes; barbei-
ros, taberneiros, etc.
Também aqui na estação balnear se esta-
belecem diíferentes barracas, lojas de quin-
quilherias e dos afamados tecidos e borda-
dos de Guimarães.
Ha também aqui, no Largo da Alameda,
um importante mercado ou feira de cereaes,
legumes, louça, gado, etc, nos dias 7 e 22
de cada mez desde janeiro de 1835. Foi este
mercado iostituido a petição dos povos, das
du^s freguezias de S. João e S. Miguel, pois
nu termo d'estas duas freguezias demora a
povoação dâs Caldas de Vizella,^— e na épo-
ca balnear é diário, especialmente em legu-
mes, leite, hortaliça, pão, aves e frucla.
! _
Os vizellenses, instigados por alguns es-
tranhos, tentaram mudar de concelho e
n'esse sentido representaram ao governo em
1869, pedindo ao mesmo tempo a S. M. o se-
guinte:
— 1.» Que tomasse o estabelecimentò das
Caldas de Vizella debaixo da sua real pro-
tecção.
—2." Que subtraísse á camará municipal
de Guimarães a administração das Caldas
de Vizelld e as considerasse propriedade do
estado, ficando a sua gerência a cargo do
governo;
— 3." Que não sendo isto possível, se di-
gnasse transferir aquellas duas paroehias
para o concelho limilrophe — Lousada, — cuja
camará por certo (diziam elles) daria maior
impulso aos melhoramentos de Vizella.
Uma contra-representação foi pouco de-
pois enviada, assignando a {credite posteril)
muitos dos signatários da 1.% pelo que ficou
ludo statu quo.
1 V. Vizella, (S. João)--e Vizella (S. Mi-
guel) freguezias.
VIZ
VIZ 1931
A 2.» representação pôde ler-se no Com-
mercio do Porto, n.' 262, do referido anno de
1869.
Também já se lembraram de pedir a ele-
vação de Vizella á cathegoria de villa e sé-
de do concelho próprio com um julgado mu-
nicipal, etc, mas falta-lhes um homem co-
mo tem sido o sr. visconde Guedes Teixeira
para Lamego, o sr. conde de Castello de
Paiva para Sobrado de Paiva, e o sr. José
Guilherme Pacheco para a villa, concelho e
comarca de Paredes, que ainda em princí-
pios de 18i4 era uma simples aldeia da fre-
guezia de Casteltões de Cepeda^ . . .
Ha em Vizella uma estação telegrapho-
postal com um director e um distribuidor,
que na estação de banhos faz duas distri-
buições por dia.
O telegrapho inaugurou se a 20 de junho
de 1878, mas trabalha unicamente de maio
a outubro.
No dia 31 de dezembro de 1883 inaugu-
rou-se a secção da linha férrea de Guima-
rães,^ da Trofa a Vizella, dando entrada na
estação d'este nome às 10 horas e 14" da
manhã o comboio galhardamente enfeitado
e conduzindo os representantes da compa-
nhia, membros da imprensa e differentes
convidados, subindo ao ar n'essa occasião
innuíneros foguetes, tocando ao mesmo
tempo uma banda de musica e soltando ca-
lorosos vivas a grande multidão de povo
que atulhava a estação e suas dependên-
cias, o
A's 11 Vz serviu-se um abundante lunch
no Hotel Vizellense a 42 convidados, reinan-
do sempre a maior satisfação e trocando-se
eloquentes brindes.
É uma data memorável nos annaes da
gentil Vizella.
f
1 V. Paredes, tomo 6.» pag. 479, col. 2.*
2 V. Vias férreas, tomo 10.» pag. 473, col.
2i«
Ha n'esta povoação duas escolas offlciaes,
uma para meninos, outra para meninas; —
uma aula particular nocturna para adultos
e 1 iiira também particular para meninas.
A escola oflQeial para o sexo masculino
tem a sede na parochia de S. Miguel; foi
muitos annos a única d'esta povoação— e ó
a mais antiga. Foi crea^a por portaria re-
gia de J 4 de março de 1821, sendo nomea-
do por provisão de 25 de junho do mesmo
anno o 1." professor — Antonio Pereira da
Silva,— qne a regeu até 1860, data em que
foi nomeado professor vitalieio o filho d'es-
te, — Antonio Pereira da Silva Caldas, que ó
o professor actual.
Conta pois esta escola desde a sua insti-
tuição em 1821 até hoje (1888)— ou duran-
te o longo período de 67 annos, apenas 2
professores?! ...
A sua frequência é de 60 alumnos, termo
médio.
A escola do sexo masculino com séde na
freguezia de S. João foi requerida pela jun-
ta de parochia em' 1866, mas a camará na
sua informação disse que era dispensável,
por estar muito próxima a, da freguezia de
S. Miguel, fieitirou a junta as suas instancias
até que obteve informação favorável em 1868,
mas só em 1873 começou a dieta escola a
funccionar.
A escola do sexo feminino com séde na
freguezia de S. João data da mesma época,
—1873.
Com- o fim de promover a eonstrucção de
um edí ficio escolar na freguezia de S, João,
organisou-se em 1886 uma commissão com-
posta dos cavalheiros seguintes:— dr. Abílio
Torres, dr. Forbes de Magalhães, dr. Au-
gusto d'Almeida, Antonio Tavares Bastos,
(estes 3 últimos banhistas habituaes de Vi-
zella) Antonio Vieira da Silva Coutinho e
Joaquim Pinto de Castro.
No dia 26 de junho do dito anno realisoa-
se uma matinée musical, cujo producto foi
entregue á commissão; — em 1887 promoveu
elia um grande bazar de prendas no parque
1932 VIZ
VIZ
da companhia dos banhos, — e em 1888 o
governo concedeu á junta de parochia para
o mesmo fim o subsidio de 2:950iíi000 réis,
Cpni este subsidio e com o produeto d'a-
quelles e d*oulros donativos está em cons-
trucção o edificio escolar.
A aula nocturna tem o titulo de S, Luiz
Gonzaga; funcciona em um bom edifício no
passal dtí S. João; — tem unida uma peque-
na capHila com a mesma invocação da es-
cola, e foi inaugurada em 15 de dezembro
de 1878, lendo sido feita a casa no mesmo
anno com esmolas agenciadas pelo rev. Jo-
sé Joaquim Gomes, (irmão do rev. abbade
actual) que é o professor da dita escola e
tem prestado e está prestando relevantes
serviços à instrucção e á nossa religião.
Este benemérito e virtuoso sacerdote le-
vantou à sua memoria um padrão immorre-
douro.
Desconhecido dos poderes públicos; con-
trariado mesmo por muitos infelizes que tão
crêem na missão civilizadora do catholicis-
mo; luctando com os motejos d'uns e com
08 sorrisos d'outros, nada o demoveu. Teve
a satisfação de levar a cabo o modesto edi-
ficio e em volta de si reúne todas as noites
40 adultos, que d'elle recebem a luz. da ins-
trucção.
A caridade publica fundou, — sustenta e
conserva a casa — e elle para si nada quer,
nada deseja. Sente-se feliz no meio d'aquel-
les homens creaoças e volve para o ceu os
olhos agradecidos, esperando só de Deus a
recompensa. Nem aos domingos e dias san-
tificados descança, porque enião reúne as
creancinhas em volta d'elle e, a exemplo do
divino Mestre, se esforça por gravar lhes no
coração as máximas da nossa religião santa.
Da nossa obscuridade enviamos ao bene-
mérito sr. padre José Joaquim Gomes o prei-
to da nossa admiração, — talium enim est
regnum coeloruml . . .
Bombeiros voluntários
Havendo aqui um povoado tão importan-
te na estação balnear e casas com 80 a 100
habitantes e mats cada uma, a camará de
Guimarães, com o fim de prevenir alguma
grande desgraça, mandou para aqui em ju-
nho de 1865 uma pequena bomba sem pes-
soal algum, pelo que se adestraram no ma-
nejo d'ella e muito generosamente se cons-
tituíram em bombeiros voluntários 4 bene-
méritos moços, que prestaram relevantes
serviços aos seus conterrâneos.
Em fins de 1876 uma commissão de 9
membros, presidida pelo sr. dr. Abilio da
Costa Torres, orgaoisou uma Companhia de
bombeiros voluntários com esiatuios pró-
prios, approvados em dezembro de 1877.
Gompõe se de 30 bombeiros sob as ordens
de Armindo Pereira da Costa (1.» comraan-
d^te) e Joaquim Antonio da Silva (2.'com-
mandante)— todos uniformisados.
Possue a companhia uma bomba grande
de 2 agulhetas que custou 4501000 réis; —
2 mangueiras que custaram 102iííOOO réis;
— um carro de material (escadas, bicheiros,
machados, etc.) que custou 150|!000 réis; —
fardamento que custou 6OO1ÍIOOO réis; — e to-
da esta despeza foi feita por donativos que
a benemérita commissão installadora agen-
ciou; é porem de lamentar que os vizellen-
ses não auxiliem tão sympalhiea e util ins-
tituição. Actualmente apenas conta 12 só-
cios protectores, que contribuem para a ma-
nutensão da companhia, cuja dedicação tem
sido experimentada repetidas vezes, per-
dendo em uma d'ellas a vida um dos bom-
beiros.
São sempre apoucados os encomios.que
se tributam a estes generosos bemfeitores da
humanidade.
Philarmonica vizellense
Em janeiro de 1882 uma commissão com-
posta dos srs. dr. Abilio da Costa Torres,
Antonio da Silva Vieira Coutinho e João Ri-
beiro de Freitas Guimarães, organisou uma
philarmonica (banda & capella) que actual-
mente conta 22 executantes; apresenta-se
regularmente em todas as funcções — e tem
um vistoso uniforme.
Industria ,
N'este ramo gosa e gosou sempre Vizella
merecido credito.
Começaremos por mencionar uma fabri-
VIZ
ca de papel de vegetaes, com exclu3ão do
trapo, que nos princípios d'e8te século exis-
tiu aqui.
Foi fundada, bem como outra de tintura-
ria, pelo nobre fidalgo Francisco Joaquim
Moreira de Sá, dono da illustre casa e quin-
ta de Sá a 1 kilometro de Vizella, e perten-
cente à freguezia de Santa Eulália de Bar-
rosas, hoje concelho de Felgueiras, e de
Guimarães in illo tempore.
Montou a diia fabrica no sitio da Casca-
lheira, freguezia de S. João de Vizella, um
pouco a montante^ do actual estabelecimento
de banhos, com auetorisação regia por aviso
de 13 da fevereiro de 1802 e alvará de 24
de fevereiro de 1803, sendo as construi^ções j
dirigidas pelo habil engenheiro ingiez Tho- i
maz Rizhap, — e em lo de julho do mesmo
anno de 1805 por uma provisão regia foi
nomeado superintendente d'esta3 fabricas o
provedor da comarca Mauoel Marinho Falcão
de Castro, que devia exercer o dlcto cargo,
emquanto exercesse o de provedor.
Infelizmente esta fabrica, tão esperançosa
6 tão honrosa para Portugal, pouco tempo
durou, porque o fundador emigrou para o
Brazil em resultado da invasão franceza;—
os soldados invasores a destruíram e ar-
rasaram e hoje apenas restam leves indícios
da sua construcção.
Valia bem a pena (como disse o sr. Ma-
noel Maria Rodrigues em uma correspon-
dência de Vizella para o Com. do Porto) con-
servarem-se e guardarem-se de futuras de-
vastações os restos que ainda existem do
edifício, collocando-se n'elles uma inseri-
pção, para atlestar aos vindouros aquelle
facto memorável e muito interessante para
a historia da nossa' industria.
Foi esta a 1.» fabrica de papel vegetal co-
nhecida na Europal Os allemães e franceses
pretendem para si a gloria do invento, ma»
não lhes cabe tal honra, como evidentemen-
te provou o illustrado sr. dr. Pereira Caldas,
benemérito vizellense, em uma memoria es-
pecial:—Fmáícafão da prioridade do fabrico
de papel com massa de madeira.
A propósito diremos que a villa (granja^
quinta) da Cascalheira, onde foi construída '
VOLUME XI
VJZ 1933
a fabrica, já era conhecida no see. x, pois el-
rei D. Ordonho a doou com aquelle mesmo
nome a D. Adosinda, sua dama predilecta
que, segundo a tradição, ali viveu e era 964
a permutou, como diz o livro de Muma Do-
na, existente na Torre do Tombo.
Também diremos que o fundador da fa-
brica era fidalgo da casa real, cavalleiro
professo da ordem de Christo e poeta. Dei-
xou um poema épico — A Queda de Napoleão
— do qual offereceu um exemplar ms. a D.
João VI e outro ao conde dos Arcos, vice-
rei do Brazil,— e uma Proclamação aos por-
tuguezes, Coimbra 1809, imprensa da Uni-
versidade— posto que nem o Dicc. Bibi. de
Innocencio, nem o seu continuador Brito
Aranha mencionem tal escriptor.
Deixou elle também um filho: — Miguel
Antonio Moreira de Sá, — que era offlcial de
voluntários eonstílucíonaes em 1828, pelo
que emigrou para a Gallísa e d'áli para a
Inglaterra, depois de estar preso no castello
de Guimarães, donde a muito custo pôde
evadir-se. Foi escriptor notável em prosa e
verso, sendo muito dignas de se lerem as
Cartas escríptas do exilio á sua esposa e que
ainda se conservam mss., narrando os tra-
balhos da emigração. Também deixou outro
ms. interessante — Historia de D. João VI des-
de o seu nascimento até a sua morte.
Foi vereador de Guimarães em 1835 e re-
dactor do iVacíowaZ, periódico de Lisboa, em
opposição a Agostinho José Freire, sendo
apreciáveis os seus artigos de fundo.
Dr. Antonio Sedoso Moreira de Sá, filho
do antecedente, è também muito illustrado;
medico dístincto e distincto escriptor catho-
lieo; homem muito religioso e muito cari-
doso, mas sem ostentação.
Além de innumeros artigos em diversos
jornaes brazileiros, tem publicado differen-
tes obras de mérito, avultando entre ellas
uma dissertação ou memoria contra a cre-
mação, que mereceu a honra de ser tradu-
zida em Roma.
D. Anna Amália Moreira de Sá, irmã do
antecedente, é também muito illustrada,
muito religiosa e mimosa poetisa.
122
1934 VIZ
VJZ
Denodada combatente no celebre debate
poético sobre a rosa branca e a rosa verme-
lha, publicou 08 Murmúrios do Vizella em
1861.
Vive na sua nobie casa de Sá, em Barro-
sas, sendo muito estimada por todos quan-
tos a conhecem, nomeadamente pelos pobres
6 desvalidos, que a mãos largas soccorre.
Tem muitas poesias mss., que por modéstia
se recusa a publicar.
Segundo se lé no Relatório da Exposição
industrial de Guimarães em 1884, nas duas
parochias'de Vizella havia:— espingardeiro?
(2 offlciaes); tecidos destinados a exporta-
ção;— e estueadores, sendo Vizella a locali-
dade do concelho de Guimarães que produz
maior numero de estueadores desde que
este mister, haverá 40 annos, aqui foi in-
troduzido e ensinado por um mestre de AflB-
fe, chamado Gonçalves, que aqui se estabe-
leceu e fez escola.
Também aqui apontaremos a fabrica de
papel dos srs. Ribeiro & C pois embora
não esteja situada na povoação de Vizella,
está muito próxima,— aqui vive o seu dono
— e em todo o nosso paiz é conhecido o seu
producto com o nome de papel das Caldas
de Vizella.
Demora no extremo da freguezia de Mo-
reira dos Cónegos e a sua fundação foi au-
torisada pela provisão de 9 d'agosto de 1810,
permittindo a Francisco José Ribeiro, da
freguezia de S. Miguel das Galdas, o estabe-
lecer uma fabrica de papel junto do rio Vi-
zella ou de qualquer outro da província do
Minho, com os mesmos privilégios das ou-
tras fabricas idênticas do reino.
Produz papel almasso de escrever, branco
liso, anilado pautado, e de embrulho, bran-
co e pardo.
A fabrica é movida pela agua do Vizella
— e tem 3 rodas e 3 eylindros. Emprega- 28
operários, que produzem o valor de réis
5:550^000 poranno— e foi-lhe conferido na
citada exposição o diploma de classe.
Ha também no rio Vizella outra fabrica
de papel.
Pertence á família Alvares Ribeiro, do
Porto. Em virtude de certa questão judi-
cial e da despedida do administrador, fe-
chou se em 1882 ou 1883, mas conserva to-
do o machinismo e utensílios próprios.
Esta fabrica é um pouco mais antiga do
que a antecedente, pois foi auctorisada a sua
fundação por alvará de 24 de novembro de
1789, concedido a Antonio Alvares Ribeiro
& C.*, da cidade do Porto, com os privilégios
seguintes:
1. " — Mandar vir do estrangeiro mestres
ou oíDeiaes, que não poderiam sair da fa-
brica antes de findar o tempo do seu con-
tracto, sem que a causa que alleguem para
se despedirem fosse julgada pela real junta
do commercio, impondo ao mesmo tempo a
multa de 400ig000 réis, pagos da cadeia, a
quem os induzisse para outra fabrica.
2. '»— Livre transito para o trapo dentro do
reino;
3. »— Isenção de direitos durante 10 annos
para o papel fabricado, devendo preceder li-
cença de transporte, passada pela junta real
do commercio para que este privilegio se ve-
rificasse também nas alfandegas do Brazil;
4. " — Marca espetfial;
5. » — Isenção de encargos públicos a todo
o pessoal da fabrica;
6. " — Faculdade de requisitar do correge-
dor carros para transporte, em caso de ne-
cessidade.
7. " — Que a fabrica ficaria sob a protecção
da real junta do commercio, para fazer valer
todos estes privilégios;
8. » — Juiz privativo para as questões da
fabrica.
Foi confirmado este alvará em 1799.
Seja-nos licito mencionar aqui um dos
mais illustres membros da família do funda-
dor da ultima fabrica de papel mencionada
supra, — mesmo porque falleceu n'esta po-
voação de Vizella no dia 2 de setembro de
1868.
Chamava-se eWe— Joaquim Torquato Al-
vares Ribeiro, nascido no Porto em 1803,
homem notável pela sua fortuna, pela sua
VIZ
energia e pelos seus vastos conhecimentos,
principalmente em sciencias mathemalicas,
que ensinou na academia polytechniea do
Porto desde 183S até que falleceu.
Em -1865 começou a exercer também in-
terinamente as funcções de director da men-
cionada academia no impedimento de João
Baptista Ribeiro, sendo lhe dado definitiva-
mente aqaelle cargo em 1868.
D'aecordo com o dr. Pedro da Fonseca
Serrão Velloso, fundou o celebre Periódico
dos Pobres, do qual foi proprietário & um
dos redactores,— publicação de combate e
uma das mais importantes do seu tempo.
Começou em julho de i833; findou em 1858;
militou sempre no partido cartista conser-
vador; fez guerra de morte aos Cabraes e
foi por assim dizer — a alma da revolução
popular da patuleia ou da junta do Porto,
em 1846 a 1847.1
. O Ann,uario da Acad. Polyt. do Porto,
de 1878, faliando de Joaquim Torquato Al-
vares Ribeiro, diz;
«Foi á sua pertinaz iniciativa e incompa-
rável zelo, que esta Academia deveu o te-
rem-se continuado as obras do seu edificio,
€ haverem -se começado e adiantado muito
as do jardim botânico, que quasi se pôde
dizer que é obra sua.
«Foi director da Companhia geral da agri-
cultura das vinhas do Alto Douro, à qual
ergueu do abatimento em que cahira depois
da extincção dos seus privilégios;^ e, ape-
zar de ter de dividir a sua attenção por mui-
1 V. Gramido, tomo 3.» pag. 316, col. 2.»;
—Porto, vol. 7.» pag. 366, col. 2.» e segg.;—
Santarém, tomo 8.° pag. 520, col. 1.»;— Sa-
broso no mesmo vol. pag. 283, col. !.■ in fine
e segg.;— Faí de Passos, tomo 10.» pag. 75,
col. 2.» — e Viso (Alto do) serra e monte, on-
de descrevemos a batalha que ali se deu em
1847 e que foi a ultima da revolução da
junla do Porto.
2 As acções da poderosa companhia dos
vinhos eram de 400iíl000 réis; depois baixa-
ram no mercado a 50^000 réis e ninguém
as queria por tal preço; hoje dão mais de
«m conto de réis cada uma?I . . .
VIZ 1935
tos negócios, foi um professor dislincto pelo
seu extraordinário talento, sciencia e assi-
duidade.
«Escreveu e publicou pela imprensai: Dis-
curso recitado na Academia Polytechniea do
Porto, na abertura do anno lectivo de 1846-
47;=*^ Academia polytechniea e aportaria
do ministério do reino de 14 de agosto de
1862.»
Era do conselho de S. M. e commenda>-
dor da 0. de Ch. — e foram seus paes Anto-
nio Alvares Ribeiro (o fundador da dita fa-
brica) e D. Maria Máxima Delfina da' Silva.
Deixou successão e na sala das sessões so-
lemnes da Academia Polytechniea do Porto
pôde ver-se o seu retrato a oleo.
Uma irmã do illuslre finado foi condessa
do Bolhão e mãe da actual duqueza de Sal-
danha, hoje viuva e casada em segundas
núpcias, tendo do matrimonio 2 filhos:
— o conde d' Almoster e a condessa de Cin-
tra, netos do marechal e 1.** duque de Sal-
danha.
Hospital
José Diogo Mascarenhas Neto, ha Memoria
sobre as antiguidades das Caldas de Vizel-
la (tomo 3.* das Mem. de Litt. Port.) % 38,
expõe a ideia da fundação de um hospital
em Vizella; mas por esta denominação in-
dicava apenas um estabelecimento thermal
em que os enfermos podessem fazer uso dos
banhos. Casa onde se recolhessem os doen-
tes e em que fossem medicados pelo uso dos
banhos ou de outros remédios não tinha elle
em vista.
No 1.» quartel d'este século estabeleee-
se e funccionou em uma casa do largo da
Alameda, então Lameira, um hospital ou
antes albergue, fundado e mantido por uma
commissão de vizellenses, que para tão ca-
ridoso fim agenciavam donativos e ali reco-
lhiam e sustentavam na estação balnear en-
fermos pobres que necessitavam de banhos,
installando-se jlosteriormente nos altos da
mesma casa os soldados que vinham tam-
bém tomar banhos.
I Demorava a dita casa entre o banho de-
1936 VIZ
VIZ
nominado Lm cheia e o Banho Grande, ao
loDgo do caminho da fonte publica e sobre
os banhos j-omanos intermédios, sendo um
dos principaes promotores d'aquella edifi-
cação o sr. Antonio Pereira da Silva, pae
do dislincto professor bracarense Pereira
Caldas.
Em 1848 a camará de Guimarães, para
explorar uns banhos no dito local, comprou
á casa em 27 de junho por 260^1000 réis,
Dão sendo logo demolida, pois só em Í8S2
procedeu á demolição, promettendo que em
logar d'ella fundaria um albergue para re-
colher os pobres na época dos banhos, mas
até hoje (1888) não cumpriu a promessa;
vae porem dentro em pouco ter Vizella um
bom hospital, propriamente dito, — graças a
um cidadão benemérito que longe da pátria
não se esqueceu da miséria e da pobreza. O
seu nome será esculpido em lettras d'ouro
nos annaes da caridade christã e da bene-
merência pátria com caracteres indeléveis :
— a gratidão dos pobres, orando a Deus pelo
eterno descanço de alma tão bem formada.
Aquelle benemérito cidadão foi Anto-
nio Francisco Guimarães, filho de Manoel
Ferúandes Dias e de D. Maria Francisca,
natural da freguezia de S. Paio de Moreira
dos Cónegos, limitrophe e muito próxima de
Vizella.
Em tenra idade foi, como tantos patrícios
nossos, para as terras de Santa Cruz em de-
manda de fortuna; depois de longos annos
de trabalho persistente e honrado, felizmen-
te encontrou-a, mas ali perdeu a vidai
Falleceu em 16 de julho de 1873 na cida-
de de Campinas, sendo ali sepultado no ce-
mitério da freguezia do Santíssimo Sacra-
mento.
Viveu e morreu longe, muito longe da pá-
tria, mas como bom patriota jamais a es-
queceu. Pelo contrario, amou a sempre como
filho estremoso até os últimos instantes da
vida e no seu testamento, feito e approvado
ém 4 d'agosto de 1868* a instituiu por her-
deira de uma grande parte da sua fortuna.
Deixou 3:000^000 réis ao paroeho ne
Moreira dos Cónegos para constituir o do-
te de 12 donzellas pobres d'aquella fre-
guezia, sua terra natal, preferindo as pa-
rentas do testador; mais 2;00OiSO0O de reis
áo mesmo paroeho para distribuir aos seus
parochianos pobres; dispoz ainda d'outro8
legados e determinou que o remanescente
da sua terça fosse dividido em 3 parles,
uma das quaes seria entregue á Misericór-
dia de Guimarães, metade para ella e a
outra metade para com o seu rendimento
capitalisado se estabelecer e manter nas
Caldas de Vizella uma casa de caridade ou
Misericórdia, onde fossem tratados os en-
fermos pobres- da visinhança, sendo sem-
pre preferidos os da sua terra natal, — Mo-
I* reira dos Cónegos.
Santa applicaçãol. . .
A Misericórdia de Guimarães liquidou
57:656^061 réis fortes — ea quantia recebi-
da, com os juros aceumulados, montou a»
77:971^i78 réis.
Para cumprimento da vontade d'aquelle
benemérito cidadão, isto é — para escolha do
local, etc, onde ha de ser fundado o hos-
pital, a mesa da santa casa nomeou em
22 de maio de 1883 uma commissão que,
segundo consta, não apresentou trabalho al-
gum.
Em 1888 foi nomeada outra commissão
com o mesmo fim, composta dos parochos
de S. Miguel, S. João e Moreira, — do dr.
Abílio Torres e do pharmaceutico José de
Freitas Oliveira, a qual se desempenhou do
seu encargo, apresentou o relatório dos seus
trabalhos à Misericórdia, indicando o sitio
do Outeiro paiVai a fundação do hospital, e
por isso é de crér que Vizella dentro em
pouco veja organisado tão santo instituto,
legado pelo benemérito Antonio Ferreira
Guimarães.
Non recedat memoria ejusl...
Nascentes thermaes
As aguas thermaes de Vizella já eram
conhecidas antes da dominação romana e ha-
viam até adquirido fama de miraculosas.
Duas inscripções dedicadas a BormanicOy
VIZ
VIZ 1937
deus geotilico das fontes e deus lusitano,
provam esta affirmativa.*
Os costumes dos romanos, para os quaes
08 banhos eram hygiena e luxo, levaram
este povo a aproveitaras nascentes e acon*
struir numerosos e luxuosos estabelecimen-
tos thermaes, cujos restos se teem encontra-
do e admirado em differentes pontos do
nosso paiz e fóra d'elle.
Mascarenhas Neto, fundado na inscripção
— Dedicavit T. Flavius Archelavs Claudia-
nvs. Leg. Avg. — suppõe que as thermas ro-
manas datam- do tempo de Domiciano, 81 a
90 de Ch., tempo em que Tilo Flávio foi
legado d'e8te imperador na Lusitânia.
Parece que algumas d'estas nascentes ain-
da estavam a descoberto no sec. xi, ou que
pelo menos se conservava lembrança d'ella8,
pois Affonso V de Leão aqui esteve e in
Oculis Calidarum assignou algumas doa-
ções.
Esta mesma denominação conservaram
sempre estes logares, como reminiscência
das suas aguas thermaes, posto que os edi-
fícios, por qualquer circumstancia hoje igno-
rada, desappareeeram completamente e por
muitos séculos se ignorou a sua existência.
Também parece que as aguas, em maior
ou menor volume, foram sempre notadas
pelos povos visinhos, pois a Monarch. Lusit.
menciona como existentes aqui fontes d'a-
gua quente; o Padre Torquato Peixoto na
Antiga Guimarães (1692) diz haver aqui
exeellentes caldas, — e o Padre Carvalho na
Chor. Port. tomo l." diz:— «n'esta freguezia
(S. Miguel das Caldas) em um lameiro baixo
baldio estão cinco olhos d'agua, umas mais
quentes que outras, e todas mui medicinaes
para grande quantidade de enfermos que se
vem curar a estas Caldas »
Não havia porem senão uns charcos em
que se tomavam os banhos, e por isso é de
crer que os enfermos de que falia a Choro-
graphia eram apenas os indigentes, pois os
que tinham meios mandavam conduzir a
1 Revista de Guimarães, tomo 1." n." 2 de
abril de 1881.
agua em pipas para as suas habitações. As-
sim eram levadas para o Porto, Guimarães
e outras povoações mais ou menos distan-
tes, como diz M. Neto.
No começo do sec. xviii principiaram a
deseobrir-se as paredes de banhos e ruinas
d'outros edifícios, cuja descoberta por or-
dem da camará de Guimarães não conti-
nuou.
Segundo dizF. da Fonseca .Henriques no
Aquilegio medicinal, descobriu-se em 1723
um tanque, que media 44 palmos por 33.
Os povos visinhos buscavam estas aguas
para as barreias, porque poupavam tempo
e lenha.
A camará de Guimarães, querendo po-
rem conserval-as limpas para serem utili-
sadas pelos enfermos, em 10 de novembro
de 1734 mandou que as" duas freguezias, S.
Miguel e S. João, tivessem o cuidado de
conservar o dito tanque limpo, sob pena de
6^000 réis e 30 dias de cadêa aos oíficiaes
das ditas freguezias, devendo estes também
relacionar as pessoas que ali flzessem bar-
reias, para serem castigadas.
Em 1785, no -lugar em que existiam os
charcos e tanque, fez-se uma barraca de col-
mo, e em 1787 outra mais commoda dentro
da qual se construiu um banho, e pelas es-
cavações se descobriu outro, que estava so-
terrado, apparecendo também por essa oc-
casião indícios de magnificas construcções.
Foi n'esse anno que as aguas começaram a
usar-se mais frequentemente bebidas, pois
anteriormente a immundieie o não permil-
tia.
Em 1788, por instancias de M. Neto, se
descobriram 16 nascentes d'agua e 8 banhos
construídos d'argaraassas diversas e fra-
gmentos de tijolo, ladrilhados a mosaicol
Descobriu-se também no mesmo anno, no
sitio do Mourisco, chamado ;)oço quente, mais
quatro nascentes com diversos graus de ca-
lor, sendo a agua conduzida por differentes
canos, — alem de dois olhos que existiam e
existem no próprio leito do rio.
Estas descobertas attrahiram grande af-
1938 . VIZ
fluência de enfermos da província do Mi-
ntio, que colhiam óptimo resultado do uso
dos banhos, alHuencia que continuou nos
annos seguintes, tornando-se necessário um
cirurgião que velassç pelos doentes e lhes
indicasse as aguas mais adaptadas ás diíTe-
rentes enfermidades. Remediou a camará
esta falta, ereando aqui um partido de cirur-
gia em 15 de junho de 1796, e foi provido
n'elle, cora o ordenado de 60^000 réis, Bento
José da Cunha, da freguezia de Cerzedo.
Em 1797 eonstruiram-se algumas barra-
cas d'alvenaria. Em 1803, por Aviso régio
de 23 de junho, foi nomeado o primeiro ba-
nheiro e encarregado da limpeza dos tan-
ques com o ordenado de 60^000 réis, sendo
provido n'aquelle logar Domingos Teixeira
Mendes, que já oecupava interinamente o
mesmo cargo. >
Em 26 de setembro de 1804 Francisco
José de Miranda obteve uma provisão regia
conferindo-lhe o privilegio de estabelecer
aqui açougue, como já tinha havia 14 annos,
devendo a carne ser 2 réis e meio em arrá-
tel mais barata do que em Guimarães.
No aono de 1811, por alvará de 14 de se-
tembro, foi D. Leonor de Faria Machado au-
ctorisada para construir 2 banhos nas duas
nascentes junto á sua casa nobre da Azenha,
sendo obrigada a fornecel-os grátis ao pu-
blico e ficando-lhe apenas a administração.
Em 1812 eneontra-se aqui o primeiro me-
dico. Foi Antonio José de Sousa Basto, no-
meado por provisão de 10 de março, deven-
do servir gratuitamente durante a guerra,
conforme promettera.
Com a nomeação de Francisco Barroso
Pereira para o cargo de provedor da cama-
rá de Guimarães, cargo de que tomou pos-
se em 1 de janeiro de 1811, tiveram grande
impulso a exploração das aguas eoaformo-
seamento de Vizella.
Em 11 de julho de 1812 conseguiu que a
camará mandasse fazer importantes con-
certos nos poços thermaes e alcançou depois
parte da pedra da Torre Velha dos muros de
Guimarães, eonduzindo-se para aqui só em
VIZ
maio de 1814 approximadamente 300 car-
ros?! . . .
Chamamos para este ponto
a attenção dos archeologos.
Ao génio emprehendedor do benemérito
Barroso se deve a extensa e formosa alameda
da Lameira, a reconstrucção de diversos ba-
nhos e a fonte d'agua thermal que devia ser
coroada por um formoso obelisco, tendo em
uma das faces uma inscripção commemorati-
va; mas não chegou a gravar se, collocan-
do-se em vez d'ella as armas reaes. A proje-
ctada inscripção, segundo diz João Pinto Ri-
beiro nas suas Reflexões históricas, era a se-
guinte:
Ob Europae restituíam pacem,
Desideratissimi principis regentis
Ob reddilum expectatum,
Aquaeducti, fontis, horti
Lineamenta instaurata,
Curante provinciae, Quaestore,
Piarumque Causarum Provisore,
Francisco Barrosio Pereira,
A. D. MDCCCXIV.
Em vulgar: «Sendo corregedor e prove-
Jor d'e8ta comarca Francisco Barroso Pe-
reira, foram delineadas e inauguradas as
obras d'e9te aqueducto, d'esta fonte e d'este
jardim no anno de 1814, em commeraoração
da paz que a Europa acaba de obter e da
esperança que temos de que em breve re-
gressará (do Brazil) o nosso tão desejado
príncipe regente.»
Nos annos seguintes a camará e o gover-
no foram tomando constantemente diversas
providencias com relação ao serviço dos ba-
nhos, nomeando médicos, cirurgiões, banhei-
ros, etc.
Em 7 de maio de 1837 lançou se a con-
tribuição de 40 réis sobre cada pipa d'ãgua
thermal, — e a imposição directa de SOiíOOO
réis sobre os habitantes das Caldas, deven-
do promover- se uma subseripção entre os
VIZ
VIZ 1939
banhistas, quando as duas verbas não fossem
sufflcientes para obras nos banhos e despe*
7.as inherentes; e em 27 do mesmo mez foi
nomeada uma comraissão para administrar
as obras e os banhos.
O imposto de 40 réis, que no referido an-
no rendeu 113000 réis, foi elevado a 60 réis
em 1840, e em 6 de maio do mesmo anno
foi elaborado um regulamento provisório,
cuja observância e outras providencias a
bem da bygiene foram suscitadas em 20 de
julho de 1842, a requerimento do sr. dr. José
Joaquim da Silva Pereira Caldas, distineto
professor e decano do lyeeu de Braga. Este
regulamento foi impresso na Typographia
Bracarense em 1840.
Em 27 de novembro de 1844 foram remet-
tidas para o governo diversas amostras d'a-
guas, para serem analysadas.
Em 24 de março de 1845 descobriu se
mais dois banhos debaixo da varanda da
casa denominada hospital, — um com 26 pal-
mos e 6 oitavos de comprido por 13 e 6 oi-
tovos de largo; outro com 5 palmos e 4 oi-
tavos por cada um dos lados, sendo octogo-
no. Ambos tinham o fundo revestido de mo-
saico e no primeiro se via igual revestimen-
to nas paredes lateraes. Foram descobertos
com as escavações mandadas fazer pelo ba"
nheiro José Alves da Silva Junror.
Eram 27 as nascentes encontradas até
esta data (1845) sendo 3 destinadas para be-
bida, 21 para banhos e 3 para emborcações.
Desde esta data até 1851 ainda se encontra-
ram mais nascentes, chegando então o nu-
mero a 34.
Em 1858 foram construídos 2 banhos no-
vos.
Em 1860 procedeu o engenheiro Bartho-
loraeu Achilles Dejant a diversos trabalhos
de pesquisa e eaptagem d'aguas, por incum-
bência da camará.
Em 3 de julho de 1861 ordenou-se que o
medico do partido apresentasse uma estatís-
tica dos doentes tratados e do aproveita-
mento havido.
Em 25 de fevereiro de 1863 .Antonio Fer-
reira Moutinho, do Porto, e Antonio de Sou-
sa Freire, de Louzada, requereram à cama-
rá de Guimarões a concessão das aguas do
Poço das Pipas e Bica da Lameira, para as
encanarem para lugar appropriado, onde
construíssem um estabelecimento thermal,
o que lhe foi concedido, devendo a terça
parte dos banhos ser para uso franco e li-
vre do publico. Este projecto porem não
vingou.
Em 1866 a camará resolveu que o refe-
rido engenheiro Achilles Dejant procedesse
a estudos e levantamento da planta para a
construcção d'um estabelecimento thermal,
com o que se dispendeu 1:115^865 réis.
Alguns moradores de Vizella dirigiram
uma representação ao governo contra o pro-
eto da camará, e também se levantou viva
polemica na imprensa, pelo que o. minis-
tro do reino em 28 de fevereiro de 1867 en-
viou uma portaria ao governador civil de
Braga, mandando que este ordenasse à ca-
mará que se abstivesse de innovar cousa al-
guma no estado actual dos banhos, o que
fez parar todos os trabalhos.
Em 23 de dezembro de 1868 a camará en-
viou ao poder legislativo uma representação,
pedindo para ser auctorisada a adjudicar a
construcção do estabelecimento a uma com-
panhia.
Creada pouco depois a engenharia distri-
etal, o governador civil enviou- lhe a dieta
representação para ella dar parecer, o que
só fez em 25 de janeiro de 1871, devolven-
do-a á camará e aconselhando que se fi-
zesse um projecto de menos avultada des-
peza, pois o projecto Dejant estava orçado
em 327:000^000 réis.
A camará resolveu não fazer novo proje-
cto sem esgotar lodos os meios para appro-
vação d'este, conseguindo que uma eommis-
são presidida pelo sr. conselheiro Adriano
Machado, actual reitor da Universidade, e
de que fazia parte o benemérito vizellense
Antonio José Ferreira Caldas, solicitasse da
camará a adjudicação do projecto, ao que
esta annuiu; difflculdades, porem, que so-
brevieram não consentiram que se levasse a
j eflfeito aquelle plano.
' Durante aquelle período tão agitado for-
! mulou a camará dois regulamentos. O pri-
1940 VIZ
VIZ
meiro foi approvado em 17 d'abril de 1867
e por elle foi encarregado o serviço balnear
a 1 facultativo director, 1 escripturario, 1
banheiro e 3 ajudantes. O segundo approva-
do em 30 de setembro de 1868 modificou
algumas disposições do anterior.
Os trabalhos de Dejant patentearam no-
vos mananciaes d'aguâ e ainda posterior-
mente, em 1880 a 1881, se descobriram mais,
o que elevou o numero das nascentes a
5SI...
Eram as aguas conduzidas para os ba-
nhos, cobrandn-se o imposto de 40 réis por
cada um, — imposto que em 1869 rendeu
654ig600 réis.
As casas em que se achavam os banhos
tinham a seguinte denominação: banho do
Moreira, quarto crescente, lua nova, lua
cheia, quatro cabeças, contra- forte, novo, oi-
tavado, meia-lua, ribeiro, - grande, humani-
dade, tanque das pipas, bomba, S. Miguel,
provedor, sol, bica da lameira, Valle menso.
Lameira, Medico, porta, fonte dos amigos,
barco, mourisco, penedo e fonte do Abba-
del...
Companhia dos Banhos de Vizella
Do exposto se vé que o renascimento de
Vizella estava iniciado; a vida e a alma fo-
rara-lhe dadas pela Companhia dos Banhos.
Para exploração das aguas lhermaescon-
slituiu-se em 1873 uma Companhia, socie-
dade anonyma de responsabilidade limitada,
com a séde em Guimarães e o capital ini-
cial de 100:OOOiSOOO réis, divididos em 1:000
acções de lOOi^OOO réis, capital que podia
ser elevado a 400:000iíl000 réis.
A 9 d'outubro do referido anno discuti-
ram-se e approvaram-se em assembleia geral
dos accionistas os estatutos porque devia
reger-se a Companhia, nos quaes se consi-
gnou que deviam construir-se os estabeleci-
mentos necessários, conforme a planta do
engenheiro Dejant ou com as alterações que
á Companhia e á camará de Guimarães con-
viesse fazer.
Na mesma assembleia se elegeu uma com- I
missão encarrègada de promover a instai- !
I lação definitiva da companhia, ficando a di-
eta commissão composta dos srs. barão de
Pombeiro de Riba«Vizella, Antonio José Fer-
reira Caldas, Francisco Ribeiro Martins da
Costa, Joaquim Ribeiro da Costa e Alberto
da Cunha Sampaio.
Em portaria de 11 de setembro de 1874
foi a camará auctorisada a celebrar com a
Companhia o contracto de cedência das ther-
mas.
Em 16 d'outubro do mesmo anno foi elei-
ta a primeira direcção, sendo composta de
Antonio José Ferreira Caldas, Joaquim Ri-
beiro da Costa e Alberto da Cunha Sam-
paio, e em 18 de novembro do mesmo an-
no foi asslgnado o contracto provisório en-
tre a camará e a direcção da Companhia.
Por este contracto a camará cedeu á Com-
panhia todas as nascentes de aguas tber-
maes e medicinaes, situadas nas freguezias
de S. João e S. Miguel das Caldas, bem co-
mo todos os terrenos, pedreiras e prédios
municipaes, que ficam a um raio de 600
metros do meio da ponte nova para o norte
do rio, e a um raio de 300 metros para sul
do mesmo rio, e que fossem necessários para
os estabelecimentos thermaes e seus aeces-
sorios, bem como todos os direitos e acções
que a camará tinha sobre os referidos bens.
A Companhia devia no praso de 4 annos
dispender 100:060^000 réis com os estabe-
lecimentos, podendo fixar o preço dos ba-
nhos, devendo porem ser gratuitos os ba-
nhos que determina a lei de 2 d'abril de
1873, em tanques não excedentes a dez pes-
soas.
Se passados dez annos a Companhia hou-
ver gasto menos de 110:000^000 réis, a ca-
mará poderá remir, pagando o dispendido
6 mais 10 7o; havendo porem gasto mais, o
direito de remir só poderá exercer se passa-
dos 300 annos. A camará também poderá
remir annualmente até 4Q acções.
Este contracto, depois de approvado pelas
camarás legislativas, foi mandado executar
pela carta de lei da 14 d'abril de 187o.
Acceito este contracto pela companhia em
19 de maio de 1875, íicou esta definitiva^
mente instailada.
Analysadãs as aguas pelo lente da Escola
polytechnica de Lisboa, Agostinho Vicente
Lourenço, contractou se o engenheiro Ce-
sário Augusto Pinto, que foi a França, Bél-
gica e Allemanha visitar os estabelecimen-
tos de banhos mais notáveis.
Em 1 de maio de 1876 deu se principio aos
trabalhos no local denominado Bouça das
Pedras, junto do rio Vizella.
O engenheiro, voltando da sua viagem,
apresentou o projecto dos edificios a cons-
truir,'projecto que foi submettido á appro-
vação da camará e do governo e approva-
dos por portaria de 21 d'agosto de 1878.
Segundo esta planta o estabelecimento
thermal constará de 3 edificios, compre-
hendendo 11:000 metros quadrados, incluin-
do terreiros, caminhos e corredores deseo-
bertos«
O edifício principal, com banhos de im-
mersão de 1.», 2.» e 3.« classe e as princi-
paes applieações hydrotherapicas, constará
de 4 corpos que medem 68 metros de exten-
são por 57 de largura, sendo dois dos cor-
pos para homens e dois para mulheres.
Além de 72 tinas para banhos, terá uma
piscina de natação e gymnastiea, um vapo-
rarium, ou estufa de vapor, para 8 pessoas,
camas de massagem, banhos de chuva ver-
ticaes e circulares, estufas parciaes, banhos
medicinaes e eléctricos para braços, pernas
e pés, banhos bourbonnes, piscinas de famí-
lia, douches de todas as formas, semicupios, *
banhos hydróphoros, etc.
O estabelecimento lerá também, para de-
posito das aguas, uma galeria cujas pare-
des servirão de alicerce a uma terça parte
do edifício superior, ao nivel da estrada e
retirado d'e8ta 19 metros, sendo tudo ajar-
dinado. Este edifício destina-se a escriplo-
rio do bilheteiro, consultório medico, dois
salões de espera e de« leitura, deposito d'a-
guas mineraes de diversas procedências e
estação telegraphica. Isto na frente; no lado
opposto e sobre as galerias do deposito fica- I
YIZ 1941
rão as salas de inhalação, pulverisação e
mais dependências. No andar superior do
corpo cendal haverá um grande salão e
quartos para vivenda do guarda, e dois tor-
reões nas extremidades' do edificio para ar-
recadação de materiaes próprios, guarda
dos apparelhos, canalisação e rouparia.
Na margem do Vizella e separado do
grande edifício por uma rampa de servidão,
ficará o edificio de 4.» classe, que deve con-
ter 4 piscinas (duas para cada sexo) salas
de espera e de abafo.
O edificio de 5.» classe ficará separado
pelo ribeiro de Paços, convenientemente ca-
nalisado, e conterá 2 tinas, ou gabinetes, 2
piscinas para 12 pessoas cada uma, sala de
douches de lança e verticaes, etc.
N'estes edifícios, depois de completos, po-
derão dar-se em 10 horas 2:970 banhos de
todas as espécies.
Até hoje (outubro de 1888) acham-se cons-
truídos o 1.° corpo do edificio principal para
banhos de 1.% 2.* e 3.* classe, e os edificios
de 4.* e 5.'* classe. Estão iniciadas apenas
outras construeções.
Em princípios do anno de 1881 orgànisoa-
se uma com missão medica sob a presidên-
cia do dr. José Pereira dos Reis, a fim de
aconselhar a direcção em tudo o que disses-
se respeito á organisação do serviço me-
dico.
Em 31 de março do mesmo anno foi ap-
provado em assembleia geral o regulamen-
to do serviço de banhos e contabilidade e
mobilados os edificios. Realisou se a abertu-
ra solemne do estabelecimento thermal em
8 de maio do referido anno, celebrando a
benção Monsenhor Rebello de Menezes, en-
tão viee-reitor do seminário de Braga, *
sendo a inauguração realísada com a assis-
tência de todas as auctoridades do concelho,
1 Hoje (1888) é arcebispo titular de La-
rissa, coadjutor e futuro successor do bispo
de^ Lamego, etc.
1942 VIZ .
VIZ
governador civil do districto e de muitos ou-
tros cavalheiros, sendo também enorme a
concorrência de povo.
Os banhos fornecidos em 188 i foram
71:689, sendo gratuitos 20:054; a receita,
incluindo aluguel de roupas, montou a réis
5:748iííll5.
Até hoje a media annual dos banhos tem
sido de 68:300 e o rendimento médio de
6:300^000 réis.
No fim da época balnear de 1881 o dire-
ctor medico do estabelecimento, dr. Abilio
da Costa Torres, publicou um relatório
admiravelmente elaborado, narrando, a par
d'outras curiosas noticias, o resultado obti-
do durante o primeiro anno de exploração.
Os estatutos da Companhia foram refor-
mados em assembleia geral de 18 d'outubro
e 22 de dezembro de 1882, introduzindo -se
algumas alterações que a experiência acon-
selhara.
As obras teem proseguido, embora lenta-
mente, cuidando-se com todo o esmero em
que as aguas produzam os effeitos, que a
sua constituição mineralógica faz presagiar
e que a experiência tem demonstrado ha
muito tempo.
De 1885 a 1886 construiu-se o parque,
delineádo e plantado pelo disiincto floricul-
tor e horticultor José Marques Loureiro^ e
que custou 4:500i^000 réis.
A actual direcção (1888) cuida com todo
o afan do estabelecimento dos ediflcios para
pulverisação e inhalação, cuja falta é muito
sensível.
Não se deixe a companhia illudir com os
vaticínios dos pessimistas e o futuro coroa-
rá os esforços do? que tanto teem trabalhado
a favor da prosperidade de Vizella.
A direcção actual inspira toda a confian-
ça e sabemos que se empenha deveras em
rehabilitar o credito da companhia e das
aguas, bastante abalado até hoje, pelo que
03 capitães e o publico se retrabiram e a
empresa tem luctado com grandes dífflcul-
dades.
Todas as direcções transactas foram ho-
nestas, mas algumas bastante levianas — e
muitos banhistas teem demandado outras
therma?, porque temos outras congéneres,
que teem progredido muito nos últimos an-
nos, taes são as do Molledo, depois que se
fez a linha férrea do Douro, dando-lhes es-
tação própria e toroando-as muito aeeessi-
veis,— e as da Felgueira, junto de Nellas, de-
pois que se fez a linha da Beira Alta e uma
bella estrada de 6 kilomeiros a ligar os ditos
banhos com aestação de Cannas de Senhorim.
Também ali nos últimos anoos uma compa-
nhia de Lisboa fez um esplendido estabeleci-
mento thermal — e teem progredido e estão
progredindo espantosamente os banhos do
Gerez.i São talvez hoje os mais concorridos
de Portugal, pelo que nenhum dos -nossos
estabelecimentos de banhos tem tantas e tão
bons boteis, que tendem a augraen^ar em
capacidade e em numero,— e vae formar-se
uma grande empresa para elevar aquelle es-
tabelecimento a toda a altural . . .
Tem pois Vizella rivaes perigosos — e ne-
cessita de muito cuidado para não ser leva-
da de vencida.
As suas aguas são maravilhosas, mas—
segundo dizera alto e bom som pessoas com'
petentes, — estas aguas soffreram muito, de-
pois que juntaram as de todas as suas nu-
merosas e diversas nascentes em amalgama
e as levaram para o novo estabelecimento
distante mais de 200 metros e situado á bet-
ara do rio, sendo a canalisação luxuosa e
dispendiosa, mas feita sem critério algum,
pelo que tiveram de a modificar, para sus-
terem os clamores e a debandada do pu-
blico.
A empresa já em parte remediou aquelles
inconvenientes, mas tem de remediar ainda
outros e de ser muito prudente e sollicita»
1 V. Miragaya, tomo 5." pag. 262, col.
2.*
1 V. Villar da Veiga, tomo 11." pag. 1291
col. 2.« e segg.
VIZ 1943
para não comproraetter o seu fuluro e o de
Vizellal . . .
A direcção actual inspirou toda a confian-
ça e Dão queremos de modo algum lançar
sobre ella as faltas que outros commette-
ram. Pedimos-lhe até desculpa da nossa ru-
de franqueza, raesmo porque é nosso parti-
cular amigo um dos actuaes directores,— o
sr. Eduardo Velloso d'Araujo, capitalista do
Porto, homem muito honesto, muito atilado
e muito dedicado pelos interesses daempre-
za, da qual é um dos maiores accionistas,
mas — amicus Flato, sed magis arnica ven-
tas.
Formam com elle a direcção mais dois
cavalheiros de muito merecimento também;
—o sr. dr. Abílio da Costa Torres,' medico
por Coimbra, natural de Barrosas,— e o sr.
Domingos José de Sousa Júnior, proprietá-
rio e negociante de Guimarães,
Sabemos que envidam todos os esforços
para vencerem as diíDeuldades que os cer-
cam e garantirem á empreza e a Vizella o
brilhante fuluro, a que uma e outra teem
júz.
Hurrah por Vizellal . . .
Desde 1881 até 1887 deram-se n'este im-
portante estabelecimento thermal 419.416
banhos, sendo 302 5i7 por paga— e 116.869
gratuitos a pobres e militares. E desde 1 de
janeiro de 1888 até 31 de novembro do
mesmo anno, deram-se 55.692 banhos,
sendo 44.366 por paga — e 11.326 gratui-
tos a. pobres e militares.
A companhia tem despendido até hoje
(dezembro de 1888) a quantia de réis
129.515,^875.
Foi muito feliz cora a nova canalisação,
porque as aguas chegam aos depósitos sem
depreciamento algum. Isto animou a empre-
za e a determinou a mandar ao estrangeiro
o sr. dr. Terra Vianna, distincto engenheiro
1 Logo daremos a sua biographia no tópi-
co dos Vizellenses illustres.
e lente da Academia Polytechnica do Porto,
para estudar os estabelecimentos congéne-
res mais notáveis e indicar as modificações
a fazer no de Vizella. O dicto engenheiro e
professor já regressou e apresentou o seu
relatório,— e a companhia (honra lhe sejal)
vae fazer no seu estabelecimento todas as
modiQeações indicadas, principiando por
construir salas próprias para banhos de in-
halação, pulverisação, etc. «^te.
A companhia até hoje (1888) ainda não
distribuiu dividendo algum, porque todo o
rendimento liquido tem sido e continúa a
ser applicado nas obras.
Só nas canalisações, (!.• e 2.«) pesquisas
d'agua, etc, gastou 2o.316iíl000 réis,— e até
31 do dezembro de 1887 gastou no parque,
indicado supra, 10.122i^000 réis, entrando
porém n'esta cifra o custo de valiosos ter-
renos que estão fôra do parque.
Também sabemos que vae concluir a plan-
tação do arvoredo, para o que já contractou
com o sr. Marques Loureiro, do Porto, a
âcquisição de 1.300 arbustos.
Feliz lembrança, porque o chão de Vizel-
la na estiagem é muito ardente e porque a
arborisação é riqueza, belleza e saúde.
Fmalmente sabemos que está disposta a
fazer tudo quanto fôr de utilidade e recreio
e tendente a pôr o seu estabelecimento ther-
mal ao nivel dos melhores estabelecimentos
congéneres.
» Outra vez— Hurrah por Vizellal
Estabelecimento thefmal do Mourisco
Em 1788, Mascarenhas Netto, deparando
com um olho d'agua quente no sitio deno-
minado Mourisco, na esquerda do rio Vizel-
la, mas próximo a elle, mandou fazer unia
escavação e encontrou uma espécie de bán-
quetâ'de que se conheciam vestígios até á
distancia de 200 passos, e junto d'ella achou
4 nascentes d'agua com diversos graus de
calor, conduzida por differentes canos.
Esta agua foi aproveitada pelo possuidor
do terreno, que ali construiu em 1840 um
i944 VIZ
VIZ
banbo de madeira, sendo logo frequentado
por muita gente.
Arruinado este, o abbade de S. Miguel,
Miguel Joaquim de Sá, que havia comprado
as propriedades ocrde estavam as nascentes,
fez outro banho de pedra, coUoeando as
aguas em melhores condições.
A affluencia do publico fez com que a ca-
mará nomeasse para ali um banheiro, contra
o que reclamou o proprietário, não conse-
guindo porem que fosse annuUada a nomea-
ção, e ainda posteriormente foram nomea-
dos mais dois banheiros. O ultimo em 25
d'abril de 1866.
Apesar de tudo, o proprietário sempre era
considerado senhor das aguas, administran-
do os banhos e fornecendo-os ao publico.
Em 9 de julho de 1873 a camará resolveu
intentar pleito contra o actual proprietário,
Joaquim de Freitas Ribeiro de Faria, para
haver esias nascentes e banhos, terminando
a questão em 1875 pela desistência da ca-
mará, feita no Supremo Tribunal.
Os antigos banhos que ali havia eram
conhecidos com a seguinte denominação:
mourisco^ baixo, penedo e fonte do abbade.
Finda a pendência, o proprietário tratou
de construir um estabelecimento thermal.
Fica este situado poucos metros alem da
ponte nova do Vizella, no próprio local dos
banhos velhos^ dando lhe commuaieação um
ramal de estrada a macdàm.
É um bonito edifício, coroado de ameias,»
cuja planta foi traçada em 1877 pelo enge-
nheiro Pedro Ignacio Lopes, actual director
da companhia dos caminhos de ferro do
norte e leste.
Uma saleta de espera, tendo aos lados dois
quartos, dá communicação por 6 degraus
para os quartos de banho, que são 6, todos
bem preparados com tinas de zinco, etc,
Ao lado direito esta o deposito das aguas
que alimentam os banhos.
O custo do estabelecimento, completo em
30 d'abril de 1878, orçoú por 4:O00W
réis approximadamente.
A media dos banhos annualmente pôde
calcular-se em 7:000, dando ao proprietário
o rendimento bruto de 1:120^000 réis.
No fim da época balnear de 1878 íoram
feitos alguns novos trabalhos de captagem
d'aguas, e estas obras, executadas dentro do
perímetro de protecção concedido á Compa-
nhia dos banhos pela portaria de 17 de maio
de 1878, deram origem a um pleito judicial,
que terminou por composição amigável eÉFe-
ctuada em 30 de junho de 1879.
O preço de cada banho n'este estabeleci-
mento é de 160 réis.
Na Illvstraçõo Universal n." 28 de 16 de
agosto de 1884 f^e encontra em gravura um
dos formosos panoramas de Vizella, mas o
artigo que a acompanha foi por certo, con-
sinta-se-nos dizel-o, escripto em algum mo-
I mento de mau humor.
Tudo o que deixamos dito e que todos
podem verificar, é um desmentido formal
das asserções ali feitas.
Partido de cirurgia
Foi estabelecido por carta regia de 15
de junho de 1796 com o ordenado de réis
60i5000 e tem sido occupado pelos seguin-
tes:
1. *— Bento José da Cunha, da freguezia
de S. Miguel de Cerzedo, d'esie concelho,
nomeado na mesma data supra.
2. » — José Antonio d" Azevedo Varella, no-
meado por provisão de 20 de maio de 1824.
Não podemos averiguar quando deixou de
servir nem encontramos indicação de que
fosse subàtituido.
Partido Medico
1. °— Antonio José de Sousa Basto, no-
meado pela provisão supra, em 1796.
2. °— João Evangelista de Moraes Sar-
mento, nomeado por provisão de 27 de ju-
lho de 1816 com o ordenado de 100^000
réis, devendo aqui residir 4 mezes na epo-
cha balnear.
3*— Antonio Joaquim Ferreira de Castro,
VIZ
VIZ 1945
nomeado por provisão de 20 de fevereiro
de 1827. Abandonando o lugar para seguir
o partido liberal, foi-lhe cassada a nomea-
ção e substituído pelo seguinte:
— Antonio José de Sousa Basto, (se-
gunda vez), nomeado por provisão de 17
de julho de 1829, sendo annullada a no-
meação por sentença de 14 de março de
1834, em execução dos decretos de 27 de
novembro de 1831 e 3 d'ag08to de 1833,
foi o antecedente restituído ao logar.
5. ° — Antonio Joaquim Ferreira de Castro,
(segunda vez). Ignoramos até quando ser-
viu.
6. " — Antonio Ignacio Pereira de Freitas, 1
nomeado pela camará em 10 de maio de
1867. É actualmente medico do partido mu-
nicipal de Ponte do Lima.
Hoje Vizella não tem medico privativo.
Vizellenses illustres
Abel Pedro Pereira de Freitas, filho de
José de Freitas e Oliveira e D. Cecilia
Rosa Pereira da Silva, nasceu a 1 de agos-
to de 1856. Seguiu a carreira eeelesiasti-
ca, ordenando se em Braga a 7 de junho de !
1881. Tem escripto diversos artigos, e cor-
respondências em publicações periódicas.
Em 1885, d'accordo com seu primo Bráu-
lio, de quem abaixo falíamos, fez imprimir
o jornal único «Basar», que foi distribuí-
do em Vizella, sendo o producto applicado
em beneficio da confraria do Senhor da Boa
Morte, da freguezia de S. Miguel. N'este pu-
blicou um artigo exalçando a belleza da
sua terra, intitulado No jardim do Minho.
Ahilio da Costa Torres, filho de Joaquim
da Costa Torres e D. Cândida Augusta Fer-
reira de Miranda, nasceu a 13 de maio de
1846 em Barrosas.
Cursou preparatórios em Braga e Coim-
bra, terminados os quaes matriculou -se em
medicina, formando-se em 30 de julho de
1876. Estabeleceu residência em Vizella e
tem prestado relevantes serviços á sua pá-
tria adoptiva. É sócio installador da compa-
nhia de bombeiros voluntários e da philar-
monica vizellense; membro da commissão
recenseadora eleitoral de Guimarães; dire-
I ctor teehnico do estabelecimento thermal e
hydrotherapico de 1881 a 1882, etc.
Escreveu: «As aguas sulfurosas de Vizel-
la, estatística medica do estabelecimento
thermal e hydroterapieo de Vizella.» Porto,
typ. Central, 1882.
É um medico distincto e hábil operador.
Alfredo José dos Reis. Este espingardei-
ro de renome, filho de José Antonio dos
Reis e de Maria do Livramento, nasceu em
Chaves, mas veiu para Vizella aos 17 annos
de edade e aqui tem vivido até hoje quasi
sempre, entregaodo-seá arte que lhe alcan-
çou fama, dirigido pelo espingardeiro e fo-
gueteiro Joaquim Antonio Gallado, que de-
pois foi seu sogro.
Em 1862 eslabúleceu-se por conta pró-
pria e em 1865 fabricou a «primeira espin-
garda de carregar pela culatra» não haven-
do n'ella uma peça uniea, desde a mais sin-
gela até á mais complicada, que nSo fosse
fabrico seu. Foi esta no seu género a pri-
meira espingarda que se fez em Portugal,
como se lê no Catalogo da Exposição inter-
nacional do Porto, de 1865, a pag. 59 do
Supplemento.
Em 1861 fabricou a «primeira espingar-
da» de systema central^ nas mesmas condi-
ções de fabrico todo seu.
Em 1872 fabricou uma machina de cortar
mortalhas para cigarros, feitas de folha de
milho, em maços de 50 e 100.
Depois de ter ofiicina durante alguns an-
nos em Vizella, foi para Guimarães, onde
esteve 7 annos, voltando para aqui em se-
tembro de 1885 e estabelecendo -se na rua
da Estrada Nova, junto à estação do cami-
nho de ferro.
Antonio Ignacio^ Pereira de Freitas, filho
de José de Freitas e Oliveira e D. Cecilia
Rosa Pereira da Silva, nasceu em 1 de feve-
reiro de 1842.
Cursoii os preparatórios em Braga, obten-
do sempre honrosas classificações. Em 1858
matriculou-se na Academia polyteehnica do
Porto e em 1861 na escola medíco-cirurgi-
ca da mesma cidade, concluindo a forma-
tura em 1866.
A these que defendeu no fim do curso
tem o seguinte titulo; «Das aguas mineraes
1946 VIZ
VIZ
cm geral e da sua applicaçâo em particular
ao tratamento das moléstias cirúrgicas...
Porto 1866, 4.» gr.»
Depois de exercer a clinica aqui e em
Fafe, íoi em 1869 para Ponte do Lima, on-
de exerce o cargo de facultativo municipal.
Tem escripto cm diversos jornaes muitos
artigos sobre a importância das aguas de
Vizella e existe publicado em opúsculos:
tAos senhores capitalistas: noções acerca
do projectado estabelecimento thermal de
Vizella e conveniência da sua construcção
por meio d'uma companhia, Braga, 1868.»
É indefeso propagador do systema dosi-
métrico, bem como do hypnolismo, como
agente therapeutieo.
Antonio José d'Azevedo Varella, filho de
Antonio d'Azevedo Varella e de Josepha Joa-
quina da Costa. \
Nasceu a 12 d'agosto de 182S em Santa j
Eulaliítde Barrosas. Cirurgião pela antiga j
escola, estabeleceu residência por muitos
annos em Inflas, e desde IS annos a esta
parte em Vizella. Tem sido vereador em
Guimarães por mais que uma vez e poderia
hoje ter avultada fortuna, se não fosse tão
desprendido d'ambição. É parente do cele-
bre frade Domingos Varella, distincto orga-
nista de quem se falia no artigo Victoria,
tomo 10.» pag. 623, col. 2.»
Antonio José Ferreira Caldas, nasceu a
16 de novembro de 1816 na quinta do Paço
de Gominhães, filho de Francisco José Ribei-
ro e Thereza Maria Ferreira.
Seguiu a carreira commercial em Guima-
rães com muita probidade pelo que seus
conterrâneos o elegerem vereador da cama-
rá, repetidas vezes.
Membro da eommissão . recenseadora elei-
toral, da junta de repartidores, etc, cor-
respondeu ao conceito que d'elle se forma-
va; alcançou porem inolvidável memoria
pelos relevantes serviços que tem prestado á
terra que lhe foi berço.
É sem duvida a Ferreira Caldas que Vi-
zella deve os importantes melhoramentos
que hoje a enriquecem. Grande parte de
seus haveres, sua saúde, seu credito, sua
actividade, tudo dedicou durante o longo es.
paço de 17 annos á realisação da sua idéa
tão querida: o estabelecimento thermal de
Vizella.
Em Guimarães, Porto e Lisboa trabalhou
constantemente e, apesar de muitas dece-
pções e muitas contrariedades, conseguia a
formação da companhia: viu levantar o edi-
ficio dos banhos; assistiu á sua abertura,
contemplando a sua obra, e o sorriso da sa-
tisfação lhe assomou aos lábios.
A camará municipal de Guimarães, em
sessão de 5 de maio de 1881, como testemu-
nho dos serviços prestados pelo incansável
Ferreira Caldas, deu a uma das novas ruas
de Vizella o nome do benemérito cidadão.
Em um artigo sobre a exposição indus-
trial Guimarães, publicado no Jornal do
Commercio, lê-se o seguinte, que é a confir-
mação do que levamos dito: «A existência
da Companhia e dos novos estabelecimen-
tos deve-se á união de esforços de muitos
cidadãos vimaranenses, mas distíngue-se en-
tre todos, pelo trabalho e até pelo sacrificio,
o prestimoso cidadão Antonio Ferreira Cal-
das. >
Pôde afiBrmar-se,sem receio do errar, que
à devoção de Ferreira Caldas pelos melho-
ramentos de Vizella, desde 1869, se devem
os novos estabelecimentos.» (Relatório da
Exposição, pag. 249).
Antonio Pereira da Silva Caldas, filho de
Antonio Pereira da Silva e D. Maria José Al-
ves, nasceu a 4 de fevereiro de 1828.
Cursou preparatórios em Coimbra, matri-
culando-se depois nas faculdades de mathe-
matica e philosophia, mas não chegou a
concluir o curso.
Depois matriculou-se na escola medico-
cirurgica do Porto, mas a nostalgia da pá-
tria não o deixava viver longe de Vizella.
Recolhido de vez á sua terra natal, entre-
gou-se ás doçuras da familia e á educação
dos filhos, que o honram.
É actualmente professor da escola prima-
ria na freguezia de S. Miguel, como em ou-
tro lugar disemos, e acerca das suas func-
çòes escolares eis aqui o que se lê no sema-
nário lisbonense A Federação, vol. vu. n.» 1,
de 11 d'abril de 1863, n'um artigo intitula-
do a Instrucção primaria em Portugal. «O
professor do logar da Lameira, freguezia de
VIZ
VIZ 1947
S. Miguel, concelho de Guimarães, lecciona
os discípulos, durante o inverno, em uma
casa que lhe emprestam para esse fim; mas,
durante o verão, n'um quintal, debaixo de
uma ramada, porque a casa é alugada aos
banhistas. No entanto este ó um dos bons
professores do districto, que cumpre exacta-
mente o regulamento escolar. Ensina e ex-
plica o sysiema métrico, e fiscalisa escru-
pulosamente a frequência, que regula por
35 a 40 alumnos, de 63 que estão matricu-
lados, 51 do sexo masculino e 12 do sexo
feminino.
Estes bons serviços, que todos louvam, só
a junta de parochia e a camará municipal
desconsideram, pois que ainda não presta-
ram casa e mobilia para a escola d'este pro-
fessor, que tão dignamente exerce o magis-
tério.!
De vez em quando o distincto professor
envia escriptos para diversos jornaes. Assim
no Murmúrio, n.» 12, de 15 de junho de
1856, folha mensal bracarense, encontra- se
um cora o titulo: A lingm hespanhola e os
autores que mais a aperfeiçoaram. Ê um
artigo interessante. Na Borboleta, jornal bra-
carense, n." 841 de 1876, escreveu: Áppari-
ção de uma Hóstia no Cea em Braga em 1640.
No n.» 10 de 15 do mesmo mez escreveu:
Conspiradores portuguezes em 1640, etc, ele.
O artigo publicado, no numero 8 da Bor-
boleta foi impresso em fascículo, de que ape-
nas se fez tiragem de poucos exemplares
em cartão. É o titulo: «Silva- Caldas, Appari-
ção d'uma Hóstia no Céo em Braga em 1640.»
—Braga, imprensa commercial, 1879, 8.» gr.
com 6 pag. innumeradas.
Antonio Raphael Dias Pereira de Freitas.
filho de Manoel Dias Pereira de Freitas e D-
Guilhermina Cândida Dias Pereira de Frei-
tas, nasceu a 15 de fevereiro de 1849.
A vida commercial a que se destinava no
Brazil não lhe roubou a vocação que tinha
para as lettras.
No Rio de Janeiro redigiu um periódico O
Povo e publicou dois bellos romances Am-
brosina e Honra d'um caixeiro.
A morte surprehendeu ha pouco este nos-
so benemérito compatriota, colhendo-o en-
tregue ás lides litterarias. Dava a ultima de- '
mão a um volume de versos. E litou três
das obras de seu irmão Domingos, de quem
adiante nos occuparemos.
Uma saudade á memoria do desditoso
maii'ebo.
Armindo de Freitas Ribeiro de Faria, fi-
lho de Joaquim de Freitas Ribeiro de Faria,
nascido em 1866. Ê quintanista da escola
medica do Porto.
Avelino Antonio Gaitado, filho de Joaquim
Antonio Callado e Joaquina Salgado, nas»
ceu a 4 de junho de 1859. Dirigido por seu
pae, tornou-se um artista de nome, e, como
seu cunhado Alfredo, de quem já se fallou,
fabrica espingardas de todas as espécies e os
utensílios indispensáveis para o seu traba-
lho.
Não pôde acabar opportunamente uma
espingarda para carga por tres systemas»
que destinava á Exposição Industrial de
Guimarães em 1884, onde por certo seria
devidamente apreciada como invento cu-
rioso.
Este artista actualmente dirige a ofiScína
que foi de seu pae, e concerta quaesquer
artefactos de serralheria, por mais com-
plicados que sejam.
Bráulio Lauro Pereira da Silva Caldas^
filho de Antonio Pereira da Silva Caldas e
D. Francisca Emilia Pereira da Cunha.
É bacharel formado em theologia e ba>
charel em direito.
Tem publicado em differentes jornaes
muitos artigos e muitas poesias que lhe
hão grangeado o credito de esperançoso
poeta.
No anuo de 1885 escreveu e fez impri-
mir Bouquet de Sonetilhos, que offereceu á
commissão vimaranense promotora de soc-
corros para as victimas da Andaluzia, mi.
mo que foi avidamente procurado.
E' sócio correspondente da Sociedade de
Geographia de Lisboa.
No mesmo anno de ,1885, por iniciativa
soa e de seu primo Abel, de quem já se fal*
lou, imprimiu-se em Guimarães uma folha
única— Bazar, em beneficio da confraria do
Senhor da Boa- -Morte, da freguezia de S.
Miguel.
1948 yiz
VIZ
E' redactor da Alvorada, jornal litterario
bracharense, etc.
Domingos Maria Pereira Dias de Freitas,
filho de Manuel Dias Pereira de Freitas e
D. Guilhermina Cândida Dias Pereira de
Freitas nasceu a 10 de fevereiro de Í852.
Cursou preparatórios no lyceu de Braga,
entregando-se conjuntamente à vida jorna-
lística.
As columnas do antigo Bracharense rece-
beram suas primícias litterarias e nos ulti-
mes tres annos d'este jornal foi um dos seus
redactores.
Durante 15 annos nunca deixou de es-
crever para os jornaes, dirigindo e redigin-
do em Braga, o Jornal Académico, Diário
do Minho, Commercio do Minho e Borbo-
leta. D'este formoso hebdomadario de litte-
ratura existem publicados tres volumes.
Collaborou também assiduamente na Ata-
laia do Vez (Arcos) e no Imparcial (Guima-
rães), ete.
Em todos estes jornaes publicou poesias
e pequenos, mas bellos romances, sendo
para lastimar que não estejam colleeciona-
dos.
Collaborou também nos jornaes religio-
sos de Braga: União Catholica e Semana
Religiosa Bracharense. N'este ultimo publi-
cou, anonyma, entre outros trabalhos, a ver-
são da magnifica obra de Jorge Romain —
VEglise catholique—Vniquepuissance tole-
rante et libérale, começando a publicação no
nfi 117 de 17 d'agosto de 1877 e terminan-
do no n.« 166 de julho de 1878.
Tem publicado:
Premidas, 1 vol. Arcos, 1870.
Inspirações do Vizella, l vol. Porto, 1871.
Goivos, (romance) principiado a publicar
sob pseudonymo no Commercio do Minho
e editado por seu irmão Antonio, no Rio de
Janeiro, 1877.
Rosinha (romance). Idem, 1880.
Solidões (opúsculo). Idem, 1880.
Suspiros de Santo Agostinho {wersã.o) Coim-
bra, 1884.
É sócio correspondente da Real Associa-
ção dos Architectos e Archeologos Portu-
guezes, sócio ordinário da Sociedade de
• GeographiaCommercial do Porto e sócio be-
nemérito da Associação Penafidelense de
Inslrucção.
Exerceu durante o anuo de 1884 e 188S o
magistério no collegio da Formiga e actual-
mente reside em Braga entregue ás lides
jornalísticas, havendo durante a sua perma-
nência na Formiga traduzido os primeiros
fascículos do Anno Chrislão de João Cros-
set, que foi editado no Porto por Antonio
Dourado.
lllidio Floro Pereira de Freitas, filho de
José de Freitas e Oliveira e D. Cecília Rosa
da Silva Pereira, nasceu a 22 de dezembro
de 1846.
Depois de cursar os preparatórios em
Braga, matriculou-se na academia polyte-
chnica do Porto e depois na escola medico-
cirurgica da mesma cidade, concluindo os
seus trabalhos escolares em julho de 1869 e
havendo sido premiado. A sua these final
tem por título Da hydrotherapia e suas ap-
plicações therapeuticas. Porto, 1869, 4.» gr.
Despachado em 1869 facultativo naval de
2.* classe, embarcou na canhoneira D. Maria
Anna, indo para Moçambique, onde cuidou
dos inflccionados do cholera que por 3 ve-
zes ali se manisftístou e^ voltando à pátria em
1873, valeu a muitos atacados de varíola,
que então griissou intensamente em Vizella.
Publicou diversas poesias e alguns trabalhos
scientificos em jornaes, almanachs e revis-
tas htterarias.
Despachado em novembro de 1873 facul-
tativo de classe, embarcou nohyate ilía-
rinha Grande e falleceu a dois dias de via-
gem de Caeheu, em 2 de julho de 1874.
Joaquim Antonio Callado, filho de Ray-
mundo Antonio Callado e Joanna Mendes,
nasceu a 6 de janeiro de 1822 e falleceu a
6 de março de 1880.
Deixou grande renome como espingardei-
ro e fogueteiro.
Manoel Ribeiro de Castro, filho de Fran-
cisco José Ribeiro e Antónia Luiza, nasceu
a 10 de dezembro de 1807. Présbjtero
ordenado em Lisboa, nunca fez uso de
m
suas ordens e é proprietário da fabrica de
papel das Caldas, de que em outro lugar
DOS occupamos.
Paulino Antonio Callado, filho de Joaquim
Antonio Caliado e Joaquina Salgado. Entre-
gou-se no Brazil á especialidade da e»pm-
garderia, que è o património dos seus, — e
falleceu haverá 10 annos.
Pedro Vaz Cirne de Sousa, fllho do morga-
do de Gominhães, Manoel Cirne Pereira, e
de sua esposa D. Antónia de Sousa Alcofo-
rado. Embora nascesse em Guimarães, tem
cabimento aqui, porque a sua casa solar era
na freguezia de S. João e aqui residiu gran-
de parte do tempo.
Casou este illustre fidalgo com D. Antó-
nia de Madureira e, depois de assegurar a
descendência de sua nobre casa, fallecendo
sua mulher, fez- se cavalleiro da Ordem de
S. João.
Mandou construir a capella da sua casa,
como em outro logar diremos, e legou às le-
tras duaâ obras, uma das quaes (a seguil-
da), diz o nosso bibliographo Innocencio,
é muito rara. Foram ellas: — Relação do
que fez a villa de Guimarães no tempo da
felice acdamação de sua magestade até o mez
de outubro 'de 1641. — Relação do que tem
obrado Rodrigo Pereira de Souto Maior, ca-
pitão e alcaide-mór da villa de Caminha, etc.
Roque Francisco.
Este notável ourives e escriptor nasceu
a 16 d'agosto de 1659, sendo seus paes
Domingos Francisco e Isabel Fernandes.
Foi baptisado na egreja da S. Miguel.
Transcrevamos o que na folha única, Jn-
dustria Vimaranense, publicada por occasião'
da Exposição industrial de Guimarães em
i884, se lé e que é devido á penna do nos-
so chorado amigo José Caldas (que tinha
sangue de Vizella, pois seu pae, Antonio
José Ferreira Caldas, de quem já se fallou,
é d'aqui natural). tRoquo Francisco, descan-
çindo radiante sobre um plinto de metaes
preciosos e encimando^he a fronte as asas
úo génio, com ellas voa a paizes extranhos,
onde fôra recebido com summo respeito e
VOLUME XI
VIZ 1949
veneração profunda, como primeiro eunieo
aquilatador do ouro e prata, até então conhe-
cido. É ainda o vimaranense^ ennobrecido
com o encargo honrosissimo de ensaiador-
mór das casas da moeda nos reinos de Por-
tugal, t
Publicou o nosso vizellense: Verdadeiro
resumo do valor do ouro e da prata, obra
pouco vulgar, segundo afflrma Innocencio,
e teve 3 edições ;— 1694, 1739 e 1757.
Thomaz Antonio Callado, filho de Joa-
quim Antonio Callado.
Vive no Brazil, onde exerce e arte de es-
pingardeiro—com tal proficiência, que uma
fabrica belga o premiou por uma espingar-
da que elle fez.
José Joaqhim da Silva Pereira Caldas.
Deixámos para coroa e remate d'este tópico
o mais illustre filho de Vizella.
Nasceu na freguezia de S. Migael a 26 de
janeiro de 1818, sendo seus paes Antonio
Pereira da Silva e D. Maria José Alvares.
Em Guimarães e arrabaldes fez os seus pri-
meiros estudos, tendo por professor de la-
tim o padre mestre José Antonio Ferreira,
parocho de Polvoreira (entre Vizella e Gui-
marães), que foi também mestre de todos
os que n'aquelle tempo e n'este3 contornos
se dedicaram ás lettras.
Pereira Caldas tornou-se muito notável
entre os seus condiscípulos. A alguns d'e8-
tes ouvimos dizer que elle decorara o dic-
cionario lalinol . . .
Matrieulando-se na Universidade, foi pre-
miado nas faculdades de mathematica, phi-
losophia e medicina, que frequentou, toman-
do o grau de bacharel.
O distincto professor de mathematica, phi-
losophia e inlroducção é sócio honorário de
varias sociedades, academias e institutos,
sócio correspondente d'outras associações
1 Vizella como j á dissemos pertence ao
concelho de Guimarães.
123
1950 VIZ
VIZ
do reino, Açores, da Academia Real das
Scieocias, etc.
A sua biographia extensamente escripta
eo longo cathalogo de suas obras encontram-
se no Diccionario de Innoceneio, tomo 4.»
pag. 395, onde oecupam 19 paginas.—e no
tomo 13.» pag. 42,— não estando ainda todas
mencionadas, porque depois escreveu al-
gumas outras.
Das suas obras mencionaremos aqui so-
mente as que dizem respeito a Vizella:'
Noticia d'uma escavação archeologica nas
Caldas de Vizella,— Revista Universal Lisbo-
nense, tomo 4.» pag. 557, e Periódico dos Po-
bres do Porto, n.» 107 de 1845.
Esboço topographico das Caldas de Vizella,
— Jornal da Sociedade Pharmaceutica Lusi-
tana serie 2.% tomo 4." pag. 318 a 355.
Noticia archeologica das Caldas de Vizella,
Braga, 1858. ^
Indiculo genérico das tdrtums curativas
das aguas sulphurosas das Caldas de Vizella,
Braga, 1854.
Noticia resumida das Caldas de Vizella,
Panorama, tomo 11, 1854, n." 32.
Vindicação da prioridade do fabrico de pa-
pel com massa de madeira, como descoberta
portugueza, sendo o seu fabrico intentado no
principio d'este século nas Caldas de Vizella,
etc. Braga, 1867.
Caldas de Vizella, artigo publicado em ju-
lho de 1885 na folha única Bazar, a que já
nos referimos.
Noticia histórica sobre a espingarderia vi-
zellense, com indicações geraes sobre a es-
pingarderia portugueza, Braga, 1885, 8.» gr.
de 25 pag, Tiragem—SO exemplares para
brindes.
Não podemos ver ainda esta obra e por
isso não podemos dizer se é á mesma, como '
suppomos, que foi inserta no Relatório da
Exposição industrial de Guimarães em 1884,
pag. 55 e seguintes, a que o erudito pro-
fessor deu o titulo: Noticia summaria (Es-
pingarderia).
D'e8te ultimo artigo extrahimos, quasi
textualmente, os dados relativos a alguns
artistas vizellenses.
A estes escriptos especiaes podem ajun-
tar se ainda do mesmo auctor, como attí- j
nentes ao mesmo assumpto, em trechos ac-
cideniaes, os seus tres escriptos seguintes:
* Apontamentos genéricos sobre os objectos
mais notáveis do districto de Braga e dignos
d'attrahir a attenção de SS. MM. e AA, na
sua visita pelo mesmo districto em 1852.»
Braga, 1852, folio oblongo.
«Noticia topographica das Caldas das Tai-
pas no concelho de Guimarães» Braga, 1854
8" gr.
Noções therapeuticas solrre o uso das aguas
sulphurosas, Porto, 1852, 16.» gr.
O dislincto professor Pereira Caldas é de
per si sufiflciente para nobilitar não só a pe-
quena povoação de Vizella, mas todo o con-
celho a que ella pertence, como está nobili-
tando a própria capital do districto.
Ditosa pátria que tal filho tevel . . .
Alem de ser um sábio profundo e distin-
cto escriptor, é muito patriota, como provam
OÈ escriptos supra, dedicados a Vizella — e
duiros muitos dedicados a Luiz de Camões
e ao seu inimitável poema— os Lusíadas.
É também s. ex.« muito notável bibliophilo
e bibliographo, e possue a melhor livraria
particular que temos hoje ao norte do nosso
paiz?! ... * .
Talvez seja melhor de que a grande livra-
ria que deixou o conde d^Azevedo, no Por-
to, e que ó hoje do sr. conde de Samodães,*
— notando -se que o fallecido conde de Aze-
vedo dispunha de grande fortuna, em quan-
to que o sr. Pereira Caldas não tem fortuna
própria. Vive do seu modesto ordenado de
professor.
Ê uma livraria muito numerosa e muito
escolhida. Tem exemplares raríssimos,— ver-
dadeiras preciosidades bibliographicas! E
tão patriota é o venerando ancião, que já
oíTereceu á camará de Braga a sua precio-
sa livraria, apenas com duas condições: — 1.*
tel a em ediíicio próprio;— 2.» dar uma pe-
1 V. Porto, vol. 7.» pag. 499, col. 2.» in
principio.
YIZ
qaeoã peoção annual ao benemérito doador;
mas a dieta camará — vergonha eternal— re-
cnsou e não acceitou a doaçãofl . . .
Note-se também que o sr. dr. Pereira Cal-
das 6 viuvo e não tem suecessão, porque
falleceu ha poucos annos e solteira a sua fi-
lha única, também mmtú illustradal
O venerando ancião vive pois só, entreti-
do a ler e manusear os seus livros, que por
serem muitos e a casa não grande, (amda
assim tem 3 andares) a cobrem e revestem
interiormente ioda,— salas, quartos, escadas,
corredores, etc.
Ao muito rev. e muito illustrado sr. João j
Gromes d'01iveira Guimarães, que foi paro-
cho de Mascotellos e hoje é abbade de Ta-
gilde, a pequena distancia do Vizella, agra-
deço os apontamentos que se dignou enviar-
me.
Y. Vicente de Mascotellos (S.) tomo 10.»
pag.S56, col. 1.» esegg.
> VIZELLA — fSanto Adrião), freguezia do
concelho e comarca de Felgueiras, districto
e diocese do Porto, província do Douro. Ora-
go Santo Adrião, martyr, de quem faz men-
ção o Breviário Romano a 8 de setembro.
Tem 139 fogos. A chorographia do padre Car-
valho deu -lhe 80.
Era abbadia da mitra e tinha annexa a
freguezia de S. Jorge de Vizella, onde apre-
sentava o vigário; e não eram duas fregue-
zias unidas, curadas por um só parocho^ co-
mo diz o Port. sacro ■profano.
Pertencia ao antigo termo de Guimarães;
depois ao extincto concelho de Barrosas, e
desde 1853 a Felgueiras. Até 1882 foi do ar-
cebispado de Braga, passando então pela no-
va circumscripção para o Porto, e pertence
ao vicariato da vara do 2.» districto d'Ama-
rante.
É limitada a Norte pelas freguezias de Ta-
gilde e S. Miguel das Caldas de Vizella; Sul
pelas de Bavinhade e Santa Eulália de Bar-
rosas; Nascente pela de Santa Combil de
Regilde; Poente pela de S. João das Caldas
de Vizella. Entre as aldeias e casaes que a
compõem são mais povoados os seguintes:
Monte da Santa, Alfeixim e Cruz.
Está quasi toda na margem esquerda do
VIZ 1951
rio Vizella, tendo apenas um pequeno logar
na direita, Lagoas, que é alternadamente
d'esta freguezia e da de S. Miguel das Cal-
das de Vizella, isto só ecclesiasticamente»
anomalia que a ultima circumscripção bem
podia terminar.
Dista 11 kilometros de Felgueiras, 5 de^
Barrosas e 2 de Vizella.
Deve esta freguezia ser atravessada pelâ
estrada districtal em projecto, de Felgueiras
a Vizella, que passará no adro da egreja pa-
rochial, e poucos metros antes d'elle partirá
um ramal para a Ponte Nova de Tagilde,
sobre o Vizella.
j A egreja matriz é um templo antiquíssimo
e sagrado, talvez anterior ao século xi e,
apesar d'algumas reconstrueçòes, ainda cla-
ramente demonstra a sua muita antigui-
dade. A chorographia de Carvalho diz que
por uns algarismos, que estão em uma pe-
dra nas costas da egreja, seria sagrada em
1262. Não encontramos tal daia, mas na pia
baptismal vé se a seguinte: f. 1110 a. Sen-
do exacta esta era, que supponho ser de Ce-
sar, a pia accusa o anno de 1072. Na parte
externa da pia, inferiormente e como segu-
rando-a, encontram-se umas figuras em
alto relevo de anjos ou o que quer que seja,
uma das quaes é singular pela sua posição
pouco decente.
Não podem examinar-se todas as figuras,
porque parte da pia está metlida na pa-
rede.
Tem a egreja 4 altares: Mór, Nossa Se-
nhora do Rosario, Trindade e Almas. N'es-
te ultimo vé-se um retábulo, cuja pintura
me parece d'algum merecimento e como tal
tem sido appreciada pelos touristes que na
epocha balnear visitam esta egreja.
Acha-se erecta unicamente a confraria do
Santíssimo Sacramento, havendo antiga-
mente outras que se extinguiram, como a
do Rosario, S. Sebastião^ Santo Antonio, etc.
Em veneração ha unicamente a capella
de Nossa Senhora da Tocha,^ também outr'ora
1 Tem o mesmo titulo a capella real de
Madrid extra muros e que foi egreja dos
frades dominicanos.
1952 VIZ
chamada Nossa Senhora do Castro ou CraS'
to (de que adiante fallaremos) e a de S.
Cláudio, (vulgarmente S. Crau), no logar de
Lagoas, e que pertence a Manoel Dias de Car-
valho. Foi esta capella construída em 1751
como se vê da inscripção gravada na pa.'
dieira: Francisco d' Araujo m. fazer era
1151.
Houve antigamente muitas outras, d'algu-
mas das quaes nem vestígios já restam, mas
d'ellas se faz menção no livro do Registro
dos Visitadores; foram:
S. Gonçalo, em terreno dos passaes, insti-
tituida pelo abbade dr. Gonçalo da Silva.
Desde muito profanada, foi ultimamente des-
truída e no seu lugar e com a sua pedra se
fez uma casa de habitação.
Santa Cruz, edificada por Manoel Teixei-
ra, da qual era administrador em 1742 Ben-
to Teixeira Borges.
Nossa Senhora, no logar do Casal, limites
de Regilde, a qual existia em 1761.
A da casa nobre de Lamellas, que ainda es-
tá de pé, mas servindo de palheiro, e cuja
invocação não pude descobrir.
A da casa nobre do Paço Velho, de que ape-
nas restam, bem como do Paço, uma vaga
tradição e algumas pedras dispersas.
A nobre casa de Lamellas, grandiosa con-
strucção apalaçada, demora um pouco abai-
xo da residência parochial, junto ao rio Vi-
zella.
Esta rica propriedade foi em 1549 em-
prasada por Aleixo de Freitas, abbade d'es-
ta fregueziá, por um pequeno fôro, a seu ir-
mão Alvaro de Freitas, nobre fidalgo de
Guimarães, e conservada na sua família até
que nos principies d'este século, por com-
pra, herança ou doação, passou para os Na-
varros de Guimarães, sendo seu ultimo pos-
suidor Jeronymo Vaz Vieira de Mello Al-
vim e Nápoles, pelo seu casamento com D
Maria Antónia Navarro, por morte do qual
foi vendida, em 1885, com as demais proprie-
dades e casas.
D'esta familia era também pertença o pa-
lacete de Guimarães, denominado g das La- '
m
I mellas, sito na rua do mesmo nome e onde
actualmente se acham installadas as repar-
tições publicas.
Este palacete era cabeça do morgadio das
Lamellas, instituído pelo dr. Rui Gomes
Golias, filho de Ambrósio Vaz Golias e Ignez
de Guimarães, abbade de Villa Nova de San-
de e mestre escola da collegiada de Guima-
rães, provido n'esta dignidade em 7 d'abril
de 1629, havendo permutado a abbadia pela
dignidade com seu irmão o dr. Sebastião
Vaz Golias.
Nomeou o morgado em seu sobrinho o
dr. João dos Guimarães, procurador ás cor-
tes em 1643, embaixador á Suécia e Hol-
landa, moço fidalgo, commendador de S.
Miguel de Caparosa, no bispado de Viseu,
que era da Ordem de Chrislo; da Mesa da
Consciência e dos Aggravos, ete. Casou este
com D. Maria de Mello, que ficando viuva e
sem filhos, melleu-se freira em Santa Clara
de Guimarães.
O morgado passou aos irmãos do dr. João
dos Guimarães, Ambrósio Vaz Golias, abba-
de de S. Pedro d'Abragão, concelho de Pe-
nafiel, e a D. Ignez, D. Catharina, D. Maria
e outras, freiras no mosteiro de Vairão, os
quaes o nomearam em seu parente:
Antonio Peixoto de Miranda, senhor e
possuidor da quinta da Lamella d'estã fre-
gueziá, pela doação feita em 23 de novena-
bro de 1670, dando áquelles, para o escolhe-
rem entre os demais parentes, 8 mil crusa-
dos: 4 para os doadores e 4 para accrescen-
tamento do morgado, conforme a instituição.
A este sueeedeu seu filho:
Antonio Peixoto de Miranda, casado com
D. Mafalda Luiza Leite d' Azevedo. A este
seu filho:
Manoel Peixoto de Miranda Golias dos Gui-
marães. Morreu solteiro^ nomeando o mor-
gado em seu parente:
Fernarjído da Costa de Mesquita, que falle-
ceu sem tomar estado e o nomeou em
F. . . sua irmã.
Houve então varias demandas entre a ca-
sa de Porcados e a do Tanque sobre a suc-
cessão do morgado, vencendo a casa do Tan-
que, que em 1829 se achava de posse d'elle,
como pôde vér-se no jornal Correio do Porto,
VIZ
VIZ 1953
n.° 92, de 1829, sendo administrador Aoto-
nio de Vasconcellos Leite Pereira d'Abreu
de Lima Abraldes Oca e Novaes, que foi, ao
que parece, o que vendeu as propriedades
aos Navarros.
A nobre casa do Paço Velho, à quai era
foreíra quasi toda a freguezia, ha muito que
não existe. Algumas pedras dispersas, que
hão sido aproveitadas por alguns morado»
res, nos dão a conhecer sua antiga opulên-
cia.
É tradição que um possuidor d'esie Paço,
conde d'Almada(?) por um crime de bestia-
lidade em que encontrou sua esposa na pró-
pria casa nobre, fez arrasar o palácio, cas-
tigou gravemente a criminosa e cúmplice
(um cavallol) e se retirou para a capital.
Que haverá de verdade em tudo isto?
Carvalho na sua Chorographia diz que
esta quinta produz boas fructas e admira»
veis pecegos.
A melhor casa de habitação d'esta fre-
guezia é a da Quinta, pertencente à ex.'"
sr.» D. Joanna Lopes Martins Brandão, que
n'ella reside.
O Vizella, que passa n'esta freguezia,
serve de motor a diversas azenhas, empre-
gadas na moagem de cereaes. Também íina-
lisa n'esta parochia, dístribuindo-se pelos
campos, o regato de Barusude, que divide
esta parochia da de Regilde e que ha annos,
cerca de 30, ficou memorável pelos grandes
estragos que a sua corrente causou por oc-
casião de uma grande tempestade, levando
d'envolta duas pobres mulheres, que dias de-
pois se encontraram mortas no Vizella
As produeçõôs d'esta freguezia são espe-
cialmente milho, centeio e vinho verde, mas
este não prima pela qualidade. Também me-
rece menção a manufactura de aguardente
pela queima do bagaço, pois com difiQculda-
de se encontra um proprietário que não pos-
sua um ou dois alambiques.
Entre as pessoas notáveis d'esta freguezia
oecorrem-nos as seguintes:
João Gouveia da Rocha, (ilho de Pedro Vaz
de Gouveia e de Isabel da Rocha. Foi eleito
collegial do Real CoUegio de S. Paulo de
Coimbra, sendo já lente de Instituta, em o e
tomou posse a 9 de junho de 1660, sendo
reitor o dr. D. Luiz de Sousa.
Regeu a cadeira de código; foi desembar-
gador da Relação do Porto e da Casa da
Supplicação e dos Aggravos, chanceller do
Porto e desembargador do Paço, etc.
Dr. Pedro da Rocha de Gouveia, irmão do
antecedente. Foi desembargador do Brazil e
da casa darSupplicação, cavalleíro da Ordem
de Christo, etc.
Francisco Xavier Camello. Era major em
1808.
Manoel Antonio da Silva Bravo. Foi capi-
tão de milícias e falleceu a 8 de fevereiro de
1822.
Actualmente vivem:
Padre Firmino Antonio da Silva iBravo^
fllho de Antonio Joaquim da Silva Bravo e
de D. Joaquina Peixoto, nascido a 1'2 de
maio de 1852, professor no coUegio de San-
ta Quitéria, concelho de Felgueiras.
Padre João da Rocha e Silva, natural de
Ravinhade, ex-encommendado de S. Paustí-
*
no de Vizella.
José Manoel Martins Camello. Tem sido
vereador da camará de Felgueiras repetidas
vezes e è um dos 40 maiores contribuintes
do concelho .
Ha uma escola offlcial do sexo masculino,
regida pelo professor José Eugénio Ferreira
Guimarães, que lecciona cerca de 40 alum-
nos. Data já de tempos afastados.
Os proprietários mais importantes, aqui
residentes, são: José Manuel Martins Camel-
lo, de que acima fallei, Manuel Joaquim
Pinto e Antonio Joaquim da Silva Bravo.
Conservam-se n'esta parochia tres objé-
1954 VIZ
VIZ
ctos dignos de apreciação e que muito hão
sido admirados pelos peritos, entre outros
pelo fallecido Marquez de Sousa Holestein.
dr. Martins Sarmento e cónego Alves Ma-
theus. São: um thuribulo de latão no es-
tylo gothieo, uma cruz processional do
século XVI e uma bacia de cobre, talvez
destinada para a cerimonia do Lavapedes,
que outr'ora, bem como as demais festivi-
dades da semana santa, aqui se celebra-
vam com bastante lusimeuto, como se de-
prehende dos livros das Visitas.
Ainda não tem cemitério parochial, achan-
do-se todavia já demarcado n uma esplana-
da, junto á Capella de Nossa Senhora da
Tocha.
Abbades. Sabemos dos seguintes:
Pedro de Freitat Peixoto o Velho, filho 3."
de Mendo ACfonso Peixoto e de sua mulher
D. Ignez Pires de Freitas. Foi casado com ;
D. Magdalena Fernandes d' Almeida, de quem
deixou descendência. Fallecendo sua mu-
lher, fez-se clérigo (1500?) e foi abbade
n'esta freguezia.
Aleixo de Freitas, 1548, mencionado su-
pra, no tópico da casa de Lamellas. Quan-
do em 1S49 se executou o breve, que au-
ctorisava o emprasamento da dita quinta e
de qne foi executor o D. Abbade de Pom-
beiro, D. Antonio de Mello^ era já fallecido
o abbade, todavia foi citado para dizef de
sua justiça e declarar se concordava!
Isto é facto e consta da própria escriptu-
ra de emprazamento, que o meu illustrado
informador leu.
Os abbades que se seguem constam d'uma
nota exarada no fim do livro dos Usos:
Dr. Gonçalo da Silva, que fez a capella de
S. Gonçalo, como já dissemos.
Salvador Lopes.
Jeronymo Lopes, irmão do antecedente.
Paulo Lopes da Rocha.
José de Moura Coutinho, natural de Lame-
go, fallecido a 12 de fevereiro de 1712.^
1 Era homonymo do sr. D José de Moura
Coutinho, penúltimo bispo de Lamego^ fal-
lecido em 1861. V. Telho.
Antonio Felgueiras de Lima, natural de
Vianna do Castello, depois cónego preben-
dado na Sé de Braga e governador do arce-
bispado no tempo de D. Rodrigo de Moura
Telles. Foi abbade 3 annos.
Verissimo Ferreira Marques, natural de
Braga; tomou posse a 8 de dezembro de
1715 e renunciou era 1732.
Ignacio Unrqms Ferreira^ irmão do ante"
cedente. Tomou posse a 3 de maio de 1732.
José Monteiro Vaz.
Antonio Fernando Pereira Pinto d' Aze-
vedo.
Antonio 'José Monteiro, renunciou no se-
guinte:
José Peixoto Monteiro, fallecido a 12 d'a-
gosto de 1818.
Luiz Vicente de Barros e Castro. Tomou
posse em dezembro de 1818 e morreu em
11 de maio de 1820. Era natural de Santa
Maria de Passos, concelho de Sabrosa, e foi
desembargador da Relação ecclesiaslica de
Braga.
João Evaristo Dias da Costa, foi secreta-
rio do ex.»» D. Fr. Miguel da Madre Deus,
arcebispo de Braga. Renunciou no seguinte:
Francisco Joaquim Cardoso, natural d'e8ta
freguezia, filho de José Custodio Cardoso e
D. Anna Maria Nogueira Camello. Nasceu a
30 de janeiro de 1801; foi abbade coadju-
ctor desde 1829 a 1830 e n'este anno abba-
de collado pela renuncia do anterior.
Esteve algum tempo ausente do beneficio
na occasião do scisma bracharense, sendo
aqui por essa epocha encommendado (in-
truso) Bernardo de Menezes Miranda Maga-
lhães. Entrando de novo o abbade Cardo-
so, aqui se conservou até á morte, 1882,
mas não trabalhava desde 1870, por se achar
paralítico e quasi cego.
José Pereira de Sousa, parocho encommen-
dado, naiural da freguezia de Salvador do
Campo, concelho de Barcellos, filho de Ma-
nuel Pereira de Sousa e Thereza Pinheiro.
Nasceu a 6 de novembro de 1840; ordenou-
se de presbytero a 22 de dezembro de 1866;
foi cerca de quatro annos capellão da no-
bre casa de Sá, na visinha freguezia de San-
ta Eulália de Barrosas, pertencente á dís-
tincta e maviosa poetisa do poético debate
VfZ
VIZ 1955
da Rosa branca e Rosa vermelha e dos Mur-
múrios do Vizella.
Bento José da Silva Bravo, natural d'efila
fregaezia, fílho de âdIodío Joaquim da Sil-
va Bravo e D. Joaquina Peixoto. Foi paro-
cho eDcomaieD.dado até 1885 e actualmente
é abbade de S. João Baptista de Codeços,
concelho de Paços de Ferreira.
Francisco Maciel da Costa, actual abbade.
Foi apresentado em 3 de fevereiro de 1885,
tomando posse em 1886. Era prior de San-
ta Maria de Carvoeiro, concelho de Vianna
do Castello.
Westa freguezia, em uma elevação pouco
distante da egreja parochial, existe uma Ca-
pella sob a invocação de Nossa Senhora da
Tocha, no sitio onde outr'ora esteve uma
povoação pre-romana, um Castro, como in-
dicam numerosos vestígios que ainda hoje
ali se vêem.
A lenda de Santa Capelliida, imagem que
se encontra na dita capella, advogada das
parturientes, tanto chrislãs como gentias e
mouras, é conservada viva entre todos os
moradores do Castro. Quando estavam em
vésperas d'alliviar-se, as mouras apegavam-
se com a santa, clamando; Santa Capelluda
me valha\ Santa Capelluda me valhal mas li-
vres do susto, punham -se a varrer a casa»
gritando: Capelluda fora! Capelluda fóral
Uma moura vive encantada na capella e
tem sido vista por mais d'uma vez sob a fi-
gura d'uma cobra amarella, — diz a lenda.
Uma pedra branca, disputada por dois la-
vradores para os seus trabalhos de gradar
a terra, atirada ao Vizella transformou se
n'uma rapariga, que foi salva pelos coiKen-
dores.— Santa gentef . . .
A Senhora da Tocha, hoje padroeira da
capella, é muito venerada pelos povos das
paroehias visinhas e mesmo de longas dis-
tancias.
Grande numero de clamores iam ali anti>
gamente e ainda hoje ali vão alguns de Fa-
fe, Paços de Ferreira, etc.
Junto à egreja, n'um degrau da escada
que sobe para um cômoro, onde se vé um
cruzeiro de curiosa esculptura, representan5
do o mysterio da Trindade e o marlyrio de
S. Sebastião, ha um cutelo em relevo. Se-
gundo a tradição é o alfange do ultimo rei
mouro 4ue governou o Castro, ou a espada
do general christão que expulsou do Cas-
tro 03 mouros.
Na parede da capella mór acha-se uma
ínscripção funerária que Hubner copiou
d'Argote e por isso incompleta e errada.
É ella, segundo o ex."» sr. Martins Sar-
mento:
D. M. s.
PROVINCIVS
NEBEVS. P. I.
PROVINCIALI
PROTIDI. CO
NIV61 KARISSI
MAE. AN. XXVI
Revista de Guimarães, n.* 4, de 1885.
Ao meu illustrado amigo e collega— João
Gomes d'01iveira Guimarães, abbade de Ta-
gilde, agradeço os apontamentos que se di-
gnou enviar-me.
VIZELLA (S. Faustino), freguezia do con-
celho e comarca de Guimarães, districto e
diocese de Braga, província do Minho, per-
tencendo até de 1882 ao arciprestado de
Barrosas e hoje ao de Guimarães, d'onde
dista 7 kilometros e 5 de Vizella, a cujo jul-
gado ordinário pertence.
Era abbadia da mitra, tendo annexa a vi-
gairaria de S. Cypriano de Taboadello, cujo
vigário apresentava.!
Tem actualmente 80 fogos. O padre Car-
valho na Qhorographia dá-lhe 50. O Portu-
gal sacro-profano mencionou a sob o titulo
Riba de Vizella e deu-lhe 16 fogos em 1768-
Não vem mencionada hm Memorias resusci-
1 V. Cima-Wizelh, tomo 2.» pag. 300. col.
1,»— e seja-nos licito desenvolver um pôueo
mais tão microscópico artigo.
1956 VIZ
VIZ
tadas da Antiga Guimarães, do P. Torquato
Peixoto d'Azevedo, sem [duvida por esque-
cimento, facto que também se dá com a sua
aonexa.
O orago d'esta freguezia é S. Fautto e não
Faustino. Assim é nomeada em antigos do-
cumentos e nas ioquirições de 1220, era de
Cesar. Não sabemos quando lhe alteraram
o padroeiro. No tomlío feito em 1548 é ain-
da nomeado S. Fausto e em 1710 já era S.
Faustino. Esta mudança nos documentos of-
ficiaes e no vulgo não fez porem apear do
seu throno o verdadeiro titular da egreja,
pois a freguezia o venera a 13 d'outubro e
d'elle resam os paroehos e n'este dia effe-
etivamente no Breviário hespanhol se deve
encontrar, segundo uma nota no Livro dos
Usos d'e8la parochia. Se fôra S. Faustino, de-
via ser festejado a 15 de fevereiro, dia em
que o commemora o Breviário Romano.
Seu nome é citado no voluaie 8.», pag.
620; foi um dos nobres cavalleiros mariy-
risados em Saragoça com Santa Engrácia.
É limitada a norte pelas freguezias de
Pentieiros e Abbação (S. Christovam); Sul
pela de Tagilde; Nascente pelas de S. Paio
e Tagilde; Poente pelas de Tagilde e Taboa-
dello.
Das aldeias d'esta freguezia as mais po-
voadas são: Valborreiro e Outeiro ; — as
quintas principaes: Lamalide; Enlre as Vi-
nhas, de José Ribeiro: Vengada, de Fran-
cisco Diogo de Sousa Cyrne de Madureira,
do Poço das Patas, no Porto.
A Egreja matriz antigamente estava uifi
pouco mais abaixo e a nascente da actual.
E' um templo acanhado, cuja construc-
ção deve datar do século xvii e,nada tem
que a recommende, alem do altar mór e
da tribuna, que são de talhí, mas pouco
vasada, e que talvez já pertencesse á antiga
egreja. Alem do altar-mór tem mais dois al-
tares: Nossa Senhora das Dores e Nossa Se-
nhora das Candeias ou da Purificação. Este
ultimo tem uma irmandade própria já anti-
ga; é a única da freguezia; tendo estatutos
approvados em 1771. Estes 2 altares lateraes
foram feitos em 1806— e pintados em 1867.
Anteriormente serviam os da egreja ve-
lha.
Houve também n'esla freguezia 3 capei-
las:
Sanfo Antonio, particular. e antiga, per-
tencente à casa de Sub paço. Ainda existe,
mas profanada. Tinha uma grande ima-
gem de Nossa Senhora da Hora.
S. Pedro, publica. Os seus únicos vestígios
são algumas pedras dispersas.
S. Simão, publica, nos limites d'esta fre-
guezia com Pentieiros, cujos abbades tinham
n'ella jurisdieção. ílm 1548, quando se fez
o tombo, já ella estava em ruinas.
A «Chorographia Portugueza»dlz quen'e8-
ta parochia estava o Paço de Carvalhaes, de
que era senhor Manuel Barbosa Cabral, ca-
pitão-mór de Gestaçô; que era o solar d'es-
ta família e que tinha por armas: escudo
vermelho partido em pala, no. primeiro sem
carvalho verde, no segundo uma torre de
prata sobre um pé d'agua e por timbre a
torre com um ramo de carvalho em cima.
Parece que o padre Carvalho foi mal infor-
mado. No tempo em que elle escreveu não
existia aqui tal paço. Quer sem duvida re-
ferir -se a casa do Subpaço^ assim chamada
antes d'aquelle tempo, mas d'esta não era
senhor n'aquella occasião o referido capitão
mór. Dos Jivros da parochia consta o se-
guinte:
Pelos annos de 1700 era senhora d'esta
casa e quinta Maria Fernandes de Carvalho,
casaca com Manuel de Meirelles Leite, os
quaes não tendo filhos a deixaram a seu so-
brinho o licenciado João «Luiz Alvares Ri-
beiro de Carvalho, filho do irmão da possui-
dora, Manuel Fernandes de Carvalho, resi-
dente em Galão, próximo d'Amarante, o qual
licenciado veiu viver para esta casa; d'elle
foi filha, nascida a 27 de setembro de 1768»
Maria Joanna de Carvalho, que foi a senho-
ra da casa, e d'esta nasceu a 31 d'agosto de
1808 José Maria de Freitas, fallecido em
1888, deixando filhos.
Esta casa nobre tinha capella com a io-
VIZ
VIZ 1957
vocação de Santo Antonio, como já disse-
mos, devendo a capella ser construida pelo
meiado do secalo xviii ou antes, pois em
176S foi invocada Nossa Senliora da Hora,
como madrinha da já referida filha do li-
cenciado, e no respectivo assento se diz: foi
madrinha Nossa Senhora da Hora, sita na
sua capella de Subpaço. Também foi madri-
nha do actual possuidor que, apesar d'i3so,
deixou cabir no abandono a capella! . . .
Passa aqui um pequeno riacho anonymo,
que move durante algum tempo do anoo 6
moinhos.
Os parochianos mais importantes na actua-
lidade são: Francisco Lopes Leite de Faria
e Antonio Lopes Leite de Faria.
A matriz está collocada n'uma belia si-
tuação, especialmente a casa da residência.
Tem amplas e formosas vistas.
Era também outr'ora bastante rendoso
este beneficio, pelo que durante muitos an-
no8 foi como que património da nobre fa-
mília dos Coutos, de Guimarães, como se ve-
rá pela nota dos seus abbades, que abaixo
publicamos e de que podemos achar noticia
no arehivo parochial.
Vinham aqui a geito as expressões e cla-
mores, tantas vezes soltados pelo virtuoso e
sábio D. Fr. Caetano Brandão, mas. . . pro-
sigamos.
Abbades
Em 1548 era aqui abbade o venerável
Christovão Fernandes, rico de virtudes e de
sciencia. Fez o tombo d'estaegreja, bem co-
mo da de S. Cypriano de Taboadello, sua
annexa.
Desde 1700 contam-se os seguintes:
José de Moura. Deu á egreja um cruxifixo
de marfim, feito na índia. Está boja na ban-
queta do altar- mór.
Amaro José de Passos Leite. Fez parte da
celebre Academia Vimaranense fundada a 3
de dezembro de 1724, e n'ella exerceu o
cargo de secretario.
Diversas composições poéticas d'este eru-
dito abbade se encontram nos dois tomos do
Guimarães agradecido, que narra os feste
jos e academias celebradas em 1747 e 48
por occasião da permanência do arcebispo
D. José de Bragança «m Guimarães, sendo
de presumir que deixasse outras composi-
ções.
Aquellas são differentes romances herói'
cos, glosas e sonetos em homenagem ao ar-
cebispo.
João do Couto Ribeiro. O primeiro d'esta
familia.
Antonio do Couto Ribeiro d'Abreu.
Dr. Amaro do Couto Ribeiro.
José Maria do Couto Ribeiro d' Abreu. Este
no tempo do schisma esteve auzente, paro-
chiando então como encommendados (inte-
rinos) Manoel José Esteves da Gaia Queiroi
e Francisco José Rodrigues de Carvalho,
até 1841, data em que voltou o abbade.
Joaquim de Freitas Costa, encommendado.
Bacharel Prophirio Coelho de Sousa Leal-
Encommendado.
João da Rocha e Silva, ultime encommen-
dado.
Bernardino José Carneiro, abbade actual.
Colou-se em 26 da maio do corrente anno
de 1888 e tomou posse a 31 do dito mez.
Ha n'esta parochia um sitio denominado
Souto dos Mortos, que foi ontr'ora cemitério,
segundo diz a tradição.
Ao meu illustrado amigo e eollega— João
Gomes d'Oliveira Guimarães,* abbade de Ta-
gilde, agradeço os apontamentos que se di-
gnou enviar-rae.
VIZELLA (S. João Baptista das Caldas de)
Ao que fica dito a paginas 42 do tomo 2.*
addicionaremos o seguinte:
Esta egreja foi até 1553 abbadia da apre-
sentação do D. Prior da Collegiada de Gui-
marães, pasi^aodo então para a coroa pela
doação que fez o D. Prior, D. Gomes Affon-
1 V. Vicente de Mascotellos (S.) tomo 10.»
pag. 556, col. !.• e 2.« e Tagilde n'este dic-
cíonario e no supplemento.
Í958 m
VIZ
80, á iofaota D. Isabel, em recoDheeimeDto
dos bons serviços, que esta lhe bavia
prestado^ especialmeote para a nomeação
d'elle.
Chamava-se outr'ora 5. João de Gominhães,
nome sem duvida tomado da nobre casa e
Paço de Gominhães, silo n'esta freguezia. A
Corographia Port. deu lhe 70 fogos e o Porl.
Sacro e Profano 101.
É limitada a norte pela freguezia de S
Mguel das Caldas de Vizella; sul pela de
Santa Eulália de Barrosas; nascente pela de
Santo Adrião de Vizella e S. Miguel: poente
pelas de Villarinho e Moreira de Çonegos.
Tem actualmente 230 fogos e 980 habitan-
tes.
A egreja parochial, templo muito peque-
no para a freguezia, é sobretudo acanhadís-
simo na época balnear, pelo que se torna
urgente a construcção d'outro mais amplo.
Tem quatro altares: mór, Senhora do Rosa-
rio, Senhora das Dores e Coração de Maria.
Ha aqui uma irmandade de Nossa Senhora
do Bosano com breve de indulgência plená-
ria, concedido por Pio IX e visado pelo ar-
cebispo D. João Chrisostomo d'Amorim Pes-
soa em 16 de dezembro de 1875. Ha tam-
bém a confraria do Santíssimo Sacramento,
cuja festa se celebra com bastante pompa
no domingo immediato ao dia de S. João.
Os estatutos do Rosario foram approvados
em 21 de fevereiro de 1735 e os do Sacra-
mento em 13 de agosto do mesmo anno.
Além da capella do Paço, houve antiga-
mente junto á ponte velha uma outra, dedi-
cada a Nossa Senhora da Lapa, hoje profa-
nada e servindo de casa de habitação.
Os tres proprietários mais importantes
d'esta freguezia são os seguintes:
Joaquim de Freitas Ribeiro de Faria, viu-
va Coelho e Joaquim Pinto de Sousa e Cas-
tro. As tres melhores quintas : Cascalhei
ra, dos herdeiros do falleeido Chrislovam
José Fernandes da Silva, o Cidade, de Gui-
marães; Paço, de Francisco Diogo de Sousa
Cyrne de Madureira, do Porto; Villar, de D.
Albina Nelto.
Demora n'esta freguezia a nobre casa do
Paço de Gominhães, a qual antigamente foi
honra, coutada com parle do rio Vizella, por
D. João I e conãrmada por D. Duarte em 27
d'agosto de 1434.
A um Francisco Soares d 'Aragão conce-
deu D. Diniz para elle e descendentes, em 2
de setembro de 1317 (1279 de Christo) o fo-
ro de fidalgo de solar conhecido, com todas
as honras e jurisdicções d'e8les reinos, gra-
ça?, liberdades, privilégios, isenções e pre-
rogativas, que os príncipes e infantes costu-
mam gosar. E ainda que elle ou algum dos
seus descendentes praticasse crime ou vicio
de qualquer qualidade que fosse, não per-
deria por isso sua nobresa, nem fidalguia,
nem beos?l. . .
Esta carta de honra foi confirmada por
D. João 111 em 2 de março de 1534 a um
descendente d'aquelle, por nome também
Francisco Soares, que era almoxarife do
Porto e que foi senhor d'esta quinta.
Téve uma filha única e herdeira D. Phil-
lipa Brandão Soares, que casou com Manuel
Cirne da Silva, de quem foi 2.» mulher.
Succedeu na casa de Gominhães o filho
d'esles— Pfdro Vaz Soares Ciiite, que casou
com D. Maria Pereira.
A estes succedeu o filho Manoel Cirne
Soares, que casou com D. Antónia de Sousa.
A estes succedeu o filho Pedro Vaz Cirne
de Sousa, que vivia em 1640 e foi capitão-
mór de Guimarães, como já dissemos no ar-
tigo Vizella (Caldas de) tópico Vizellenses
illustres.
. Casou com D. Antónia Madureira; de- .
pois de. viuvo íez-se cavalleiro de S. João e
foi o que mandou fazer a capella da casa.
A este succedeu o úlho Antonio de Sousa
Cirne, que casou com D. Maria d'Azevedo.
Vivia em 1683, pois n'este anno, segundo
um manuscripto que examinei o que me pa-
rece ser da mesma penna que escreveu a
Antiga Guimarães, foi enviada contra este e
contra seu filho um alçada dobrada, presi-
dida pelo juiz Sebastião Rodrigues de Bar-
ros, desembargador dos aggravos e verea-
dor do senado de Lisboa, por constar que
VIZ
VIZ 1959
elles mandaram cortar as orelhas e o nariz
ao juiz do couto de Negrellosfl . . .
 este succederam por sua ordem os se-
guintes:
- Francisco de Sousa Cirnej casado com D.
Rosa Maria Madureira.
Francisco Diogo de Sousa Cirne Madureira,
casado.com D. Antónia de Sousa.
José Cirne de Sousa Madureira, casado
com D. Maria Victoria de Mello Sampaio.
Francisco de Sousa Cirne de Mello Alcofo-
rado, casado com D. Rita Soares d'Alberga-
ria.
Francisco Diogo de Sousa Cirne Madureira
Alcoforado.
Casou com D. Maria Isabel de Rourbon e
tiveram os 3 filhos seguintes:
Francisco de Sousa Cirne de Madu-
neira. Casou com D. Maria Anna Teixeira
d'Azevedo Cabral Canavarro, e tiveram fl-
Ihosj dos quaes existem tres:— Antonio d'A-
zevedo Cabral de Sousa Cirne, Maria Isabel
do Espirito Santo dd Sousa Cirne e José de
Sousa Cirne;
2. '— José Cirne de Sousa Madureira;
3. °— D. Maria da Purificação de Sousa Cir-
ne Madureira, já faliecida.
Casou com o dr. Manoel de Carvalho Re-
bello, filho primogénito da nobilíssima casa
do Poço, de Lamego, de cujo matrimonio
houveram 3 filhos: — Maria dos Prazeres,
Antonio e Francisco de Carvalho Rebeilo
Teixeira Cirne, sendo aquella hoje (1888)
casada com João de Rettencourt, filho do
visconde de Rettencourt, de cujo casamento
já existe uma filha— D. Maria dos Prazeres.
A casa do Poço das Patas pertenceu aos
filhos de Francisco de Sousa Cirne de Madu-
reira, os quaes a venderam aos Cardosoa»
donos do convento de Villar de Frades em
Rarcellos.
A casa e quinta do Poço das Patas, com-
prebendando os campos do Rey mão e os do
Prado do Repouso, pertenceram aos filhos
de Francisco de Sousa Cirne de Madurei •
ra, os quaes em 1882 venderam este sober*
bo prédio por noventa e cinco contos de reis
I aos Cardosos de Sacaes, donos do convento
6 cerca de Villar de Frades, em Rarcellos,
e da luxuosa casa e quinta de Sacaes, no
Porto, junto da casa e quinta do Poço das
Patas,— e pouco depois se formou um syn-
dicato para a construeção d'um bairro novo
na quinta que foi dos Cirnes, bairro que
está em começo.
V. Porto, tomo 7.» pag. 300, col. 1.»
Na casa e paço de Gominhães viveram em
1559, desde 18 de junho a fevereiro do auDO
seguinte, as freiras de Santa Clara de Gui-
marães, fugindo da peste que então ali gras-
sou. Fernão Manias de Sousa foi o que con-
seguiu que se desse esta quinta ás religiosas.
A Capella d'e9ta casa, de que já se falioa
no 2.» voi. d'e9te diceionario, pag. 42, col.
2'», artigo Caldas de Vizella,—eslàL em aban-
dono, mais ainda não profanada. Tem na
fronteria as armas da casa e a seguinte ins-
eri pção;
Esta Capella mãdou
fazer P. Vaz Cirne de Sousa
No meio do pavimento encontra-se tam-
bém gravada a seguinte inseripção, bastante
difficil de ler:
O Doutor Simão d ar." de Carneyro da
V.* de B."' deu o t." a esta capela e agra-
desido a esta casa mandou sepultar seus
hosos nela e quoatro misas cada som.*
obriga dizer a S. Marg.* Cam.'* Basto ditas
nesta cap.' anno 1664.
N'esta parochia foram abbades, entre ou-
tros de que não pude achar noticia, os se-
guintes:
D. Theoíonio de Bragança, filho do duque
D. Jayme, que em 1578 foi elevado a arce-
bispo d'Evora.
Antonio da Fonseca. Legou 200:000 réis
á junta de parochia (hoje) com a obrigação
de por sua alma se celebrar annualmente 1
1960 VIZ
VIZ
terno de missas do Natal e uma outra na
egreja de S. Domingos, de Guimarães.
Luiz Antonio de Sousa, encommendado
em 1797.
Antonio Manuel Pinheiro de Magalhães,
Francisco d' Araujo.
Domingos José Lopes. Encommendado no
tempo do schisma, acabado o qual voltou no*
vãmente o abbade Francisco d'Araujo
Antonio José Felix Gomes, parocho actual.
Nasceu na freguezia de S. Martinho d'E8-
pinho, concelho e diocese de Braga, e é Olho
de Francisco José Esteves e de D. Antónia
Maria Gomes- Nasceua 10 de janeiro de 1829;
ordenou-se de presbyiero em Braga e to-
mou posse d'estã egreja a 9 de setembro de
1855.
Esta freguezia era obrigada a cumprir 8
clamores, que hoje se fazem todos na egreja.
Espera-se o decreto auctorisando a expro-
priação do terreno para a construcçao do
cemitério, que deverá ser commum à fre-
guezia de S. Miguel das Caldas, se se resol-
verem as difficuldades que tem surgido.
Ao muito rev. e muito ilíustrado sr. João
Gomes d'Oliveira Guimarães, meu prestimo-
so amigo e collega, abbade de Tágilde e que
anteriormente foi reitor de Mascotellos, agra-
deço os apontamentos que se dignou en-
viar-me.
V. Mascotellos, tomo 5.»; Vicente de MaS'
cotellos (S.)tomo IO.» pag. 556, col. 1.» e 2.*
e Tagilde n'e8te diccionario e no supple-
mento.
VIZELLA (S. Jorge) — freguezia do con-
celho e comarca de Felgueiras, districto e
diocese do Porto, província do Douro. Tem
actualmente 64 fogos. O Portugal sacro e
profano deu-lheõO,— -e o censo de 1878 deu-
lhe 6o fogos e 240 habitantes.
Era outr'ora apresentada pelos abbades
de Santo Adrião de Vizella, que recebiam
os dízimos.
Pertenceu ao antigo termo de Guimarães
e ao arcebispado de Braga até 1882.
Esta freguezia encontra-se mencionada
I nas Inquirições de 1220 (1182 de Gh.). sob
o nome de S. Jurgio de Ripa- Vixella.
Tem entre outras as seguintes aldéas:
Cruzeiro, Bom-viver, Gozende (a mais po-
voada), Paredes, Nogueira, Sub-Vinha, Her-
dadinha. Casas Novas, Cella, Anções^ Pre-
zas e Assento.
A Egreja tem 3 altares e um antigo
quadro a oleo, representando o padroeiro,
—quadro de muito merecimento.
Houve n'esta freguezia uma capella de-
dicada a S. Thiago, hoje completameníe
arruinada.
O Vizella banha a extremidaJe d'esta
freguezia e ha no seu termo 5 moinhos e
duas azenhas para moagem de cereaes.
Parochos desde os princípios d'este sé-
culo: Antonio Luiz de Carvalho, Antonio
da Costa Mello, Joaquim José Dias, Domin-
gos José Ribeiro, Manoel Gonçalves de Cam-
pos, encommendado, e João Manoel Gon-
çalves até maio de 1888, sendo então an-
nexa ecciesiasticamente a de S. Martinho
de Penacova.
A lenda de S. Jorge, matando o dragão pa-
ra salvar a menina, é localisada n'esta fre-
guezia. tS. Jorge (dizia o meu cicerone), vi-
nha d'ali (apontando o cammho que vem
do lado do monte e por onde devem cor-
rer no inverno formidáveis enxurradas); a
menina estava acolá (apontava para o pe-
nedo das pégãdas). S. Jorge viu a menina a
chorar e perguntou-lhe o que tinha. Ella
respondeu-lhe que não tardaria a ser comi-
da por uma serpente. S. Jorge disse-lhe que
não tivesse cuidado; que viesse para a sua
beira; a menina veiu e depois veiu a ser-
pente d'alli (mostrando um regueirão do la-
do do monte), e S. Jorge atirou-se a ella
com o Cavallo e matou-a n'aquella pedra (o
penedo das pégadas.»
No adro da egreja, ao pé d'alguma8 tam-
pas de sepulturas antigas, appareceu uma das
celebres estatuas, que alguns chamam ^a^/f-
gas e outros /ustíanas, segundo o auctorisa-
do testemunho do sr. dr. Martins Sarmento.
Remontam ao período romano. A dita esta-
m
tua acha-se hoje no Museu da Sociedade
Martins Sarmento, de Guimarães.
Veja se «Revista de Guimarães» n.» 4, do
auno de 1884.
É pois terra muito antiga.
Deve ser atravessada pela estrada a mac-
dam, que parte da estrada real n.» 27 para
Vizella e cuja construcção já foi arrema-
tada.
Ao rev. sr. João Gomes d'01iveira Guima-
rães, abbade de Tagilde, e que anteriormen-
^ foi reitor de Mascotellos, agradeço os
apontamentos que se dignou enviar me.
V. Mascotellos, tomo 5."; Vicente de Masco- |
tellos (S.) tomo 10.»pag.556, col. 1.» e 2.»— e i
Tagilde n'este diccionario e no snpplemento.
VIZELLA (S. Miguel das Caldas de)— Ao
que fiea dito no volume 2.° pag. 41 art. Cal-
das de Vizella, a ccrescen taremos o seguinte:
Esta abbadia foi antigamente apresenta-
da pela eorôa e depois pelo prior de Santa
Marinha de Lisboa, com reserva. Segundo o
P. Torquato Peixolo d'Azevedo, que escre-
veu em 1692, era abbadia de renuncia e em
1757, segundo se lé no Portugal Sacro e
Profano, era apresentada pelo arcebispo de
Braga.
Orago S. Miguel Arehanjo, a 29 de setem-
bro. É limitada a norte pelas freguezias de
Inhas e Taboadello; a sul pelas de S. João
das Caldas de Vizella e Sanio Adrião de Vi-
zella; nascente pela de Tagilde,^ poente pelas
de Conde e Moreira de Cónegos. A Chorogra-
phia Port. deu-lhe 115 fogos, o Portugal
Sacro e Profano, 168; actualmente tem 120
1 N'esta parochia de Tagilde è actualmen-
te abbade o meu informador e muito illus-
trado collega, João Gomes de Oliveira Gui-
marães, natural da freguezia de S. Vicente
de Mascotellos, onde foi alguns annos rei-
tor.
V. Mascotellos, tomo 5"; Vicente de Mas-
cotellos (S.) tomo 10.° pag. 556, col. 1.» e2.»
— e Tagilde n'este diccionario e no supple-
mento.
Aqui agradeço a 9. ex,' os apontamentos
que se dignou euviar-me.
VIZ i961
e é a séde d'um dos julgados ordinários em
que está dividida a comarca de Guimarães.
É uma das mais antigas parochias do ar-
cebispado de Braga, pois na divisão feita
pelo concilio de Lugo, anno de 569, no
tempo dos suevos, é esta uma das freguezias
que se menciona como da jurisdicção de
Braga. Assim o attesta Argote, que nos diz
ser esta parochia chamada Oculis, era rasão
d'un8 olhos d'âgua quente que n'ella havia.
Na era de 1052 (annos de Christo 1014)
D. Aflonso V de Leão, a 14 d'agosto, assi-
gnou n'estã parochia varias doações, datan-
do-as assim: — in ecclesia Sancti Michae'
lis in Oculis Calidarum
A Egreja parochial tem 5 altares: mór,
Senhora das Candeias ou Purificação, Se-
nhora da Boa Morte, Almas e Senhora do
Rosario. A capella-mór foi reformada no
auno de 1727, como indica a àsLl&.=^A 1727
=gravada n'uma pedra do lado exterior. O
corpo da egreja soiTreu também reforma em
1765, como indica a data gravada na padieí-
ra da porta principal. Ultimamente em 1882
foi toda a egreja forrada, sendo lhe também
accrescentada a altura de 1 metro.
Han'esta freguezia uma capella publica
de S. Bento no alto do monte do mesmo no-
me, a nascente e montante da egreja, com
um soberbo e largo panorama.
Esta Capella é meeira com Tagilde e cele-
bram-se aqui duas romarias: uma no dia da
Pascboa, dutra a 11 de julho chamada S.
Bento das Peras.^
Banha esta freguezia o rio de Paços (ô
não Pomheiro, como se lê no 2." volume ci-
tado supra) que nasce na quinta d'este no-
í Com o mesmo titulo de S. Bento das Pe-
ras ha também no mesmo dia uma grande
romagem na freguezia de Rio Tinto, conce-
lho de Gondomar.
i962 VIZ
VIZ
me na vísinha parocbia de Infias. Também
n*esta freguezia oasce nos campos da quin-
ta da Portella o pequeno riacho d'este no-
me e que atravessa encanado a povoação de
Vizella, indo morrer no de Paços, que por
seu turno "morre no Vizella.
As tres quintas mais importantes d'esta
freguezia, são: Fonte d'Alem, de José Maria
da Costa Dias; Portella, de Domingos José
de Sousa Ribeiro; Porta, de D. Alcina Netto.
Abbades
Encontramos noticia dos segaiotes;
João Gonçalves, abbade em 1405 e cóne-
go da collegiada de Guimarães, como refere
Estaço nas suas Antiguidades.
Desde 1760:
Manoel Marques. Foi aqui parocho mais
de 40 annos, sendo n'aqqelle anno Visitador
das egrejas da Visita da parte de Sousa e
Teixeira.
Mguel Joaquim de Sá Brandão Moreira^
da nobre casa de Sá, freguezia de Santa Eu-
lália de Barrosas.
D. Manoel da Mãe de Deus, egresso cru-
zio, encommendado no tempo do schisma,
findo o qual voltou de novo o antecedente.
Exerceu o cargo d'arcipreste de Guimarães
desde li de agosto de 1837 a 12 de novem-
bro de 39,
•Francisco José da Cunha. Em 1853 per-
mutou com o seguinte:
João Evangelista da Costa Veiga, actual
abbade, natural da freguezia deS. Victor da
cidade de Braga, filho do capitão de milicias
Antonio José da Costa Veiga e de D. Maria
Xavier da Veiga. Nasceu a 15 de setembro
de 1823; ordenou-se em Lamego com dimis-
sorias de D. Pedro Paulo nas têmporas do
Natal de 1849; foi abbade de Forraariz, no
concelho de Coura, e em 1863 permutou com
o antecedente abbade, tomando possé n'e8se
mesmo anno.
Ha n'esta egreja 14 clamores, sendo digno
de especial menção o de Nossa Senhora das
Candêas, celebrado sempre com grande pom-
pa, musica, andor da Senhora, irmandades
etc, no primeiro domingo de julho, indo á
egreja parochial de Tagilde,
Notaremos aqui um facto muito curioso e
que nos dà a conhecer a fid execução das
nossas leis:
E' presidente actual da junta de parochia
d'esta freguezia um individuo que ha mais
de dois annos reside na freguezia de S.
João?I . , .
Parece que está eliminado o ariigo 268'do
Código Administrativo— ou que volvemos á
idade media.
Segundo resa a tradição, a antiga egreja
parochial era situada em lugar mais eleva-
do do que a actual, no Monte da Barrosa ou
dos Santinhos.
Existe aqui erecta a confraria do Santís-
simo Sacramento, cujos estatutos foram re-
formados em 1870, sendo n'es8e mesmo an-
no approvados pelo governador civil.
Ha também aqui a irmandade de Nossa
Senhora das Candêas muito florescente, ele-
vando-se o capital a mais de 4.000^000
réis. Tem estatutos approvados pelo prove-
dor da comarca a 12 de maio de 1755.
Modernamente instituída, existe a irman-
dade do Senhor da Boa Morte, tendo esta-
tutos approvados em 30 de abril de 1880.
A torre d'esta egreja foi construída em
1777, sendo a cornija e cunhaes feitos com
pedra fina, encontrada nas escavações dos
alicerces. Por esta occasião appareceram
vestígios de velhas construcções, sepulturas^
etc. Vid. nas Mémorias de Litteratura da
Academia, tomo 3.», a Memoria de Mascare-
nhas Neto.
Em 17 de junho de 1798 esteve aqui de
visita o venerando arcebispo de Braga, D.
Fr. Caetano Brandão.
Em 4 d'abril de 1885 foi collocado *na
torre um novo sino, pertencente à confraria
do Senhor da Boa-Mocte. Custou approxi-
madamente 300^000 réis*
Em 19 d'agosto de 1888 foi arrematada a
construcçào do cemitério paroehial d'e8ta
freguezia, a qaal não concorda com a factu-
ra do projectado cemitério commum á de
S. João, sua limilrophe e tão próxima, que
33 duas deviam formar uma só, conslruindo-
se uma nova egreja matriz muito mais am-
pla e nm amplo terreiro arborisado no
ponto mais central com relação às duas pe-
quenas freguezias. — Devera também ser
por essa oceasião elevadas á cathegoria de
Villa, sède de ura concelho próprio e de ura
julgado municipal, tirando-se na circumfe-
rencia algumas parochias aos concelhos vi-
sinhos.
HurraM pela nova villa, que deve deno-
minâr- se— Villa Nova de Yizella e que pela
sua antiguidade e tradições,— pela belleza «
fertilidade do seu solo— pela sua abundância
d*agua e pelo seu abençoado clima, — pela
sua industria fabril que pôde augmentar im-
mensamente, — pelo seu importante estabe-
lecimento thermal e pelas numerosas e ma-
gestosas edificações quejápossue,— tem ele-
mentos para supplantar muitas das nossas j
villas e algumas das nossas cidadesl . . .
Outra vez:— Hurrahl pela nova villa, que
deve denominar-se Villa Nova de Vizella.
Fecharemos este tópico dizendo que o con-
celho que pedimos não é uma innovação,
mas restauração, pois já existia no sec. xiv
o concelho das Caldas de Vizella, como
prova um pergaminho do cartório da Uni-
versidade. — pergaminho que pertenceu ao
mosteiro de Roriz. Versa sobre privilégios;
— é uma provisão do infante D. João, filho
d'el rei D. Pedro I;— faz parte da contenda
que houve entre o dieto mosteiro e o conce-
lho das Caldas de Riba de Vizella (diz elle)
— e tem a data de 1405, era de Cesar, — an-
no 1367.
V. Catalogo dos Pergaminhos do cartório
da Universidade de Coimbra, feito pelo sr.
Gabriel V. M. Pereira, distincto archeologo,
e publicado em Coimbra, na Imprensa da
VIZ
Universidade em 1880. Encontra -se Indica* -
do a pag. 46, n.» 20.
É um documento interessantissimo para á
historia de Vizella e bem estimaríamos vel-o
publicado, porque até ho e — dezembro de
1888— já atravessou 521 annos e, por ser
exemplar único, pôde desapparecer de um
momento para o outro! ...
Com vista aos illustrados fi-
lhos de Vizella, nomeadamen-
te ao sr. dr. Pereira Caldas.
VIZELLA (S. Payo)— freguezia do conce-
lho e comarca de Guimarães, districto e dio-
cese de Braga, província do Minho, perten-
cendo anies de 1882 ao arcipre«fado de Bar-
rosas e hoje ao de Guiraarãe?, d'onde dista
8 kilometros e de Vizella 6.
Era abbadia da mitra e tem actualmente
128 fogos. A -Chorographia Port. deu lhe 60.
Não vem mencionada nas Memorias resus-
citadas da Antiga Guimarães, sem duvida por
esquecimento, pois já era freguezia desde
longa data e a referida obra d'ella falia re-
pelidas vezes.
O orago é S. Paio ou Pelagio martyr,
que se commemora a 26 de Junho.*
Confina ao norte com as freguezias de
Gémeos e S. Christovam de Abbação; sul com
as de S. Jorge de Vizella e Regilde; nascen-
te com as de Gémeos e Villa Fria; poente
com as de Tagilde e S. Faustino de Vizella.
O documento mais antigo que conheço ,
em que se falia d'e8ta freguezia, é do anno
de 1182 (era de 1220) pois as inquirições
d'este anno dizem que a ordem da Malta
possuia aqui 3 easaes e meio. O meio casal
restante era leprosorum Vimaran, — da ga-
faria, ou hospital dos leprosos, de Guiffla*
rães.
As aldôas mais povoadas d'esta freguezia
são: Penso, Barroco e Subcarreira; as quin-
tas principaes: Vinho, de Mano3l Leite Fa-
1 V. Santos Portuguezes, tomo 8.»
628, col. l.«
1964 yiz
VJZ
ria d'01iveira; Subribas, de D. Maria Aoto-
nia de Mello Freitas e Castro; VilValva, do
bacharel Joaquim Coelho, de Souzella.
A egreja parochial é um templo singelo e
muito acaobado, mas muito antigo, sendo a
porta principal de arco de volta inteira. Tem
3 altares: mór, Nossa Senhora do ttosario o
S. Gonçalo e um oratório com a imagem de
Coração de Jesus, recentemente erecto e que
veia ainda toroar mais acanhadas as di-
mensões do pobre templo.
A ultima obra mais importante feita na
egreja data de 1855, anno em que foi re-
telhada, campada e forrada; em 1857 foi
pintada e em 1868 foi feito o altar-mór
que custou 100^000 réis.
Houve n'e8ta freguezia (só restam as pa-
redes) uma Capella particular, dedicada a
Santo Antonio, pertenceute á casa de Sub-
ribas e de que era administrador em 1708
o capitão João Leitão de Mesquita, que a 22
de julho d'aquelle anno registrou a escri-
ptura da fabrica no Livro 15.° do Registro
das Capellas, em Braga, a folhas <i40 v.
Devia pois ter sido edificada pouco antes.
Este mesmo capitão em 1709 alcançou
licença para ali se dizer missa. Também so-
licitou permissão de sepultura, o que lhe não
foi concedido.
Ha na egreja uma confraria única,— a do
S.S. Sacramento, tendo havido outras que se
extinguiram.
É celebre a romaria de S. Gonçalo, pre-
cedida da costumeira dos tremoços na vés-
pera á tarde, 9 de janeiro. Um carro de tre-
moços cortidos, postado junto ao cruzeiro
da freguezia, é distribuído pelo povo e jun-
tamente uma boa porção de vinho. Quanto
mais brioso é o juiz da festa, mais tremoços
e vinho dá.
A melhor casa de habitação é a de Carral,
modernamente reconstruída e pertencente
ao sr. Quirino da Costa Vaz Vieira. A casa
de Subribas embora arruinada, também me-
rece menção, por ser bastante espaçosa e
muito antiga.
Limita esta parochia o Vizella, que tem
um pontilhão no logar da Senra. Passa tam-
bém aqui um ribeiro, cujas aguas são dis-
tribuídas para rega dos campos marginaes.
Producções dominantes: — cereaes, legu-
mes e óptimo vinho verde, que produz a
quinta denominada Vinho.
É muito apreciado em todo o concelho.
O cruzeiro denota muita antiguidade. É
de pedra e tem a imagem de Christo mal
esculpida e toscamente pintada a roxo rei
em 1858. Antecedem-no e seguem-no cru-
zes de poflra que vão terminar n'uma eleva-
ção próxima, denominada Calvário, sitio
aprazível com extenso e formoso panorama,
cuja bellissima situação, invocada como a
melhor da ribeira, serviu em 1736 para os
freguezes alcançarem do Visitador licença
in perpetuum para" fazerem suas procissões.
Entre os factos notáveis d'esta freguezia
mencionaremos os seguintes:
Visita do arcebispo D. Rodrigo de Moura
Telles em 1 de junho de 1709.
! Erecção do Sacrário e collocação do S.
Sacramento pelos annos de 1713 a 1714.
Collocação da imagem de Nossa Senhora
da Lapa em 1759.
Dadiva da estola rica de S. Gonçalo, feita
no Rio de Janeiro e dada em 1860 por Fran-
cirtco José Gomes da Silva, que viveu na
freguezia de Nespereira.
Reforma da residência parochial em 1869
Collocação da imagem do Sagrado Cora-
ção de Jesus. No dia 28 de outubro de 1884
foi esta imagem solemnemente benzida jun-
to ao alto de S. Simão, próximo da egreja
parochial de Santa Eulália de Pentieiros,
sendo ofQciante o arcipreste do districio
ecclesiastieo de Guimarães. Celebrada missa
em altar nd hoc em presença de enorme
multidão de ppvo, talvez 6:000 pessoas, foi a
imagem conduzida proeessionalmente atra-
vez das freguezias de Penlieiros, Abbação
(S. Thomé e S. Christovam) e Gémeos, acom-
VIZ
VIZ 1965
paDhada de 13 andores com as imagens dos
Padroeiros das quatro mencionadas fregae-
zias e das de Calvos, S. Faustino, S. Payo,
S, Jorge (todas de Vizella), Tagilde, Villa
Fria, Bagilde e algumas outras imagens, en-
tre as quaes a de S. Gonçalo, outr'ora abba-
de d'esta parochia, e que do ceu devia con-
templar benigno a piedade do seusuccessor
e dos descendentes d'aquelies a quem pas-
toreou. O caminho tapetado de flores; ar-
cos triumphaes levantados de espaço a es-
paço; cinco bandas marciaes; innumeros fo-
guetes; as irmandades das freguezias que
acompanhavam; o clero e o povo tornaram
este acto solemnissimo e inolvidável re-
cordação, acto que findou com muito e va-
riado fogo d'arti-ticio, queimado á noite, e
brilhante illuminação em todas as fregue-
zias da ribeira.
Por voto antigo cumpre esta parochia 13
clamores, hoje todos na egreja, mas outr'ora
dirigiam-se aos seguintes logares: 1.° a San-
ta Catharina da Serra, na sexta feirada
quaresma;— 2.* a S. Romão de Mesãofrio, na
2.» sexta feira;— 3° a Nossa Senhora do
Castro, em Santo Adrião de Vizella, na 3.»
sexta feira;— 4.» ao Cruzeiro da freguezia,
no 1." domingo da quaresma; — S." ao Salva-
</or,em Guimarães, no dia de Nossa Senhora
dos Prazeres; — 6." a S. Thiago Novo, a 16
d'abril, devendo o juiz da freguezia dar de
beber às pessoas que fossem; ~7.° a S. Gon-
çalo d' Amarante, a 23 d'abril;— 8." a S. Pe-
dro de Azuresno, no 3.» dia das ladainhas; —
9.» a Nossa Senhora da Lapinha, no dia de
S. Marcos, 25 d'abril;— 10.° á mesma Senho-
ra, a 1 1 de junho; — 11. ao Cruzeiro, a 26 de
junho; — 12.» a S. Bartholomeu em Bombeiro,
a 24 d'agosto; — 13." a Nossa Senhora do
Castro, a 29 de setembro.
Também se celebrava o cerco ou ronda de
S. Sebastião, cuja licença foi renovada em
171S.1
1 Estes cercos ou ronto ainda hoje (1888)
se usam em varias paroehias do Minho. Si-
mulam um exercito assaltando um castello,
ordinariamente representado pela capellinha
TOLUME XI
Ábbades d'esta parochia. Encontrámos
notícia dos seguintes:
V. S. Gonçalo. Amarante, voi. !.• pag. 188
e 238, col. 2.*, e Santos portuguezes, vol. 8."
pag. 622. E, aproveitando o ensejo, rectifi-
caremos o que, sem duvida por falsas infor-
mações, o meu antecessor disse no tomo 1.*
pag. 238, QQ, artigo Arriconha.
N'este logar existe uma capella, mas não
foi fundada pelo santo nem é dedicada a
Nossa Senhora. É dedicada ao dito S. Gon-
çalo e foi fundada em 1657. Na fachada tem
as seguintes inscripçòes (lado esquerdo): —
Esta ermida se fez com esmolas de devotos,
sendo agentes os Padres Bento de Carvalho
e Francisco Fernandes. Era de Í657. — (la-
do direito): Nesta aldeia acima nasceu S.
Gonçalo d^Amarante.
Seguiu se por abbade o sobrinho de S.
Gonçalo, que por malas artes adquiriu a
abbadia, Vid. o citado volume.
Segundo uns apontamentos manuscri-
ptos, que deixou o P. Torquato Peixo-
to d'Azevedo, auetor das Memorias resus-
citadas da Antiga Guimarães, seguiu-se por
abbade fr. Estevão Giães, frade franciscano
de Guimarães, o qual depois parochiou Ta-
gilde. O sobrinho do santo renunciou n'esle.
Fernão Leitão, abbade em 1549. A 13 de
maio fez o tombo da egreja.
de S. Sebastião que se ergu« na eminência
d'um monte.
Immenso povo cerca o dito monte e avan-
ça por eUe acima, levando na frente muitas
caixas de rufo e tambores enormes, por ve-
zes mais de 30, rufando constantemente e
bravamente, até se acercarem da capella.
ouvindo-se a grande distancia o asparo som
das caixas e tambores e o vozear da multi-
dão.
E as mães que o son terribil escutaram
Ao peito os filhinhos apertaram!. . .
Estes cercos deixam a perder de vista os
estrondos que se usam em algumas roma-
gens da Beira. Y. Viseu, tomo 11.» pag.
1541, col. 1.*
124
1966 VIZ
VIZ
o dr. Jorge Vieira. Foi aqui abbade, sen-
do provido pelo arcebispo D. fr. Agostinho
de Jesus, que governou a arehidiocese des-
de 1S88 a 16u9. Este abbade foi desembar-
gador da Relação ecciesiastiea de Braga e
instituidor d'um morgado na freguezia do
Salvador de Briteiros, d'e8t6 concelho de
Guimarães, morgado que nomeou em seu
irmão Francisco Vieira d'Andrade.
Francisco de Sousa. Foi abbade pelos an-
nos de 1662 e, conforme se lê no Tombo
dos Legados da Misericórdia de Guimarães,
deixou a esta corporação o casal de Car-
ral Telhado, sito n'esta freguezia, com a
obrigação de 24 missas annuaes por sua
alma.
Dr. João Marques da Silva^ abbade em
1700.
Seguiram-se os seguintes:
Antonio da Graça Lopes.
Francisco da Costa Lemos.
Pedro da Costa Lemos.
Luiz Manoel Alvares Torres, eneommen-
dado.
Rodrigo Vieira Borges de Campos.
José Luiz de Carvalho Pinheiro e Araujo.
Manoel Alvares d' Araujo Pranto. Encora-
mendado.
Rodrigo Antonio Leite. En com mendado
José Manoel Teixeira Moreira, natural de
Basto, falleeido a 4 de janeiro de 1872.
Muito respeitado pelas suas virtudes, não
só pelos parochianos como por todos, falle-
ceu com fama de santidade, offertando lhe
ainda hoje os povos, velas, etc.^ como ex vo-
tos, e attribuindo-lhe milagres. •
Antonio José Gonçalves da Silva, encom-
mendado, natural de Santa Marinha de Vil-
lar, em Terras de Bouro, filho de José Luiz
Gonçalves da Boavista e de Rosa Simões.
Nasceu a 8 d'agosto de 1832; ordenou-sede
presbytero em Lamego com dimissorias de
D. Pedro Paulo, a 22 de setembro de 1855;
foi encommendado em Santa Eulália de Ba-
lasar (Povoa de Varzim) em 1859; em Ma-
tamà (Guimarães) em 1868, e — tomou
posse aqui em janeiro de 1872. Este paro-
cho tornou se benemérito pelas dadivas
feitas à egreja. Deu-lhe um paramento com-
pleto para as festas, que custou ISOj^OOO
réis; uma cruz, caldeira, campainha e vaso
para a agua, o que tudo custou 22i^500 rs.;
mandou fazer de lousa o soco da egreja; re-
formou as escadas do púlpito e fez o orató-
rio do padroeiro, o que tudo custou réis
lOOi^OOO. Foi parocho até 22 de dezembro
de 1885.
João José de Moura.
Ê o parocho actual, encommendado.
Os 3 paruchiànosmais importantes d'e3ta
freguezia são:
— Manoel Leite de Faria Oliveira, José
Joaquim Simões de Sampaio e José Dias
Teixeira de Gouveia.
Entre os usos particulares d'esta fregue-
zia são notáveis os seguintes, de que não
conheço exemplo em outra qualquer fregue-
zia d'este concelho. Acham-se mencionados
no Livro dos Usos por estas palavras:
• Ha n'esta freguezia costume antiquíssi-
mo de se fazerem resas ou orações no tem-
po da quaresma nos domingos, depois da
missa conventual, a que deve assistir uma
pessoa de cada casa. Estas orações constam
de 12 rodas, que se podem resar todas no
mesmo domingo, ou seis cada domingo. O
modo de as resar é um P. N. e uma A. M.
por cada cabeceira de cada casa que fizer
fogo, seja homem seja mulher, applicando
d'esta fórma: — pela vida e accrescentamento
de F... correndo os'fogo8 todos da freguezia
doze vezes, principiando no primeiro e aca-
bando no ultimo.
Também se faz na quaresma outra resa a
que chamam resa dos santos; esta é uma só
roda. A sua applicação é d'est,a fórma: Se a
pessoa por quem se hade resar se chama
Joaquim, se ha de dizer: — Em louvor de S,
Joaquim por tenção de Joaquim de... e as-
sim se correm as cabeceiras uma só vez,
que é o que se entende por uma roda, e se
faz em um só domingo e nada mais.
Ha outra reza que chamam dos Clamores^
a qual se hade fazer em outro domingo da
quaresma e é também uma só roda e se ap-
plica d'esta fórma; — Em louvor de S. Salva-
dor por tenção de F. . . Advirta-seque tanto
VÍZ
VIZ 1967
% resa dos clamores, como a dos Santos é só
applicada pelas pessoas que estiverem pre-
sentes, de modo que se estiverem 2 ou 3
pessoas de cada casa por todas se hade re*
aar e a das orações é por cada cabeceira, ou
«steja presente ou não.
Ha outra resa, que se faz por qualquer
pessoa, que morre, sendo de communhão,
logo no domingo seguinte ao seu enter-
ro e se applica d'esta forma: — Pela alma do
nosso irmão F. ou irmã F. . . Advirta se
que sendo casado tem 60 P. N. e A. M e
sendo solteirq 30, e depois de se dizer a pri-
meira vez: pela alma do nosso irmão F. nas
outras só se diz: pela sua alma, até se com-
pletar a resa toda.»
Differentes lendas relativas a S. Gonçalo
se encontram n'esta freguezia, como o pe-
nedo em que deixou impressos os signaes
dos joelhos e dos pés, etc. Veja-se a Revista
de Guimarães, n.» 4 de 1884, onde a tal res-
peito se lé um artigo do sr. dr. M. Sarmen-
to. Accrescentaremos que, segundo as noti-
cias qne colhemos, o penedo das pégadinhas
foi eíTeetivamente quebrado ha annos, dan-
do-se o caso de que o pedreiro qae o que-
brou, tempos depois foi atacado de paraly-
sia e assim falleceu, o que o povo attribue
a castigo, por elle haver destruído as péga-
das de S. Gonçalo.
Refiramos também a origem do epitheto
casamenteiro das velhas, como n'esta fregue-
zia se conta, attribuido a S. Gonçalo e de
que falia a cantiga popular:
S. Gonçalo d'Amarante,
Casamenteiro das velhas, ,
Porque não casaes as novas?
Que mal vos fizeram ellas?
Conta-se assim: Era aqui abbade o San-
to e na sua faina pastoral, percorrendo a
freguezia encontrou uma sua parochiana já
velha, pobre e que só inspirava compaixão,
á qual dirigiu a palavra, e lhe perguntou
porque não havia ella de casar (era solteira)
para ter quem a amparasse. Tão estranha
pergunta deixou attonita a velha e não
soube responder. ^A^^ primeiro homem que
encontrares, volve o santo, falia- lhe em ca-
samento.» Dito isto continuou deu caminho.
A mulher foi pensando no que o abbade
lhe havia dito e poucos passos andados vé
um joven, filho d'uma das primeiras casas
da freguezia. Avistando-o rompeu em es-
trondosas gargalhadas.
Aturdido o mancebo com as risadas da
velha, quiz saber a rasào; por seu turno
teve conhecimento das palavras do santo
abbade, e respondeu: tudo pode ser; nin-
guém diga d'esia agua não beberei.
Poucos dias depois a parochia assistia ao
casamento da pobre velha cora o rico pro-
prietário, unidos e abençoados pelo santo
abbade.
E as bênçãos do ceu, diz a lenda, cahiram
n'aqueli'a casa^ pois com o sábio governo da
sua nova dona prosperou e augmentou con-
sideravelmente.
VIZELLA (rio) — oulr'ora Avicella, como
aílirma Argote, assim chamado como dimi-
nutivo de Ave, pela visinhança que com este
tem e no qual desagua e morre.i
Ainda lhe era dado tal nome nos fins do
século XVII, pois Avizella lhe chama o P.
Torquato Peixo»o de Azevedo, dizendo que
este nome provem do logar de Avisella
na freguezia de Travassos.^
Hoje, perdendo o ^, é chamado Vizella,^
nome que ?ó muito àquem do Travassos
elle toma, não parecendo por tanto muito
segura a affirmativa do P. Torquato.
Nasce na serra de Pedraido, freguezia do
concelho de Fafe, e, depois de um percurso
1 V. Memorias para a Hisl. Eccl. de Bra-
ga, tomo 3° pag. 310.
2 Mem. ressussit. da ant. Guimarães, pag.
500.
O mesmo diz Carvalho na Chorographia
Portugueza.
3 Antes de 1692 também já se chamava
sinnple<»meDte Vizetla.
V. Phoènix da Lusitânia por Manoel Tho-
maz.
1968 VIZ
VIZ
de 5 léguas approximadameDte, junta-se ao
Ave no limite da freguezia de S. Miguel
das Aves, concelho de Santo Thyrso, onde se
acha hoje lançada a ponte metálica da via
férrea de Guimarães, sem duvida a obra
d'arte mais importante d'esta linha.
Alem de diversas pontes que não mere-
cem especial menção, é o Vizella atravessa-
do pelas seguintes: Pontido, na" freguezia de
Queimadella; S. Vicente de Paços, m fregue-
zia d'este nome; Santo Ovidio, na estrada
real n.« 32, aberta ao transito em 31 de mar-
ço de 1864, dando passagem para Fafe, etc;
Bouças, na antiga estrada de Fafe; S. João*
junto á Capella d'este titulo na freguezia
de Figueiras; Nova de Pombeiro ou Na-
bainhos, na estrada real n.° 27, aberta ao
transito em 10 de julho de 1868, dando pas-
sagem para Felgueiras, etc; (d'este ponto
em diante é que- vulgarmenié lhe é dado o
nome de Vizella) Velha de Pombeiro, na
antiga estrada para Traz -os Montes e que
divide a freguezia de Pombeiro da de Cer-
zedo, tendo no meio da ponte o marco com
as armas do antigo couto benedictino de
Pombeiro; (é aqui o terminus d'uma estra-
da municipal em projecto a partir de Gui-
marães); Tagilde (chamada vulgarmente
ponte nova, por substituir uma de madeira,
que ainda se acha lançada a juzante d'esta
e que offerece diffieil passagem) onde deve
vir terminar um ramal da projectada estra-
da districtal de Felgueiras a Vizella; Yizella
(nova) na estrada real n.« 36, construída (a
ponte) era 1872, dando passagem para Lou-
sada, etc ; Yizella (velha) na antiga estrada
de Guimarães para Barrosas, etc; Negrel-
los (S. Mamede), dando passagem para
a freguezia de S. Mamede de Negrellos, etc;
Negrellos (nova) ou da Curvaceira, na estra-
da real n." 32, dando passagem para Santo
Thyrso, etc; Negrellos (S. Thomé) um pouco
a juzante da anterior, communieando a fre-
guezia de S. Thomé de Negrellos com a de
S. Miguel das Aves, em cujo termo desagua
e morre o Vizella no Ave.
Curvaceira *
A ponte da Curvaceira, mencionada su-
pra, tomou o nome da pequena povoação
da Curvaceira, que è uma das muitas que
constituem a freguezia de S. Thomé de Ne*
grellos, concelho de Santo Thyrso.
Ha também não muito longe, no concelho
de Guimarães, outra povoação denominado
Curvaceiras (no plural) pertencente à fre-
guezia de S. João d'Ayrão, na margem di-
reita do Ave. Dista da Curvg.ceira de Ne-
grellos, concelho de Santo Thyrso, aproxi-
madamente 10 kilometros para N. N. O.
Temos também no nosso paiz outras mui-
tas Curvaceiras. Occorrem-nos as seguintes;
Curvaceira, povoação da freguezia de
Santa Eufemia de Prazins., no mesmo con-
celho de Guimarães.
Curvaceira, povoação da freguezia de Ali-
viada, hoje annexa à de Várzea d'Ovelha,
no concelho de Canavezes.
Curvaceira, povoação da freguezia de
Chans de Tavares, concelho de Mangualde.
Curvaceira, — a minha terra natal— povoa-
ção da freguezia da Penajoia, concelho de
Lamego.
V. Corvaceira, já citada.^
1 Nós desde creança habituamo nos a es-
crever Curvaceira, mas outros escrevem
CoruaceíVa.. Ignoramos a etymologia d'este
nome e por isso não sabemos qual das duas
formas seja mais segura.
V. Corvaceira n'este diecionario e no sup-
plemento.
2 D'e8ta minha Curvaceira tomou indire-
ctamente o nome a povoação da Curvaceira
que hoje (1888) existe no Dondo, província
de Loanda, na Africa.
No ultimo século Antonio Rodrigues de
Carvalho, meu bi?avô materno, natural da
minha Curvaceira, casou na povoação do Ba-
calar, freguezia e concelho d*Armamar, on-
de era conhecido pela alcunha de Curvacei-
ra, pelo que os filhos, netos e bisnetos que ali
deixou se appellidaram o appeilidam ainda
hoje Curvaceiras. Um d'aquelles bisnetos
(meu primo eo-irmão) Albino Rodrigues
Cardoso Curvaceira, ôlho de Antonio Car-
VIZ
VIZ 1969
Curvaceira, casal da freguezia de Treixe-
do, coDcelho de Santa Comba-Dão.
Curvaceira, 3 casas oa fregaezia de Ca-
dafaes, coDcelho de Âlemquer.
Curvaceira, casal da freguezia de Folha-
da, concelho de Canaveses.
Curvaceira, casal da fregaezia de Castel-
lo, concelho de Coura.
Curvaceira, quinta na freguezia e conce-
lho de S. João da Pesqueira.
Curvaceira, sitio muito vistoso* com uma
Capella de Santa Barbara, no antigo castello
da Villa e fregaezia de Marialva, hoje conce-
lho da Meda.
Curvaceira, sitio também mUito vistoso,
na freguezia de Poyares, concelho da Re-
goa.
Curvaceira, sitio na freguezia de Santa
Maria de Rebordões, concelho de Ponte de
Uma.
Curvaceira, sitio na freguezia de Carra-
zedo de Montenegro, concelho de Val-Pas-
sos.
Curvaceira, sitio e habitação no termo da
freguezia, villa e concelho de S. Pedro do
Sal.
Curvaceira, monte no antigo termo da
Villa de Paredes, hoje concelho de S. João
da Pesqueira, como se vê do foral que D.
Fernando I de Leão deu á mencionada villa
de Paredes no amo de 1055, depois confir-
mado por difTerentes reis nossos.
doso Curvaceira, já fallecido, e de D. Joanna
Cardoso de Jesus Maria, hoje viuva, tendo-se
dedicado ao commercio no Porto, um bello
dia lembrou-se de ir tentar fortuna na Afri-
ca. Estabeleceu- se no Dondo e ali fundou
um bom estabelecimento commercial, que
d'elle tomou o nome de Curvaceira, com-
prehendendo casas de habitação, armazéns,
lojas, etc. Depois ali se fundaram outros es-
tabelecimentos e assim se fundou a povoa-
ção que tem já certa importância e conser-
va o nome do meu primo — Curvaceira, —
casado e com successão, hoje (1889) residen-
te em Lisboa, mas ainda senhor da sua ca-
sa da Curvaceira, no Dondo, onde tem um
sócio.
* Olha para E. e domina todo o Cima-
Côa, Pinhel, Traz os Montes e grande exten-
são da Hespanha.
Na confirmação de D. Sancho I com data
da era 1236 (anno 1198) se indica muito
minuciosamente o termo d'aquella villa por
estas palavras:
. ..Deinde per caput da Coruaceyra. Em
vuigar: «...Depois pelo alto do monte da
Curvaceira.»
V. Portugal. Monum. liv. Foralia, pag.
347, — e Paredes da Beira n'este dicciona-
rio e no supplemento.
Temos mais:
Curvaceiras Grandes e
Curvaceiras Pequenas,— aAàehs da fregue-
zia de Paialvo, concelho de Thomar.
No Vizella desaguam os seguintes rios:
Sá, Paços, Arquinho, Fundêtho e Fojo, alem
d'outros menores anonymos.
As terras que este rio banha, especial-
mente desde a ponte de Nabainhos ou Nova
de Pombeiro, onde toma o nome de Yizella,
até Negrellos, denominadas ribeira do Vi-
zella, são fertilissimas. Mascarenhas Neto na
sua Memoria sobre as antiguidades das Cal-
das de Wizella, § 40, diz que rendem cada an-
no mais de milhão e meio nos productos
d'agricaltura, gados, e mão d'obra das fa-
zendas de linho, feito o calculo pelos dízi-
mos e exportação das referidas fazendas.
Isto em 1788.
Offerecem a espaço estas margens encan-
tos e bellezas que muito atlrahem os touris-
tes na estação balnear. As ilhotas tapetadas
de relva, adornadas de lindos fetos e som-
breadas pela ramaria de formoso arvoredo,
que se encontram principalmente desde o
sitio da Cascalheira .até à ponte velha das
Caldas, são o enlevo dos banhistas, e Camil-
lo C- Branco ahi collocou algumas scenas
d'uma das suas noveiias, que se conglobam
sob o titulo de Novellas do Minho. São os
Gracejos que matam.
Muitas famílias nobres nos primeiros tem-
pos da nossa monarchia tiveram os seus so-
lares n'esta ribeira. A familia dos de Riba-
Visella, de quem falia o conde D. Pedro
no titulo 45, é o tronco de muitas famí-
lias nobres de Portugal. Os Mellos Sampaios^
i970 VIZ
VIZ
os Sás, etc. ainda se nos manifestam pelos
vesligios de sua antiga representação e po*
derio.
FABRICA DE FIAÇÃO DE NEGBELLOS
As aguas do Vizella movem também gran?
de numero de moinhos de pão e fabricas de
azeiíe, linho e papel ée Aute- Villar, avul-
tando entre todas a fabrica de fiação de Ne-
grellos.
Esta importante fabrica de fiação d'algo-
dão e de parceria mercantil demora na mar-
gem esquerda do rio Vizella, na freguezia
de S. Thomé de Covellas. Dista 2 kilome-
tros da matriz d'esta parochia para N.; 1 da
estação de Negrellos na linha férrea de Gui-
marães; 6 da Villa de Santo Thyrso — e 11
das Caldas de Vizeila.
Os seus edificios e dependências occupam
uma superfície de 12:000 metros quadra-
dos.
O seu motor ordinário é a agua do rio
Vizella, no qual tem um açude de 4 melros
d'aIto, 20 d'extensão e 2 turbinas, sendo
uma da força de 80 cavallos e outra de 180
— e tem mais duas machinas a vapor, como
auxiliar na estiagem, sendo uma da força
de 350 cavallos; outra de 375, ambas do
systema Wood, feitas na Inglaterra e ali
compradas— a l."em 1888— e a 2.» em 1875.
Principiou a consirueção d'esta fabrica
em 1843 e a sua exploração em 1845.
Foram seus fundadores de parceria ou
compartes os 8. capitalistas seguintes:
—Antonio José Cabral,
— Manoel Joaquim Machado,
—João Antonio da Silva Guimarães,
—Antonio Martins dos Santos,
—Paulo José Soares Duarte,
— José Antonio da Silva e Sousa,
— Antonio José Gonçalves Vasquese
— E. Cauchoix.
Na auctualidade (janeiro de 1889) perten-
ce aos compartes seguintes:
— D. Emilia Rosa Cabral, viuva do par do
reino José Pereira da Costa Cardoso.*
— D. Maria Emilia de Jesus Magalhães
Cabral;
—Felisberto de Moura Monteiro ^
— Francisco Cardoso Valente;
— António Gualberto Soares;
— Diogo José Cabral e
— Honoré Vavasseur. (?)
Tem hoje 33:000 fusos, mas não todos em
movimento.
O seu capital é de 374 contos; o primiti-
vo era de 80.
Occupa 550 pessoas d'ambos os sexos e é
administrada por um director tecbnico e por
um dos compartes.
O deposito e a séde estão no Porto, Da
amiga Casa do Correio, Largo dos Cléri-
gos, n." 100.
Esta fabrica nos primeiros annos luctou
com difflculdades, mas hoje vive muito des-
afegadamente e é invejada por todos. Tem
dado e está dando pasmosos dividendos e no
seu género é talvez hoje a primeira de Por-
tugalfl ...
Felizes compartes!. . .
Este rio, cuja formação M. Neto, (citada
Memoria, § 12) conjectura ser posterior á
construcção dos banhos romanos das Caldas
de. Vizella, tem sido decantado por muitos
dos nossos poetas antigos e contemporâneos.
Citaremos apenas:
«Corre el Vizella amado
Progresso sonoroso
O chrystallino parto d'uma pena
A ser favor de um prado.»
Fonte de Aganipe, parte 7." canção 5.«.
«Vem os que gosam do Vizella frio.
Em a ribeira amena, as aguas claras.
Grato, aprazível, brando, fresco rio.
Senhor que as trutas dá no sabor raras;
* V. Miragaya, loc. cit. col. 1."
voe
VOG 1971
Qae o sitio corre alegre mais sombrio,
De pomares e quiotas naoca avaras,
Pois 08 fructos lhes dam, por seus haveres,
A Bromio em vinho, em louro trigo a Ceres.»
Phaenix da Lusitânia, liv. 7.* est. 67.
Ao muito reverendo sr. João Gomes d'0-
liveira Guimarães, abbade de Tagilde, agra-
deço 03 apontamentos que se dignou enviar-
me.
VÓCA, ou BÓCA,— aldeia da freguezia de
Gião, concelho de Villa do Conde.
Comprehende mais esta freguezia as al-
deias de Gião de Cima, Gião do Fundo, Gião
Meão (do meio) Tresval, Martinhães, Santo
Estevam, Egreja, Carvalho, Jondinae Roxio.
V. Gião, tomo 3." pag. 279, col. 2.*
VÓCA ou BÓCA, aldeia da freguezia de S.
João de Vizella, concelho de Guimarães.
VÓCA, ou BÓCA,— aldeia da freguezia de
Fradellos, concelho de Villa Nova de Fama-
licão.
Temos também com o no-
me de Bóco 15 freguezias, 2
casaes, 3 quintas 1 sitio e um
monte, — e uma aldeia com o
nome de Bocos. •
V. Bôco, tomo 1.» pag. 406,
e Cliorog. Mod. tomo 6." pag.
69.
Do exposto se vô que os nomes Bóco e
Boca {Vóca no Minho, pela mudança do B
em V) foram triviaes antigamente.
Também temos 11 aldeiaà, 2 casaes, 3
qaintas, 1 monte e 1 sitio com o nome de
Bôca ou Bôcca—Q aldeias, 1 casal e 2 siiios
com o nome de Bôcas ou Bôccas, — e Bôca
da Lapa, Bôca da Matta, Bôca da Villa, Bôca
do Frade, Bôca do Sousa, Bôca do Valle, e
Bôca Negra, aldeias, casaes, quintas e her-
dades.
V. Chorogr. Mod. loc. cit.
VODA, ou BODA,— noivado, festim de nu,
peias, do hebraico boddah, alegrar-se, — ou
do árabe bodoo, boda.
Diccion. de Moraes, 6.' edição.
VODO, port. ant. hoje Bôdo, festim de co-
mer, que antigamente se fazia nas egrejas e
capellas por occasião de alguma solemnida-
de, cumprimento de votos, etc. Welles co-
miam os pobres e os festeiros. •
Os vodos também sigDíficavam votos que
se faziam a algum santo, promessas, roma •
rias que davam occasião a grandes come-
sainas e desordens, pelo que foram só tole-
rados com a condição de não haver banque-
tes nas egrejas, etc.
«Dia era de hum gram vodo,
que a hum santo se fazia.»
Bernardim Ribeiro, Egl. 2.»
Até o seCk XVI foram muito triviaes nq
nosso paiz, mas pelos excessos de toda a or-
dem que os acompanhavam, el-rei D. Ma-
noel os extinguiu, exceptuando os bodos do
Espirito Santo, instituídos pela rainha Santa
Isabel.
Foram muito importantes os bodos ou vo-
dos ou votos de S. Thiago de Compostella,
feitos a este apostolo em toda a Hespanba
pela Victoria alcançada contra os mouros.
Consistiam na prestação de certa porção de
trigo, — prestação obrigatória, que durante
muitos séculos foi considerada como tributo
legal, comprehendendo entre nós também
todo o terreno que medeia entre o Lima e
o Minho.
N'este diceionario já se fez menção de diffe-
rentes bodos, entre os quaes avultam o da
Senhora da Lomba, na freguezia de Pinhan-
ços, concelho de Ceia,— e o do Espirito San-
to, em Leiria.
V. Pinhançns, tomo 7.» pag. 38, col. 2.»-—
e Leiria, tomo 4.» pag. 74, col, 2.» — N'esle
xi\úíO(hbodo se matavam e distribuíam 7 a
8 bois! . . .
V. lambem no Elucidário da Viterbo os
interessantes artigos: — Ladairo, Açôres e
Bodivo, nomeadamente este ultimo.
VOGADO,— port. ant —advogado.
VOGARIA,— port. ant.— advocacia.
VOLIARÇ A,— ribeira.
Nasce na freguezia de S. Brissos, concelho
de Beja, e correndo de O. a E. morre no
Guadiana, passando entre Beja e Cuba.
VOLOBRIGA, — cidade antiquíssima, ca-
1972 VOL
VOL
beça dos povos nemetanos, segundo a inter-
pretação de Ptolomeu por Molecio,— ou ne-
meíaíos, segundo a interpretação de Bercio-
Estava na chancellaria romana de Braga
e DO tempo de Tibério já tinha as honras
de municipio, como consta de uma medalha
que aponta Goltzio, citado porEzequielSpan-
phemio na Exercitação l.*á Constituição do
imperador Antonino^ col. 48.
Não podemos indicar com precisão o sitio
da tal Volobriga, posto que Ptolomeu na 2.*
taboa da Europa, cap. 6." pag. 44, lhe assi-
gna 6 gr. de longitude e 42 gr. e 6 minutos
de latitude.
Bercio era vez de Volobriga 1 ê Volobria,
mas no indice aponta Volobriga.
O nome era nacional.
V. Metn. d" Argole, tomo l.' pag. 412^ e 3.»
pag. 160.
VOLTA,~aldeia da freguozia de Sequia-
de, concelho de Barcellos.
Temos no nosso paiz mais 4 aldeias, 1
quinta, 1 herdade, 1 sitio e 1 moinho com o
nome de Volta — e differentes aldeias e casaes
com os nomes de Volta d' Agua, Volta da To-
cha ^ Volta de Casaes, Volta de Mendo, Volta
do Carro, Volta do Valle, Volta do Vau e
Volta Grande, sitio, na antiga estrada do
Porto para a Regoa, entre Quintella e Me
zãofrio.
A estrada ali era muito declivosa e sem
parapeito ou guardas do lado inferior, pelo
que ali até 1858 se despedaçaram algumas
liteiras—e desde i858 algumas diligencias,
entre ellas uma, em que ia do Porto para a
Regoa o humilde auctor d'estas linhas, com
14 passageiros mais, alem do cocheiro e con-
duetor. Felizmente só se desmanchou o jo-
go dianteiro. O carro não tombou, «ias lá
ficou, e DÓS tivemos de ir a pó para Mesão-
frio, donde em outro carro seguimos para a
Regoa.
V. Villa Jusã, tomo 11.» pag. 768, epl. 2.%
onde já demos noticia d'aquella medonha
estrada.
Sensi in fronte meo se arripiare cabel-
los\ . . .
VOLTA,— port. ant.— briga, discórdia, fe-
rimento, desassocego, turbação,t umulto, as-
suada, desordem.
«Haver hi volta e eixeco, e peleja, e elle
querendo partir esto, etc »
Doe. de Santo Thyrso, de 1340.
VOLTEIRO, — homem revoltoso, suscita-
dor de discórdias, brigas e contendas.
«Salvo se esse preso fôr traidor, ou alei-
voso, ou volteiro publico, e ameudi, ou ma-
tador, ou chagador de chagas perigosas,»
Cortes de Santarém de 1325.
D'aqui — terra avoUa, desinquieta, cheia
de ladrões e malfeitores.
«Ou a terra andar avolta, que sc temam
de filharem os meus dinheiros.
Capit, especiaes de Santarém.
VOLTDMNA, ou VOLTUNNA, ou VUL-
TURNA, — deusa dos romanos, particular-
mente reverenciada pelos etruscos, em cujo
paiz tinha um famoso templo, onde se re-
uniam para tratarem os negocies do es-
tado.
VOLUMNO e VOLUMNA,— divindades dos
romanos, as quaes presidiam á boa vontade.
Eram invocadas particularmente nas cere-
monias dos casamentos^ para conservarem
a amisade e harmonia entre os nubentes.
VOLÚPIA,— deusa dos romanos, que pre-
sidia aos prazeres sensuaes e dissoluções.
Tinha um templo em Roma, onde era re-
presentada na figura de uma formosa mu-
lber«bem vestida, tendo debaixo dos pés a
Virtude.
VOLUTINA, — deusa dos romanos, parti-
cularmente reverenciada pelos camponezes
e lavradores, que a invocavam para preser-
var os casulos que envolvem o grão do
trigo.
VOMIL, — port. ant. — hoje gomil.
Vem do latim vomo (eu vomito) porque
os gomis, outr'ora de gargalo muito estreito
pareciam estar vomitando a agua para as
mãos como a lufadas.
«It. hum vomil quebrado.»
Inventario dos moveis de D. Fr. Salvador,
bispo de Lamego, no anno de 1350.
VOMITARIA, ou VOMITÓRIO, —portug.
antigo.
Assim se denominavam os adros das egre-
jas e as entradas dos theatros, porque a
grande multidão saindo, tinha parecenças
com a agua jorrando ou saindo do vomil.
VON
VOU 1973
VONTADES, ou VOONTADES, port.ant.
Assim se denominaram os moveis e al-
faias de casa qne cada um compra ou man*
da fazer.
No anno de 1211 doaram ao mosteiro de
Alpendurada uma quinta em Nodar cwn
sms searas, et suas voluntates.
Doe. de Pendorada.
«Sete, ou oyto porcos, e cubas, e arcas, e
outras voontades, que era mantimento da
casa.t
Doe. de Tarouca de 1326.
VOSQUO. — port. ant — comvosco.
tE taes. Senhor, est.-jvam aló vosquo, que
tinham na terra a maior parte de sas lan-
ças. •
Cortes de Coimbra de 1385.
VOTO. V. Vodo.
O voto que fez el-rei D. João IV à Virgem
e que por ordem d'elle foi gravado nas por-
tas das nossas villas e cidades, encontra-
se no art. Porto, vol. 7.» pag. 382, eol.
VOUGA,— rio.
Como já dissemos no artigo Viseu, pag.
1745, col. 1.*, este rio nasce no Chafariz da
Lapa, junto do santuário d'esle nome (V.
Lapa) concelho de Sernancelhe; corre de
E. N. E. a O. S. O.; banha na sua direita a
villa de S. Pedro do Sul e as extinctas vil-
las d'Angeja e Serem;— -na margem esquer-
da passa a juzante das villas de Vouzella
e de Oliveira de Frades; banha as extin-
ctas villas do Banho e do Vouga — e des-
agua na ria d*Aveiro, a N. da cidade d'es-
te nome, tendo de curso total, com as mui-
tas voltas que descreve, mais de loO kilo-
metros.
Desde a nascente até á povoação e ponte
do Pecegueiro, na estrada real n." 41 d'Avei
ro a S Pedro do Sul, em geral corre fundo
e por entre margens escabrosas, principal-
mente desde S. Pedro do Sul até o Pece-
gueiro; mas d'ali até á sua fuz, nomeada-
mente desde Jafafe, cerca de 6 kil. a jusan-
te de Pecegueiro, tem margens amplas, am-
plíssimas, pois corre atravez d'uma vasta e
formosa campina, que alaga e feriilisa no in-
verno, cobrindo-a na extensão de algumas
legoas quadradas e deixando-lbe gordos na-
teiros, a flor da terra que traz dos campos e
encostas da sua grande bacia hydrogra-
pbica.
Aa mencionadas campinas são em geral
muito planas e cortadas em diversas direc-
ções por valias de esgoto para enchuga-
mento dos campos, as quaes formam muitas
ILHAS (assim se denominam grandes lotes
dos dictos campos); e algumas valias, a O.
da linha férrea— são navegáveis em barcos
próprios que, vistos de distancia, quando
vão á vela, ofTerecem um aspecto interes-
santíssimo e único em Portugal, porque o
rio e as valias de longe não se veem e pa-
rece que os barcos deslisam sobre os cam-
pos.
V. Angeja, tomo !.• pag. 215.
•
Recebe differentes rios tributários, avul-
tando entre elles — na margem direita o Sul,
que dá o nome á villa de S. Pedro do Sul ,
T-e o Caima, que vem das serras d' Arouca
8 passa na freguezia de Val-Maior, não lon-
ge de Albergaria Velha; — na margem es-
querda o Zella, que vem da serra de La-
fões e com o Vouga dà o nome á villa de
Vouzella, por estar junto da confluência dos
dois rios Vôuga e Zella.
Também recebe na margem esquerda, lo-
go abaixo da ponte da Rata, o rio Agueda,
depois d'este ler recebido nas alturas de Re-
queixo as aguas do Certema ou da pateira
de Fermentellos, que é uma grande lagôa
formada pelas aguas do Certema junto da
sua foz ou da entrada no rio Agueda.
O Certema vem de Formoselha e do Bus-
saco— e toca na viila da Maaíhada, outr'ora
Vasaíiça, pelo que também já se denominou
rio da Vacariça.
O Agueda é formado pelos rios Alfusquei-
ro e Agaião, que se juntam a montante da
villa d' Agueda cerca de 2 kilometros; — e é
desde esse ponto que toma o nome de rio
Agueda, outr'ora Agada.
V. Caima, Certoma, Sul, Alfusqueiro,
Agueda e Zella.
O Vouga, a jusante do Pecegueiro, até
1974 VOU
VOU
Sarrazola, termo do rio novo, aberto à na-
vegação em 1821^^ tem aproximadameote
50 kílometros de curso — e do rio novo até o
mar tem aproximadameote 10 kilometros,
comprehendendo a largura da na d Aveiro
e a barra por onde entra no oceeano,— de-
nominada barra nova, 7 kilometros a O. de
Aveiro,
Já não existe a barra ou barreia da Va-
gueira, que estava cerca de 10 kilometros
ao sul d*aguella e 8 ao poente de Vagos,
pela qual também entravam no Oceano as
aguas do Vouga. Foi tapada aproximada-
mente em 1880 pelo disiineto engenheiro
Silvério Augusto Píreira da Silva, sendo di-
rector das O. P. d' Aveiro. Tapou-a fazendo
umas portas d^a^ua, que se abriam e fecha-
vam com o impulso das marés, obstando ao
fluxo e refluxo; e assim a tal barreta em
breve assoriou de forma que já não entra
por ella a agua do mar.
Foi esta a ultima dãs alterações por que
teem passado as barras d'Aveiro, — altera-
ções que devem ter influído nos povos do
líttoral. A ellas talvez se deva a substituição
de Talabriça pela villa e comarca de Es-
gueira— e posteriormente a d'esta villa pela
Villa e comarca, hoje cidade, Aveiro.
Tem muitos poços ou pégos fundos, tanto
a montante como a juzante do Pecegueiro.
Os principaes d'este ultimo lote são os se-
guintes, descendo:
1.°— Poço de S. Thiago, imto da povoação
do Pecegueiro, termo superior da navega-
ção;
%" — Caes de Jafafe ou Somada;
3.*— Caes da ponte de Wouga;
L'— Pontinha;
5 * — Pedreiras d'Eirol ou da Ponte da Ra-
ta, com a qual confina.
Este pôço é formado pelas aguas do rio
1 A juzante de Sarrazola ainda se vê o no
velho, lambem navegável nas marés vivas,
porque já ali chega a agua salgada.
Agueda, em cujo leito se acha, antes da
juni-ção com o Vouga; mas no inverno, com
as cheias, as aguas do Vouga entram no di-
to poço, galgando o paredão que ali separa
os dois nos e, tomando grande altura sobre
os olhaes da ponte da Rata, impede a na-
vegação e a passagem na ponte, por have-
rem errado (coisas nossasl. .) o calculo do
nivsl das aguas, quando se reformou a dita
ponte e fez a nova estrada a macadam de
Aveiro a Agueda, em 1870.
O paredão entre os dois rios foi feito pou-
co depois de 1821 com o 6m de os obrigar
a correrem parallelos até o ponto da sua
juncção, porque até ali o Agueda cabia qua-
si perpendicularmente no Vouga, e este, co-
mo mais caudaloso, fazia retroceder o Ague-
da naoccasião das cheias, tornando alagadi-
ços os campos das freguezias à'Eirol, Tra-
vaçô o Ois da Ribeira. As coisas a este res»
peito pouco melhoraram, porque não' se
concluiu o paredão, nem se lhe deu a devi-
da altura, bem como Ik pontel . . .
6." — Poço do Ferro, junto de S. João de
Loure;
7.0 — Angeja;
8.''—Sarrasola até Villarinho.
É navegável e navegado na extensão de
50 a 60 kilometros desde a sua foz até á
povoação de Pecegueiro, um pouco a ju-
zante da ponte por onde passa a estrada
real n • 41, mas por meio de comportas não
era difiicil prolongar a navegação até á villa
de S. Pedro do Sul.
No inverno os barcos que vão até o Pe-
cegueiro são de fundo chato, como os do
Mondego, mas um pouco mais pequenos-
Costumam levar 6 a 8 pipas de 560 litros —
e DO verão ou na estiagem apenas 2 a 3 pi-
pas, ou peso correspondente, porque o seu
leito está muito assoriado,^ ou alteado com
1 Este termo é vulgar, mas não o encon-
tro nos meus diccionarios.
vou
vou 1975
as enchentes. Tem mesmo em alguns pon-
tos mudado o curso do rio.^
Os barcos na viagem ascendente condu-
zem sal, peixe fresco e salgado,— e na des-
cendente conduzem madeira, lenhá^ pedra
de scbisto e granito, laranjas e cortiça.
Também durante longos annós conduzi-
ram muito carvão de pedra para as minas
do Braçal e d'esta8 muito minério, mas ho-
je esse movimento é nullo, porque infeliz-
mente quasi que parou a exploração d'a-
quellas minas.
Tinham ellas na margem direita do Vou-
ga, em Rio Mau, a juzante do Pecegueiro,
um eaes próprio, ligado ás minas por uma
linha férrea americana. Silicet magna com-
ponere partis, correspondia o diio caes ao
de Pomarão nas minas de S. Domingos.
V. Vias férreas, tomo 10.» pag. 473, col.
2.» — e pag. 479, col. 2.» também.
A jusante do Pecegueiro banha na mar-
gem esquerda as povoações de Jafafe, Maci-
nhata do Vouga, Vouga, Trofa, Segadães,
Pontinha, Almear, Eiról, Eixo, Taboeira, Ca-
cia e Sarrasola;— na margem direita Serem^
Mesa, Villa Verde, Alquerubim, Pinheiro,
S. João de Loure, Frossos e Angeja.
Alem das valias atravez da campina, tem
um canal desde a barca d'Angeja até Fros-
sos na extensão de 1 kilometro.
Denomina-se pateira de Frossos.
1 A tradição locai diz que outr'ora este
rio foi navegável para barcos de maior lota-
ção, inclusivamente navios, até á ponte e
Villa de Vouga, — e talvez que esta villa e a
velha cidade romana que ali alguém sitúa
decahissem com o assoriamenlo do Vouga
e tolhimento da navegação.
Também outr'ora os navios foram pelo
Cavado até Barcellos; pelo Leça até Gui-
fòes; por um esteiro do Mondego alé Tava-
rede; pelo rio de Silves até à cidade d'este
nome — e pelo Ave ainda n*e8te século foram
muitos navios carregados até Villa do Con-
de, em quanto que hoje mal podem sair em
lastro os que ali se construem.
As produeçòes principaes das margens do
Vouga a montante do Pecegueiro são milho
grosso, vinho verde, hervagens e frueta, in-
clusivamente laranjas excelleutes na fregue-
zia do Pecegueiro, concelho de Sever do
Vouga, districto d'Aveiro, margem direita
d'este rio,— e em frente, na margem opposta,
freguezia de Ribeiradio, concelho d'Ohveira
de Frades, distrfcto de Viseu.
A jusante do Pecegueiro, depois que en-
tra na campina, as suas margens produzem
milho, algum arroz e muiioibunhaes e chou-
ças para pastagem e creação de gado eaval-
lar e bovino. Também produz muito moliço
para estrume e muito peixe.^
O Vouga, a jusante de Pecegueiro, banha
muitos campos, entre os quaes merecem es-
pecial menção os de Maeiohata, Ouvêdo,
Couto, Trofa, Segadães, Almargem, Ponti-
nha, Eixo, Angeja e Cacia — na margem es-
querda;—^na direita os campos de Serem,
Mesa, Ponte do Vouga, Villa Verde, Alque-
rubim, Pinheiro e S. João de Loure, Frossos
e Angeja.
Estes campos estão divididos em muitas
glebas e não constituem prédios notáveis.
1 Os nossos diccionaríos mal indicam es-
tes termos— ôonAo ou bunho, chousa ou chou'
ça e moliço, — termos próprios d'esta locali-
dade e que no districto d'Aveiro represen-
tam artigos muiio importantes!. . .
O bunho ou palha tabúa, que deu o nome
á povoação de Tabueira, tem differejates ap-
plicações. Em verde é óptima pastagem; de-
pois de secco serve para tanoarias, para
capas de garrafas e para mobiliário. Com
elle se fazem esteiras variadíssimas, col-
chões, cadeiras d'eaeo8to. etc.
Do tal bunho tomou o nome a povoação e
freguezia do Bunheiro, concelho de Estí^r-
reja.
V. Brunheiro, tomo l." pag. 498, col.
2.»
Também temos no nosso paiz difTerentes
aldeias casaes e quintas com os nomes de
Bunho, Bunhosa, Bunheira e Bunheiros.
Também ha muita palha tabiia no baixo
Mondego, em alguns campos marginaes ala-
gadiços.
1976 VOU
VOU
exceptuando os seguintes:— campo rfa Trofa,
pertencente á viuva D. Engrácia Coelho dos
Reis e Qlhos, de Serem; campo da Fontinha,
pertencente ao dr. João Eduardo Nogueira,
d*Alquerubim; outro, o do Areinho, perten-
cente a José Martins, de S. João de Loure, e
o da casa de Villannho,na freguezia de Ca-
cia, pertencente a Francisco Manoel Cou-
ceiro da Costa.
As marés vivas do Oceano apenas sobem
pelo Vouga até á distancia de iO a 11 kilo-
metros.
Ha sobre este rio muitas pontes. Occor-
rem-nos as seguintes:
!.• Na linha férrea do iVoríí, aproximada-
mente no sitio por onde passava a estrada
romana de Braga ao Porto e Lisboa, indica-
da no roteiro de Antonino Pio, estrada de
que logo fallaremos no artigo seguinte, Vou-
'ga, pretendida cidade romana.
2. * Ponte de Angeja, na estrada nova a
macâdam de Aveiro a Estarreja.
3. * Ponte do Vouga, ao nascente da villa
de Vouga e junto d'ella, na estrada real a
macadam de Lisboa ao Porto.
4. * Ponte do Pecegueiro, na estrada real
n.* 41, de Aveiro a Viseu, por Vouzella e S.
Pedro do Sul.
5. * Ponte da villa do Banho, na mesma
estrada n.* 41, que ali passa da margem es-
querda para a direita do Vouga.
6. * Ponte de S. Pedro do Sul, na mesma
estrada n.* 41, que ali passa da margem di-
reita para a esquerda do Vouga e ali en-
tronca e morre na estrada real n • 7 de Vi-
seu a Villa Real de Traz os Montes por Cas-
tro d'Ayre, Lamego e Regoa.
V. Viseu, tomo ll.»pag. 1776, coL 2.»n.»
i, e pag. 1777, col. 1.» n.« 4.
7. » Ponte de Cota, na estrada distrietal
n.» 40 de Viseu à foz do Távora, por Moi-
menta da Beira e Taboaço.
.V. Vtseu, tomo 11.» pag. 1778, col. 2.»
n.» 2.
8. " Ponte do Almargem na estrada muni-
cipal a macadam de Viseu a Castro d'Ayre.
V. Viseu, tomo H.* pag. 1780, col. 1."
n.M.
9. * Ponte do \ouga (2.') na estrada real
antiga de Viseu a Moimenta da Beira. I
Demora na freguezia de Ferreira d' Aves
e é uma ponte muito importante.
10. " Ponte de Villa Bôa, também junto de
Ferreira d'Aves.
11. » Ponte do Senhor dos Caminhos^ a
montante d'aquella.
12. » Ponte do Convento da Fraga, a mon-
tante e pouco distante do dieto convento,
que foi de capuchos Antoninos da Conceição
e é hoje um exceliente coUegio ou casa de
educação de meninas^ dirigido por irmãs de
Santa Thereza, que n'elle teem feito muitas
obras e na egreja,— templo magestoso, mui-
to bem tratado e atè muito aceiado, o que
tudo se deve ás beneméritas irmãs de San-
ta Thereza. Se não fosse a dedicação d'ellas,
o venerando convento em breve cahiriaem
ruínas e se nivelaria com o chão, como tem
succedido a tantos outros e talvez succeda
ao magestoso e real convento d'Arouca, ho-
je extincto, fechado e em completo abando-
no, por haver fallecido a ultima abbadessa e
ultima religiosa em 1887, — se bem me re-
cordo.
V. Ferreira d' Aves, tomo 3.* pag. 172, col.
1.»— e Arouca n'esie diccionario e no sup-
plemento.
Talvez tenha mais pontes já construídas,
que nós não conhecemos— e está em proje-
cto outra ponte sobre o Vouga, na estrada
distrietal n.* 41 de Mangualde e Viseu á es-
tação de Freixo de Numão, na linha férrea
do Douro.
V. Viseu, tomo 11.» pag. 1779, col. 1."
n.» 4.
Todas as pontes mencionadas supra são
de cantaria de granito, exceptuando a l.*,
que é formada por taboleiros de ferro sobre
pegões tubulares de ferro também— e a 2.*,
que é de madeira.
Também este rio tem muitos açudes, mui-
tos moinhos e alguns barcos de recreio e de
passagem nos sitios onde não ha pontes.
No verão, exceptuando as represas dos
açudes, é quasi microscópico e em alguns
pontos se atravessa a pé enchuto, como nós
o atravessámos muitas vezes na cascalheirc
vou
vou 1977
janto da villa do Banho, mas no inverno
alteia inamenso;— torna-se imponente e ma-
gestoso; só nas pontes se atravessa— e ain-
da est'anno de 1888, no dia 12 do corrente
roez de novembro n'elle hoave uma enorme
cheia.
Com data de 13 do corrente diziam de S.
Pedro do Sul:
«—Tem chovido estes dias torrencial-
mente. Os rios Vouga e Sul encheram por
tal fórma, na noite de domingo para segun-
da-feira, como não lembra ha mais de qua-
renta annos!
Foram destruídos muitos moinhos, derri-
bados muitos muros, inundadas muitas
propriedades, ete.
Hontem (2.» feira, 12) de manhã correu
muita gente a ver a corrente dos rios, e
n'essa occasião viam -se, arrastados pela
agua, muitos moveis de casas, animaes do-
mésticos, utensílios de lavoura, troncos de
arvores, etc.
Hontem não veio o correio de Nellas nem
de Estarreja, devido também ao mau tem-
po.»
Effectivamente a tal cheia do Vouga no
dia 12 d'este mez ultrapassou a de 1860,
que foi a maior d'e8te século no Vouga, no
Douro e nos outros rios ao norte do nosso
paiz, em quanto que ao sul, no Tejo e no
Guadiana, etc. foi maior a de 1876.
Também esta de 1888 em alguns dos ou-
tros nossos rios e ribeiros ultrapassou a de
1860, mas no Douro foi muito inferior e em
geral causou muito menos prejuízo, porque
a tormenta cessou no dia 12 e logo o tempo
estiou, emquaoto que nos annos de 1860 e
1876 a chuva foi muito mais duradoura.
Esta de 1888 deixou assignalada a sua
passagem no Vouga, pois destruiu a ponte
de Cota, n.« 7 da nossa lista.
Também a mesma tempestade nos dias
He 12 interrompeu em alguns pontos a
circulação dos comboyos nas nossas linhas
férreas do Norte, do Douro e do Tua, mas
no dia 13 todos volveram ao seu estado nor-
mal, sem perda de uma só vida.
É para' lamentar que em todo o Vouga,
«endo aliás um dos rios mais importantes
da nosso paiz, até hoje se não montasse uma
fabrica única de lanifícios, ou ds papel, ou
de fiação d'algodão, — fabricas que abundam
em alguns rios nossos de muito menor vo-
luni*>.
V. Ceia, Gouveia da Beira Baixa, Padro-
nellu, Pera, Thomar e \izella, rio.
Terminaremos dizendo que— na opinião
de vários auctores— -o rio Vouga àniigamen-
te se denominou Vácua e tomou o nome da
cidade romana Vacca, sita na Cava de Vi-
riato, em Viseu, ou na exlincta villa de
Vou^a.
Para evitarmos repetições, veja-se o ar-
tigo seguinte:
VOUGA— villa extincta e extincta cidade
romana, (?) hoje simples aldeia da freguezia
de Lamas, concelho d'Agueda^ districio de
Aveiro.
Este tópico é muito nebuloso e dava as-
sumpto para uma Memoria académica. Va-
mos apenas esboçal-o, dividindo-o para
maior clareza era 3 partes:— na 1.» fallare-
mos da povoação ou aldeia actual de Vou-
ga;—m 2.« fallaremos da villa e do conce-
lho;—usl 3.« da cidade romana Vacca, séde
dos vacceos, como dizem alguns auctores. A
l.« parte é clara; a 2.» bastante nebulosa—
e mais nebulosa ainda a 3." pois tot capita,
tot sententiae!. . .
PARTE 1.»
A povoação ou aldeia actual de Youga
N'esta data— novembro de 1888— com pre-
bende apenas 20 a 2S fogos e 60 a 70 habi-
tantes. Demora na margem esquerda do rio
Vouga, que nas enchentes banha a parte
baixa da povoação, situada em planície. As
casas restantes demoram na encosta de um
monte, cuja pendente N. desce até o Vouga,
que tem ali uma soberba ponte de pedra na
estrada real a macadam de Lisboa e Coim-
bra ao Porto, seguindo pelo mesmo leito da
1978 VOU
VOU
estrada mourisca, ou feita pelos mouros,* era
substituição da vellia estrada romana que
muito provavelmente in illo tempore o Vou-
ga e o mar tinham arruiíiado, pois seguia
mais a 0. e junto do littoral, aproximada-
mente pelo traçado que hoje segue a linha
férrea do Norte, tocando em lalabrica
(Aveiro ou Cacia) segundo se lé no roteiro
d' Antonino Pio.
V. Estradas romanas, tomo 3." pag. 73,
col. 2 »; Itinerário d' Antonino, no mesmo
vol. pag. 401; Vias férreas, tomo li." pag.
467 6 segg. e Aveiro.
A povoação ou aldeia de que no momen-
to nos occupamos dista apenas alguns me-
tros da margem esquerda do "Vouga e da
mencionada ponte: — 1 kilometro ao norte
do sitio do Mamei, hoje despovoado, onde,
como logo diremos, esteve a antiga matriz
d'esla parochia de Lamas 2 e da povoação e
Villa de Vouga; 1 kilometro também a N.
E. da sua actual egreja matriz;— -8 da
villa d'Agueda, hoje a séde do concelho, pa-
ra o norte; 13 a 14 de Peeegueiro para S.
1 Ainda hoje lá se vê ao longo da dieta
estrada, no termo da freguezia da Trofa^ a
S. e não longe da villa de Vouga, uma al-
deia denominada Mourisca.
V. Mourisca, tomo 5.» pag. 580, eol. 1."
n'esle diecionario — e em Viterbo Estrada
Mourisca.
2 As paroehias limitrophes d'e8ta são as
seguintes.
Maeinhata do Vouga a N. — ■ Vallongo e a
mesma de Maeinhata a E.;~S. Salvador da
Trofa (antigamente Covellasl...) aS., — e
Alquerubim, antigamente Alcarouvim; a 0.
Na aldeia do Ameal d'e8te ultima fregue
zia, mora o sr. dr. José Correia de Miranda,
distineto jurisconsulto, muito illuslrado,
muito conhecedor d'estes sitios e o meu
principal informador n'esle emmaranhado e
nebuloso artigo.
Também devo alguns apontamentos ao sr.
dr. José Joaquim da Silva Pinho, de Jafafe,
aldeia da freguezia de Maeinhata do Vouga,
— cavalheiro muito illustrado também e
muito conhecedor da localidade.
O. e 15 a 17 d'Ayeiro e da linha férrea do
Norte, para E.
A freguezia de Lamas hoje apenas com-
prehende as i povoações seguintes;— Lama*,
séde actual da parochia, Pedaçães e Vouga,
na margem esquerda do rio Vouga, — e Vil-
la Verde na margem direita.*
A povoação de Vouga foi villa e séde de
concelho, mas nunca foi séde de parochia.
Era parte integrante da parochia de Santa
Maria de Lamas do Vouga ou do Mamei,
cuja matriz estava na antiga povoação e vil-
la de Mamei, hoje sitio deserto, talvez por
ser muito pantanoso e doentio. Por esta
mesma rasão transferiram a séde da paro-
chia para a aldeia de Lamas, não sabemos em
que data, mas talvez ha muitos séculos.
Os escotnbros da velha matriz desappare-
ceram ha pouco tempo. Faziam parte do
passal d'esla freguezia de Lamas, que pela
lei de desamortisação foi posto em praça e
arrematado pelo cónego Manoel Homem de
Macedo da Camara Motta, e hoje constituem
com o dito passal, antiga cerca do antiquís-
simo convento de Santa Maria de Lamas ou
do l^arnel, um prédio ou quinta importan-
te, pertencente ao dicto cónego.
V. Lamas do Vouga, tomo 4." pag. 32, col.
2."; Maeinhata do Vouga, tomo 5.'' pag. 17,
— e Mamei no mesmo vol. pag. 87, col.
e 2.»
* Na povoação de Lamas demora a egre-
ja matriz, cuja padroeira hoje é Nossa Se-
nhora da Assumpção. Também lá se vê ain-
da a imagem da antiga padroeira — - Santa
Maria, — que estava na antiga egreja mo -
nasterial e parochial da Santa Maria de
Lamas, d'onde foi transferida para a egreja
actual, anteriormente simples capella de
Nossa Senhora da Assumpção.
Em Pedaçães ha também uma capella de
S. Lourenço — e na extincta villa de Vouga
uma capella do Espirito Santo, muito anti-
ga e bem conservada, porque foi ha poucos
annos restaurada a expensas de alguns de-
votos.
Também me dizem que na egreja actual
de Lamas está uma inscripção gothica em
uma pedra que foi da velha matriz e que
''allude à fundação ou sagração d'ella.
vou
vou 1979
De pafsagem diremos que a freguezia de
Macinhata do Vouga está na esquerda e não
na direita d'e9te rio, como di88e por lapso o
meu antecessor.
Estão effectivamente na esquerda do Vou-
ga a matriz e algumas povoações e terrenos
d'e8ta freguezia; mas na margem direita oc-
cupa também larga zona e ali tem algumas
aldeias, taes são — Gandara, Serem, RoxíOj
Mesa, etc.
Também a lagôa do Mamei está toda na
freguezia de Lamas do Vouga — e não na de
Macinhata do Vouga, como disse o meu an-
tecessor no citado art. Marnel, — artigo aliás
muito interessante e muito digno de ler-se.
Como ali se diz e prova, o Marnel foi po-
voação acastellada e muito importante no
sec. XI, pois em um dtieumenlo de Lorvão
se lhe dá o titulo de cidade — e em outro o
de Villa; note-se porem que outr*ora esies
termos não tinham a significação hodierna.
Por vezes as cidades — inclusivamente o
Porto e Lisboa — se denominavam villas, em
quanto que Ceia, Gouveia da Beira Baixa e
outras villas se denominavam cidades.
Veja seoart. Villa, tomo l!.»pag. 663^
eol. 2.' — e Lusitânia, tomo 4.0 pag. 492,
col, 1.»
Note-se também que Lamas e Marnel são
quasi syaonimos,— paíííVa, lamaçal, terreno
alagadiço— e outr'ora emprega vam -se indis-
tinctamente, pelo que hoje mal podemos sa-
ber quando os velhos documentos fallavam
da povoação de Lamas, propriamente dieta,
—ou da de Marnel.
Na lagôâ do Marnel desagua o rio d'este
nome, que nasce no concelho de Sever; atra-
vessa parte das freguezias de Macinhata e
Vallongo do concelho d'Agueda; tem cerca
de 15 kilometros de curso — e na lagôa do
Marnel uma boa ponte nova — e outra anti-
ga, abandonada.
Também desagua na mesma lagôa do Mar-
nel e campo da Trofa outro rio ou ribeiro
que vem da serra das Talhadas e tem de
curso igualmente cerca de IS kilometros.
Ámbos vão ter ao Vouga por uns riachos
não navegáveis nem fluciuaveis.
A ponte do Vouga é differente da do
Marnel; demora cerca de 1 kilometro a N.
junto da povoação ou villa do Vouga — e tem
7 ou 8 grandes arcos de pedra de dlfferen-
tes estylos, sendo uns ogivaes, outros de
volta inteira e outros de volta abatida, se-
gundo as diversas rflconstrucçòes A ultima
reconstrueção data de 1713 e foi ordenada
por D. João V, segundo se lê em uma ins •
cripção gravada no meio da dieta ponte.
Apenas lhe fizeram alguns reparos aproxi-
madamente em 1858, quando se fez a estra-
da real a macadam de Coimbra ao Porto.
Os pegões dos arcos estão muito soterra-
dos com as areias, mas ainda assim devem
terem alguns pontos cerca de 20 metros de
altura até o ta boieiro — e e?te cora as ave-
nidas tem de extensão aproximadamente
200 metros. ■
A ponte actual ào Marnel, por onde passa
também a mesma estrada real de Coimbra
ao Porto, foi feita junto da velha ponte, al-
guns melros para O. Principiou a construo-
ção em 12 de janeiro de 1858 sob a direc-
ção do distincto engenheiro José Diogo
Mousinho — e terminou em novembro dé
1859. Custou 19:384i^920 réis — e os seus
materiaes são grés e calcareo,— a pedra da
localidade.
As pontes do Marnel e do Vouga devem
datar do tempo em que os mouros fizeram
a estrada por este sitio, mas tanto uma co-
mo a outra toram reconstruídas varias ve-
zes, já por se arruinarem com as enchentes
dos dois rios e com o peso dos séculos, já
porque muito provavelmente foram destrui-,
das por oceasião das batalhas que junto
d'ellas se feriram desde tempos muito re-
motos. V. Mamei.
Nos fins do sec. xii, por exemplo, estava
em ruínas e talvez em reconstrueção a pon-
te do Vouga, como se deprehende do testa-
mento de Gonçalo Gonçalves, chantre do
Porto e de Coimbra, testamento feito em 12
d'abril de 1262, (era 1300) pois n'elle, entre
outros muitos legados, deixou ás pontes da
1980
VOU
VOU
Vouga, Agueda, Ceira, Albia e Canavezes—
ancipitrem meum. . . meos panos de tirita-
nta, annulum meum de Robibalais.^
Dissert. Chtonol. de João Pedro Ribeiro,
tomo V, pag. 81.
Parece que no anuo de 1300 ainda a pon-
te do Vouga não estava reconstruida, por-
que u'aquella data o bispo do Porto D. San-
cho legou também certa quantia para se aca-
barem a» pontes de Canavezes, Agueda e
Vouga, como se lé no Catalogo dos bispos
do Porto, pag. 1 12.2
Em 1708 03 rios Vouga e Marnel haviam
alteado tanto os seus leitos, que as duas
pontes e.<itavam quasi soterradas.
Paliando da villa de Vouga, diz a Choro-
gr. Port. — «Tem sobre o Vouga hua pon-
te de pedra de muitos olhaes, mas já tão
areada, que em tempo de cheias se passa
em barcos, e he estrada publica de Coimbra
para o Porto, que passa por dentro da villa.
Ha também outra ponte d'arcos sobre o rio
Marnel, que no tempo do inverno e cheias
se não passa.»
Era isto em 1708, pelo que em 1713 D.
João V mandou reconstruir a ponte do Vou-
ga e talvez a do Marnel também.
O local da povoação de Vouga é pitto-
resco, muito arborisado e muito fértil, prin-
cipalmente na parte baixa. Produz muito
milho e vinho— e até meiado doeste século,
antes de adoecerem os nossos pomares de
larangeiras, produzia também muita e ópti-
ma laranja, mas o seu clima é muito insa-
lubre, já pela visinhança dos gràndf^s pân-
tanos, já porque não tem agua potável. Be-
be a do rio Vouga, pelo que a sua popula-
ção tende a desapparecer, como pelas mes-
mas rasões já desappareceu completamente
a da villa do Marnel, — villa antiquíssima,
que foi matriz dos povos circumvi.ainho3
até grande distancia. Segundo reza a tradi-
ção foi inclusivamente a matriz da villa de
Esgueira, distante cerca de 17 kilometros
para 0.^ villa que durante muitos annos
foi sf^de (ia comarca a que pertenciam os
concelhos de Aveiro, Anadia, Estarreja, Vou-
ga e outros muitos.
V. Esgueira.
PARTE 2.»
A villa e o concelho de Vouga
» A ponte de Albia muito provavelmente
era a ponte da Murcella, sobre o rio Alva,
na estrada da Beira, de Coimbra a Celorico
pela m. e. do Mondego.
V. Alva e Murcella.
2 O sr. Marques Gomes na sua descripção
do Districto de Aveiro, pag. 48, menciona o
mesmo legado, mas assigna-lhe a data de
1292, o que foi lapso, pois o bispo D. San-
cho falleceu no anno de 1300 e fez o seu
testamento no dia 7 de janeiro do mesmo
anno.
Também o sr. Marques Gomes loc. cit.
confunde a ponte do Vouga cora a do Mar-
nel, sendo vizinho diambas e devendo co-
Dhecel-as muito melhpr do que eu.
E' innegavel que esta povoação de Vouga
foi villa e séde de concelho desde tempos
muito remotos até 1853.
D. Manoel lhe deu foral em Lisboa a 18
de março de 1314.
1 Não se estranhe isto, pois com a inva-
são dos bárbaros no sec. v, com a dos mou-
ros no sec. VIU e com as guerras posteriores
rarearam muito em Portugal e na península
as egrejas parochiaes. Assim também consta
que a eapella de Nossa Senhora do Sabrosa,
junto da villa de Barcos, concelho de Ta-
boaço, a egreja de Carquere, era Rezen-
de, e a de Anciães em Traz os Montes, etc,
foram matrizes dos povos circumvisinhos
até muitas legoas de distancia.
V. Fí7/aiíía/ííeTraz-os-Montes, tomo 11.®
pag. 963 col. 2.»
Também nos artigos próprios já dissemos
que no sec. vi, os bispados de Braga, Porto,
Lamego, Viseu, Guarda e Coimbra, então to-
dos pertencentes à proviocia da Galliza, es-
tavam reduzidos a um limitado numero de
parochias, como se vé das actas do concilio
de Lugo, celebrado no anno de 569,
vou
vou 1981
Livro de Foraes da Estremadura, fl. 84,
V. col.
V. o processo para este foral na Gav. 20,
maço 12, n.» 47.
Estranhamos que não tivesse foral antigo.
Pelo menos Franklin não o menciona nem
o encontramos no Portugaliae Monumenta;
mas é ionegavel que este concelho de Vouga
já era muito importante e se regia por fo-
ros sevs próprios no anno de 1117, coma se
vê da carta do couto que a rainha D, The-
reza deu m illo tempore à villa de Ossella,
hoje simples parochia do concelho de Oli-
veira d'Azemeis.
V. Os&ella, tomo 6.» pag. 299, col. l.«— e
aquelle interessante documento no Sm does-
te tópico.
O concelho de Vouga era muito extenso
nos princípios da nossa monarehia, — segun-
do se lê na memoria sobre o Dislricto de
Aveiro pelo sr. Marques Gomes, e assim se
conservou até o reinado de D. Fernando I,
data em que foi muito cerceado e reduzido
a um pequeno numero de parochias.
Pelo decreto de 28 de junho de 1833 com-
punhã-se das freguezias de Alacinbata do
Vouga, Valloogo e Valle Maior. Posterior-
mente foram-lhe annexadas as de Agadão,
Castanheira do Vouga, Macieira d*Alcoba,
Préstimo, Agadães e Trofa. Por decreto de
28 janeiro de 1835 foi lhe tirada a fregue-
sia de Valle Maior e annexada ao concelho
d'Albergaria Velha;— finalmente por decre-
to de St de dezembro de i853 foi extincto
o concelho de Vouga — e as freguezias de
que se compunha ficaram pertencendo ao
concelho d'Agueda. »
Assim desappareceu o antigo concftlho de
Vouga, que chegou a ter bastante impor-
tância,^ mas a villa desde que ha memoria
1 Os seus habitantes gosavam os foros,
privilégios e regalias de cavalleiros villões,
como diz Alexandre Herculano, Hist. de Port.
tomo 3.» pag. 324 e 330.
YOLUMB XI
d'ella foi sempre insignificantet Em 1708,
por exemplo, contava apenas IS fogos — e
hoje poucos mais conta, nem ostenta ruínas
ou vestígios de maior população e de edifi*
cações notáveis.
O concelho na data supra tÍDha 2 juizes
ordinários, dos orphãos e das sisas, 2 ve-
readores, 1 procurador, 1 escrivão da ca-
mará, 4 escrivães do publico, 2 almotacés,
1 alcaide e 3 capitães d'ordenanças, alem
de 1 carcereiro e outros empregados meno-
res. Do exposto se vê que os taes 15 fogos
da Villa, ou todos os seus habitantes, eram os
funccionarios públicos?! ; . . E muito pro-
vavelmente alguns ã'elles viviam fóra da
villa. Também esta, como já dissemos, nun-
ca foi parochia, mas uma simples aldeia da
parochia de Santa Maria, hoje Nossa Se-
nhora da Assumpção, de Lamas ou Marnel,
onde estava a matriz, que foi transferida
com a imagem da padroeira para a povoa-
ção de Lamas, como já dissemos.
O pelourinho, a casa da camará e a ca-
deia estavam na villa e desappareceram ha
pouco tempo.
Si licet magna componere parvis, dava-se
n'este concelho o mesmo que se dava no de
Viseu até 1836,^ pois dentro da sua circum-
scripção este de Vouga tinha como o de Vi-
seu encravados outros concelhos autónomos
com justiças próprias, taes eram os seguin-
tes:
1. " Aguieira, villa extincta, hoje simples
aldeia da freguezia de Vallongo, n*este con-
celho d'Agueda.
V. Aguieira, tomo 1.» pag. 40, col. 2.*
2. » Brunhido, também villa extincta, hoje
simples aldeia da mesma parochia de Val-
longo.
V. Brunhido no mesmo tomo, pag. 499,
col. 1.»
Note-se que na aldeia da Arrancada^ per-
» V. Viseu, tomo XI, pag. 1744, col. l.*—
e 1746, col. 2."
125
1982 VOU
VOU
tencente á dieta parochia de Vallongo, se
faziam em 1708 por costume antigo as arre-
matações que a lei mandava fazer no pelou-
rinho da villa e concelho de Vouga. Faziam-
se ali as arrematações, por ser a dita povoa-
ção muito mais populosa e muito mais im-
portante do que a villa de Vouga, pois con-
tando esta em 1708 apenas 15 fogos, a po-
voação de Arrancada linha 209 fogos, 11
sacerdotes e 2 capellas publicas: — uma de
Nossa Senhora da Conceição, com irmanda-
de própria importante, outra de Santo An-
tonio— 6 no meio da povoação um cruzeiro
coberto d'abobada em um largo, onde se
faziam as taes arrematações.
V. Vallongo do Vouga, tomo 10.» pag. 182
col. 2.»— e a Chor. Port. tomo 2.» pag. 161,
edição.
A villa da Aguieira n'aquella data conta-
va 50 fogos — e a de Brunhido 70. Da 2."
diz Carvalho:
«Este povo d'esta villa, e seu termo está
mettido dentro do concelho do Vouga, e tem
juiz ordinário, e dos orphãos, vereador al-
motacel e procurador, todos por eleição de
pelouro, e confirmados pelo ouvidor de Mon-
te Mór. . . » — Da villa de Aguieira diz entre
outras coisas o seguinte: — «Tem juiz ordi-
nário e dos orphãos, vereador, almotarel e
procurador confirmados pelo corregedor da
comarca de Esgueira, que he o de Coimbra.
D. Manoel de Azevedo e Ataíde he senhor
dos foros, e raçoens da dita villa, e seu ter-
mo, que he ametade do logar da Mourisca
para o nascente da dita villa, e para o poen-
te he da villa da Trofa. Está a dita villa de
Aguieyra metida entre o dito concelho do
Vouga do norte, e sul, e do nascente passa
hum ribeyro pelo meyo, que faz a dita di-
visão, o qual se mele no rio Mamei, ficando
a villa da Aguieyra para o poente, e o lu-
gar da Aguieyra, que he do termo da villa
de Vouga, para o nascente. . Tem mais a
villa de Vouga o lugar da Dos Ferreiros,^
que he da freguezia de Santiago do Présti-
mo, annexa á de S. Pedro de Vallongo, jan-
to ao rio Alfusqueiro, no qual está huma
grandiosa ponte de hum só olhai, muito al-
ta, de pedra de cantaria, que do rio mal se
chega com huma pedra acima, assentada
em lagedo muito firme, e larga.»
V. Alfusqueiro u'e8te diccionario — e a
Chor. Port. cujo auctor parece que visitoa
detidamente o extincto concelho do Vouga,
pois falia d'elle cora gronde minuciosidade.
E' muito interessante tudo o que diz das
freguezias de Vallongo e de Macinhata do
Vouga, freguezias já então muito populosas.
Pelo ultimo reeenceamento (1878) a 1.»
contava 587 fogos e 2:069 habitantes; a 2.*
430 fogos e 1687 habitantes, mas deve ser
hoje muito maior a sua população.
N'aquella data a freguezia de Vallongo
pertencia a 3 concelhos— firtíwAíáo, Aguiei-
ra e Vouga, comprehendendo o do Vouga a
maior parte. A de Macinhata era também
do concelho do Vouga in illo tempore, exce-
ptuando as aldeias de Monquim, Chãs, Car-
voeiro. Povoa das Furadas, que pertenciam
ao concelho de Recardàes e eram meieiras
com a freguezia de Val Maior.
V. Recardàes, tomo 8." pag. 71, col. i.» —
artigo muito interessante e que honra o meu
benemérito antecessor.
Note-se também que até 1834 a povoação
de Lamas e as visinhanças do Mamei, onde
estavam as ruinas do convento e da egreja
de Santa Maria de Lamas, não eram do
termo de Vouga, posto que eram da mesma
freguezia. Pertenciam ao concelho d' Aveiro,
como diz o sr. dr. José Correia de Miranda,
di Alquerubim, homem muito illustrado e
muito conhecedor da localidade.
Vamos transcrever a carta do couto, que
1 Ainda em 1836 e nos anoos seguintes | ^ Atravessámos esta povoação muitas ve-
08 aetos camarários e judiciaes do concelho j zes durante a nossa formatura (1851-1856)
do Vouga se faziam na povoação de Arran- \ porque tocava n'ella a antiga estrada de
cada e também algum tempo se fizeram j Coimbra a Lamego; e em 1854 ali passámos
na povoação de Aguieira, na parte que era , a galope bravio!. . .
do termo de^ouga. ! V. Nilta Maior, iomo 11.» pag. 775.
vou
vou 1983
a rainha D. Thereza deu em 1117 à villa de
Ossella,— documento interessantíssimo para
a dieta parochia e para a de Romariz, bem
como para o extincto concelho de Vouga e
para os de Oliveira d' Azeméis, Albergaria
Velha e Villa da Feira.
O citado documento eocontra-se na sua
integra em latim nas Dissertações Chrono-
lógicas, tomo 1.» pag. 243, sob o n.* 36, mas,
para não fatigarmos os leitores, vamos dal-o
em porluguez e por extracto:
tNoverint universi, ad quos preens scri-
ptura pervenerit. . .—Em vulgar:
«Saibam todos os que virem esta escri-
ptura, que, tentando nós D. Egas, bispo de
Coimbra reformar a velha Albergaria de Me-
sãofrio,^ D. Mourão da villa de Vouga (de
burgo de Vouga) nos mostrou certa carta
sem rasuras nem defeito algum, e não can-
cellada nem abolida,. . . cujo theor é o se-
guinte:
«In nomine Sande, et Individue Trinita-
tis...— Em nome da Santíssima Trindade.
Padre, Filho e Espirito Santo, amen. Esta é
a carta de couto que eu a infanta D. There-
za, rainha de Portugal, mandei dar a ti
Gonçalo Eiriz para a tua villa de Ossella:
<Primeiramente dou à mencionada villa
08 termos seguintes: partirá com as terras
de Santa Maria (Villa da Feira) por um la-
do, s. pela estrada que vem de Portugal
(Porto) direita à Pedra d' Águia e d'ahi pelo
meio de Mata talada; depois vae á Mata
da Ussa, que antigamente se denominou Ma-
ta da Brava; d'ali á Mamoa negra, que tam-
1 Albergarie veteris de Meigonfrio.
Assim se denominava então a velha al-
bergaria, núcleo à'Albergaria Velha, hoje
villa e sóde de concelho.
Não se confunda com a outra albergaria
e behetria que houve também in illo tempo-
re na villa e concelho pe Mesãofrio, hoje co-
marca da Regoa.
V. Mesãofrio, tomo 5.» pag. 196, col. 2.»e
Villa Jusã, tomo H.° pag. 766, eol. 2.» tam-
bém.
V. Ttmbem Mamei no tomo 5.» pag. 88,
eol. 2." in fine, e Mesãofrio, pag. 198.
hem já se denominou Mamoa arida;^ d 'ali
a Romariz,^ depois vae pelís outras partes,
ao íerrao de Vouga; passa o rio de Ossejla ;
vae Á Jarneca; depois dá volta pelos valles
de Ossella e vae direito á Fonte Fria, ou-
tr'ora denominada Fontainha de Mesãofrio
{Foctanini de Meigonfrio); depois segue pela
estrada até á Pedra d^Aguia, onde princi-
piou a demarcação.
«E vos faço este couto na villa de Ossel-
la (Osse/o/a) pelas divisões supra, s. — da
mesma villa até o marco do couto, que man-
dei por ao norte, junto da estrada do Porto,
e outro tanto para o poente e sul na direc-
ção dos valles de Ossella, para alem do rio
d'este nome, dando volta até à Fonte Fria e
ao sobreiro marcado^ (Suverario asignato);
depois atravessa a estrada publica para o
nascente e vae direito pelo termo de Val
Maior ao Val pequeno, onde costumam rou-
bar e matar os viandantes; e d'ali, da pri-
meira fonte que está a jusante da estrada
publica, vae direito ao norte até á sêde do
couto.
tE assim vós e os vosáos descendentes
que herdarem a villa de Ossella possuireis
todo este couto pelo açor que desteis a D.
Mendo Boíino, pelo cavallo que desteis ao
meu escudeiro Artaldo, pe]o gavião que des-
1 Parece qne no dicto locai existiu algum
dolmen.
2 V- Romariz, parochia do concelho da
Feira, tomo 8." pag. 242, eol. 2."
A carta de couto diz textualmente:
«. . .deinda ad Romariz, et deinde de alis
partibus ad terminum de Vaga...*
Era muito grande o tal couto, porque Ro-
mariz dista da Villa da Feira llkilometros
para N. E.— e cerca de 20 kilometros da
freguezia de Ossella para N. N. O. — Com-
prehendia pois grande parte dos actuàes
concelhos da Feira, Oliveira d' Azeméis e
Albergaria Velhafl . . .
3 Parece que havia ali um sobreiro que
ficou servindo de marco,— a talvez que to-
masse d'elle o nome a aldeja actual do So-
breiro, pertencente á freguezia d'Albergaria
Velha e distante da villa cerca de 3 kilome-
tros para O.
1984 VOU
VOU
teis a Godinho Viegas* e pela albergaria
qne nós os dois combÍDámos fundar no di-
eto couto sobre a estrada publica; pelas nos-
sas almas e dos nossos maiores.
0 1." albergueiro será Gonçalo de Christo
e por morte d'elle vós nomeareis outros e
lhes dareis para seu sustento e da alberga-
ria uma parte da mesma herdade, s.—des-
de a primeira lagôa dos Sovereiros pela es-
trada que vae para Ossella em direcção ao
rio d'e8te nome até o mesmo rio; d'ali pela
lagôa ate á primeira Mamoa^ que está jun-
to da estrada, até á Fonte Fria; depois pela
outra parte do termo de Val Maior eu e tu
e nossos successores lhes damos o terreno
comprehendido na linha qne vae para o nas-
cente por cima da Petra Cava em direcção
á primeira fonte a jusante da estrada e d'ali
à Fonte Fria, mencionada supra.
• Além d'isto concedo ao albergueiro os
privilégios seguintes: Se alguém o ferir, pa-
gar-lhe-ha 500 soldos; e elle não pagará
contribuição alguma em todo o meu reino a
mim nem a concelho algum.
E a tua villa de Ossella será honra. . .— e
aquelle que n'ella commetter algum delicto
será obrigado a pagar- te as sommas corres-
pondentes per fórum Vaugam (segundo o
foral ou /bros, usos e costumes de Vouga. ^
1 Na freguezia de Val Maior ha uma al-
deia com o nome de Açores e outra com o
de Gavião. Talvez que estes nomes prove-
nham áo'açor e do gavião mencionados pela
rainha D. Thereza, mesmo porque a fregue-
zia de Vál Máior, já existia in illo tempore,
pois na dita caria de couto se toma como
balisa, em quanto que a de Albergaria Ve-
lha, hoje Villa, séde de concelho ede julga-
do municipal, é muito mais nova; provem
da albergaria fundada em 1117 — e foi ere-
cta no termo da freguezia de Val Maior, cu-
jo paroeho ainda em 1834 era o de Alber-
garia Velha, onde apresentava um cura ou
paroeho amovível.
2 Ouiro dolmenl . . .
' Do exposto se infere que já in illo tem-
pore (1117) Vouga era um concelho notável i
•Et omnes homines Vavguenses (todos os
homens ou auctoridadesdo concelho de Vou-
ga) qui cautum istum honoraverint — que
honrarem este conto, i. é. — que protegerem
e beneficiarem a mencionada albergaria, te-
rão jus a todos os benefícios d'ella.
D. Hugo, bispo do Porto, confirma.
Foi feita esta carta de couto na terra (vil-
la) de Santa Maria, denominada Feira, no
mez de novembro, era MCLV (anno 1117).
Eu a infanta D. Thereza, Rainha de Portu-
gal
Regina Dona Tarasia Regina.^
e antigo, porque os foros (usos e costumes)
para terem força de lei demandavam diu-
turnidade de tempo, taes eram os fóros de
Beja, Guarda, Gravão, Torres Novas, Castel*
lo Bom;, Castello Rodrigo, Castello Melhor,
Alfaiates, Santarém, S. Maninho de Mou-
ros, ele.
Effeclivamente o concelho do Vouga já
existia no reinado de D. Alfonso VI de Leão,
pae da Rainha D. Thereza (1:072—1:109)
pois Alexandre Herculano dá noticia de uma
demanda in illo tempore entre Lorvão e Vac-
cariça, dizendo;
«Entre os inquiridores que o conde (de
Coimbra) Fernando mandou examinar e re-
solver o negocio foram Atan (Hailham) jMÍjS
do Vouga, e o arcediago Zoleima.»
Hist. de Port. tomo 3.» pag. 428, in fine.
Do exposto se vê que também já pelos an-
nos de 1072 a villa de Vouga era arcedia-
gado da Sé de Coimbra, dignidade que ain-
da hoje (1888) lá se conserva, — embora no-
minal, em quanto que outr'ora o dicto arce-
diago era o parodio próprio da egreja de
Santa Maria de Lamas do Vouça ou do
Mamei, onde tinha residência e passaes; e
recebia dizimos e pensões não só d'aquella
freguezia, mas d'ouiras circumvisinhas, até
á extincção dos dizimos em 1834.
Hoje — 1888— tem o titulo de arcediago do
Vouga o rev. Antonio José da Silva, actual
vice-reitor do seminário episcopal de Coim-
bra.
1 Do exposto se vê que já em 1117 a ca-
pital das Terras de Santa Maria se deno-
minava Feira, hoje Villa da Feira.
V. Feira, tomo 3.» pag. 153, col. 2."
Também do mesmo documento se vê que
ainda não existiam os concelhos *d'Ovar,
nem de Albergaria Velha, nem de Oliveira
vou
vou 1985
•E para que isto com o tempo não oCfe-
reça duvidas e para que a dieta carta se não
perca em detrimento da mencionada alber-
garia, DÓS a fizemos publicar perante homens
de toda a consideração e, depois de timbra-
da com o sello das nossas armas, a mandá-
mos guardar no thesoaro d'esta cathedral
de Coimbra,
tE eu Gonçalo Mendes, tabellião publico
da cúria episcopal de Coimbra, assisti á pu-
blicação da dieta carta, examinei-a, copiei-a
fielmente e, depois de a reduzir a publica
fôrma, a assignei e firmei com o meu signal
publico. Egreja de Santa Maria de Lamas^
XIII kal. Maii, Era de 1296 (18 d'Abril de
1258). .L-tígar do signal publico. Lugar do
sello pendente, t
Cart. do Mosteiro de S. Bento da Ave
Maria do Porto, Pergaminho n.» 167.
Este mesmo documento se acha em Carta
Regia de conGrmaçao com data de abril da
era 1212 (anno de 1174) a Mendo Fernandes,
neto de Gonçalo Eriz, no Cartório da Fa-
zenda da Universidade.
Dn exposto ísej vê que já em 1238 esta
freguezia se denominava: — Santa Maria de
Lamas (hoje Nossa Senhora da Assumpção).
Parece pois que já então tinha a sua séde
no povo de Lamas. Isto leva a duvidar de
que anteriormente esteve no sitio do Mar-
nel, como diz a tradição e affirmam ainda
boje os homens mais illustrados da locali-
dade; note-se porem que Lamas e Mamei
são synonimos.
Eis ahi na sua integra a carta de couto
dada pela rainha D. Thereza á villa de Os-
d'AzemeÍ8. Todo o território desde a mar-
gem esquerda do Douro até muito além da
margem esquerda do Vouga pertencia aos
concelhos da Feira e do Vouga in illo tem-
pore.
sella, — documento interessante e auclorisa-
do por João Pedro Ribeiro.
Alguém pretende que a dieta carta se re-
íere — não à freguezia de Ossella, mas uni-
camente á velha albergaria, núcleo de Al-
bergaria Velha, — e que a séde do couto era
a Villa {casa de campo) hoje denominada
Assilhó e antigamente Osselôa, pertencente
á freguezia de Albergaria Velha e distante
da villa actual apenas 1 kilomeiro para S.
Corroboram isto com a denominação de pa-
ço, que ainda hoje tem uma casa obscura
da dicia" aldeia, suppondo que ali morou
Gonçalo Eriz e talvez também algum tempo
a rainha D. Thereza.
Tambera dizem que o mencionado couto
se restringia a uma quinta, que foi patri-
mónio da velha Albergaria.
A isto se reduz a opinião de um illuslra-
do filho da localidade e muito conhecedor
d'ella;ma8 nós estamos convencido de que a
séde do couto foi a parochia de Ossella, na
margem esquerda do Calma, distante de
Oliveira d' Azeméis cerca de 8 kilometros
para E. S. E., fundados nas rasões seguintes:
Porque nas demarcações do couto
mencioua-se claramente do lado norte Ra-
mariz, que julgamos ser a freguezia actual
d'este nome, distante da Villa da Feira, a
cujo concelho pertence, 8 kilometros para
E. N. E.— e cerca de 20 de Ossella, para N.
2. «— Porque a dieta carta de couto, de-
pois de indicar a freguezia de Ro-nariz co-
mo termo do couto, diz que elle linha outro
tanto para o sul e poente, — alind tantum
ad Affricam et occidentem. Ora, estando co-
mo está Romariz cerca de 33 kilometros a
N. de Albergaria Velha ou de Assilhó, se
fosse esta aldeia a séde do couto, elle pas-
saria o Vouga e se estenderia para o sul,
aproximadamente até Oliveira do Bair-
ro?l...
Tudo porém se harmonisa, logo que tome-
mos como séde do couto a freguezia de Os-
sella, porque demora aproximadamente a
meia distancia entre Romariz e Albergaria
Velha na linha norte-sul.
3. '— Porque na dieta carta do couto se
mencionam claramente Romariz e Ossella,
1986 VOU
VOU
— e no concelho d'Albergaria Velha não ha
nem consta que houvesse jamais povoação
alguma denominada Romariz.
Ao sul do Douro apenas temos aquella
Romariz — e Romariz d'Alem e Romariz
d' Aquém, povoações da freguezia do Burgo,
no concelho d'Arouca, junto da villa d'es-
te nome, distantes de Ossella mais de 20
kilometros .para N. E. mettendo-se de per-
meio muitas serras, montes e rios que o
foral {carta de couto) não menciona.
Não menciona mesmo terras algumas ao
nascente da villa de Ossella, mas só a
N., S. e O.,— o que nos leva a crer que a
Villa de Ossella, freguezia antiquíssima
(outr'ora cidade com presidio romano?) en-
tão residência de Gonçalo Eriz, já era bem
conhecida e talvez honrada e coutada, — e
que a rainha D. Thereza apenas a ampliou
addiceionando-lhe o grande couto para N.
S. e O.
V. Ossella n'este diccionario e no sup-
plemento— ea 3.» parte d'este artigo Vou-
ga, in fine.
4."— Porque não deve aterrar- nos a gran-
deza do dicto couto, attendendo ao estado
lastimoso em que ao tempo deviam achar-
se as terras que eomprehendia. Talvez con-
tasse 35 kilometros de norte a sul e 20 de
nascente a poente; mas foi ainda maior o
condado (ouvidoria) da Feira — e com as
aturadas luetaá entre os mouros e chris-
tãos, depois das luetas dos romanos com
os suevos e godos e d*estes uns contra os
outros, as terras entre o Douro e o Mon-
dego soffreram muito e em 1117 deviam
estar ainda em grande par le incultas e des-
povoadas!...
5.»— Porque na dita carta se mencionam
dislinetamente os termos do grande couto—
8 depois 03 da quinta, património da Al-
bergária.
A mencionada quinta foi bem conhecida
até 1834. Tinha de diâmetro cerca de 3
kilometros e em toda a eircumferencia mar-
cos de granito. Foi dividida em muitas gle-
bas, as quaes todas pagavam oitávos para
sustento da albergaria, que esteve aberta e
teve administração própria até 1834; fe-
chou-se porém n'esta data, porque a pre-
texto de se haverem extinguido os oitávos
com a extincção dos dizimos, os que pos-
suíam as terras obrigadas aos oitávos, não
mais os pagaram, — fizeram desappareeer os
tombos 6 documentos — e foram arrancando
os marcos da quinta para maior limpeza e
tranquillidade das suas consciências?! . . .
O mesmo succedeu a outras albergarias,
nomeadamente á do Molledo, na freguezia
de Penajoia.
V. Molledo, tomo V, pag. 373,— e Penajoia
n'este diccionario e no supplemento.
Desculpem nos a digressão.
Parece que a villa de Vouga teve armas
próprias, mas o sr. Vilhena Barbosa não as
menciona— e o códice n." 273 da Biblio-
theca publica do Porto, dando aliás muitos
brazões de villas nossas alem dos que o
sr. V. Barbosa menciona, com relação á
villa de Vouga apenas dá o contorno do
brasão e o texto seguinte: — «D. Manoel
deu foral a esta villa. Tem no termo os la-
gares de Arrancada e Macinhata que são
mayores que a villa que tomou o nome
do rio Vouga.»
O auctor do dicto códice é anonymo e
deixou o incompleto e sem data, mas a let-
tra é do see. xvn.
V. o catalogo dos manuscriptos da Bibi.
do Porto, relativo a este anno de 1888.
PARTE 3.'
A cidade romana
VACCA
Na opinião de vários auctores, a villa de
Vouga foi a antiga cidade romana Vacca;
outros a situam em Viseu; outros perto de
vou
vou 1987
Miranda do Douro,— e outros junto dos Pi-
reneu3?l . .
£' pois muito nebuloso este tópico e não
sabemos quando se fará luz que dissipe
completamente as trevas em que jaz.
O dr. Manoel Botelho Ribeiro Pereira, no-
tável escriptor e antiquário visiense,* pu-
gnando pro domo tua, tractou a questão co-
mo ninguém até hoje, sustentando que Vi-
seu é a legitima representante da cidade
romana Vacca. Não transcrevemos aquelle
tópico dos seus Diálogos, porque é muito
extenso e só elle daria talvez â fasciculosi
Ardendo em zelo peias glorias da sua terra
natal, insurge-se contra os que sustentam
opinião opposta, nomeadamente contra o
distínctissimo geographo Gaspar Barreiros,
(ambem filho de Viseu e seu parente,^ por
dizer que a séde de Vacca foi a villa de Vou-
ga; mas o sábio cónego Berardo, também
visiense,^ despresa a opinião dos que situara
Vacca tanto em Viseu, como na villa de
Vouga e mostra-se disposto a crer que ella
esteve junto dos Pireneus.^
D. Jeronymo Contador d'Argote falia mui-
to dos povos vacceos, como povos muito im-
portantes, repetidas vezes mencionados por
Strabão, Ptolomeu e Plínio, sendo todos con-
cordes em dizer que elles demoravam junto
das nascentes do Douro, aproximadamente
desde Zamora até Freixo de Espada á Cinta.
Argote diz que os vacceos confinavam
com os astures, tendo por^linba divisória o
rio Esla.
Strabão no livro 3 » pag. 1S2 e 162 diz o
mesmo e são d'elle estas palavras: «... in-
de vetones et vaccei, per quos Durius labitur,
ad Confiam urbem vacceorum transitum fa-
ciens.
1 V. Viseu, tomo li.» pag. 1690 (tit. Cava
de Viriato) col. 2.» e segg. — nomeadamente
pag. 1693 (nota) 1693, 1714 e 1715.
2 V. Viseu, tomo 11.» pag. 1805, col. 1.»
3 V. Viseu, tomo 11.» pag. 1803, col. 3.»
* V. Viseu, tomo 11.» pag. 1815. col. 2.» e
aegg.
* V. Viseu, tomo 11." pag. 1715, col. 1.*
Em vulgar: «ali começa a região do veto*
nes o vacceos, por entre os quaes segue o
Douro até Cmcia, (Miranda do Douro) ci-
dade dos vacceos.»
Também eram cidades d'elle3 as seguia*
tes:
—Intercacia, distante 15 legoas d' Astor-
ga, no caminho de Valhadolid, perto de
Cauca e de Palença;^
— Sentica, hoje talvez Zamora;
— SarabriSj hoje talvez Toro;
—Pincia, hoje Valhadolid;
—Rauda, hoje talvez Aranda, no caminho
de Astorga para Saragoça, por Cantábria.
Elles confinavam com os arevacos e astU'
reSj ou asturianos.
Demoravam pois nas margens e nascen-
tes do Douro, não do Vouga.
V. Memorias d' Argote, tomo 1.* pag. 150,
160, 198, 442, 443, 444, 446, 447, 451 e
452.
E* isto o que diz e prova muito bem o
sábio académico Argole; mas è também de
grande peso a opinião de Gaspar Barreiros:
— que a cidade Vacca esteve junto da ponte
do Vouga, — opinião que seguiu e sustentou
com muita erudição em um dos seus arti-
gos Oppida restituta o sr. Antonio Cardoso
Borges de Figueiredo, no Boletim da Socie-
dade de Geographia de Lisboa (5.» serie,
n.* 6—1885) da qual è bibliothecario.
Aquelle interessante artigo veiu dar uma
nova face á questão e ó textualmente o se-
guinte:
VÁCUA
{Cabeço de Vouga)
I
«Informa o fidedigno Gaspar Barreiros
que n'um códice da Historia Natural de
Piinio se encontra menção d'um oppidum
1 Pallencia, hoje Palençá, foi também ci-
dade dos vacceos no tempo de Plinio, maa
no tempo da Hespanha primitiva pertencia
aos arevacos.
Memorias S Argote, tomo 1.° pag. 76 e
443.
1988 VOU
VOU
lusitano denominado Vacca. Exprime-se do
modo seguinte o notável archeologo:
«em hum arcbetypo Toletano sta scripto
âa maneira que dixe. s flwnen Vacca, oppi-
ium Vacca, oppidum Talabrica, etc. A qual
liçam Fernando Píntíano cõmendador de
Salamanca cita nas suas castigações Plinia-
nas.>*
Parece ser aquelle o único códice da obra
de Plínio em que se encontra noticia do
oppidum Vacca, pois não vi ainda nas va-
riantes de edição alguma, por mais comple-
ta,,apontada esta particularidade; e isto pô-
de levar a conriuir o serem aquellas pa-
lavras uma intercalação de copista. Despre-
sar, porem, sem exame aquella versão do
alludido códice, simplesmente por ser úni-
ca, é grave erro de quem olha as coisas su-
perficialmente e não tem aptidão para os
estados archeologicos. Demais, outros escri-
ptores antigos mencionaram a povoação de
que se trata, como se verá, e a sua posição
é fácil de determinar.
Antes de proseguir, direi que a verdadei-
ra forma do nome ó Vácua e não Vacca nem
Vagia, como se encontra em exemplares de
Plinio e nos restantes auctores latinos. Aquel-
la verdadeira fórma, designando o rio Ova-
xova^ (em grego), é comprovada pela que ap-
parece nos documentos medievos, do ix ou
XII século, Vauga e Vouga,^ d 'onde a forma
moderna Vouga. O termo parece de origem
celta, como nota o meu amigo Adolpho Coe-
lho,* devendo com elle comparar-se nomes
análogos, que se têem lido em inscripçòes e
que se encontram na obra de Cesar.
Posto isto, e advertindo que apenas nas
trtxscripções empregaria fórma incorrecta,
vou apontar qnaes as noticias que nos res-
tam assim ácerca da povoação como do rio
seu homonymo.
* G. Barreiros, Chorog. p. 51.
2Strab, 111,3; 4.
' Port. Mon. Hist., Dipl. et Charí., doe.
XII de 897.
* Ad. Coelho, Sur la forme de quelques j
noms geographiques de la peninsule Iberique, !
Helanges Gaux, 1882. j
II
«N'um pequeno tratado cosmographico,
que não tem merecido grandes attenç5es, e
que por muito tempo foi attribuido a Aethi-
co, vem mencionado um oppidum Vacca.
Lé-se na apontada obra: *occeanus occi-
dentalis habet famosa oppida: Bracura, La-
sura, Augusta, Vacca, Celtiberia, Caesarea
Augusta, Tarracona. . .^>' E' evidente quan-
ta corrupção ha n'esie texto. Entendo toda-
via que não olTerece diífieuldades a sua re-
constituição.
Parece á primeira vista que o auctor at-
tribue ao occeano occidental as sele cidades
que ílcam transcriptas; mas não é, não
pôde de modo algum ser essa a intelligen-
cia verdadeira d'aquella passagem. Creio
que a interpretação racional d'ella é do se-
guinte moáo:—* occeanus occidentalis habet
famosa oppida: Bracara, Lucus Augusti,
Vacca; Celtiberia (habet famosa oppida:)
Caesarea Augusta, Tarracona. . .» Isto não
sô porque de maneira nenhuma caberia re-
ferir ao occeano occidental as duas ultimas
povoações que pertenciam á Celtiberia, e
por conseguinte ao mar interior, senão lam-
bem porque a palavra Celtiberia não tem
caracter de nome de povoação, sabendo-se
muito pelo contrario que ella designava
uma região do oriente da península.
A duvida que resta é sobre o terceiro op-
pidum do occeano occidental.
Era a mesma cidade mencionada no có-
dice pliniano de Toledo, ou era uma povoa-
ção dos Vacceusf
Não me parece que se possa defender a
segunda hypothese, porque, comquanto
n'esse caso o oppidum estivesse na bacia
do um rio tributário do occeano Atlântico,
ficaria muito no interior para dever contar-
se entre as cidades occidentaes como Bra-
cara e Lucus Augusti. Não caberia também
mencional-a a ella sô, como cidade dos Vac-
^ Cosmographia olim Aetici dieta, col.Riese
Heibronnae, 1878, p. 80
vou
vou 1989
ceus, quando se não fallava de Palancia, a
principal das povoações d'aqaelle povo.^
Alem d'isso a honoonymia chama para a
margem do rio Vácua a povoação, e não ha
a mais leve duvida de que este rio é o que
boje se chama Vouga.
«A falta d'ordem geographica na menção
das tres cidades occidentaes não deve tam-
bém servir de argumento em conirario; por
que o auctor seguiria quanto a ellas a or-
dem da importância das terras, e sabe-se
eíTeeti vãmente que Br acara era mais im-
portante que Lucus Augusti, cabendo só de"
pois d'esta o fallar de Vácua. E' pois de ra-
são o considerar idênticos o oppidum de
Plínio e o da cosmographia anonyma.
Um eseriptor hespanhol do século v, Pau-
lo Orosio, traz o nome de Baccia aiiribuido
a uma cidade da Lusitânia, ao fallar daslu-
ctas dos corajosos habitantes d'e8ta região
com os romanos.
Diz o eseriptor christão; tlgitur Fabius
cônsul contra Lusitanos & Yiriatum dimi-
cans Bacciam oppidum, quod yiriatus obsi-
debat...^» Esta povoação é sem duvida a
mesma de que tenho fatiado. Em primeiro
logar, o nome Baccia approxima-se muito e
naturalmente da forma Vagia que vimos
achar-se em Plioio, sendo desnecessário
apontar as rasòes que determinam esta iden-
tificação. Em segundo logar os succesnos de
que Orosio se occupa n'aquelle ponto da sua
historia tiveram por theatro o occidente da '
península.
III
«A situação de Vácua, segundo Gaspar
Barreiros, é a «Ponte de Vouga- s. Pote de
Vacca, nam por causa do rio se nam por
causa do nome do logar, como dizemos Põte
do Arcebifpo ou Ponte d' Alcantara.*
Conforme diz Carvalho da Gosta • He tra-
dição, que no cabeço de Vouga esteve anti-
gamente huma Cidade chamada Vacca, &
ainda hoje se acham tijolos, & pedras la-
vradas, & outros vestígios de edifícios. N'el-
le está agora huma Ermida do Espirito
Santo.ii
Não se pôde em verdade afastar o antigo
oppidum da actual villa de Vouga, conside-
rando ter existido no monte da ermida do
Espirito Santo, ou Cabeço do Vouga, a ca-
valleiro d'e8ta terra. Restos da antiga po-
voação por um lado, por outra o próprio
nome, confirmam a identificação: Vouga
Vauga, metathese da Vagua (Vácua); com
que se deve comparar a fórma popular auga
por agua; anauga por anágua, èuga por
égua, léuga por tegua, révga em vez de rc-
gua, etc.2
Se Vouga durante algum tempo mereceu
o cognome de famosa ou ao menos o de
notável, cedo perdeu o esplendor. Foi por-
ventura estação do itinerário entre Eminio
e Lancobriga; mas em breve foi supplanta-
da e substituída pela sua visinha Talabriga,
que se engrandeceu facilmente, e com rasão
pela sua mais vantajosa posição á beira-
mar, o que lhe proporcionava o desenvolvi-
mento da industria e do eotnmereio; a in-
dustria da pesca e do sal; o commercio d'es-
tes dois productos e de outros que recebia e
armazenava.»
Respeitamos muito a opinião do sr. Bor-
ges de Figueiredo e não queremos impu-
gnai a; suppomos porem que não disse a
ultima palavra sobre o assumpto;
1."— Porque o mesmo sr. Figueiredo
mostrou repugnância em acceitar a lição de
um códice de Plínio differente da lição de
todos os outros códices do mencionado geo-
grapho;
1 Appiano, VI, 74.
» Orosio, Hi8., y. 2.
* Chorog: port. II, p. 161.
2 Ad. Coelho, op; cit.
1990 VOU
2. *--Porque o mesmo sr, Figueiredo diz
que não tem merecido grandes attenções o
pequeno iractado cosmographico anonymo,
altribuido a Aetico;
3. »— Porque temos difliculdade em crer
que a 'Baugia de Paulo Orosio fosse o pre-
tendido oppidum Vacca da villa de Vouga,
4. »— Porque até hoje (que nós saibamos)
ninguém ali encontrou cippos ou lapides
com inscripçòes, muralhas, torres, estatuas,
ou quaesquer outros vestígios da famosa
cidade romana. Apenas o padre Carvalho (?)
indica umas bagatellas.
5. "— Porque a posição geographica e es-
tratégica da Villa e monte do Vouga é rela-
tiva à estrada que atravessa ali a ponte,
mas essa estrada, como geralmente se diz,
foi feita pelos mouros em substituição da
velha estrada romana que seguia pelo lit-
toral, muito mais ao poente. Logo a dieta
cidade no tempo dos romanos era uma ci-
dade sertaneja: não podia ser estação ou
castro do roteiro de Antonino — nem n'elle
se encontra como tal nas rectificações de
Parlhy e Pinder.
6 ' — Porque os vacceos, como dizem o
dr. Manoel Botelho Ribeiro e outros, toma-
ram o nome da famosa cidade romana
Vacca,— e elles demoravam muito longe do
Vouga, como já dissemos supra e diz tam-
bém o sábio Fr. Felippe de la Gandra nas
Armas y Trmmphos de Gallicia:
»0s vaceos, hoje campesinos, tinham por
capital Pallencia e soffreram também cruel
assedio durante a guerra de Numancia.
Palencia era já então cidade importante e
tanto que, apesar do cerco, os romanos
commandados por Luculo tiveram de re-
tirar, sendo perseguidos pelos palentinos
até ás margens do Douro.
Passados 2 annos foi Palencia outra vez
sitiada por Marco Emilio Lépido cônsul, e
outra vez os romanos tiveram de levantar o
cerco.»
Op. cit. supra, pag. 19 e 20.
O sr. Borges de Figueiredo podia tam-
bém citar em favor da sua opinião o Mappa
VOU
de Abrahão Ortelio que s. ex.» na Memoria
sobre Eminium citára com muito louvor pou-
co antes,» pois no dicto Mappa se encontra
o pretendido oppidum, junto da villa de
Vouga; mas teria também pouca força tal
argumento, porque, segundo diz Argote,
fallando do Juliobriga, cidade romana con-
génere, Ortelio... não tem auctoridade em
matéria tão antiga.^
E que vemos nós no dicto Mappa'^
Siiúa bem Conimbrica, hoje Condeixa
Velha,— e Eminium, a Coimbra actual,
mas foi muito infeliz em outros pontos.
Silúa, por exemplo, Brocara Augusta em
Barcellos, na margem direita do Cavado;
o Lima no seu local próprio, entre o Mi-
nho e o Cavado,— e o Fórum Limicorum,
(Ponte de Lima) aproximadamente em San-
ta Martha de Penaguião, no disiricto de
Villa Real de Traz os Montes; Lameca (La-
mego) na margem direita do Douro, ao
> poente de Baião e não longe da foz do Tâ-
mega; dá o rio Vouga como aíiluente do
Agueda e põe a famosa Vacca a jusante
da confluência dos dois rios, na margem
direita do Vouga, etc. etc.
Também o sr. B. de Figueiredo podia
citar o Mappa Breve da Lusitânia Antiga
do Padre Francisco do Nascimento Silveira,
auctor do Côro das Musas, etc. pois no §
XLIÍ da Taboa III, pag. 239, diz textual-
mente:
* Vacea. Foi cidade antiga da Lusitânia, e
exislio em hum sitio alto, e forte por natu-
reza, entre as pontes do Vouga e Mamei;
porque ali se vem vestigios de muros anti'
gos, e signaes de huma magestosa grande-
za.. .—MgA- se, (\[xe destruída Vacca, se
deo ás suas ruinas o nome de Mamei, que
conserva até o presente. . . »
* V. Oppida restituía no Boletim da So-
ciedade de Geographia de Lisboa, 7." se-
rie, n.« 2—1884.
2 Mem. de Braga, tomo 1.", pag. 392, n.*
643,— e pag. 394, n.« 645.
vou
vou 1991
Apoia se em Fr. Bernardo de Brito, que
na Monarchia Lusit. Parte II, I. V, cap. i."
fl. 2, V. diz effeetivamente quasi o mesmo e
dá uma inscripção encontrada por elle
no valle de Ossella em o muro de um cam-
po, a qual, se não é faotasia do auctor, pa*
rece resolver o problemal . . .
A dieta inscripção, n." 278, do Portuga-
Itae inscriptiones, é a seguinte: •
Imp. Caes. d. Avg. inter
Div. Bel. cohor. pRAEsm.
Vace. Occel. Lanço. Calbn
AeM. LEG. X. FBETENS
ElUS. N\M. SPECTACVLA
Et LVD. GLADIAT. E. V.
Vrbes Lvsit. L. a,
exp. et. hecat0mb. d. d.*
Em vulgar: «As capitanias da legião deci-
ma, chamada Freteuse, que estavam de pre-
sidio em Vouga {Vacca) em Ossella, na Fei-
ra, no Porto, e em Agueda,^ por voto parti-
cular celebrarão speetacuios, e jogos de
gladiadores á divindade do imperador Cesar
Augusto, contado já no numero dos Deoses»
e as cidades da Lusitânia acima nomeadas
1 Esta mesma inscripção, forjada ou des-
coberta por Fr. Bernardo de Brito, foi apro-
veitada pelo seu contemporâneo e correli-
gionário Manoel de Faria e Sousa na Euro-
pa Portugueza, tomo 1." pag. 250. sem di
zer como houve tal preciosidade, pois ado-
ptou o sysiema de não se iacommodar com
citações, caminhando avante estribado na
auctoridade própria.
Fr. Bernardo da Brito era mais modesto,
porque ordinariamente se apegava, ao bor-
dão do seu Laimundo.
A' mesma inscripção se referiu também
posteriormeute Jeronymo Soares Barbosa no
Epitome da Hist. da Lusit. cap. 6.»
2 Fr. Bernardo de Brito traduziaEwímMm
por Agueda, mas está hoje demonstrado que
Eminium é a Coimbra actual, em virtude
de uma inscripção encontrada em Coimbra
recentemente, a qual se refere a Eminium
como situada ali.
V. Coimbra n'este dicoion. e no supple-
mento.
fizerãd os gastos d'estas festas, e celebrarão
Hecatombas com grande liberalidade.»
Em seguida faz muito judiciosas conside-
rações sobre a dieta lapide e aponta outra
que achou entre Albergaria Velha e o Pi-
nheiro (da Bemposta?) no monte denomina-
do Castello de S. Gião, onde viu restos de
muros e fortificações e uma pedra, na qual
apenas (diz elle) pôde ler o seguinte:
: : : : cos. vi. : : : :
: : : : p. IX. p. F. : : : :
: : : : VAa xii. p. m.
Suppõe ser fragmento de um marco mil-
liar, onde esteve o nome de um imperador
que foi cônsul seis vezes e que teve o poder
tribunieio nove vezes. Também lhe davam
03 titules de piedoso e afortunado, aceres -
centando que d'ali á cidade de Vacca, (pre-
sidio romano, como diz a outra inscri-
pção) havia a distancia de doze mil passos^
«os quaes se achão ao justo nas 3 legoas
que ha de hua parte à outra»— diz o mes-
mo Fr. Bernardo de Brito, continuando a
fazer muito sensatas considerações sobre as
duas lapides, até o fim do mencionado ca-
pitulo.
Lamentamos profundamente o despresti-
gio de tão illustrado auetor. Se tivesse a
auetoridade de Herculano ou de João Pe-
dro Bibeiro, ustavamorta a questão, mas in-
felizmente demanda grande desconto o que
diz Fr. Bernardo de Britol. .
O assumpto é nebuloso e vasto e não po-
demos dar-lhe mais desenvolvimento em
um simples tópico. Terminaremos dizendo
que, assim como houve na península diffe-
renies cidades romanas com o mesmo nome,
talvez houvesse também com o mesmo nome
de Vacca diíferenies cidades em pontos dis-
tantes.
1 V. Viseu.tomo pag. 1570, col. 1.»—
6 1682, col. i.* também.
1992 VOU
VOU
Aos ex.""" 8rs. drs. José Joaquim da Sil-
va Pinho, de Jafafe, e José Correia de Mi-
randa, d'Alquerubim^ agradeço os aponta-
menlos que se digDaram enviar-me.
VOUZELLA — quinta da freguezia de 6.
Miguel da villa e concelho de Penella, dís-
tricto de Coimbra.
Vê-se de Penella; — dista cerca de-5 kilo-
metros da villa para S. E. — e foi proprie-
dade e residência de Barlholomeu d'Almei-
dã Mexia, um dos homens da governança,
vereador mais velho da villa de Penella^ ser-
vindo de juiz de fóra, no anno de 1717 e,
sendo capitão de ordenanças, morreu na di-
ta quinta em 1737.*
Em 1828 pertencia ao desembargador
José Maria Mendonça d'Almeida Bârbarino,^
que teve a satisfação de ver Ires dos seus fi-
lhos formados em direito e despachados
juizes de fóra.
Um outro seu filho — Antonio Maria de
Mendonça e Sousa d'Almeida Barbarino,
sendo alferes de infanteria n.« li, casou no
Rio de Janeiro com D. Maria Peregrina de
1 V. Noticias de Penella, pag*. 66 e 118.
Este formoso e curioso livro foi publica-
do em 1884 pelo coramendador Delfim José
d'01iveira, tenente coronel reformado, sócio
da Real Associação dos architeclos civis e
archeologos portuguezes, cavalheiro bastante
illustrado e um dos filhos mais beneméritos
da villa de Penella na actualidade.
O mesmo sr. publicou em 1886 um Addi-
iamento ás suas Noticias de Penella — e tem
no prélo Novo Additamento.
Também s. ex.* escreveu e se dignou offe-
recer-nos um interessante folio: — Diário da
Viagem de Lisboa a Te te {1859-1860) de
Delfim José d" Oliveira, — Diário que conser-
vamos ms. e muito presamos, pois n'elle se
encontram muito curiosas e conscienciosas
noticias das nossas possessões africanas, on-
de militou, nomeadamente do districto de
Tete, onde foi governador.
V. Penella n'esle diecionario e no supple-
mento.
* Noticias de Penella, pag. 184.
Figueiredo, natural de Lisboa, em 25 d'a-
gosto de 1818.1
A 11 de fevereiro de 1831 seguiu viagem
para Cacheu na charrua Orestes, para cum-
prir a pena de seis annos de degredo, em
que fôra condemnado por ser achado escon-
dido no convento de Jesus e ter roubado um
coto de cera?
« _
Seus paes, o referido desembargador e
mulher — D. Marianna Emilia Ludovina Leal
de Seixas Cardoso — o desherdaram e des-
naturalisaram da família ea toda a sua des-
cendência, em escriptura feita no anno de
1827, confirmada por outra em 1841,— j)or
se ter casado na tenra idade de dezesete an-
nos sem licença nem consentimento de seus
paes}
Francisco de Mendonça Mexia d'Almeida
Barbarino e D. Maria Augusta de Mendonça
Barbarino, filhos do desembargador, vende-
ram a quinta de Vouzella, aproximadamen-
te em 1860, a Antonio Lopes da Costa
Braz, da freguezia do Avellar, concelho de
Figueiró dos Vinhos. Actualmente pertence
aos filhos e netos do mesmo Braz de Figuei-
ró, representados por Francisco Simoes,
viuvo.
A mencionada quinta de Vouzella foi uma
propriedade esplendídal Tinha boa casa de
habitação, construída no actual século, boa
mobilia, jardim, lagos, pomares, campos, vi-
nhas, olivaes, ete. Hoje está em decadência,
mas ainda assim vale 4 a 5 coutos de réis.
Vouzella é o nome vulgar e ofiBcial d*es-
ta quinta, mas o povo também a denomina
Bouzella pela propensão que tem para tro-
car o V por b, como na província do Minho.
A cinco kilomelros d'esta quinta de Vou-
zella para o sul, na pendente occidental da
1 Inventario da quinta de Vouzella, 1845,
existente no cartório do escrivão Arnaud
em Penella.
2 Ibidem.
3 Ibidem.
vou
vou 1993
cordilheira de S. João d'AleoDehel, a mon-
taote da povoação das Grosinas e junto da
ribeira d'este nome, se encontra a aldeia de-
nominada Bouça, pertencente á freguezia da
Cumieira, concelho de Penella também. Met-
te-se de permeio entre a quinta de Vouzella
e o povo de Bouça a cordilheira d'Aleonchel,
que se prolonga de norte a sul e — coinci-
dência notável — também se prolonga de
norte a sul um monte que divide a ribeira
de Bouçã da ribeira outr'ora denominada
Vouzella ou Bouzella (hoje Noudel ou Nodel)
as quaes desaguam na margem direita do
Zêzere, cerca de 15 kilometros a S. E. da
Bouçã da Cumieira e 18 a 20 da quinta de
Vouzella supra.
Logo fallaremos d'aquellas*duas ribeiras.
Na dieta aldeia da Bouçã houve uma
quinta do mesmo nome, pertencente a Ma-
noel José Ferreira Tuna e hoje a diversas
pessoas.
O Tuna, alto, corpulento e carpinteiro
muito hábil, foi o director da celebre wttii-
ca de Penella, que se tornou notável em
1828. Ainda hoje ali se falia na musica do
Tuna.
O carpiotéiro tocava um grande clarine-
te feito por elle próprio; José Dueça tocava
fagote — e Manoel Joaquim, pintor (de Pe-
nella) tocava um enorme zabumba.
Por occasião das festas que na villa de
Penella se fizeram em honra do sr. D. Mi-
guel no dicto anno de 1828, a musica do
Tuna, composta d'aquelles 3 bravos migue-
listas somente, deu brado e attrahiu grande
numero de pessoas do concelho de Penella e
dos concelhos visínhos; mas ao passo que
exultavam os miguelistas, choravam os libe
raes de Penella, pois foram cruelmente per-
seguidos, sendo muitos presos e mettidos
nas cadeias do Porto, Lamego, Almeida e
S. Julião da Barra, — outros degredados — e
a todos sequestrados os bens?l...
V. Noticias de Penella, tilt. Devassa e Pro-
nuncia, pag. 151 a 164.
Ao sr. Delfim José d'01iveira agradeço os
apontamentos que se dignou enviar-me.
VOUZELLA— rio ou ribeiro confluente do
Vouga e uma das suas nascentes.
Prova-se isto com o foral que D. AfTon*
so III deu á villa e ao concelho d' Aguiar
da Beira no anno de 1258, pois indicando
o termo (demarcações) do dicto concelho
diz:
«Primo sicut incipit in Capita de Mouzaes:
et inde* . .»
Em vulgar : ^ — «Principia no cabeço de
Mouzaes; vae d'ali à portella do Viso, aguas
vertentes para o rio de Arados,^ limite de
Caria e Sernancelhe; d'ali vae á fonte de
Paus; depois segue pela ribeira dos Açores
até o rio Távora; depois segue pelo Távora
acima até o ribeiro que limita o concelho de
Trancoso; segue depois até á Lagea de Gar-
cia ;)í»íí/a, aguas vertentes para o termo de
Carapito; d'ali vae ao Olho da Mó {ad ocu-
lum de mola); d'ali ao Ninho do Corvo; d'ali
ao ribeiro de Aon (?) limite de Pena Verde;
depois vae pela ribeira de Aon até o Porto
d' Aguiar; d'ali até o cabeço do Tojal, ^ vae
depois ao Braceiro {Baraceyrnm); d'ali à
Pedra Furada, limite de Gulfar;* d'ali ao
ribeiro dos Asnos {ad aquam de portu de
azinis); vae depois pela dieta ribeira até à
1 Desculpem as heresias, já porque não ô
fácil a traducção do latim bárbaro d'aquelle
tempo, já porque os nomes próprios das ter-
ras, montes e rios que o foral menciona de-
vem ser hoje muito diflerentes — e nós não
conhecemos a localidade.
2 Banha os campos que ainda hoje se de-
nominam Lameira de Arados e demoram a
4 kilometros da villa d'Aguiar da Beira, in-
do para Sernancelhe.
3 Suppomo3 que o dicto cabeço demora
junto da aldeia do Tojal, parochía de Villa
da Egreja, concelho de Sattam, onde houve
um convento de freiras, com a invocação de
Nossa Senhora da Oliva, extincto.
V. Tojal, vol. 9.» pag. 587, col. e Vil-
la da Egreja, tomo 11.* pag. 717, col, 2.»
* A Pedra Furada, vulgo Pedra do Nicho,
demora entre o concelho d'Âguiar da Beira
e o de Sattam, que hoje comprehende os de
Gulfar e Ferreira d'Aves, exlinctos.
V. Gulfar, tomo 3.» pag. 270, col. 2.*— e
Villa da Egreja, tomo 11.» pag. 717, coL2.*
também.
1994 VOU
VOU
àe Vouzella, na qual morre (deinde quo-
modv intrat ipsa aqua in Vouzela); de-
pois vae pelo alio da portella que está sobre
a aldeia do Pinheiro, aguas vertentes para o
rio Vouga; d'ali à Pedra Frieira, limite de
Ferreira d'Ave8;i— d'ali vae até o Vouga;
depois se%ue rio acima até à fonte, onde
nasce o rio Vouga ,2 na extrema do concelho
de Caria; segue depois finalmente até o ca-
beço de Mouzaes, onde principiou a demar-
cação.»
V. Portug. Monumenta, l. Foralia, pag.
687, onde se encontra na sua integra o fo-
ral em questão.
Do exposto se vê que o concelho de
Aguiar da Beira ainda hoje tem a mesma
circumscripção que tinha em 1258. Nada
recebeu nem perdeu, porque os concelhos
então limilrophes : — Gulfar e Ferreira
d'Aves—íoT3im unidos ao de Sattam, — e o
de Caria ao de Sernancelhe.
A ribeira que o foral, denomina Vouzela
(sic) denomioa-se hoje BrazeWa. Nasce jun-
to de Vallagão e da Pedra Frieira; — banha
a parochia de Santo Antonio do Pinheiro—
e desagua no Vouga, junto do convento de
Ferreira d' Aves.
Ao revereodissimo sr. João Antonio Nu-
nes^ parocho da villa de Aguiar da Beira,
agradeço as informações que se dignou en-
viar-me.
VOUZELLA ou BOUCELLA— ribeira eon-
1 A Pedra Frieira, ainda l)oje assim de-
nominada, demora effectí vãmente junto da
povoação do Pinheiro, sede da parochia de
Santo Antonio do Pinheiro, concelho de
Aguiar da Beira, e distante d'esta villa 3
kilom.
V. Pinheiro (art. interessante) vol. 7.»
pag. 49, col. 2.'
2 E' a fonte do sanctuario de Nossa Se-
nhora da Lapa, que demora na fregueziade
Quintella, ou!r'ora concelho de Caria e hoje
de Sernancelhe.
V. Lapa, tomo 4.° pag. 49, col. 2.« —
Quintellq da Lapa, tomo 8." pag. 35, — e
Vouga rio, supra.
fluente do Zêzere no concelho de Figueiró
dos Vinhos, segundo se lê no foral que D.
Pedro Affonso, irmão de D. Sancho I e fi-
lho de D. Affonso Henriques, deu á mencio-
nada villa de Figueiró no anno de 1204.
Demarcando o dieto concelho, diz elle:
«In primo per foz de mazanas, et inde
aas Cabezas de ferro acuto ...»
Em vulgar:
«Principia na foz da ribeira de Maçãs;
d'ali vae aos cabeços de Ferro Agudo (de
ferro acuto) hoje serra e freguezia de Agu-
da; d'ali â Cumieira dos montes de nadavis
talvez Nabaes, hoje Singraes; depois segue
a dicla cumiada por entre os ribeiros de
Bouçã e Boucella ou Vouzella, até o Zêzere;
d'ali pelo Zêzere atè á ribeira d'Alge (algiá)
como vem da foz da de Maçãs, onde princi-
piou a demarcação.»
Expliquemos isto d'alguma fórma, con-
soante a inspecção dos mappas, a leitura
d'este foral e a dos foraes que o mesmo D.
Pedro Affonso in tilo tempere deu ás villas
e concelhos limilrophes — Arega e Pedrogam,
que eram também d'elle.
A ribeira d'Alje, de que já se falloui nas-
ce na serra da Louzã, cerca de 5 kil. ao sul
da villa; corre a S. S. O.; banha nas abas
da serra a freguezia de Carapello, no extre-
mo N. do concelho de Figueiró dos Vinhos;
cerca de 15 kil. a jusante passa 3 kil. a E.
da freguezia de Avellar; volta depois para
S.; passa 1 kil. a E. da freguezia de Agúda,
nas abas da serra d'esle nome, — e 4 kil. ao
poente de Figueiró dos Vinhos; depois 2
kil. a E. de Maçãs de D. Maria; 2 kil. a ju-
sante passa na foz da ribeira de Maçãs; des-
creve ali uma grande curva para E.; reto»
ma a linha N. S.; passa 2 kil. a E. da villa
de Arega e 5 kil. a jusante morre na m. d.
1 V. Alje, tomo 1.» pag. 126, col. 2 % e
como rectificação note-se:
4.o_A dieta ribeira não pertence á Beira
Alta, mas á Estremadura, porque está qua-
si toda no districto de Leiria.
2.«_ Nasce muito longe da villa de Agúda.
vou
do Zêzere no silio*da Foz d'Alje, tendo de
curso total cerca de 40 kilometros.
A ribeira de Maçãs, que alguém confun-
de com a d'Alje, atravessa as freguezias de
Haçãs de D. Maria, à esquerda, e Maçãs do
Laminho, à direita, as quaes tomaram o no-
me da dieta ribeira de Maçãs^ corre de
poente a nascente (direcção geral) — e de-
sagua na ribeira d'Alge (m. d.) no sitio que
o foral denomina Foz de Maçãs, tendo de
curso total cerca de 10 kilometros.
O termo da villa e concelho de Figueiró
principiava pois na ribeira d'Alje,— no sitio
da foz da ribeira de Maçãs; d'ali avançava
pela dita ribeira de Maçãs alguns kil. para
O. ou S. 0.2, depois seguia para N. até os
taes cabeços de Ferro Agudo, hoje serra
de Aguda, abundaste jasigo de ferro, já ex-
plorado em parte, como logo provaremos;
depois caminhava para E. pelos taes mon-
tes de nadavis, hoje Singraes, que limitam
1 Também Maçãs de Caminho tomou o seu
cognome da antiga estrada de Santarém a
Miranda do Corvo por Thomar, estrada que
atravessa a dieta freguezia e serve de termo
a O. no foral velho de Arega de 1201,— e a
N. no foral velho de Pedrogam de 1206.
2 E isto o que se deprehende do foral que
o mesmo D. Pedro Affonso em 1201 deu á
villa e concelho de Arega, — concelho que
partia com o de Figueiró a nascente pela
ribeira d'Alge— e a norte pela de Maçãs.
O termo do concelho d'Arega era o se-
gumte: • Primeiramente o cabeço de Beras
{beras); depois seguia pela estrada publica
(a tal de Santarém a Miranda do Corvo; até
o cabeço de ar^. . (o nome está incomple-
to); depois pela dieta estrada aíè á ribeira
de Maçãs; depois pela ribeira de Maças até
á ribeira á'Alje e por esta até o Zêzere e
Porto de Paio Perro (ad portum pelagii
perro); d'ali"até oesmoludorio de madeira(^)
e d'ali pela mencionada via publica até o
cabeço de Beras, onde principiou a demar-
cação.»
V. Portug. Monum. l. Foralia, pag. 517.
VOn 1995
a N. e N. E. o concelho e Figueiró com o
j chão da freguezia de Campelto, na qual se
I encontrara as aldeias de Singrai Simeiro e
j Singrai Fundeiro nas abas do monte Sin-
grai, e as aldeias d'Alje e Ponte Fundeira
nas margens da ribeira d'Alje, que ali tem
ou teve pelo menos duas pontes, como re-
vela a onomostica.
Depois caminhava para S. pelo alto do
monte que corre por entre as ribeiras de
Bouça, a O.— e Boucella ou Vouzella, a E.,
—até entrar no Zêzere.
O dicto monte limitava pois o concelho
de Figueiró dos Vinhos a E.
Não sabemos como hoje se denomina a
tal ribeira de bauceela, Boucella ou Vouzel-
la.^ A de Bouçã ainda tem o mesmo nome
e na sua foz ha no Zêzere a barca de Bouçã.
Paliemos agora dos jazigos de ferro da
Serra Aguda:
Na freguezia de Aréga, no sitio e aldeia
da Foz d'Alje, houve uma fabrica d'artilhe-
ria, como já disse o meu antecessor no ar-
tigo Arêga. Também Carvalho a mencionou
como existente em 1708, e conservou-se até
os fins do ultimo século, segundo se lô na
1 Á ultima hora consta-me se chama No-
dei?!. . .
Ha também junto da dicla ribeira uma
povoação denominada Nodeirinhos, diminu-
tivo de Nodel, pertencente à freguezia da
Graça, concelho de Pedrogam. Temos tam-
bém na freguezia de Bemfica, junto de Lis-
boa, a povooção de Nodar ou Noudar, — e
assim se denominou também uma freguezia
e villa do Alemtejo, hoje simples e pequena
aldeia da freguezia e concelho de Barran-
cos.
V. Nodar, tomo 5.» pag. 102, col. 2.»
Como ali se diz, Nodar vem do árabe Nua-
dar, bem como Nuadel ou Nodel. Suppo-
mos, pois, que a dieta ribeira já era assim
denominada pelos mouros e que prevaleceu
o antigo nome ao de Boucella ou Vouzella,
que se encontra no foral de 1204.
Também suppomos que tem a mesma
etymologia a povoação de Noéda, perten-
cente á freguezia de Campanhan, junto do
Porto.
1996 VOU
VOU
Topographia Medica do sr. dr. A. A. da Cos-
ta SiODÕPS.l
«Da fabrica da Foz d'AIje (diz elle) cha*
mada Engenho de Machuca, falia Carvalho;
e consta por tradição que em 1760, por or-
dem do M. de Pombal, em uma noite, a um
signal dado por foguetes, foram presos e
mandados para o Ultramar 7 mestres fabri-
cantes, escapando José Lavaxe por ser es-
trangeiro. Dizem que o fim era ensinarem
a fabricação de ferro no Ultramar. As famí-
lias receberam uma pensão de 300 réis diá-
rios aié o falleei mento dos mesmos, excepto
de um que fugiu do degredo: quanto a este
o governo suspendeu a pensão à familia,
mas não procedeu contra elle^ signal de que
Dão tinha commettido crime.
«José Lavaxe estabeleceu-se em Vendas
de Maria, na estrada de Cabaços, freguezia
de D. Maria.
«A* fabrica ainda se conservou montada
com todas as machinas e apparelhos por
mais de 30 annos, como ainda a viram Ju-
lião Simões e Manoel Simões, octogenários,
do logar de Moninhos Fundeiros, com quem
fallei em 1848.
»Hoje (1860) apenas restam paredes ar-
ruinadas, signaes de fornos, e a valia do
escoamento das aguas.
«Ainda havia outra fabrica menor que
produzia artigos de ferro fundido e forjado.
Esta foi fechada em 1834.
>A mina de ferro para esta fabrica era a
das Barrancas, próxima da povoação d'este
nome e do Alqueidão de Maçans, que ficam
Da freguezia de Maçans de D. Maria *
1 Topographia medica das cinco villas e
Arega ou dos concelhos de Chão de Couce e
Maçãs de D. Maria em 1848— com o respe-
ctivo mappa topographico e carta geológica,
por A. A. da Costa Simões, — Coimbra, Im-
prensa da Universidade, 1860.
í um livro muito curioso, muito interes-
sante e muito digno de consultar-se com
relação ao concelho de Figueiró dos Vinhos
6 d'elle fareoaos longo extracto no supple-
menlo*a este diccionario.
A fabrica pequena supra, onde »& faziíam
'pregos e outras peças para a artilheria e ar-
madas reaes, etc, estava no termo da ifre-
guezia á^Avellar, nas abas da serra de
Aguda.
Também a onomástica prova que na (dita
zona teve grande importância a industtria
da exploração e fabrico de ferro, pois. no
termo da freguezia de Figueiró dos Vinihos
se encontram os casaes denominados /í^Vr-
reiros da Ribeira, Ferreiros de Baixo, Wer-
leiros de Santarém, Ferreiros da Bairr<ada
e a quinta da Fabrica da Foz d^Alje; — ee na
parochia de Maçãs de D. Maria os caisaes
dos Serralheiros e das Ferrarias.
Também na freguezia da Cumieira, cson-
celho de Penella, mas visinha de Avellar «e da
Serra Aguda, ha um povo denominado IFer-
raria de S. João.
Nós não conhecemos a localidade e ttive-
mos um trabalho insano para escrever esstas
linhas, mas do exposto se vé que a Seerra
Aguda e suas dependências são um víasto
jazigo de ferro-
0 concelho de Figueiró dos Vinhos tem
por limiirophe ao nascente o de Pedrojgam
Grande. Vamos pois indicar o termo amtigo
d'este para melhor firmarmos o d'aquelUe.
No foral que o mesmo D. Pedro AfTosnso
em 1206 deu a Pedrogam (Petrogontum)
diz:
tOs seus termos são os seguintes:
A oriente a foz de Unhaes; d'ali vae3 rio
acima até á sua nascente {usque dum noasci-
tur);^ a O. os taes cabeços de nadavis, lhoje
Singraes, e d'ali vae direito ao alto do maon-
te de Bouçã. . . ; — ao norte a estradsa de
Santarém {per viam que ducitur ai sanicta-
* Não era qualquer coisa, porque o rio
de Unhaes tem mais de 40 kilometross de
curso! ...
V. Unhaes, tomo 10.« pag. 11, col. l.«*
vou
vou mm
ren); — ao sul o rio Zêzere (m africo per oze-
zar) i
Desculpem dos a digressão, que bastante
trabalho Âos deu,—e desculpem-nos tam-
bém os lapsos, porque, repetimos, não co-
nhecemos a localidade.
VOUZELLA, ~ Villa e freguezia, ?éde de
concelho e de comarca, no distrieto e bis-
pado de Viseu, província da Beira Alta.
Vigairaria.
Orago— Sanía Ifona, ou Nossa Senhora
da Assumpção.
Rodrigo M. da Silva em 1675 deu lhe
200 fogos; o padre Carvalho em 1708 deu-
Ihe 140; D. Luiz G. de Lima em 1736 deu-
lhe 141: o Port. S. e Prof. em 1768 deu-lhe
142; o Flaviense em 1852 deu-lhe 182; o
censo de 1864 deu-lhe 186 fogos e 724 ha-
bitantes; o de 1878 deu-lhe 230 fogos e 967
habitantes — e hoje (1889) conta approxima-
damente 240 fogos e 1.000 habitantes.
Demora na estrada real a maeadam n.' 41
d'Aveíro a S. Pedro do Sul e Viseu, a qual
atravessa a villa, formando uma estrada —
rua. É também atravessada na sua extremi-
dade O. pelo rio Zella, confluente do Vou-
ga, distando d'este ultimo rio (m. e.) 1:500
metros para S.; 3 kilometros das Caldas e
8 da Villa de S. Pedro do Sul para S. O.; 18
de Viseu para N. O. pela estrada directa,
dislrictal n." 36, em construcção, — e 29 por
S. Pedro do Sul; 60 da estação de Estarre-
ja (a mais próxima) na linha férrea do Nor-
te; 109 do Porto pela dieta estação — e 348
de Lisboa.
A freguezia de Vouzella eomprehende
além da villa as aldeias de Valgode, Igreja e
Caritel; os casaes de Linhares, Cabrella, Ri-
beirinha, Candieira, Pombal, S. Paio, Foz,
Crujo, Ermida, Ermidinha, Cavada, Pinhei-
ro, Matias e Costeira,— e as quintas de Sar-
nada, Continha, Lamas, Costeira, Mattas,
Regadas, Caritel, Poldras, Portello, Porto -
Salto, Cavallaria, Valgode, Avellar e Linha-
res.
A villa
Nunca foi murada nem acastellada, mas
tinha a pequena distancia differentes castel-
YOLUME XI
los e outras obras de defesa, de que logo
fallaremos.
Tem bons edifícios e varias ruas, avul*
tando entre ellas a rua Direita, qne foi, co-
mo todas as runs Direitas, bastante torta e
ainda hoje o seu aliobamento está muito
longe da recta, mas foi alargada e mui-
to melhorada para passagem da estrada
a maeadam e em seguida se construíram
n'ella alguns prédios novos e se reconf trui-
ram e alinharam outros, com o que muito
lucraram a dieta rua e a vilh.
É também digna de menção a rua da Pon-
te, porque, embora velha, torta, estreita e
Íngreme, tem nada menos de 5 edifícios par-
ticulares brasonados! Foi outr'ora a rua da
nobresa, como a rua Chã no Porto, a dos
Cavalleiros em Trancoso, e a dos Fidalgos
em Villa Viçosa.
Tem duas praças com os nomes de Praça
de Cima ou Praça Velha e Praça de Baixo
ou Praça Nova, hoje Largo de Mcyraes Car-
valho,— e entre a villa e a egreja matriz o
Largo da Comdowra, bastante espaçoso e
cora algumas arvores, mas pouco alinda-
do e muito irregular. Ali se fazem as feiras
da viíla, para o que tem alguns aipéndres e
bancos.
Feira
Data de tempos muito remotos a feira
d'esta villa. D. Manoel, estando aqui e as*
sistindo a uma das dietas feiras em 1 de
março de 1514, lhe concedeu grandes pri-
vilégios, mas a dieta feira já datava dos
princípios do àec xiv.
Foi concedida a feira mensal de Votízella
por mercê d'el-rei D. Diniz, cora data do
anno 1307,— era de 1345.
Dissert. Chronol. de João Pedro Ribeiro,
tomo V, pag. 385.
Commercio e industria
Na villa ha bons estabelecimentos com-
merciaes de toda a ordem, duas pharmacias
e difTerentes offlcinas de ferreiros, serralhei-
ros, sapateiros e alfaiates, — e grande nume-
ro de mulheres se emprega na tecelagem de
panno de linho, estopa e burel para consu-
126
1998 VOU
VOU
EDO próprio e venda nas feiras e mercados.
Também ha na vilIa 4 fornos de pôia, on-
de se cose pão de toda a qualidade a 40 réis
por alqueiré.i
Ha também muitos moinhos e pisoe» no
Tio Zellá, e muitos moinhos no Vouga. Es-
tes últimos trabalham todo o anno;— os do
rio Zella suspendem a laboração na estia-
gem.
Mencionaremos lambem a industria agri-
col», a mais importante d'e8ta freguezia e
d'este concelho,-^e a da creação de gado
bovino, óptimo para trabalho e precioso pa-
ra alimento.
V. Lafões, tomo 4.» pag. l\, col. 1.% — e
Viseu, tomo 11.° pag. 1761, col. 2.»
Templos
i."— Igreja matriz.
Demora am sitio isolado, mettendo-se de
permeio entre ella e a villa o cemitério e o
campo da feira ou da Corredoura, mas é
um templo venerando pela sua antiguida-
de e architectura.
Não se sabe quando nem por quem foi
feita, mas data dos principios da nossa mo-
narchia.—Altribue-se aos templários — enós
inelinarao-nos a esta opinião, porque esta
igreja foi commenda da ordem de Christo
e todos sabem que esta ordem foi ereada
por D. Diniz era substituição da dos templá-
rios e dotada com ps bens d'elle8.
Outr'ora foi collegiada e talvez que na sua
origem fosse convento dos templários, como
parece indicar o seu isolamento da vílla.
Tem uma só nave; um bello pórtico de
estylo ogival; uma porta lateral no mesmo
estylo do lado do evangelho; muitas figuras
esquisitas de caras humanas e cabeças de
1 Poia ou Poya, do árabe poia, significa
o pão que paga quem cose o seu em forno
alheio.
Foram triviaes no nosso paiz os fornos
de poia e ainda se usam n*esta villa e em
outras povoações, mas em algumas, em vez
do pão, denominado poia, dão o equivalente
em dinheiro, comò succede aqui.
irraeionaes ao longo da cornijà; um o óculo
também na parede do lado do evangigelho,
tudo de solido granito — e em frente da!a por-
ta principal, a pequena distancia dVella e
como que servindo de ante-paro ou guaiarda-
vecto, um grande campanário com doiois si-
nos, — campanário (não torre) de cantntaria
de granito, muito velho e muito sojolido,
posto que baloiça quando dobram os si sinos.
Tem 9 metros de largura, 18 d'altura, ., 1 Vz
d'espessura e no patamar um gradeammenio
de ferro.
No sino maior se lé: Jesus Maria Joiosé, —
Santus Deus, Santos Fortes, Santos í Mor-
taes (sic) Santa Barbara Miserere ninobis,
1722.
I A egreja interiormente tem altar mmor e
differentes altares lateraes com' boas d deco^
rações de talha dourada antiga.
Entrando pela porta principal, encíoiontra-
se á direita, ou do lado da epistola, a pipia do
baptismo, em quanto que nas nossas e egre-
jas parochiaes costuma occupar o ladolo op-
posto.
Em seguida á pia baptismal vô-se e uma
Capella muito antiga que foi dos Almeueidas,
senhores da nobre casa e quinta da Cdlaval-
lana, da qual fallaremos adiante.
A dieta Capella tem um poriico ogivra/al co-
mo os da egreja; prolonga- se para fc)rjra do
templo com a mesma architectura d'eill(lle ou
ornamentada no mesmo estylo; ioterioirnrmen-
te tem um altar com a imagem do Gr-uruclfl-
cado no centro e aos lados outras imapigens.
N'e8ta Capella se guarda o Saniissimioso — e
na parede lateral, do lado do evangellhlho, se
vé uma inscripçâo gothica, na qual ssese diz
que Fernão Lopes d'Almeida, senhor oiída ca-
sa da Câvallaria, fallecido em 23 de dtelezem-
bro de 1512, deixou certos foros á dicjtcta Ca-
pella.
Proseguindo com a descripção da nnaaatriz,
— segue-se à dieta capella do Santissiinimo o
altar de Nossa Senhora do Rosario,, >, com
uma linda imagem da Virgem ; — dejpcpois o
arco cruzeiro; — a porta que dá para a a sa-
cristia—e por ultimo a capella-mór co)rom um
bom retábulo encimado pela imagem cdsda pa-
vou
vou 1999
droeira, tendo aos lados as imagens de S.
Joaquim e SanfAnna.
Entrando pela porta principal, encontra-
se á esquerda, ou do lado do evangelho —
o palpito, a porta travessa^ o altar da Se-
nhora do Carmo e o grand« óculo que dá
luz ao templo, — oeulo que nos outros tem-
plos costuma estar na fronteria.
O pavimento ainda conserva as antigas
sepulturas e nas tampas d'algumas d'ellas
se vêem ioscripçòes já gastas e emblemas
de cavalleiros com brasões.
O adro é irregular e n'elle, do lado norte
da egreja, se vé um grande cedro que tem
cerca de 40 metros d'ãltura e consta que foi
plantado em 1795.
A egreja foi sagrada não sabemos quando,
mas ainda conserva nas paredes, tanto do
lado interior como exterior, as cruzes da
sagração.
Indiquemos agora os outros templos:
2.' — Egreja da Misericórdia na Praça de
Cima.
É um templo espaçoso, muito limpo e
muito lindo. Tem 4 altares com bellas ima-
gens. São os seguintes: — Senhor dos Pas-
sos, Senhora da Soledade, Senhor da Canna
Verde e Senhora das Dores.
Aqui se fazem com grande pompa as fes-
tas da Semana Santa e da Rainha Santalsa'
bel.
A Misericórdia tem numerosa irmandade
e um bom hospital novo, principiado em
1846 e inaugurado em 29 de junho de 1848
com 3 enfermarias: — uma para os irmãos,
—outra para homens -e outra para mulhe-
res.
Demora este hospital em sitio lindíssimo,
alto, arejado e com amplas vistas, dominao-
do um horisonte de mais de 30 kilometros
de raio para N., 0. e S. O.
Esta santa instituição tracta muitos doen-
tes no seu hospital, e fornece a muitos
pobres remédios e subsídios pecuniários.
Z^-^Cajptlla de S. Fr. Gil.
É um bom templo em fórma de egreja
com torre e sinos. Demora na Praça Nova
ou Praça de Baixo, em frente do tribunal
e da cadeia, e foi construída pelos parentes
de S. Fr. Gil, muito dignamente represen-
tados ainda hoje pelos nobres marquezes de
Penalva, residente em Lisboa, mas é admi-
nistrada pela junta de parochia de Vou-
zella.
Tem missa todos os domingos e dias san-
tos e 3 altares com boas decorações de ta-
lha antiga dourada, estando no altar-mor a'
imagem de S. Fr. Gil; nos lateraes as de S.
Lourenço e S. João Nepomoceno.
O padroeiro é festejado annualmente com
grande pompa no dia 14 de maio, ou no
domingo seguinte, precedendo as respecti-
vas novenas.
Na dieta capella se vé e guarda ainda
hoje com toda a veneração a pia baptismal
em que foi baptisado S. Fr. Gil, como logo
diremos, quando fallarmos dos vouzellenses
illustres.
í." — Capella de S. Sebastião.
Está junto do hospital ; é muito antiga;
pertence á junta de parochia e foi recons-
truída por ella em 1887.
b."— Capella de S. João.
Está defronte da Misericórdia; — é parti-
cular e muito antiga — e pertence k casa das
ameias.
São estes os templos da villa, mas fóra
d'ella ha no seu termo os segumtes:
6.' — Capella de Nossa Senhora da Espe-
rança, ou do Castello, vulgarmente assim
denominada, porque se ergue no alto do
monte Lafão, onde outr'ora existiu um Cas-
tello árabe, ou talvez anterior á occupação
árabe, cuja pedra se empregou na construc-
ção do templo, conservando-se apenas al-
guns restos da antiga fortiScação.
Demora a 1 kilomeiro da villa em sitio
aito, pittoresco, alegre e muito vistoso, e foi
feita pelos habitantes de Vouzella. Tem 3
altares. No mór está a bella imagem da
padroeira, entre as de Santa Rita e San-
2000 VOU
VOU
ta Luzia;— nos 2 lateraes a do Senhor da
Agonia e a de Santa Catharina.
E muito numerosa a irmandade da Se-
nhora do Castello. Comprehende lioje 260
irmãos, representados por um juiz^ 1 secre-
tario, 1 ihesoureiro e 4 mordomos de elei-
ção annual. Festejam pomposamente a sua
padroeira no dia 5 d'agosio, ou no domin-
go seguinte, liavendo por essa oecasião
grande romagem, A festa dura 3 dias e no
3.* lia confissões, communhão geral, sermão
•e responsos fúnebres com muitas indulgên-
cias pelos irmãos falleeidos.
É sempre muito grande a concorrência
dos devotos tanto da villa e freguezia de
Vouzella coroo dos povos circumvisinhos
até grande distancia, pois todos depositara
grande fé na Senhora da Esperança e no
Senhor da Agonia, cujas imagens abrilhan-
tam sempre as procissões da villa. que são
actualmente as seguintes:— Corpo de Deus,
S. Fr. Gil, Senhora do Carmo, Senhora do
Rosario, Sexta feira Santa, Pasehoa da Res-
surreição e alguns annos Trindade.
Também nas grandes procissões da villa
por oecasião de calamidades publicas vão
sempre em andores próprios as imagens
da Senhora do Castello, S. Fr. Gil, Senhor
da Agonia, S. Sebastião^ etc.
O Santuário Marianm, tomo S.» (pag. 262
a 272) publicado em 1716, dedicou a este
templo de Nossa Senhora do Castello, ou
da Esperança, um longo artigo, no qual, en-
tre outras coisas, se lê o seguinte:
«Em quanto à origem, e princípios d'esle
santuário, não pude descobrir coisa alguma
com certeza.
tNão tem a Senhora irmandade alguma
(referia-se ao anno de 1708); mas a grande
devoção dos moradores de Vouzella os mo-
ve a que a sirvão e festejem nos dias das
suas festividades.
«Tem um ermitão perpetuo, apresentado
pelo parocho de Vouzella e confirmado por
provisão dos senhores bispos de Viseu. Este
tem a sua casa mais abaixo da ermida hum
tiro de pedra; e tem huma cercasinha a com
horta, pomar, e muitas flores, e não t tendo
aquelle sitio agua, ainda assim se criria alli
tudo perfeitamente...
«Não tem capellão próprio, mas te tem os
beneficiados de Vouzella obrigação de e dize-
rem nove missas nos nove dias antes d(do Na-
tal, eu de as mandar dizer; e são obrigigados
à satisfação da esmola d'ellas os herdeyrvros de
Manoel Homem, do logar de Asneyroros, ou
Calvos, da freguezia de Folgosa.
«Na ultima oitava da Pasehoa he obrlrigado
o parocho da villa de Vouzella, a ir.emtn pro-
cissão com os seus freguezes a visitar y a Se-
nhora com cruz levantada, e esta romararia se
finalisa com missa resada.
•Também no ultimo sabbado da seremana
das Ladainhas repete o mesmo parochoio esta
procissão, e na mesma fórma os moracadores
da freguezia de Passos, annexa a parorochia
de Vouzella, tem ido por muitas vezezes em
procissão de preces a Senhora do Casaslello,
pedindo-lhe sol no tempo de muitas chihuvas,
e agua nos tempos secos. Na mesma fc fórma
tem ido a freguezia de Cambra, e no o anno
de 1707 forãoos freguezes das mesroasis fre-
guezias era procissão a pedir á Senhorora em
o mez d'agosto, agua para os seus milhlhos, e
logo no seguinte dia choveu em abundaiancia.
• Também todos os annos nas quartaâas fei-
ras das Ladainhas vay em procissão á á Se-
nhora do Castello a parochia da Ventoâosa.
• He o monte da Senhora do Castello lo mui-
to empinado; e assim de huma parte e don-
de he mais despenhado tem hum muroro que
lhe serve de resguardo para mais seguguran-
ça dos que frequenlão este caminho do lo san-
tuário. No principio da subida, que vayay em
lanços, ou em voltas, se vê hum forormozo
cruzeiro, e logo mais acima está hum ni nicho,
aonde se vê huma imagem de S. João lo Ba-
ptista.
•Mais aditinte em outro lanço do camkninho
se vê outro nicho, e n'elle huma imagenem de
Santo Amaro; e ultimamente perto da a casa
da Senhora está outro nicho com a imaoagem
de Santo André. •
vou
vou 2001
«Muitos são os milagres e as maravilhas
que esta milagrosa Senhora tem obrado em
favor dos seus devotos. Entre estas referi-
rei um successo lastimoso, em que parece
resplandece muito a sua piedade, e resplan-
deceu a favor do contador mór d'este reyno
João de Castanheda e Moura, alcaide-mór
da Villa de Celorico de Basto e commenda-
dor das commendas de S. Salvador de Ser-
razes e de S. Payo de Oliveira de Frades,
ambas do bispado de Viseu, e da de S. Sal-
vador de Pinheiro nos confins do bispado
de Lamego, todas da ordem de Christo, as
quaes as possuiu depois seu filho o conta-
dor-mór Plácido de Castanheda e Moura,
como as possue hoje ^ também seu neto, o
contador-mòr Luiz Manoel de Castanheda e
Moura.
•Vivia em Lisboa o contador-mór João
de Castanheda pelos annos de 1660, aonde
era muito bem visto pelo sereníssimo se-
nhor D. Affonso VI, e no mesmo tampo es- j
tava preso no Lymoeiro hum homem indi-
gno de se lhe saber o nome; ingrato a Deos
e aos homens; facinoroso e que por suas
maldades e delictos o tinha a justiça da ter-
ra condemnado à forca.
• Nos apertos em que este miserável se via
recorreo à piedade d'este fidalgo João de
Castanheda, pedindo-lhe que lhe valesse, e
elle se empenhou tanto em o livrar da for-
ca, que se lhe revogou a sentença, e se lhe
eommutou em degredo, e até este a pieda-
de do seu patrono não só lho comprou, mas
o poz solto e livre. Sobre estes grandes be-
nefícios o recolheu em sua casa, fazendo-lhe
favores que elle não merecia, aecomòdan-
1 Refere-se a 1708, porque a data da im-
pressão do mencionado volume é de 1716,
mas as licenças teem as datas de 1709 e
1710. Logo o auctor, Fr. Agostinho de San-
ta Maria, escreveu o originai antes de 1709.
do-o no foro de seu gentil-homem\ tratan-
do-o com taes favores, que a não ser conhe-
cido pelo seu nada avultado nascimento, o
poderião julgar por seu parente, segundo
a estimação que d'elle fazia, porque passea-
va em hum cavallo e vivia vida deprincipel
A estes grandes favores lhe accumulou... a
mercê do habito de Christo com sua tensa;
e segundo a benevolência e piedade de seu
amo, e a sua muita liberalidade, ainda lhe fa-
ria favores maiores pelo discurso do tempo.*
«Resolveu-se o contador-mór João de Cas-
tanheda a passar à Beyra, a ver as com-
mendas e a cobrar dos seus rendeiros o
rendimento d'ellas; e entre os criados que
levou em sua companhia foi hum d'elles
este, o qual, como era malévolo e não ha
vião feito n'elle móça as misericórdias de
Deus, quiz que hum dos rendeiros lhe fir
zesse hum favor que ou não podia, ou lhe
não conviria fazer-lho. Cheio de raiva e
ira, parece que o quiz descompor. Acodio o
amo, que vendo o seu mão termo, o repre-
hendeo asperissimamente e como elle mere-
cia, dizendo- lhe algumas palavras ásperas.
«Dissimulou o ingrato e traidor malévolo
o seu intento. Depois, querendo o contador
mor passar a Serrazes, que não distava
muiio,^ carregou este criado hum bacamar-
te e meteo-lhe huma grande quantidade de
quartos. Estranhou o amo aquella curiosi-
dade e lhe mandou que o não fizesse, por
ser cousa escusada em aquellas terras, mas
elle não fez caso do que lhe mandava o amo,
porque já o demónio lhe havia tomado pos-
se do coração.
1 A transcripção é longa (desculpem) mas
o facto, como os leitores vão ver, é muito
digno de registrar-se e prende com as ter-
ras de que no momento nos occupamos.
2 A freguezia de Serrazes demora em
frente e a N. de Vouzella, no m. d. do Vou-
ga, concelho de S. Pedro do Sul, mas já per-
tenceu ao concelho de Vouzella.
2002 VOU
VOU
tSabiodo da estalagem, ou da casa em que
baviam pousado, para a freguezia de Ser-
razes, e estando já em distancia de alguma
meia legoa do logar, persuadio ao amo a
que mandasse o outro companheiro que o
acompanhava de Cavallo, a que se adiantas-
se a dar aviso ao rendeiro^ para que lhe
mandasse fazer de cear. Fello assim o amo,
e indo já perto, chegando junto a hum cas-
tanheiro aonde chamão o Valle, não longe
do ribeiro das Caninhas e da estrada que
vem do Banho, armou o traidor o gatilho ao
bacamarte. E advertirão humas mulheres,
que estavão afastadas do caminho, que duas
vezes errara fogo; mas na terceira disparou
6 lhe meteo pelas costas ao commendador
todas as balas do bacamarte.
tEra este fidalgo muito valente. Vendo -se
ferido, ainda assim puxou pela espada e
correo atraz do traidor distancia de hum ti-
ro de mosquete, dizendo, espera traidor, es-
pera; até que já sem alento... eahio em
terra, pedindo confissão. E posto de joelhos
defronte da casa da Senhora do Castello,
que lhe ficava defronte e á vista, ainda que
distante meia legoa, a começou a invocar...
e expirou.
€ N'eáte lugar mandou depois seu filho Plá-
cido de Castanheda levantar huma fermosa
cruz de pedra lavrada com seu pedestal, a
qual se vê hoje (1708) no chão, pela haver
derribado huma grande tempestade.
que pode, porque o não podião passar, por
trazer um colete muito bom de anta, que
lhe havia dado seu amo (que tinha sido d'el-
rei D. Afifonso). Depois lhe meterão um es-
toque por uma costura do colete, que o
atravessou, e todos raivosos lhe derão tan-
tas feridas até que o matarão, e com o sen-
timento dos muitos males que havia feito,
não havia mal que lhe não desejassem. Lao-
çarão-lhe pela boca muita pólvora e lhepo.
zerão o fogo
«Está esta Senhora collocada em o seu
altar raór, porque não tem aquella egreja
outro.i
<He esta santíssima imagem formada em
pedra de boa escultura. A sua estatura se-
rão 4 para 5 palmes. Tem em seus braços
o Menino Deos, e ambas as imagens tem co-
roas de prata. Na manufactura desta sagra-
da eíBgie se está vendo a sua muita anti-
guidade. Os rostos são encarnados e as rou-
pas pintadas ao antigo com perfiz de ouro.*
Do exposto se vê que a dieta capella e a
dieta imagem eram muito anteriores a 1708.
Nós não visitámos este templo. Apenas o
vimos da estrada real que passa a jusante —
e da Villa ; mas suppomos que a imagem
actual é de madeira, pois se fôra a de 1708,
feita de pedra e tendo 4 a 5 palmos de al-
tura, mal podia ir, como vae, repetidas ve-
zes nas proeiosões da villa.^
tAcodirão logo todos aquelles moradores
sentidíssimos do suecesso, pelo muito que»
amavão ao seu commendador. Fez-se-lhe o
enterro com a maior pompa que permittem
aquellas terras. '
«Dando-se depois do suecesso no alcance
do criado, elle se recolheo a hum palheiro,
aonde acodío a justiça para o prender, mas
disparou o mesmo bacamarte contra o juiz,
e o matou, e acodindo outro ministro tam-
bém o ferio, disparando contra elle huma
pistola. Quizerão pôr o fogo ao palheiro,
mas elle teve tanta resolução que sábio pelo
telhado, e descendo abaixo se defendeo o
O facto, que extrahi do Sant. Marian., re-
corda-nos outro não menos triste, que pren-
de com Vouzella.
1 O templo actual tem 3 altares. É pois
reftdiíieação posterior a 1708.
2 O meu jnformador diz que a imagem
actual ainda é a me.«ma de pedra e que es-
colhem sempre os moços mais valentes para
conduzirem o andor.
A imagem tem na peanha a data 1660.
mas a capella com certeza é muito anterior,
pois em 1708, como diz o Sant. Mar. — já
não havia memoria da fundação d'el]a.
vou
vou 2003
Foi o seguiDte:
Em 1835 ou prin;ipio3 de 1836, um mp-
ço de 20 ânuos de idade, per nome Domin-
gos Baptista, de Villa Real de Traz os Mon-
tes, roubou e matou um homem em Viseu e
outro— Jose dos Santos— no sitio da Povoa
do Castanheiro, fregu€zia e serra de Manhou-
ce, concelho de S. Pedro do Sul, comarca de
Vouzella, pelo que era 9 de julho de 1836 foi
cohdemnado a pena ultima e em 23 de julho
de 1838 foi enforcado no Porto, — execução
que muito impressionou a cidade inteira, já
porque o reu era muito novo, já porque ao
lançarem no á cova deu signaes de vida?I...
Foi recolhido ao hospital da Misericórdia—
e lá íieou em observação e iraetamento, mas
o povo que formava o prestitt), constando-
Ihe que abriam as veias ao infeliz para aca-
barem de o matar, amotinou se e tentou in-
vadir o hospital, ete.
Ainda hoje (1889) vivem no Porto teste-
munhas presenciaes e fidedignas.
Veja-se o art. Victoria, freguezia do Por-
to, vol. 10.0 pag. 60i, col. 2.» e segg., onde
eu contei minuciosamente aquelle facto.
Concluiremos este tópico dos templos de
Vouzella, mencionando mais dois:
T."— Capella de S. Pedro, em ruinas.
Pertence à quieta de Valgode, dos Mala-
faias de Serrazes, quinta que demora na
margem esquerda do Vouga e tem um bom
edifieio brazonado.
8.» — Capella de Santa Catharina, perten-
cente á quinta e casa nobre da Sernada.
N'ella se diz mig.sa nos domiogos e dias
santos.
Fontes
Em Vouzella ha 3, sendo duas de arco :
— a da Pepina e outra, cujo nome ignoro.
A da Pepina era brazonada, mas tem as
armas picadas, ou por vandalismo, ou por
ordem superior, como foram picados os bra-
zões que os Tavoras tinham n'esta viila, cu-
jo parocho foi algum tempo da apresentação
d'elles. Em 1708, segundo se lê na Chor.
Port., o parocho (vigário) de Vouzella era
apresentado pelo nobre Ruy Pires de Távo-
ra,— e os 2 beneficiados, coadjutores do di-
cto vigário e que formavam com elle a col-
legiada de Vouzella, eram apresentados pelo
bispo de Viseu.
Em 1768, segundo se lô no Portúg. S. e
Prof., o dicto vigário era da apresentação do
padroado real e linha 2 curas — parocho^
com o titulo de beneficiados, que eram da
apresentação da mitra, vencendo cada um
lO.OOO réis por anno.
Do exposto se vô que os Tavoras tinham
interesses em Vouzella e, sfjgundo diz o meu
informador, também tiveram na villa um
edifieio brazonado para residência temporá-
ria d'elles e talvez dos vigários da villa,
apresentados por elles.
Veja-se o tópico Edificios brazonados, in-
fra.
Uma das 3 fontes d'esta villa demora na
margem esquerda do rio Zella, a montante
da ponte e da rua da Ponte,— e actualmen-
te ensombrada por uma grande nogueira,
(má visinhançal. . .) pelo que nós, quando
ali estivemos em agosto de 1880, a denomi-
námos Fonte da Nogueira.
É de fabrica humilde; tem uma pequena
bica. um pequeno tanque, um arco de gra-
nito de volta inteira; no fecho do arco um
escudo com as armas reaes portuguezas das
quinas e 7 castellos e em volta do escudo
esta legenda:
LUDOVICVS. PORTVGALIE INFANTIS.
Este infante D. Luiz, que mandou fazer
esta fonte, uma ponte no rio Sul e outra no
Vouga, junto da villa de S. Pedro do Sul,
foi senhor de todo o concelho e território
de Lafões no sec. xvi, como logo diremos, e
era 4.o filho do 2.o matrimonio d'el-rei D
Manoel,
Entre a dieta fonte e a rua Ponte ha
um bom edifício particular dos mais antigos
da villa, ao longo do rio Zella; tem uma fa-
ce voltada para elle e outra para a dieta
rua.
2004 VOU
VOU
Pontes
Hâ sobre o rio Zella duas pontes de gra-
nito, muito antigas, sendo uraa d'ella3 a
meacioDada supra.
Tem ura só arco^ não muito alto, mas de
grande abertura, e junto d'elle, na margem
esquerda do rio, á direita de quem sae de
Vouzella, um bom edifício brazonado e
muito bem traetado, cora mimosa cerca e
jardim.
Edifícios brazonaios
Com rasão se orgulha Vouzella de ter
dado o berço a muitas familias nobres, e as-
sim o attestam os muitos edifícios brazona-
dos que ainda hoje possue.
Só na mencionada rua da Ponte conlktaos
nós 5, todos particulares e antigos; teve ou-
tro na rua Direita, que foi demolido já de-
pois do meiado d'este século para alinha-
mento e alargamento da dieta rua e passa-
gem da nova estrada real a macadam, — e
tem mais ainda 4 edifícios brazonados par-
ticulares.
Ao todo eram pois 10.
Também são brazonados os edifícios pú-
blicos seguintes:
l.'— Hospital da Misericórdia;
Í.'—A egreja da Misericórdia;
3. '— A Fonte da Nogueira, mencionada su-
pra;
4. '— O tribunal judicial d'esta comarca.
E' um bom edifício, com grande sala para
as audiências^ cadeia para ambos os sexos,
habitação do carcereiro e família, etc.
Demora na Praça Nova, em frente da Ca-
pella de S. Fr. Gil e da estatua de Moraes
Carvalho.
Logo fallaremos d'este be-
nemérito vouzellense.
Tem pois esta villa ainda hoje 13 brazões
d'arma8.
Os 9 particulares pertencem a diversas
familias, algumas já extinctas e outras ain-
da existentes, taes são a dos marquezes de
Penalva, antigos senhores da casa da Ca-
»a//am,— descendentes de S. Fr. Gil, a dos
Gamas e Moraes Carvalho, ele.
I Das extinctas merece especial menção a
dos Tavoras, cujo brazào foi mutilado por
i ordem de el-rei D. José I.
V. Chão Salgado, tomo 2.' pag. 271.
Um dos edifícios particulares brazonados
é guarnecido de ameias.
Fóra da villa, mas no termo d'esta fregue-
zia, ha 3 edifícios particulares brazonados:
—a casa da quinta de Valgode, pertencente
aos Malafaias de Serrazes, — e a da quiatá da
Sernada, que foi do dr. Gil Alcoforado e é
hoje dos seus filhos,— e a celebre casa e quin-
ta da Cavallaria.
Casa da Camara
Posto não seja brazonada, é um soberbo
edifício com boa sala para sessões da cama-
rá, guarnecida por grandes cadeiras de coi-
ro com botões amarellos, — outra sala para
as sessões do juiso ordinário,— outra para a
administração do concelho, — outra para a
repartição de fazenda, — outra para a con-
servatória e ainda ontras mais pequenas
para o archivo e secretaria da camará,, re-
partição de pesos e medidas, etc.
Clima
Embora mais frio do que ardente, é tem-
perado e muito saudável o clima de Vouzel-
la. Não ha memoria de ter entrado ali algu-
ma epidemia, nem ali ha doenças predomi-
nantes, porque não tem pântanos. Demora
em sitio alto, arejado e muito arborisado— e
é abundantíssima d'excellente agoa potável
e de rega e por estar em chão declivoso e
granítico entre os rios Vouga e Zella, nas
faldas da grande serra do Caramulo.
Já em 1696 o dr. Antonio Pires da Silva,
faliando das Caldas de Lafões, disse: — •
«D'esta parte meridional (sul do Vouga)
distancia de hum quarto de legoa, costa aci-
ma está a Villa de Vouzella, e distancia de
bua legoa, continuada a serra, chamada do
1 Caramulo; e da parte do norte distancia de
duas legoas, huma de terra baixa e outra
costa acima, está outra serra que chamão
de Manhouce, ambas altíssimas e muito
frias. Da de Manhouce, por ficar na parte
vou
vou 2005
septentrioDaljVein o norte frígidissimo, e por
estas serras serem tão altas, e estarem qua-
si sempre Duvens encostadas a ellas, e' ser
breve a distancia entre serra e serra, são os
ares da terra frios, se bem o centro da villa
do Banho, onde estão as caldas^ por estar
muito em baixo, e não ser tão combatido
dos ventos norte e sul, he mais quente, mas
com assim ser, por estarem os banhos en-
costados ao meio-día, he o sitio sujeito a
geadas. Correndo vento suão, he necessário
haver cautella, porque pela garganta do rio
Vouga corre com muita fúria. O vento ma-
reiro alguma impressão faz, mas não tanta;!
o meridional não molesta,, e o norte no ve-
rão he desejado, porque como tenho dicto,
o sitio he baixo (refere-se ás Caldas) e 6-
cando a serra de Manhouee da sua parte
passa por alto.^»
Tudo isto é applicavel a Vouzella, por-
que tem a mesma exposição da villa do Ba-
nho, mas demora em sitio alto, cerca de 200
metros sobre o uivei do Vouga, e olhando
francamente para o norte, em quanto que a
villa do Banho está quasi ao nivel do Vou-
ga, em terreno fundo, abafado e ardentíssi-
mo no verão, como a villa de S. Pedro do
Sul, cerca de 4 kilometros a montante, na
confluência do rio Sul com o Vouga, pelo
que o seu chão, — aliás encantador, mimosis-
simo e fertllissimo, — é lambem muito ar-
dente e alem d'Í8S0 bastante afafado e hú-
mido e atreito a sezões, mas facilmente po-
dem remover este contra. Basta que arbo-
risem a villa e as suas estradas e ruas com
eucalyptos; pois todos sabem que estas lin-
díssimas arvores, hoje tão baratas e tão vul-
gares no nosso paiz,^ alem de serem uma
1 Aqui o vento mareiro, ou do mar, é o
vento do lado O.
2 Chronographia Medicinal, cap. 6.» pag.
122.
3 Os eucâlyptos foram introduzidos em
Portugal no meiado d'e3te século e a prin-
cipio eram caros. Venderam-se alguns a
riqueza florestal, teem a virtude de afugen-
tar as sesões, que são hoje(mercôde Deus!)
a única epidemia que peza sobre algumas
terras do nosso paiz.^
V. Vil de Mattos, tomo 11.* pag. 66 i, col.
2.» e segg.
Vouzella tem bons campos e hortas, mas
08 de S. Pedro do Sul são multo mais boni-
tos, mais planos, mais mimosos e mais fér-
teis. Em compensação Vouzella é mais sau-
dável, o que Dão obsta a que a villa de S.
Pedro do Sul, embora mais moderna, segun-
do dizem uns, ou mais antiga, como dizem
outros, tenha prosperado e esteja prospe-
rando mais.
Vouzella, como já dissemos, ainda hoje
conta apenas 240 fogos e 1:000 habitantes»
emquanto que a villa de S. Pedro do Sul já
em 1708, segundo se lô na Chorogr. Port.,
contava 330 fogos; em 1768, como se lé no
Portugal S. e Profano, contava 334 fogos;
em 1852 o Flaviense deu lhe SIO fogos ; o
censo de 1864 deu lhe os mesmos 510 fo-
gos,— e o censo de 1878 deu-lhe 551 fogos
e 2:387 habitantes.^
1^000 réis, mas hoje (1889) já se vende o
cento a menos de 2^000 réis. Temos wt-
IhÕes d'elltís em todo o nosso paiz e junto do
Abrantes, não longe da estação d'este nome
da linha férrea de leste, na margom esquer-
da do Tejo, ha uma matta de eucâlyptos que
é a maior de Portugal— e talvez da Euro-
pa!. . .
Conta 10 a 12 annos e 400 a 500 mil pés
— e foi plantada qnasi toda por Wiliam Tait,
negociante inglez, residente no Porto, me-
diante o arrendamento de uma grande her-
dade a praso largo, feito com certo proprie-
tário d Abrantes, o qual por seu turno plan-
tou também de conta própria milhares de
eucâlyptos.
1 A variola mata mais gente, principal-
mente creaoças, mas não tem persistência
nem localidade própria e combate-se bem
coro íi vâccioâ*
* V. S. Pedro do Sul, vol. 9.» pag. 16, col.
2.» — e note-se que o meu antecessor em
1880 lhe deu 700 fogos, devendo dar-lhe
apenas 551, população marcada no censo de
1878.
2006 VOU
VOU
A difierença é pois muito seosivel e tal-
vez que a explicação seja a seguinte:
Vouzella demora em sitio mais alto, mais
áspero, mais deserto e menos frequentado-
Era apenas servida pela antiga estrada de
S. Pedro do Sul a Aveiro, Agueda e Coim-
bra, estrada pouco importante e de pequeno
movimento, — e hoje apenas toca em Vou-
zella, atravessando a víIla, a estrada real a
macadam de Viseu a Estarreja e Aveiro, —
emquanto que a posição geographiea de S.
Pedro do Sul fui sempre mais vantajosa.
Ali passavam as antigas estradas de Avei-
ro e Coimbra para Castro d'Ayre e Lamego
— e as de Lamego, Castro d'Ayre, Aveiro e
Porto para Viseu, pelo que S. Pedro do
Sul, mesmo na antiga viação, era entron-
camento de muitas estradas e tinha uma
boa hospedaria, cujos donos fizeram fortu-
na,—hospedaria onde eu, durante a minha
formatura, (1851-18S6) nas viagens entre
Lamego e Coimbra, pousei muitas vezes, em
quanto que nunca parávamos em Vouzella
nem nos consta que ali houvesse hospedaria
alguma digna de menção.
A de S. Pedro do Sul era absolutamente
a melhor que se encontrava entre Lamego e
Coimbra e entre o Porto, Aveiro e Viseu.
Com a moderna viação também lucrou S.
Pedro do Sul muito mais do que Vouzella,
porque ali cruzam as novas estradas a ma-
cadam d'Aveiro e Estarreja a Viseu — e de
Viseu a Lamego, servidas por diligencias
diárias, — e ali deve passar e lèr estação pró-
pria a linha férrea, já decretada e estudada,
de Viseu ao Porto pelo valle do Paiva, foz
do Tâmega e estação de Recarey, na linha
do Douro.
Deve lucrar e prosperar muito com a men-
cionada linha férrea a villa de S. Pedro do
Sul — e mais ainda logo que se construa o
ramal em projecto d'ali para Lamego, a en-
troncar as linhas da Beira Alta e Viseu na
de Lamego à estação da Regoa, na linha do
Douro, e da estação da Regoa, a Villa Real
de Traz os Montes, Pedras Salgadas, Vidago
e Chaves,— e de Lamego para Moimenta da
Beira, Villa da Ponte,^ Trancoso e Villa
Franca das Naves, na linha da Beira Alta-
Vão pois cruzar em S. Pedro do Sul duas
linhas férreas importantes, que lhe darão
muita vida. Vouzella também lucrará, mas
muito menos, por estar mettida no sertão,
alcandorada sobre o Vouga e distante de S.
Pedro do Sul e das mencionadas linhas fér-
reas cerca de 8 kilometros; consta porém, à
ultima hora, que o sr. Frederico Pereira Pa-
lha, associado com alguns capitalistas de
Lisboa, pediu concessão ao governo para
construir, sem subvenção alguma, um ca-
minho de ferro de via reduzida que, partin-
do de Esmoriz, n^ linha férrea do norte, si-
ga pela viliã da Feira, S. João da Madeira,
Oliveira de Azeméis, Sever do Vouga, Cou-
to de Esteves, Oliveira de Frades, Vouzella
e Viseu, indo terminar na linha da Beira
Alta, próximo da villa de Mangualde.
Com esta linha ganhavam muito Vouzella
e Oliveira de Frades. Deus queira se rea-
lise.
Quintas
Já no principio d'este artigo indicámos
muito summariamente as quintas d'esta fre-
guezia; seja-nos licito agora dar leve noticia
d'algumas.
1." — Quinta de Lamas.
E' hoje uma das mais notáveis e de mais
valor. Tem um bom palacete, um bom jar-
^ Esta pequena villa tem deante de si
auspicioso futuro, já porque muito prova-
velmente vae ser para ella transferida a sé-
dedo concelho Ue Sernancelhe, já por que ali
toca a estrada real a macadam de Lamego
a Trancoso e Celorico, e d'ali parte uma es-
trada a macadam para a villa da Pesqueira,
— já porque d'ali deve partir outra linha
férrea para a estação do Pocinho, na linha
do Douro, emquanto que a villa de Sernan-
celhe, alcandorada em um pináculo agreste
sem vias de communicação, tende a decair
e morrer! E accelerou-lhe a decadência e a
morte o incêndio que em 1888 devorou os
seus paços do concelho.
V. Sernancelhe e Villa da Ponte n'e3te die-
cionario e no supplemento.
vou
dim, bons campos e vinhedos e muita agua.
Foi do benemérito vouzellense de quem
logo fallaremos, — Fructuoso José da Silva
Ayres, por morte do qual passou para o fi-
lho dr. José Fructuoso Ayres de Gouveia
Osorio 6 é hoje da viuva d'e8te.
Ha n'e8ta quinta, em um outeiro junto da
matta, um grande penedo digno de menção.
tE' todo lurado por dentro com differentes
buracos e escaninhos. Parece que foi lurado
pelos ratos,» — di? o meu informador.*
2. * — Regadas e
3. '—Caritel.
Foram do mesmo sr. Fructuoso José da
Silva Ayres, que as deu em dote a sua filha
D. Maria Isabel Ayres de Gouveia, quando
casou com o sr. dr. Antonio Maria Alcofo-
rado, da nobre casa e quinta da Sernada,
aos quaes hoje pertencem.
4. * — Sernada.
Foi do dr. Gil Alcoforado, hoje de seus fi-
lhos, um dos quaes é o mencionado supra;
— outro,— José Gil Alcoforado da Costa Vel-
loso,— agricultor intelligentissimo, casou e
vive em Lourosa da Telha e d'elle já fizemos
menção.
V. Viseu, tomo 11.» pag. 1750, col. 2.* n.«
7,— e os tópicos supra — Edifícios brazona-
dos e Templos.
Esta quinta da Sernada ou Sarnada é
uma das mais importantes de Vouzella. De-
mora a pequena distancia da viila para N.
E. — a jusante e muito próxima da nova es-
trada real a macadam d'AYeiro a S. Pedro
do Sul por Vouzella.
1 Lura, lurar e lurado são termos trivia-
lissimos na Beira, mas não se encontram
nos díccionarios.
Lura, significa ali muito expressamente
cova feita pelos ratos no pão cozido, ou pe-
las toupeiras e coelhos na terra.
Também ali o termo lórca, menos trivial,
designa a cova da toupeira ou qualquer ou-
tra subterrânea; lôrca ou lorcada, termos
trivialíâsimos, indicam ali as peras que pas-
sam de maduras, mas não estão podres; fi-
nalmente lôro ou lôra, termos pouco tri-
viaes, significam também ali objectos vãos
por dentro, ou lurados.
VOU 2007
Tem um bom edifício brazonado, capella,
jardins, mimoso pomar de fructa e vastos
campos e vinhedos que se estendem até o
Vouga.
5.' — Valgode.
E* também uma das melhores quintas de
Vouzella e pertence á nobre familia Mala-
faias de Serrazes, freguezia do concelho de
S. Pedro do Sul, na margem direita do Vou-
ga, mas tem chãos nas duas margens d'esle
rio, Capella, casa brazonada, jardins, etc.
V. os tópicos supra — Edifícios brasona'
dos e Templos A
Quinta da Cavallaria.
Demora hoje no termo da freguezia de
Vouzella, a pequena distancia da villa.
e pela sua antiguidade e tradições é abso-
lutamente a quinta mais notável doesta paro-
chia e d'este concelho.
Foi couto e honra e outr'ora os seus no-
bilíssimos donos foram também senhores do
* Em agosto de 1880, estando nós folgan-
do nas Caldas de S. Pedro án Sul, appare-
ceu ali em certo dia, ao declinar da tarde,
ura pássaro estranho, enorme, revoando. Fi-
cou a povoação attonita; armaram se logo
differentes caçadores e dispuoham-se para
matar a cabicanca. Ainda dispararam con-
tra ella alguos tiros e por certo a matariam
se nós lhes não disséssemos que a passarola
era um cysne, talvez fugido de alguma casa
nobre da visinhança — e que o poupassem
e respeitassem, porque era uma ave de es-
timação.
O pobre cysne, depois de revoar alguns
minutos sobre a villa das Caldas, poisou a
montante, no leito do Vouga. Ali o surpre-
hendeu a noite; caçaram-no á mão e o leva-
ram á dieta quinta de Valgode, donde havia
effectivamente fugido. Ficaram os srs. Ma-
lafaias satisfeitos e gratificaram generosa-
mente o conductor.
Desculpem a historia da cabicanca, sem
ser a de Aguiar da Beira, ou do cysne do
Vouga, sem ser a do poeta Biogre.
V Aguiar da Beira, tomo pag. 38, col.
2.»— e Canellas, tomo 2.* pag. 89, col.
E' hoje dono d'esta quinta e represen-
tante d'esta nobre familia Joaquim Telles
Malafaia, irmão primogénito de Jacintho
Lopes Malafaia, Bernardo Telles Malafaia e
D. Amélia Telles Malafaia.
2008 VOU
*
Castello de Vilharigues, do Paço de Vilhari-
gues e da villa do Banho.
A provei taodo o ensejo diremos que o Pa-
ço e Castello de Vilharigues são differentes
da casa e quinta da Cavallaria e pertencem
hoje á freguezia de Paços de Vilharigues, não
à de Várzea de Lafões.
Fica assim rectificado o que o meu bene-
mérito antecessor disse no art. Várzea de
Lafões, tomo IO.» pag. 230, col. 1.»
Westa quinta da Cavallaria nasceu no sec.
xu. S. Fr. Gil, porque era património de
seus paes e ainda hoje são directos senhores
d'elia os marquezes de Penalva, descendea-
tes de S. Fr. Gil, que a emprazaram. São seus
emphyteutas e possuidores actuaes a viuva
6 filhos do commendador João Correia d'01i-
veira, de Vouzella, que restaurou a casa e
melhorou muito a quinta.
Também foi senhor d'esla nobre casa e
quinta e n'elia passou os últimos annos da
vida o famoso capitão Duarte d'Alraeida, por
alcunha o Decepado, porque na batalha de
Toro, sendo alferes-mór d'el-rei D. AÍTonso
V, só depois de lhe deceparem ambas as
mãos lhe poderam tirar a bandeira. Immor-
talisou se perdendo-a e por seu turno se im-
mortallsou ganhando-a na mesma batalha o
seu vísinho Gonçalo Pires Bandeira, do an-
tigo concelho de Besteiros,* ascendente da
nobre familia Bandeiras, de Tondella, Tor-
re-Oeita, Ladario, Rezende e Rériz,
V. Paços de Vilharigues, tomo 6." pag. 397
col. 2.*; Penalva do Castello no mesmo vol.
pag. 586, col. 2.* também; Rériz, tomo 8.»
pag. 152, col. e 2.*; Rezende no mesmo
vol. pag. 161, col. m fine; Santarém no
mesmo vol. pag. 480, col. 1.* anno 1265,— e
pag. 540, col. 2.»; Viseu, tomo 11.» pag. 1741
i.»; 1750, 2.», 1833, 2.» também e 1840, 1.»—
e Várzea de Lafões, tomo 10.» pag. 230,
col. 1.»
Também foram senhores da mesma casa
e quinta da Cavallaria, do Castello e Paço
VOU
de Vilharigues, da villa do Banho e de todo
o antigo concelho de Lafues Fernão Lopes
d^Almeida e seu filho Duarte d' Almeida, des-
cendentes de Duarte d'AImeida, o Decepado.
Veja-se o tópico infra — Senhores de La-
fões — e a Chronographia Medicinal das Cal-
das de Alafoens, publicada em 1696.
Esta quinta da Cavâllaria foi assim deno-
minada, porque alem de ser couto e honra,
gosou lambem ouir'ora os privilégios das
terras que pagavam o foro do monte, ou de
montaria, ou de cavàHaria, como pagavam
muitas terras de Lafões e outras, cujos ha-
bitantes em rasão do tal foro do monte se de-
nominavam Foramontães, ou Foramontãos,
ou Foramontellos, ou Foramontões, nomes
que ainda hoje conservam com pequena al-
teração diflerentes povoações e casaes do
nosso paiz.
Em vez d^algum d'aquelles nomes, esta
quinta tomou o de Cavallaria, por ser tam-
bém foramontã e pagar o mesmo foro do
monteou, de cavallaria.
Temos lambem no concelho de Vianna do
Castello uma parochía denominada Montaria
e em differentes pontos do nosso paiz varias
aldeias e quintas denominadas Condado e
Condados,'^ porque provàvelmente outr*ora
pagavam o mesmo foro do monte, ou de
condado do monte, cavallaria ou montaria-
V. Foramontãos, vol. 3.» pag. 213, col. 2.'
Ainda as quintas
7.'— Costeira.
Demora na margem esquerda do rio Zeí-
la; foi do mencionado commendador João
Correia d'Oliveira e pertence hoje á viuva
D. Vietdíia Adelaide de Seixas e Barros.
H.*— Quinta da Ponte.
Demora também na margem esquerda do
» V. Europa Port. tomo 2 • pag. 406 e 408.
* A quinta dos Condados é uma das mais
luxuosas que actualmente se encontram nos
arrabaldes da Figueira.
vou
vou 2009
Zela e tem um bom ediScío brazooado a pren-
der com a velha ponte na antiga estrada e rua
da Ponte; pertenceu aos Gravítos de Aveiro,
e hoje pertence a Manoel Coutinho Júnior.
Tem jardins e está muito bem tratada^
como dissemos supra, no tópico dos edifícios
brazonados.
9.*— Quinta do Avelai.
Demora nas duas margens do Zela; tem
boas casas; produz vinho do melhor do con-
celho,— fructa, milho, trigo, centeio, cevada
6 feijões.
Pertenceu ao rev. Pedro da Gama, natu-
ral de Vouzella e que no melado doeste sé-
culo foi abbade em S. João da Foz do Dou-
ro;i hoje pertence ao sr. Antonio Rodrigues
de Carvalho Guerra.
Concellio e comarca de Vouzella
Este concelho na actualidade comprehen-
de as 12 freguezias seguintes: — Alcofra,
Cambra, Canipia. Carvalhal de Vermilbas,
Falaunços, Figueiredo das Donas, Fornello
do Monte, Paços de Vilharigues, Queira, S.
Miguel do Mato, Ventosa e Vouzella, com o
total de 3:372 fogos e 13:909 almas, segun-
do o ultimo censo de 1878, deve porem hoje
ser muito maior a sua população, e maior
— muito maior— foi quando o antigo terri-
tório e concelho de Lafões tinha por capital
a Villa de Vouzella.
O dieto concelho e território de Lafões ri-
valsava com o território e districto de Pa-
noias em Traz os Montes, e com a terra e
comarca da Feira na província do Douro.
No sec. XVII, segundo se ló na Chronographia
Medicinal das Caldas de Alafoens, compre-
hendia 44 freguezias e 13 coutos.
As freguezias eram as 12 mencionadas su-
pra, que hoje constituem o concelho de Vou-
zella;— as 20 que hoje constituem o conce-
í Era muito liberal e muito enérgico ate-
ve serias questões com os seus paroehianos,
intervindo por vezes a auctoridade e a força
armada em favor d'elle. Era parente próxi-
mo do conselheiro Alberto A. de Moraes Car-
valho.
lho de S, Pedro do Sul — e as 12 que hoje
constituem o concelho de Oliveira de Fra*
des, ou as mesmas 44 freguezias que boje
coníitituem a comarca de Vouzella, pois com-
prehf^nde aquelles dois concelhos, cujas só-
des diátam de Vouzella aproximadamente 8
kilometros, — a 1.* para N. N. E., — a 2.*
para O.
Está pois Vouzella no c^níro dos dolà con-
celhos e é por isso que a villa de S. Pedro
do Sul, apesar de ser muito mais populosa
ainda não pôde tirar a Vouzella a preemi-*
nencia de sede da comarca.
Segundo se deprehende da Chronogra-
phia Medicinal, o território de Lafões desde
os princípios da nossa monarchia formava
um concelho e uma Comarca, lendo a séde
na villa do Banho, por ser in illo tempore a
mais populosa, mais importante e mais cen-
tral d'aquelle vasto território, que se esten-
dia para N. até o rio Paiva— e para S. até ás
faldas da serra do Caramulo, nos confins do
actual concelho de Oliveira de Frades. Cor-
tava pois o Vouga approximadamente a meio
o grande concelho de Lafões de E. N. E. a
O. S. O. — e rezidiam na villa do Banho 2
juizes e 4 vereadores: — 1 juiz e 2 vereado-
res na margem direita do Vouga; — o outro
juiz e os outros 2 vereadores na margem
esquerda, para administrarem a justiça a
todo o território de Lafões, dividindo-o as-
sim em duas partes, consoante corria e o di-
vidia o Vouga.
Depois, não sabemos quando, dividiu-se
aquelle território em dois concelhos— Vou-
zella e S. Pedro do Sul, com justiças pró-
prias, ficando a villa do Banho reduzida a
um simples couto dos 13 de Alafões e go-
vernada por um ouvidor e um juiis ordiná-
rio nomeados pelo senhor da dieta villa, o
que muito accelerou a decadência em que
hoje a vemos e favoreceu a elevaçio e po-
pulação das villas de Vouzella e S. Pedro do
Sul.
Pouco antes de 1696 tornaram a unir-se
á villa do Banho aquelles dois concelhos,
mas em 1696 já estavam outra vez desuni-
2010 VOU
VOU
dos; não mais se uniram até hoje — e a po-
bre Villa do Banho íicou reduzida a uma sim-
ples aldeia da freguezia de Várzea de La-
fões, tendo sido a matriz não só da fregue-
sia de Várzea, mas de todas as parochias
actuaes circumvisinhas até grande distan-
cia, comprehendendo as villas de Vouzella,
S. Pedro do Sul, ele. etc.i
A velha matriz da villa do Banho era a
egreja de S. Martinho, que já em 1696, co-
mo se lé na Choronogr. Medic, estava posta
nos alicerces e apenas se conservava a ca-
pella-môr. Hoje, coroo tivemos occasião de
ver em 1880, está reduzida a uma pequena
e pobre capella, onde apenas se diz missa na
estação balnear.
Como prova e signal de obediência, ali fo-
ram muitos annos encorporadas com as res-
pectivas cruzes, por occasião das ladainhas
de Maio, todas as freguezias que se desmem-
braram d'ella — e ainda em 1880 lá foram 11
cruzes, formando um grande arraial até ás
11 horas da manhã.
O povo de cada uma das dietas freguezias,
quando ali chega, dá 3 voltas com a respe-
ctiva cruz em redor da capella ; — depois
entra; — canta a ladainha e retira se para
dar logar a outro povo e a outra cruz.
Demora a dieta capella em sitio muito pit-
toresco na margem esquerda do Vouga a N.
e na extremidade da pobre villa do Banho, e |
do antigo estabelecimento balnear, junto da
velha Casa do Corregedor— e da antiga ca-
deia,— edifícios ambos brazonados.
Na casa da cadeia funccionava em 1880 a
escola da villa.
A porta da capella de S. Martinho era
ogival e olhava para a cadeia ou para S.
A dieta capella, bem como a de Nossa Se-
nhora da Saúde, que está no interior do ve-
1 Parece que outr'ora e egreja de Nossa
Senhora do Gardão de Besteiros (Tondella)
também foi algum tempo matriz de todas a«
freguezias do concelho de Lafõe" e das de
Agueda, Mortágua, Santa Combadão — e de
todas ãs do valle de Besteiros.
V. Monte-Lafão, tomo 5.°pag. 481, col. 1.*
lho edifício dos banhos, pertencem à cama-
rá de S. Pedro do Sul.
Ha também no alto da villa do Banho a
capella de Nossa Senhora do Carmo. E' par-
ticular e pertence á casa que foi do capitão
mor de Malta José Luiz d'Almeida, hoje de
Albino Martins da Costa. A dieta casa é uma
das maiores e mais vistosas da povoação e
n'ella nos hospedámos, porque um 1880 era
um hotel.
Ainda o concelho e a comarca
Dividido o concelho de Lafões pelos deS.
Pedro do Sul e Vouzella, pertenceu na an-
tiga magistratura (até 1836) á comarca (cor-
regedoria e provedoria) de Vizeu; mas pa-
rece que os dois concelhos muito tempo fo-
ram administrados em commum pelas mes-
mas auctoridades.
Em 1708, por exemplo, a Chorog. Port.
fallando do concelho de Lafões, diz:
«Tem duas villas, que são a cabeça d'este
concelho, a saber: a de S. Pedro do Sul, e a
de Vouzella; aquella he mais antiga e nobre,
situada em hum delicioso valle, cujas fral-
das regão os dois rios Vouga e Sul. Tem
excellentes pomares de todo o género de fru-
ctas, com muitas hortas, e recolhe muito
azeite, vinho, gado, e caça. . . Assistem ao
seu governo civil hum juiz de fóra, verea-
dores, hum procurador do concelho, escri-
vão da comarca, juiz dos orphãos com seu
escrivão: oito tabelliães, hum meyrinho e
carcereiro. Ao militar hum capitão mór com
treze companhias de ordenanças.
€ A villa de Vouzella está fundada no meio
de uma serra ... He abundante de castanha,
gado 6 caça: tem boas casas e 140 vísinhos...
Misericórdia, hospital, e seis ermidas.»
Depois falia da villa do Banho, 1.* capital
do concelho de Lafões, e diz que era gover-
nada em 1708 por 1 juiz ordinário, 1 procu-
rador do concelho, 1 escrivão da camará, 1
tabellião do judicial e notas e mais offlciaes,
todos apresentados pelo nobre senhor da
casa. quinta e couto da Cavallaria, também
senhor da villa do Banho.
vou
vou 2011
Do exposto se vé que em 1708 a villa do
Banho era um couto e concelho à parle. O
grande concelho de Lafões tinha por capU
taes duas villas—S. Pedro do Sul e Vouzel-
la, distantes uma da outra 8 kilome*
tros . .); parece que as auctoridades m
illo tempore residiam em S. Pedro do Sul—
8 que os 2 concelhos ainda formavam mm só
com o titulo de Lafões, pertencente á co-
marca (provedoria e corregedoria) de Vi-
seu. Os 2 concelhos tornaram-se completa-
mente distinctos e autónomos era 1836,
quando se creou a nova magistratura e a
comarca judicial de Vouzella, que ficou cora-
prehendendo 5 concelhos:— Swi, S. Pedro de
Sul, Vouzella, S. João do Monte e Oliveira
de Frades.
Extincto o concelho de Sul era 1855, pas-
saram para o de S. Pedro do Sul as fregue-
zias que o eonstituiam, exceptuando as de
Gafanhão, Pepim e Rériz, que passaram
para o concelho e comarca de Castro
d'Ayre.
Também no mesmo ànno o concelho de
S. Pedro do Sul recebeu do de Vouzella a
freguezia de Serrazes.
As freguezias de Arca, Aleofra, Campia,
Reigoso, S. Vicente, Souto e Varziellas, que
pertenciam ao concelho de S. João do Mon-
te, extincto este concelho em 1855, passa-
ram para o de Oliveira de Frades, comarca
de Vouzella, á qual anteriormente perten-
ciam, exceptuando as de Arca, Varziellas e
Aleofra, que pertenciam á comarca de Ton-
della.
Finalmente, por decreto de 2 de novem-
bro de 1874 passaram também do concelho
de Oliveira de Frades para o de Vouzella as
freguezias de Aleofra, Cambra, Campia e
Carvalhal de Vermilhas.
Foi também creado em 1836 o concelho
de Oliveira de Frades com algumas fregue-
zias do de Vouzélla.
Em sessão de abril de 1843 a junta geral
I do districto resolveu que fosse supprimido
I o concelho de Oliveira de Frades e de novo
incorporado no de Vouzella, o que se effe-
ctuou por portaria de 25 de janeiro de 1847,
conarmada por decreto de 19 de junho de
1848; mas em novembro de 1851 foi restau-
rado—e em 1855 se lhe annexou, como
já dissemos, a maior parte das freguezias
do antigo concelho de S. João do Monte,
extincto n'aquella data. Hoje, 1889, continua
persistindo e coraprehende as mesmas 12
freguezias que o meu benemérito antecessor
lhe assignou em 1875 no art. Oliveira de
Frades, tomo 6.o pag. 271, col. l.«,— artigo
extremamente reduzido eque nós bem qui-
zeramos ampliar, se não fossem jà tão lon-
gas as dimensões d'este. De passagem dire-
mos pois somente que a villa de Oliveira de
Frades é hoje atravessada de Norte a Sul
pela nova estrada real a macadam d'Aveiro
a S. Pedro do Sul, formando uma boa eslra-
da-rua, sobre a qual tem bastantes edifieios
novos, alguns muito vistosos, bons estabele-
cimentos commerciaes uma boa hospeda-
ria, algumas tabernas e uma casa cora Ca-
pella brasonadas, muito antigas e bastante
arruinadas, que pertenceram ao conde da
Santa Eulália, de Viseu.
A egreja matriz é ura hora templo e de-
mora a montante da estrada real, em sitio
pouco vistoso e com um pequeno adro irra-
gularissimo, afrontado por habitações par-
ticulares.
Pelo censo de 1878 contava o dicto con-
celho i:953 fogos e 9:385 habitantes, nume-
ro que mal se harmonisa com o dos fogos.
Etymologia e antiguidade de Vouzella
Alguém diz que Vouzella tomou o nome
de um mouro assim denominado, mas na
opinião commum tomou dos rios Vouga e
Zella o nome de Vougazella, depois Vou-
zella,—e nós perfilhamos em parte esta opi-
nião, mas como havemos de harmonisal-a
com o facto de terem o mesmo nome de
Vouzella e talvez a mesma etymologia uma
ribeira,— nascente do Vouga, e outra, con-
2012 VOU
VOU
fluente do Zêzere, muito distantes do rio
Zellal^
Na falta de documentos anteriores à nos-
sa monarchia eis o que nós suppomos:
O rio Vouga foi denominado pelos roma-
nos Vaca e Vácua; os leoneses o denomina-
ram Bauca e davam o nome de Bauceela,
diminutivo de Bauca, às duas ribeiras suas
confluentes, mencionadas supra ; — depois
nós 03 portuguezes mudámos no nosso dia-
leto Bauca em Vouga— e Bauceela em Vou-
zella, nome que foi eommum às duas ribei-
ras, uma das quaes ainda hoje o retém, — e
a outra se denominou simplesmente Zrlla,
depois de dar o seu nome anterior e pró-
prio á villa que banhava e que ainda hoje
se denomina Vouzella, nome próprio da di-
eta ribeira (segundo suppomos) e não pro-
veniente da confluência do Vouga com o
Zella, mesmo porque Vouzella não está
precisamente na confluência do Zella com
o Vouga, nem o Kowpa se avista de Vou-
zella.
Assim como o foral do o. 1204, indi-
cando o termo da villa de Figueiró dos Vi-
nhos a E., marcou o monte que está inter
Baucaáet Bauceela, se tivéramos algum do-
cumento d'aquella idade, relativo á posivão
de Vouzella, muito provavelmente diria
também que estava inter Bauca et Baucee-
la; mas nós acolá na Estremadura em rasão
da distancia e dos 2 a a, bem como da fácil
troca do 6 em « no nosso dialeto, traduzi-
mos Baucaa por Bouça— e Bauceela por Na-
dei—hoje e talvez já no tempo dos mouros.^
1 V. os nossos 3 primeiros artigos Vou-
zella, supra.
Alguém diz que Vouzella provMn de
Vou Zahara, pae da flor no Idioma sarra-
ceno.
2 V. Vouzella, ribeira fa 2 •) supra— e
note-se que a ribeira de Maçãs, ali mencio-
nada, hoje, segundo se 1^. na Topographia
Medica das cinco villa s e Arega, se denomi-
na ribeira de Varzeafl . . .
Note-se também que nos princípios da
nossa monarchia o idioma portuguez era
accentuadamente o leonez ou hespanhol, e
que n'este idioma Vouzella se diz Boucela
e Vouga se diz Bouça, como se lê na Pobla-
cion General de Hespana, fl. 152, — e ainda
em 1708 Fr. Agostinho de Santa Maria, es-
crevendo em portuguez e fallando de Vou-
zella, escreveu alternadamente Voucella e
Bouzella.
V. Sant. Marian tomo 5." pag. 262 a 272.
Isto com relação á etymologia de Vouzel-
la. Da sua fundação nada sabemos; deve
porem datar de tempos muito antigos e
contemporâneos da oecupaçào d'este conce-
lho ou território de Lafões, por i?er parte
integrante d'elle e por estar na velha estra-
da de Lamego, Castro d'Ayre, S. Pedro do
Sul e villa do Banho para Coimbra.
V. Villa Maior, tomo 11," pag. 775,
col.
Elymologia e antiguidade do território
de Lafões
Em 1609 disse Fr. Bernardo de Brito que
D. Fernando Magno de Leão, quando tomou
Viseu aos mouros no anno de 1038,* era
governador da dieta cidade o alcaide mou-
ro Alafum, que se fez christão, pelo que D.
Fernando Magno lhe poupou a vida e lhe
deu terras para viver e povoar, terras que
do dicto mouro Alafum tomaram o nome de
Lafões.^
Tanto bastou para que todos os nossos
escriptores desde os princípios do sec. xvii
aflQrmassem que foi o mouro Alafum quem
povoou o território de Lafões e mandou fa-
zer os muitos castellos que ali avultaram,
pois Fr. Bernardo de Brito era o assombro
e oráculo do seu tempo. Todos o seguiam
1 Aliás 1057, como diz Alexandre Hercu-
lano.
V. Viseu, tomo H.' pag. 1720 col. 2.«,— e
Monarchia Lusit. parte 2.» liv. 7.» cap. 28.
2 V. Lafões, tomo 4.» pag. 11, col. 1.» e
segg.
vou
vou 2013
coio orgulho, induiDdo o seu coDlempora-
neo Manoel de Faria e Sousa, talento ver-
dadeiramente superior também, o qual no
tomo 1." da Europa Portug. não só confessa
que seguiu a Fr. Bernaí-do de Brito, mas in-
surge-se contra quem ja in illo tmpore o
menoscabava, e fez uma pomposa e larga
apologia d'elle.i Isto porém não obstou â que
Fr. Bernardo de Brito, — sendo aliás um ho-
mem de raro talento e vastos conhecimen-
tos,— fosse aecusado de impostor e falsario
por muitos dos nossos mais auetorisados e
conscienciosos eseriptoros, nomeadamente
por João Pedro Bibeiro, Anastácio de Fi-
gueiredo Viterbo e Alexandre Herculano.^
A etymologia de Lafões pintada por Bri-
to seduz — e ainda hoje os vouzellenses e to-
dos 03 habitantes doeste território se orgu-
lham por poderem levar a antiguidade d'el-
le até os princípios do sec. xi; mas não po-
demos tomar a seno a lenda do rei Alafum,
nem necessitamos d'ella para levar muito
mais longe a oceupação do território de La-
fões.
Já no anno de 1030-27 annos antes da
conquista de Visev, por D. Fernando de Leão
—este território tinha o nome de Alafões,
Alahobeines, Alahoveinis, Alahoem e Ala-
phoen in illo tempore, como logo provare-
mos, quando fallarmos da freguezia de Bor-
donhos.
Fica pois morta desde já a lendá do rei
Alafum, tão querida dos vouzellenses. E
morta estava desde que Viterbo escreveu o
Elucidário, pois no art. Alahoveinis, depois
de citar differentes documentos anteriores
á tomada de Viseu por D. Fernando de Leão,
nos quaes ao dieto território se dá o nome
de Lafões, accrescenta:
«D^aqui se mostra ser arbitraria a etymo-
logia que Fr. Bernardo de Brito. . . quiz dar
1 V. Europa Port. tomo 1." (Prologo) pag.
i a 9.
2 V. Viseu, tomo 11." pag. 1682, col.
VOLUME XI
ao nome de Alafões. . . Não traz Brito mais
fiador que a sua palavra, e comtudo achou
sequazes dentro e fóra do reino. Mas isto
parece não tem fundamento, porque se de
nomes que tem alguma semelhança have-
mos de buscar as etymologias de outros no-
mes; muito antes da conquista de Viseu. . .
lemos em uma doação do mosteiro de Cete,
que hoje se acha no collegio da Graça de
Coimbra, entre outras muitas testemunhas,
que n'ella assignaram no de 885 «Alafum
Augadiz—\s.t—E não parece verosimil, que
havendo entre nôs christãos chamados Ala-
fums no século x, quasi um século depóis
tomasse aquella terra o nome de um mouro.
« Alem d'isto, aquella terra não estava an-
tes sem nome: se mudou por honra do seu
novo possuidor, que nos digam como d'an-
tes se chamava? Vimos ... o seu nome no
de 1070; nos documentos de Pedroso se faz
menção d'ella em outros mais antigos: e en-
tão em menos de dez annos se fundaram
igrejas, e se mudaram inteiramente os no-
mes?. . . — Credat Judaeus. . .; non ego.»
Elucidário loc. cit.
Fica assim recliflcado o que
o meu benemérito antecessor,
confiado em Brito, escreveu no
art. Lafões j tomo 4.» pag. li,
coL l.*i
Prosigamos.
Os castellos de Lafões (logo os indicare-
mos) são muito antigos, mas não podemos
1 Também suppomos que o mosteiro de
S. Christovam d' Alafões, cuja fundação o
meu antecessor, loc. cit., attribue a João Ci-
rita, anne 1123, era muito mais antigo e da-
tava pele menos do sec. ix.
V. Alahoveinis em Viterbo — e Benedict.
Lusit. tomo 2.» tract. 1.» cap. 7.»
De passagem diremos também que Cirita
era synonimo de eremita, porque eira ou-
tr'ora significava terreno inculto e desêrto^
brenha, matta, ermo.
V. Cira e Villa Franca de Xira.
127
2014 VOU
VOU
acceital-os como obra de Alafum, porque D.
Fernando Magno, além de Viseu, conquis-
tou também Lamego, Ceia e Coimbra, fa-
zendo récuar a fronteira dos mouros para o
sul do Mondego. O território de Lafões ficou
sendo chrisiào — e ehristão o próprio Ala-
fum. É pois incrível o zelo d'este mouro em
fundar tantos castellos para os christãos, —
nem elle teria tempo e recursos para fazer
tantas e tão dispendiosas construcçoes.
Era possível que Gzesse ou restaurasse
alguns castellos, mas suppomos que a maior
parte d'elles é muito anterior.
Nós ainda não tivemos occasião de os ver
e estudar, mas estamos certos de que alguns
são anteriores á ' occupação árabe e talvez
construídos ou reconstruídos sobre outros
mais velhos ainda, o que só poderá verifl-
car-se demolindo-os.
Estranhamos que em todo o território de
Lafões não se tenha escontrado vestígio al-
gum da occupação romana, — nem sequer
na Villa do Banho, que os romanos por certo
occuparam, por serem tão amantes dos es-
labeleeimenios thermaes e porque o manan-
cial das dietas thermas foi sempre um dos
mais volumosos e mais importantes da pe-
nínsula.
Aeeresce também a circumstaneia de te-
rem os romanos feito demorada residência
em volta de Lafões:— & leste em Viseu; a O.
em Talabrica e Lancobrica; a N. em Arou-
ca, Lamego e Lamas do Molledo, hoje conce-
lho de Castro d'Ayre, e a S. em Eminium,
hoje Coimbra; mas é innegavel que o terri-
tório de Lafões foi povoado muito antes da
occupação dos mouros e mesmo da dos godos
6 romanos. Foi evidentemente povoado nos
tempos prehistoricos da idade da pedra, co-
mo prova a arca ou orca, anta ou dolmen
que ainda hoje (1889) se encontra no adro
da egreja matriz da freguezia de Arca, no
concelho de Oliveira de Frades,— monumen-
to megalithico e congénere dos muitos en-
contrados em volta de Yiseu, — milhares
d'annos anteriores ao lendário Alafum.^
1 V. Arca, tomo 1.» pag. 23i,-- e Viseu,
tomo li.» pag. 1699, col. 2.*
E outros dolmens ou monumentos congé-
neres provavelmente existiram— e existirão
talvez ainda — no concelho de Lafões, no-
meadamente nas aldeias denominadas Anta
de Cima, Anta de Baixo e Anta Cova, fre-
guezia de Manhouce, hoje concelho de S,
Pedro do Sul,— e na povoação de Antellas,
diminutivo de Ap.ta, dolmen, na freguezia
do Pinheiro, concelho de Oliveira de Frades,
outr'ora de Lafões.
Pela onomástica revelam grande antigui-
dade tarubem as aldeias seguintes, todas
pertencentes ao antigo concelho de Lafões:
— Paço, Paços, Reguengo e Toire, na fre-
guezia de Carvalhaes;
— Paço, na freguezia de Baiões;
—Paço, na de Serrazes, cujo nome parece
godo, pois tem muita afflnidade com Surra-
zinus;
—Paços, na de Pinho;
— Coutos e Curvaceira, na de S. Pedro do
Sul;
— Chã do Couto, na de Valladares:
— Torre, Drizes e Alqueves,^ nomes ára-
bes, e Fonte Moninho, nome godo, na de
Várzea;
— Peso, Goja, Sendas, Amarante, Joazim,
nomes godos, Castello, Marvão e Dardão,
na de Villa Maior.
No concelho de Tondella, visinho de La-
fões, ha uma freguezia e villa antiquíssima,
denominada Guardão, cujo nome tem muita
afiQnidade com Dardão e Marvãol . . .
— Bordonhos,—áe Iben Ordonis, — nome
1 Na freguezia da Penajoia, concelho de
Lamego, ha uma propriedade minha, deno-
minada Alguetes, onde se tem encontrado
carvões, tijolos de grande espessura, pedras
em fórma de cubo, fragmentos de columnas
e outros vestígios de remota occupação.
Ha também no nosso paiz differentes al-
deias, casaes, quintas e sitios denominados
Algueva, Algueve e Alqueves, nomes árabes,
donde provem o termo alqueive, terrado pou-
sio.
vou
vou 2015
masarabe, hoje povoação e freguezia do con-
celho de S. Pedro do Sul.»
— Alçaria, nome íirabe, na villado Sul,
Todas estas 10 freguezías pertencem ao
actual concelho de S. Pedro do Sul.
— Paço, na freguezia de Queirã;
— Paços e Cabo da Torre, na de Paços
de Vilharigues;
•^Paço e Mossamedes, nome arabe,^ na de
S. Miguel do Mato;
— Quinta da Cavallaria, na de Vouzella;
— Casal de Ouzende, nome godo, na de
Ventosa.
— Bandavizes ou Bendavizes na de Fa-
taunços.'
— Alcofra, nome arabe^, Meijão e Farves,
na freguezia de Aleofra.
— Cambra, Levides, Mugueirães, Tourelhe
e Confulcas, na de Cambra.
— Campia, Cambarinho, Cercosa, Decide
ou Adecide ou A do Cid, Alvitelhe, Sellores e
Castro {castro, acampamento romano) na
de Campia.
1 No cartório da Universidade de Coim-
bra se encontra uma carta de encommunhão
(cartula incommunicationis) feita no anno
de 1030 (era 1068) por Adosinda a Froma-
rigo Iben-Egas, musarabe, e a sua mulher
Adosinda, de uma herdade in território ala-
hobeines (Alafões) no sitio de Bordonhos (in
loco quo vocitant Iben ordonis) que fôra de
seu pae germeriz (nome godo) e de sua mãe
matrona, por 200 soldos (?) e um modio de
cevada [uno modio de eivaria).
V. Catalogo dos Pergaminhos da Universi-
dade de Coimbra, pag. 113, n » l.
Do exposto se vê que já no anno de 1030
o território de Lafões tinha o mesmo nome
de Lafões ou Alafões, alahobeines em latira
bárbaro, e que não tomou o nome do rei
Alafum, como diz Fr. Bernardp de Brito.
Parece mesmo que já no anno de 865 a
este território se dava o nome de Alafões —
Alafoins, como se lô em um documento d'a-
quella data, que se encontra no tomo 2.» da
Benedit. Lusit. trat. 1, cap. 1.^ «
2 V. Muçamedes, tomo S.* pag. 583, col.
4.«— e Viseu, tomo II.» pag. 1545, col. 1."
também.
3 Drizes e Bandavizes são nomes árabes.
V. Bandavizes, tomo !.• pag. 316, col.
Estas 9 freguezias pertencem ao actual
concelho de Vouzella.^
— Grijó e Luvisios, de Luvigitdus, nome
godo, na de Gafanhão.
— Mosteiro, na de Pepim, nome godo.
— Paço, Rhodes, Sabariz, nome godo, ser-
ras do Ladario e das Almenáras, faroes dos
lusitanos, na freguezia de Rériz, nome go-
do também.
Estas 3 ultimas freguezias pertencem ho-
je ao concelho de Castro d*Ayre, mas per-
tenceram anteriormente ao concelho de La-
fões.
— Ladario, Virella, Porcelhe, Mourão e
Faleiro, na de Arcozello das Maias.
— Destriz, Ribança e Pisco {Prisco, nome
de homem) na de Destriz, talvez nome go-
do.2
—Paços, Quetriz, Francelha e Ral, na
de Pinheiro.
— Reigoso e Alfusqueiro, nome árabe, na
de Reigoso.
— Torre, Parada, Paços, Enviande (?) La-
dario, Candemil, Pedre e Sandão, Dome go-
do, na de Ribeiradio.
— Monte Thesouro, talvez de Trezoy, no-
me godo, aldeia da freguezia de Oliveira de
Frades.
— Bandonages, nome árabe,' na de S. Vi-
cente.
— CoUlella, Bispeira, Villagueira e Covel"
linho, na de S. João da Serra.
1 Vilharigues, na opinião de um illustra-
do vouzellense, quer dizer Villa Rodrigues,
mas eu entendo que Vilharigues é o nome
godo Villiarigues patronímico de Villiarigo.
Em um documento da era 1033, o anno
995, vemos nós assignado como tabellião ou
notário Viliarigu Onoriz.
Portugal. Monum. — Diplom. et Chartae,
pag. 108.
2 Teem muita affinidade Ariz, Argeriz,
Criz, Destriz, Esmoriz, Gondoriz, Gradiz,
Mariz, Moniz, Outiz, Queiriz, Queitriz, Ré-
riz, Roriz, Romariz, Sabariz, Viariz, etc.
Suppomos que todos ou quasi todos estes
nomes são godos.
3 Fr. Bernardo de Brito, escreveu Aben
Donages. Monarch. Lusit. loc. cit.
2016 VOU
VOU
—Cunhedo, Ribella, Louredo e Rodam,
na de Souto.
Estas 9 freguezias pertencem ao actual
concelho de Oliveira de Frades.
Do exposto se vê que no território de La-
fões tiveram demorada residência os ára-
bes, musa^-abes e godos— e que ali viveram
muitas famílias importantes, como prova o
grande numero dc aldeias, ainda hoje deno-
minadas Tom, Paço e Paços.
Tàmbem a aldeia de Crasto (Castro) re-
vela a occupação dos romanos, — e as de
Arca^ Antas, e Antellas, synonyraos de Dol-
men, revelam a occupação prehislorica dos
celtas ou preceltas, que habitaram a nossa
peninsula milhares doamos antes do nasci-
mento de Christo.
V. Celtas, tomo 2.» pag. 236,~e Viseu,
tomo 11.» pag. 1699, col. 2.»
Castellos
~ Dos muitos que pompearam nas terras de
Lafões oecorrera-nos os seguintes;
1. "— Castello de Lafão — na freguezia de
Vouzella, distante da villa pouco mais de 1
kilometro para E.
Demorava em um alto monte denominado
Lafão, no sitio onde hoje se vê o santuário
de Nossa Senhora da Esperança, ou do Cas-
tello. Foi|demolido, quando se fez o santuá-
rio e ainda hoje lá se vêem alguns restos da
antiga fortificação em volta do dicto morro.
Consta que ali appareceu uma cisterna
com muitos esqueletos, quando se demoliu
o Castello,! supposta residência do lendário
rei Alafum. A distancia de 800 metros para
S. E., na cumiadã de um monte mais alto,
segundo resa a tradição, guardava o dicto
mouro os seus thesouros em uma cova que
ainda lá se vê, da qual partia uma estrada
coberta ou subterrânea, que se prolongava
descendo até á povoação e freguezia actual
de Fataunços, distante cerca do 2 kilome-
tros para N. E.
2. » Castello de Vilharigues— no alto d'este
» Veja-se o tópico Templos supra, d.* 6.
nome, freguezia de Paços, antiga succursal
de Vouzella, distante d'esta villa cerca de 2
kilometros.
Era quadrado e ainda hoje (1889) tem
uma das faces, a do lado N., completa, me-
dindo talvez 50 metros d'altura. As outras
faces cairam em ruínas e foram até meia
altura demolidas pelos senhores ã'elle e da
nobre casa e quinta da Cavallttria para fa-
zerem, cora a pedra que d'elle liraraín, a
Capella de Santo Amaro e uma bella esca-
daria, amda hoje pertencentes aos marque-
zes de Penalva, descendentes de S. Fr. Gil,
que nasceu na dieta casa e quinta, da qual
recebem foros os dietos marquezes, depois
que a emprazaram. E ainda hoje naandam
fazer na dieta capelIa todos os annos pom-
posa festa a Santo Amaro no dia 15 de Ja-
neiro, havendo por essa occasiào grande ro-
magem.
3.* — Castello de Baiões — em um alto na
freguezia d'este nome, hoje concelho de S.
Pedro do Sul, distante da villa cerca de 3
kilometros para O. na m. d. do Vouga.
Foi demolido e com a pedra d'elle fize-
ram no mesmo local a capella de Nossa Se-
nhora da Guia, muito querida dos povos
circumvisinhos, que a festejam com grande
romagem na 2.» feira da Paschoa.
V. BayÕes, tomo 2." pag. 552, col. 1.»
O Santuário Marianno, fallando d'esta
ermida (tomo 5.» pag. 86) diz que no dicto
local ainda m tilo tempore (1716) se viam (e
vêem hoje, 1889) restos da antiga fortifica-
ção ou atalaya, e que no dicto chão, cavan-
do, se encontraram pedaços de ouro lavrado,
como argolas, e outras cousas semelhantes.
Que os mouros faziam do dicto castello cen-
tro e receptáculo, d'onde saiam a infestar e
roubar os christãos, pelo que estes os expul-
saram, invocando por guia Nossa Senho-
ra 6 depois, em signal de gratidão, lhe eri-
giram ali um templo com a invocação de
Nossa Sienhora da Guia.
—Que a dieta imagem era escuiptura de
madeira estofada, tendo o Menino Jesus no
braço esquerdo e ao todo 4 palmos de al-
tura.
vou
vou 2017
— Que 08 devotos desde tempo muito an-
tigo formaram uma numerosa irmandade,
cujos estatutos confirmou em 1679 D. João
de Mello, bispo de Viseu e depois bispo lam-
bem de Coimbra.
—Que a dieta eapella tinha um ermitão
apresentado pelo abbade de Baiões— e que
festejavam a padroeira na i.» oitava da pas-
choa, havendo por essa occasião grande ro-
magem e uma feira antiquíssima, anterior á
forooação da irmandade.
4. ' — Castello de Figueiredo das Donas, na
freguezia d'e8te nome, concelho de Vouzella
e distante d'esta villa 6 kilometros para E.
Demoliram-no para construírem uma
casa.
Prende com o dicto caslello a lenda de
D. Ansur.
. V.: Figueiredo das Donas, tomo 3.°, pag.
192, col. 2.«
5. » — Castello de Bendavizes, — nome ára-
be, na freguezia de Fataunços, 3 kilometros
ao nascente de Vouzella.
Foi demolido em 1886 e empregaram a
cantaria d'elle na construeção de uma casa.
V. Fataunços, tomo 3." pag. 161, col. 2.*
6. *— Castello de Cambra.
Ainda se conserva quasi intacto e demo-
ra cerca de 8 kilometros ao sul de Vou-
zella.
V. Cambra, tomo 2.» pag. 52,
T. "—Castello de Alcofra.
Ainda se conserva também quasi intacto.
V. Alcofra, tomo 1.» pag. 79, col. 2.» m
principio.
Demora cerca de 13 kilometros ao sul da
Villa de Oliveira de Frades — e a igual dis-
tancia de Vouzella, a cujo concelho actual-
mente pertence,— para S. S. O.
S.'~-Castello de Reriz, na freguezia d'esle
nome, hoje concelhp de Castro d'Ayre, na
margem esquerda do Paiva, mas outr'ora
concelho de Lafões.
Do dicto Castello apenas hoje se encon-
tram vestígios, bem como d'outra8 construc-
ções árabes que existiram na mencionada
parochia.
V. Rériz, tomo 8.o pag. 148, col. 2.»
Ainda se apontam dispersos pelo antigo
concelho de Lafões vestígios d'outra8 mui-
tas obras de defesa atlribuidas aos mouros,
avultando entre ellas uma medonha gruta
ou caverna, talvez mina outr'ora, no alto da
serra da Arada, a montante da freguezia de
Carvalhaes.
Ninguém ousa peneirar na dieta gruta
por falta de luz e ar.
V. Arada, serra, tomo 1." pag. 225.
Também as aldeias denominadas Torre,
Castello e Castro, mencionadas supra, re-
velam a existência de torres, castellos e cas-
tros n'aquelles sitios, posto que hoje lá se
não encontrem vesiigio3'algUQ8 de taes obras
de defesa.
Senhores de Lafões
l.e — Cid Alafum,'o lendário ffiouro,"na
opinião de Fr. Bernardo de Brito.
%»—D. Fernando Pedro, mordomo- mor
d'el-rei D. Affonso Henriques.
Falia muito d*elle a Chronographia yiedi-
cinal de Alafoens.
3. »— O infante D. Henrique, de Sagres, fi-
lho d'el-rei D. João L
4. "— O infante D. Luiz, duque de Beja,
4 • filho do 2.' matrimonio d'elrei D. Manoel
e pae do infeliz D. Antonio, prior do Crato.
5.0 — Fernão Lopes d*Almeida, senhor da
casa e quinta da Cavallaria e anteriormen-
te já senhor do couto e villa do Banho, por
mercê d'el rei D. Manoel e concessão do in-
fante D. Luiz.
^.0— Duarte d' Almeida, filho do anteceden-
te, lambera dono da nobre casa, quinta e
couto da Cavallaria— a monteiro mor do in-
fante D. Luiz.
7."— D. Pedro Henrique de Bragança, 1.»
duque de Lafões, 2." marquez de Arronches
e 7." conde de Miranda, senhor de Lafões e
das villas e concelhos de Miranda de Corvo,
Jarmello, Folgosinho,Sôsa, Podentes, Vouga
e Oliveira do Bairro.
V. Lafões, tomo 4.» pag. 11, col. 1 •— e a
Chronographia Medicinal das Caldas de Ala-
fões, muito conscienciosamente eseripla na
localidade em 1696 e que falia muito da an-
2018 VOU
VOU
tíga vilIa do Banho e do antigo concelho de
Lafões, bem como dos senhores da dieta vil-
Ia 8 do dicto concelho, etc, etc.
E' um livro muito interessante e não vul-
gar, devido à penna do dr. Antonio Pires da
Silva, natural de Bragança e que foi medico
das ditas caldas,— homem bastante illustra
do, mas resentia-se da escola de Fr. Ber-
nardo de Brito, a quem seguiu de perto, fa*
zendo longo extracto da ! • parte da Monar-
chia Lusitana e contando como historia
muitas lendas desde a creação do mundo,
para mostrar a antiguidade da casa da Ca-
vallaria. Com as taes lendas e patranhas oc-
cupa nada menos de 104 pag.
V. cap. 5.» pag. 17 a 121.
E para mostrar a antiguidade das Caldas
de Lafões, subiu também até à creação do
mundo e, depois de longo arrasoado, disse
que as dietas aguas brotaram no mesmo si-
tio e com a mesma temperatura no 8 " dia da
creaçãofl...
tNão faz duvida (diz elle) que a agua dos
Banhos de Alafoens teve principio e sahiu
logo quente na tarde do terceiro dia.»
Cap. 2.» pag. 7.
Em compensação na dieta obra se eneon-
tram noticias aproveitáveis e curiosíssimas
com relação aos banhos de Lafões e a toda
a sorte de banhos in illo tempore, sendo pa-
ra lamentar que não tenha indice, o que dif-
fículta muito a busca de qualquer tópico.
Terminaremos dizendo que o senhorio de
Lafões se conservou muitos annos, bem co-
mo outros senhorios, foros e bens da coroa,
na casa dos duques de Lafões, pelo que esta
grande casa soffreu muito com a extincção
d'aquelles senhorios e foros em 1834.
Coutos
Segundo se lé na Chronographia Medici-
nal, o concelho de Lafões em 1696 compre*
hendia 13 coutos que ali se apontam, mas
tão confusamente, que mal os podemos dis-
criminarl... Suppomos serem os seguin-
tes:
!.• Couto do Banho.
Comprehendia a freguezia de Várzea e
entrava nas de S. Pedro do Sul, Baiões, Ser-
razes e Fataunços, sendo demarcado por
grandes marcos de pedra com armas reaes.
2.'— Couto do Covello, na freguezia de
Ventosa, com casas em diversas freguezias,
taes eram as de Paços, Baiões e Campia.^
Z.*— Couto de Arcozello, da comraenda de
Ansemil;
í.^—Rio de Mel, da mesma commenda de
Ansemil;
5.«— Go/a;
ò.'—Gafanhão;
1 ."—Ribolhos;
S*~Trapa;
9. '— Oliveira de Frades;
10. °— Mões;
11. '— Alva;
li.'- Sul;
IZ.^—Rériz.
Pelo motivo exposto supra
declinamos a responsabilidade
d*este tópico.
Bordonhos também foi honra.
V. Bordonhos, freguezia do actual conce-
lho de S. Pedro do Sul, tomo 1.» pag. 420.
Houve também no concelho de Lafões
desde os princípios da nossa monarchia os
3 coutos seguintes:
1.0— A casa, cerca e mais dependências
do convento de S. Chrtstovam de Lafões, que
hoje constituem a freguezia d'este nome no
concelho de S. Pedro do Sul.
1 Ainda hoje (1889) vive o ultimo escri-
vão do couto do Covello.
Diz elle que proferiam as sentenças em
cima de certas pedras, que aponta,— ao ar
livre.
O mesmo se praticava em outros muitos
dos nossos concelhos extinctos.
Mesmo em Lamego nos princípios da nos-
sa monarchia as audiências eram feitas jun-
to de uma arvore — tamegueiro.
W. Lamego n'este diccion. e no supple-
mento.
vou
vou 2019
V. Christovão de Lafões (S.) tomo 2.» pag.
297, col. Lafões, tomo 4.« pag. 12,
col. 1.* também.
2.'— Couto de Valladares, ou Couto de
Baixo, hoje também freguezia do mesmo
concelho, e
Z.'— Couto da Trapa e Paço, ou Couto de
Cima (é o mencionado supra) hoje também
freguezia do mesmo concelho.
V. Trapa, vol. 9.» pag. 724, col. 1." — e
Valladares, tomo 10.° pag. 169, col. 2.»
Estes últimos 3 coutos foram muito l^ri-
vilegiados tanto civilmente como eeelesiasti-
camente. Eram exemptos e n'elle8 exerciam
a jurisdicção episcopal os abbades do con-
vento de S. Christovam de Lafões.
V. Viseu, tomo 11.° pag. 1600, col. 2.« n.*
21,— e na collecção do Observador, ]ornail de
Viseu, relativa ao anno de 1879, os interes-
santes folhetins: Chronica visiense do século
xvii, parte 2," — O Dr. Themudo e Manuel
Botelho, — folhetins firmados por um=B=
que suppomos representa o nome do sábio
cónego José d' Oliveira Berardo.
V. Viseu, tomo 11." pag. 1815, col. 2."
Os mencionados folhetms, aliás bem es-
criptos e revelando muita instrucção, refe-
rem-se ao dicto convento e ao dr. Manoel
Botelho Ribeiro,! deprimindo bastante um
e outro, pelo que mais nos convencemos de
que foram obra de Berardo, — e é d'elle
o estylo.
Também foi couto a celebre quinta da
da Cavallaria.
Do exposto se vé que as auctoridades de
Lafões deviam luclar com grandes diffieul-
dades para administrarem a justiça em um
concelho tão cheio de coutos, exemplos, hon-
ras, castellos e toires, e de fidalgos podero-
sos, alguns d'elles com grande valimento na
côrte e outros senhores do próprio concelho
iodo, entre os quaes avultaram 2 infantes e
differentes duques.
1 V. Viseu, tomo 11.» pag. 1805, col. 1.',
— e 1825 col. 2.»
As mencionadas auctoridades dispunham
de 13 companhias de ordenanças, como já
dissemos supra, mas tudo isso era pouco e
por certo muitos coníliclos se deram em
que foram levadas de vencida, mas não se
registraram, porque muito provavelraentô
nem isso lhes permittiraml . . .
Os fidalgos eram muito prepotentes e pés-
simos visinhos outr'ora, pelo que em muitos
foraes se concedeu como grande favor aos
povos não poderem entre elles viver fidalgos,
nem doHas^ nem ricos homês.
V. Pinhel, tomo 7." pag. 70, col. 2.» e segg.
—Villa Real, tópico Foraes, vol. II.» pag.
942, col. l.« e 943, col. 2.* com as suas res-
pectivas notas;— Fí7/ar, aldeia da freguezia
de Barro, no mesmo vol. pag. 1174, col. 1.'
—Historia de Port. de Alexandre Herc. to-
mo 2." pag. 494-499,— e os Foros de S. Mar-
ttnho de Mouros nos Inéditos de Hist. Port.
tomo 4.» pag. 579 e segg.
Tudo o que ali se narra são factos histó-
ricos, que hoje mal se acreditam.
Fazem tremer a alma!
E nas outras nações in iílo tempçre suc-
cedia o mesmo— ou peior aindal . . .
O povo nunca teve as garantias que hoje
tem e de que tanto abusa, expondo-se a vol-
tar ao statu quo ante, porque os extremos
tocam- se.
S. CHRISTOVAM DE LAFÕES
E
SANTA CRUZ DA TRAPA
{Reminiscência doestes 2 coutos)
A citada Chronica do sec. xvii diz que,
estando o dr. Themudo e o dr. Botelho hos-
pedados no convento de S. Christovam de
Lafões, por serem amigos do D. Abbade do
dicto convento, — Fr. Antonio Pinto,— este
apresentou ao dr. Theniudo, supposto au-
ctor da Chronica, um papel, para o ler e
examinar e dar sobre elle o seu conselho,
I conforme ao direito.
2020 VOU
VOU
«Aceeilei-o (diz elle) e por ser curioso, o
transcrevo aqui fielmente do ciiirographo:
«Fr. Antonio Pinto, Dom Abbade do mos-
teiro de sara christovam a quem in solidum
pertence a jurisdicam episcopal e temporal
no civil no seu couto da trapa, etc. A todos
08 que esta nossa freguezia de sam christo-
vam, ha pessoa que esquecida do que deve
a Deus nosso Sr. e pouco temente a sua de
Vina justiça,* porque sendo raonido por
mandado nosso, para que pagasse a este
mosteiro á tulha o que está deyendo, e o não
tem feito, dezobedecendo e não comprindo
nossos mandados. Pello qae Auturitate Apos-
tólica de que nesta parte Vzamos. Mando em
Virtude de Sta. Obidieneia e sob penna de
excummuohão ipso facto incurrenda Page
ao dito Pe. tulheiro: Pedro Simoens da tra-
pa tudo o que lhe deve dentro, em tresdias
pros. despois da publieasam desta o que não
fazendo o havemos por declarado na sobre-
dita penna de excomunhão maior ipso facto
incorrenda, ao dito Po. Simoens e o hey
por incorrido nella, e por maldito e exco-
mungado da mâldisam de deus todo podero-
so e dos Bera aventurados Apóstolos Sam
Po. e Sam paulo e de todos os Santos da
Santa Madre Igreja de Roma, e seja sover-
tido e confundido, com os danados nos in-
fernos para sempre. Em companhia de Da-
tam e abiram. Dada neste nosso mosteiro de
sam christovam hoje 14 de Maio de 694. O
Abbe. fr. Antonio pintto.»
«Passou se o resto daquelle dia, e tam-
bém a noite até que na manhã seguinte,
muito cedo, entrou- me pelo quarto deotro
Fr. Antonio, pedindo-me o resultado do
meu parecer e que lhe fallasse com toda a
sinceridade e inteireza.
«Pois bem, respondi eu, digo-vos qne a
redacção do papel esiá confuza e incorrecta
e que por direito não é esse o modo de co-
brar as dividas.
1 Vou copiando fielmente o texto do Obser-
vador.
P. A. Ferreira.
«Mas, replicou elle, sempre assim o te-
mos usado e com bastante eflSeacia.
«Pois então continuai; — foi a minha res-
posta.
Dr. Themudo.»
Vinho
Segundo a interessante Carta da produc-
ção vinícola da circumscripção do norte de
Portugal,^ os 3 concelhos d'esta comarca de
Vouzella produziram em 1887 o vinho se-
guinte:
FoM2e//a— milhares de hectolitros 11,0
Oliveira de Frades 12,0
S. Pedro do Sul 20,0
Litros por hectare
Oliveira de Frades 56
S. Pedro do Sul 59
Vouzella 115
Note-se que os 3 concelhos teem a super-
fieie seguinte;
Vouzella, hectares 10;987
Oliveira de Frades, hectares 21:500
S. Pedro do Sul, hectares 33:982
E' isto o que se lê na Chorog. Mod. pu-
' A dieta Carta acompanha a publicação
official recentemente feita pela nossa Direc-
ção geral de Agricultura sob o titulo —
«Portugal (circumscripção do norte) Noti-
cias acerca dos seus vinhos pelo engenheiro
José Taveira de Carvalho Pinto de Mene-
zes, Porto, Typographia de Antonio José da
Silva Teixeira, Cancella Velha, 70.» — 1.»
faseicuío 1888; 2." fascículo 1889.
É um trabalho interessante e que muito
honra o seu illustrado auctor, distinito en-
genheiro civil, grande proprietário e vini-
cultor no concelho de Amarante, mas resi-
dente no Porto.
Nos 2 fascículos já publicados tracta dos
districtos de Vianna, Braga e Porio; nos se-
guintes tractarà dos de Bragança, Villa Real,
Viseu, Guarda, Aveiro, e Coimbra.
vou
vou 2021
blicâda em i875, mas, como o sea próprio
aactor adverte, comprehendeu no concelho
de Vouzella a freguezia de Bodiosa,^ que em
1871 havia passado para o concelho de Vi-
seu,—e no concelho de Oliveira de Frades
comprehendeu as freguezias de Alcofra,
Cambra, Campia e Carvalhal de Vermilhas
que no mesmo anno de 1871 passaram para
o concelho de Vouzella. Ficou pois sendo
maior a superfície d'este ultimo concelho e
menor a do concelho de Oliveira de Frades.
O vinho dos concelhos de Vouzella e Oli-
veira de Frades em geral é verde e áspero,
porque está exposto ao norte nas faldas
do Caramullo, que altinge a altitude de
1070 metros sobre o nivel du mar, — altitude
que baixa gradualmente até ás margens do
Vouga, limite dos 2 concelhos a N. e N. 0.^
E' pois um pouco melhor o que se appro-
xima do Vouga, mas insupportavel o que se
avisínha do Caramullo.
Ha por ali freguezias onde as uvas prin-
cipiam a pintar em outubro e nunca che-
gam a amadurecer, taes são na parte alta as
freguezias de Fornello do Monte, Carvalhal
de Vermilhas, Ventosa, Alcofra, Campia e
Cambra, todas d'este concelho do Vouzella.
1 E' natural da povoação de Silgueiros,
d'esta freguezia de Bodiosa, um dos assi-
gnantes e maiores apologistas d'eâte diccio-
nario. Chama-se Antonio Rodri^es dos San-
<0í, excelleme pessoa, residente no Porto
desde 1850.
De passagem diremos que ha n'esta fre-
guezia um monumento antiquissimo^ deno-
minado Lagaretas dos mouros.
E' formado por 3 grandes cavidades si-
métricas, rectangulares, parallelas e em for-
ma de paralleiogrammo, cavadas a picão em
um grande penedo de face lisa, mas com
bastante declive, sendo maior a cavidade
que está no centro de duas iguaes entre si,
porem mais pequenas.
V. Bodiosa n'este diccionario e no supple-
mento.
2 V. Caramulo, Monte Lafão, tomo 5 °
pag. 481, col. 2.»— e Monte Muro no mesmo
vol. pag. 523, col. 2.«
No de Oliveira de Frades também ha fre-
guezias, cujo vinho é insupportavel! . . •
O vinho do concelho de S. Pedro do Sul,
por estar exposto ao sul, é muito melhor,
principalmente o da parte baixa, nas visi-
nhanças do Vouga e do rio Sul; mas tem
vinho também muito áspero na parte alta,
principalmente nas visiohanças da serra de
Manhouce, que altinge a altitude de 1002
metros sobre o nivel do mar e prende com
as serras de Cambra e Arouca, uma das
quaes (a de S. Pedro Velho) tem a cota de
1.078 metros sobre o nivel do mar.
E' também muito áspero o vinho do con-
celho de S. Pedro de Sul em volta da serra
da Arada e na pendente sobre o Paiva, ex-
posta ao norte.
Em geral o vinho n'estes 3 concelhos é de
enforcado, como no Minho.
SERRA E FREGUEZIA DE MANHOUCE—
ANTIGA ESTRADA DE VISEU AO POR-
TO-TRAPA E FARRAP A— ALBERGA-
RIA DAS CARRAS, etc.
A freguezia de Manhouce é uma das mais
altas e mais ásperas do concelho de S. Pe-
dro do Sul, parte integrante do território de
Lafões, cuja capital é Vouzella.
V. Manhouce, tomo 5.' pag. 53, col. l.*—
e Trapa, vol. 9.» pag. 724, col. 2.»
Manhouce, outr'ora Manhoce, é talvez mo-
dificação de Manhoça, proveniente de manho,
terreno baldio ou mamnAo, monte, matto in-
culto. V. Manho, tomo 4.» pag. 520.
O mesmo vocábulo maninho provem tal-
vez de manhoce de manho tomaram o no-
me a fonte e sitio de Manhos, junto de La-
mego, na antiga estrada do Douro, e talvez
as nossas aldeias de Manhoco, Manhoca e
Manhosa, como quem diz matto, matta e
mattosa, pois no idioma leonez, hoje hespa-
nhol, que fallavamos nos princípios da nos-
sa monarchia, o z tinha e tem o valor de s
ou ç, e Manhosa ou Manhoza soava Hlanhoça
quasi Manhoce ou Manhouce, nome actual da
freguezia e serra de que no momento nos
occupamos.
2022 VOU
VOU
A povoação e fregaezia de Manhouce de-
mora DO alto da serra d'este nome, na anti-
ga estrada de Viseu ao Porto e na margem
direita do Vouga, do qual dista 8 kilometros
para N.; 11 d'AIbergaria das Cabras para
S: S. E.; 15 da villa d'Arouca para S.; 20 de
S. Pedro do Sul para O. N. O.; 35 de Viseu
para N. 0.— e 60 do Porto para S. E.
Pelo ultimo censo de 1878 contava 226
fogos e 1417 habitantes, que me parecem
habitantes de mais, pois 226 fogos deviam
dar, quando muito, 1000 habitantes, prin-
cipalmente em terreno tão inhospito, agres-
te e frio! . . .
Comprehende esta parochia differentes po-
voações, entre ellas Anta de Baixo, Anta
de Cima e Anta Cova, que pela onomástica
revelam a existência de 3 antas ou dolmens,
como já dissemos no tópico supra: — Ety-
mologia e antiguidade do território de La-
fões.
A serra de Idanhouce prende com a de
Arada, a E.,— e a N. e N. O. com a de Arou-
ca, Araducta no tempo dos romanos. São
compactas e formam um todo com dilTeren-
tes nomes, taes são alem d'aquelles os de
Serra da Freita, Serra de Fuste, Serra de
Albergaria das Cabras, Serra de S. Pedro,
serra da Mó, etc. havendo grande affinidade
entre Arada e Araducta, que parece terem
a mesma etymologial . . .
Pela serra e freguezia de Manhouce pas-
sava a antiga estrada de Viseu ao Porto,
muito frequentada ainda no melado d'este
século, antes de se fazer a linha férrea do
norte e a estrada a macadam, servida por
diligencias de Viseu á estação de Estarreja,
para onde mudou o tranzito, por ser mais
commodo e fácil, embora muito mais longo
o percurso, pois de Viseu ao Porto por Ma-
nhouce o percurso era de 95 kilometros, em
quanto que por Estarreja subiu a 138 kilo-
metros. Depois que ee fez a linha da Beira
Alta, o tranzito mudou para a estação de
Nellas, subindo o percurso a 192 kilometros
e assim se conserva e" conservará até se
abrir ao tranzito (talvez esfanno de 1889) o
ramal da linha férrea de Viseu a entroncar
na da Beira Alta em Santa Comba -Dão; mas
por seu turno o tranzito mudará e por isso
sotTrerá grande reducçào, logo que se cons-
trua a projectada linha directa de Viseu ao
Porto por S. Pedro do Sul e valle do Paiva,
a entroncar na linha do Douro em Recarei,
como já dissemos supra.
V. Viseu, tomo 11.» pag. 1528, col. 1.';
1639, col. 1.' também; 1777, col. 2.» n.» 5—
e 1781, col. 2.« também, n.o 3.
A antiga estrada de Viseu ao Porto por
Manhouce era muito curta, porque se apro-
ximava da linha recta na direcção geral—
S. E. a N. O.— Tocava na villa de S. Pedro
do Sul; passava depois a N. das freguezias
de Baiões e S. Christovam de Lafões; ia a
Santa Cruz da Trapa; depois subia para a
serra de Manhouce; atravessava a povoação
d'este nome e seguia pelo alto da serra até
Albergaria das Cabras, concelho d' Arouca;
depois descia bruscamente até á povoação
da Farrapo, freguezia de Chave, no mesmo
concelho d'Arouca; ia a Cabeções, aldeia da
villa e concelho de Fermedo, hoje concelho
d'Arouca também; ia depois a Lobão, San-
guedo, Carvalhos, Villa Nova de Gaya e
Porto.^
Foi muito frequentada, por ser curta e
porque desde o Porto até á Farrapo, na
pendente N. O. da serra da Freita, e desde
Viseu até à. Trapa, na pendente sul da ser-
ra de Manhouce, era soffrivel; mas desde a
Trapa até á Farrapo, na extensão de 25 ki-
lometros, era medonha, horrorosa, princi-
palmente no inverno, desde Manhouce até
Albergaria das Cabras, na extensão de 10 a
12 kilometros, porque seguia pela chã da
serra na altitude de 900 a 1:000 metros so-
bre o nivel do mar.^
* V. Cabeções, Manhouce e Albergaria das
Cabras.
2 A serra junto d'Albergaria das Cabras
vou
vou 2023
Ainda ali hoje todo o anno se eDcontram
lobos e no inverno a neve poisa frequente-
mente e sobe a grande altura, pelo que a
rainha Santa Mafalda, condoída dos vian-
dantes, mandou fazer uma albergaria em
Manhouce, na extremidade sul da grande
serra, e outra na extremidade norte, no si-
tio ainda hoje denominado Albergaria das
Cabras, porque a pequena povoação que ali
se desenvolveu era formada por cabreiros,
— e a mesma albergaria era um curral de
cabras.i
As duas povoações muito provavelmente
tiveram por núcleo as duas albergarias, tal-
vez muito anteriores á rainha santa e res-
tauradas por ella.
Manhouce teve também um convento an-
tiquíssimo, que recorda o de S. Bernardo^
nos Alpes, e por ser menos inhospita do que
Albergaria das Cabras, a sua povoação cres-
ceu mais. É hoje uma das freguezias mais
populosas do concelho de S. Pedro do Sul,
tem a cot? de 1:078 metros, e junto de Ma-
nhouce a de 1:002.
Ainda hoje por ali seguem muitos vian-
dantes e almocreves, nomeadamente vendi-
lhões de peixe fresco e recoveiros que do
Porto e do concelho da Feira se dirigem a
S Pedro do Sul, ele.
0 caminho é de tal ordem, que os habi-
tantes d' Arouca, distando esta villa apenas
30 kilometros dá de S. Pedro do Sul, quan-
do para ali se dirigem e dispõem de meios,
costumam seguir na diligencia até á estação
d'Ovar, distante cerca de 40 kilometros; de-
pois pela linha do norte até à estação d'Es-
tarreja, distante 13 kilometros, — e d'ali em
diligencia para S. Pedro do Sul, distante 78
kilometros d'Estarreja, preferindo este lon-
go percurso de 131 kilometros ao de 30
atravez da montanha.
1 A rainha Santa Mafalda vivia então no
convento d'Arouca, a pequena distancia da
grande serra,— convento hoje fechado, por
haver fallecido a ultima religiosa. Apenas
n'elle vivem algumas criadas; e a egreja foi
arvorada em matriz da parochia, por con-
cessão do governo.
V. Arouca n'este diccionario e no supple-
mento.
emquanto que a de Albergaria das Cabras
foi sempre rachitica e hoje conta apenas 33
fogos e 140 habitantes, pelo que não pôde
sustentar a sua autonomia e foi administra-
tivamente annexa à parochia do Burgo, dis-
tante cerca de 10 kilometros para N.i
Também na dieta serra se acoitavam sal-
teadores, que roubavam e por vezes mata-
vam os viandantes. Ainda pelos annos de
1834 Domingos Baptista, de Villa Real do
Trai os Montes, mas residente em Viseu,
roubou e matou José dos Santos na dieta
serra de Manhouce, pouco depois de haver
roubado e matado outro homem na cidade
1 Em Albergaria das Cabras apenas co-
lhem milho e senteio, criam vaccas e cabras
e fazem manteiga, que vendem para o Porto.
Aa casas são todas humildes, com tectos
de palha e lousa. Os leitos mais luxuosos
são uma espécie de lagaretas de taboas li-
sas; enchem-nas de palha solta e n'ella se
deitam e dormem sem lençoes, mas cober-
tos unicamente por mantas de burel e de
farrapos?! . . .
A matriz é uma pequena e pobre capella
nua, sem sacrário nem Santíssimo perma-
nente. O capellão mora a distancia de 10 ki-
lometros, junto da villa de Arouca.
A freguezia comprehende as aldeias se-
guintes: Albergaria das Cabras com 20 fo-
gos; Castanheira, a 2 kil., com 8 fogos; Ca-
baços a 1 kil. com 3 fogos— e Misaretla, a
2 kil., com 2 fogos, — todas dispersas pela
montanha e constantemente visitadas pelos
lobos.
Vade retrol...
Junto da Misaretla nasce o rio Caima,
que ali fctrma uma linda cascata, despenhan-
do-se de grande altura sobre um poço mui-
to fundo, onde ha bom peixe, nomeadamen-
te trutas deliciosas, que abundam na dieta
ribeira.
Esta cascata da Misaretla recorda as cas-
catas do mesmo nome, que ha na serra do
CaramuUo e em outros pontos do nosso
paiz.
V. Misaretla, tomo 5. pag. 338.
De passagem diremos que o nome de Mi-
sarella vem de mijarella, como o povo d'A/-
bergarta das Cabras ainda hoje denomina a
sua cascata, porque a agua, caindo de gran-
de altura, ó levada pelo vento, como chuva
tenuissima, até grande distancia — muitas
vezes.
2024 VOU
VOU
de Viseu, pelo que o juiz de Vouzella, em 9
de julho de 1836, o condemnou a pena ulti-
ma e foi enforcado no Porto em 23 de julho
de 1838, havendo por essa occasião grande
moliro, porque, depois de justiçado e no
momento em que lançavam o cadáver á se-
pultura, abriu os olhos e deu signaes de vi-
da— com assombro das auctoridades e da
irmandade da Misericórdia, que o acompa-
nhavam, bem como da grande multidão que
seguia o préstito. Foi levado em observação
para o hospital da Misericórdia, mas, cons-
tando que abriam as veias ao infeliz, o povo
amotinou-se e tentou invadir o hospital,
sendo mister, para conter o povo, mostra-
rem-lhe de uma janella o pobre justiçado,
etc, etc.
Ainda hoje vivem no Porto pessoas fide-
dignas que presenciaram e me contaram fa-
cto tão estranho.
V. Victoria, fffguezia do Porto, vol. 10,
pag. 604, col. 2 • e segg. onde narrei o
facto minuciosamente.
A serra de Manhouce tem pois também
lendas e paginas de sangue, como a da Fal-
perra, no Minho, a de Qainlella, no Douro,
e a de Villa Boim, no Alemtejo.
Ha muito que se traeta de construir uma
nova estrada directa de Viseu ao Porto. Já
está feita e servida por diligencias desde o
Porto ate Rossas, margem direita do Arda,
onde entronca na de Arouca, — seguindo pe-
los Carvalhos, Gorga, Cedofeita, S. Vicente,
Cabeçaes e Mansores.
Também já está feita de Viseu até á Tra-
pa e anda em construcção da Trapa até á
Farrapa e Rossas, seguindo — não pela ser-
ra, como a antiga, mas contornando -a a O.
pelas proximidades da villa de Cambra,
cortando junto da Farrapa a estrada d'Arou-
ca a Oliveira d'Azemeis pelo valle de Cam-
bra, já construída e servida por diligencias,
— e a estrada em construcção d*01iveira de
Azeméis á Farrapa e Arouca também, por
Carregosa, terra natal do sr. D. Manoel Cor-
rela de Bastos Pina, actual bispo-conde.
A carne e o sal
Em 1886 deu-se um facto estranho que
muito prejuízo cauâou em vários pontos do
nosso paiz, nomeadamente nos districtòs da
Guarda e de Viseu e a'esta còmarca de Vou-
zella. •
O pingue e a carne de porco desfizeram-
se e desappareceram em muitas salgadeiras,
aitribuindo-se este phenomeno ao sal. Elie
era das nossas marinhas, considerado mui-
to bom, mas suppSe-se que os marnétos lhe
haviam addiecionado cal\ ...
Em uma correspondência de Vouzella,
com data de 11 d'abril do dieto anno, se lia
o seguinte:
iPor todos estes sítios de Lafões também
se consumiu muita carne de porco nas
salgadeirasy ficando só o couro e o ossoi e
em algumas casas, quando foram a tirál a
do sal, já estava meia consumida!
Em Cambra, Carvalhal de Vermilhas, Al-
cofra, Ventoza e outras freguezias, muitos
lavradores tinham quatro a cinco porcos na
salgadeira e ficaram sem nada; outros, ao
contrario, foram para os levantar do sal e
acharam tudo em bom estado.
A carne que appareceu consumida não
tinha mau cheiro; o unto também se desfez
ficando sò a pellicula, e o pingue foram dar
com elle desfeito em agoa nos potesi
Não se sabe a que attribuír isto, vistosa
carne não exhalar mau chei.ro.
Também é certo que em algumas salga-
deiras a carne não se consumiu; ou lhe
accudiram a tempo ou então o mal está na
qualidade do sal empregado.
Dar-se-ha caso que seja também falsifi-
cado?
Se o é, a falsificação appareceu depois do
augmento dos tributos lançados áqueile gé-
nero.»
Effectívamente n'aquelle anno o nosso gor
verno havia lançado um forte imposto so-
bre o sal, imposto que achou grave resis-
tência, pelo que foi abolido e não mais se
vou
vou 2025
repeliu o phenomeno do desapparecimento
da cai^ne de porco, salgada com elle.
Foraes
A Villa de Vomella tiunca tévi foral pró-
prio— nem velho, nem novo.
O concelho de Lafões lambem nunca teve
foral velho, mas somente foral novo, que
ainda se conserva, embora muito deteriora
do, no archivo da câmara de Vouzella.
V. Lafões.
A Villa do Banho teve foral velho, dado
por D. Affonso Henriques em agosto de H52
e confirmado por D. Affonso II em outubro
de 1217; mas o dieto foral era restricto á
mencionada villa, como pôde ver-se no Por-
tugaliae Monnmenía, 1. Foralia, pag. 382,
onde se encontra na sua integra.
V. Banho, tomo 1.» pag. 317.
As villas de Oliveira de Frades e S. Pedro
do Su/ lambem nunca tiveram íoM velho
nem novo-, apenas a villa do Sul teve foral
novo, dado por D. Manoel a 4 d'abril de
1514.
V. Sul, vol. 9.» pag. 463, coí. 2.» e S. Pe-
dro do Sm/ no mesmo vol. pag. 17, fcol. 1.»
O meu benemérito antecessor deU ás villas
do Sul e S. Pedro do Sul o mesmo foral de
D. Manoel, mas eu supponho que pertence
á villa do Sul e não à de S. Pedro do Sul.
Franklin na sua Memoria apenas escreve
Sul. Convém ler o foral para se dirimir a
questão.
ARMAS DE VOUZELLA
OU DO CONCELHO DE LAFÕES
O sr. Vilhena Barbosa nas Cidades e Vil-
las . . . não dá brasão d'armas a Lafões nem
Vouzella. Também não se encontra em um
formoso e luxuoso livro que possuo, anony-
mo e sem data, líias com muitos brasões das
nossas villas e cidades, bem desenhados e
coloridos; enconlra-se porem no códice n".
273 da Biblioiheca Municipal portuense^ um
1 Iií titula- se^Ar/e de Armaria e BrazÕes de
Cidades é Villas de Portugal.
lindo brasão d'armas de Lafões (Vouzel-
la) que bem desejávamos dar em gravura.
E' o seguinte:
Escudo sem coroa; no plano inferior um
semi circulo (talvez representando o monte
Lafão) tendo a corda ou linha do diâmetro
em recta horisontal de uma á outra parede
do escudo; sobre o vértice do semicírculo
um alto Castello ameiado com porta d'arco
de volta inteira; no 1.» plano superior 4 se-
teiras com uma janella no centro, dando às
4 seteiras fórma de santor. No plano da por-
ta 2 estrellas no vão do escudo, — uma de
cada lado do castello; no plano das seleiras
e no mesmo vão do escudo:— à esquerda do
espectador uma meia lua com as pontas vol-
tadas para o castello e dentro d'ellas uma
estrella;— á direita do espectador outro se-
micírculo mais pequeno do que o da base,
cora a linha horisontal, ou corda do diâme-
tro, do lado superior, partindo do meio d'el-
la uma Qor de liz.
As 3 estrellas são de 6 pontas e nos vãos
iateraes do escudo, a meia altura do castel-
lo, tem mais de 'cada lado um circulo de
pontos com um ponto no centro.
O castello ou torre tem a base bastante
larga e vae apertando gradualmente ao pas-
so que vae subindo, como a grande torre
Eiffel de Paris, em construcção no momen-
to (fevereiro de 1889).
Em plano inferior ao diclo brazão lé-se
o seguinte:
tO concelho de Alafões tem por armas as
E' 1 vol. foi. anonymo e sem data, mas
em lettra do sec. xvn; desenhos á penna e
pouca ou nenhuma arte, compreheodendo
30 fólios (alguns em branco) sem pagina-
ção.
O autor não concluiu a obra, mas ainda
assim tem merecimento e d'ella pôde ver-se
uma minuciosa e muito conscienciosa indi-
cação no Catalogo dos mss. da mencionada
Biblioiheca, publicado em 1888 e muito in-
telligentemente feito pelo sr. dr. Eduardo
Augusto Allen, l.» offlcial da Biblioiheca,
muito illustrado, zelosíssimo e digníssimo a
todos 03 respeitos.
2026 VOU
VOU
que aqui se vem, e d'ella8 usa no sello da
Camara cõ hu letreiro circular que diz:
S. CONCILII. DE AlAFÕES.
Na frente do edifício do tribunal judicial
de Vouzella estão as armas reaes portugue-
zas das quinas e 7 castellos e por baixo um
escudo com o mesmo brasão do códice. Ape
nas se notam as differenças seguintes:
Tem no centro do escudo um castello
ameiado, do meio do qual sobe uma torre
ameiada também.
O Castello, alem da porta central, tem
duas portas mais pequenas em dois pe-
quenos corpos lateraes.
A torre tem 4 frestas, mas em vez da ja-
nella central, tem uma estrella que lhes dá
a fòrma de santor.
A meia lua e a estrella estão do lado di-
reito do espectador, e do lado esquerdo a
flor de liz sobre o pequeno semicírculo, ten-
do este, como o da base do castello, a corda
horísontal do diâmetro para o lado inferior.
Nada mais— nem os 2 círculos de pontos
indicados no brazão do códice.
As estrellas são todas de 8 pontas.
A camará de Vouzella tem 2 pendões, ou
estandartes, ambos de seda encarnada;— um
foi feito em 1867 e tem de ambos os lados
as armas reaes portuguezas das quinas e 7
castellos bordadas a ouro; outro é antigo,
bordado a matiz e cordões de seda, tendo de
um lado as armas reaes portuguezas e do
outro um castello encimado por uma torre
ameiada, poisando sobre ella uma grande
coroa real.
O castello tem no plano inferior uma porta
d'arco de volta inteira — e em plano supe-
rior 3 frestas ou janellas; — a torre tem no
plano inferior uma fresta ou seteira — e em
plano superior mais 3 frestas.
O todo, exceptuando a corôa, è muito se-
melhante ao do castello do códice nú, sem
poisar no semicírculo; nota-se porem que,
em vez das 4 frestas em santor com a janel-
la ao centro, tem 6 frestas,— 3 em cada pla-
no— e a meio uma outra;— total 7.
Também o castello e a torre não formam
um todo compacto como no bazão do códi-
ce,—nem Q castello tem ameias como o do
brazão do tribunal. Termina em uma faxa
saliente de pedra, que o divide da torre.
O sello actual da camará é de fórma oval;
tem no centro um escudo com as armas
reaes das quinas e 7 castellos, ladeado por
duas palmas e encimado pela corôa; em vol-
ta a legenda seguinte:
Lafões, no alto; em seguida:
Municipalidade de Vouzella
Não sabemos que armas e sei los tem e
teve a camará de S. Pedro do Sul, que re-
presentou e representa a parte N. do antigo
concelho de Lafões, ou a margem direita
do Vouga.
Também não sabemos que armas e sel-
lo linha a pobre villa do Banho que, duran-
te muitos séculos, foi, como já dissemos, a
capital de todo o concelho e território de
Lafões.
Passemos a outro tópico.
Preço corrente dos géneros
na villa e concelho de Vouzella em Í888
Milho litros i6',234, réis
Trigo
Centeio
Cevada
Feijão branco...
Feijão amarello.
Feijão fradinho.
Vinho, almude..
25,008
pipa, tinto, 20 almudes.
» branco » »
440
600
400
280
600
500
500
500
10^000
12^000
Movimento da estação telegrapho-postal
de Vouzella no anno de 1888
Telegrapho 120ÍOOO
Emissão de vales 8:000^000
vou
vou 2027
Fnnquias 1:0OOí;00O
Registros expedidos iHOO
Eocommendas postaes exped. . . i20
* t recebidas 230
CorrespoDdencia official, expe-
dida e recebida 7:200
Contribuições
O concelho de Vouzella no anno econó-
mico de 1887 a 1888 pagou o seguinte:
Predial 4:859M83
Industrial 997M67
Renda de casas 'dOOMOS
Sumptuária 103^:597
Municipal—directa 2:896^1711
— —indirecta 1:450^1000
Parochial 126íS541
Districtal 693^210
Decima de juros 818^638
Verba do sello 83211755
Reaid'Agua.. 1:538^510
Total 14:619^317
Vouzellenses illustres
Este tópico podia dar um grosso volume,
se folheássemos as genealogias das muitas
casas nobres da villa e do concelho de Vou-
zella e os annaes d'este município e do an-
tigo concelho de Lafões, cuja capital é
actualmente Vouzella, mas nunca se escre-
veram os ditos annaes e não lemos á mão
aquellas genealogias, nem podemos alon-
gar-nos e por isso apenas indicaremos os
vouzellenses seguintes:
— S. Fr. Gil.
Nasceu em 1185 na sua nobre casa e
quinta da Cavallaria; foi baptisado na egre-
ja, hoje simples eapella de S. Martinho, na
extincta villa das Caldas; fallecen no con-
vento dominicano de Santarém a 14 de maio
de 1265 — e jaz em Lisboa na eapella do pa-
lácio dos marquezes de Penalva, seus des-
cendentes e representantes.
Para evitarmos repetições, vejam-se os
tópicos supra Quintas e templos e n'este dic-
cionario o art. Santarém, tomo 8 .• pag. 480
col. !.•— flnno de 1265— c pag. 540, eol. 2.«
Desde a canonisação de S. Fr. Gil (abre-
viatura de Egidio) a fé e a sympathia dos
vouzellenses com este santo foram sempre
tão pronunciadas, que ainda hoje na villa e
no concelho de Vouzella o nomo Gil é tri-
vialissimo.
— Alberto Antonio de Moraes Carvalho, —
do conselho de S. M., bacharel formado em
cânones pela Universidade de Coimbra, ve-
reador e presidente da camará municipal
de Lisboa, deputado ás cortes em diflferen-
tes legislaturas, par do reino, ministro dos
negócios ecclesiasticos e de justiça, conse-
lheiro do tribuDal de contas, governador ci-
vil do districto de Lisboa, sócio honorário
do Instituto da O. dos Advogados brazilei-
ros, sócio correspondente da Acad. R. das
Sciencias de Lisboa e do Instituto histórico
de França, distineto advogado e distincto
escriptor publico, gran cruz de Leopoldo,
da Bélgica, e da Rosa, do Brazil, commen-
dador da O. de Christo, etc. etc.
Nasceu na villa de Vouzella a 22 de no-
vembro de 1801 e falleceu em Lisboa, onde
jaz (no cemitério Occidental ou dos Praze-
res) a 15 d'abril de 1878.
Foram seus paes: — Luiz de Moraes Car-
valho e D. Joaquina Rosa de Moraes Tor-
res.
Avós paternos: — Luiz dç Moraes Carva-
lho e D. Quitéria Thereza de Carvalho.
Avós maternos:— José Fernandes Torres
e D. Joanna Maria Mogueirães.
Casou com D. Maria Soares de Moraes e
teve os filhos seguintes:
— Adriano Alberto de Moraes Carvalho,
hoje (1889) verificador da alfandega de Lis-
boa. Solteiro.
— Alberto Antonio de Moraes Carvalho,
bacharel formado em direito, deputado às
cortes, F. C. R. etc, casado com D. Andra-
lina dos Santos Moraes Carvalho.
Tem successão.
— Leopoldo Augusto de Moraes de Carva-
lho, solteiro.
2028 VOU
VOU
— D. Amélia Elvira de Moraes Carvalho, I
casada com o seu primo dr. Alberto Anto-
nio de Moraes Carvalho Sobrinho, meáico do
Hospital de S. José e delegado de Saúde, em
Lisboa.
Tem successão.
— D. Maria Georgina de Moraes Carvalho,
solteira.
— D. Amélia Eugenia de Moraes Carvalho,
viuva, com successão.
São estes 6 filhos os herdeiros e repre-
sentantes do nosso biographado.
Teve elle os irmãos seguintes:
1. " Luiz de Moraes Carvalho.
Casou e teve:
— Alberto Antonio de Mo-
raes Carvalho supra, casado
com sua prima D. Amélia.
— Padre José de Moraes
Carvalho e
— D. Antónia Elvira de Mo-
raes Carvalho.
2. » Thomaz Antonio de Moraes Carvalho,
fallecido sem successão.
3. * D. Mariana Carlotina de Moraes Car-
valho e Gama.
Casou e teve os filhos seguintes:
— Francisco Antonio da Ga-
ma;
— Gil Alcoforado da Gama e
Mello, escrivão da vara ci-
vd no Porto, onde casou e vi-
ve com successão;
— D. Maria da Gloria, já
fallecida;
— D. Maria José Alcofora-
do da Gama e Mello, ainda
solteira, e
—D. Maria Adelaide, já fal-
lecida.
4. * D. Maria José de Moraes Carvalho.
Casou e teve os filhos seguintes:
— Dr. Antonio Augusto Soa-
res de Moraes, actualmente
prior na freguezia da Ajuda,
em Lisboa;
—D. Maria José de Mo-
■ . raes Soares e
— D. Eugenia de Moraes
Soares.
Em 1828, estando já formado em cânones
o nosso biographado, abraçou a revolução
liberal da junta do Porto contra o governo
do sr. D. Miguel e, abortando a dieta revolu-
ção, emigrou para a Hespanha ; — d'ali foi
para a Inglaterra (Falmouth) — e da Ingla-
terra para o Brazil.
Quando ali chegou, todo o seu capital era
uma simples moeda de !0 réis, moeda que
toda a vida conservou como reliquia sagra-
da; mas valeu-lhe a formatura, o patrimó-
nio da instrucção que- levava corasigo.
Estabeieeeu-se logo como advogado no
Rio de Janeiro e taes créditos grangeou, que
adquiriu pela advocacia a maior parte da
sua grande fortuna até o anno de 1848, da-
ta era que rt^gressou a Portugal, depois de
longa viagem pela Europa.
Cora relação aos seus escriptos. veja-se o
Diccionario Bibi. de Innocencio. tomo 1.» pag.
23, e a continuação pelo sr. Brito Aranha,
tomo 8.» pag. 21.
D'este ligeiro esboceto biographico se vê
que Alberto Antonio de Moraes Carvalbio,—
homem de superior illusiração e cavallheiro
honradíssimo, — foi um cidadão benemérito,
pelo que os seus patrícios lhe erigirann no
anno de 1882 uma estatua de bello ma.rmo-
re, feita no Porto, na oíficina de An tonio
Coelho de Sá e Fernando Correia da Silva,
rua dos Lavadouros, 5 a 9, e cinzelad;a pe-
los artistas Fernando Correia da Sil va e
Francisco Antonio Raposo.
É um bom trabalho, copia de uma plhoto-
graphia.
Está um pouco deseançado sobre a per-
na esquerda, o rosto muito expressi-vò e
bem parecido. As bordaduras da far'da, a
gran-cruz, as medalhas, espadim, chapéu e
livro sobre que poqsa, estão bem cinizela-
dos.
Ayres de Gouveia
Uma das famílias que pelo trabalho,, pelo
talento, pela illustração e pela nobrejza do
vou
vou 2029
sea caracter tem conquistado mais brilhan-
te posição e mais justa consideração na vil-
la e DO concelho de Youzella e em todo o
nosso paiz, nomeadamente no Porto na 2.*
metade d'este século, é sem contestação a fa-
mília Ayres de G«uveia, oriunda d'este con- j
celho,— familia que nós temos a honra de
conhecer e tracíar desde 1851. Seja nos li-
cito, pois, biographal-a rudemente a nosso
modo, sem lisonjas, consignando nomes,
datas e factos para luz da posteridade, re-
sumindo quanto possivel.
Ella não conta longa serie d'avós, nem se
recommenda pela nobreza herdada, — nobre-
za alheia, — mas pela nobreza própria, con-
quistada por justos titulos, — a nobreza da
virtude, do trabalho e do talento,— a nobre-
za mais invejável, que mais honra e nobi-
lita.
Entremos no assumpto;
Fructoso José da Silva Ayres, patriar-
cha dVsta familia, nasceu na povoação de
Ventosa, freguezia d'este nome, pertencente
ao concelho e comarca de Vouzella, aos 29
de março de 1804. Foi para o Porto como
aprendiz de caixeiro aos dez annos de ida-
de, servindo em uma loja á Porta de Car-
ros,^ onde passou a maior parte da vida.
1 Era uma das portas dos velhos muros
do Porto na confluência da Praça Nova e
das ruas da Madeira, Santo Antonio e
Bomjardim com o largo da Feira de S.
Bento, rua das Flores, ete.
A dieta loja estava em frente da egreja
dos Congregados do Oratório e pertencia a
um pequeno prédio coUado aos velhos mu-
ros, prédio que foi demolido pela camará
do Porto em 1888, para alargamento do lo-
cal.
O prédio era pequeno, mas o sitio era de
grande movimento e óptimo para commer-
cio.
Do lado interior dos muros estava e está
ainda hoje (1889) o convento das freiras
benedictinas, que vae ser demolido, pará
no chão e cerca d'elle se construir a esta-
ção central do Porto.
YOLUMB XI
Era 1826, contando 22 annos, casou com
Maria Maximina de Gouveia Braga, natural
do povo de Silvite na mesma freguezia da
Ventosa, e nascida em igual dia, 29 de mar-
ço de 1795, tendo então ella 31 annos de
! idade ou mais 9 do que elle.^
Era uma senhora muito piedosa e muito
virtuosa.
Houve do seu casamento oito filhos, to-
dos nascidos na pequena casa da Porta dt
Carros e todos baptisados na freguezia de
Santo Ildefonso, a que n'es3e tempo perten-
cia aquelle siiio, hoje incorporado na fre-
guezia da Sé.
Aquelles oito filhos foram pela ordem do
nascimento os seguintes:
1-0 — jQgé Fructuoso Ayres de Gouveia
Osorio, que nasceu a 11 de maio de 1857.
Mostrando logo desde os primeiros anãos
uma grande vocação para as lettras e mui-
to amor ao estudo, esforçou-se o pae em
ãuxilial-o e já aos 14 annos se achava ma-
triculado em mathematica.
Fez formatura em philosophia e medici-
na na Universidade de Coimbra, obtendo
prémios. Ausentou-se de Portugal durante
mais de dois annos, frequentando as snm-
midades medicas em Paris e tomou o grau
de doutor na Universidade de Edimburgo.
Foi nomeado professor da escola medico-
cirurgica do Porto em 1858 e regeu a sua
cadeira de hygiene com muita proficiência.
Associando-se com seu pae e seu irmão
Francisco, tomou parte no negocio da casa,
uma das casas de vinhos mais importante
e mais acreditada entre todas as do Porto.^
1 O visconde de Villa Mendo — Antonio
de Gouveia Osorio— é parente muito próxi-
mo da dieta senhora.
V. Villa Mendo, tomo II» pag. 797,
col. 2.«
2 O velho Fructuoso Ayres de Gouveia,
que ea muito bem conheci, era de mediana
estatura, muito modesto e muito honrado.,
pelo que, mesmo nas grandes crises da pra-
128
mo voB
vou
Foi director da associação commereial do
Porto e da associação industrial, sócio fuD*
dador e 1." presidente da sociedade d'ins-
trucção, etc.
Casou em 16 de julho de 1866 com D.
Virgínia de Brito e Cunha, Qlha de D. Car-
lota de Roure e de João Eduardo de Brito e
Cunha, de Mattosinbos, e houve d'ella 3 Q-
lhos: — Frucuoso, que naorreu com poucos
dias de idade;— /ose, que falleceu na Foz em
29 de janeiro de 1884, aos 15 annos de ida-
de, tendo nascido a 9 de julho de 1868, — e
Maria Benedicta, qne existe e nasceu em 30
de novembro de 1869.
Caracter integerrimo^ o dr. José Fructuo-
so grangeou estima profunda entre os seus
concidadãos. Liberal convicto e progressis-
ta honesto e dedicado, serviu o povo, cujo
era filho.
Ainda antes de completar os 20 annos de
idade, em 1847, no teirpo da Junta do Por-
to, auxiliou a fundação do Ecco Popular,
jornal progressista de grande nomeada, em
que coliaborou ao lado dos beneméritos pa-
triotas irmãos Passos.^
Desde então nunca deixou de advogar os
interesses do sua terra com a penna ou
com a palavra, em opúsculos ou em jor-
naes.
As questões dos expostos e creanças aban-
donadas, a do Ásylo da Mendicidade, onde
•foi sollicito provedor, e outras mereceram-
lhe as maiores dedicações.
A ideia inicial de dois taboleiros na pon-
te D. Luiz partiu d'ellee insinuou-a em ar
tigo anonymo.
A collocação da estação na Granja, ori-
ginando assim aquella formosa praia, conse-
guiua elle.
ça do Porto, as suas lettras corriam como
ouro,e assinf correram sempre e correm
hoje ainda, porque os filhos não degenera-
ram.
Qui viget in foliis venit e radicWus humorl
1 V. Bouças de Mattosinhos, tíuifões e
Porto.
O dicto jornal foi fundado por José Lou-
renço de Sousa, que acabava de 36r caixeiro
oa casa de Fructuoso Ayres.
Falleceu na manhã de 23 d'ago3toto de
1887 de morte repentina, sendo presidedente
da camará municipal do Porto, par do d rei-
no electivo pela mesma cidade, sócio da la fir-
ma social com seu irmão Francisco — e e an-
dava publicando peia imprensa as liçõeses do
seu curso de hygiene e o projecto do CcCodi-
go Sanitário porluguez, de que deixou u im-
pressos os primeiros 4 titulos com 132 a arti-
gos e o plano completo com 21 titulosos, —
missão de que foi encarregado pelo goveverno
em portaria de 25 de janeiro de 1882, p por-
taria muito honrosa, terminando por e.< estes
termos: >0 que se communica ao referendo
lente para sua intelligencia, e para que te as-
sim o cumpra, como é de esperar da a sua
competência e provado zèlo no serviçoço do
estado.*
Note-se que, sendo José Fructuoso munuito
progressista, foi encarregado da dieta c( com-
missão pelo governo regenerador, prova ia ine-
quívoca do relevante mérito e da singugular
competência do finado.
A manifestação publica pela sua morte te foi
tão espontânea e larga como dolorosissiisima.
Cavalheiro muito illustrado, muito hononra-
do e muito considerado — era um justo. i.
Possuia em Vouzella a quinta de Lai.amas
que lhe legara seu padrinho José Fernrnan-
des, a principio patrão e depois sócio io de
seu pae; — adquiriu ali varias outras pi pro-
priedades— e comprazia-se em viver r em
Vouzella, onde o estimavam e queriam m co-
mo amigo dedicado, pae e protector, p pois
folgava sempre em engrandecer Vouzazella
por todos os modos. A elle se deve a estestra-
da districtal em construcção de Viseu a (a Oli-
veira do Bairro por Vouzella, e longos anannos
se empenhou na construcção de uma lii linha
férrea entre o Porto e Viseu pelo valle le do
Vouga, tocando em Vouzella. Fez com a que
a associação commereial do Porto repepre-
sentasse ao governo pedindo a menciononada
linha e, se elle vivesse, talvez desviasse }e pa-
ra o valle do Vouga a linha estudada e e de-
cretada entre o Porto e Viseu pelo valle lie do
Paival ...
vou
vou 2029
seu caracter tem conquistado mais brilhan-
te posição e roais justa consideração na vil-
la e no concelho de Vouzella e em todo o
nosso paiz, nomeadamente no Porto na 2 *
metade d'este século, é sem contestação a fa-
mília Ayres de Gouveia, oriunda d'este con-
celho,—- família que nós temos a honra de
conhecer e tractar desde 1851. Seja nos li-
cito, pois, biographal-a rudemente a nosso
modo, sem lisonjas, consignando nomes,
datas e factos para luz da posteridade, re-
sumindo quanto possivei.
Ella não conta longa serie d'avós, nem se
recommenda pela nobreza herdada, — mbre-
za alheia, — mas pela nobreza própria, con-
quistada por justos titulos, — a nobreza da
virtude, do trabalho e do talento,— a nobre-
za mais invejável, que mais honra e nobi-
lita.
Entremos no assumpto:
Fructoso José da Silva Ayres, patriar-
cha d'esta familia, nasceu na povoação de
Ventosa, freguezia d'esie nome, pertencente
ao concelho e comarca de Vouzella, aos 29
de março de 1804. Foi para o Porto como
aprendiz de caixeiro aos dez annos de ida-
de, servindo em uma loja á Porta de Car-
ros,^ onde passou a maior parte da vida.
1 Era uma das portas dos velhos muros
do Porto na confluência da Praça Nova e
das ruas da Madeira, Santo Antonio e
Bomjardim com o largo da Feira de S.
Bento, rua das Flores, etc.
A dieta loja estava em frente da egreja
dos Congregados do Oratório e pertencia a
um pequeno prédio collado aos velhos mu-
ros, prédio que foi demolido pela camará
do Porto em 1888, para alargamento do lo-
cal.
O prédio era pequeno, mas o sitio era de
grande movimento e óptimo para commer-
cio.
Do lado interior dos muros estava e está
ainda hoje (1889), o convento das freiras
benedictinas, que yae ser demolido, para
no chão e cerôa d'èlle se construir a esta-
ção central do Porto.
YOLUMB XI
Em 1836, contando 22 annos, casou com
Maria Maximina de Gouveia Braga, natural
do povo de Silvite na mesma freguezia da
Ventosa, e nascida em igual dia, 29 de mar:
ço de 1795, tendo então ella 31 annos de
idade ou mais 9 do que elle.^
Era uma senhora muito piedosa e muito
virtuosa.
Houve do seu casamento oito filhos, to*
dos nascidos na pequena casa da Porta de
Carros e todos baptisados na freguezia de
Santo Ildefonso, a que n'esâe tempo perten-
cia aquelle sitio, hoje incorporado na fre-
guezia da Sé.
Âquelles oito filhos foram pela ordem do
nascimento os seguintes:
1-° — José Fructuoso Ayres de Gouveia
Osorio, que nasceu a 11 de maio de 1857.
Mostrando logo desde os primeiros anãos
uma grande vocação para as lettras e mui-
to amor ao estudo, esforçou-se o pae em
auxilial-o e já aos 14 annos se achava ma-
triculado em malhematica.
Fez formatura em philosophia e mediei*
na na Universidade de Coimbra, obtendo
prémios. Ausentou-se de Portugal durante
mais de dois annos, frequentando as sum*
midades medicas em Paris e tomou o grau
de doutor na Universidade de Edimburgo»
Foi nomeado professor da escola medico-
cirurgica do Porto em 1858 e regeu a sua
cadeira de hygiene com muita proficiência.
Associando-se com seu pae e seu irmão
Francisco, tomou parte no negocio da casa,
uma das casas de vinhos mais importante
e mais acreditada entre todas as do Porto.^
1 O visconde de Villa Mendo — Antonio
de Gouveia Osorio— é parente muito próxi-
mo da dieta senhora.
V. Villa Mendo, tomo 11 • pag. 797,
col. 2.*
2 O velho Fructuoso Ayres de Gouveia,
que ea muito bem conheci, era de mediana
estatura, muito modesto e muito honrado,
pelo que, mesmo nas grandes crises da pra-
128
2030 VOU
VOU
Foi director da associação comaiereial do
t*orto e da associação iodustrial, sócio fun-
dador e l." presidente da sociedade d'iDS-
tfucçào, etc.
Casou em 16 de julho de 1866 com D.
Yirgiuia de Brito e Cuntia, filha de D. Car-
lota de Ronre e de João Eduardo de Brito e
CuDha, de Mattosiuhos, e houve d'elia 3 fi-
lhos:— Fructuoso, que morreu cora poucos
dias de idade;-- -/oíc, que falleceu na Foz em
29 de janeiro de 1884, aos 15 annos de ida-
de, tendo nascido a 9 de julho de 1868, — e
Maria Benedicta, qne existe e nasceu em 30
de novembro de 1869.
Caracter integerrimo, o dr. José Fructuo-
so grangeou estima profunda entre os seus
concidadãos. Liberal convicto e progressis-
ta honesto e dedicado, serviu o povo, cujo
era filho.
Ainda antes de completar os 20 annos de
idade, em 1847, no tempo da Junta do Por-
to, auxiliou a fundação do Ecco Popular,
jornal progressista de grande nomeada, em
que collaborou ao lado dos beneméritos pa-
triotas irmãos Passos.i
Desde então nunca deixou de advogar os
interesses do sua terra com a penna ou
com a palavra, em opúsculos ou em jor-
naes.
As questões dos expostos e creanças aban-
donadas, a do Asylo da Mendicidade, onde
foi soUicito provedor, e outras mereceram-
lhe as maiores dedicações.
A ideia inicial de dois taboleiros na pon-
te D. Luiz partiu d'ellee insinuou-a em ar
tigo anonymo.
A coiloeação da estação na Granja, ori-
ginando assim aquella formosa praia, conse-
guiu a elle.
ça do Porto, as suas lettras corriam como
ouro e assim correram sempre e correm
hoje ainda, porque os filhos não degenera-
ram.
Qiii viget in foliis venit e radicibus hutnorl
^ V. Bouças de Mattosinhos, tíuifões e
Porto.
O dicto jornal foi fundado por José Lou-
renço de Sousa, que acabava de ser caixeiro
na casa de Fructuoso Ayres.
Falleceu na manhã de 23 d'agosto o de
1887 de morte repentina, sendo presideiente
da camará municipal do Porto, par do d rei-
no electivo pela mesma cidade, sócio da a fir-
ma social com seu irmão Francisco — e e an-
dava publicando pela imprensa as liçõesís do
seu curso de hygiene e o projecto do CcCodi-
go Sanitário portuguez, de que deixou ii im-
pressos os primeiros 4 titulos com 132 a arti-
gos e o plano completo com 21 titulos^s, —
missão de que foi encarregado pelo govererno
em portaria de 25 de janeiro de 1882, p por-
taria muito honrosa, terminando por e^estes
termos: >0 que se communica ao referendo
lente para sua intelligencia, e para que e as-
sim o cumpra, como é de esperar da a sua
competência e provado zêlo no serviçop do
estado.*
Note-se que, sendo José Fructuoso muauito
progressista, foi encarregado da dieta cccom-
missão pelo governo regenerador, prova h ine-
quívoca do relevante mérito e da singu^ular
competência do finado.
A manifestação publica pela sua morte te foi
tão espontânea e larga como dolorosissioima.
Cavalheiro muito illustrado, muito honinra-
do e muito considerado — era um justo.
Possuia em Youzella a quinta de Lammas
que lhe legára seu padrinho José Fernrnan-
des, a principio patrão e depois soeio o de
seu pae; — adquiriu ali varias outras p pro-
priedades—e comprazia-se em viver r em
Youzella, onde o estimavam e queriam o co-
mo amigo dedicado, pae e protector, p pois
folgava sempre em engrandecer Youzazella
por todos os modos. A elle se deve a estistra-
da districtal em construcção de Yiseu a (a Oli-
veira do Bairro por Youzella, e longos aninnos
se empenhou na construcção de uma liilinha
férrea entre o Porto e Viseu pelo valle e do
Youga, tocando em Youzella. Fez com q que
a associação commercial do Porto repspre-
sentasse ao governo pedindo a mencionsnada
linha e, se elle vivesse, talvez desviasse je pa-
ra o vaile do Youga a linha estudada e e de-
cretada entre o Porto e Yiseu pelo valle le do
Paivat . . .
vou
vou 2031
Janto ao carneiro da família Ayres de
Gouveia, do cemitério d'Agramonte {Occi-
dental do Porto) onde repousam seus paes,
o dr. José Fructuoso, por determinação ex-
pressa, jaz em sepultura rasa, teodo ao la-
do os seus dois filhos, no cemitério privati-
vo da celestial ordem do Carmo, de que era
irmão.
2.°— D. Antonio Ayres de Gouveia.
Nasceu a 13 de setembro de 1828, em
tempos de violenta agitação politica. Anda-
dos poucos mezes, ejcerciam os carrascos
na Praça Nova do Porto o seu sanguinário
o£Qcio. Das janellas da sua casa viam-se as
duas forcas— e à volta dos 4 annos, fechado
o cerco do Porto, levava o seu pae atravez
das linhas para o pôr a salvo na próxima
povoação de Fânzeres. D'ali foi para Vou-
zeila e só regressou á cidade depois da con-
venção d'Evora Monte.
Frequentou as primeiras lettras com seus
irmãos na rua do Laranjal, em escola parti-
cular do professor Francisco José Pereira
Leite, sendo um dos seus condiscípulos o
actual professor de pintura hiàtorica jubila-
do Francisco José Rezende.
Finda a instrucção primaria, seguiu com
seu irmão José o estudo de latim no colle-
gio da Lapa, sendo director o professor José
Joaquim Pereira d'Almeida Yasconcellos.
Transferido este para Traz da Sé, ali conti-
nuou a latinidade e principiou o francez
com José Athanasio Mendes. Teve por con-
discípulos o actual sr. conde de Samodães e
o dezembargador Joaquim d' Almeida Cor-
reia Leal.
Destinado á vida commercial, apenas pô-
de, principiou a fazer serviço no mostrador
da loja de seu pae e aos 14 annos de idade,
— em abril de 1843 — entrou por caixeiro na
casa iogleza de Thomaz P. Chassereau, de
Londres, que de Lisboa fôra estabelecer-se
no Porto. Era uma casa de consignações,
predominaDdo fazendas brancas e drogaria,
janto á egreja de S. Nicolau, na rua dos In-
glezes, hoje rua do Infante D. Henrique.
N'ella serviu mais de sete annos, trocando
então a caireira com seu irmão Joaquim,
que o substituiu, dando-se já desde o come*
ço de 1850 ao estudo de preparatórios para
a Universidâde.
Durante aquelle periodo de caixeiro foi
empregando por vezes algumas horas em
leituras curiosas.
Nos fins de 1846 toraou-o a serviço a
Junta do Porto. Recebeu armamento e cor-
reame e aprendeu exercício militar.
Em 1848 a 1849 appareceram anonymos
alguns poemetos heroe cómicos. Altribui-
ram-lhe os intitulados Os ratos da alfande-
ga de Pantana e As Commendas. O primei-
ro d'este8 foi ulteriormente imputado ao dr.
e depois dezémbargador Camillo Aureliano.^
Em outubro de 1850 apresentou-se a; exa-
mes de preparatórios em Coimbra e ficou
reprovado no de latim, mas até julho de
1851 habilítou se para fazer, como fez, to-
dos os preparatórios que lhe faltavam e tra-
duziu para verso portuguez os 4 livros de
elegias do poeta Tibullo e grande parte de
Catullo e de Propercio. Aquellas imprimi-
ram se no Instituto, do vol. v em diante.
Em 1851 raatriculou-se no 1." anno theo-
logico.2
Em 1852 matriculou-se no 2." theologico
e 1.° de direito juntamente e, criado o cur-
1 O poema As Commendas (Lisboa, 1849)
com certesa é do nosso biographado, pois
termina assim:
«Deixo matéria p'ra voltar de novo
A tratar thema igual com m^s afago.*
Note-se que o auctor in illo tempore as-
signava-se Antonio Fructuoso Ayres de
Gouveia Osorio, cujas iniciaes se encontram
em afago.
Assim assignou varias poesias soltas que
se encontram na Lyra da Mocidade, jornal
de poesias inéditas, que se publicou tam-
bém no Porto e(a 1849.
2 Foi meu condiscipulo, pelo que datam
desde então as nossas relações.
2032 VOU
VOU
80 admiDÍ3trati vo, também se matriculou
n'elle, vindo assim a frequentar 3 faculda-
des ao mesmo tempo e obtendo em um an-
no prémios em todas
Parece incrível, mas é facto.
Só com a frequência das 3 faculdades
consumia pelo menos 6 horas por dia, pois
cada faculdade tinha 2 aulas e cada aula
demandava uma hora.
E não era marlyr de estudo. Eslava sem-
pre prompto para rir e palestrar e, deman-
dando as 6 aulas pelo menos 6 compêndios,
alem dos expositores, nunca o vi sobraçar
mais do que um ou dois pequenos livrosl...
O que elle nunca deixava era ura ramo
de violetas oU uma camélia, seus amores
platónicos.
Era um moço muito sympathico, — tinha
um talento enorme e foi um estudante dis-
tinctissimot
Em 1855 constituiu lhe seupae na cama-
rá ecelesiastica do Porto o necessário patri-
mónio para a ordenação de subdiacono e
obteve de Lisboa a respectiva licença regia,
mas não levou então por diante o seu in-
tento.
Concluiu a formatura de theologia em
1857 e n'esse anno^ no acto da cadeira de
agricultura, deitou lhe um ií o lente de phi-
losophia dr. Ferreira Leão, aproveitando o
ensèjo de exercer uma vingança torpe e
mesquinha, mas todos concordaram que a
nódoa eahiu sobre o lente e não sobre o es-
tudante, que o esmagàra e confundira com
o seu talento enorme.
Em 1858 concluiu a formatura de direito
a 4 de junho; repetiu a frequência da ca-
deira d'agrieultura e frequentou o 6.° anno
de theologia^ apresentando para doutora-
mento as suas theses, que foram approva-
das pelo conselho da faculdade, mas não
se doutorou n'estajàpela hostilldadeínelu-
ctavel do professor mais influente d*ella, o
dr. Francisco Antonio Rodrigues d'Azeve-
do, que não ío/^at;a usasse bigode o estu-
dante, já pela estreita e dura interpretação
das leis universitárias que não p^rmittem
esse grau académico a quem não tiver or-
dens sacras.
Explanemos a questão do bigode, que Ião
lamentáveis consequências teve! . . .
Sendo alumnò da faculdade de theologíá
um estudante muito sympathico, mas um
cabula sempiterno, — Miguel Joaquim Bor-
ges Castro (irmão do visconde das Devesas)
que foi educado no Porto e se dava muito
com os estudantes fllhos d'aquella cidade,
incluindo o nosso biographado, um dia o dr.
Rodrigues, seu lente, charaou-o a lição e
tractou-o com a maior dureza, obrigandò-o
a um estenderete rasò.
O moço ficou attonito e, tractando de itt-
quirir, soube que o dr. Rodrigues se ma-
goara muito por ver que o dicto estudante,
alem das suissas inglezas de que usava,
n'aquelle dia se apresentou na aula com
uma pequena mosca sob o lábio inferior,^ —
que por isso o chamou á lição e que o cha-
maria e estenderia todos os dias, até que se
resolvesse a corl.ir as barbas.
O moço mandou logo rapar as barbas to-
das e cortar o cabello á escovinha, ficando
completamente desfigurado! Assim se apre-
sentou aos seus contemporâneos e amigos
do Porto, que mal o conheceram. Discutin-
do todos o facto, disse o Ayres de Gouvéa:
—que a frequência era do eetudante, não
das barbas, e que, se a questão se deísse
com elle, não as cortaria;— que passado am
anno havia de ser discípulo do dr. Rodri-
gues com o mesmo bigode que então usava
e que até estimáva que elle o chamass(e à
lição muitas vezes, para estudar mais am
pouco e fazer mais jus a um premio.
Assim o disse e cumpriu.
Exasperou-se o dr. Rodrigues, mas, ven-
do que o moço era um estudante distinct;is-
simo e um talento superior, vingou-se mão
o chamando á lição todo o anno e empe-
nhando-se depois com a faculdade para qine
lhe não désse o capello.i
1 Ainda levou mais longe a vingançai e
até hoje não lhe perdoou, posto que já de?
correram cerca de trinta annos?! ... -ur-
TOU
VOU 2031
Janto ao carneiro da família Ayres de
Gouveia, no cemitério d'Âgramonte {Occi-
dental do Porto) onde repousam seus paes,
o dr. José Fructuoso, por determinação ex-
pressa, jaz em sepultura rasa, tendo ao la-
do os seus dois Qlhos, no cemitério privati-
vo da celestial ordem do Carmo, de que era
irmão.
2.°— D. Antonio Ayres de Gouveia.
Nasceu a 13 de setembro de 1828, em
tempos de violenta agitação politica. Anda-
dos poucos mezes, exerciam os carrascos
na Praça Nova do Porto o seu sanguioario
offlcio. Das janellas da sua casa viam-se as
duas forcas— e à volta dos 4 annos, fechado
o cerco do Porto, levava o seu pae atravez
das linhas para o pôr a salvo na próxima
povoação de Fânzeres. D'ali foi para Vou-
zella e só regressou á cidade depois da coo-
venção d'Evora Monie.
Frequentou as primeiras lettras com seus
irmãos na rua do Laranjal, em escola parti-
cular do professor Francisco José Pereira
Leite, sendo um dos seus condiscípulos, o
actual professor de pintura hiàtorica jubila-
do Francisco José Rezende.
Finda a instrucção primaria, seguiu com
seu irmão José o estudo de latim no coUe-
gio da Lapa, sendo director o professor José
Joaquim Pereira d'Alraeida Vaseoncellos.
Transferido este para Traz da Sé, ali conti-
nuou a latinidade e principiou o francez
com José Athanasio Mendes. Teve por con-
discípulos o actual sr. conde de Samodães e
o dezembargador Joaquim d' Almeida Cor-
reia Leal.
Destinado á vida commerciai, apenas pô-
de, principiou a fazer serviço no mostrador
da loja de seu pae e aos 14 annos de idade,
— em abril de 1843 — entrou por caixeiro na
casa ÍDgleza de Thomaz P. Chassereau, de
Londres, que de Lisboa fôra estabelecer-se
DO Porto. Era uma casa de consignações,
predominando fazendas branças e drogaria,
janto á egreja de S. Nicolau, na rua dos In-
giezes, hoje rua do Infante D. Henrique.
N'ella serviu mais de sete annos, trocando
então a carreira com sen irmão Joaquim,
que o substituiu, dando -se já desde o come-
ço de 1850 ao estudo de preparatórios para
a Universidade.
Durante aquelle período de caixeiro foi
empregando por vezes algumas horas em
leituras curiosas.
Nos âns de 1846 tomou-o a serviço a
Junta do Porto. Recebeu armameoto e cor-
reame e aprendeu exercício militar.
Em 1848 a 1849 appareceram anonymos
alguns poemetos heroe comjcos. Attribui-
ram-lhe 09 intitulados Os ratos da alfande-
ga de Pantana e As Commendas. O primei-
ro d'este3 foi ulteriormente imputado ao dr.
e depois dezembargador Camillo Aureiiapo.^
Em outubro de 1850 apresentou-se a exa-
mes de preparatórios em Coimbra e ficou
reprovado no de latim, mas até julho de
1851 habilitou se para fazer, como fez, to-
dos os preparatórios que lhe faltavam e tra-
duziu para verso portuguez os 4 livros de
elegias do poeta Tibullo e grande parte de
Catullo e de Propercío. Aquellas imprimi-
ram se no Instituto, do vol. v em diante.
Em 1851 matriculou-se no 1.° anno theo-
logico.2
Em 18o2 matriculou-se no 2.» theologico
e 1.° de direito juntamente e, criado o cur-
1 O poema As Commendas (Lisboa, 1849)
com certesa é do nosso biographado, pois
termina assim:
•Deixo matéria p'ra voltar de novo
A tratar thema ígtial com mais afago.*
Note-se que o auctor in illo tempore as-
sigoava-se Antonio Fructuoso Ayres de
Gouveia Osório, cujas iniciaes se encontram
em afago.
Assim assignou varias poesias soltas que
se encontram na lyra da Mocidade, jornal
de poesias inéditas, que se publicou tam-
bém no Porto em 1849.
' Foi meti condiscípulo, pelo que datam
desde então as nCKssás relações.
2032 VGC
so admiriistrativo, também se matriculou
n'elle, vindo assiin a frequentàr 3 faculda-
des ao mesmo tempo e obtendo em um an-
no pifemlos ení todas tresll . . .
Parece incrível, mas é fáctõ.
Só com a frequência das 3 faculdades
consumia pelo menos 6 horas por dia, pois
cada faculdade tinha 2 aulAS e cadà; aula
demandava uma hora.
E não era martyr d© estudo. Estava sem-
pre prompto para rir e palestrar e, deman-
dando as 6 aulas pelo menos 6 compêndios,
alenó dos expositores, nunca o vi sobraçar
mais do que uni ou dois pequenos livros!...
O que elle nunca deixava era um ramo
de violetas ou uma camélia, seus amores
platónicos.
Era ura moço muito sympathico, — tinha
UDQ talento enorme e foi um estudante dis-
tinetissimol
Em 1853 constituiu lhe seupae na cama-
rá ecelesiastica do Porto o necessário patri-
mónio para a ordenação de subdiacono e
obteve de Lisboa a respectiva licença regia,
mas não levou então por diante o seu in-
tento.
Concluiu a formatura de theologia em
1857 e n'esse anno, no acto da cadeira de
agricultura, deilou-lhe um ií o lente de phi-
losophia dr. Ferreira Leão, a,proveitando o
ensejo de exercer uma vingança torpe e
mesquinha, mas todos concordaram que a
nódoa cahiu sobre o lente e não sobre o es-
tudante, que o esmagàra e confundira com
o seu talento enorme.
Em 1858 concluiu a formatura de direito
a 4 de junho; repetiu a frequência da ca-
deira d'agricultura e frequentou o 6.° anuo
de theologia, apresentando para doutora-
mento as suas theses, que foram approva-
das pelo conselho da faculdade, mas não
se doutorou n'esta, já pela hostilidade inelu-
ctavel do professor mais influente d'ella, o
dr. Francisco Antonio Rodrigues d'Azeve-
do, que não tolerava usasse bigode o estu-
dante, já pela estreita è dura interpretação
das leis universitárias que uão permittem
esse graii académico a quem não tiver «or-
dens sacras.
Explanemos a questão dó bigode, qne Mão
lamentáveis consequências teve! . . .
Sendo alumno da faculdade de theoloigía
um estudante muito sympathico, mas mm
cabula sempiterno, — Miguel Joaquim Bíor-
ges Castro (irmão do visconde das Devesías)
que foi educado no Porto e se dava mmito
com os estudantes filhos d'aquella cidaide,
incluindo o nosso biographado, um dia o dr.
Rodrigues, seu lente, chamou-o à liçãío e
traetou-o com a maior dureza, obriganà(o-o
a um estenderete raso.
O moço ficou attonilo e, tractando de í in-
quirir, soube que o dr. Rodrigues se anÉf-
goara muito por ver que o dicto estudamtè,
alem das suissas inglezas de que usaiva,
n'aquelle dia se apresentou na aula ceóm
uma pequena mosca sob o lábio inferior;, —
que por isso o chamou á lição e que o clha-
maria e estenderia todos os dias, até quéj se
resolvesse a cortar as barbas.
O moço mandou logo rapar as barbas
das e cortar o cabello á escovinha, ficamdo
completamente desfigurado! Assim se apire-
sentou aos seus contemporâneos e ami^gos
do Porto, que mal o conheceram. Discuttin-
do todos o facto, disse o Ayres de Gouv^êa:
—que a frequência era do es-tudante, mão
das barbas, e que, se a questão se dessse
com elle, não as cortaria; — que passado mm
anno havia de ser discípulo do dr. Rodlri-
gues com o mesmo bigode que então usaava
e que até estimava que elle o ehamasàee à
lição muitas vezes, para estudar mais nim
pouco e fazer mais jus a um premio.
Assim o disse e cumpriu.
Exasperou-se o dr. Rodrigues, mas,veen-
do que o moço era um estudante distincttis-
simo e um talento superior, vingou-se naão
o chamando á lição todo o anuo e emppe-
nhando-se depois com a faculdade para qpe
lhe não désse o capello.i
1 Ainda levou mais longe a vingançaa e
até hoje não lhe perdoou, posto que já dl«-
correram cerca de trinta annois?} . . . (H
vou
vou 2033
Foi este o motivo porque o nosso biogra-
pbado Dão se doutoroa em tbeología, como
era seu intento.
Com uma leviandade tão simples tolheu
a sua brilbante carreira?! . . .
Sahiu logo pela 3.* vez de Portugal em
viagem pela Europa. Demorou-se quasi an-
Bo e meio visitando a Inglaterra, a Escócia,
a França, a Bélgica, a Suissa, a Hollanda, a
Prússia, a Áustria, a Hungria, a Itália e a
Hespanba, aproveitando entre outros estu-
dos de fabricas, de museus, d'arsenaes, de
universidades e galerias, o das cadeias e
systema penal d'esses paizes^ estudo que pu-
blicou com a dissertação inaugural do seu
doutoramento em direito, pois doutorou-se
n'esta faculdade em junho de 1860.*
Teve por condiscípulo em direito o dis-
tincto jurisconsulto e homem d'e8tado —
José Dias Ferreira, com o qual no anno se-
guinte (186i) foi despachado lente substi-
tuto.
1 Uma anecdota característica;
Estando certo dia o nosso biograpbado no
quarto dos bedéis, extremidade O. da Via
latina, rindo, palestrando e brincando com
as suas violetas na fórma do costume, pas-
sou um estudante dislincto, cabisbaixo e
mnito embuçado. Disse-lhe o Ayres de Gou-
veia:
«Desembuça te; ergue a cabeça e respi-
rai Estes pobres diabos com aspirações a
doíitores andarti sempre encolhidos e tre-
mendo com receio de perderem o capello. Eu
também quero ser doutor da Lusa Athenas,
mas por coisa nenhuma vendo a minha liber-
dade. Hei de pedir primeiramente o capello
na faculdade de theologia; se m'o não derem
(como que adivinhaval...) vou pedil o na fa-
culdade de direito; se m'o recusarem nvi de
direito, vou pedil-o na de philosoçhia, e se
em todas as 3 faculdades m'o nao derem,
não me aíilijo com isso. Vou doulorar-me
em qualquer Universidade estrangeira, co-
mo foi o meu irmão José.>
Isto presenciei eu e caracterisa bem a
isempção do nosso biograpbado, que muito
o nobilita, mas conjuntamente lhe tem dado
desgostos! . . .
Eleito deputado pelo circulo de Cedefoi-
ta, quasi na mesma occasião, contra o esta-
dista Fontes Pereira de Mello, continuou
representando aquelle circulo em mais re-
eleições successivas até o advento da Janei-
rinha ao poder em 1868, cujo movimento
ajudou a inciar.
[ Durante este longo período da sua car-
reira parlamentar muito se distinguiu e vo-
tou e propoz sempre as maia avançadas
ideias do partido liberal. Assim votou a abo-
lição dos morgados, a exclusão das irmãs
da caridade estrangeiras, a liberdade do fa-
brico do tabaco, o casamento civil, e pro-
pugnou com eíficaz iniciativa a exiincção da
pena de morte.
Trabalhou assiduamente em varias com-
míssões extra-parlamentares do Código Ci-
vil portuguez e presidiu áeommíssão parla-
mentar que o discutiu, sendo relator o dis-
tincto jurisconsulto José Luciano de Cas-
tro, boje (1889) presidente do conselho de
ministros.
Foi também um dos 12 deputados que,
reunidos na casa do grande tribuno José
Estevam, na rua Formosa, prepararam a
entrada do ministério histórico.
Em março e abril de 1863 occupou fugi-
diamente a pasta dos negócios ecelesiasti-
cos e da justiça.
A demissão d'alguns funceíonarios públi-
cos altamente protegidos, mas çoneussiona-
rios convictos, aearretou-lhe viva opposi-
ção.
Constituíam aquelle ministério o raarquez
de Loulé, Sá da Bandeira, Sabugosa, João
Chrysostomo, Mathias de Carvalho e o nos-
so biograpbado.
Em 11 d'âbril do dieto anno /alleceu-lbe
a mãe, e em dezembro de 1869 resolveu-se
a satisfazer uma das mais ardentes vonta-
des d'ella, indo tomar ordens sacras. Con-
feriu-lh'a8 o bispo de Viseu D. ^ntonio Al-
ves Martins, que embalde tentou descon-
vencel o do firme propósito, que a muitos
se afigurava singular e inexplicável pela
sua posição e opiniões, não dando outro mo-
2034 VOU
VOl>
tívo senão o de cumprir uma antiga pro
messa feita a sua mãe
Era outubro de 4870 partiu para Roma e
d'ali, em fevereiro de i871, para o Egypto
por Nápoles e Sicilia.
Visitou Alexandria, o Cairo, as Pyrami-
des, Suez, todo o isthmo^ Ismalia e, embar-
cando em Port-Said, fez-se na volta de
Jaffa.
Percorreu Jerusalém e todos os santuá-
rios e togares históricos da Terra Santa,
desde Belém até o monte Carmelo, parando
no Mar Morto, no Jordão, em Samaria, no
Iago de Tiberiades, no monte Thabor e em
Nazareth.
Ba Palestina seguiu para a capital da
Turquia d'Asia e, depois de admirar as sin-
gularidades de Damasco, onde assistiu á
passagem de uma das immensas caravanas
de Meca, seguiu por Balbeek o LibaDO e o
Anti-Libano até Beyruth, d'onde navegou
para a Itália, passando á vista de Chipre.
Regressando a Portugal em julho de 1871,
achou-se eleito deputado no circulo d'Ama-
rante, por influencia do sr. conde de Samo-
dães, e presidiu á sessão legislativa d'e8se
anno, deixando na politica até hoje viva me-
moria de presidente illuslrado, disciplinador
e integro.
Querendo premiar-lhe os serviços, o mar-
quez d'Avila propoz a sua nomeação para
bispo do Algarve, sendo rapidamente eleito. {
A Santa Sé oppoz delongas á confirmação.
EUe communicou de pròmpto ao Pontífice
a sua renuncia. O governo subterfugiou a
acceital-a.
Voltou à regência da sua cadeira de di-
reito ecclesiastico e n'ella se manteve até
jubilar se em 1881.
O partido conservador hostilisou o sem-
pre e não ogenos os catholicos intransigen-
tes. Arguiam-no de franc-mação e de offen-
der as crenças populares ácerca da rainha
Santa Isabel.
Nunca se defendeu das arguições.
Em dezembro de 1879 o seu partinsunlfer
amigo Anselmo José Braamcamp, steendo
presidente do conselho de ministros, offefere-
i eeu lhe e dea-lhe a carta de par do rei)ino.
Em outubro de 1881 foi nomeado comiumis-
sario geral da Bulla da Santa Cruzada ea em
novembro do mesmo anno foi sagrado) 1 bis-
po de Bethsaida oa Sé do Porto.
Como lente foi um dos mais di3tincto)ss or-
namentos da nossa Universidade.
Como cidadão foi sempre um cavaliheeiro
a toda a prova, muito tractavel, muit(o > ac-
cessivel e muito obsequiador.
Como presbytero foram sempre irreeppre-
hensiveis os seus costumes.
Como bispo (desculpe s. ex.» a nossa rrude
franqueza) resente-se das suas ideias ppolí-
ticas extremamente liberaes; o que deweeras
sentimos, porque pela sua honestidade,, f pelo
seu enorme talento, pela sua vasta e v.aaria-
da illustração e pelos meios pecuniari(0£>s de
que dispõe, podia e devia ser um prtehlado
distinctissimo.
Accresce ainda a circumstancia de) ( que
hoje é talvez o nosso primeiro orador saggra-
do, como afflrmam todos os que o ouvririram
prégar em Coimbra, em Lisboa, e na i sua
Capella da Granja— e como provam os; / En-
saios do púlpito, interessante coUecção dd'al-
guns dos seus sermões.
Ainda não prégou no Porto, na sua Uâ:erra
natal, onde todos mUito o estimara é ctoonsí-
deram e anceiam por ouvil-o. No momieento
em que se resolva, encher-se-ha litterahmnen-
te o maior templo d'aquella cidade, en-
cher-se-hia mesmo o maior templo do nnntín-
I do,— tal é o prestigio do seu nome e ai i sua
fama como orador sagrado.
Desde a juventude costuma ir corara > ero
romagem piedosa e de saudade a Vouzieella,
onde nasceram seus paes; — ali flca um r mez
revigorando em doce tranquilidade — etdd'ali
custa a arrancai o.
É o actual possuidor da bella quinttaa da
Granja, herdada de seu pae, na encantíaádo-
ra praia da Granja, que por ser depemdden-
cia da quinta e toda construída em (cbhào
vou
vou 2033
Foi este o motivo porque o nosso biogra-
pbado Dão se doutorou em lheologia, como
era seu intento.
Com Uma leviandade tão simples tolheu
a sua brilhante carreira?! . . .
Sahiu logo pela 3.» vez de Portugal em
viagem pela Europa. Demorou-se quasi an-
no e meio visitando a Inglaterra, a Escócia,
a França, a Bélgica, a Suissa, a HoUanda, a
Prússia, a Áustria, a Hungria, a Itália e a
Hespanha, aproveitando entre outros estu-
dos de fabricas, de museus, d'arsenaes, de
universidades e galerias, o das cadeias e
gystema penal d'esse8 paizes, estudo que pu-
blicou com a dissertação inaugural do seu
doutoramento em direito, pois doutorou-se
n'esta faculdade em junho de 1860>
Teve por condiscípulo em direito o dis-
tincto jurisconsulto e homem d'eslado —
José Dias Ferreira, com o qual no anno se-
guinte (1861) foi despachado lente substi-
tuto.
1 Uma anecdota característica;
Estando certo dia o nosso biograpbado no
quarto dos bedéis, extremidade O. da Via
latina, rindo, palestrando e brincando coin
as suas violetas na fórma do costume, pas-
sou um estudante disiincto, cabisbaixo e
muito embuçado. Disse-lhe o Ayres de Gou-
veia:
«Desembuça te; ergue a cabeça e respi-
rai Estes pobres diabos com aspirações a
doutores andara sempre encolhidos e tre-
mendo com receio de perderem o eapello. Eu
também quero ser doutor da Lusa Athenas,
mas por coisa nenhuma vendo a minha liber-
dade. Hei de pedir primeiramente o eapello
na faculdade de theologia; se m'o não derem
<como que adivinhava!...) vou pedil o na fa-
culdade de direito; se m'o recusarem na de
direito, vou pedil-o na de philosophia, e se
em todas as 3 faculdades m'o não derem,
não me afflijo com isso. Vou doutorar-me
em qualquer Universidade estrangeira, co-
mo foi o meu irmão José.»
Isto presenciei eu e caracterisa bem a
iaempção do nosso biograpbado, que muito
ò nobilita, mas conjuntamente lhe tem d&do
desgostos! ...
Eleito deputado pelo circulo de Cedefoi-
ta, quasi na mesma oceasião, contra o esta-
dista Fontes Pereira de Mello, continuou
representando aquelle circulo em mais re-
eleições suecessivas até o advento da Janei-
rinha ao poder em 1868, cujo movimento
ajudou a inciar.
Durante este longo periodo da sua car-
reira parlamentar muito se d istia gula evo-
lou e propoz sempre as mais: avançadas
ideias do partido hberal. Assim votou a abo-
lição dos morgados, a exclusão das irmãs
da caridade estrangeiras^ a liberdade do fa ■
brico do tabaco, o casamento civil, e> pro-
pugnou com eflQcaz iniciativa a extineção da
pena de morte.
Trabalhou assiduamente em varias com-
missões extra-parlamentares do Código Ci-
vil portuguez e presidiu ácommissão parla-
mentar que o discutiu, ãendo relator o dis-
tincto jurisconsulto José Luciano de Cas-
tro, hoje (1889) presidente do conselho de
ministros.
Foi também um dos 12 deputados que,
reunidos na casa do grande tribuno José
Estevam, na rua Formosa, prepararam a
entrada do ministério histórico.
Em março e abril de 1865 occupou fugi-
dlamente a pasta dos negócios eeclesiasti-
cos e da justiça.
A demissão d'alguns fiineeionarios públi-
cos altamente protegidos, mas conoussiopa-
rios convictos, acarretou^lhe viva opposi-
ção.
Constiluiam aquelle ministério o marquez
de Loulé, Sá da Bandeira, Sabugosa, João
Chrysostomo, Mathias de Carvalho e o nos-
so biograpbado.
Em 11 d'abril do dicto anno .falleceu- lhe
a mãe,e em dezembro de 18691 resolveu-se
a satisfazer uma das mais ardentes vonta-
des d'ella, indo tomar ordens sacras. Con-
ferlu-lh'as o bispo de Viseu D. Antonio Al-
ves Martins, que embalde tentou descon-
vencel o do firme propósito, que a muitos
se afigurava singular e inexplicável pela
1 8ua posição e opiniões, não dando outro mo-
2034 VOU
VOU
tivo senão o de cumprir uma antiga pro
messa feita a sua màe
Em outubro de 1870 partiu para Roma e
d'ali, em fevereiro de 1871, para o Egypto
por Nápoles e Sicilia.
Visitou Alexandria, o Cairo, as Pyrami-
des, Suez, todo o isthmo^ Ismaiia e, embar»
cando em Port Said, fez-se na volta de
Jaffa.
Percorreu Jerusalém e todos os santua*
rios e logares históricos da Terra Santa,
desde Belém até o monte Carmelo, parando
no Mar Morto, no Jordão, em Samaria, no
lago de Tiberiades, no monte Tbabor e em
Nazareth.
Da Palestina seguiu para a capital da
Turquia d'A8ia e, depois de admirar as sin-
gularidades de Damasco, onde assistiu á
passagem de uma das immensas caravanas
de Meca, seguiu por Balbeek o Libano e o
Anti-Libano até Beyruth, d'onde navegou
para a Itália, passando á vista de Chipre.
Regressando a Portugal em julho de 1871,
achou-se eleito deputado no circulo d'Ama-
rante, por influencia do sr. conde de Samo-
dães, e presidiu á sessão legislativa d'e88e
anno, deixando na politica até hoje viva me-
moria de presidente illustrado, disciplinador
e integro.
Querendo premiar- lhe os serviços, o mar-
quez d'Avila propoz a sua nomeação para
bispo do Algarve, sendo rapidamente eleito.
A Santa Sé oppoz delongas á confirmação.
Elie communicou de prompto ao Pontífice
a sua renuncia. O governo subterfugiou a
acceital-a.
Voltou á regência da sua cadeira de di-
reito eeclesiastitío e n'ella se manteve até
jubilar-se era 1881.
O partido conservador hostilison o sem-
pre e não menos os catholicos intransigen-
tes. Arguiam-no de franc-mação e de õffen-
der as crenças populares ácerca da rainha
Santa Isabel.
Nunca se defendeu das arguições.
Em dezembro de 1879 o seu particcular
amigo Anselmo José Braamcamp, seendo
presidente do conselho de ministros, ofTefere-
eeu Ibe e deo-lhe a carta de par do reeino.
Em outubro de 188i foi nomeado commnis-
sario geral da Bulla da Santa Cruzada ea em
novembro do mesmo anno foi sagrado 1 bis-
po de Bethsaida na Sé do Porto.
Como lente foi um dos mais distinctoss or-
namentos da nossa Universidade.
Como cidadão foi sempre um cavalhoeira
a toda a prova, muito tractavel, muito > ac-
cessivel e muito obsequiador.
Como presbytero foram sempre irreppre-
bensiveis os seus costumes.
Como bispo (desculpe s. ex.' a nossa rrude
franqueza) resente-se das suas ideias ppoli-
ticas extremamente liberaes; o que deveeras
sentimos, porque pela sua honestidade, ppelo
seu enorme talento, pela sua vasta e vaaria-
da illustração e pelos meios pecuniário»» de
que dispõe, podia e devia ser um prehiada
distinctissimo.
Accresce ainda a circumstancia de ( que
hoje é talvez o nosso primeiro orador saggra-
do, como affirmam todos os que o ouvirraro
prégar em Coimbra, em Lisboa, e na í sua
Capella da Granja— e como provam os l En-
saios do púlpito, interessante collecção dd'al-
guns dos seus sermões.
Ainda não prégou no Porto, na sua Ceerra
natal, onde todos muito o estimam e eonnsi-
derãm e anceiam por ouvil-o. No momeento
em que se resolva, eneher-se-ha litteralcnnen-
te o maior templo d'aqnella cidade, — f en-
cher-se-hia mesmo o maior templo do naoun-
do,— tal é o prestigio do seu nome e a í sua
fama como orador sagrado.
Desde a juventude costuma ir conoc» i em
romagem piedosa e de saudade a Vouzeblla,
onde nasceram seus paes; — ali fica um nmez
revigorando em doce tranquilidade—e dTali
custa a arrancai o.
É o actual possuidor da bella quinta i da
Granja, herdada de seu pae, na encaataddo-
ra praia da Granja, que por ser dependeien*
cia da quinta e toda construída em cbhão
vou
vou 2035
d'ella, muitos a denominam Granja dos
Ayres.
Da quinta fallaremos adiante; com rela-
ção á praia, que é sem contestação a mais
formosa da península, vide Granja n'e8te
diccionario e no supplemento— e as Praias
e Caldas de Ramalho Ortigão.
Descnlpem-nos se nos alon^
gamos fallando do sr. D. An-
tonio Ayres de Gouveia, pois
quizemos aproveitar a occa-
siâo para render preito a um
dos nossos mais distinctos
contemporâneos, fornecendo
apontamentos não vulgares
aos historiadores e biographos
porvindouros.
Seja-nos licito dizer alguma
coisa também dos outros seus
irmãos :
Z.^— Francisco Frttctuoso Ayres de Gou-
veia.
Nasceu aos 29 d'abril de 1830.
Destioado á vida mercantil e tendo ape-
nas 12 annos, embarcou e seguiu para o
Rio de Janeiro a bordo da barca Leal, per-
tencente ao negociante e armador Leal, da
rua das Hortas, no Porto. Não lhe sorrindo
a fortuna commercial e não se dando bem
com o clima, regressou em breves annos; fl-
xou-se no negocio da casa do seu pae e ali
se conservou até formar com elle sociedade,
á qual depois aggregou seu irmão José, fi-
cando por morte d'e8te com toda a impor-
tante casa commercial, fundada por seu
pae, o benemérito vouzellense Fructuoso.
Modestíssimo em todos os seus actos,
nunca tolerou que o pozessem de qualquer
fórma em evidencia.
Dispondo de boa fortuna, grangeada no
commercio e em operações de banco, é um
dos 40 maiores contribuintes do bairro
oriental do Porto e, sem nenhuma espécie
d'ambição, vive solteiro e muito satisfeito
para a amisade de seus irmãos e pessoas
das suas relações.
í."— Joaquim Fructuoso Ayres de Gou-
veia.
Nasceu aos 27 de fevereiro de 1832.
Embalado com os seus irmãos entre os
horrores da guerrà civil, mal completava 6
mezes de idade, quando no berço furtiva-
mente o transportava á cabeça sua própria
mãe atravez das linhas do Porto.
Madrugando-lhe cedo a intelligencia, foi
logo proposto cotn alegria por seus paes
para a vida ecclesiastica.
Profundamente religiosos, cheios de pie-
dade e devoções, o que mais ambiciona-
vam e consideravam suprema ventura era
ver padre um dos filhos. Esmeraram se pois
na educação d'esle e afervoraram-lhe— bem
como a todos os outros irmãos — os senti-
mentos e exercícios devotos.
Nenhum dia sem uma e mais missas; ne-
nhuma noite sem o rosário ou o terço.
Na próxima egreja dos Congregados, res-
tituída ao culto depois da profanação do
tempo do cerco, serviam alegremente de
voluntários sachrislães os pequenos irmãos.
A maior parte das manhãs ali a gastavam
ajudando ás missas, que eram sempre nu-
merosas—e numerosas são ainda hoje.
Sem embargo de tudo isto, ao chegar com
08 16 annos completos a epocha de ir para
Coimbra matricular-se em theologia, decla-
rou honestamente a sua falta absoluta de
vocação ecclesiastica.
■^Tudo, menos ser padre, disse elle.
O pae ficou triste; a mãe profundamente
consternada— e o filho Antonio commovído.
Propoz então este ao irmão trocarem os ra-
mos de vida — e assim fizeram com pleno
assentimento dos paes.
O Antonio deixou o commercio e foi cur-
sar os estudos; — o Joaquim deixou os estu-
dos e seguiu o commercio, entrando logo
para a mesma casa ingleza onde estava o
irmão.
Ali permaneceu até 1853, data em que,
I auxiliado por seu pae, foi com um so-
2036 VOU
VOU
cio estabelecer em Londres uma casa de
commissões de vinhos e outros géneros,
abrindo pouco depois uma filiai em Liver-
pool.
Demorou-se na Inglaterra oito annos e,
liquidado o negocio, volveu para o Porto,
onde aos 22 d'outubro de 1863 casou com
D. Felismina Adelaide Rodrigues, filha de
Antonio Caetano Rodrigues, acreditado ne-
gociante de vinhos, natural da freguezia de
Nandufe, concelho de Tondella, e de D. Fe-
lícia Felicidade Vianna.
Tiveram os 4 filhos seguintes:
—Felismina, que nasceu a 6 de setembro
de 1864, hoje casada com Alberto Rebello
Valente AUen, filho dos viscondes de Villar
â'AlIen;
"—Alberto Ayres de Gouveia, nascido a 3
dia março de 1867;
— Maria Ermelinda aos 5 de setembro de
1871 e
—Alvaro a 25 de junho de 1876.
Fallôceu Joaquim Ayres aos 7 d'abril de
1878 no seu formoso e luxuoso palacete da
rua da Restauração no Porto, legando um
nome honrado e avultada fortuna.
D'uma grande lucidez d'espirito e dotado
de um coração d'ouro, a sua saúde nunca
foi muito vigorosa e comprometteu-a bas-
tante com o excessivo trabalho na direcção
da sua casa commercial, que era uma das
primeiras do Porto.
Adoecendo gravemente aos 15 annos de
idade, deveu aos excellentes ares de Vou-
zella o seu restabelecimento.
S.o — Luiz Fructuoso Ayres de Gouveia
Osorio.
Nasceu aos 9 de março de 1834.
Seguindo também desde a infância, como
seus irmãos quasi todos, a vida commercial,
n'ella se tem conservado até hoje, vivendo
sempre no Porto.
Em 31 de março de 1856 casou com D.
Ermelinda Gomes, de quem houve apenas
uma filha— Albertina, que nasceu a 111 de
setembro de 1857, hoje casada com Douarte
Ferreira Pinto Basto, um dos donos dda fa-
brica da Vista Alegre, onde reside.
Para evitai mos repetições, veja-se oo art.
Vista Alegre. '■>
Luiz Ayres é um cavalheiro muito cconsi-
derado no Porto, grande proprietário e e ca-
pitalista.
6.» — Maria.
Nasceu em 1836 e falleceu no mesmoo an-
uo com 2 mezes de idade apenas.
7.'— Frederico Ayres de Gouveia.
Nasceu a 25 de março de 1838. O ccom-
mercio attrahiu também a sorte d'este fifilho.
Aos 16 annos embarcou para a Inglaater-
ra acompanhado de seu irmão Antonio, , in-
do começar a vida de caixeiro na casaa do
seu irmão Joaquim. Passados poucos annnos
foi para o Rio de Janeiro, e ali, depoi»s de
varia fortuna, se estabeleceu com fifirma
commercial. Em 1872 liquidou os seuss ne-
gócios,—volveu á pátria— e em 22 d'aggo8to
de 1874 casQU no Porto com D. Heduvviges
Apollonia Ferreira Nunes, filha do naego-
ciante do Maranhão e capitalista Clemeente
José da Silva Nunes e de D. Anna Ferrffeira
da Silva Nunes, d'aquella cidade, irmâã do
conde de Itacolmin, brazileiro.
Falleceu sem successão a 27 de janoeiro
de 1884, deixando vivas saudades aos secus e
aos estranhos, pois era uma excellente p pes-
soa.
Jaz no tumulo da familia no cemiteriao de
Agramonte.
8.°— D. Maria Isabel Ayres de Gouveiaa.
Nasceu a 27 de dezembro de 1841 e {por
ser a única filha,— muito meiga, muito t dó-
cil e muito virtuosa,— foi sempre o anjo ) da
familia, o encanto dos paes e o enlevo ( dos
irmãos todos, nomeadamente do sr. D. AAn-
tonio, que a idolatra.
Casou na capella da Granja a 15 de íevve-
vou
vou 2035
d'ella, muitos a deaominam Granja dos
Ayres.
Da qaiota fallaremos adiante; com rela-
ção à praia, qae é sem contestação a mais
formosa da peniosula, vide Granja n'este
diccioDario e no supplemento — e as Praias
e Caldas de Ramalho Ortigão.
Desculpem-nos se nos alon-
gamos fallando do sr. D. An-
tonio Ayres de Gouveia, pois
quízemos aproveitar a occa-
sião para render preito a um
dos nossos roais distinctos
contemporâneos, fornecendo
apontamentos não vulgares
aos historiadores e biographos
porvindouros.
Seja-nos licito dizer alguma
coisa também dos outros seus
irmãos :
i9—pYatKisco Fructuoso Ayres de Gou-
veia.
Nasceu aos 29 d'abril de 1830.
Destinado á vida mercantil e tendo ape-
nas 12 annos, embarcou e seguiu para o
Rio de Janeiro a bordo da barca Leal, per-
tencente ao negociante e armador Leal, da
rua das Hortas, no Porto. Não lhe sorrindo
a fortuna commercial e não se dando bera
com o clima, regressou em breves annos; fi-
xou-se no negocio da casa do seu pae e ali
se conservou até formar com eíle sociedade,
á qual depois aggregou seu irmão José, fi-
cando por morte d'e8te com toda a impor-
tante casa commercial, fundada por seu
pae, o benemérito vouzellense Fructuoso.
Modestíssimo em todos os seus actos,
nunca tolerou que o pozessem de qualquer
fórma em evidencia.
Dispondo de boa fortuna, grangeada no
eommercio e em operações de banco, é um
dos 40 maiores contribuintes do bairro
oriental do Porto e, sem nenhuma espécie
d'ambiçã(), vive solteiro e muito satisfeito
para a amisade de seus irmãos e pessoas
das suas relações.
ik."-^ Joaquim Frwtuoso Ayres de Gou-
veia.
Nasceu aos 27 de fevereiro de 1832.
Embalado com os seus irmãos entre os
horrores da guerra ciril, mal completava 6
mezes de idade, quando no berço furtiva-
mente o transportava á cabeça sua própria
mãe atravez das linhas do Porto,
Madrugando-lhe cedo a intelligencia, foi
logo proposto com alegria por seus paes
para a vida ecclesiastica.
Profundamente religiosos, cheios de pie-
dade e devoções, o que mais ambiciona-
vam e consideravam suprema ventura era
ver padre um dos filhos. Esmeraram se pois
na educação d'esle e afervoraram-lhe— bem
como a todos os outros irmãos — os senti-
mentos e exercícios devotos.
Nenhum dia fem uma e mais missas; ne-
nhuma noite sem o rosário ou o terço.
Na próxima egreja dos Congregados, res-
tituída ao culto depois da profanação do
tempo do cerco, serviam alegremente de
voluntários sachristães os pequenos irmãos.
A maior parte das manhãs ali a gastavam
ajudando às missas, que eram sempre nu-
merosas—e numerosas são ainda hoje.
Sem embargo de tudo isto, ao chegar com
08 16 annos completos a epocha de ir para
Coimbra matricular-se em theologia, decla-
rou honestamente a sua falta absoluta de
vocação ecclesiastica.
^Tudo,^menos ser padre, disse elle.
O pae ficou triste; a mãe profundamente
consternada— e o filho Antonio eommovido.
Propoz então este ao irmão trocarem os ra-
mos de vida— e assim fizeram com pleno
assentimento dos paes.
O Antonio deixou o eommercio e foi cur-
sar os estudos;— o Joaquim deixou os estu-
dos e seguiu o eommercio, entrando logo
para a mesma casa ingleza onde estava o
irmão.
Ali permaneceu até 1853, data em que,
auxiliado por seu pae, foi com um sa-
2036 VOU
VOU
cio estabelecer em Londres uma casa de
comraisãões de vinhos e outros géneros,
abrindo pouco depois uma filial em Liver-
pool.
Demorou-se na Inglaterra oito annos e,
liquidado o negocio, volveu para o Porto,
onde aos 22 d'outubro de 1863 casou com
D. Felismina Adelaide Rodrigues, filha de
Antonio Caetano Rodrigues, acreditado ne-
gociante de vinhos, natural da freguezia de
Nandufe, concelho de Tondella, e de D. Fe-
lícia Felicidade Vianna.
Tiveram os 4 ÍBlhos seguintes:
—Felismina, que nasceu a 6 de setembro
de 1864, hoje casada com Alberto Rebello
Valente Allen, filho dos viscondes de Villar
d'AIIen;
— Alberto Ayres de Gouveia, nascido a 3
de março de 1867;
—Maria Ermelinda aos 5 de setembro de
1871 e
—Alvaro a 25 de junho de 1876.
Falleceu Joaquim Ayres aos 7 d'abril de
1878 no seu formoso e luxuoso palacete da
rua da Restauração no Porto, legando um
nome honrado e avultada fortuna.
D'uma grande lucidez d*espirito e dotado
de um coração d'ouro, a sua saúde nunca
foi muito vigorosa e comprometleu-a baá'-
tante com o excessivo trabalho na direcção
da sua casa commercial, que era uma das
primeiras do Porto.
Adoecendo gravemente aos 15 annos de
idade, deveu aos excellentes ares de Vou-
zella o seu restabelecimento.
5.» — Luiz Fructuoso Ayres de Gouveia
Osorio.
Nasceu aos 9 de março de 1834.
Seguindo também desde a infância, como
seus irmãos quasi todos, a vida commercial,
n'ella se tem conservado até hoje, vivendo
sempre no Porto.
Em 31 de março de 1856 casou com D.
Ermelinda Gomes, de quem houve apenas
uma filha— Albertina, que nasceu a 1 11 de
setembro de 1857, hoje casada com Dúuarte
Ferreira Pinto Basto, um dos donos d;da fa-
brica da Vista Alegre, onde reside.
Para evitaimos repetições, veja-se o o art.
Vista Alegre.
Luiz Ayres ó um cavalheiro muito ccconsi-
derado no Porto, grande proprietário e e ca-
pitalista.
6.» — Maria.
Nasceu em 1836 e falleceu no mesmoio an-
uo com 2 mezes de idade apenas.
7.0 — Frederico Ayres de Gouveia.
Nasceu a 25 de março de 1838. O c com-
mercio attrahiu também a sorte d'e8te fi filho.
Aos 16 annos embarcou para a Inglalater-
ra acompanhado de seu irmão Antonio, >, in-
do começar a vida de caixeiro na casasa do
seu irmão Joaquim. Passados poucos aninnos
foi para o Rio de Janeiro, e ali, depoiais de
varia fortuna, se estabeleceu com fijfirma
commercial. Em 1872 liquidou os seus s ne-
gócios,—volveu á pátria— e em 22 d'agtgoBto
de 1874 casou no Porto com D. Heduviviges
Apollonia Ferreira Nunes, filha dò neiego-
ciante do Maranhão e capitalista Clemenente
José da Silva Nunes e de D. Anna Ferrereira
da Silva Nunes, d'aquella cidade, irmãiâ do
conde de Itacolmin, brazileiro.
Falleceu sem successão a 27 de janeieiro
de 1884, deixando vivas saudades aos seieuse
aos estranhos, pois era uma excellente p pes-
soa.
Jaz no tumulo da familia no cemiterioio de
Agramente.
8.»— Z). Maria Isabel Ayres de Gouveiaia.
Nasceu a 27 de dezembro de 1841 e { por
ser a única filha,— muito meiga, muito o dó-
cil e muito virtuosa,— foi sempre o anjo o da
familia, o encanto dos paes e o enlevo o dos
irmãos todos, nomeadamente do sr. D. A An-
tonio, que a idolatra.
Casou na capella da Granja a 15 de fe\eve-
vou
vou 2037
reiro de 1874 com ÁDtonio Maria Alcofora-
do, bacharel formado em direito, filho de
D. Maria dos Prazeres Barata Yelloso e de
Gil Alcoforado d'Azevedo Pinto e Figueire*
da, senhor da nobre casa da Sernada em
Yonzella, mencionada supra^ onde aqaelle
nasceu e ali actualmente é conservador do
registro predial.
D'e8te consorcio tiveram 6 filhos, todos
nascidos na quinta e casa de Carilel, men-
cionada também supra, e que foi do velho
Fructuoso, patriarcha d'esta importante fa-
mília.
Aquelles 6 filhos são os seguintes:
—Gil, que nasceu a 14 de janeiro de
1876;
—Ayres, a 19 de março de 1877;
—Maria, a 29 de dezembro de 1878;
— Izabel, a 20 de setembro de 1880;
— Beatriz, a 18 de fevereiro de 1882;
— Affonso, a 31 de dezembro de 1885.
Todo consagrado á sua familia, que ido-
latrava, viveu Fructuoso José da Silva Ay-
res sempre occupado no seu commercio de
vmhos, sem dislrahir-se com outra qual-
quer oecupaçâo ou emprego — e sempre na
Porta de Carros, posto que tinha armazéns
e boas casas d'habitação em outros pontos
da cidade. Com o faliecimento porem da
consorte em 1865 passou a viver habitual-
mente na sua quinta da Granja.
Esta quinta, na data da extíncção das or-
dens religiosas, pertencia aos frades cruzios
da Serra do Pilar, havendo pertencido aos
de Grijó.
Foi vendida em hasta publica em 5 d'a-
gosto de 1836 a D. Anna Joaquina de Mello.
A 4 de maio de 1839 vendeu-a esta a José
Antonio Alves Vianna; por morte d'este
passou para a viuva, a qual a vendeu em
31 de dezembro de 1860 a Fructuoso José
da Silva Ayres, de quem a herdou seu fi-
lho, o sr. D. Antonio, seu actual possuidor,
que n'ella costuma viver.
No dia 9 de março de 1881 estando n'esta
quinta o velho Fructuoso e fazendo aunos
j n'aquelle dia o seu filho Luiz Ayres, ia o ve-
lhinho muito alegre festejar- lhos, levando na
mão um lindo ramo de camélias, mas alguns
minutos depois de entrar na carruagem da
via férrea e indo o comboyo em marcha, a
morte o suprehendeu repentinamente, con-
tando 77 annos de idade, quasi completos.
Teve uma morte suavíssima e por fortu-
na iam na mesma carruagem duas irmãs da
caridade, que lhe assistiram ao passamento.
Jaz ao lado da esposa e d'algun3 filhos no
cemitério d'Agramonte, no Porto.— Deixou
um nome venerando, honradíssimo, e uma
fortuna orçada em ISO contos ds réis, ape-
sar das grandes sommas que despendeu
com os filhos, nomeadamente com o José e
com o sr. D. Antonio.
Deus o tenha em bom logar, como firme-
mente cremos.
Ainda os Vouzellenses illustres
—José Ribeiro Cardoso, filho de Vouzella
e muitos annos negociante no Porto, onde
falleceu ha annos.
Instituiu por herdeira a Misericórdia d'es-
ta Villa para ella fundar um Laus-perenne,
e um Asylo de cegos, aleijados e entrevados.
A Misericórdia já inaugurou o Laus pe-
renne, mas ainda não fundou o Asylo, por
que ainda não pôde liquidar toda a heran-
ça, que deve montar a 40 contos de réis,
aproximadamente.
—O Padre Mestre Simão Rodrigues d'A-
zevedo, varão apostólico.
Foi companheiro de S. Francisco Xavier
e 1.° provincial da Companhia de Jesus no
nosso paiz, etc.
Falleceu em Lisboa a 15 de julho de 1579
contando 70 de idade.
Foi este illustre vouzellense o l.' jesuita
que veiu a Portugal, quando D. João líl, a
instancias de D. Pedro Mascarenhas, estabe-
leceu n'este reino a Companhia de Jesufi.
Simão Rodrigues d' Azevedo foi um dos
primeiros 9 discípulos de Santo Ignacio de
Loyola. Estudava em Paris, quando o santo
fundador o escolheu para aquelle aposto-
lado.
2038 VOU
VOU
Foi o fandador da província lasitana e
fallecen na casa professa de S. Roque, onde
jaz na capeila mór, junto aos degraus do
presbyterio.
— Fr. Pedro Donato.
Foi religioso franciscano de muita iilus-
tração e virtude.
— Duarte d" Almeida, o decepado;
— Fernão Lopes d' Almeida e
—Duarte d" Almeida, filho do antecedente.
Foram todos tres fidalgos muilo distin-
ctos e pessoas muito notáveis, como já dis-
semos quando fallámos da celebre quinta da
Cavallaria e no tópico Senhores de Lafões.
Duarte d'Almeida, o decepado, senhor da
quinta da Cavallaria, immortalisou se de-
fendendo a bandeira portugueza na batalha
de Toro, mas perdeu-a e por seu turno se
immortalisou também salvando-a na mesma
baía/Aa Gonçalo Pires Bandeira, seu visinho,
natural de Besteiros (Tondella) asceodente
dos Bandeiras de Viseu, Tondella e Granja.
O actual visconde de Bériz é um dos de-
cendeates do nobre decepado.
V Rériz, tomo 8.* pag. 152, col. 1.» e Vi-
seu, tomo pag. 1840.
— Fr. Jo$è de S. Bernardino, religioso
agostinho descalço, natural de Vouzella do
Sul, que suppomos ser esta, visinha de S.
Pedro do Sul.
Professou no convento do Monte Oliveto,
ou do Grillo, em Lisboa, no dia 8 de agos-
to de 1751.
—Fr. Chrystovam de Vouzella, religioso
franciscano da província da Soledade.
Nasceu na vilia de Vouzella no melado
do sec. XVI e foram seus paes Antonio d'Al-
meida, da mesma villa, e Filippa de Novaes,
da d^ S. Pedro do Sul.
Foi homem muito illustrado e piedosíssi-
mo e occupou os primeiros cargos da sua
ordem.
Mandado por seus paes para Coimbra, no
mesmo dia em que se doutorou na faculda-
de de Cânones tomou o habito no eonavento
de Santo Antonio dos Olivaes, onde, fíândo o
noviciado, professou a 29 de dezembnro de
1585.
Foi guardião no convento de Portaalegre;»
onde teve por súbdito seu tio, o padrre pré,«
gador Fr. Francisco de S. Pedro do Suul. Eg^
seguida fui guardião em Santo Antonoio dot»
Olivaes, uma das maiores guardianiaas da
província. Foi também guardião no coonveo»
to de Santo Antonio de Castello Branccoenp
de S. Francisco de Lagos; depois mitinistro
provincial da ordem, eleito no capitniilo ce-
lebrado em Évora a 19 de janeiro de 1614;
— passado o triennio foi eleito cusíod/o — e no
cap. celebrado em Salamanca em 17718 foi
encarregado de visitar a provinda frrancis-
cana da Arrábida. Em seguida o duqque de
Bragança O. Theodosio II, pae d'el-rrei D.
João IV, o nomeou seu confessor, carggo que
pouco tempo desempenhou por haveier en-
surdecido, pelo que muito contra a voontade
do duque deixou o paço de Villa Viççosa e
foi para o seu convento d'Abrantes, , onde,
passado algum tempo, se restabeleceua.
Em seguida foi eleito commissarido dos
conventos da sua ordem nas provinci:ias do
Douro e Minho, pelo que fixou a sua a resi-
dência no convento de Santo Antoouio de
Valle de Piedade, onde, como em Abra'antes,
continuou a viver a vida mais humilde 3 e pe-
nitenle, exercendo os misteres mais delespre-
siveis da casa.
Sendo religioso velho e grave, ellee pró-
prio lavava a sua roupa e para isso / hia á
cerca buscar a lenha para aquentar a i agua
(diz a chronica) e o seu habito era muiiito po-
bre, e remendado por sua mão.
Como era commissario dos convventos
d'entre Douro e Minho, podia mudaar ou
transferir como lhe aprouvesse os reeligio-
sos d'elles. Achava-se então o convennto de
S. Fructuoso de Braga assolado porr uma
epidemia medonha, havendo falleciddo em
poucos dias 3 religiosos. O guardião ahfflicto
pedia ao commissario religiosos para t trata-
rem os doentes e prefazerem as vaggas da
vou
vou 2037
reiro de 1874 com Antonio Maria Alcofora*
do, bacharel formado em direito, filho de
D. Maria dos Prazeres Barata Yelloso e de
Gil Alcoforado d'Azevedo Pinto e Figueire»
do, senhor da nobre casa da Sernada em
Youzella, mencionada supra^ onde aquelle
nascen e ali actualmente é conservador do
registro predial.
D'este consorcio tiveram 6 filhos, todos
nascidos na quinta e casa de Caritel, men-
cionada também supra, e que foi do velho
Fructuoso, patriarcha d'esta importante fa-
mília.
Aquelles 6 filhos são os seguintes:
—Gil, que nasceu a 14 de janeiro de
1876;
—Ayres, a 19 de março de 1877;
—Maria, a 29 de dezembro de 1878;
—habel, a 20 de setembro de 1880;
—Beatriz, a 18 de fevereiro de 1882;
—Affonso, a 31 de dezembro de 1885.
Todo consagrado a sua família, que ido-
latrava, viveu Fructuoso José da Silva Ay-
res sempre occupado no seu commercio de
vmhos, sem distrahir-se com outra qual-
quer oecupaçâo ou emprego — e sempre na
Porta de Carros, posto que tinha armazéns
e boas casas d'habitação em outros pontos
da cidade. Com o fallecimento porem da
consorte em 1865 passou â viver habitual-
mente na sua quinta da Granja.
Esta quinta, na data da extincção das or-
dens religiosas, pertencia aos frades cruzios
da Serra do Pilar, havendo pertencido aos
de Grijó.
Foi vendida em hasta publica em 5 d'a-
gosto de 1836 a D. Anna Joaquina de Mello.
A 4 de maio de 1839 vendeu-a esta a José
Antonio Alves Vianna; por morte d'este
passou para a viuva, a qual a vendeu em
31 de dezembro de 1860 a Fructuoso José
da Silva Ayres, de quem a herdou seu fi-
Ibo, o sr. D. Antonio, seu actuai possuidor,
que n'ella costuma viver.
No dia 9 de março de 1881 estando n'esta
quinta o velho Fructuoso e fazendo annos
j n'aquelledia o seu filho Luiz Ayres, ia o ve-
lhinho muito alegre festejar-lhos, levando na
mão um lindo ramo de camélias, mas alguns
minutos depois de entrar na carruagem da
via férrea e indo o comboyo em marcha, a
morte o suprehendeu repentinamente, con-
tando 77 annos de idade, quasi completos.
Teve uma morte suavíssima e por fortu-
na iam na mesma carruagem duas irmãs da
caridade, que lhe assistiram ao passamento.
Jaz ao lado da esposa e d*alguns filhos no
cemitério d'Agramonte, no Porto.— Deixou
um nome venerando, honradissimo, e uma
fortuna orçada em 150 contos ds réis, ape-
sar das grandes sommas que despendeu
com os filhos, nomeadamente com o José e
com o sr. D. Antonio.
Deus o tenha em bom logar, como firme-
mente cremos.
Ainda os Vouzellenses illustres
—José Ribeiro Cardoso, filho de Vouzella
e muitos annos negociante no Porto, onde
falleceu ha annos.
Instituiu por herdeira a Misericórdia d'e3-
ta Villa para ella fundar um Laus-perenne,
e um Asylo de cegos, aleijados e entrevados.
A Misericórdia já inaugurou o Laus pe-
renne, mas ainda não fundou o Asylo, por
que ainda não pôde liquidar toda a heran-
ça, que deve montar a 40 contos de réis,
aproximadamente.
—O Padre Mestre Simão Rodrigues d'A-
zevedo, varão apostólico.
Foi companheiro de S. Francisco Xavier
e 1,° provincial da Companhia de Jesus no
nosso paiz, etc.
Falleceu em Lisboa a 15 de julfco de 1579
contando 70 de idade.
Foi este illustre vouzellense o 1.* jesuita
que veiu a Portugal, quando D, João líl, a
instancias de D. Pedro Mascarenhas, estabe-
leceu n'este reino a Companhia de Jesus.
Simão Rodrigues d' Azevedo foi um dos
primeiros 9 discípulos de Santo Ignacio de
Loyola. Estudava em Paris, quando o santo
fundador o escolheu para aquelle aposto-
lado.
2038 VOU
VOU
Foi o fundador da província lusitana e
falleceu na casa professa de S. Roqup, onde
jaz na eapella mór, junto aos degraus do
presbyterio.
—Fr, Pedro Donato.
Foi religioso franciscano de muita íllus-
tração e virtude.
—Duarte d' Almeida, o decepado;
—Fei^não Lopes d' Almeida e
— Duarte d' Almeida, filho do antecedente.
Foram tudos tres fidalgos muito dislin-
ctos e pessoas muito notáveis, como já dis-
semos quando falíamos da celebre quinta da
Cavallaria e no tópico Senhores de Lafões.
Duarte d'Álmeida, o decepado, senhor da
quinta da Cavallaria, immorlalisou se de-
fendendo a bandeira portugueza na batalha
de Toro, mas perdeu- a e por seu turno se
immortalisou também salvando-a namesma
batalha GonçsAo Pires Bandeira, seu visinho,
natural de Besteiros (Tondella) ascendente
dos Bandeiras de Viseu, Tondella e Granja.
O actual visconde de Rériz é um dos de-
candentes do nobre decepado.
V Rériz, tomo 8.» pag. 152, col. 1.» e Vi-
seu, tomo pag. 1840.
— Fr. José de S. Bernardino, religioso
agostinho descalço, natural de Vouzella do
Sul, que suppomos ser esta, visinha de S.
Pedro do Sul.
Professou no convento do Monte Olivete,
ou do Grillo, em Lisboa, no dia 8 de agos-
to de 1751.
—Fr. Chrystovam de Vouzella, religioso
franciscano da província da Soledade.
Nasceu na villa de Vouzella no meiado
do sec. XVI e foram seus paes Antonio d'Al-
meida, da mesma villa, e Filippa de Novaes,
da de S. Pedro do Sul.
Foi homem muito illustrado e piedosíssi-
mo e occupou os primeiros cargos da sua
ordem.
Mandado por seus paes para Coimbra, no
mesmo dia em que se doutorou na faculda-
de de Cânones tomou o habito no eonnvento
de Santo Antonio dos Olivaes, onde, fifindo o
noviciado, professou a 29 de dezembbro de
1585.
Foi guardião no convento de Portaalegre*
onde teve por súbdito seu tio, o padrere pré*
gador Fr. Francisco.de S. Pedro do Suul. Em
seguida foi guardião em Santo Antonnio dos
Olivaes, uma das maiores guardianiaias da
província. Foi também guardião no coonven-
to de Santo Antonio de Castello Brancico e no
de S. Francisco de Lagos; depois miiinistro
provincial da ordem, eleito no capituulo ce-
lebrado em Évora a 19 de janeiro de 1614;
— passado o triennio foi eleito custodio-* — e no
cap. celebrado em Salamanca em 17718 foi
encarregado de visitar a provinda frrancís-
cana da Arrábida. Em seguida o duqque de
Bragança D. Theodosio II, pae d'el-^reí D.
João IV, o nomeou seu confessor, cargigo que
pouco tempo desempenhou por haveier en-
surdecido, pelo que muito contra a voontade
do duque deixou o paço de Villa Viçiçosa e
foi para o seu convento d'Abrantes, , onde,
passado algum tempo, se restabeleceuu.
Em seguida foi eleito commissaririo dos
conventos da sua ordem nas provineiíias do
Douro e Minho, pelo que fixou a sua a resi-
dência no convento de Santo Antoniiío de
Valle de Piedade, onde, como em Abra'antes,
continuou a viver a vida mais humilde 8 e pe-
nitente, exercendo os misteres mais delespre-
siveis da casa.
Sendo religioso velho e grave, ellee pró-
prio lavava a sua roupa e para isso i hia á
cerca buscar a lenha para aquentar a i agua
(diz a chronica) e o seu hábito era muiiito po-
bre, e remendado por sua mão.
Como era commissario dos convventos
d'entre Douro e Mioho, podia mudaar ou
transferir como lhe aprouvesse os reeligio-
sos d*elles. Achava-se então o convennto de
S. Fructuoso de Braga assolado porr uma
epidemia medonha^ havendo falleciddo em
poucos dias 3 religiosos. O guardião abí&icto
pedia ao commissario religiosos para t trata-
rem os doentes e prefazerem as vagias da
vou
vou 2039
commaaidade. Partiu logo para Braga elle
próprio, para não expôr mais vidas, e aos
que lhe pediam que não fosse, respondeu:
Deixai -me ir animar aquelle guardião, que
o sinto desmaiado.
Passou 08 últimos annos de vida no con-
vento d' Azarara, onde espirou santamente,
já decrépito e ali jaz.^
— Braz de Figueiredo Castello Branco-
Foi dezembargador e cbanceller-mór da
relação do Porto; casou com D. Francisca
de Figueiredo Mendes Antas, da nobre famí-
lia Mendes Antas de Vimioso e d'elle pro-
cedem muitas famílias da nossa 1.* no-
breza.
—Pedro Moniz Bochicho, casado com
Maria Cides.
Viveram no sec. xii e doaram ao mostei-
ro do Paço de Sousa metade da egreja de
S. Tbíago de Garvalhaes, de que eram se-
nhores, no concelho actual de S. Pedro do
Sul.
— Martim Peres Bochicho, filho do antece-
dente.
Impugnou aquella doação, mas veiu a um
accordo com os monges em 7 de julho de
para que a dieta egreja fosse apre-
sentada simultaneamente pelos frades e pe-
los Bochichos. Era pois muito importante em
Lafões a famiiia Bochichos nos séculos xii e
xm.
V. Paçõ de Sousa, tomo 4." pag. 391,
eol. 2.»
— Dr. Manoel d' Almeida e Samsa de Lo-
bão, distinciissimo jurisconsulto
Para evitarmos repetições, veja-se o art.
Lobão, tomo 4." pag. 431, col. 2.* — e com re-
lação ás suas obras veja-se o Diccionarto Bi-
bi, de Innoeencio.
— Fradique de Mello Meneses e Castro,
cavalheiro respeitabilissimo.
1 V. Chronica da Provinda da Soledade,
tomo 1.0 pag. 400 a 409.
Uma correspondência de Vouzella, com
data de 27 d'agosto de 1886, dizia o se-
guinte:
«--Falleceu bontem na sua nobre casa de
FatauQços, a Ires kilometros doesta villa, o
sr. Fradique de Mello Menezes e Castro, an-
tigo tenente coronel do regimento de milí-
cias de Tondella, pae do sr. dr. Ayres de
Mello Menezes e Castro, digno presidente da
camará municipal de Vouzella, e do sr. José
de Souza Menezes e Castro, e sogro do sr.
juiz de direito, José de Gouveia Osorio, e
do sr. Leonel Cardoso de Menezes.
O sr. Fradique de Mello era um cavalhei-
ro de toda a probidade e seriedade, a quem
todos respeitavam como venerando ancião
e amigo sincero de todos que conhecia.*
—Manoel d' Azevedo, da companhia de Je-
sus.
Nos Commentarios ao dia 28 de Junho,
pag. 742, col. 2." lettra m, se lô no Agiologio
Lusitano o seguinte:
«Foi o irmão Manoel d' Azevedo, natural
da villa de Vouzella. Sens paes se chama-
rão Antonio Pinto, e Emerenciana de An-
drade. Entrou na Companhia era o CoUegio
de Coimbra a 27 de abril de 1614, tendo 10
annos de idade, e falleceu no de Braga aos
18 de Junho de 1617, havendo ornado sua
alma com essenciaes virtudes nos 3 annos
que leve de Religião, as quaes se podem ver
em sua vida, que anda ms. pelo P. Baltha-
zar de Figueiredo, ministro então do colle-
gio bracharense, dedicada ao padre Fran-
cisco de Mendonça, reitor do de Coimbra.*
O mesmo Agiologio no texto, pag. 739,
fallando d'este Ínclito varão, diz:
«Primeiramente gastava cada dia na ora-
ção mental 4 horas, alem do offlcio, e co-
roa de Nossa Senhora, e de outras pias e
devotas orações a muitos santos.
«Tomava bua larga disciplina, e ás ve-
zes duas, e por isso as trazia tão gastadas,
que era necessário prover- se d'ellas, como
de mantimento. Huas de cordas de arame,
2040 VOU
mui fortes, lhe durarão somente 3 mezes, e
menos outras de cordel encerado
«Usava de 5 géneros de cilícios, a saber
de ásperas sedas, de duro ferro, e de ca-
deas de arame com penetrantes pontas. Es-
tes 3 serviam para a cintura; os dois, hum
da mesma matéria, para os sustinentes, e
outro de ferro para o pescoço. . . — para de
noite tinha hum tão largo, e aspérrimo, que
lhe tomava o corpo todo. . .
iDe ordinário comia em terra por humil-
dade, beijava os pés aos irmãos, e pedia pe-
nitencias desuzadas . . .
•Também assistia aos pobres, e bebia pe-
las tigellas mais nojentas e ascorosas, sendo
limpo e asseado de seu natural.
«Sendo alegre em demasia, somente o
vião melancolisado, quando se dizia em seu
louvor alguma cousa
— Fr. Pedro de Vouzella.
Floreceu no convento velho de S. Fran-
cisco de Coimbra, sendo ainda de claustraes,
pelos annob de 1560.
Foi frade leigo, mas muito virtuoso, pelo
que 08 vouzellenges, seus patrícios, o tive-
ram sempre em muita veneração e o man-
daram pintar na matriz de Vouzella, junto
de S. Fr. Gil e do Padre Mestre Simão, da
Companhia de Jesus, indicados supra, fican-
do lodos 3 na mesma linha; — S. Fr. Gil no
centro; o Mestre Simão á esquerda — e Fr.
Pedro á direita, — segundo se lê no Agiol.
Lusit., tomo 1." pag. 45i, let. d. — e pag. 459.
— João Correia d' Oliveira, fallecido a 14
de outubro de 1882.
Era um cavalheiro muito traetavei, muito
serviçal, commendador da ordem de Chris-
to, abastado proprietário e homem de gran-
de influencia n'e8te concelho.
Foi muitos annos presidente da camará
de Vouzella, procurador á junta geral do
dístricto, recebedor da comarca e juiz de
direito substituto.
Vouzella deveu-lhe sempre a maior dedi-
cação pelo seu engrandecimento.
VOU
D'elle já fizemos menção no topicoco supra
-^Quintas.
— José Cardoso Pereira Pinto de^£ Mene'\^
seSf fidalgo de antiga linhagem, n<nobre d
muito nobre pelo sangue e mais aininda pe,^
las suas virtudes. |
r^asceu na villa de Vouzella a 9 d d'agosta
de 1793 e falleeeu na sua casa de ViFilla Flor;
em Traz os Montes, a 24 de dezemmbro de
1875, tendo de idade 82 annos.
Era filho de Luiz Cardoso Pereirira Pinte
j de Menezes, moço fidalgo da casa reseal e ca-
pitão mór de S. Martinho de Mouroros, e de
D. Maria BUa de Mello Almeida Barrrros Sou-
sa Girão Seixas Cardoso.
Por morte de seus paes foi vivever para
Villa Flor, onde lhe pertencera um n antigo
morgado, que fôra instituído por umm nobrcj
fidalgo, seu ascendente, Lopo Macháiado Pe-j
reira e sua mulher D. Brites de MMenezes.
da antiga casa de Cardoso^ solar dos >s Cardo-
SOS, coevo da monarcbia.
Foi sua vida sempre de verdadeircro chris-
tão e cheia de virtudes, principalmmente daj
caridade para com os pobres que n'Q'elle foi!
em grau subido, chegando ás vezes s a pri>
var-se até de commodidades para soraccorreij
os miseráveis. Nunca à sua porta batateu una
infeliz que não encontrasse alivio * e coUf
fôrto.
Era legilimista sincero e bondoso.o.
A perseguição que hoje se está fazazendo á
Egreja o aiUigia em extremo, de soiorte que
nunca fallava no Santo f adre que nãoão cho*
rasse e não levantasse as mãos treremulas,
pedindo a Deus o defendesse e á suaia Egret
ja. Foi sempre casto e modesto, homnrado 6
exemplar.
Tal íoi a sua vida, por isso sua mmorte deH
via ser também de justo. Um annmo viveij
I entrevado e então redobrou sua p piedadej
! confessando-se e commungando amiDiudadaí
vezes, o que fazia sempre com lagririmas de
compunção; e, tendo recebido peia ia ultimsj
vez o Sagrado Viatico, começou a orsrar e as^
sim ádormeceu o somno dos justetos, sem
afnicções, sem remorsos, sem angusistias, n(
vou
vou 2039
commuDÍdade. Partiu logo para Braga elle
próprio, para não expôr mais vidas, e aos
qae Itie pediam que não fosse, respondeu:
Deixai me ir animar aquelle guardião, que
o sinto desmaiado.
Passou 08 últimos annos de vida no con-
vento d'Azurara, onde expirou santamente,
já decrépito e ali jaz.^
— Braz de Figueiredo Castello Branco-
Foi dezembargador e chanceller mór da
relação do Porto-, casou com D. Francisca
de Figueiredo Mendes Antas, da nobre famí-
lia Mendes Antas de Vimioso e d'elle pro-
cedem muitas famílias da nossa 1.* no-
breza.
—Pedro Moniz Bochicho, casado com
Maria Cides.
Viveram no sec. xii e doaram ao mostei-
ro do Paço de Sousa metade da egreja de
S. Thiago de Carvalhaes, de que eram se-
nhores, no concelho actual de S. Pedro do
Sul.
— Martim Peres Bochicho, filho do antece-
dente.
Impugnou aquella doação, mas veiu a um
accordo com os monges em 7 de julho de
1228, para que a dieta egreja fosse apre-
sentada simultaneamente pelos frades e pe-
los Bochichos. Era pois muito importante em
Lafões a família Bochichos nos séculos xii e
XIII.
V. Paço de Sousa, tomo 4." pag. 391,
col. 2.»
— Dr. Manoel d' Almeida e Sousa de Lo-
bão, distinctissimo jurisconsulto
Para evitarmos repetições, veja-se o art.
Lobão, tomo 4.» pag. 431, col. 2.'~e com re-
lação ás suas obras veja-se o Diccionario Bi-
bi, de Innocencio.
— Fradique de Mello Meneses e Castro,
' çavalheiro respeitabilissimo.
í V. Chronica da Provinda da Soledade,
tomo 1.0 pag. 400 a 409.
Uma correspondência de Vouzella, com
data de 27 d'agosto de 1886, dizia o se-
guinte:
-Falleceu hontem na sua nobre casa de
Fataunços, a tres kilometros doesta villa, o
sr. Fradique de Mello Menezes e Castro, an-
tigo tenente coronel do regimento de milí-
cias de Tondella, pae do sr. dr. Ayres de
Mello Menezes e Castro, digno presidente da
camará municipal de Vouzella, e do sr. José
de Souza Menezes e Castro, e sogro do sr.
juiz de direito, José de (Jouveia Osorio, e
do sr. Leonel Cardoso de Menezes.
O sr. Fradique de Mello era um cavalhei-
ro de toda a probidade e seriedade, a quem
todos respeitavam como venerando ancião
e amigo sincero de todos que conhecia.» .
—Manoel d' Azevedo, da companhia de Je-
sus.
Nos Commentarios ao dia 28 de Junho,
pag. 742, col. 2.* lettra m, se lé no Agiologio
Lusitano o seguinte:
•Foi o irmão Manoel d' Azevedo, natural
da Villa de Vouzella. Seus paes se chama-
rão Antonio Pinto, e Emerenciana de An-
drade. Entrou na Companhia em o Collegio
de Coimbra a 27 de abril de 1614, tendo 10
annos de idade, e falleceu no de Braga aos
18 de Junho de 1617, havendo ornado sua
alma com esseneiaes virtudes nos 3 annos
que leve de Religião, as quaes se podem ver
em sua vida, que anda ms. pelo P. Baltha-
zar de Figueiredo, ministro então do colle-
gio bracharense, dedicada ao padre Fran-
cisco de Mendonça, reitor do de Coimbra.»
O mesmo Agiologio no texto, pag. 739,
fallando d'e8te ínclito varão, diz: ^
• Primeiramente gastava cada dia na ora-
ção mental 4 horas, alem do offlcio, e co-
roa de Nossa Senhora, e de outras pias e
devotas orações a muitos santos.
•Tomava hua larga disciplina, e ás ve-
zes duas, e por isso as trazia tão gastadas,
que era necessário prover- se d'ellas, como
de mantimento. Huas de cordas de arame.
2040 VOU
mui fortes, lhe durarão somente 3 mezes, e
menos outras de cordel encerado
«Usava de 5 géneros de cilícios, a saber
de ásperas sedas, de duro ferro, e de ca*
deas de arame com penetrantes pontas. Es-
tes 3 serviam para a cintura; os dois, hum
da mesma matéria, para os sustinentes, e
outro de ferro para o pescoço. . . — para de
noite tinha hum tão largo, e aspérrimo, que
lhe tomava o corpo todo. . .
«De ordinário comia em terra por humil-
dade, beijava os pés aos irmãos, e pedia pe-
nitencias desuzadas. . .
«Também assistia aos pobres, e bebia pe-
las tigellas mais nojentas e ascorosas, sendo
limpo e asseado de seu natural.
•Sendo alegre em demasia, somente o
vião melancolisado, quando se dizia em seu
louvor alguma cousa
— Fr. Pedro de Vouzella.
Floreceu no convento velho de S. Fran-
cisco de Coimbra, sendo ainda de claustraes,
pelos annoh de 1560.
Foi frade leigo, mas muito virtuoso, pelo
que os vouzellenses, seus patricios, o tive-
ram sempre em muita veneração e o man-
daram pintar na matriz de Vouzella, junto
de S. Fr. Gil e do Padre Mestre Simão, da
Companhia de Jesus, indicados supra, fican-
do todos 3 na mesma linha; — S. Fr. Gil no
centro; o Mestre Simão á esquerda — e Fr.
Pedro á direita, — segundo se lô no Agiol.
Lusit., tomo 1.» pag. 45i, let. d. — e pag. 459.
— João Correia d' Oliveira, fallecido a i4
de outubro de 1882.
Era um cavalheiro muito traetavel, muito
serviçal, commendador da ordem de Chris-
to, abastado proprietário e homem de gran-
de influencia n'e8te concelho.
Foi muitos annos presidente da camará I
de Vouzella, procurador á junta geral do j
districto, recebedor da lomarca e juiz de i
direito substituto. !
Vouzella deveu-lbe sempre a maior dedi-
cação pelo seu engrandecimento. '
VOU
D'elle já Qzemos menção no topicoa supra
— Quintas.
— José Cardoso Pereira Pinto de Mene-
ses, fidalgo de antiga linhagem, niobre e
muito nobre pelo sangue e mais aimda pe-
las suas virtudes.
r^asceu na villa de Vouzella a 9 dVagosto
de 1793 e falleceu na sua casa de Villla Flor,
em Traz os Montes, a 24 de dezemíbro de
1875, tendo de idade 82 annos.
Era filho de Luiz Cardoso Pereírra Pinto
de Menezes, moço fidalgo da casa reaal e ca-
pitão mór de S. Martinho de Mourões, e de
D. Maria Rita de Mello Almeida Barrcos Sou-
sa Girão Seixas Cardoso.
Por morte de seus paes foi vivejr para
Villa Flor, onde lhe pertencera um antigo
morgado, que fôra instituído por umi nobre
fidalgo, seu ascendente, Lopo Machaido Per
reira e sua mulher D. Brites de Mienezes,
da antiga casa de Cardoso^ solar dos iCardo-
sos, coevo da monarchia.
Foi sua vida sempre de verdadeiro) chris-
tão e cheia de virtudes, principalme^nte da
caridade para com os pobres que n'felle foi
em grau subido, chegando ás vezes a pri-
var-se até de commodidades para soccorrer
os miseráveis. Nunca á sua porta batteu um
infeliz que não encontrasse alivio (e con-
forto.
Era legitimista sincero e bondoso.
A perseguição que hoje se está fazcendo á
Egreja o affligia em extremo, de sorrte que
nunca fallava no Santo tadre que nãío cho-
rasse e não levantasse as mãos tretrnulas,
pedindo a Deus o defendesse e á suai Egre-
ja. Foi sempre casto e modesto, homrado e
exemplar.
Tal foi a sua vida, por isso sua mo)rte de-
via ser também de justo. Ura anno) viveu
entrevado e então redobrou sua piiedade,
confessando-se e commungando amiiudadas
vezes, o que fazia sempre com lagrionas de
compunção; e, tendo recebido pela ultima
vez o Sagrado Viatico, começou a orair e as-
sim adormeceu o somno dos justo}s, sem
afnicções, sem remorsos, sem angustiias, no
vou
vou 2041
meio das lagrimas e das bênçãos d'uma po-
voação inteira que o amava e estremecia.
Seu sobrinho, o reverendo João Bebello
Cardoso de Menezes, foi chamado lelegraS-
eamente, mas já não chegou a assistir á sua
morte.
Foi enterrado no jazigo da familia, na
egreja de S. Bartholomeu de Villa Flor, on-
de sua sepultura é orvalhada todos os dias
com as lagrimas dos pobresinhos que ali
vão orar pelo eterno descanço do seu pae
Fez testamento publico, deixando herdeiro
do usafructo de todos os seus bens ao reve-
rendo João Rebello Cardoso de Menezes, seu
sobrinho, e a raiz dos mesmos a suas sobri-
nhas— viscondessa de Margaride e D. Antó-
nia Casimira Rebello Cardoso de Menezes, e
aos seus sobrinhos Bernardino Rebello Car-
doso de Menezes e José Bebello Cardoso de
Menezes.
O sobrinho e herdeiro do illustre vouzel-
lense finado é o actual sr. D. João Rebello
Cardoso de Menezes, Arcebispo de Larissa,
coadjutor e futuro sueeessordo bispo de La-
mego D. Antonio da Trindade e Vasconcel-
los.
Foi avó do sr. arcebispo D. Maria Rifa de
Mello Almeida Barros de Sousa Girão Car-
doso, natural da villa de Vouzella, filha de
José Bernardo d'Almeida de Barros, bisneto
do capitão môr d'Ansemil João Rodrigues
de Sequeira e Loureiro, descendente da il-
lustre casa de Loureiro e Sá, d'esta familia.
A dieta D. Maria Rita de Mello era filha
de D. Bosa Girão, da casa da Corujeira, so-
lar dos Giròes, e descendente de D. Affooso
Girão,— -sendo a dieta casa hoje representa-
da pelo visconde do Banho.
A mesma sr." D. Maria Bita era descen-
dente, tanto pelo lado paterno, como mater-
no, da illustre familia de Figueiredo das Do-
nas^ cujo ascendente Guesto Ansur libertou
as 6 donzellas do poder dos mouros, matan-
do-os, como diz a lenda, com o tronco de
uma figueira.
Para evitarmos repetições veja-se o arl.
Figueiredo das Donas, tomo 3." pag. 193,
col. 2.»
Nas suas casas da Praça da villa de Vou-
zella, onde nasceu a dieta senhora, ainda ho-
je lá se vé um brazão d'armas com folhas
de figueira, alludindo à pretendida façanha
de Guesto Ansur.
Ê pois oriundo de Voazella o sr. arcebis-
po de Larissa, mas filho de Villa Real de
Traz os Montes, pelo que jà fizemos menção
d'elle no tópico dos Villarialenses illuslres,
quando s. ex." era arcebispo de Miiylene,
provisor e vigário geral do patriarchado de
Lisboa, ele.
V. Ví7/a Real de Traz os Montes, vol.
11.» pag. 1030, col. i.«
Nasceu na freguezia de S. Pedro de Villa
Real, no dia 29 d'outubro de 1832,i— e fo-
ram seus paes Bernardino Felisardo de Car-
valho Bebello e D. Mathilde Carolina de Me-
nezes Girão Cardoso.
Foi sagrado arcebispo de Mitylene no se-
minário de Santarém pelo eminentíssimo
cardeal patriarcba de Lisboa, no dia 7 de
dezembro de 1884 e, como o titulo de arce-
bispo de Mitylene é propriedade dos vigários
geraes do patriarchado, quando s. ex.* foi
promovido a coadjutor e futuro successor
do bispo de Lamego, o romano pontífice o
nomeou arcebispo de Larissa.
— Ricardo Pinto de Mattos, escriptor pu-
blico.
Foi guarda-sala (offlcial menor) da biblio-
theca publica do Porto, excellente pessoa e
zeloso empregado, muito modesto, muito
intelligente e muito trabalhador.
Falleeeu no vigor da vida, approximada-
mente em 1882, havendo escripto e publi-
cado as obras seguintes:
1.» — Manual bibliographico portuguez de
livros raros, clássicos e curiosos, revisto e
prefaciado por C. C. Branco. Porto {Livra-
ria Portuense, editora) l^vol. 8.»
È um trabalho muito consciencioso e de
1 Tem de idade apenas mais 16 dias do
que eu, pois nasci em i4 de novembro de
1832.
V. Corvaceira.
2042 VOU
bastante merecimeDto, que mereceu a hoii'
ra de ser prefaciado pelo nosso primeiro ro-
mancista e laureado escriptor — Camillo
Castello Branco, hoje visconde de Correia
Botelho.
2. « — Memoria histórica e descriptiva da
Ordem Terceira de S. Francisco do Porto...
J88a.— i vol. 8.» peq.
3. *— Historia do nascimento, vida e mor-
te de S. João Baptista, precursor de Jesus
Christo, e de Santa Isabel sua mãe,— Porto
1880— i vol. 8.» peq.
Se a morte o não roubasse tão cedo, se-
ria um fecundo eseriptor.
Deixou mss. alguns apontamfntos infor-
mes e propuDha-se escrever e publicar tam-
bém uma monographia de Vouzella, sua
pátria
Falleceu solteiro e sem suceessão.
—O reverendo dr. Jo^é Maria de Lima e
Limos, natural de Fataunços, freguezia
d'este concelho de Vouzella e distante da
Villa apenas 3 kilometros para E.»
Poutorou-se em cânones pela Universida-
de de Coimbra e ali foi lente de direito e
lente distinctissimo até 1834, data em que
os liberaes trinmphantes extinguiram muito
inconvenientemente as ordens religiosas e
expulsaram da Universidade todos os lentes
considerados legitimistas.^
Nós o conhecemos perfeitamente e o vi-
mos e admirámos muitas vezes, porque ainda
vivia durante a nossa formatura (18S 1-1856)
1 V. Fataunços n'e8te diccionario e no
supplemento, onde ampliaremos considera-
velmente aquelle artigo.
2 O próprio visconde d'Almeida Garrett,
liberal insuspeito e que militou nas fileiras
do sr. D. Pedro IV, disse nas Viagens da mi-
nha terra:
«Nós extinguimos os frades^ mas creámos
os barões, que hão de dar cabo de nós! . . .
«Os frades, que eram patriotas na Irlan-
da, na Polónia e no Brazil, podiam e deviam
ser psRriotas em Portugal lambem, se os re-
formassem e não os extinguissem.»
O pensamento é este, mas pode haver di-
fferença nas palavras, porque citamos de
memoria. Desculpem.
ym
e morava em Coimbra no Cidrai, pelo que
todos o conheciam e respeitavam como o
dr. José Maria do Cidral, formosa quinta
junto do Penedo da Saudade e do convento
das Theresinhas, onde era confessor e dire-
ctor espiritual.
No dicto convento, que os próprios estu-
dantes veneravam, nós ouvimos pregar o
venerando doutor na grande festividade que
ali aquellas tão penitentes como piedosíssi-
mas religiosas celebraram quando a nossa
egreja santa definiu e decretou como dogma
a Immaculada Conceição de Maria.
Foi longo, bastante longo, o sermão, e re-
cheado úti textos em latim, mas todos o^
fieis que entulhavam o templo, comprehen-
dendo grande numero de estudantes, entre
os quaes um dos mais novos e o mais hu-
milde e obscuro de todos — era o humilde
auctor d'esias linhas, — todos ficaram exta-
siados.
Nunca ouvimos sermão que tanto nos
commovessel
O venerando dr. parecia um apostolo
pregando— e como varão apostólico era tido
e considerado por todos.
Nasceu em Fataunços, no anno de 1794, e
falleceu em dezembro de 1878 na casa da
egreja das Theresinhas, aos 84 annos de
idade.
O sr. bispo-conde de Coimbra lhe mandou
fazer exéquias solemnes na Sé d'aqaella ci-
dade em janeiro de 1879 e jaz no cemitério
d^ freguezia de Santo Antonio dos Olivaes,
junto da sepultura de D. Maria Osorio, mãe
do sr. Miguel Osorio, dono da quinta das
Lagrimas.
Foram muito pomposas as ditas exéquias
e n'ella3 pregou o sr. D. Antonio Ayres de
Gouveia, bispo de Bethsaida, de quem já fi-
zemos mensão supra, então lente da Uni-
versidade e bispo eleito do Algarve, cujo
sermão foi primorosíssimo, já porque o sr.
D. Antonio é talvez o nosso primeiro orador
sacro,— já porque o auditório era muUíssi*
vou
meio das lagrimas e das bênçãos d'ama po-
voação inteira qae o amava e estremecia.
Seu sobrinho, o reverendo João Rebello
Cardoso de Menezes, foi chamado lelegraQ'
eamente, mas já não chegou a assistir á sua
morte.
Foi enterrado no jazigo da família, na
egreja de S. Bartholomeu de Villa Flor, on-
de saa sepultura é orvalhada todos os dias
com as lagrimas dos pobresinhos que ali
vão orar pelo eterno descanço do seu pae
Fe? testamento publico, deixando herdeiro
do usufrueto de todos os seus bens ao reve-
rendo João Rebello Cardoso de Menezes, seu
sobrinho, e a raiz dos mesmos a suas sobri-
nhas— viscondessa de Margaride e D. Antó-
nia Casimira Rebello Cardoso de Menezes, e
aos seus sobrinhos Bernardino Rebello Car-
doso de Menezes e José Rebello Cardoso de
Menezes.
O sobrinho e herdeiro do illustre vouzel-
lense finado é o actual sr. D. João Rebello
Cardoso de Menezes, Arcebispo de Larissa,
coadjutor e futuro successordo bispo de La-
mego D. Antonio da Trindade e Vasconcel-
los.
Foi avó do sr. arcebispo D. Maria Rifa de
Mello Almeida Barros de Sousa Girão Car-
doso, natural da villa de Vouzella, filha de
José Bernardo d'Almeida de Barros, bisneto
do capitão môr d'Ansemil João Rodrigues
de Sequeira e Loureiro, descendente da il-
lustre casa de Loureiro e Sá, d'esta familia.
A dieta D. Maria Rita de Mello era filha
de D. Rosa Girão, da casa da Corujeira, so-
lar dos Girões, e descendente de D. Affonso
Girão, — sendo a dieta casa hoje representa-
da pelo visconde do Banho.
A mesma sr." D. Maria Rita era descen-
dente, tanto pelo lado paterno, como mater-
no, da illustre familia de Figueiredo das Do'
íia*, cujo ascendente Guesto Ansur libertou
as 6 donzellas do poder dos mouros, matan-
do-os, como diz a lenda, com o tronco de
uma figueira.
Para evitarmos repetições veja-se o art.
Figueiredo das Donas, tomo 3." pag. 193,
col. 2.*
VOU 2041
Nas suas casas da Praça da villa de Vou*
zella, onde nasceu a dieta senhora, ainda ho-
je lá se vé um brazão d'armas com folhas
de figueira, alludindo á pretendida façanha
de Guesto Ansur.
É pois oriundo de Vouzella o sr. arcebis-
po de Larissa, mas filho de Villa Real de
Traz os Montes, pelo que já fizemos menção
d'elle no tópico dos Villarialenses illusíres,
quando s. ex * era arcebispo de Mitylene^
provisor e vigário geral do patriarchado de
Lisboa, etc.
V. Vi7/a Real de Traz os Montes, vol.
pag. 1030, col. 1.»
Nasceu na freguezia de S. Pedro de Villa
Real, no dia 29 d'outubro de 1832,»— e fo-
ram seus paes Bernardino Felisardo de Car-
valho Rebello e D. Mathilde Carolina de Me-
nezes Girão Cardoso.
Foi sagrado arcebispo de Mitylene no se-
minário de Santarém pelo eminentíssimo
cardeal patriarcba de Lisboa, no dia 7 de
dezembro de 1884 e, como o titulo de arce-
bispo de Mitylene é propriedade dos vigários
geraes do patriarchado, quando s. ex.' foi
promovido a coadjutor e futuro successor
do bispo de Lamego, o romano pontífice o
nomeou arcebispo de Larissa.
— Ricardo Pinto de Mattos, escriptor pu-
blico.
Foi guarda-sala (oflacial menor) da biblio-
theca publica do Porto, excellente pessoa e
zeloso empregado, muito modesto, muito
intelligente e muito trabalhador.
Falleeeu no vigor da vida, approxímada-
mente era 1882, havendo escrípto e publi-
cado as obras seguintes:
1." — Manual bibliographico portuguez de
livros raros, clássicos e curiosos, revisto e
prefaciado por C. C. Branco. Porto {Livra-
ria Portuense, editora) í878—l^\o\. 8."
È um trabalho muito consciencioso e de
1 Tem de idade apenas mais 16 dias do
que eu, pois nasci em 14 de novembro, de
1832.
1 V. Corvaceira.
à042 VOU
VOU
bastante merecimento, que mereceu a hon-
ra de ser prefaciado pelo nosso primeiro ro-
mancista e laureado escriptor — Camillo
Castello Branco, hoje visconde de Correia
Botelho.
2.» — Memoria histórica e descriptiva da
Ordem Terceira de S. Francisco do Porto...
1880.— 1 vol. 8.» peq.
Z.*— Historia do nascimento, vida e mor-
te de S. João Baptista, precursor de Jesus
Christo, e de Santa Isabel sua mãe,— Porto
Í880—Í vol. 8." peq.
Se a morte o não roubasse tão cedo, se-
ria um fecundo escriptor.
Deixou mss. alguns apontamentos infor-
mes e propunha-se escrever e publicar tam-
bém ama monographia de Vouzella, sua
pátria
Falleceu solteiro e sem successão.
—O reverendo dr. Jod Maria de Lima e
Lemos, natural de Fataunços, freguezia
d'este concelho de Vouzella e distante da
Villa apenas 3 kilometros para E.^
Doutorou-se em cânones pela Universida-
de de Coimbra e ali foi lente de direito e
lente distinctissimo até 1834, data em que
os liberaes triumphantes extinguiram muito
inconvenientemente as ordens religiosas e
expulsaram da Universidade todos os lentes
considerados legitimistas.^
Nós o conhecemos perfeitamente e o vi-
mos e admirámos muitas vezes, porque ainda
vivia durante a nossa formatura (1851-1856)
1 V. Fataunços n'este diccionario e no
supplemento, onde ampliaremos considera-
velmente aquelle artigo.
2 O próprio visconde d'Almeida Garrett,
liberal insuspeito e que militou nas fileiras
do sr. D. Pedro IV, disse nas Viagens da mi-
nha terra:
«Nós extinguimos os frades^ mas creámos
os barões, que hão de dar cabo de nós! . . .
«Os frades, que eram patriotas na Irlan-
da, na Polónia e no Brazil, podiam e deviam
ser patriotas em Portugal lambem, se os re-
formassem e não os extinguissem.»
O pensamento é este, mas pode haver di-
fferença nas palavras, porque citamos de
memoria. Desculpem.
e morava em Coimbra no Cidral, pelo que
todos o conheciam e respeitavam como o
dr. José Maria do Cidral, formosa quinta
junto do Penedo da Saudade e do convento
das Theresinhas, onde era confessor e dire-
ctor espiritual.
No dicto convento, que os próprios estu-
dantes veneravam, nós ouvimos pregar o
venerando doutor na grande festividade que
ali aquellas tão penitentes como piedosíssi-
mas religiosas celebraram quando a nossa
egreja santa definiu e decretou como dogma
a Immaculada Conceição de Maria.
Foi longo, bastante longo, o sermão, e re-
cheado de textos em latim, mas todos os
fieis que entulhavam o templo, comprehen-
dendo grande numero de estudantes, entre
os quaes um dos mais novos e o mais hu-
milde e obscuro de todos — era o humilde
auctor d'estas linhas, — todos ficaram exta-
siados.
Nunca ouvimos sermão que tanto nos
commovessel
O venerando dr. parecia um apostolo
pregando— e como varão apostólico era tido
e considerado por todos.
Nasceu cm Fataunços, no anno de 1794, e
falleceu em dezembro de 1878 na casa da
egreja das Theresinhas, aos 84 annos de
idade.
O sr. bispo-conde de Coimbra lhe mandou
fazer exéquias solemnes na Sé d'aquella ci-
dade em janeiro de 1879 e jaz no cemitério
da freguezia de Santo Antonio dos Olivaes,
junto, da sepultura de D. Maria Osorio, mãe
do sr. Miguel Osorio, dono da quinta das
Lagrimas.
Foram muito pomposas as ditas exéquias
e n^ellas pregou o sr. D. Antonio Ayres de
Gouveia, bispo de Bethsaida, de quem já fi-
zemos mensão supra, então lente da Uni-
versidade e bispo eleito do Algarve, cujo
sermão foi primorosíssimo, já porque o sr.
D. Antonio é talvez o nosso primeiro orador
sacro,— j^ porque o auditório era muitissi-
vou
vou 2043
mo illustrado, quasi todo formado de lentes,
bacharéis e académicos, — já porque o sr. D.
Antonio foi amigo intimo do finado.
O dicto sermão, obra prima de eloquên-
cia, foi impresso com outros do mesmo ora-
dor na 2 * edição dos Ensaios do Púlpito e
d'elle vamos dar um leve extracto para de-
liciarmos os leitores e rendermos preito á
memoria do finado vouzellense.
«Um tumulo, um púlpito, uma cathedra,
os tres luminosos e eternos focos da eviden-
cia moral, resumem a nossos olhos agora os
pontos príncipaes da sua passagem na ter-
ra.. . O tumulo archiva a historia; a cathe-
dra representa a sciencia ; no púlpito cul-
mina a religião. E sciencia, religião, histo-
ria, compendiam o universo, o indefinito,
o immortal.
. . .tinha no todo o quer que era de inex-
primível, como temperado da suavidade do
anjo e da austeridade do propbeta com o
profundo convencimento do apostolo.
«Finge temer se o mestre padre, como se
o sacerdócio não fosse um altíssimo ensino
e o ensino um altíssimo sacerdócio.
•Ser mestre e serimmoral, que cegueira,
que horrori — ser sábio e ser vaidoso, que
infelicidade, que loucural
«A sciencia ó a lucta sem tréguas, renas-
cente e recrescente.
«Nenhum galardão equivale á satisfação
de cumprir o dever.
«A escola vale para a alma o que o berço
para a saúde e robustez do corpo.
•A sociedade será o que (a escola) fôr.
«Paes... todos o podem ser; mestres,
verdadeiros mestres, quantos o sabem ser?
O homem gera-o o pae; só o mestre forma o
cidadão.
«Á beira d'um tumulo congraça-seecho*
ra a humanidade.
«O perdão foi a sua defeza, a benção o
seu protesto.
«Quando a intensidade do sol nos cega,
parece-nos que, fechando os olhos, vemos
chispas brilhantes na profundidade das tre-
vas. E cremos isso realidade. Esquecemos
também que a sciencia, por muito que nos
dé, não nos pôde dar nunca a verdade in*
teira, e que as meias verdades podem ser
falsidades completas.
«A verdade, a continência, a temperança,
a humildade, o desapego dos bens caducos
e das glorias terrenas, a anciã da vida eter-
na^ tornavam-se tão amáveis na sua bocca
que o peccador, dilacerado de remorsos, não
sabia mais que anhelar. N'isto é que nós ou-
tros os pregadores devíamos pôr os olhos e
a vehemencia do desejo; em ganhar as al-
mas para o Summo Bem e não em captivar
admirações para a nossa estéril facúndia.
Façamo-nos mais missionários e vanglorie-
mo-nos menos de oradores . . . Mas desven-
turadamente acontece o contrario.
, «Nós calculamos as consequências da oc-
casião^ esquivamos as susceptibilidades dos
auditórios, subscrevemos ás exigências da
moda e, traidores da verdade, em vez de
reformai os, conformamo-nos, em fim, a to-
dos os caprichos do século. Elie não; elle,
seguindo o propbeta, clamava incessante
contra as devassidões e o luxo; atacava as
corrupções, minava as argucias. . . e corta-
va a direito. . . Não estava, como nós, a ar-
redondar graciosos períodos, a confeitar os
termos mais melifluos, e a amaneirar e a
comediar os ademanes... A elle afiQuiam-
Ihe naturalmente os mais condignos ao fim
que se propunha, que era remodelar e ho-
nestar os corações; e se a rhetorica lhe não
dava o tropo convencional, e se o dicciona-
rio não continha o vocábulo preciso Jnven-
tava-os, claros, frisantes, convincentes. O
que em nós outros é esforço e artificio, era
n'elle intuição, originalidade.
2044 VOU
VOU
«A palavra dos obreiros evangélicos para
ser proficua, deve encantar os ouvidos com
Si inspirada harmonia, illurainar as almas
com o amoroso fulgor das perfeições divi-
nas e abrazar os corações com as chammas
d'uma caridade sem trégua e sem limites. E
n'elle concentravam-se admiravelmente es-
tes predicados » •
tEra o verdadeiro missionário catholico
na significação mais ampla e correcta.
«Sóbrio e desaffectado ouviam -no os dou-
tos e subtis e os indoutos e simples, e ins-
truiam-se estes e não se enfadavam aquelles
e melhoravam-se lodos.
. «Austero só para comsigo e benigno para
com todos, era o prototypo inefifavel do sa-
cerdote christão.
«Acalmada a effervescencia das paixões,
vieram amigos e admiradores offerecer-Ihe
a vigairaria capitular da archidiocese d'Evo-
ra, em resarcimento do seu anterior deado
de Leiria; — recusou: ponderando- lhe depois
a commoda opportunidade de reascender ao
magistério universitário; — recusou: insi-
nuaram-lhe ainda a facilidade até a offerta
de empunhar ura báculo; — recusou. Recu-
sou tudo, recusou sempre.^
«E isto, não por intolerância, que uin>
guem mais tolerante, nem por haver tão
farto património... mas pela firmeza das
í Na sentida oração, recitada ao baixar à
sepultura o cadáver, disse o sr. dr. Augusto
Eduardo Nunes (então lente da Universida-
de também e hoje — 1889 — bispo de Perga,
coadjuctor e futuro successor do arcebispo
d'Evora): — «Mais de uma vez, depois de res-
tabelecidas as relações com a Santa Sé, lhe
foi offerecida a dignidade episcopal, e ainda
não ha muitos annos a de patriarcha de
Lisboa, que tem annexa a purpura cardina-
lícia. Recusou tudo, recusou sempre, — tal-
vez com excessiva humildade, mas com in-
contrastavel firmeza.?
Nota dos Entaios do Púlpito, pag. 326.
convicções, pelo respeito dos seus voluntá-
rios juramentos, e por uns finos escrúpulos
de probidade • .
«Com similhantes dotes, bem se alcança
como fructearia a sua palavra no púlpito.
Votado agora exclusivamente a este, coQsl-
derou-o em parle continuação da cathedra.
E quem n'esla apresentava a piedade incon-
laminada d'um santo, levou para alli as es-
plendidas manifestações d um sábio
O dr. J. M. Lima e Lemos era effectiva-
mente um sábio e um santo e recusou difTe-
rentes mitras, entre ellas a de Lamego.
Deus o tenha em bom logar e elle inter-
ceda por nós todos.
Fr. Bernardim de Maria Sanlissima
Fecharemos este tópico dos vouzellenses
illustres, dando interessantes noticias mídí-
tas de outro varão apostólico — Fr. Bernar-
dino de Maria Santíssima, varatojano, tam-
bém natural de Fataunços, irmão do men-
cionado dr. José Maria de Lima e Lemos.
Nós nunca tivemos a honra de o conhe-
cer, mas eonheceu-o muito de p^río o reve-
rendíssimo sr. D. Antonio da Trindade e
Vasconcellos Pereira de Mello, venerando
bispo de Lamego, natural de Santa Christi-
na de Figueiró (concelho de Amarante) e ali
residente, pois já conta 77 annos e está de-
crépito, pelo que pediu e lhe foi dado coadju-
tor e futuro successor, que está regendo a
diocese.!
O sr. D. Antonio da Trindade foi cruzio
e está decrépito, mas ainda conserva muito
lúcidas a memoria e todas as outras fa-
culdades intellectuaes, — e para comprazer-
nos enviou-nos os apontamentos seguintes,
que de bom grado publicamos, beijando-ihe
as mãos agradecido.
* É o reverendíssimo sr. D. João Rebello
Cardoso de Menezes, arcebispo de Larissa,
mencionado supra, quando fatiámos do il-
lustre vouzellense, seu tio, ^ José Cardoso
Pereira Pinto de Menezes.
vou
vou 2043
mo {Ilustrado, qnasi todo formado de lentes,
bacharéis e académicos^ — já porque o sr. D.
Aotonio foi amigo intimo do finado.
O diclo sermão, obra prima de eloquên-
cia, foi impresso com outros do mesmo ora-
dor na 2 ■ edição dos Ensaios do Púlpito e
d'elle vamos dar um leve extracto para de-
liciarmos os leitores e rendermos preito á
memoria do finado vouzellense.
«Um tumulo, um púlpito, uma catbedra,
os três luminosos e eternos focos da eviden-
cia moral, resumem a nossos olhos agora os
pontos principaes da sua passagem na ter-
ra.. . O tumulo archiva a historia; a catbe-
dra representa a sciencia ; no púlpito cul-
mina a religião. E sciencia, religião, histo-
ria, compendiam o universo, o indefinito,
o immortal.
. . .tinha no todo o quer que era de inex-
primível, como temperado da suavidade do
anjo e da austeridade do propheta com o
profundo convencimento do apostolo.
«Finge temer se o mestre padre, como se
o sacerdócio não fosse um altíssimo ensino
e o ensino um altíssimo sacerdócio.
«Ser mestre e ser immoral, que cegueira,
que borrorl — ser sabío e ser vaidoso, que
infelicidade, que loucural
«A sciencia é a lucta sem tréguas, renas-
cente e recrescente.
•Nenhum galardão equivale á satisfação
de cumprir o dever.
« A escola vale para a alma o que o berço
para a saúde e robustez do corpo.
«A sociedade será o que (a escola) fôr.
«Paes... todos o podem ser; mestres,
verdadeiros mestres, quantos o sabem ser?
O homem gera-o o pae; só o mestre forma o
cidadão.
«Á beira d'um tumulo congraça-se e cho-
ra a humanidade.
«O perdão foi a sua defeza, a benção o
seu protesto.
«Quando a intensidade do sol nos cega,
parece-nos que, fechando os olhos, vemos
chispas brilhantes na profundidade das tre-
vas. E cremos isso realidade. Esquecemos
também que a sciencia, por muito que nos
dé, não nos pôde dar nunca a verdade in*
teira, e que as meias verdades podem ser
falsidades completas.
«A verdade, a continência, a temperança,
a humildade, o desapego dos bens caducos
e das glorias terrenas, a anciã da vida eter-
na^ tornavam-se tão amáveis na sua bocca
que o peccador, dilacerado de remorsos, não
sabia mais que anhelar. N'isto é que nós ou-
tros os pregadores devíamos pôr os olhos e
a vehemencía do desejo; em ganhar as al-
mas para o Summo Bem e não em captivar
admirações para a nossa estéril facúndia.
Façamo-nos mais missionários e \anglorie-
mo-nos menos de oradores... Mas desven-
turadamente acontece o contrario.
, «Nós calculamos as consequências da oc-
casiãOj esquivamos as susceptibilidades dos
auditórios, subscrevemos ás exigências da
moda e, traidores da verdade, em vez de
reformai os, conformamo-nos, em fim, a to-
dos os caprichos do século. Elie não; elle,
seguindo o propheta, clamava incessante
contra as devassidões e o luxo; atacava as
corrupções, minava as argucias... e corta-
va a direito. . . Não estava, como nós, a ar-
redondar graciosos períodos, a confeitar os
termos mais melifluos, e a amaneirar e a
comediar os ademanes... A elle affluiam-
Ihe naturalmente os mais condignos ao fim
que se propunha, que era remodelar e ho-
nestar 08 corações; e se a rhetorica lhe não
dava o tropo convencional, e se o dicciona-
rio não continha o vocábulo preciso, inven-
tava-os, claros, frísantes, convincentes. O
que em nós outros é esforço e artificio, era
n'elle intuição, originalidade.
2044 VOU
«A palavra dos obreiros evangélicos para
ser proficua, deve encantar os ouvidos com
jSí inspirada liarmonia, illunainar as almas
com o amoroso fulgor das perfeições divi-
nas e abrazar os corações com as chammas
d'uma caridade sem trégua e sem limites. E
n'elle concentravam-se admiravelmente es-
tes predicados • • • » •
«Era o verdadeiro missionário catholico
na significação mais ampla e correcta.
«Sóbrio e desaffeclado ouviam -no os dou-
tos e subtis e os indoutos e simples, e ins-
truiam-se estes e não se enfadavam aquelles
e melhoravam-se lodos.
. «Austero só para comsigo e benigno para
com todos, era o prototypo ineffavel do sa-
cerdote christão.
«Acalmada a eíTervesceneia das paixões,
vieram amigos e admiradores offerecer-lhe
a vigairaria capitular da archidiocese d'Evo-
ra, em resarcimento do seu anterior deado
de Leiria; — recusou: ponderando- lhe depois
a commoda opportunidade de reasceader ao
magistério universitário; — recusou: insi-
nuaram-lhe ainda a facilidade até a ofíerta
de empunhar um báculo; — recusou. Recu-
sou tudo, recusou sempre.^
«E isto, não por intolerância, que nin-
guém mais tolerante, nem por haver tão
farto património... mas pela firmeza das
1 Na sentida oração, recitada ao baixar á
sepultura o cadáver, disse o sr. dr. Augusto
Eduardo Nunes (então lente da Universida-
de também e hoje — 1889 — bispo de Perga,
coadjuctor e futuro suceessor do arcebispo
d'Evora): — «Mais de uma vez, depois de res-
tabelecidas as relações com a Santa Sé, lhe
foi offerecida a dignidade episcopal, e ainda
não ha muitos annos a de patriarcha de
Lisboa, que tem annexa a purpura cardina-
lícia. Recusou tudo, recusou sempre, — tal-
vez com excessiva humildade, mas com in-
contrastavel firmeía.»
Nota dos Ensaios do Púlpito, pag. 326.
VOU
convicções, pelo respeito dos seus voluntá-
rios juramentos, e por uns finos escrúpulos
de probidade
«Com similhantes dotes, bem se alcança
como fructearia a sua palavra no púlpito.
Votado agora exclusivamente a este, consi-
derou-o em parte continuação da calhedra.
E quem n'esta apresentava a piedade incon-
tarainada d'um santo, levou para alli as es-
plendidas maoifeíítações d um sábio
O dr. J. M. Lima e Lemos era eífectiva-
mente um sábio e um santo e recusou diffe-
rentes mitras, entre ellas a de Lamego.
I Deus o tenha em bom logar e elle inter-
I ceda por nós todos.
Fr. Bernardino de Maria Santissima
Fecharemos este tópico dos vouzelleúsés
illustres, dando interessantes noticias iHedi-
ías de outro varão apostólico — Fr. Berfiár-
dino de Maria Santíssima, varatojano, tam-
bém natural de Fataunços, irmão do men-
cionado dr. José Maria de Lima e Lemos.
Nós nunca tivemos a honra de o conhe-
cer, mas conheceu- o muito de perto o reve-
rendíssimo sr. D. Antonio da Trindade e
Vasconcellos Pereira de Mello, venerando
bispo de Lamego, natural de Santa Christi-
na de Figueiró (concelho de Amarante) e ali
residente, pois já conta 77 annos e está de-
crépito, pelo que pediu e lhe foi dado coadju-
tor e futuro suceessor, que está regendo a
diocese.!
O sr. D. Antonio da Trindade foi cruzio
e está decrépito, mas ainda conserva muito
lúcidas a memoria e todas as outras fa-
culdades intellectuaes, — e para comprazer-
nos enviou-nos os apontamentos seguintes,
que de bom grado publicamos, beijando-lhe
as mãos agradecido.
1 É o reverendíssimo sr. D. João Rebello
Cardoso de Menezes, arcebispo de Larissa,
mencionado supra, quando falíamos do il-
lustre vouzellense, seu tio, — José Cardoso
Pereira Pinto de Menezes.
vou
vou 2045
«Quer V. qae eu lhe diga o que souber
das qualidades e virtudes dos dois irmãos e
insignes varões — Fr. Bernardino áe Maria
Santissima e dr. José Maria de Lima Le-
mos.
Principiarei por dizer que, segundo me
consta, ambos elles nasceram de uma famí-
lia nobre e abastada de fortuna, residente
na freguezia de Fataunços, família exemplar
de costumes, geralmente respeitada e que
era o refugio e amparo dos pobres.
De Fr. Bernardino fallà a opinião publica,
e eu só direi o que ei!e em longas conver-
sas me contou em horas vagas quando am-
bos nós residíamos —elle temporária e in-
terpoladamente e eu permanentemente, na
qualidade de secretario do eminentíssimo
sr. cardeal palriarcha D. Guilherme, de sau-
dosa recordação, — do palácio patríarchal de
S. Vicente de Fora, em Lisboa.
Dizia-me— que, depois da formatura em
cânones, se via tão aborrecido do mundo e
com tanto receio de não obter a salvação,
que resolveu entrar e professar em alguma
congregação religiosa; que estava resolvido
a professar na congregação dos cónegos re-
gulares de Santa Cruz de Coimbra, cujo in-
stituto preferia peio recolhimento e clauzu-
ra em que viviam os cónegos, e actividade e
caridade com que exerciam a predica e o
confessionário; que por essa occasião appa-
reeeram em Fataunços, em missão apostoli*
ca, uns religiosos do Varatojo;— que foi ou-
vir a predica e se convenceu da santidade e
virtude dos missionários; — que pediu a um
d'elles para celebrar uma missa segundo a
sua intenção (para que Deus p inspirasse na
escolha da ordem religiosa, em que devia
entrar) ; — que dieta a missa, offereceu ao
celebrante uma moeda de 480 réis,^ mas
que elle se recusou, dizendo ser-lhe prohi-
bido pelo seu instituto acceitar ou possuir
dinheiro.
1 Waquelle tempo e n'aqnelle sertão 480
réis correspondiam á esmola actual de líOOO
ou 1^500 réis no Porto ou em Lisboa.
P. A. Ferreira.
VOLUME XI
«Esta resposta echoou na alma do dr.
Bernardino.
Quem não quer dinheiro nada quer do
mundo (reflectiu elle): — o mundo incommo-
da-me— vou fugir do mundo. E seguiu com
os missionários para o Varatojo.
Fr. Bernardino, a par da muita peniten-
cia, da assídua predica nas missões e do tra-
balho permanente no confessionário, era
muito jovial na conversação, sem deslisar
da gravidade e pureza de costumes; fallava
com muita graça; amoldava-se ás circums-
tancias dos ouvintes; ria para rirem e, quan*
do se referia a casos históricos, excitava dôr
ou prazer, alegria ou tristeza, como o caso
requeria.
Foi guardião do Varatojo; percorreu gran-
de parte do nosso paiz em missão aos povos
e adquiriu tal nome como confessor, que era
procurado por penitentes muito distantes,
para tranquillisarem as suas consciências. Ia
repetidas vezes a Lisboa, convidado pelas
pessoas mais piedosas entre a alta nobreza,
para com elle fazerem confissões geraes— e
foi um laborioso operário na vinha do Se-
nhor.
•Durante o governo do sr. D. Miguel foi
nomeado reformador de toda a ordem fran-
ciscana em Portugal. Pediu para ser alivia-
do d'esta commissão e, sendo instado pelo
sr. D. Miguel para que a acceitasse, disse-
Ihe que não tinha forças para vencer as dif«
Acuidades que previa.
O sr. D. Miguel respondeu que contase
com elle, pois de bom grado o auxiliaria
em tudo.
Por seu turno respondeu Fr. Bernardino:
— que a maior difficuldade seria o próprio
sr. D. Miguel.
Mostrou-se o rei admirado e repetiu:-—
Confiae em mim.
Beijou-lhe a mão e partiu logo para Alem-
quer. No convento die S. Francisco encon-
trou um frade de péssimos costumes, ao
qual prohibiu sair do convento.
Passados dias recebeu Fr. Bernardino um
mandado do tribunal da consciência e or-
dens, no qual se lhe dizia que nada tinha a
139
2046 VOU
VOU
ver, ordenar ou entender com Fr. F. (o tal
díscolo) conventual de Alemquer.
Partiu immediatamente para Lisboa; apre-
sentpu-se ao sr. D. Miguel e fallou-lhe n'es-
tes termos:
—Bem dizia eu que a primeira diffleul- |
dade e o maior embaraço para o bom êxito
da minha missão seria V. M.
—Como assim?— respondeu o sr. D. Mi-
guel.
—Como V. M. vae ver d'este papel seu:
— «Manda S. M. pela mesa da consciência e
ordens. . . •
Portanto é V. M. quem impede o meu ser-
viço I . . .
O sr. D. Miguel mandou que regressasse
a Alemquer é esperasse ali as regias or-
dens.
Com effeilo, pouco depois de chegar ali,
recebeu a copia de um alvará, dizendo à
mesa e tribunal da eonseieneia e ordens —
que lhe prohibia e cassava toda a auclori-
dade sobre as resoluções, mandados e pro-
videncias de Fr. Bernardino, — resoluções,
mandados e providencias que o mesmo tri-
bunal devia acatar e fazer cumprir, etc. etc.
As?im o ouvi ao próprio Fr. Bernardino;
o qual aecreseenlou que depois d'este acon-
tecimento, progredira na reforma e chegara
a ter fundada esperança de que elia, passa-
do algum tempo^ seria completa nos fran-
ciscanos d'arabos os sexos, que na maior
parte professavam, sem saberem o que pro-
fessavam.
«Extinctas as ordens religiosas em 1834,
recolheu Fr. Bernardino a Lisboa, residindo
habitualmente na casa da piedosa condessa
da Ribeira, cuja familia era um exemplar
de virtude?,— e ali continuou a sua vida pe-
nitente e apostólica, especialmente no con-
fessionário e direcção das almas piedosas.
A oceasião que eu tive para muito de
perto tractar com elle, foi a seguinte: — Em
certo convento de religiosas havia uma ir-
requieta, que perturbava a communidade.
Tinha externamente muitas relações; intri-
gava as preladas— e chegou a accusal-as de
furto de objectos, os qnaes tinham baixa no
inventario, por terem sido vendidos com
auctoridade superior para reparar os estra-
gos que o terremoto de 1755 havia causado
no edifício — muitos annos antes da dieta
freira e preladas terem nascido.
Na qualidade de juiz da relação ecclesias-
I tica de Lisboa, foi quem escreve estas linhas
encarregado de proceder ao exame da accu-
«ação referida e d'outras do mesmo jaez —
e, em vista das provas, a dieta freira, que
desmedidamente ambicionava a prelasia, na-
da conseguiu por essa vez, mas não desistiu
do intento.
Lembrando-se d'e explorar o nome e vir-
tudes da sr.» condessa da Ribeira, fez-lhe
saber— que era uma victima perseguida e
opprimida por toda a communidade;— que
tinha esgotado os meios de afugentar tanta
oppressào e que a sua alma estava em pe-
rigo, por lhe faltar a paciência e resignação
para saffrer tantas perseguições, etc.
A piedosa senhora, condoída, encarregou
Fr. Bernardino de em nome d'ella se diri»
gir ao patriarcha e informal-o do exposto.
O prelado, que estava já bem informado
de tudo, convidou Fr. Bernardino para re-
sidir no palácio patriarchal e d'ali com al-
guns familiares proceder a demorada visita
no dicto convento, organisando um relatório
da visita e propondo as medidas que jul-
gasse mais opportunas para o socego e or-
dem do dicto convento, no qual existiam
então duas communidades de instituto di-
verso.
Fr. Bernardino acceitou e no fim d'algu-
mas semanas apresentou o seu relatqrio,
concluindo que nenhuma outra providencia
julgava m%Í8 opportuna de que a já adopta-
da em consequência da 1.» visita.
Quem escreve estas linhas não o acom-
panhou ao convento, mas durante aquella
espinhosa missão conviveu com elle no pa-
lácio patriarchal e teve oceasião de admirar
a sua virtude e o seu génio expansivo, jo-
vial e alegre.
Morreu em Lisboa, pranteado por todas
as pessoas que tiveram a dieta de o conhe-
cer.
«O dr. José Maria de Lima e Lemos, ir-
mão de Fr. Bernardino, doutorou-se em ca-
vou
nones aproximadamente em 1819; foi ho*
mem de muita instrucçao e acrisolada fé.
Depois de 1834, oao sendo reconduzido ao
magistério universitário, unido a outros dou-
tores fundou em Lisboa um coUegio, que to-
mou o nome de CoUegio do dr. Cicouro, on-
de estudaram preparatórios muitos dos ho-
mens que teem Qgurado e figuram nos tri-
bnoaes superiores e na politica.
Demorou se no coUegio poucos annos e
regressou a Coimbra, onde viveu na quinta
do Cidral, dirigindo espiritualmente as re-
ligiosas de Santa Thereza e muitas pessoas
que o procuravam, incluindo alguns estu-
dantes.
Nas estações superiores foi lembrado pa-
ra bispo de Lamego e, resolvida a nomeação,
foi encarregado o bispo de Leiria, depois
cardeal palriarcha de Lisboa, de saber do
mesmo dr. se acceitava a mitra
Com effeito o dicto purpurado, juntando
á noticia o rogo e pedido da acceitação no
beneficio da egreja e gloria de Deus; obteve
resposta aíBrmativa do agraciado, pedindo
porém instantemente que o dispensassem,
porque se julgava de todo impotente para o
bom desempenho de tão alta como árdua
missão.
Moâtrou-se o governo muito satisfeito, mas
ave de mau agouro bateu as azas; — inter-
veiu a politica; — o governo reconsiderou e
fez saber ao dr. Lima e Lemos que por cer-
tas circumstancias não podia dar-lhe a mi-
tra de Lamego, mas que de bom grado lhe
daria qualquer outra.
Respondeu o dr. Lima e Lemos:— que fi-
cava muito contente com o desenlace da
questão e apenas sentia que o governo tra-
tasse de modo tão leviano negócios tão gra-
ves.i
VOU
2047
» o núncio magoou-se e, vendo que a re-
cusa do governo provinha unicamente de ter
a família do dr. Lima e Lemos occupado rol
importante no partido reahsta, partido que
fim Lamego praticou muitos excessos e era
bastante odiado, propoz para bispo d'aquel-
la diocese o deão de Lamego — dr. José de
Moura Coutinho— lâmbem muito illustrado,
«Consta me que os dois supra menciona*
dos tinham um irmão mais velho— /)omin-
gos Libório, — que fôra um palriarcha, re-
conhecido por todos, — e conheci na Uni-
versidade um sobrinho d'elles, por nome
José Maria de Lemos Almeida Valente que,
segundo me consta, casou em Avanca, está
viuvo e com sujcessão— e tem sido ulti-
mamente Juiz de Direito na comarca de
Oliveira d'Azemeis.
E aqui tem v. o que posso informar
de memoria e ao correr da penna
S. C. 8-5-89.
A. Bispo de Lamego.»
Outra vez beijo agradecido o annel do
ex."" e rev.""» sr. D. Antonio, venerando
ancião ;e decano actual dos bispos portu-
guezes.
Bacharéis formados filhos doeste concelho
Para evitar melindres, seguiremos a or-
dem aiphabetiea n'este complemento ao to-
muito virtuoso e muito conhecido, muito
estimado e muito considerado n'aquella ci-
dade.
O governo acceitou e rapidamente lhe
participou a nomeação.
Estava o sr. Moura Coutinho na sua no-
bre casa do Telhô em Celorico de Basto,
quando recebeu o officio. Ficou atlonito;
mo8trou-o ao irmão D. Francisco de Moura
Coutinho, também homem muito illustrado
e que havia sido geral dos Bentos. Este lo-
go o felicitou, mas o sr. D. José, estando
completamente desprevenido e constando-lhe
haver sido nomeado o dr. José Maria de Li-
ma e Lemos, julgou haver, equivoco. Não
respondeu e pediu ao irmão que guardas-
se segredo, para não o expôr a desaire;
passados porem alguns dias, recebeu 2.» of-
ficio nos termos do 1.* e só então se con-
venceu de que era elle o agraciado?!...
V. Telhô, vol. 9.» pag. 530, eol. l.« — e
Lamego n'est6 diccionario e no supple-
mento.
P. A. Ferreira.
2048 VOU
VOU
pico dos Vouzellenses illustres, mencioDan-
do todos 03 bacharéis formados fílhus d'eâte
coDcelho de Vouzella, no momento:
— Alberto Antonio de Moraes Carvalho, So-
brinho, medico em Lisboa;
— Antonio Maria Alcoforado, bacharel
formado em direito e conservador da co-
marca;
— Ayres de Sousa Mello Meneses e Castro,
de FatauDÇos, bacharel formado em direito
e advogado.
— Emilio Augusto Ribeiro de Castro, de
Cercosa de Campia, bacharel formado em
direito e advogado também.
— Gil Antonio da Silva, de Vouzella, ba-
charel formado em direito e também advo»'
gado.
— João Rodrigues, natural da povoação
de Bandavizes, freguezia de Fataunços, ba-
charel formado em. . . e prior de uma das
freguezias de Lisboa.
— Joíé Maria Plácido, de Paços de Vilha-
rigues, bacharel formado em direito e pro-
prietário.
— José Simões Candido, da freguezia de
Alcofra, bacharel formado em direito e advo-
gado.
Sanches de Baena, commendadores
de Santa Maria de Vouzella
Doesta nobre familia já disse bastante a
Chorog. Port. tomo 2.» pag. 208 e segg. mas
d'ella se encontra mais detida e conscien-
ciosa menção na Resenha das Famílias titu-
lares e grandes de Portugal, pelo fallecido
commendador Albano da Silveira Pinto e
continuada pelo sr. visconde de Sanches de
Baêna, — tit. Conde de Oliveira dos Arcos, —
e na Pericope genealógica da familia Sanches
de Baêna, — Lisboa, 1887.
Aqui de passagem diremos que esta no-
bre familia é hoje muito dignamente repre-
sentada pelo sr. D. Augusto Romano San-
ches de Baena e Farinha, 1.* visconde de
Sanches de Baena, distincto escriptor publi-
co, herdeiro do titulo de marquez^ conferi-
do em Roma a seu 3.* avô, e do titulo de
conde de Villa Flor em Hespanha, Moço Fi-
dalgo cora exercido; cavalleiro da Ordem
de Malta, em Roma, commendador da de
Santo Sepulchro e da de S. Gregorio Ma»
gno, Odalgo de cota d'armas, etc, etc, etc.
casado e com suecessão, residente em.Bem-
ãca, junto de Lisboa, mas natural de Vaí-
rão, freguezia do concelho da Villa do
Conde.
V. Vairão n'este diccionario e no supple-
mento.
O sr. visconde de Sanches de Baêna é
um cavalheiro muito tractavel e muito il-
lustrado, sócio da Academia Real das Scien-
cias de Lisboa e do Instituto de Coimbra,
etc. — aucior dos Factos históricos da com-
missão central í." de dezembro de 1640, — das
Memorias de Tolentino, — do Archivo Herál-
dico e Genealógico, — das Memorias dos Du-
ques do sec. XIX, — coniiouador da citada Re-
senha das Familics titulares, etc, etc.
Terminaremos dizendo que a commenda
de Santa Maria de Vouzella foi dada em
1640 a ura seu S.» avô, filho do dr. e de-
zembargador do paço João Sanches de Baê-
na, pelos relevantes serviços que este pres-
tou à restauração de Portugal, — e conser-
vou-se a dieta commenda n'esta familia cer-
ca de 140 annos,— desde 1640 até 1780.
Um dos dictos commendadores mais no-
táveis foi D. Luiz Francisco d'Assiz Sanches
de Baéna, poetá que viveu em Madrid, Itá-
lia e Chipre.
È auetor das Poesias varias, escriptas em
portuguez e publicadas em Madrid no anno
de 1770.
A vida d'este commendador e poeta foi
muito accidentada e dava assumpto para
um romance.
Mosaico
—Em U55 o abbade de Pedroso doou aos
seus monges varias terras em Lafões, Cam-
bra e Vouga para vestiário, conduturia^ in-
firmaria esanguilexia (sangrias).
V. Tojaly vol. 9.» pag. 587, col.
— É muito notável o gado bovino da co-
marca de Vouzella.
V. Lafões e Viseu, tomo 11.* pag. 1761,
col. 2.»
— A associação dos bombeiros voluntários
vou 2049
VOU
de Vouzella ioauguroa-se pomposamente no
dia 4 de julho de 1885. Foi seu 1.* comman-
dante o dr. José Bento da Rocha e Mello,
tendo por immediato (3.* commandante)
Gil Ribeiro d'Almeida.
A bomba foi feita no Porto pelo hábil
artista Moreira Couto.
— A estação lelegraphica de Vouzella inau-
gurou-se oo dia 28 de janeiro de 1887.
— Por decreto de 3 do fevereiro de 1882
foi approvado o projecto de uma cadeia pe-
nitenciaria comarca em Vouzella, mas até
hoje (1889) ainda lhe não deram principio.
— No concelho de Vouzella ha jazigos de
estanho, ferro e plombagina, mas todos em
completo despreso.
Nunca foram explorados nem pesquisa-
dos.
— A villa de Vouzella ainda conserva o
seu antigo pelourinho.
—As freguezias limiirophes de Vouzella,
cujos sinos se ouvem na villa, são: — Paços
de Vilharigues, Ventosa e Fataunçós, todas
a 3 kii. de distancia de Vouzella, — e Serra-
263 alem Vouga, a S kil. mas tem uma po-
voação— a de Ferreiros — na m. d. do Vou-
ga, distante de Vouzella pouco mais de
1 kil.
— A comarca de Vouzella comprehende 6
julgados. Campia, Oliveira de Frades, Santa
Cruz, S. Pedro do Sul, Sul e Vouzella.»
•—Em 1639 o bispo de Viseu D. Diniz de
Mello e Castro instituiu um legado para que
todos os annos a Misericórdia de Viseu des-
se ás Misericórdias de Pinhel, Trancoso e
VoMZc//a 15:000 réis— e ás de Aguiar da
Beira, Penalva e Algodres 8:000 réis.
— Desde julho de 1887 publica-se em Vou-
zella um jornal politico e noticioso, intitu-
lado Aurora do Vouga.
1 N'e8te momento (maio de 1889) foi ele-
vado à cathegoria de julgado municipal o
de S. Pedro do Sul, com grave prejuiso da
comarca e villa de Vouzellál . . .
É bem escripto, — semanal — e o 1* que
viu a luz em terras de Lafões.
— O hospital da Misericórdia de Vouzella
foi principiado em 184:6, por iniciativa dos
beneméritos cidadãos Gil Alcoforado d' Aze-
vedo Pinto Figueira, da nobre quinta da
Sarnada, e Domingos Teixeira d'Assis, da
villa de Vouzella, — e foi inaugurado^ rece-
bendo os primeiros doentes, no dia 29 de
junho de 1848. Referimo-nos ao hospital
novo.
— O cemitério de Vouzella foi construído
era 1867 e alargado em 1888.
—A Capella do eastello de Vilharigues
teve antigamente a invocação de Santo Ama-
ro e hoje tem a de Nossa Senhora da Con»
ceição.
— O movimento parochial da freguezia de
Vouzella no anno de 1888 foi o seguinte:
Baptisados 33
Óbitos 25
Casamentos 4
—Os melhores edifícios públicos de Vou-
zella actualmente são a egreja matriz, a ca-
sa da camará, o tribunal Judicial e o hos-
pital da Misericórdia.
—Os 3 melhores edifícios particulares da
villa são: — a casa que foi do commendador
João Correia d'01iveira, hoje da viuva; a
casa de Manoel Coutinho Júnior (das ameias)
e a de Manoel Telles Loureiro Cardoso d' Al-
meida Castello Branco. Fóra da villa, mas
' na freguezia de Vouzella, os 3 melhores edi-
fícios são as casas nobres das quintas de
Lamas, Sermda e Caritel.
—As melhores quintas da freguezia de
Vouzella são as da Cavallaria, da Ponte, La-
mas, Sernada, Caritel,* Valgode e Avelai.
— Na parte restante do concelho de Vou-
zella as 3 melhores quintas na actualidade
são as seguintes: — Prazins e Villa Nova
1 O nome quinta de Caritel talvez queira
dizer quinta do Meirinho.
Veja-se o art. Voz, infra.
2050 VOU
VOZ
na freguezia de Ventosa, — e Asneiros na
de Fataunços.
—A feira de Vouzella data do reinado de
D. Diniz (1279-1325) segundo se lé na Me-
moria sobre a população e a agricultura
de Portugal por L. A. Rebello da Silva,
pag. 115.
—Com relação ás herdades ou quintas
que na idade media se denominavam cavai-
lerias, veja-se a dieta Memoria, pag. 76 e
81.
—A pedido do sr. D. Antonio Ayres de
Gouveia, bispo de Bethsaido, entrou em dis-
cussão e foi approvado na camará dos pa-
res, em sessão de 2 de maio de 1884, o pro-
jecto da estrada districlal n'J> 34, de Viseu a
Oliveira do Bairro por Vouzella e Agueda.
Deram-lhe principio ha muito, mas ainda
está longe da sua conclusão a dieta estrada.
—O capital da Misericórdia de Vouzella
em dinheiro mutuado e bens de raiz pôde
avâliar-se em 16 contos; deve porem subir
consideravelmente esta somma, logo que se
liquide a herança do benemérito filho de
Vouzella e que muitos annos foi negociante
no Porto — José Ribeiro Cardoso, — pois ins-
tituiu por universal herdeira a citada Mise-
ricórdia, como ji dissemos.
— S. Fr. Gil foicaaonisadoem 1749. Acha-
va-se então em Vouzella o bispo de Viseu
D. Julio Francisco de Oliveira, que andava
em visita no seu bispado e, lendo de feste-
jar a dieta canonisação, a camará, a nobre-
za e o povo de Vouzella muito instantemen-
te lhe pediram que a festejasse n'aquella
Villa, mas eile não annuíu e foi festejal-a na
Sé de Viseu no dia 14 de maio do dicto
anno.
O bispo D. Julio gostava muito de festas
pomposas com todo o rigor do ceremonial e
por isso talver. não quizesse festejar a dieta
canonisação em Vouzella, posto que a matriz
è um bom templo, mas muito inferior á Sé
de Viseu, onde tinha o seu numeroso ca-
bido, boa musica, bello órgão, 3 coramuni-
dades religiosas, etc, ete.
Foi o prelado visiense que mais despen-
deu com festas de toda a ordem.
V. Viseu n'este diecionario e no supple-
meoto, onde daremos a longa e muito inte-
ressante biographia do bispo D. Julio Fran-
cisco d'01iveira — e a não menos longa nem
menos interessante do cardeal D. Miguel da
Silva.
Commendador Cidade
Terminaremos registrando um facto im-
portante:
No dia 15 de janeiro de 1883 falleceuem
Guimarães Christovam José Fernandes da
Silva, negociante e capitalista, também co-
nhecido por Commendador Cidade, oriundo
d'este concelho de Vouzella, pois era neto
de José Fernandes Lopes e Maria Nunes, da
freguezia de Campia..
Falleceu já decrépito, solteiro e sem tes-
tamento nem successão, mas, como deixas-
se uma fortuna talvez superior a 200 contos
de réis, fructo de muito trabalho e de mui-
ta sordidez, habilitaram se como herdeiros
vários parentes e estranhos; seguiram- se
muitas demandas e, depois de bastante de*
lapidada a herança, foi herdeiro principal
um parente— José de Mattos, da aldeia de
Sabrosa, freguezia da Trapa, concelho de S.
Pedro do Sul, camarca de Vouzella.
Sat prata biberunt
Ficou bastante longo este artigo e deu -nos
muito trabalho, mas deve ter lapsos, por
não conhecermos bem a localidade.
Desculpem.
VOYAGEM,— port. ant.—viagera.
VOZ.— Nos documentos antigos este vo-
cábulo empregou-se em diíTerentes acce-
pçòes Significou, p. ex. caritel,mi accepção
de aqui d*el rei.
V. Caritel e note-se que este vocábulo si-
gnificava não só o grito de aqui tTel rei,
mas o delicto a que essa voz se referia e a
querella ou processo correspondente, bem
como o meirinho ou oíQcial da vara que em
rasão do seu cargo devia proceder ou inter-
vir na pendência. D'aqui (suppomos nós)
provem o nome de Caritel, dado a uma po-
voação da freguezia de Mansores e a uma
quinta da parochia de Vouzella, como quem
diz— povoação e quinta do Meirinho.
VRE
VYU 2051
V. Caritel no Elucidário.
Voz também signiScou appellação para
as ÍDstancías superiores, — e commissão ou
procuração dada pelo delinquente ao seu
advogado ou procurador,— e nos prasos an-
tigos a palavra voz corresponde a pessoa ou
pessoas, vida ou vidas.
E as vozes, que depôs vos veerem, vos
dêem, e paguem tanto. . .
Também signiQcava a sentença, julgado
ou accordam.
E a quem foi dada a voz, cem maravi-
diz lhe preitem; e este nosso preito perma-
nesca em sa fortalheza para sempre.
Doe. de Lamego de 1298. j
Finalmente nos Pareceres de Çaragoça
se diz que ultimamente se achara por es-
cripluras authentieas que por voz e coima
se entendera os direitos seguintes:— Mordo-
mado, e Portagem, e Tafolaria, pelos quaes
se ha e deve levar todo o Direito, e Trebuío,
que se pelo dito nome Vos, e Coima em qual-
quer lugar, e em qualquer maneira levas-
se...
Doe. da Torre do Tombo.
VOZEIRO, — portuguez antigo: — o que
tem as vozes e vezes do seu constituinte,
como procurador ou solicitador e advo-
gado.
Se alguum Vozeiro se composer com o
Mordomo, que Ihy dê ende algua cousa, se
provado for per enquisa que tal he; compo-
nha^ segundo a quantidade de Coimha, que
demandar: e se non ouver, que peyte, en o
corpo seia atormentado. . . Defendemos a to-
dos aquelles, que fazem Yozeiros falsos, e
non han torto (por taes certamente toda a
terra he perduda).
Foral deThomar de 1174, traduzido em
portuguez nos principios do sec. xiv.
O mesmo se determina no foral de Ourem
de 1180, por estas palavras: — Siguis Voza-
rius se cum Maiordomo composuerit. . .
«Se algum vozeiro se composer com o
mordomo. . .»
Livro dos Foraes Velhos.
VRÉA-V. Verêa.
Também se denomina Verêa ou Vereia
ama cidade da Rússia nas cercanias de Mos- |
cow. I
Nos Apontamentos para a historia da Le-
gião Portugueza. . . publicados em 1863 por
ordem do nosso governo, se lô a pag. 67 o
seguinte:
«Ás duas horas da tarde do dia 22 de ou-
tubro (1812) recebeu-se ordem de evacuar
a cidade (Moscow) pelas 11 horas da noite,
fãzendo-se alto a duas léguas; às duas da
madrugada vimos ainda o incêndio, que de-
via destruir o Krenlim e outros edifícios,
e .sentimos o estrondo das explosões. . . Ao
amanhecer... houve deseanço até ao meio
dia, por se haver flcado toda a noite debai-
xo das armas; às onze horas os postos avan-
çados deram signal do inimigo; o marquez
de Loulé marchou para a frente com dois
esquadrões...; poz-se o marechal (Mar-
thier) em apressada marcha sobra a estrada
de Vereia a Malo laroslavetz, que corre pa-
rallela e pelo sul de Mojaisk.
«Em Vereia, depois de pequena conferen-
cia entre o marechal e Napoleão, saiu este
da cidade com os ccfrpos já postos em mo-
vimento...»
Narrativa do tenente portuguez Theotonio
Banha^ que fez parte d'aquellã expedição
desastrosa.
VULGATA.— Assim se denominava ou-
tr'ora um rio Junto de Braga, que servia de
demarcação ao seu termo e parece que dis-
tava pouco do rio Deste.
Vem nomeado na doação e descripção do
termo de Braga, feita por ordem d'el-rei D.
Aífonso Casto.
VDLTURINOS.— Assim se denominavam
no sec. X uns povos das margens do Lima,
povos que D. Ordonho II de Leão pelos ao-
nos de 913 deu à só de Lugo.
Os dictos povos constituem hoje as fregue-
zias de Victorino das Donas e Victorino dos
Piães, ambas pertencentes ao concelho de
PoDte do Lima e das quaes jà se fallou.
V. Memorias d' Argole, vol. 3.» pag. 467 e
468,— e n'este diccionario o tomo IO.» pag.
647, eol. 2.*— e 6i8, col. 2.» também.
VYOVIDADE— portuguez antigo, viuvez,
estado de viuva.
Boas obras que delle recebeo em sua vyu-
vidade.
Doe. do Salvador de Coimbra, de 1480.
2052
X
X — lettra numeral. Sempre valen iO — e
com uma lioba atravessada superiormente
valia 10:000.
Com ura til, ou plica, entre as pontas, e
outras figuras, valia 40.
Na antiga musica era signal de pausa, ou
espera, no canto.
Também se empregou ujn X por A; 2
XX por E; 3 XXX por 7, e X por O.
X por S ou Se muitas vezes se acha nas
nossas escripturas, v. g. Xexas por Sexas,
Xancio por Saneio, ete. Xi por Si era muito
frequente no tempo de D. Diniz, v. g. Xime-
no por Simão, etc.
X triplicado valia 30 e assim os nomes
numeraes que constavam de 30 se escre-
viam com XXX, pondo o resto do nome por
extenso, v. g. XXX gesimo, XXX tairo, etc,
por trintagesimo, trinlario. etc.
Deixo a S. Francisco de Lamego cinco li-
bras para um XXX tario.
Doe. de Tarouca de 1335.
XP por CHR era frequentissimo, quando
escreviam Xpina por Christina, — Xpovão
por Christovam, — Xpãos por Christãos, —
Sanxpão por sacristão, ele, e particular-
mente Xpo ou Xps por Christo ou Christus.
Desde o ix até os fins do see. xn era fre-
quente escreverem a palavra Christus com
variedade de monogrammas no rosto e ca-
beça das escripturas.
Na doação que Castimiro^ e sua mulher
1 D'aqui provem Castromiro, nome de
certo Castello; e de Caslimiriz ou Castimi-
rim, patronímico de Castimiro, proveiu tal-
vez o nome da villa de Castro Marim, como
de Yiliamirim ou Viliamiris, patronímico
Asarilli fizeram ao mosteiro de Sozelio no
anno de 870, antes das palavras In Nomine
Domini nostri Jesu Christi se vô o mono-
gramma XPS bem claro.
Doe. d'Alpendurada.
Ali mesmo se guardava a doação que
Fromosindo Romariguiz fez a seus filhos no
anno de 1062, na qual, antes das palavras
Fromosindo Romariguizi Placitum,^ vel Car-
tula fâcio vobis filiis roeis, etc, se vê em ca-
prichoso monogramraa — xps.
V. Algarismo e=X=era Viterbo.
XABREGAS— pi ttoresco arrabalde de Lis-
boa, que teve differentes conventos e hoje
tem diferentes fabricas e palácios, e um
grande Asylo (de D. Maria Pia) etc. etc.
Para evitarmos repetições V. Lisboa, to-
mo 4.» pag. 238, col. 2.» n.» 2; pag. 245, col.
n.» 2 também; Fonte da Samaritana (ibi)
pag. 175, col. 1.% — e pag. 420 col. 1." ín-
fine.
Na Esperança, jornal religioso de Lisboa,
de 16 d*ag09to de 1878, se lê um artigo d©
fundo, muito longo e muito interessante, es-
cripto pelo dislincto litterato visconde de
Juromenha e dedicado ao nosso mavioso e
do nome godo Viliamiro, provem o nome
de Vtllamarim, dado á muitas povoações
nossas.
No supplemento indicaremos muiías ety-
mologias semelbanies, provenientes de no-
mes godos e árabes.
* De Romariguiz, patronímico de Roma-
rigo, provem o nome de Romariz, que hoje
ainda conservam algumas povoações nossas.
XAB
muito religioso poeta João de Lemos. No
mencionado artigo pretende o seu illustrado
auctor mostrar qne muitas das descobertas
com que se orgulha este secu o já foram
ante-vistas ha séculos, e entre outras apon-
ta a dos balões aerostaticos.
Diz o visconde de Juromenha;
«Tem-se ahi querido attribuir a Alexan-
dre de Gusmão a iniciativa da machina ae-
rostatica; pois saberás que no tornéo de Xa-
bregas} em que jogou as armas pela primei-
ra vez o príncipe D. João, pae de D. Sebas-
tião,2 vinham doiá fidalgos, D. Luiz da Cu-
nha e Chriaiovão de Moura, em uma machi-
na, que vinha atada por uma corda ao mas-
tro de um barco, para lhe dar a direcção;
por signal o barco se voltou, morrendo D.
Luiz e escapando Chrislovão de Moura; me-
lhor fôra que succedesse o contrario, por-
que teríamos um traidor de menos a entre-
gar-nos a Caslella.
«Aqui tens tu um ensaio da machina ae-
rostatica, quando ainda ninguém pensava
n'estas coisas.
«Poderia apontar outros muitos, apesar
dos seus inventores ou auctores viverem
nos tenebrosos tempos do despotismo e da
inquisição.
«Nàó se pôde negar os grandes progres-
sos que teem feito algumas sciencias no nos-
so tempo, como a astronomia, physica, chi-
mica e mecânica; algumas porem estacio-
naram ou recuaram. Mas é preciso não ser-
mos ingratos para com o passado, a quem
devemos este desenvolvimento; devemol-o á
* Q facto deu se em Xabregas. Não can-
tamos extra chorum.
P. A. Ferreira.
2 O facto refere-se ao meiado do sec. xvi,
porque o mencionado príncipe D. João, 4.'
filho d'el-reí D. João III, nai«ceu em Évora
no dia 3 de junho de 1537. Coutava pois i3
annos em 1350.
P. A. Ferreira.
XAB 2053
renascesça e ao xv século, que foi o avô
d este, e ao qual coube a missão de désen-
volver o gérmen que aquelle > eixou em Ift-
gado.
«Um escriptor francez Mr. Fournier, em
o seu livro, ou antes obra em 3 volumes,—
—Le Vieux Neuf, — parece que dá o seu a
seu dono. . . >
Effectivamente ó assombroso o progresso
que hoje se nota nas industrias, nas artes e
nas sciencias e porque uma cívilisação pro-
duz outra cívilisação, tanto mais assombro-
sa, quanto mais elementos herdou da cívi-
lisação anterior, — a(é onde irá o sec. xx com
elementos herdados do sec. xix?
— Deve ir longe, — muito longe^ se não
sobrevier algum grande cataclismo social,
como no sec. v pesou sobra o império roma-
! no e que suspendeu em parte a cívilisação
até o meiado d'este sec. xix.
Referimo-nos ao importantíssimo pelouro
da viação publica.
O progresso na actualidade é grande, mas
sentimos que o progresso moral não acom-
panhe, como devia acompanhar, o progresso
material.
Grande incêndio
Na noite de 3 para 4 d'agosto de 1878 um
pavoroso incêndio devorou completamente a
fabrica da Samaritana em Xabregas, uma
das mais importantes de Lisboa in illo tem^
pore.
Havia sido fundada em 1831 por dois in-
glezes, John Scott Howorth e Alexandre
Black, e depois transferida para a compa-
nhia do fabrico de algodões de Xabregas^
que a explorava desde 1838.
Era formada por um conjuncto de edifi-
cações, das quaes a principal figurava um
amplo parallelogrammo de 36 metros de
comprimento e 21 de largura, dividido em
tres pavimentos, que correspondiam a ou-
tras tantas oíScínas e tendo nas quatro ti -
chadas 108 janellas.
No primeiro pavimento funccioaavam 7i
teares mechanicos, 4 bancas de linha, 1 de
urdidura, 1 torno, 1 engenho de furar, 6
2054 XAB
XAB
aspas de mão, 2 duplas de líoha e 1 carda-
deira, alimentados pelo motor do vapor e
dirigidos por 65 operários interDos e exter-
nos de ambos os sexos.
No segando pavimento, officina de carda-
ção, trabalhavam i8 cardas, 9 intróitos, 3
trocos grossos, 5 finos e um engenho de es-
merilhar, dirigidos por 37 operários.
No terceiro pavimento, oflBeina de fiação,
tinha em movimento 5 engenhos contínuos,
8 bancas de urdidura, 2 urdideiras, 1 enca-
netadeira, 5 aspas, 2 aspas duplas, 1 prensa
para maços e 1 engenho de engommar, di-
rigidos por 60 operários.
Nas oíficinasaanexas trabalhavam em tin-
turaria, carpinteria, serralheria, casa da ma-
china, eic, 26 pessoas.
Além dos 72 teares que funccionavam, a
fabrica tinha mais 8 promptos para o tra-
balho e 4 encaixotados fóra do edificio.
O machinismo das offleinasera de diver-
sos auctores, mas no principal figuravam os
nomes de J. Hetherington & Sons, de Man-
chester.
 fabrica estava segura em 145:800i$000
réis, a saber: 2S:000Jí000 na compa-
nhia Garantia, 25:000^000 na Fidelidade,
20:000^000 na Bonança, 20:000^000 na
Norwich Union, 25:000^000 na Segurança,
15:800^000 na Douro, e 15:000^000 na pro-
pria companhia.
Em 1867 a companhia mandara construir
próximo da fabrica diíTerentes casas, que
alugava aos seus operários, e em 1877
procedera a novas construcções com o
mesmo destino.
Havia na fabrica um internato, que se
eotnpunha de 60 rapazes e 28 raparigas; e
em 1875 a companhia instituirá uma aula
para elles.
Os dividendos pagos aos accionistas ti-
nham sido: em 1858 5 p. c ; em 1859 6; em
1860 8; em 1861, 10; em 1862, 9; era 1863,
6; em 1864, 4; em 1865, 4; em 1866, 6; em
1867, 7; em 1868, 9; em 1869, 6; em 1870,
7; em 1871, 9; em 1872 9; em 1873, 8; em
1874, 10; ena 1875, 9; e em 1876, 6.
Começando a produzir no aono de 1858
72:500 kilogrammas de fiação,«m 1877 pro-
duziu cerca de 130:000.
O prejuízo soffrido com o incêndio foi àú-
perior ás quantias em que a fabrica estava
segura.
Como se vé pelo que temos dito, o està-
do da companhia de fabrico de algodõ&s de
Xabregas era muito prospero.
Concorreram muito para isso os esforços
dos seus directores, os srs. C. Alexandre
Munró, Theodoro Ferreira Lima, e Joaquim
Moreira Marques.
O desastre a que nos referimos causou
grave prejuízo á companhia; mas a fabrica
foi reconstruída e hoje é talvez no seu gé-
nero a 1 • de Portugal, depois da fabrica da
fiação de Negrellos, concelho de Santo
Thyrso.i
V. Vizella^ rio, tomo li." pag. . . ^
O nosso governo (honra lhe seja!) para
fomentar as industrias, creou em 1884 bas-
1 Hoje no nosso paiz todas as fabricas de
fiação e tecidos d'algodão atravessara um
periodo excepcional de prosperidade, pelo
que se multiplicam e pulluUm d'um modo
assustador!... Todas tem dado e dão bons di-
videndcs, mas a de Vtó«//a, propriedade de
uma pequena parceria, supplanta as a todas.
Já tem dado, 50 por cento de dividendo al-
guns annos?!. . .
2 Não posso indicar as paginas, porque
ainda não se distribuiu o fascículo corres-
pondente!— Tal ó a precipitação com que
estamos escrevendo e publicando este dic-
cionario, o que muito nos incoramoda e por
vezes compromette, pela intima relação que
ha enlre muitos artigos e tópicos do mesmo
artiso.
Por vezes temos no prélo 3 fascículos e
damos tractos á memoria com ás referen-
cias/.. .
Desculpe-Qos pois os lapsos quem souber
avaliar as difQculdades com que luctanaos.
Note-se que este díccionario é escripto no
Porto e publicado em Lisboa^ — e escripto
au jour le jourfl. . .
Não recebemos do nosso beoetnerito an-
tecessor trabalho algum feito.
XAB
tante» escolas de deseobo íodustrial em
differeDtes pontos do nosso paiz. que mais
urgeotemeate as reclamavam. Ficou uma
em Xabregas e tem dado óptimo resultado,
como se vê do relatório da circumscripção
do sul, relatório que temos presente e se
refere ao anno de 1884-1885.
Consta esta circumscripção de 7 escolas
de desenho industrial, em Alcantara, Xa-
bregas, Belém, Caldas da Rainha, Torres No-
vas, Thomar e Portalegre— e da escola in-
dustrial da Covilhã. A matricula em todas
as escolas foi de 403 alumnos de ambos
os sexos ; — em Alcantara 65, Xabregas
63, Belém 48, Caldas da Rainha 54, Torres
Novas 47, Thomar 32, Portalegre 42, e Co-
vilhã 62.
O Relatório dá minuciosas e interessantes
informações ácerca das àiSereule» escolas, e
termina com a seguinte lisonjeira aprecia-
ção:
«Apresenta-se com muito bons auspícios
a inauguração das aulas de ensino indus-
trial d'esta circumscripção.
Em todas as localidades foram perfeita-
mente acolhidas pelas povoações; a concor-
rência foi grande, e os alumnos tôem mosr
trado muita applicação. Todas as escolas se
acham fornecidas de bom material de ensi-
no, e os protessores téem manifestado mui-
to zelo e bons desejos de que o ensino seja
e£Bcaz.
Conflamos que de futuro se tornarão bem
pronunciados os beneficies da instrucção
ministrada pelas novas escolas, e que não
terá sido improfícua a civilisadora iniciati-
va do illustre ministro que promulgou o de-
creto de 3 de janeiro de 1884 *
Em vista de tão auspicioso resultado, o
governo já posteriormente augmenton o nu-
mero das ditas escolas.
Com a inicial=X=temos também vários
sítios^ aldeias, casaes e quintas, taes são:
Xaim, Xainça, Xainha, Xainho, Xainhos,
Xapelar, Xaranche, Xarás, Xamaes, Xas-
queira, Xatle ou Echate, Xavier, Xebrito,
Xelrito, Xerez, Xerito, Xertello, etc, mas
XAR 2055
nao nos consta que offereçam coisa notável
XARRAMA— grande ribeira, afflaente do
Sado.
Nasce a N. O. d'Evora, a distancia de 6
kilometros; corre a S. E. e, descrevendo
quasi um semi-eirculo em volta da cidade,
tem n'aquelle espaço 3 pontes: — uma na es-
trada d'Evora a Estremoz; outra na de Evo-
va a Mourão—e outra na de Évora a Por-
tel; corre depois na direcção geral N. E. a
S. O.; tem ponte na estrada de Évora a Be-
ja; passa 3 kil. a N. O. de Aguiar e depois
sob a ponte da linha férrea do Sul; mais
abaixo cerca de 18 kil. passa a N. O. da vil-
la do Torrão— e mais abaixo cerca de 13
kilometros morre no Sado, (m. d.) na fre-
guezia de S. Romão, contando ao todo nas
dus províncias do Alemtejo e da Estrema-
dura cerca de 15 legoas ou 75 kilometros
de curso.
Esta ribeira, depois que toca na villa do
Torrão, toma d'ella o nome de ribeira do
Torrão—Q d'ali até o Sado corre funda por
entre leito pedragoso e muito declivoso, pelo
que nas cheias faz um ruido medonho que
se ouve a grande distancia, mas desde a sua
nascente até ás proximidades da villa do
Torrão atravez da província do Alemtejo
corre suave por leito quasi plano.
No inverno assume grandes proporções e
torna-se imponente, mas no verão, como
succede a todas as ribeiras do Alemtejo,
torna-se microscópica e some-se. Apenas
conserva alguma agua nos pòços mais
fundos, aqui denominados pégos, e, porque
o seu leito é de lôdo e cria muita herva, na
estiagem transforma se em um pântano, fo-
co medonho de sezões e febres paludosas,
malignas, que devastam as povoações mar-
ginaes, sendo a villa de Torrão uma das
que mais soffre, por ser muito immunda,
abafada e ardentíssima no verão — e mais
ainda a aldeia de Rio de Moinhos, da fregue-
Zia do Torrão, a jusante da villa e já perto
do Sado.
A dieta povoação é uma das mais arden-
tes de todo o nosso paiz, pelo que um nosso
rei (diz a tradição local) vendo que ali só os
2056 XAR
XER
africanos podiam viver, mandou para lá
ama colónia de pretos, que povoaram
aquelle território e formaram a dieta al-
deia. Não sabemos até que ponto isto é ver-
dade, mas não custa a crer, porque mui-
tos habitantes de Rio de Moinhos ainda ho-
je parecem mulatos. São muito escuros e
teem o cabello encaracolado, semelhando a
carapinha >dos pretos.
Também d'este facto proveiu a locução
popular: — negros do Torrão.
Custodio Gil Carneiro
O maior proprietário da villa do Torrão
é Custodio Gil Carneiro, muito conhecido no
Porto e ao norte do nosso paiz por Custodio
Gil do Casal, por que nasceu e vive na al-
deia do Casal, freguezia de S. Christovam
de Refojos (de Riba d'Ave) concelho e co-
marca de Santo Thyrso, junto d'aquella vil-
la, cerca de 8 kil. para S. E.
Vive com a maior singelesa, confundin-
do-se com qualquer lavrador, mas só na
Villa do Torrão a sua casa, bem conhecida
como casa dos Carneiros, vale mais de cem
contos e tem vastíssimas propriedades em
outros pontos da Estremadura e do Alem-
tejo, muitas casas no Porto, muitas quintas
nos concelhos d' Aveiro, Santo Thyrso, Fel-
gueiras, Lousada, etc, etc, e grandes som-
mas era dinheiro mutuado e fundos públi-
cos.
É um dos maiores proprietários e capita-
listas que hoje temos ao norte do nosso paiz,
pois tem uma fortuna superior a dois mil
contos de réisfl
Está viuvo, mas tem filhas e filhos, um
dos quaes vive na sua casa do Torrão e
1 Ha também na villa de Santo Thyrso ou-
tra fortuna igual, mas toda em dinheiro, — a
do conde de S. Bento, solteiro e já decrépito,
— e na Regoa outra fortuna muito superior,
avaliada em seis mil coatos. É a da sr.* D.
Antónia Adelaide Ferreira, viuva, represen-
tante da casa Ferreirinha.
V. Regoa e Villa Real de Traz os Montes,
Yol. il.» pag. 1:013, col. 1.»
d'ella administra as muitas herdades que
possue na Estremadura e no Alemtejo.
V. Charrama, tomo 2.» pag. 280, col. 2.*;
Refoyos, tomo 8.» pag. 97, col. 1.*, e lorrão,
vol. pag. 595, col. 2.*.
Terminaremos dizendo que na ribeira de
Xarrama, cerca de 15 kilometros a S. S. O.
d'Evora, passava uma estrada romana.
V. Villa Ruiva, tomo 11.» pag. 1:055,
col. 1.*
XERAFIM, moeda asiática, muito vulgar
em algumas das nossas possessões.
O xerafim sempre constou na Índia e ain-
da consta dè 5 tangas, assim como uma tan-
ga vale 60 réis; e do mesmo modo a li-
bra sterlina se divide em 20 shillings, e ca-
da shilling era 12 pence; mas como o agio
prata ê de 20 %, são necessários 6 xerafins
em moeda de cobre para se obter no mercado
5 xerafins em moeda de prata, o que faz que
correspondam 6 tangas em cobre a 5 tangas
em prata, de modo que, substituindo na lin-
guagem 5 tangas pelo seu equivalente — um
xerafim, ficam correspondendo 6 tangas em
cobre a um xerafim em prata; mas isso não
significa, como é claro, que o xerafim pro-
priamente dito conste de 6 tangas.
Ha eflfectivamente na ludia uma moeda de
prata que vale 6 tangas, porém não é o xe-
rafim, mas sim a meia rupia, que correspon-
de a um xerafim e mais uma tanga, como
toda a gente conhece na índia. Ora sendo
em Goa o xerafim a unidade principal da
moeda, nada mais natural que no cunho da
meia rupia se marcasse a palavra xerafim,
se realmente elle valesse 6 tangas, mas em
tal caso a denoraioação da moeda não cor-
respondia ao seu valor. E para se designar
por xerafim seria necessário que se aceres-
cantassem as palavras em prata, apesar da
moeda ser de praia, o que seria, por assim
dizer, um pleonasmo extravagante, como se
na nossa moeda de 2 tostões de prata se
se gravasse -- 200 réis em prata — onde se
lê simplesmente — 200 réis.
Quando na índia se diz que am objecto
custou, por exemplo, 3 xerafins, toda a gen-
te fica entendendo que foram 15 tangas.
Quando se falia em 1 V2 rupia ou 3 xera-
fins em prata, então são 18 tangas; mas
XOR
XUD 2057
usa- se geralmente o termo rupia de prefe-
rencia ao de xerafim em prata.
Com vista ao nosso iilastra-
do amigo Lopes Mendes, au-
tor da índia Portugueza e que
viveu na índia nove annos.^
XEVER,
XEVERA e
XEVERETE — ribeiras que nascem na
serra de Portalegre.
XI - portuguez antigo — se.
Cá xi (se) vos chega o tempo.
Diccion. de Moraes.
XIBAO ou XIBAU— P« de Xibáu— nome
de uma dança antiga portugueza.
XIGO, portuguez antigo,— secco.
Rio xico,—no secco.
Elucidário.
XIRA — terreno inculto, bosque, malta,
brenha.
V. Cira e \illa Franca de Xira.
XIRTO,
XISTO,
XISTRO.
XOENES 8
XOFRAL, — silios, aldeias, casaes e quin-
tas em diversos pontos do nosso paiz, mas
que não ofTerecem coisa notável.
XORCA, XORCAS ou AXORCAS, — pul-
seiras de prata, á maneira de argolas, que
as mulberes no Oriente e África usam nos
braços e pés, por cima do calcanhar.
D'aqui proveiu o epitheto ajorcada, ap-
1 V. Vi7/fl Real de Traz os Montes, tomo
pag. 1:031, col. 2.» in fine e segg.
plicado á mulher muito composta, ataviada
e ornada de peças, brincos, laços e cordões
de ouro ou prata, como as lavradeiras dos
arrabaldes do Porto, que nos dias de festa
vão carregadas d'ouro.
Por vezes só uma das taes lavradeiras le-
va aos arraiaes brincos, anneis, broches,
gargantilhas, relicários e cordões no valor
de dois a ires contos de réistl . . .
Assim as temos visto nos grandes ar-
raiae& do Senhor de Mattosinhos, Senhor da
Pedra^ S. Bento de Rio Tioto, Senhora da
Hora, S. Mamede de Infesta e S. Cosme de
Gondomar.
Em todo o nosso paiz nào ha mulheres do
campo tão lindas, tão mimosas e tão vigo-
rosas, tão elegantes e tão ajorcadas d'ouro,
saias e lenços, como as lavradeiras dos ar-
rabaldes do Porto.
V. Yillar d' Andorinha e Yillar do Pa'
raiso.
XUDREIROS ou ENXUDREIROS,— assim
se denominava uma das povoações compre-
hendidas no foral que D. Manoel deu á Vil-
la d'^<;'Mmr da Pena em 22 de junho de
1515.
V. Aguiar da Pena, tomo 1." pag. 39,
col. 2,«
XUDRÕES, — antigo casal em terra de
Barroso.
Teve foral velho dado em Coimbra por D.
Affonso III, a 22 de abril de 1262.
Liv. I de Doações do Sr. Rei D. Affonso
III, fl. 60, V. col. í.*
XUDRORO, — ribeiro que nasce na fonte
da Freja, freguezia do Guardão, concelho
de Tondella, e fertilisa particularmente a
povoação de Janardo, da dieta parocbia.
Y
Y— lettra numeral outr'ora. Valia 150 e
com um til sobreposto valia 150:000.
Nos nossos documentos antigos confunde-
se a cada passo com I ou J, dando-se-lhe a
mesma pronuncia, v. g. lldefonsus por iZ-
defonsus, Yoanne por Joanne, Yspania por
Ispania, etc.
No grego primitivo, d'onde é originaria,
2058 YRI
YZE
esta lettra tinha mui dilTereote figura e de-
signava a sorte dos bons e dos maus.
Âcliando-se algumas vezes no meio dos
mooogrammas dos reis, prineipes ou pre*
lados, vale Ya ou Ita e é abreviatura que
denota ratificação ou confirmação d'algnma
escriptura, como diz Mabillon. Diplom. liv.
H, cap. 10, n.» 13.
Também significou ahi, tiesse logar, cor-
respondendo ao adverbio latino ibi.
YA60— o mesmo que Tiago, Jacobo, Ja-
come ou Diogo.
Doe. de Lamego do sec. xv.
YGUAR — porluguez antigo, na accepção
de igualar.
YLMOFARIZ— porluguez antigo,— almo-
fariz.
It. Hum Ylmofariz com sa mão— Rema-
tado por 56 soldos.
Inventario do espolio de D. Fr. Salvado,
bispo de Lamego, com data de 1 d'abril de
1350.
YOLANTE — Violante, nome de mulher.
Procuração de D. Isabel e D. Maria, fi-
lhas do Infante D. Affonso, e D. Yolante
sa molher.
Doç. da Guarda de 1298.
Este infante era filho legitimo d'el-rei D.
Affonso III; D. Violante era filha do infante
D. Manoel e neta de D. Fernando III de
Gastella.
YRIAN — port. ant.— esquadrão ou exerci-
to,— segundo o bispo Pinheiro, part. 1.»
apnd Bluteau. Diz que esta palavra é dos
antigos portuguezes e que d'ella provem
o nome de Yria Flavia, hoje villa do Pa-
drão, junto de Compostella, onde residiam
os prelados, antes de se descobrir o tumulo
do apostolo S. Thiago maior e de se formar
em volta d'elle a cidade de Compostella,
para onde depois transferiram a séde do
bispado, hoje arcebispado.
Viterbo põe era duvida a tal etymologia
de Yria Flavia— e nós também duvidamos.
Yria Flavia parece claramente nome pró-
prio de mulher.
Dicant compostellani.
YXECO— port. ant —moléstia, contradic-
ção, trabalho, duvida, contenda.
Quem slorvo, ou yxeco quisser dar a
meos testamenteiros perca todo aquello, que
lhes eu mando.
Doe. da Guarda de 1298.
Também se escrevia enxeco, eyxeco e ey-
xequo na mesma accepção de yxeco.
D. Diniz fez avivar os limites entre Mós e
Moncorvo no anno de 1309— par^i que huns
e outros vivessem in paz, e sen eyxequo-
Doe. de Moncorvo.
YZEDA — actualmente Izeda, freguezia do
concelho de Bragança.
V. Izeda, tomo 3." pag. 406, col. 1.*.
Súppomos que esta Yzeda provem de
Yezid, nome árabe e próprio de homem.
Junte-se mais esta etymologia às duas que
ali se encontram apontadas.
z
Z— na arilhmetica dos antigos valia 2:000
— e sendo plicado valia 2:000:000, que são
duas mil vezes mil.
Z — por c era frequente nos séculos x e xi
V. g. dozel, fidatia, inzendium,judizes, pon-
tifizes por doucct, fiducia, etc.
Z — também se empregava como t in tilo
tempore, quando se seguia vogal, v. g. Lau-
renzia, perfiliazione, desperazione, porlau-
reníia, perfiliatione, .etc.
Também algumas vezes se encontra com
o valor de X, v. g. Zênia por Xênia, Zeno-
dochium por Xenodochium, etc.
Também se empregava o X por v. g.
axaga por azaga.
Também se dava ao— Z — figuras muita
ZAB
caprichosas, como diz Viterbo no Elucidá-
rio, dando em gravura algumas d'ellas, e
cita uma inscripçâo romana das muitas en-
contradas em Oít/í/ro /oão, perto de Ciiaves,
copiadas por Argote nas suas Memorias de
Braga e pelo dr. João de Barros na sua
Geographia, — inscripção curiosa e que é a
seguinte: A terra seja leva á Condeça, fi-
lha de Aulo Bobalo, que aqui jaz de idade
de 3o annos.
N'ella se veem ZZZ aspados horisontal-
mente em vez de XXX e valendo 30.
ZAADONA— no sec. xiii significava senho-
ffli, mulher livre, forra, ingénua.
Se quizer ser Zaadona Cliristiana, que a
baptizem, e lhe dem de vistir, e lhe fação
bem.
Testamento de D. Chamôa Gomes de
1238, fallando da sua moura Elvira,
ZAARA ou ZAHARA — do árabe Zhara,
flor.
É nome próprio de mulher e assim se de-
nominava a irmã de Alboazar — Albuca-
dan, senhor do eastello de Gaya e que tan-
to figura na lenda de D. Ramiro II de Leão.
V. Gaia, tomo 3.» pag.. 245, col. 2.* — e
Viseu, tomo il.» pag. 1:674, col. l.« e segg.
ZAATAN ou ZALATAN — nome árabe e
próprio de homem.
De um mouro assim chamado tomou o
nome a villa de Sátão ou Satam.
ZABOLO ou ZABULO— outr*ora diabo. V.
Blateau.
ZABUMBA-r-monte (aldeia) e herdade da
íreguezia de Nossa Senhora das Neves, con-
celho e comarca de Beja.
V. Neves, tomo 5." pag. 39, col. 1."
A mencionada freguezia é uma das mais
importantes do concelho de Beja,
O censo de 1878 deu-lhe 253 fogos, mas
deve contar hoje mais de 260.
Demora na margem esquerda do rio Ca^
deira, que nasce junto de Beja e, depois de
receber na margem esquerda a ribeira de
Baleizão — e na margem direita a que vem
da freguezia de Louredo, desagua na mar-
gem direita do Guadiana, 5 kil. a O. da vil-
la de Serpa,— tendo 26 kil. de curso total.
A povoação de Nossa Senhora das Neves,
onde está a matriz da parochia, dista de
ZAB 2059
Beja 4 kil. para o nascente e n'ella passa a
estrada de Beja para Baleisão.
Alem da dieta aldeia de Nossa Senhora
das Neves comprehende esta parochia as do
Padrão, Zabumba, Corujeiras, Maria do Val-
le e Sorumbeque— e 129 casas (moní^s) her-
dades e quintas, cujos nomes podem ver-se
na Chorographia Moderna, taes são:— Viei-
ras, Vinha d'Alfar, Monte de Palha, Sabori-
da, Mongeraldo, Monte Branco, Villa Lobos,
Carapiço, Carrasco, Majôa, Castelli o ho, Horta
do Bragança, Chão d'El-Rei, Polingresa,
Monte do Gallego, Val de Lobos, Horta Secca,
Bispos, Val do Maçosa, Quinta Queimada,
Aleaçarias, Valda tonte, Quinta dos Bonecos]
Galiana, Carapeta, Quartel Mestre, Val de
Escarnos, Raiona, Val de Paneiro, Val do
Lagaço, Monte do Coronel, Monte do Sacris-
tão, Moinho do Caganata, Monte da Chami-
né, Canalinho, Fonte do Sapo, Gaffete, Ar-
quinhos. Ventosa, Paraíso, Carvoeiras, Car-
voeírinhas. Cabeça de Pau, Monte da Ponte,
Monte do Pego, Monte do Ai, Val d'Aldrave,
Monte da Egreja, Vinha do Padre Rosa, Vi-
nha do Coelho, Vinha do Baptista, ete. etc.
Os nomes são curiosos e algulis não wmYo
decentesl . . .
ZABURRAL — quinta ou casal da fregue-
zia de Botão, concelho de Coimbra.
Compõe se de grande insua com muita
agua de rega, bom pomar de espinho e ca-
roço, terras de monte, vinhas e oliveiras,
esplendida casa de habitação, etc, etc.
Demora junto da estrada municipal que
de Coimbra conduz á Pampilhosa e Mea-
lhada.
V. Botão, vol. 1." pag. 423, col. 2.»
Suppomos que esta quinta do Zaburral
tomou o nome do milho zaburro, de que va-
mos fazer menção.
ZABURRO— milho zaburro, ou de maça-
roca.
É uma espécie de milho que se cria nas
lodeiras da margem do Douro. D'elle fazem
menção Bluteau no seu Vocabulário e João
de Barros na Dec. l.« liv, 3.» cap. 7.»
Nós o vimos muitas vezes nas lodeiras da
grande quinta dos Frades, freguezia da Foi-
gosa, concelho de Armamar, na margem es-
querda do Douro,— lodeiras que davam só
«
2060 ZAG
milho e feijões, mas que hoje produzem
vinho, porque são inundadas pelo Dou-
ro no inverno e por isso a phylloxera
as poupa, em quanto que já destruiu to-
dos os vinhedos restantes d'aquella formosa
quinta, que antes da invasão phylloxerica
produzia mais de 150 pipas de bello Port
Wine.
O mesmo suecede em todo o alto Douro,
cujos vinhedos estão completamente aniqui-
lados.
V. Yillarinho dos Freires, Yillarinho de
Cotas e Yillarinho de S. Romão.
O milho zaburro é quasi redondo, muito
escuro e pequeno, mas produz bastante nas
lodeiras, em terreno fundo e quente, e dá
pão saboroso.
A cana attinge 1 V2 a 2 metros de altura
e termina com uma grande bandeira on plu-
ma, de que se fazem vassouras muito esti-
madas no mercado.
ZACA— de Zacat, ou Azaqui de azacá,
termos árabes, signiíieam propriamente o
dizimo que se dá dos fructos que cada um
colhe das suas terras.
O azaqui *ou zaca era um dos tributos
que os mouros rezidentes e tolerados em
Portugal pagavam aos nossos reis. Aquelles
tributos eram de 4 espécies: 1.» tributo de
cabeça ou pessoal de taoto por cada mouro
6 que se pagava no i.* dia de janeiro; — 2."
dos bens e gados que possuíam, denomina-
do alfitra; 3.* o dizimo, a que chamavam
zaca ou azaqui; o 4.° era a quarentena, i. e.
— 40 de tudo quanto possuiam.
Zaca e azaqui derivam-se do verbo
záca, — fazer esmola, dar os dízimos,
ofTerecer dadivas para conciliar o animo
do soberano, justificar-se, puriflear-se pelo
ázequi.
ZAGHARIÃS — freguezia extincta, hoje
simples aldeia da freguezia, vilia e concelho
de Alfandega da Fé, comarca do Mogadou-
ro, districto de Bragança em Traz os Mon-
tes.
Tinha como orago S. Zacharias e em
1706, segundo se lé na Corogr. Port. con-
tava apenas 6 fogos.
ExtÍDguiu-se esta parochia por ser o seu
chão muito quente e doentio na estiagem.
ZAG
ZACHARIAS — ribeira confluente do Sa^
bor.»
Nasce na serra de Sambade, (ou Monte*
mel) cerca de 10 kil. ao S. O. de Chacim;
corre na direcção geral S.; passa a E. e na
distancia de 6 kil. d' Alfandega da Fé; de-
pois divide a parochia de Cerejaes da de
Sendim da Ribeira — e por nltimo entra no
rio Sabor (margem direita) tendo de curso
total 22 kilometros e uma boa ponte de pe-
dra.
Tomou o nome da parochia, hoje simples
aldeia de Zacharias, supra.
Não se confunda esta ribeira cora a da
Yillariça, também confluente do Sabor, mas
que desagua u'este rio, cerca de 26 kilume-
tros a jusante.
V. Yillariça, tomo 11.» pag. 1:311, col.
2.' e segg.
ZACUTO LUSITANO— insigne medico ju-
deu.
Nasceu em Lisboa no anno de 1575; estu-
dou em Salamanca e ali se doutorou em
medicina, lendo apenas 20 annos incomple-
tos, e falleceu em Amsterdam como judeu
declarado, em 1642.
Foi um talento superior e publicou varias
obras sobre medicina, segundo se lé no An-
no Histórico, tomo 1.» pag. 101, mas o Dica.
Bibi. de Innocencio não o menciona como
escriptor.
ZAGA — azaga — e çagra— mão são mais do
que diflerentes formas da mesma palavra,
que signiQca a rectaguarda, opposta á ãean-
teira, delanteira, ou vanguarda. Viterbo, à
palavra Azaga, sonhou não sabemos que sy>
nonimia entre Azaga e Adail.*
Hist. de Port. de Alex. Hercul. tomo 4.»
pag. 415— nof«.
Segundo se lé no Diccion. de Moraes (6.»
edição) zaga, çaga ou saga, vem do hespa-
nhol ant. zaga, a parte posterior ou trazeira
do carro, etc. e n'esta accepção é ali usada
1 De passagem diremos que a etymologia
de Sabor vem de Sabur, nome de homem
per^a e árabe.
ZAM 2061
oa milícia, indicando a rectagaarda dos
exércitos.
Brandão na 5. p. da Mon, Lusit. cap. 29,
in fine, diz que nós acceitàraos dos hespa-
nhoes este ternao militar com aquella signi-
ficação nos reinados de D. Fernando e de
D. João I — e que os hespanhoes haviam to-
mado zaga ou çaga do hebraico sahhir, que
significa o inferior ou ultimo, por ter outro
que lhe và diante; mas parece que zaga ou
azaga, saga ou assaga, vera do árabe as-
saca, rectaguarda do exercito, e que dos
árabes ou mouros tomaram os hespanhoes
este termo, alem d'oulro3 muitos que dei-
xaram na península.
Na interessante Historia da Dominação
dos árabes e dos mouros em Ilespanha e
Portugal por Mar lés, Paris, 1825, tomo 1."
pag. 539, se lê em uma nota o seguinte:
tLes Árabes...— Eva vulgar:
«Os árabes denominavam Almafalla, ou
Alchamiz,^ os exércitos divididos em 5 par-
tes. Alchamiz significa propriamente o que
tem 5 panes. . . Ás divisões dos seus exér-
citos correspondentes á vanguarda, centro,
ala direita, ala esquerda e retaguarda os
mouros davam os nomes seguintes: almoça-
dema, calb, almaimena, almaisara e as-
saca.*
Significou pois antigamente zaga ou saga
em Portugal e Hespanha a retaguarda do
exercito, mas, segundo diz Viterbo, também
significou a vanguarda, ou antes o Adail,
offlcial de guerra, a quem pertencia guiar e |
conduzir o exercito,^ synonymia a queallu-
de com estranhesa Herculano.
Parece que eíTectivamente em alguns fo-
raes antigos se emprega o termo zaga como
1 De Almafalla provem talvez o nome das
nossas povoações e freguezias de Almofalla
(V. tomo l." pag. 152, eol. 1." e %.");— e de
Alchamiz provem talvez o da povoação hes-
panhola de Alcaniças, a pequena distancia
da nossa villa de Vimioso.
2 V. Zaga o Adail em Viterbo, — e Adail
n'esle diccion. tomo 1.° pag. 23.
VOLUME XI
synonymo de adail; mas talvez que ali o
termo zaga seja abreviatura ou modificação
de zagal,--mo^o de pastor, que vae na freri'
te do rebanho e lhe serve de guia, como se
lê em Bluteau e Moraes. Nole-se porem que
0 termo zagal não vem do árabe assaca nem
do hebraico sahhir, mas do árabe cegale, ves-
tir-se de pelles—segviuio a opinião de Dio-
go de Urres.
V. Zagal em Bluteau.
De zaga na accepção de retaguarda pro-
vem o termo chulo azagal, trivialissimo na
Beira.
Olha o azagall...--lá vem o azagall...
Assim costumam reprehender e censurar
as creanças ou indivíduos manhosos, que se
distanceiam da comitiva, ficando á reta-
guarda.
ZAGAL— pastor.
V. Zaga.
ZAGARI,— port. anU—lençaria,
ZAGAZABO, (voz ethiopica) nome próprio
de homem.
Deriva-se de zagaz, a graça, — e abo, pae,
— a graça do pae.
Zagazabo era um bispo muito douto, que
veiu a Lisboa como embaixador do Preste
João, no tempo d'el-rei D. Manoel.
ZAGONAL—port. ant.— diácono, presby-
tero.
ZALATAN— V. Zaatan.
ZAMARIO e ZIBRIANU,— Sameiro e Cy-
priano (?)
Latim bárbaro do sec. x.
Firmam a carta de doação que na era de
1 1021 (anno de 983) Julio e sua mulher
Onorada (Honorata) fizeram a Donaní Za-
lamizi da quinta que possuíam na villa de
Ossella, que suppomos ser hoje a povoação
e freguezia de Ossella no concelho e comar-
ca d'01iveira d'Azemeis, pois demora na
margem esquerda do rio Caima e a citada
escritura diz : — ♦ . . .facímus vobis Donani
Zalamizi cartula incommuniazíooís, de om-
nia nostra ereditate, quanda que avemus,
in villa, que vozídant Ossella, subtus monte
Codale, secus ribulo Camia. .»
t . . .na villa denominada Ossella (sic) de-
baixo do monte Codale (?) junto do rio Cai-
1 ma (confluente^do Vouga) ...»
130
2062 ZAM
É isto o que lá nas Dissert. Chronol. de
João Pedro Ribeiro, lomo 1.» pag. 198, doe.
n.» VIÍ, onde se encontra a dieta doação na
sua integra.
Suppomos que á mesma villa de Ossella
se refere a doação qiie a rainlia D. Thereza
mullier do conde D. Henrique, fez no anno
de H17 a Gonçalo Eriz,— doação por nós
citada e copiada na sua integra no art. Vou-
ga, posto que ali se lhe dá o nome de Osse-
lo e Osselola, que alguém pretende ser a
pequena povoação, lioje denominada Assi-
Ihó, da freguezia e concelho de Albergaria
Velha e distante da villa pouco mais de 1
kilomeíro.
V. Vouga— m\\\a exlincta,— Parte II.
Não podemos citar as pagi
nas, porque ainda não se dis-
tribuiu o fascículo correspon-
dente.
ZAMBITO — quinta extra-muros da cidade
da Guarda, no termo da parochia de S. Vi-
cente da mesma cidade.
V. Guarda^ tomo 3.» pag. 333, col. 2.*
A mencionada quinta é propriedade da
junta geral do districto, que a comprou e
n'ella montou a quinla regional com varias
oíBcinas agrícolas, hoje quasi todas em com-
pleto abandono, pelo que a junta arrenda a
maior parte dos chãos da dieta quinta. Em
julho de 1888 arrendou-os por 382,2500 réis.
As quintas regionaes ou districtaes, porque
foram montadas em todos ou quasi todos os
nossos districtos, theor icamente promeltiam
muito, mas na pratica o resultado foi zero.
ZAMBO — port. ant. — zambro, torto das
pernas, que as junta nos joelhos e alarga os
pós com divergência.
• Era muito zambo das pernas e lançava
os pés atravessados.»
Couto, 8, c. 36.
ZAMBÔA — port. ant.— hoje gamboa, mar-
mello moUar de tamanho enorme.
Abunda nos concelhos de Lamego e da
Regoa.
ZAMBUJAL ou AZAMBU JAL — terreno
povoado de zambujos, ou azambujos, ou
zamhujeiros, — oliveiras bravas que abun-
dam em muitos pontos do nosso paiz e que
pela enxertia se transformam em olivedos.
ZAM
Diz-se zambujal, como dizemos olival»
azinhal, vinhal, pinhal ou pinheiral, chou-
pal, cerdeiral, carvalhal, morangal, etc. ete.
V. Azambvjal, tomo 1." pag. 287, col. 1.*
ZAMBUJAL ou AZAMBUJAL,— aldeia da
freguezia e villa de Ourem, onde nasceu a
beata Thereza.
V. Ourem, vol. 6.» pag, 325, col. 1.» e
segg.
Temos no nosso paiz mais 48 aldeias, ca-
saes 8 quintas com o nome de Zambujal, que
podem ver-se na Chorographia Moderna.
ZAMBUJAL — aldeia da parochia á^Alvor-
ninha, comarca e concelho das Caldas da
Rainha, na Estremadura.
V. Alvarinho, tomo 1.» pag. 187, col. 1."
A dieta parochia é muito importante e a
mais populosa do concelho das Caldas da
Rainha, depois da villa, séde do concelho, da
qual dista 11 kil. paraE. S. E. Permiltam-
nos pois que lhe dediquemos mais algumas
linhas do que lhe dedicou o meu benemé-
rito antecessor.
Em 1852 o Flaviense deu-lhe o nome de
Alvorinha e 423 fogos; o censo de 1864 deu-
lhe 690 fogos e 2:207 habitantes— e o censo
de 1878 deu-lhe 566 fogos e 2:354 habitan-
tes,—wmos 124 fogos e mais 147 habitantes
do que lhe dera o censo de 1864?! . . .
Estão assim as nossas estatisticas *
Em 1712 Alvorninha era villa e séde de
concelho com justiças próprias : — 2 juizes
ordinários (um da villa, outro do termo) 5
vereadores, i procurador do concelho, 1 es-
crivão da camará, 1 escrivão das sisas e ou-
tro judicial, notas e orphãos.
Tinha também uma companhia de orde-
nanças com mais de 300 homens.
Alem da povoação de Alvorninha, séde da
parochia, comprehende as seguintes:— Zam-
bujal, Outeiro, Villa Nova, Trabalhia, Moi-
1 O censo de 1864 deu à villa das Caldas
da Rainha 552 fogos e 2:289 habitantes— e
o censo de 1878 deu-lhe 658 fogos e 2:689
habitantes.
ZAM
tas, Bouzias, Malásia, Val Serrão, Antas,
Laranjeira, Baixinhos, Lobeiros, Maios, Ri-
beiro dos Amiaes, Carril, Pedreira e Por-
tella, Ramalhosa, Calvello, Raposeira, Pégo,
Almofalla, Forninhos, Comeira de S. Cle-
mente, Comeira da Cruz, Boa Vista, Sal-
gueiral, Gesteira, Chãos, Venda da Nataria,
Azenha do Escoiral e Caçapos; — os casaes
de Souto, Freixo, Alqueidão, Norte, Chicle,
Penhaço, Gil, Cabeço Branco, Lourosa, Pa-
raíso, Casal Velho da Moita dos Carvalhos,
Casal Velho da Ramalhosa, Frade, Moinho
Novo, Casalinho, Mattos, José João, Venda
da Costa, Feijoal, Ródo, Haver, Monte Bian-
co, Louricpira, Santa Martha, Ranginha,
Marquez, Salgueiriuho, Carvalhos — e as
quintas do Moscão, Machada, Feteira, Paço,
Quebrada, S. Gonçalo, Val Formoso e Al-
mofalla.
A Chorogr. Port. em 1712, fallando da
villa á'Alvorninha, disse:
«O seu termoi tem 5 moinhos de pão e
13 lagares d'azeite com grandiosas quintas,
a saber:— a quinta de Val fermoso cora sua
Capella de Nossa Senhora, que he de Rodri-
go da Costa; a quinta da Melhor^ Vista com
huma ermida de S. João Bautista, que he
de Carlos da Silva; a quinta da Boa Vista,
que he do prior Bernardo da Silva Monteiro;
a quinta da Cruz com boas casas e huma
ermida de Nossa Senhora da Conceição,
aonde se diz missa todos os domingos e
dias santos; he de Diogo de Faro; a quinta
que possue Manoel do Couto d 'Aguiar, C. O.
Ch., a qual está junto ao logar, que ehamão
Alvorninha pequena, que terá 5 visinhos
(fogos); a quinta da Cachaça, que he de
Clara da Cunha Monteyra viuva, a qual tem
hum penhasco, que está continuamente lan-
çando gotas d'agua, e lhe chamão a Fonte
das Lagrimas, a qual está toda cercada d'a-
venca.
ZAM
2063
1 Comprehendia também a parochia de
Vidaes, que nós já descrevemos no tomo
10." pag. 649j col. 2.» e segg.
A quinta de S. João, a qual he grandiosa
e tem huma ermida do mesmo santo, que
he de meia laranja (?) com armação, vesti-
menta e frontal, tudo da China e de preço,
e lera hum pavilhão que oecupa a meia la-
ranja: he senhor d'esta quinta Matheus da
Cunha d'Eça e Almeida, moço fidalgo de S.
M. e C. O. Ch., bem conhecido por seus as-
cendentes, o qual vive na mesma quinta,
que consta de grandes casas, muitas vinhas,
grandes pomares e muitos olivaes, para o
que tem 2 lagares de azeite e 2 de vinho;
tem huma fonte nativa de olhos d'2gua, cer-
cada de cantaria, com hum cano da mesma
pedra, que leva agua a muitos tanques, até
chegar ao maior, que leva muitas pipas de
agua, com que se rega hum jardim, que
consta de muitas larangeiras da China, li-
moeiros, pessegueiros, e muitas latadas de
uvas de toda a casta; e tem hum ribeiro de
agua, que corre pelo meio da quinta, com
innumeraveis choupos, que a faz mais vis-
tosa.
«A quinta da Fonte ferwosa, de que he
senhor João Homem da Cunha, a qual tem
huma ermida de N. Senhora e huma fonte
de boa agua; e por dentro delia corre hum
ribeiro que a fertilisa de pão, vinho, azeite
e frutas.
«A quinta dos Ameaes com nobres casas
e huma ermida de Santo Antonio, de que he
senhor Manoel Feyo de Castello Branco.
Tem hum ribeiro que lhe passa perto das
casas, com boas várzeas de pão, muitos oli-
vaes. bastantes vinhas, e tem um circuito à
roda, que em si inclue alguns logares, os
quaes todos pagam para esta quinta o quin-
to de todo o género de fructos, e só para o
seu azeite e dos seus cazeiros tem 2 laga-
res. Esta quinta he hum praso foreiro ao
mosteiro de Alcobaça, e tem por detraz das
casas seu murado em roda com bastante
agua.
«A quinta dos Pinheiros, que está junto
do logar de Almofalla, de que he senhor
João Homem da Cunha acima nomeado, tem
boa horta com muitas arvores de fructas
mui gostosas, e he cercada d» 2 ribeiros.
2064
ZAM
ZAM
«A quinta àos Bacellos com bastantes ca-
sas de campo, muitas vinhas, e entre ellas
hum valle, que consta de muitas arvores de
frueto, a maior parte pessegueiros de ioda
a casta; tem huma fonte de exeellenle agua»
que peia sua bondade lhe chamam Fonte da
Prata. He senhor d'esta quinta Francisco
Ribeiro Fialho,
«A quinta das Quebradas, que ha poucos
annos lhe mudou o nome o senhor d'ella,
que he Belchior Ribeiro de Araujo, e se
chama hoje a quinta de Nossa Senhora da
Conceição, por elle mesmo haver ediflcado
huma boa ermida da invocação da mesma
Senhora.i Tem muitas vinhas, boas várzeas
de pão, hum grande pomar de todo o géne-
ro de fructas e huma penha alta, que ao pé
dá muita quantidade de agua, com que se
rega uma grande horta que dá todo o géne-
ro de hortaliça e bons meloens. Para maior
grandeza vai hum ribeiro d'agua pelo meio
d'esta quinta.
• A quinta que está no logar dos Vidaes, ter-
mo d'esta Villa, tem nobres casas e junto d'el-
las hum moinho, e hum lagar d'azeite, mui- !
tos pomares e huma fonte de boa agua, e
lhe passa pelo meio hum grande ribeiro,
com que se feriillsão as terras que tem dos
vallados adentro.
«A quinta de Valverde com boas casas,
muitas vinhas e grandes olivaes, com muita
creação de gados e grandes matos, huma
boa fonte e um ribeiro d'agua que corre
pelo meio d'esta quinta, de que he senhor
Belchior Botelho de Sequeira.
«A quinta do Paço, que he a mais anti-
ga...2
1 Na freguezia de Dous Portos, concelho
de Torres "Vedras, ha também uma soberba
quinta de Nossa Senhora da Conceição. Tem
luxuosa Capella, um palacete e varias ofiQci-
Das de lavoura, grandes vinhedos, etc. etc.
Foi da nobilissíma e opulenta casa Lavra-
dio, mas hoje pertence a estranhos! . . .
2 D'ella jà se fez menção.
V. Atvorinha, loc. Cit.
«Os lugares, que ha no termo d'esta vil-
la, são os seguintes:
«O Outeiro, que tem 15 visinhos e huma
fonte de boa agua; a Ribeira com 8 visi-
nhos; os Vidaes, que he freguezia á parte e
tem 36 visinhos;^ os Mosteiros, que tem 15
visinhos, huma ermida de Nossa Senhora
dos Remédios, huma fonte de boa agua e
hum ribeiro que lhe corre ao pé; a Traba-
Ihia dos vinhos com 12 visinhos, huma er-
mida de Nossa Senhora da Esperança e
hna^ fonte de boa agua; o Casal do Frade
com 16 visinhos, huma ermida de Nossa
Senhora da Gloria e huma fonte de exeel-
lente agua; a Malazia com 27 moinhos e
huma fonte; a Feteira com 7 moradares,
huma ermida de S. Pedro e huma fonte: os
Carvalhos com 5 visinhos; o Zambujal com
10 visinhos e uma ermida de S. Sebastião,
e he abundante de boa agua; o Casal do
Gil com 5 visinhos; — logo mais abaixo em
huma ribeira está o lugar de Val de Serrão
com 6 visinhos,— -e a pouca distancia a La-
rangeira, que terá 13 visinhos.»
A transcripção é longa, mas interessante!
O padre Carvalho teve bom informador.
Muitas das mencionadas quintas e povoa-
ções devem ter mudado os nomes. Aos fi-
lhos da localidade pedimos que aos esclare-
çam e mandem recfificações e addições para
o suppleraento, pois noblesse oblige—e cum-
pre lhes velar pro domo sua.
O mesmo pedido faremos
aos habitantes de todas as ou-
tras localidades.
ZAMBUJAL — aldeia ou monte da paro-
chia de Villa Alva, concelho e comarca de
Cuba.
V. Villa Alva, tomo 11.» pag. 664, col. 2.*
No dia i d'abril de 1886 foi julgado em
1 V. Vidaes, loc. cit.
ZAM
ZAM 2065
Cuba o hespanhol Thiago N. Bogalho, cal-
deireiro, morador na freguezia de Selmesi
concelho da Vidigueira, o qual em 11 d'oa-
tubro de 1885 matou com 3 navalhadas um
couteiro da herdade do Zambujal.
O reu negou sempre o crime; ninguém o
vira commetter o assassinato^ mas havia
grandes indícios, taes eram: — uma alterca-
ção entre os dois uma hora antes na taber-
na de Ignacio Gabo; as declarações do feri-
do, que até o momento d'expirar apontou
sempre como auctor o dicto hespanhol, — e as
nódoas de sangue que se encontraram na
jaqueta e navalha do réu, — sangue que os
peritos, procedendo a uma analyseehiraica,
affirmaram ser humaoo.
A audiência terminou às 10 horas da noi-
te, e a sentença condemnou o reu, attentas
algumas attenuantes, em 6 annos de prisão
cellular, seguidos de 12 de degredo, ou a 22
annos de degredo em alternativa.
A decisão do jury foi por unanimidade.
Como curioso specimen dos appellidos
que ali se usam, direi que entre jurados e
testemunhas figuraram Zorrinhos, Chibo,
Bogao, Borrelfo, Lula, Estrompa, Couquei-
ro, Taquenho, Melgaz, Marranito, Pirranqui-
nho, Capirra, Torrado, Charelha, Macha-
quim, Farricho e quejandos, cuja nomen-
clatura parece fazer do Alemtejo uma pos-
sessão gallega.
Com vista ao sr. Leite Vas-
concellos, auctor do interes-
santfi! opúsculo Dialeta Mi-
randez e d'outro8 congéneres.
ZAlMBUJAL — freguejia do concelho de
Condeixa a Nova, comarca de Penella, dis-
trieto e diocese de Coimbra.
Orago Nossa Senhora da Conceição.
Em 1708 era vigairaria e contava 200 fo-
gos.
Em 1768 era priorado da apresentação do
convento das religiosas agostinhas de Santa
Anna de Coimbra;— rendia SOOiiíOOO réis—
e contava 197 fogos.
Em 1852 o Flaviense deu lhe 188 fogos.
O censo de 1864 deu-lhe 219 fogos e 895
habitantes;— o de 1878 deu-lhe 242 fogos e
947 habitantes— e hoje deve ter 250 fogos e
1:100 habitantes.
Priorado.
Comprehende as aldeias seguintes:— Zawi-
bujal, séde da parochia, — Fonte Coberta,
Povoa de Pegas e Serra de Janeannes (João
Annes). A 1.» tem 130 fogos; a 2." 46; a 3.»
25 e a 4.» 49 — e todas distam cerca de 2
kilometros da aldeia do Zambujal, que de-
mora na margem direita d'um ribeiro con-
fluente do Mondego, e dista 4 kil. da villa
do Rabaçal, antiga séde do concelho, para
N.;— 8 da villa de Penella, séde da comarca,
para N. O.; 11 da villa de Condeixa Nova,
séde do concelho, para S ; 20 da esração de
Soure na linha férrea do Norte, para E ;22
da cidade de Coimbra pela estrada a maca-
dam, para S. — e 53 pela linha férrea do
Norte;— 170 do Porto— e 206 de Lisboa.
Freguezias limitrophes:— Rabaçal, Fura-
douro, S. Miguel de Penella e Podenles, sé-
de do julgado a que pertence esta do Zam-
bujal.
Tem uma estrada a macadam que passa
a 1 kil. do Zambujal. Ê a de Coimbra a
Thoraar por Condeixa, Rabaçal e -Ancião; e
d'e8ta, a 3 kil. do Zambujal', segue outra
para o Espinhal.
Banha esta freguezia um ribeiro que nas-
ce na de Pombalinho, concelho de Sou-
re; atravessa as do Rabaçal, Zambujal, Al-
quibedeque, Belido, Figueiró do Campo e
outras; recebe na m. d. um ribeiro que vem
de Condeixa—e desagua na m. e. do Mon-
dego 3 kil. a montante da foz do rio Soure,
tendo de curso total cerca de 32 kilometros.
Templos:
1.0— Egreja matriz, pequena e singela.
Tem torre cora relógio e 3 sinos — e foi re-
formada a egreja em 1783.
Era uma simples capella e foi arvorada
em matriz no anno de 1528, data da crea-
ção d'e9tá freguezia.
Nada off^rece digno de menção; as suas
alfaias são poucas e pobres; — tem apenas
uma confraria,— a do Santíssimo, — que se
sustenta de esmolas, d'algumas ioscripções
e dinheiro mutuado— e faz todos os annos a
festa do Santíssimo Sacramento.
2066 ZAM
ZAM
Ha também na egreja festa annual a Nos-
sa Senhora das Dores.
2. '— Capella de Santa Ignez, na aldeia da
Fonte Coberta.
3. ' — Capella de Santa Chrisiina, na al-
deia de Puvoa de Pegas.
4. " Capella de Nossa Senhora da Expe-
ctação, na aldeia da Serra de Janeannes.
Todas estas 3 eapellas estão abertas ao
calto e teem festa annual, feita por esmolas
dos devotos.
Ha nVsta freguezia, na povoação do Zam-
bujal, um ediâcio brazonado, que foi do ca-
pitão mor Florêncio Vietorino Cardoso d'Al-
bergaria. É hoje do seu sobrinho Florêncio
Cardoso Amado d'Albergaria, residente em
Figueiró do Campo, concelho de Soure.
A casa da residência parochial está em
ruinas e não tem cerca, mas tem um quin-
tal a pequena distancia.
É parocho (prior) actual d'esta freguezia
o infeliz dr. Jeronymo Henriques Dias d'A-
zevedo, natural de Condeixa, onde nasceu
em março de 1839, sendo filho legitimo de
Antonio Pedro Henriques de Azevedo, ba-
charel formado em direito, e de D. Maria
da Conceição Ribeiro.
Collou se era 8 de novembro de i873,era
bastante illustrado, bom orador, excellente
pessoa e muito estimado pelos seus paro-
chianos.
No dia 6 de julho de i884 foi prégar em
uma festividade na egreja de Podentes; em
seguida partiu para Condeixa, onde assistiu
a uma reunião politica, na qual fallou e
tanto se maguou e exaltou, que enlouque-
ceu e não mais pode exercer o seu minis-
teriol . . .
Deu entrada no hospital de alienados de
Rilhafoles, em Lisboa, a H d'ag08tode 1884
e ali se conserva como pensionista, comple-
tamente inutilisado.
A requerimento do ministério publico foi
julgado interdieto por sentença do juiz de
direito de Penella com data de 8 de julho
de 1885 e confirmada pela rel^ição do Porto
era SO de novembro do dito anno.
Por decreto de 3 dezembro do mesmo an- i
no foi lhe dado o subsidio annual de 50^000
réis em conformidade com o art. 14 da lei
de 20 de julho de 1839 e art. 3.» da de 8 de
novembro de 1841.
O nobre conde de Podentes — Jeronymo
Dias d'Azevedo — natural da freguezia de
Podentes, concelho de Penella, era segundo
primo, padrinho e protector d'aquelle meu
infeliz collega.
O clima d'esta parocbia é muito saudável
pelo que n'ella se encontram sempre mui-
tas pessoas de 90 a 100 annos — e não ha
muito aqui falleceu um homem de 105 an-
nos de idade.
I São também muito religiosos e bem mo-
rigerados os habitantes d'esta freguezia.
Producções principaes: — trigo, que ex-
porta para os mercados de Condeixa a No-
va^ Espinhal e Penella; azeite para a cidade
de Coimbra— e vinho para Ancião, Penella,
Espinhal e Condeixa.
Também produz bastante fructa, hortaliça,
hervãgens e algum milho.
Na parochia não ha feiras nem mercados.
Tem aula regia de instrucção primaria
para o sexo masculino.
Emolumentos parochiaes: — de cada ba-
ptisado uma quarta de trigo, uma gallinba
e 240 réis em dinheiro.
Dos casamentos: — um alqueire de trigo,
uma gallinba e 750 réis em dinheiro.
Óbitos:— de adultos 4 V2 alqueires de tri-
go;—de menores um salamim?. . .
De cada missa cantada 600 réis.
Esta freguezia pertenceu ao concelho do
Rabaçal, extincto pelo decreto de 31 de de-
zembro de 1853, pelo qual passou para o
concelho de Soure, — e depois pelo decreto
de 24 d'outubro de 1855 passou para o de
Condeixa a Nova.
É isto o que se lê na Chorographia Mo-
derna, mas o sr. dr. Secco na sua Memoria
do dislricto de Coimbra, publicada em 1853,
fallando do concelho do Rabaçal, diz que
foi extincto por decreto de 6 de março de
ZAM
ZAM 2067
1852: — que das 5 freguezias que o compu-
nham passaram 3 para o de Soure: — as de
Pombalinho e Degraeias, — e 3 para o de
Condeixa:— as de Alvorge, Rabaçal e Zam-
bujal; mas que pelo decreto de 27 de julho
de 1853 as freguezias do Alvorge e Rabaçal
foram transferidas para o concelho de Pe-
nella, ficando somente a do Zambujal unida
ao de Condeixa.
V. Rabaçal, villa, tomo 8.» pag. 39, col 2.»
No dia 13 de novembro de 1886 foi encon-
trada morta em ura poço, junto da aldeia do
Zambujal, uma mulher, por nome Maria da
Piedade, solteira, filha de José Quinta. A
auctoridade procedeu, mas não sabemos o
que apurou.
No dia i4 de março de 1879 descarregou
uma fortíssima trovoada no logar da Serra
de Janneanes, d'esta freguezia do Zambujal,
e na freguezia de Condeixa a Velha, sua li-
mitrophe.
A saraiva, que acompanhou a trovoada,
chegava a ser do tamanho de ovos de galli-
nha, e houve silios em que se elevou a um
metro de altura.
Ficaram completamente destruídos n'a-
quellas localidades os favaes, as hortaliças,
a herva para os gados e a rama das oliveiras
e d'outra3 arvores. Durou perto de duas ho-
ras e meia a trovoada.
Foi um grande prejuízo para aquelles po-
vos.
A trovoada foi medonha, mas felizmente
não matou pessoa alguma nem passou alem
dos pontos indicados.
Nasceu n'e8ta freguezia^ Fr. Simão do
Loreto, homem notável pela sua illustração
e virtudes. Foi padre mestre jubilado e vi-
garia geral da congregação dos frades gril-
los ou agostinhos descalços.
Professou no seu convento do Monte Oli-
1 Suppomos que nasceu n'esta, posto que
o Catalogo que temos prezente, copiado por
nós, diz simplesmente Zambujal.
vete, ou do Grillo, cabeça da congregação,
em Lisboa, no dia 1 d'agosto de 1737.
A LENDA DE MELLO E DO JERUMELLO
Nos relatórios da Expedição Scientifica á
Serra da Estrella em 1881} na secção de
Ethnographia, cujo relatório é devido à pen-
na do sr. Luiz Feliciano Marrecas Ferreira,
presidente da dieta secção, professor da Es-
cola do exercito o ao tempo capitão de en-
genheiros, se encontram muitas lendas da
Serra da Estrella, uma das quaes prende
com esta freguezia do Zambujal.
E a seguinte.2
«Nas proximidades de Penella ha dois
montes bastante elevados e de fórma mais
ou menos cónica.^ É crença popular que
dois ferreiros, dizem que irmãos, foram es-
tabelecer as suas forjas cada um em seu
monte, mas que possuindo ambos um só
martello d'elle se serviam alternadamente.
«Os montes na sua parte superior distam
uns dois kilometros um do outro; e quando
o Mello (assim se chamava um dos ferreiros)
precisava do martello, chegava à porta da
forja e gritava para o Jerumello (assim se
chamava o outro ferreiro) para este lh'o ati-
1 Nós também tivemos a honra de acom-
panhar a dieta Expedição como repórter do
Districto da Guarda e do Commercio Portu-
guez. Eíte ultimo jornal publicou uma lon-
ga serie de cartas nossas enviadas cio acam-
pamento.
Até hoje (1889j estão publicados apenas
5 relatórios das secções de Ethnographia,
Archeologia, Medicina, Botânica e Meteoro-
logia. A eollecção é rara, mas por fortuna
tenho-a completa.
Uma das vantagens da Expedição toi sa-
ber se que a serra da Estrella era muito
própria para o tratamento da tysiea, pelo
que já se fez ali um posto sanitário, onde
eátão em tratamento 40 tuberculosos.
V. Zêzere, rio da Beira Baixa.
2 Relatório de Ethnographia, pag. !2l.
3 Estes montes do concelho de Penella
prendem com a serra da Louzã e são de-
pendências da serra da Estrella.
P. A. Ferreira.
2068 ZAM
ZAM
rar. Isto repetia-se todas as vezes que tra-
balhavam.
«Os dois ferreiros eram gigantes, porque
só assim poderiam ler força para arreme-
çar o martello a tão grande distancia.
«Uma vez zangou-se o Jerumello com o
companheiro e atirou-ihe o martello com
tanta violência, que desencavando-se este
no ar, foi cair o ferro na encosta do monte
Hlello e logo d'ahi brotou uma fonte de agua
férrea, e o cabo que era de madeira de zam-
bujo foi espetar-se na teria a mais de 2 ki-
lometros dos referidos montes, e que por
isso se chama hoje Zambujal.
«No cimo do monte Mello veem se ainda
agora umas ruinas, que são da forja de um
dos ferreiros.»
A dieta lenda, como o próprio sr. Marre-
cas Ferreira declara, foi extrahida da inte-
ressante publicação Positivismo (tomo II,
pag. 451) do sr. Consiglieri Pedroso, a qual
lhe foi communieada pelo sr. José Mascare-
nhas Relvas.
Nós não conhecemos a localidade, mas,
consultando o sr. Delfim José d'Oliveira,
distincto escriptor publico filho de Penella e
por consequência visinho do Rabaçal e Zam-
bujal, foi 8. ex.» expressamente visitar os
montes da lenda e mandou-nos a informa-
ção seguinte:
•A leste do Rabaçal cerca de 2 kilome-
trps, junto ao logar da Fartosa, ha um
monte isolado^ alto e de fórma quasi cónica,
a que chamam Castello, e parece ser o mes-
mo que Alexandre Herculano denomina
GermanelloA
* «A fortaleza de Germanello foi construí-
da também por estes tempos (1141?) para
impedir os insultos dos inimigos, que, avan-
çando da provinda d'Al-Kas8r pelos terri-
tórios agrestes e montuosos ao noroeste do
Tejo, vinham ousadamente, seguindo o cur-
so do Doessa, ou por entre Pombal e Penel-
la, talar os campos de Aleanha e do Alvor-
ge.»
•O monte é impinado e coroado com as
minas d'um amigo Castello, que teria de
comprimento leste-oeste 33 metros por 20
de largo e duas portas^ uma ao nascente,
outra ao poente. Os muros mostram ter si-
do feitos com bastante cal, mas estão demo-
lidos até á plataforma e d'elle3 só resta a
base, que ainda assim tem do lado exterior
2 a 3 metros de altura e 2 de espessura.
«Tem pelo nascente, a 4 kilometros, Pe-
nella; pelo norte, a 3 kilometroí, a aldeia
do Zambujal — e pelo sul, a igual distancia,
o monte Jerumello.
•Ao fundo da encosta occidenlal do mon-
te do Castello ha varias fontes d'agua fér-
rea, que 08 habitantes da Fartosa, aldeia vi-
sinha, aproveitam para uso domestico.
«O Jerumello é escalavrado e íngreme, de
configuração muito semelhante à do monte
do Castello e pertence à freguezia do Alvor-
ge, concelho de Ancião. Não apresenta si-
goaes de construcção alguma, mas na aldeia
de Thomazinhos ha pessoas que se lembram
de ver no cume do monte uma cisterna e
um sabugueiro com enorme tronco. Alem
d'isso em volta do monte ha differentes so-
calcos ou taboleiros, com certeza feitos in-
tencionalmente, cujas rampas mais ou menos
aprumadas, de 8 metros d'altura e cobertas
de relva, diffieultam a subida e revelam ter
sido obras de defeza.
«Os dois montes não são dependência d'al-
guma cordilheira. Dominam o exienso cam-
po que lhes fica ao sul, oeste e norte, guar-
necido pelas povoações seguintes: — Alvorge,
Hist. de Port. tomo 1.» pag. 340.
Nós suppomos que a fortaleza do Germa-
nello estava no monte que hoje se denomi-
na Jerumello. Desculpe o nosso illustrado
informador.
P. A. Ferreira.
ZAM
ZAM 2069
Ateanha, Junqueira, Tomazinhos, Alcala-
mouque. Rabaçal, Fartosa, Fonte Coberta e
Zambujal.
«Nas povoações visinhas dos taes montes
conta-se a dieta lenda, mas desconhecem o
nome de Mello, que n'ella se dá ao monte
do Castello.*
Do exposto se vê que a lenda vigora na
localidade, é porem muito inverosímil di-
zer-se que o gigante do monte Mello, atiran-
do cora o martello contra o monte de Jeru-
mello, distante cerca de 3 kil. para o sul, o
cabo fosse bater no Zambujal, distante cerca
de 3 kil. para o norte, seguindo por conse-
quência um rumo diametralmente opposto^íl,.
Ao sr. Delfim José d'01iveira, illustrado
filho de Penella e visinho d'esta parochia do
Zambujal, agradeço os apontamentos que
me enviou e peço licença para consiguar
aqui alguns traços da sua biographia:
Nasceu na villa de Penella a 15 de feve-
reiro de 1821 e foram seus paes José Joa-
quim d'01iveira e Rosa Margarida da Silva.
Alistou se voluntariamente no batalhão
de infanleria n." 7, em Lisboa, a 24 de se-
tembro de 1838 e foi despachado alferes
para Moçambique em maio de 1842; tenen-
te a 8 de maio de 1845; capitão a 12 d'a-
gosto de 1848; major sem prejuiso d'anti-
guidade em attenção aos serviços extraordi-
nários que prestou em differentes commis-
soes que desempenhou com zelo e inteUigeU'
cm,-— decreto de 10 de maio de 1861.
Reformou-se no posto de teoente coronel
era abril de 1868 e regressou á sua casa de
Penella, oade vive no estado de viuvo e s.
g. entregue aos seus labores lltterarios, dos
quaes adiante fatiaremos.
Durante o tempo que militou na Africa
prestou ali relevantes serviços.
Foi ajudante d'ordens do governador ge-
ral de Moçambique desde 18 d'abril de 1844
até 31 de maio de 1847; ajudante do bata-
lhão n.o 1 por nomeação de 26 de junho do
dicto anno; demittido do serviço, como re-
quereu, por portaria do governador geral
de 13 de julho do mesmo anno; julgada
nulla a demissão por portaria do ministério
da marinha e ultramar de 21 de dezembro
de 1849; nomeado auditor da gente de guer-
ra em 30 de outubro de 1850; commandan-
te militar da villa de Tete em 25 de outu-
bro de 1855.
Em 31 de março de 1858 passou a servir
na província de Cabo Verde e ali exerceu 3
commandos:— da ilha de S. Vicente; do ba-
talhão d'artilheria — e da ilha de S. Thiago.
Recolhendo a Lisboa por ordem do mi-
nistério, foi nomeado commandante da Co-
lonia militar de Tete, então organisada no
quartel d'Alcantara, — em 18 de junho de
1859— e partiu cora a dieta colónia para
Moçambique a 2 de julho do mesmo anno.
Foi nomeado commandante do batalhão
de caçadores n.» 2, organisado na Zambezia,
em 29 d'agosto de 1860— e governador de
Sofâlla em 20 de junho de 1861.
Partiu para Zamzibar era commissão de
serviço a 17 d'outubro do mesmo anno de
1861 e regressou a 15 de janeiro de 1862,
sendo nomeado commandante do batalhão
d'iofauteria n." 1 era 4 de fevereiro do mes-
mo anno — e louvado na Ordem á força ar-
mada de 30 de julho, pela boa apparencia
militar é luzido aceio com que o batalhão
n.° 1 se apresentou em parada no dia 17*
por occasião da acclamação de S. M. el rei
D. Luiz I e pela disciplina do mesmo bata-
lhão.
Em 15 de dezembro de 1862 foi agracia-
do cora a commenda da ordem militar de S.
Bento d'Aviz — em attenção aos bons serviços
que tem prestado no desempenho de differen-
tes commissões, — diz o decreto; — e era 15 de
dezerabro de 1863 foi nomeado governador
do districto de Tete em attenção ás qualida-
des e mais circumstancias que concorrem na
sua pessoa, — diz tarabem o decreto. Por
pleno poder, expedido pela secretaria d'es-
tado dos negócios estrangeiros em 3 de
maio de 1864, foi nomeado Plenipotenciário
á republica de Transwaal — Boers, — e man-
2070 ZAM
ZAM
dado louvar em oflBcio do secretario geral |
de 20 de março de 1865 pelo bom desem-
penho de tão melindrosa missão, — tendo s.
ex.* a maior satisfação em ver não só que
foram fielmente cumpridas as suas ordens,
mas também que o relatório está organisado
com a discripção e habilidade que o distin-
guem — diz o mencionado ofiQcio.
Foi transferido para o governo do distri-
cto de Quelimane por conveniência do ser-
viço,— em attenção ao zelo, probidade e pro-
ficiência que se dão na sua pessoa. . . — por-
taria do governador geral de 5 d'abril de
1865— e, em virtude da auetorisação con-
cedida em oíBcio de 6 de maio de 1867, fez
entrega d'aquelle governo em 31 do dicto
mez e anno, deixando ali as mais vivas sau-
dades, poisembeilesou, arborisou e transfor-
mou completamente a villa de Quelimane,
abrindo novas ruas e fazendo grandes me-
lhoramentos no seu porto, etc. etc. como
provam documentos bonrosissimos que le-
mos sobre a nossa mesa de estudo.
Fatigado e arruinado com tanto serviço
em paragens tão inhospitas, pediu e obteve
licença para regressar á metrópole, sendo
por essa oceasião louvado pela intelligencia,
zelo e dedicação com que se houve no desem-
penho das suas funcções como governador de
Te te e Quelimane e pelos valiosos serviços
prestados áquellas villas, os quaes opportu-
namente serão levados á presença de Sua
Magestade.
Portaria do governador geral de 14 de
junho de 1867.
Do exposto se vê que o nosso biographa-
do é um cidadão benemérito. Alem d'isso é
um cavalheiro muito obesequiador, muito
tractavel e muito iliustrado.
Em 1884 publicou em Lisboa na Typ. da
Casa Minerva,— rm Nova da Palma, 136 e
138, — um formoso livro de 216 pag. 8.» —
Noticias de Penella com 4 gravuras repre-
sentando as armas da villa e o seu castello,
visto do lado sul;— depois, em 1886, publi-
cou am Additamento de 148 pàg. com rela-
ção ás mesmas Noticias de Penella — e já es-
creveu e tem no prelo novo Additamento, o
que prova que o sr. tenente coronel e eom-
mendador Delfim José d'OIiveira ama pro-
fundamente a sua terra natal, como bom
fllho.
Terminaremos dizendo que s. ex.* é tam-
bém sócio da Real Associação dos Archite-
ctos civis e Archeologos portuguezes.
ZAMBUJAL— freguezia do concelho e -co-
marca de Redondo, dislrieto e arcebispado
d'Evora, proviacia do Alemiejo.
Orago— S. Bento. Priorado.
Fogos 70;— hobitantes 288.
Em 1768, segundo se lê no Port. S. Prof.
esta parochia era curato da apresentação
dos arcebispos d'Evora; rendia para o cura
130 alqueires de trigo e 49 de cevada — e
contava 53 fogos.
Em 1852, segundo diz o Flaviense, es-
ta parochia era do concelho de Redon-
do, comarca de Monsaraz — e contava 58 fo-
gos.
O censo de 1864 deu-lhe 59 fogos e 373
habitantes;— o de 1878 deu-lhe 58 fogos e
351 habitantes.
É pouco populosa, mas o arcebispado de
Évora, tem 27 freguezias menos populosas
ainda — e 49 que não contam 100 fogos-
N'este ponto só o bispado de Bragança está
ieferior ao d'Evora, pois no bispado de Bra-
gança ha 134 freguezias, cuja população é
inferior a 100 fogos— e nenhum dos nossos
bispados conta relativamente freguezias tão
populosas, como o do Algarve. Tem apenas
uma freguezia inferior a 100 fogos; outra de
100 a 200— e 8 de 200 a 300 fogos. As res-
tantes são todas mais populosas, sendo a
mais populosa entre todas a de Loulé, pois
conta cerca de 3:400 fogos e 15:000 habi-
tantes.
É hoje a villa mais populosa de Portugal
— e mais populosa do que todas as nossas
cidades, exceptuando Lisboa, Porto, Braga,
Coimbra, Setúbal e Évora.
Cumpre pois aos louletanos pugnarem
pela elevação d'aquella grande villa á ca-
thegoria de cidade.
Com vista aos habitaates da
formosa villa de Loulé.
Prosigamos.
ZAM
ZAM 2071
Esta pobre fregaezia do Zambujal Dão
tem aldeias ou povoações compactas, mas
apenas alguns pequenos montes dispersos
pelas herdades seguintes:— Covas, Piearrel,
Godinba de Baixo, Godinha de Cima^ Cen-
tros de Durão, Pinheiro, Casas de Baixo,
Casas de Cima, Fonte da Cal, Viegas, Ata-
lho, Amendoeira, Hospital, Courellas,S. Ben-
to, Aiamo, Carapetal, Quinta do Piearrel,
Horta das Couves e Lês?. . .
As melhores herdades são as duas pri-
meiras. A das Covas pertence hoje a Fla-
miano José Lopes Ferreira dos Anjos, de
Lisboa;— a do Piearrel pertence a Domin-
gos Antonio Fallé Ramalho, da villa de Re-
dondo.
A egreja matriz está isolada e demora en-
tre dois regatos que vem da serra á'Ossa e
formam a ribeira de S. Bento ou da Pedra,
que banha esta parochía e desagua na ri-
beira de Alcrovisca, a distancia de 4 kilome-
tros, a qual por seu turno, depois de unida
a outras, desagua na de Pardiella, confluen-
te do rio Degebe, que vae ter ao Guadiana,
V. Degebe, tomo 2.» pag. 466, col. 1.»
A egreja de S. Bento dista da villa de
Redondo 6 kil. para O. N. O. e 30 d'Evora
para N. E.
Parochias limitrophes: — Redondo a E.;
Adaval a S.; Freixo a O. e Monte Virgem
a N.
Atravessam esta freguezia duas estradas
a macadam:— uma real, n.» 48— A — , d'E-
vora para a villa do Redondo;— outra mu-
nicipal, do Redondo para a estação de Aza-
ruja ou Torre da Gadanha, na linha férrea
do Sul,— ramal d'Evora a Estremoz.
Templos:— a egreja matriz e uma capella
publica de S. Gonçalo no monte (povoação)
do Piearrel.
Ambos 03 templos são simples.
A egreja foi reedificada em 1882 e n'ella
se faz no 3 * domingo d'agosto uma festa a
Santo Antonio com grande romagem, a 1.*
da freguezia.
Pontes:— uma nova de pedra sobre a men-
! cionada ribeira de S. Bento na estrada real
n.» 68-A.
Foi feita em 1884.
Moinhos : — apenas tem a parochia 1 de
vento na herdade da Fonte da Cal.
Produeçòes dominantes: — trigo, cevada,
centeio e bolota.
Cria bastante gado suino o tem abundan-.
cia de caça miúda.
Factos importantes: — uma tempestade
que em outubro de 1861 pesou sobre esta
freguezia e destroçou grande parte do ar-
voredo—azinho e oliveiras, principalmente
nas herdades do Piearrel, Hospital e Carra-
petal.
O clima é pouco saudável. Ainda em 1884
a variola e o sarampo aqui mataram muitas
creanças e adultos.
O chão d'esta parochia foi habitado des-
de tempos remotíssimos. N'ella se encon-
tram ainda claros restos de um dolmen, co-
mo diz o sr. Gabriel Pereira no seu interes-
sante opúsculo — Dolmens ou Antas dos ar-
redores d'Evora, publicado em 1875, —
pag. 4.
Também aqui se teem encontrado muitas
moedas romanas em differentes datas e dif-
ferentes sitios.
Esta parochia é priorado, mas de encom-
meodação ou amovível.
Não tem aula nem escola alguma, nem
sequer de instrucção primaria elemen-
tar!...
Es la freguezia pertenceu à comarca (cor-
regedoria e provedoria) d'Evora; depois
passou para a de Monsaraz; em seguida
passou para a de Reguengos até 1885, data
em que passou para a do Redoodo.
ZAMBUJAL,— quinta ou antes — - herdade
da freguezia de Maratéca, hoje exlincta e
unida à de Palmella.
V. Marateca, tomo 5.°, pag. 59, col. 2.»
Demora a dieta herdade á beira de um
braço do rio Sado, que a distancia de 15
kil. de Setúbal toma a direcção N. indo en-
contrar as aguas da ribeira de Marateca
junto da mesma herdade, sendo navegável
até ali com maré cheia por barcos de pe-
quena lotação.
A dieta herdade dista de Setúbal cerca da
2072 ZAM
ZAM
30kil e oecapa uma area de 2:800 hecta-
res aproximadamente.
Confina ao norte com a estrada real, que
de Setúbal se dirige a Alcácer e á herdade
de Maratéea; — ao sul com o mar da Sacho-
la; — ao nascente com as herdades do Pi-
nheiro e de Palma — e ao poente com a ri-
beira de Maratéea e braço do Sado.
Compòe-se de terrenos cerealíferos e vár-
zeas para cultura de arroz, grandes pasci-
gos para toda a qualidade de gado, bastan-
tes montados de sobro, pinhal manso e bra-
vo e alguns olivedos.
Até o terremoto de 1755 teve uma magni-
fica habitação com todas as dependências e
ofiBcinas de uma nobre vivenda campestre,
avultando, não pela grandesa, mas pela sua
luxuosa fabrica, uma linda capella, que ain-
da hoje ostenta bellos mosaicos de mármo-
re d'Extremoz e azulejos hollandezes do
sec. xvm, representando a Familia Sagra-
da, invocação da capella, festejando-se ali
S. José no domingo do Bom Pastor, em cum-
primento da instituição vincular.
O terremoto de 1755 lançou as edificações
quasi todas por terra. Algumas se restaura-
ram posteriormente, mas com bastante sin-
geleza. No primeiro quartel do ultimo se-
, culo foi restaurada a capella e outra vez
em 1829 pelo barão do Zambujal, dono d'es-
ta vivenda, do qual adeante fallaremos, po-
rem com o aodar do tempo e com o descui-
do dos rendeiros tudo tornou a cair em mi-
nas, ficando a pobre capella desamparada e
profanada, mas consta-nos que o actual pos-
suidor tem a restauração em projecto.
Esta grande propriedade era da casa de
Bragança; foi comprada ao duque D. Fer-
nando I em 145i por Gil Fernandes Sardi-
nha e veiu a pertencer à sua bisneta D. Ca-
tharina da Cunha, que, não tendo successào,
em 1609 institum n'ella um vinculo para
sua sobrinha D. Luiza da Cunha, mulher de
João Soares do Torneio, de quem procedeu
sua nela D. Luiza Maria da Cunha, mulher
de José de Cabedo, notável genealogista e
pelo seu casamento senhor do morgado do
Zambujal, vindo por tanto Jorge de Cabedo,
barão do Zambujal e bisneto d'aquelle, a
ser o 7.» senhor do dieto morgado, cuja an-
tiguidade já foi citada na Corogr. Port. em
1712, a qual, fallando da comarca de Setú-
bal e das casas nobres d'aquella villa, hoje
cidade, diz que uma das mais principaes
era a dos Cabedos. Em seguida desenvolve
muito amplamente a genealogia d'elles e a
pag. 297 do tomo 3 • diz que a herdade do
Zambujal era muito antiga n'esta familia e
que andava n'ella havia mais de 250annos.
Em 1667 foram unidas mais algumas ses-
marias e pequenas herdades á do Zambujal
e igualmente vinculadas, vindo a compre-
hender, como ainda hoje comprehende, as
propriedades seguintes : — Zambujal, Moita
do Gato, Estorrinheira, Valle do Cão, Torri-
nha, Valle de Soeiros, Arrabidas e Saeholi-
nha.
Jorge de Cabedo de Vasconcellos Sardi-
nha da Cunha Castello Branco do Couto,
commendador e cavalleiro professo da or-
dem de Christo, moço fidalgo com exercício
no paço, 8." senhor do morgado de Cabedo,
7.» do de Vasconcellos, 7.» do de Zambujal,
9.» do de Sardinhas, senhor do morgado da
quinta da Caridade em Ourem, na qual suc-
cedeu pela extineção da linha primogénita
dos Coutos em 1817 — e administrador de
varias capellas, sendo uma de 1303 e outra
de 1459, foi coronel do regimento de milí-
cias, de Setúbal desde 1812 até á conven-
ção d'Evora Monte, superintendente das cau-
dellarias da comarca de Setúbal e provedor
da Tabola real e pescado da mesma villa,
officio que andava em sua casa desde 1639.
Teve a mercê de barão do Zambujal em
27 de janeiro de 1826 e ao começar a lueta
civil immediatamenie posterior foi elevado
a visconde do Zambujal pelo sr. D. Miguel
cuja causa elle sempre desposoa.
Ao terminar a dieta guerra foi-lhe ex-
pressamente prohibido usar do titulo de
visconde, continuando por tanto a assígnar*
ZAM
ZAM 2073
se barão, até que falleceu em Lisboa a 26
de março de 1850, tendo nascido em Setú-
bal a i8 d'abril de i783.
O dicto barão casou em Setúbal a 10 de
novembro de 1808 com sua prima D. Anna
Leonor d'Almada e Lencastre, filha dos 2
viscondes de "Villa Nova de Souto d'El-Rei,
de quem teve vários filhos, entre elles José
Bruno de Cabedo, primogénito. Casou e le-
ve Jorge de Cabedo, actual herdeiro e re-
presentante do barão do Zambujal. Rezide
em Setúbal, — casado e com geração.
ZAMBUJEIRA ou AZAMBUJEIRA.
Tem a mesma etymologia de Zambujal ou
ou Azambvjal, indicada nos artigos pró-
prios.
V. Zambujal, Azambujal e Azambvjeira
—Villa e freguezia do concelho de Rio
Maior.
ZAMBUJEIRA — aldeia da freguezia de
Evora de Alcobaça, concelho d'este nome,
distrieto de Leiria.
V. Evora d" Alcobaça, tomo 3.» pag. 121,
col. 1.*
Com o mesmo nome de Zambujeira temos
no nosso paiz mais 3 aldeias, 6 casaes, 4
quintas e 3 herdades. Mencionaremos ape-
nas as seguintes:
ZAMBUJEIRA ou AZAMBUJEIRA,— her-
dade da freguezia de S. Braz dos Mat-
tos, concelho do Alandroal, distrieto de
Evora.
V. Mattos, vol. 5." pag. 134, col. l.«— ar-
tigo que o meu benemérito antecessor cir-
cumscreveu a dose linhas'^1 . . . Seja-nos li-
cito pois dar lhe algum desenvolvimento
mais.
Esta freguezia demora na m. d. do Gua-
diana e dista 7 k. do Alandroal para E.
Comprehende a aldeia de S. Braz dos
Mattos^ séde da parochia, e as herdades da
Zambujeira ou Azambujeira, Lourenço, Al-
caide, Agudos, Assabueiros, Azinhal, Cha-
cim. Charneca, Bugalho, Cortiço, Ferrarias,
Galvões, Machados, Naleiras, Nave de Cima, I
Nave de Baixo, Mestre Fernando, Pão Mole,
Boinhas, Palmeiraf», Palheiros, Pobres, Par-
dainhos, PerdigÕa, Pocinho, Pombal, Bou-
quinha, Sollas, Sande, Sameiras, Thomazes,
Tredo, V;it a e Potes; os montes (casaes) do
Fidalgo, dv) Fôro, da Cebola, do Cubo, do
Outeiro e Monte Novo;— as azenhas de Val
Verde, Palheiros, Sacramento, Monte Novo
e Azenha Grande ; — os moinhos de Cubo,
Abobada, Bispos, Rodete e Assabueiros; —
as habitações isoladas— Casm/m de S. Braz
— e Casa do Sacristão, — e o sitio denomi-
nado Mina do Bugalho.
Pelo censo de 1878 esta freguezia contava
152 fogos e 640 habitantes.
Tem estado civilmente unida à de Juro-
menha.
A herdade da Zambujeira pertence ao sr.
Carlos Eugénio d'Almeida, par do reino, —
e ha n'ella uma mina de cobre, cuja explo-
ração foi suspensa, pelo que o governo em
abril do corrente anno de 1889 a declarou
abandonada.
ZAMBUJEIRA (ou Azambujeira) dos Car-
ros, — aldeia da freguezia da Roliça, conce-
lho de Óbidos.
V. Roliça, tomo 8.» pag. 223, col. 2.»
Alem da povoação da Roliça, séde da pa-
rochia e que está na m. e. do rio Real, na
estrada de Óbidos para Torres Vedras, com-
prehende esta parochia as aldeias seguin-
tes:—Zamònjeira ou Azambujeira dos Car-
ros, S. Mamede, Braçaes, Delgada, Colum-
beira, Casaes da Victoria, Casaes de Lama-
rosa, Casaes da Charneca e Pó; — os casaes
do Braz, das Figueiras, do Norte, Boa Vis-
ta, Cabecinhos, Valle, Val da Cobra, Val do
Grou, Eira, Abréa, (talvez corrupção de
Verêa) Forno, Vallinhas, Merca, Villa-
ça. Outeiro, Aguas Quentes, Linhares, La-
goas e Fialho ; — as quintas de Freiria,
Paul, Carvalha, Balleiro e Fabrica — e o
Moinho do Rolão.
Em 1712 Carvalho mencionou a povoação
da Columbeira com uma ermida de Santo
Antonio, — a do Pó com uma ermida de San-
ta Catharina,—^ de Baraçaes (?) cora uma
ermida de S. MgiMe/,— Delgada com uma er-
mida de S. Martinho — e S. Mamede com
uma ermida d'este santo.
2074 ZAM
N'e8ta parocbia da Roliça foi derrotado o
exercito franeez de Labord pelo exercito
anglo-Iuso no dia 17 d'agosto de 1808, ca-
bendo aos soldados portuguezes a gloria de
serera os primeiros a bater os jacobinos, to-
mando-lhes a forte posição do Moinho da
Zambujeira dos Carros, defendida pela ala
esquerda do exercito francez. Era seguida
foram as hordas de Napoleão batidas tam-
beoi nas povoações da Roliça e Columbeira,
— preludio da grande derrota que soffreram
dias depois (a 22 d'agosto) no Vimeiro da
Lourinhã.
V. Roliça, loc. cit. pag. 224, col. 2.» — e
Vimeiro da Lourinhã, tomo 12 » pag. 1:436,
col. 2.* e segg.
A povoação de Zambujeira dos Carros
tem 80 fogos e 312 habitantes e demora em
planície.
Junto d'elia se feriu a batalha contra os
francezes em 1808— e muito recentemente se
feriram no mesmo campo outras batalhas —
grandes desordens — entre os habitantes da
dieta povoação e os da freguezia io Reguen-
go Grande, sua limitrophe, concelho da Lou-
rinhã, comarca de Torres Vedras, districto
de Liâboa.
V. Reguengo Grande, tomo 8.» pag. 115,
col. 2.»
As coisas passaram -se assim:
A freguezia do Reguengo Grande perten-
ceu antigamente ao concelho d'Obidos,e en-
tre ella e a povoação de Zambujeira dos Car-
ros ha uma charneca, onde os habitantes do
Reguengo e da Zambujeira costumavam
promiscuamente apascentar os seus gados,
cortar lenha e cultivar alguns chãos.
Um bello dia os da Zambujeira lembra-
ram-se de arrotear, semear e plantar uma
grande porção da tal charneca, alongando -
se até onde lhes approuve, por não haver na
dieta charneca marcos que dividissem os
dois concelhos da Lourinhã e Óbidos.
Os do Reguengo oppozeram-se, dizendo
que a charneca arroteada lhes pertencia ;
ZAM
por seu turno os da Zambujeira diziam: é
nossal Uns semeavam outros destruíam. Re-
sultado:— ameaças, ódios, grandes rixas e
grandes desordens, — muita pancadaria e
muitos ferimentos, processos e prisões, trans-
formando-se repetidas vezes a dieta charne-
ca em verdadeiro campo de batalhai . . .
Em uma correspondência de Leiria com
data de 27 d'abril de 1886 lemos nós o se-
■ guinte.
I «Noticias telegraphieas de Óbidos dizem
que os habitantes do Reguengo, concelho da
Lourinhã, foram ao logar da Azambujeira,
concelho de Óbidos, e arrasaram searas de
trigo e outras sementeiras. Os prejuizos são
importantes. Os invasores maltrataram diffe-
rentes pessoas com foices e armas de fogo.
Foram requisitadas forças militares.
Eâtâ invasão selvagem é um episodio de
uma rixa velha, que ha entre as duas po-
voações, por causa da demarcação de limi-
^ tes dos termos de uma e outra. Ha mezes
j houve outra invasão semelhante, com gran-
j de dose de pancadaria de um e outro lado.
O governo mandou marchar forças de in-
fanteria e cavallaria para o logar do confli-
! cto, afim de restabelecer a ordem »
Outra correspondência do Cadaval com
data de 3 de junho do mesmo anno de 1886,
dizia:
«Mais de duzentos homens armados, do
Regunego Grande, foram hoje destruir o
resto das searas à charneca da Azambu-
jeira.
Levaram quanto poderam aproveitar d'el-
las, trigo, cevada, batatas, ervilhas, etc, e
quando se retiraram dispararam mais de 40
tiros.
Assaltaram dois indivíduos da Azambu-
jeira.
Pedimos ao sr. ministro do reino haja de
dar providencias enérgicas.»
Effectivamente de novo marcharam para
o local do conflicto forças de cavallaria e
infanteria, que fizeram varias prisões, mas
a tempestade não acabou, antes recrudes-
ceu! . . .
As maiores desordens entre as duas fre-
guezias tiveram logar no anno seguinte— em
um dia solemne — sexta feira santa — desor-
ZAM
ZAM 2075
dem que se repetiu posteriormente em ou-
tros dias d'aquelle aono e do seguinte.
Em 1887 sofFreram os da Zambujeira pre-
uisos de vulto!
Trigo, cevada, milho, batatas, hortaliça,
vinhedos e pomares — tudo foi arrazado e
destruído pelos do Reguengo.
Não bouve mortes, mas bastantes feri-
mentos e ura chuveiro de ||alas trocadas
entre os combatentes.
Foram processados 10 ou 12 indivíduos
de cada um dos campos, rendendo 03, pro-
cessos alguns mezes de cadeia, alem das
custas.
Finalmente o governo em fins de agosto
de 1888 ordenou aos governadores civis de
Lisboa, a cujo districto pertence o Reguen-
go,—e de Leiria, a cujo districto pertence a
Zambujeira, que fixassem os limites das
duas paroehias do Reguengo e da Roliça— e
dos dois concelhos da Lourinhã e Óbidos.
Assim o cumpriram. Depois de grandes
contestações, lá metteram marcos e a bulha
terminou até hoje (maio de 1889)— mas di-
zem-me da localidade que a rixa entre os
dois povos é cada vez maior e promette no-
vos desgostos.
Terminaremos dizendo que nas bulhas
entre aquelles dois povos por vezes toma-
vam parte as duas freguezias a que perten-
cem e que são bastante populosas, pois a
do Reguengo Grande pelo censo de 1878
conta 303 fogos e 1:221 habitantes— e a da
Roliça 493 fogos e 2:323 almas?!. . .
ZAMBUJEIRO— aldeia da freguezia, villa,
concelho e comarca da Louzã, districto e
diocese de Coimbra.
V. Louzan, tomo 4.» pag. 469, col. 2.»
Com o mesmo nome de Zambujeiro temos
no nosso paiz mais 4 aldeias, 20 easaes e
diversas quintas e herdades. Mencionaremos
apenas as seguintes:
ZAMBUJEIRO— herdade da freguezia de
Ourega, concelho, comarca e districto d'E-
vora, na província do Alemtejo.
Esta herdade pertenceu às freiras do con-
vento das (Chagas de Villa Viçosa, que a em-
prasaram pelo fôro annual de 104^800 réis,
fôro que o visconde de Guedes arrematou
em 1876 pela quantia de 2:200^000 réis.
A dieta freguezia eomprehende outras
muitas herdades. Mencionaremos apenas as
do Outeiro, Correia, Fonte Coberta e a quin-
ta de Pombarinho, que foram do par do
reino, grande capitalista e grande proprie-
tário, José Maria Eugénio, de Lisboa, e hoje
são da sua filha D. Gertrudes.
V. Ourega, tomo 6.0 pag. 311, col.
2.» e segg. — artigo muito interessante,
devido á pena do meu benemérito anteces-
sor.
ZAMBUJEIRO -herdade da freguezia, vil-
la, concelho s comarca do Redondo, distri-
cto e arcebispado d'Evora.
V. Redondo, vol. 8." pag, 85, col. 2.»
Alem da villa, a mencionada freguezia do
Redondo eomprehende a povoação ou aldeia
chamada Foros da Fonte Secca; os montes
(easaes e herdades) do Zambujeiro, Padrão,
Gaivota, Cabeça da Freira, Sernadinha, San-
to Aleixo, Barrancos, Doutor, Sequinique,
Tapada do Ignacio, Jeronymo Piteira, S. Jo-
sé, Capote, Gafanhas de João Curado, Frei-
ra, Forinho, Quebrada, Quebradinha, Torre,
Capella, Calva, Zambujeirinho, Álamo, Vo-
gada, Bico, Reimonda, Lamego, Novancha,
Val Sobrados, Monte Branco, Val de Cepos,
Brandoa, Calado, Monte da Ribeira, Monte
da Silveira, Caladinho, Azinhalinho, Cabeça
Gorda, Orvalha, Quebradinha. Carrascal e
Valonguinho;— as quintas de Gama de Bai-
xo, Gama de Cima, Nery, S. Pedro e Bom
Successo;— as hortas de João Rosado, João
Joaquim, José Vicente, Caramellc, Ignacio,
Monte, Barradas, Marques, Pereira, Fonte e
João Pedro.
E' muito digno prior actual da villa do
Redondo o rev. Joaquim José Freire de Fa-
ria e Silva.
Nasceu em 19 d'abril de 1847 no logar da
Portella, freguezia de Nossa Senhora da
Graça de Arêas, concelho de Ferreira do
Zêzere, e foram seus paes Diogo José Freire
e D. Maria de Jesus Ribeiro.
E' 2.» sobrinho do rev. Diogo de Faria e
Silva, cónego e fabriqueiro da sé archiepis-
copal d'Evora, de quem já fizemos men-
2076 ZAM
ZAP
ção,* e foi lambem educado por elle em
Évora, onde frequentou o lyceu, indo em
seguida para Coimbra, onde cursou com
dislincção a faculdade de iheologia.
Em 1869 foi nomeado professor de scien-
cias ecclesiasticas do seminário d Evora—
6 em 1871 foi apreseniado na matriz da
Villa do Redondo, pondo ali um coadjutor
e ficando em Évora com a regência da sua
cadeira.
Em 188S foi nomeado promotor do juizo
ecclesiastico e mestre de ceremonias do
prelado.
E* também desembargador da relação
ecclesiastica d'Evora e examinador pro-
synodal, muito illustrado e de bons costu-
mes:
ZAMBUGEIRO (Nossa Senhora do) — de-
pois Nossa Senhora das Candeias — e hoje
Nossa Senhora da Assumpção, padroeira da
freguezia de Cadafaes, concelho de Alem-
quer.
V. Cadafaes, tomo 2.» pag. 27, col. i.« e
segg.— artigo também muito curioso e mui-
to ioieressanle, devido á pena do meu ante-
cessor. É um extracto do que se lê a pag.
263—270 da monographia— Alemquer e seu
concelho - escripta. e publicada pelo sr. Gui-
lherme João Carlos Henriques em 1873.
O Sant. Marian. tomo 7.» pag. 247—254,
fâllando da Senhora do Zambujeiro, em re-
sumo diz o seguinte:
Antes de haver egreja nos Cadafaes ap-
pareceu ali no tronco de ura zambujeiro
uma imagem da Virgem. Começou desde
logo a obrar muitos prodígios; de todas as
partes concorreram devotos e ali mesmo lhe
erigiram um templo. Augmentando a con-
corrência dos fieis, crearam uma feira no
dia da romagem, — feira que durou poucos
annos, porque, sendo muito numerosa e to-
mando grande espaço de terreno os gados,
carros, povo e tendeiros, os donos dos pre-
dios contíguos, vendo-os muito devassados,
IrataraiQ de remover a feira para outro si-
1 V. Vista Alegre, quinta, D'este vol. pag.
1926, col. 2.»
tio. Foi para a villa da Azambuja e como
ali por essa occasião (J403, no reinado de
D. João I) apparecesse a imagem de Nossa
Senhora das Virtudes, os devotos lhe erigi-
ram um templo que no reinado D. Affonso
V se transformou em convento de frades
Menores da província de Portugal, e para ali
fugiu, ou foi levada furtivamente, a imagem
da Senhora daZambujeiro. Os habitantes de
Cadafaes logo a reclamaram; oppozeram-se
os religiosos; seguiu-se letigio; decaíram os
religiosos, pelo que a Senhora voltou para
os Cadafaes, mas em breve tornou a appa-
recer na Azambuja.
Em vista de facto tão estranho os de Ca-
dafaes mandaram fazer outra imagem da
Virgem para a sua egreja e lhe deram o ti-
tulo da Assumpção, depois Senhora das Can-
deias, por costumarem festejal-a no dia da
Purificação— 2 de fevereiro. Tornou-se mui-
to querida dos povos da localidade, pelo que
arvoraram a dieta capeila em matriz de uma
nova erecta, desmembrada da freguezia de
S. Pedro d'Alemquer. Assim se creou a
freguezia de Cadafaes.
Em 1721 ainda no adro da nova matriz
pompeava o zambujeiro, em cujo tronco ha-
via apparecido a 1.» imagem, mas já não
existe. Caducou e desappareceu no melado
d'este século.
ZAÕES (S. Salvador de) — aldeia ou fre-
guezia de Portugal na idade media, mas que
se extinguiu ou mudou de nome.
iEm S. Salvador de ZaÕes duas leiras re-
guengas, das quaes dão annualmente a el-
rei, de cada uma, ou um almudí de pão por
censuria ou ração de trigo.»
Hist. de Port. de Alex. Hercul. tomo 3.»
pag. 339.
ZÃOS— (Santa Maria de)— aldeia ou fre-
guezia de Portugal, que também se extin-
guiu ou mudou de nome. D'ella se fez men-
ção no sec. XIII.
«Em Santa Maria de Zãos ha uma casa
reguenga e dá-a o mordomo a quem lhe
parece pela sua oCfreçào.»
L. 5 d'Inq. de D. Diniz, f. 36.
ZA?LTE— truque ou /ruço— jogo de car-
ZAP
ZAR 2077
tas, ouir'ora muito vulgar no nosso paiz. j
Joga-se com 3 cartas — e uma d'ella8, o 4 de
paus, denomina-se zápete. Vence o zápete
a bicha, o bichão e tudo o mais, como diz
Bluteau.
Moraes (6.» edição) aponta outros jogos
denominados truque, sem serem os de car-
tas.
Uma aneedota:
Em Lamego, no tempo do bispo D. João
Binet Pineio, (1786—1827) ordenou-se um
estudante da nobre família Amados de Pa-
redes da Beira, muito apaixonado pelo tal
joguinho, ou pelo chincalhão, que, segundo
me informam tem phrases próprias, taes
como estas; — truco, retruco, vale nove, jo-
gue, que é cacha.
Binet Pincio, prelado benemérito e muito
enérgico, mas de bom humor, tendo perfei-
to conhecimento da prenda do tal estudante,
quando este requeria admissão a ordens,
escreveu como despacho simplesmente;
Iruco.
O estudante fleou attonilo: eomprehen-
deu o alcance da phrase; convenceu- se de
que o bispo estava indisposto contra elle e
não lhe dava as ordens; 'mas picado nos
seus brios de rapaz e lembrando-se de que
tinha recursos próprios para viver com de-
cência,— em seguida ao truco do prelado,
eecreveu;
Retruco. Assignou e tornou a mandar-lhe
o requerimento.
O prelado ficou surprehendido e, queren •
do ver até onde chegava a coragem do mo-
cinho, accrescentou:
Valle nove.
O estudante, julgando-se perdido, rapi-
damente escreveu:
Jogue, que é cacha.
Assignou e tornou a mandar-lhe o reque-
rimento.
O prelado gostou da coragem do moci-
nho e, estando em maré de bom humor, poz
termo á brincadeira muito generosamente,
escrevendo:
Examine-se com o Padre F.—e ordenou-o
de bom grado.
Isto me contou o fallecido sr. Alexandre
d' Azevedo Menezes Pimentel Botelho, dis-
VOLUMB XI
tinclo cavalheiro de Riodades, visinho e
contemporâneo do tal estudante.
V. Riodades, tomo 8.° pag. 191, col. 2.*—
e Villa Verde, tomo 11.» pag. 1:087 e segg.,
onde se faz menção do dicto sr. Alexandre
de Azevedo.
ZAQUITARIO ou SAQDITARIO,— Saçwe-
tario ou Saquiteiro, ou Çaquiteiro — o que
tinha a seu cargo o pão cosido para a me-
sa do rei, pelo que se denominou também
Saquitaria o logar ou despensa em que o
dito pão se guardava.
Inquir. d'El-Rei D. Aff. III.
ZARCO— e ZARGO — port. ant. — o que
tem olhos azues, ou o que é vesgo e torto
da vista.
Zarco foi também appellido muito nobre.
Assim se appellidava o descobridor e 1."
capitão da ilha da Madeira— João Gonçalves
Zarco— progenitor dos condes da Calheta e
do grande patriota Simão Gonçalves da Ca-
mara
V. Matlosinhos, tomo 5.° pag. 142, col 2.*
ZARELO— port. ant.
Parece que foi synoóyrao A&bragal, como
diz Viterbo.
No foral que D. Sancho II deu a Barquei-
ros, concelho de Mesãofrio, no anno de 1223
se diz que entre as mais direituras paga-
riam— 1 zarelum à9 VI cubitis et non am-
plius.. .—nm zarelo de seis covados e não
mais.
Franklin diz que este /ora/ aníiflio de Bar-
queiros foi dado em Coimbra a 13 de se-
tembro de 1123; — Viterbo assigna-lhe a
data de 1223 nos artigos Teiga e Zarello;—
e o meu antecessor, guiado por Franklin,
disse que esta villa de Barqueiros teve um
foral de 1123, dado pela rainha D. Thereza,
e que o de 1223 foi provavelmente 2." foral
velho. . .1
Pela nossa parte diremos:
l.o—que na Memoria de Franklin ha er-
ro de data;
2.''~que a mencionada villa teve apenas
1 V. Barqueiros, tomo 2." pag. 337, col.
l.«— e Teiga, vol. 9.» pag- 522, col. 2.»
131
2078 ZAV
um foral velho, dado por D. Sancho II em
1223;
3.°— que o dito foral não indica a terra
em que foi dado— nem o dia do mez. Ape-
nas diz:... Fada carta mense Septembris.
Era M * CC.'' LX.' /.»
«Foi feito este foral no mez de setembro
da era 1261 (anno 1223).
V. Porlvg. Monum. tit. Foralia, pag. 597,
onde se encontra o dielo foral na sua inte-
gra cora differentes variantes,— edição níti-
da e muito conscienciosa.
ZARRA— port. ant. jarra, almotolia.
• Compraram -se duas zarras para o azei-
te.» Doe. de Grijó.
ZAVA (quifita de) — aldeia da freguezia,
Villa, concelho e comarca do Mogadouro,
districlo de Bragança.
V. Mogadouro, tomo 5.» pag. 353, eol. 2.»
e seguintes,— e Villar do Rei, tomo 11.» pag.
1:275, col. 1/
Abrimos este tópico por duas raf>Ôes:—l.»
porque Zavn é povoação muito antiga e
muno digna de menção ; — 2.» porque, em-
bora tarde, queremos indicar e caracterisar
bem um facto curioso, privativo d'e8ta re-
gião transmontana.
Nas províncias do IMÍinho, Douro, Beira,
Estremadura e no districto de Villa Real,
que forma a parte O. ia província de Traz
os Montes, as differentes povoações que não
são villas nem cidades e que constituem as
differentes fregaezias, chamam-se aldeias,
togares ou poyos;— na província do Alemtejo
denominam-se montes; no Algarve povos, to-
gares, hortas e montes—e no distrieto de Bra-
gança, nomeadamente na parte leste, — nos
concelhos de Vimioso, Miranda, Mogadouro,
Bragançae Moncorvo,— àemtniQàm -se quin-
tas, por vezes povoações grandes, de 50 fo-
gos e wais— povoações compactas, algumas
das quaes outr'ora foram freguezias e ainda
hoje teem capella, pia baptismal e Santíssi-
mo permanente?!. . .
Só no distrieto de Bragança o termo quin-
ta se emprega em tal aecepção, pois nas
províncias do Minho, Douro, Beira e Estre-
ZAV
madura significa uma propriedade rústica
maior ou menor, com oíBeinas de lavoura,
casas para habitação dos feitores, jornalei-
ros e caseiros— e por vezes casas nobres, al.
gumas brazonadas, para habitação dos seus
donos.i
No Alemtejo e em parte da Estremadura
as propriedades d'este género denominam-
se herdades;- quintas Si% propriedades mais
pequenas, que teem chãos regadios; — hor-
tas e hortejos os pomares e chãos regadios
mais mimosos, ordinariamente murados.
O Algarve tem de tudo: hortas, herdades,
quintas e montes, quasi na mesma aecepção
em jjue estes termos se empregam no Alem-
tejo e sul da Estremadura, sendo porem no
Algarve as hortas quasi todas habitadas, em
quanto quo no Alemtejo quasi todas são
desabitadas.^
1 Estas quintas também outr'ora se deno-
minaram villas, villares, villarinhos e gran-
jas, muitas das quaes foram núcleo das pa-
roehias e villas actuae^;— outras, como suc-
cedeu no distrieto de Bragarjça, theatro
constante de guerras permaneceram no es-
tado de quintas nu deixaram de ser paro-
chias, conservando o primitivo nome.
V. Aldeia, Granja, Villa, Villar, Villari-
nho e Viso (Alto do)— tomo 11.° pag. 1:904
col. 2.*— nota 2 «
2 Também no Algarve, — em Monchique,
a Cintra d'aquella abençoada região,— com
surpresa notei que dão o nome.de pomares
de castanheiros aos grandes tractos de ter-
reno que ali se vem povoados de castincei-
ras ou castanheiros baixos para córte de
madeira em períodos regulares de 3, 6 ou
mais annos, segundo a applieação que ten-
tam dar- lhes.
São devesas lindissimas, vastíssimas, que
só no Algarve se encontram, e no verão os
caminhos que atravessam os dictos poma-
res ou devesas, como se denominam fóra de
ali, são passeios encantadores, de que ain-
da me recordo e recordarei com saudade.
Também só no Algarve se vê o copejar
do atum, semelhando touradas no mar, por
vezes festas luzidas e muito concorrida»,
como as ferras dos novilhos, só se veem
no Riba Tejo.
Ao sul da Beira Baixa também ha povoa-
ções denominadas montes.
V. Zebreira, freguezia de Idanha a Nova.
ZAV
ZAV 207^
Fiquei pois attonito quando fui a Miran*
àa do Douro e ouvi denominar quintas as
povoações de Aldeia Nova, Pena Branca,
Val d' Agia e Palancar, todas 4 pertencentes
á freguezia de Miranda.
A quinta já foi paroehia independente;
conta 52 fogos; tem uma egreja rasoavel
com a invocação de Santa Calhanna, sacrá-
rio, pia baptismal e Santissimo permanente.
'Dista de Miranda 6 kil. para N. N. E. e ali
costuma ir lioje o paroeho de Miranda dup-
plicar o sacriQcio da missa nos domingos e
■dias sanetificados.i
A 2.» quinta (Pena Branca) tem 18 fogos
e uma capella de S. Simão.
Dista de Miranda 5 kilometros.
A 3.» quinta tem 20 fogos e uma capella
^de Nossa Senhora da Encarnação.
Demora no caminho de Miranda para a
quinta de Aldeia Nova, da qual dista ape-
nas 1 kil. para S.
A 4.» quinta (Palancar) tem 16 fogos e
<uma capella de S. Jeronymo.
Dista de Miranda 5 kil.
Ha também ua freguezia de Miranda do
Douro mais 3 quintas, na aecepção commum
d'este termo, comprehendendo certos chàog
e casas sómeoie para os feitores, caseiros e
jornaleiro?, abegoarias, etc.
São as quintas de Refega, S. Pelaio e Val-
'le do Carro, pertencentes aos filhos de Ma-
noel Paulo de Sousa, coronel d'engenheiros,
fallecido nos princípios do corrente anuo de
1889 e que era o maior proprietário da vil-
la e do concelho de Miranda.
Pelo ultimo recenseamento a freguezia e
a cidade de Miranda contava 2S3 fogos e
1:072 habitantes; hoje conta mais alguns,
1 Em 1757 contava 28 fogos e era curato
da apresentação do réitor de ÍÍTanes .
V. Aldeia Nova do Azinhal, tomo l." nag.
SB, col. 2.»
mas, deduzindo a população rural das men*
cionadas quintas, vem a ter a cidade pro-
priamente dieta apenas 150 a 160 fogos?! . .
Ê hoje a cidade mais pobre e mais peque-
na de todo o nosso paiz, e longe de augmen-
tar, diminue, pois em volta d'ella não se vê
uma casa nova única, mas sómento pardiei-
ros negros e defumados, ameaçando os tran-
zeuntes;— o seu paço episcopal reduzido a
paredes mias— e as suas muralhas e fortifi-
cações desmanteladas e em minas.
Cortat fios almae cuique videntil . . .
É provável que lhe dô alguma vida a pro-
jectada à já estudada linha férrea do Poci-
nho a Zamora, mas quando se fará ella?
V. Miranda do Douro n'esle diceionario e
no supplemento, onde ampliaremos consi-
deravelmente aquelle artigo com as notas
da nossa carteira colhidas sobre o local.
Prosigamos.
A quinta de Zava é a única povoação ru-
ral da freguezia e Villa do Mogadouro, da-
qual dista 2:500 metros para S. O.
É povoação muito antiga; a tradição diz
que foi cidade no tempo dos mouros e que
então a villa do Mogadouro era uma peque-
na aldeia com o nome de Maga, tendo junto
de si outra, denominada Douro, pelo que
veiu a ehamar-se Magadouro. O meu bene-
mérito antecessor disse que ella tomou o no-
me de Macaduron} — mas nós suppomos que
os mouros a denominaram Mogador, como
recordação da pátria d'elles, pois Mogador é
uma villa e Castello de Marrocos, distante 5
milhas do occeano, junto do cabo de Ozem,
ou Ocem,2 e de ura monte onde ha minas
d'ouro e prata.
1 V. Mogadouro, tomo 5.° pag. 353, col. 2.*
Nós tomamos conta d'eáte diceionario
quando já ia em Vianna do Castello:
Suum cuiquel . . .
2 Hussein também era nome árabe e d'elle
com certeza proveiu o appeliido nobre Cem,
Ocem ou Ossem, que antigamente se usou
era Portugal e tornou bem conhecido o len-
dário Pedro Cem.
V. Nicolau (S.) freguezia do Porto, vol.
6.« pag. 45, col. 1.» e segg. — e Santarém,
vol. 8.» pag. 488, col. 2.«
2080 ZAV
ZAV
Suppomos que Ibe deram o nome de Mo-
gador, como recordação da pátria d'elle9,
assim como nós, quando povoámos o impé-
rio do Brazil, fomos dando ás suas diversas
povoações os nomes das povoações de Por-
tugal. Outras tomaram o nome dos seus fun-
dadores como em Portugal pelo mesmo mo-
tivo muitas povoações conservam ainda no-
mes írabes e godos. N'e8te diccionario fi-
cam indicados bastantes, nomeadamente no
art. Vouzella, e mais indicaremos no sup-
plemento, pois já temos organisada uma
extensa lista.
Suppomos por exemplo, que Alfandega da
Fé tomou o nome de Fez; que Villa Flor
primeiramente se denominou Villa de
Froijla (nome godo)~depois Villa Frol—e
por ultimo Villa Flor; que a povoação e fre-
guezia de Nabo, concelho de Villa Flor, to-
mou o nome do mouro Aben, ou Iben, ou
Ben- Abu; que a quinta de Bensaude do mes-
mo concelho de Villa Flor, tomou o nome
.de um mouro Bensaud; — que á villa de Cha-
ves, Aqme Flaviae no tempo dos romanos,
deram o nome os chavios, mouros da Bar-
beria, pertencentes à província mais Occi-
dental do reino de Fez;i— e que a povoação
6 quinta de Zata tomou o nome do mouro
Zabda,^ etc, etc.
Prosigamos.
A mencionada quinta demora em sitio
fértil e ameno, abrigada pelo enorme roche-
do ou monte da Penha de Zava, que tem
centos de metros de altura e diíTerentes ca-
vernas ou grutas naluraes, podendo abrigar-
se em uma d'ellas mais de 500 cabeças de
gado lanígero, que ali costuma pernoitarno
inverno.
Também diz a tradição que nas dietas ca-
vernas viveram os mouros, porque a Penha
de Zava foi Castello ou refugio d'elle8.
No tempo das armas brancas era muito
V. Zenetot infra e no diccion. de Moreri.
V. Zabdas no mesmo diccion. de Moreri.
j defensável a dieta Penha^ e estamos certos;
I de que n'ella se refugiaram mouros e chris-
j tãos, — godos e romanos,— leoneses e portu-
I guezes,— celtas, iberos e celtiberos, pois de
passagem diremos que este cantão foi habi-
tado desde os tempos prehistoricos da idade
da pedra.
Não longe d'aqui se encontram dolmens
ou antas^—e possuímos 2 machados de pe-^
dra. encontrados por nós, um junto da cida-
de de Miranda, outro em Ventozello, fre-
guezia d'este concelho do Mogadouro, quan-
do íamos de Miranda para a Barca d'Alva, e
soubemos que ali teem apparecido muitos,
mas não lhes ligam importância. O povo da-
Ihes o nome de pedras de raio, como no»
Alemtejo e na Estremadura.
Junto da base do grande rochedo ha um
poço, a que chamam Poço dourado, que erà
muito fundo e talvez tivesse galerias late-
raes, mas hoje está quasi entupido com pe-
dras que 08 rapazes por mero divertimento
para ali arrojam.
No meiado d'e9te século a povoação ou
quinta de Zava tinha apenas 4 famílias; ho-
je tem cerca de 40 fogos; mas ali se tem en-
contrado vestígios de população maior e
mais importante:— pedras lavradas e algu-
mas ornamentadas, fragmentos de bahús de
couro, grande quantidade de telha, moedas
antigas, carvões, etc. não consta porem que
1 Parece um castello natural e recorda os
píncaros do castello de Algoso a N. N. E.;
--do de Outeiro a N.;— do de Anciães a S.
O.; — o Síonte do Faro a S. O. também, junto
de Villa Flor, — e o píncaro próximo, onde
pompeia o formoso e vistoso sanctuario de
Nossa Senhora da Assumpção, hoje o !.•
sanctuario da província transmontana.
V. Villas Boas, tomo 11.*" pag. 1:402 a
i:408, onde se encontra uma minuciosa des-
cripção d'aquelles dois píncaros e do formo-
so santuário.
2 V. N marinho da Castanheira, tomo H.»
pag. 1:342, eol. 2.% onde indicámos 3 dol-
mens.
ZAV
ZAV 2081
ali jamais se fizesse exploração regular oem
fosse alguém estudar aquellas velharias.
Chamamos para a quinta de
Zava ou do Zabda a altençâo
dos areheologos.
O ohão da mencionada quinta é, como já
dissemos, ameno e fértil, — muito abundante
d'agua saborosa^ e produz eereaes^ boas pe-
ras e maçans^ etc.
Consta que a dieta povoação foi outr'ora
íreguezia.
Tem no centro uma eapella de Nossa Se-
nhora do Rosario e cerca de 200 metros
para o nascente ouira de Santo Amaro^ que
talvez fosse a velha matriz, pois ainda tem
pia baptismal, onde se baptisam as creanças
da povoação, — pia singela, mas elegante,
muito antiga e volumosa. Pôde receber mais
de 100 litros d'agua.
A Capella é humilde e pequena e hoje só
ali se celebra no dia da festa e romagem de
Santo Amaro,~a. lo de janeiro.
Curiosa estatística
O concelho do Mogadouro pelo censo de
1878 conta 34 freguezias com 3:8i3 fogos e
16:042 habitantes,— e em 1796, segundo se
lê na Descripção da Provinda de Traz os
Montes pelo dr. Columbano Pinto Ribeiro de
Castro, juiz demarcante da dieta provincia,i
o concelho do Mogadouro contava 1:630 fo-
gos e 5:641 habitantes, sendo homens 2:761,
mulheres 2:880, padres seculares 51, frades
12, pessoas liiterarias 3, sem occupação 42,
cirurgiões 7, barbeiros 8, boticários 1, la-
vradores 621, jornaleiros 367, fabricantes de
«ourama 11, alfaiates 40, sapateiros 77, car-
pinteiros 45, pedreiros 10, ferreiros 18, fer-
radores 3, almocreves 33, pastores 78, cria-
das 99, criados 120, moleiros e negociantes
—nem um?l » . .
1 Códice n.» 486 da Bibi. Mun. do Porto.
Terminaremos dizendo que este concelho
do Mogadouro alem da quinta da Zava tem
outras muitas aldeias ou povoações denomi-
nadas quintas, taes são:
— Qmbradas, na freguezia de Castello
Branco.
Demora em sitio lindíssimo na estrada de
Mogadouro a Moncorvo e tem cerca de 40
fogos.
—Villar Secco e Porraes, na freguezia de
Castro Vicente.
No tempo de Carvalho a 1." tinha 20 fo-
gos e a 2.* 16.
— Medal, na freguezia de Meirinhos.
— Salgueiro, na freguezia de Paradella.
— Granja, na de Penas Roias.
— Santo Antão, na de Remendes.
— Granja e Gregos, m de Saldanha.
— Viduedo, na de S. Paio.
—Linhares, na de Soutello.
—Figueira, na de Travanca.
—Xarás, na de Thó.
— Souto, Santo André e Roca, na de Val-
verde.
—Paçô e S. Thiago, na de Villa d' Ala.
••- Villariça, Velariça ou Velar isca, na de
Variz.
Dizem que esta ultima quinta já foi fre-
guezia própria, pelo que tanto esta como to-
das ou quasi todas as outras quintas d'este
concelho e do de Miranda se denominam
também anncajas,— parochias extinctas, an-
nexadas a outras.
I No concelho de Moncorvo também ha
muitas povoações ou aldeias com o mesmo
nome de quintas.
ZAVALCHEN — Assim era denominado
entre os mouros o magistrado que decidia
as suas causas e fazia dar execução ás sen-
i tenças— e só elle podia authentiear com a
sua firma qualquer instrumento.
Vem de Zaval, que corresponde ao latino
Dominus,—e archen,judiciorum, por ser en-
tre elles Dominus judiciorum.
Acha-se nos documentos de Hespanha.
ZAVALMEDINA, ZAHALMEDINA, ZAL-
MEDINA, Çahalmedina e Salmeiina, — vo-
cábulos frequentes nos documentos de Hes-
panha até o sec. xni.
2082 ZEB
ZEB
Era o pretor da cidade, a quem pertencia
por comraissão do príncipe ou do rico-ho-
mem todo o governo politico e civil da res-
pectiva povoação.
Denominava -se em latim Vice-Dominus
Civitatis.
ZEBRA— animal como a mula, cinzento e
com raias negras pelo corpo. Vem da Afri-
ca e talvez introduzido pelos mouros,, abun-
dou outr'ora em alguns pontos do nosso
paiz, como provam as diíTerentes terras, al-
deias, casaes e quintas que ainda hoje con-
servam os nomes de Zebra, Zebral, Zebras,
Zebreira, Zebrinhn, Zebro e Zebros.
Viterbo no Elucidário art. Zevro, diz que
outr'ora Zebro e Zebra significavam boi ou
vaca, novilho ou vitdla, e cita era favor da
sua opinião o foral de Lisboa de 1179, no
qual se lô o seguinte:
Dent de foro de vaca l denarium, et de
zevro unum denarium. De coriis boum vel
zevrarum, vel cervorum dent médium mora-
bitinum.
Em vulgar: «Paguem de fôro por cada vae-
ca um denario e por cada zebra um dena-
rio. Dos couros dos bois, ou das zebras, ou
dos veados dêem meio morabitino.»
Do exposto se vê que o foral não confunde
mas distingue—o» bois, as zebras e os vea-
dos, pelo que Viterbo, cuja memoria muitís-
simo respeitamos, n'este ponto claudicou. As-
sim o advertiu já também o sábio João Pe-
dro Ribeiro, pois em uma nota d'elle ao
mesmo artigo se lô na 2.» edição do Eluci-
dário:
«Zevro, Zebro, ou pedra zebral nada tem
com gado vaccum. Ê um animal bem co-
nhecido, e que entre nós em outros tempos
era vulgar, dando-se comtudo ás suas pel-
les mais valor que ás dos outros animaes. A
Africa é que hoje abunda na sua creação.»
ZEBRAL— portuguez ant.— peso de pedra,
assim denominado.
O foral de Cêa de 1136 diz; « . . .o Carni-
ceiro dê dois lombos de porco e de boi ou
vaca huma pedra zebral.* Livro dos Foraes
velhos.
«Eu me persuado (diz Viterbo) que por
esta Pedra zebral se entende o peso de uma
arroba, que particularmente servia para se
pesar no açougue a carne de vaca; pois não
julgo os Portuguezes d'aquelle tempo tãa
anatómicos, que procurassem a pedra, que
se gera no boi, ou vaca, á qual chamam
ovos de vaca, e he pedra bazar, ou Pazahar^
a que se altribuem grandes virtudes contra
venenos, e algumas outras enfermidades.»
Digam os sábios da escriptura
Que segredos são estes da natura'^\ . . .
ZEBRAL— aldeia da freguezia de RuivãeSs.
concelho e comarca de Vieira.
V. Ruivães, tomo 8.* pag. 258, col. 2.«
A dieta aldeia é muito antiga e n'ella to-
cava uma das duas estradas romanas de
Braga para Astorga por Chaves.
V. Vitlarinho do Arco, tomo 11.° pagi
j 1:326, col. 2.« e seguintes, onde descreve-
mos as dietas estradas, indicando o traçada
! de cada uma d'ella3 a pag. 1:328 — e as po-
voações em que tocavam, tal era a de Ze-
bral.^
Segundo se lô na Corogr. Port. a dieta-
povoação em 1706 contava 28 fogos e segun-
do diz Argote uas Mem. de Braga, tomo 2.*^
pag. 575, 580, 587 e 633 — e tomo 3.° pag.
195 e 202, é ionegavel qoe passou por ali
uma das ditas estradas romanas, e aponta
dois fragmentos de marcos milliarios que
ali apparecerara.
tNo logar do Zebral (diz elle) na estrada
de Braga para Chaves, estão dois Padroens,
hum quebrado que está ao pé da capella de
S. Martinho, e tem de comprido dois palmos,
e meio, e oito de grosso, com as leiras se-
guintes:
Es ar. aug
str. XVIII
«O outro está era huma parede junto da
capella, e tem nove palmos de comprido, e
de grosso oito, também com estas letras:
^ Rectificação.
No artigo eit. pag. 1:227, col. 2.» in fine^,
em vez de Portugalliae Monumenta leia-se
Portugalliae Inscript tones.
ZEB
Caesar, aug.
imp. V. pot.
III
tAmbos 08 sobreditos he certo, erão co-
lumoas e medidas de caminho; mas não se
pôde eolligir a qae Emperador se dedica-
rão.»
Estas mesmas inseripções se encontram
sob os n.<" 136, 137 e 146 no PortugallicB
inscriptiones romance de Levy Maria Jordão
— e mais 5 da dita estrada se encontram no
art. Sanguinhedo, tomo 8.» pag. 393, eol. l.»
e segg. alem d*OQtras muitas apontadas nos
art. Braga, Chaves, Villarinho do Arco, ete.
ete.
ZEBRAS— aldeia de Traz os Montes, vi-
sinha da de Vai d'Egoa e da de Santarém,
—segundo diz Argote, nas suas Memorias
de Braga, tomo 2.» pag. 496,— accreseentan-
do que na dicla aldeia de Santarém se en-
contravam ruinas de uma grande povoação
romana.
V. Santarém (Mtio) vol. 8." pag. 444,
col. 2.»
Não sabemos com certeza a que freguezia
pertencem aquellas 3 aldeias.
Na provioeia de Traz os Montes não co-
nhecemos aldeia alguma denominada hoje
Santarém.
Gora o nome de Zebras ha n'aquella pro-
víncia uma aldeia, pertencente a freguezia
de S. Nicolau dos Valles, concelho de Vai
Paços,! — e parece que Argote se refere à
dieta aldeia, porque a dieta parochia é li-
milrophe e visinha da de Jou, na qual se
encontra uma aldeia com o nome de Val
d^Egoà^—e são estas as untcas aldeias as-
sim denominadas na província de Traz os
Montes, mas Argote diz que distam de Cha-
ves 4 legoas— não muito para a parte do
Sul, emquauto que as fregueziàs de Valles e
1 V. Valles, tomo 10.» pag. 177, col. 2».
m fine.
2 V. Jou, tomo 3.» pag. 420, eol. 1."
ZEB 2083
Jou distam de Chaves cerca de 33 kil. para
S. S. E.— quasi na linha Sul.
Nós já passámos a meio d'ellas em setem-
bro de 1883, indo de Chaves para Mirao-
della por Carrazedo de Moutenegro e Fran-
co, pois demoram euire estas duas fregue-
ziàs ultimas. Deixámos a dos Valles à es-
querda— e a de Jou a direita.
Jou dista de Carrazedo 10 kil. para S. e
do Franco 5 para N. O.— A freguezia de S.
Nicolau dos Valles disia de Carrazedo cer-
ca de 12 kil. para S. S. E.; 7 do Jou para
E. S. E.; — 5 a 6 da povoação e freguezia do
Franco para N., mettendo-se de permeio a
Serra de Santa Comba,— e 15 de Mirandella
para O.
A povoação ou aldeia de Zebras parece
que foi outr'ora freguezia independente e
dista da matriz de S. Nicolau dos Valles
2:300 metros para S. O.
Na pendente N. da Serra de Santa Com-
ba—talvez no termo da freguezia dos Fo/-
/es— vimos nós claros vestígios de castellos
e fortificações, mas distavam alguns kilo-
metros do caminho que seguíamos, — era
tarde, — íamos em um cavallo d'alugael
aberto dos peitos, que já ires Vdzes havia
caído por terra comnosco e por isso não nos
apeámos nem fomos visitar aquellas ruiuas,
que talvez fossem as indicadas por Argo-
te?! . . .
j Com relação à triste e pobre aldeia e fre-
guezia do Franco— veja -se o art. Villa Boa,
\ tomo 11." pag. 667, col. 2.» infine — e Fran-
í CO a'este dieeionario e no supplemento, on-
! de daremos noticias curiosas e horrorosas
I d'aquella freguezia, onde pernoitamos, tre-
mendo cora medo! . . .
i É um covil de desordeiros e assassinos.
; Tem uma feira muito antiga, na qual
tem havido muitas desordens, muita panca-
daria, ferimentos e mortes e poucos mezes
depois de nós ali estarmos, deu-se no Fran-
co o facto seguinte:
Um homem da localidade leve certa al-
tercação com um filho do regedor e deu-lhe
2084 ZEB
ZEB
uns bofetões. O regedor immedialamenie
reuDiu os seus cabos de policia (?); assaltou
com elles a casa do tal homem; arromba-
ram-lhe a porta a oiachado e deram-lhe 18
tiros à queima-roupa, matando-o barbara-
mente. E esteve insepulto alguns dias, por-
que o regedor disse ao paroeho que lhe fa-
zia o mesmo, se fosse acompanhar o cadá-
ver do pobre homem. Foi sepultado por al-
gumas mulheres da mesma povoação, pas-
sados dias.
, E note-se que o Franco não está em sitio
ermo. Demora na entrada real a maeadara
de Villa Real a Mirandella e Bragança,— e
dista de Mirandella, séde do concelho e da
comarca, apenas 15 kil. para O. S. O.
Vade retrol . . .
Terminaremos dizendo que era 1706 as fre-
guezias de Valles e Jou pertenciam ao ter-
mo e concelho da villa de Chaves (?) e con-
tavam in illo tempore: a povoação de Val
d'Egoas 8 fogos— e a de Zebras 16, como
diz Carvalho na Corogr, Port. tomo 1." pag.
809.
ZEBRAS e Torre — freguezia do concelho
6 comarca do Fundão, distrirto de Castello
Branco, diocese da Guarda, província da
Beira Baixa.
Orago Nossa Senhora da Assumpção.
Curato.
Em 1708 era da apresentação do vigário
de Castello Novo— e contava apenas 20 fo-
gos.
Em 1768 era curato da mesma apresen-
tação; rendia para o cura 12^000 réis, alem
do pó d'altar— e contava 82 fogos.
O Flavíense em 1852 deu-lhe 43 fogos
Hoje não sabemos qual a sua população, por
que foi annexada civilmente à de Orca e
os censos de 186i e 1878 uniram a popu-
lação das duas.
V, Orca, tomo 6.° pag. 291, col. 1.»
A povoação de Zebras demora na m. e.
do no Alpreade, do qual dista 1 kil. para
E. e 20 da villa do Fundão para S. S. E.
Comprehende esta parochia algumas aze-
nhas no rio Alpreade até à distancia de 5
kilometrps— e também comprehendeu e não
sabemos se comprehende ainda uma aldeia,
denominada Torre.
Junto da povoação de Zebras ha uma
fonte d'agua sulfúrea fria, com o nome de
Fonte Santa.
O rio Alpreade vem da serra da Gardunha
e cora a ribeira de Ceife, que vem de Pena-
macor, formam o rio Ponsul, qne morre na
m. d. do Tejo.
\ V. Alpreade e Ponsul.
I Esta freguezia pertenceu ao concelho de
j Alpedrinha até 1885, data em que foi ex-
tineto aquelle concelho e a pobre freguezia
passou para o do Fundão.
ZEBREIRA — villa extincta, hoje simples
fregueziík do concelho e comarca de Idanha
a Nova, dislrícto de Castello Branco, bispa-
{ do de Portalegre, província da Beira Baixa.
Orago Nos-a Senhora da Conceição.
Vigairaria.
Fogos 486, habitantes 2:150, comprehen-
dendo a extincta parochia de ToulÕes. sua
annexâ.
Em 1708 pertencia ao bispado da Guar-
da^ comarca, corregedoria e provedoria de
Castello Branco; era villa dos Mameis, con-
des de Villa Flor, seus donatários, mas vi-
gairaria da apresentação da O. Ch. — e con-
tava 136 fogos.
Em 1768 era villa e vigairaria do mesmo
bispado e da mesma comarca, mas da apre-
soDiaçâo da coroa pelo tribunal da mesa da
consciência; rendia para o vigário 40ííi000
réis, afora o pé d'altar— e contava 190 fo-
gos.
O Flaviense em 1852 (tendo jà anneta
a freguezia de Toulões) deu-lhe 297 fo-
gos.
O censo de 186i deu-lhe 386 fogos e
1:475 habitantes, no que não ha proporção
porque 386 fogos deviam dar pelo menos
1:600 habitantes.
O censo de 187H deu lhe 400 fogos e
1:532 habitantes, no que também não ha
proporção, porque os 400 fogos deviam dar
j pelo menos 1:700 habitantes.
Hoje (1889) segundo us apontamentos que
recebi da localidade tem, como jà disse, 486
fogos e 2:150 habitantes, comprehendendo,
como jà coraprehendia em 1852, o monte ou
povoação (freguezia extracta) de Toulões
com 70 fogos, — o monte (aldeia ou povoa*
ZEB
ZEB 2085
ção) de Val de Cardas cora 8 fogos — e a
povoação da Zebreira com 408 fogos.
O monte (aldeia) de Toutões dista da Ze-
breira 8 kil. para N. N. E. e suppomos que
primitivamente se denomioava Tourões, de
tourão, saearrabo, bicho que come galli-
nhas, porque talvez outr'ora ali abundas-
sem aquelles bichos.^
Também suppomos que a freguezia e po-
voação da Zebreira foi assim denominada,
porque no seu termo oulr'ora talvez abun-
dassem zebras, como ainda hoje abundam
lobos, javalis, tourões, raposas e outros
aniraaes damninhos, bem como bois, vác-
uas, porcos e gado de toda a espécie.
Para evitarmos repetições, vejam se os
artigos supra — Zebro e Zebras, freguezia
extiueta, annexa á de Orca no concelho do
Fundão, vizinho d'este de Idaoha a Nova—
e, segundo me consta, ainda no termo e a
N. da Zebreira ha um sitio denominado Ze-
òro, que também corrobora a minha opi-
nião.
Carvalho e outros denominaram esta pa-
rochia Zíbreira, mas a denominação mais
correcta, vulgar e oíBcial é Zebreira.
Nós temos também varias povoações e
uma freguezia denominadas Zibreira, mas
suppomos que este nome provem de azinho
muito impropriamente e talvez corrupto
vocábulo também denommado zimbro, que
abunda ou abundou n'aquelles sítios e abun-
da n'esta parochia.
V. Azenhal, Azinha, Azinhoso, Zibreira e
Zimbro.
A povoação da Zebreira demora em sitio
altOj alegre e muito vistoso, entre os rios
Elga e Aravil, confluentes do Tejo, — na ve-
1 V. ToulÕes, vol. 9.° pag. 701, col. 2.»
Do exposto se vé que na Beira Baixa
também temos aldeias ou povoações deno-
minadds montes, como no Alemtt-jo, st^odo
algumas bastante populosa."*. W.ZavaQ Vtlla.
lha estrada de Idanha a Nova para a villa
e ponte de Segura e na estrada nova a ma-
cadam íreal, n.» 16) da Abrantes a Salva-
terra do Extremo.
Dista do Aravil 7 kilometros para E.; 9
da ponte de Segura ou do Elga para O.N.O.;
15 de Salvaterra do Extremo para O. S. O.;
20 de Idaoha a Nova para S. E.; 44 de Cas-
tello Branco; 118 de Portalegre; ISO da es-
tação d'Abrantes na linha férrea de Leste;
305 de Lisboa e 408 do Porto.
Este trajecto deve soífrer alguma modi-
ficação e tornar-se mais commodo, logo
que se abra ao transito a linha da Beira
Baixa prestes a concluir-se e que toca em
Castello Branco.
Esta parochia da Zebreira tem uma area
vastíssima, depois que lhe annexarara a fre-
guezia de ToulÕes. Actualmente as suas pa-
rochias límitrophes são as seguintes: —Se-
gura a 8 kil. para E. S. E ; Rosmaninhal a
15 kil. para S.; AK^afozes a 15 kil. para
N. N. O.; Salvaterra de Extremo a 13 kil.
para E. N. E.; idanha a Nova a 20 para N. O.
e Ladoeiro a 20 para O. S. O.
O seu chão é bastante secco, mas fértil.
Banham-na a O. o rio Aravil e oe ribeiros
de Calacú e Toulico, nos quaes a 3 kil. da
Zebreira tem 2 moinhos que trabalhara ape-
nas alguns dias no rigor do inverno, pois
na estiagem aquelles ribeiros somem-se e
na primavera e outomno são microscópi-
cos; mas differentes proprietários da Ze-
breira teem moinhos e aienhas no Elga, on-
de moem o pão que se ga3ta na freguezia.^
í Produeções dominantes. — cereaes de pra-
1 Note-se quaalguos annos na estiagem o
próprio Elga e o Aravil seccam completa-
mentel Apenas ficam de longe em longe al-
guns charcos e poços onde lavara a roupa e
se banham os cevados. Morre muito gado
ovino e caprino com sede; damnam se mui-
tos lobos e cães por falta d'agua— e os ha-
bitantes da Zebreira e de Salvaterra do Ex-
tremo vão até 8 a 10 legoas pela Hespanha
dentro para moerem o pão?! . . .
2086 ZEB
ZEB
gana— trigo, centeio, cevada e aveia. Milho,
pouco.
Também produz alíum azeite, mas podia
8 devia produzir muito mais, porque no seu
chão as oliveiras desenvolvem-se admira-
velmente, couservando-se sempre viçosas e
muito vigorosas sem ferrugem ou qualquer
outra doença,— attingem proporções colos-
saes e o fructo é de excellente qualidade e
muito volumoso] Talvez maior do que a azei-
tona d'Elvas e de Sevilha, pelo que nos últi-
mos annos (em augmeniado bastante a p/an-
tação dos olivedos.
Também produz algum vinho, maduro e
de boa qualidade, e podia e devia ser tam-
bém o vinho uma das suas producçòes do-
minantes, ou mesmo a principal, porque no
seu chão é pasmosa a vegetação das videi-
ras. A produeção não corresponde á vege-
tação, talvez por não serem apropriadas ao
solo as castas das videiras e a sua poda e
empa, mas nos últimos annos tem augmen-
tado também bastante a plantação dos vi-
nhedos.i
Depois dos eereafs a riqueza maior d'e8ta
fregupzia é a creação de gado de toda a espé-
cie:— ovíqo, bovino, cavallar e azinino, ca-
prino e suíno, pois tem alguns montados
d'azinho, cuja prodiicção é espaníosal
Deve crear aproximadamenie por anno
150 jumentos, 250 bois, 1:000 cabras, 1:000
porcos e 2:000 ovelhas.
Também colhe algumas batatas; lem 3
azenhas para o fabrico do seu azeite^ movi-
das por gado,-- -e nos seus montes muita
1 O distrieto de Castello Branco produz
muito pouco vinho, porque o não cultivam,
pois na maior parte do distrieto, — exce-
ptuando as grandes altitudes das serras —
a vinha dá-se bera e o vinho é maduro e
bom. Dos seus 12 concelhos o que mais vi-
nho actualmente produz é o de Penamacor,
—Bairrada da Beira Baixa.
Os vallados para a plantação da vinha na
Zebreira são abertos a picareta — e as
terras de cereaes, por serem pouco fundas,
são quasi todas lavradas por jumentos, ca-
vallos e muares, que tiram pequenos ara-
dos.
caça grossa e miúda:— lebres, coelhos, per-
dizes, gamos e veados, lobos, raposas, fui-
nhas, tourões, javalis, balardas ou abetar-
das, abutres, águias e muitas cegonhas, que
.são a limpeza dos campos e searas e costu-
mam fazer o ninho sobre os campanários e
torres e sobre os rolheiros do pão.
Do exposto se vê que esta parochia teo*
muitos elementos de riqueza e um auspicio-
so futuro, e deve prosperar bastante com a
nova e recente estrada a maeadara para
Castello Branco e para Salvaterra do Extre-
mo, onde se liga a outras da Hespanha.
Além d'isso os seus habitantes são bem rao-
rigerados, pacíficos, aíTaveis e dóceis, muito
trabalhadores e muito respeitadores da»
leis divinas e humanas.
A tradição diz que esta villa é relativa-
mente moderna e oriunda de Idanha a No-
va. Narra a sua fundação do modo se-
guinte:
Os habitantes de Idanha a Nova, tentado»
pela fertilidade e belleza d'este chão deno-
minado Zebros in illo íempore, trataram de
o agricultar e, comb ficasse distante, aqui
fizeram algumas pobres cabanas para se
abrigarem da intempérie e recolherem e
guardarem os seus gados, os seus género»
e os uteosilios da lavoura.
Com o tempo augmentou a dieta colónia;
as pobres choupanas foram substituídas por
casas e assim se formou um povoado que
do primitivo nome de Zebros se denominou
Zebreira e chegou a ser villa e séde de con-
celho com justiças próprias. Fm 1833 coma
exlincção dos donatários perdeu aquella»
preeminências, mas ainda conserva como
padrão de gloria a velha casa da camará, a
cadeia e o pelourinho e, se hoje não é villa
e séde de concelho, ó a freguezia mais po-
pulosa e mais importante do concelho e da
comarca, depois de Idanha a Nova.
Extincto o seu concelho, passou para o de
Salvaterra do Extremo até 24 d'outubro de
1855, data em que se extinguiu aquelle con-
celho também e passou para o de Idanha a
Nova, a cuja comarca pertencia desde a or-
ZEB
ZEB 2087
gaoisaçSo da nova magistura e extiocçâo dos
provedores e corregedores.
Ecelesiasticamente pertenceu ao bispado
da Guarda até 1771, data era que se creou
o bispado de Castello Branco, ao qual ficou
pertencendo até 1882, data em que pela
nova organisação das dioceses se extinguiu
a de Castello Branco e ficou pertencendo à
de Portalegre.
Ainda se vê na Praça a casa da camará e
o pelourinho.
A casa da camará era humilde e n'ella es-
tão hoje a escola de instrucção primaria do
sexo masculino e o tribunal do juiz ordiná-
rio.
A casa que servia de cadeia foi transfor-
mada em uma torre, na qual pozeram um
relógio, que actualmente existe.
O pelourinho tem na base a data— 1686
— e termina em forma de pyramide qua-
drangular, tendo em uma das faces em rele-
vo 2 leões e 2 braços armados de cutello;
na face opposta uma esphera armillar; em
uma das outras faces um braço com um cu-
tello e um escudo encimado por uma coroa;
— na face restante uma flor, que parece um
amor perfeito.
A coroa e a flor muito provavelmente al-
ludem aos condes de Villa Flor, outr'ora do-
natários da Villa.
Herdades e montes
Comprehende esta parochia a grande her-
dade de Sonde e os montes (aldeias) de Tou-
Iões e Val de CardasA O 1.» foi parochia; o
2.» perteaeia aos antigos fidalgos Pancas,
de Lisboa, e hoje pertence ao visconde de
Morão, Francisco José Morão, de Castello
Branco.
A herdade de Soude consta de 3 folhas e
pertenceu a uma senhora, que a deixou ao
collegio da Madre de Deus da cidade de
1 Comprehende também as quintas de Ta-
pada do Fidalgo e Lagôinha.
Évora. Hoje pertence á fazenda nacional,
mas somente o direito dos pastos, desde 29^
de setembro até o dia 10 de março seguin-
te— e o dos agostadouros (?) da primavera
e do verão, — bem como o direito de receber
como recebe, de cada lavrador visinho 2 al-
queires (61 litros) melados, de trigo e cen-
teio, a titulo de renda do pão que cada um
ali semeia.
Os lavradores visinhos teem direito á
fruição de tudo o mais que contem e pro-
duz a dieta herdade, comprehendendo os
pastos desde 29 de setembro até o dia 10 do
mez de março seguinte, mas somente os
pastos da terça parte do terreno que no in-
verno se ha de alqueivar, pois como já dis-
semos, a dieta herdade anda dividida em
tres folhas.
Do que muito summariameaie fica expos-
ta se vé que é muito complicada a fruição
da dieta herdade.
Se o povo da Zebreira não fosse tào dó-
cil e pacifico, não faltariam desgostos, des-
ordens e demandas — e teria acabado ha
muito semelhante anomalia! . . .
Largos, praças e ruas, — fontes, poços e feiras
A Villa da Zebreira demora em sitio rela-
tivamente alto, mas pouco Íngreme, termi-
nando em planura cora cerca de ;387 metros
de altitude sobre o nivel do mar, como in-
dica a sua pyramide geodésica, muito pró-
xima.
A povoação está no meio de dois campos
espaçosos e foi outr'ora defendida por um
Castello, mandado fazer por et rei D. João
IV no tempo da guerra da restauração, —
Castello hoje desmantellado e em ruioas.
Não tem edifliMos notáveis. Os seus tem-
plos todos são humildes e a casa melhor,
posto que bastante modesta, é a do viscon-
de de Morão.
As ruas principaes são as seguintes : —
Espirito Santo, Castello, Gorrão, Nova de S.
Sebastião, Terreiro, Porta, Fragua, Curral,
Velha de S. Sebastião, Aviceiro, Amoreira e
2 largos:— Adro e Praça.
A leste, ou do lado da Hespanha, tem um
2088 ZEB
ZEB
bom campo — e do lado oeste outro campo, '
muito mais espaçoso e muito mais bonito.
0 1.» denomiua-se A Nave e é uma for-
mosa planície, mas nua e com pequeno no-
risonte, por estar em sitio baixo. Este cam-
po é logradouro eomraum e n'elle ha 4 ro-
das de fazer louça ordinária e 3 fornos para
cozer a mesma louça. Também ali se fabri-
ca telha e se coze em dois fornos particula-
res e um paroehial.
São estas as únicas industrias da Ze-
breira.
Ha também n'este largo (a O.) uma Ca-
pella de S. Sebastião — e junto do caminho
que vae para Segura e Salvaterra do Extre-
mo ha uma pequena lagôa, que se alimenta
d*aguas pluviaes— grande fó.ío de infecção!...
í
O outi-o campo denoraina-se Devesa e é
um dos campos mais formosos emais espa-
çosos que se encontram na província.
Está todo povoado de azmheiras publicas
e oliveiras particulares, — e é muito plano e
muito vistoso. D'elle se descobre um largo
horisonte e um panorama lindíssimo : — as
serras da Estrella e da Gardunha e outras
muitas de Portugal e da He?panha, bem co-
mo uma larga e visiosa campina e muitas
povoações hespanholas e portuguezas, taes
são Idanha a Nova, Castello Branco e alem
da raia Penatifl, Pedras Alvas, etc.
Ha n'eáte campo, do lado da villa (nas-
cente) uma Capella de Nossa Senhora da
Piedade— e do lado sul um poço publico e |
quadrilongo de 7 metros de comprido e 5
de largura com guardas de pedra e agua
nativa potável, mas salobra. E' óptima para
o gado, porque tem a virtude de expelliras
sanguesugas que estejam presas na boc-
ca ou na garganta dos animaes que a be-
bem.
Este campo é também publico e n*elle se
fazem as feiras da villa, que são 3 e muito
antigas, outr'ora francas e muito importan-
tes,— nos dias 7 de março,— 1." de junho —
e 7 de setembro.
Além dos mencionados poços da Nave e
<âa Devesa tem a villa mais os seguintes:
—Fontao, a N. e distante da Zebreira
150 a 200 metros.
—Poço do Concelho, a E. e distante 30 a
40 metros.
— Fonte de Baixo, para o lado da egreja
e distante cerca de 100 metros.
—Fonte Nova, do lado sul e distante pou-
co mais de 100 metros também.
Esta ultima nascente nunca se esgota,
mesmo nos annos mais áridos.
Templos
1." Egreja matriz.
Tem de comprimento 25 metros, 9 V2
largura e 6 de altura. Já não comporta a po-
pulação da freguezia, pelo que vão restau-
ral-a e ampliai a.
E' singela mas decente e suppõe-se que
foi construída em 1694, porque sobre a por-
ta principal se vê gravada aquella data.
Consta que é a 2.» matriz, feita em sub-
stituição da 1.», que foi a capella do Espi-
rito Santo.
Demora a leste e na extremidade da vil-
la, mas ainda cercada de casas e olhando
para N. cora duas portas lateraes — uma a
E. outra a O. e tem contigua uma torre de
cimpanario.
Pouco depois da guerra da península, por
descuido do sachristão arderam a capella-
mór e a tribuna. Traetarara logo de as res-
taurar, mas, como ao tempo a villa estava
muito pobre por causa da guerra, venderam
parte do campo da Nave e com o seu pro-
ducto Qzeram as obras, que por isso mesmo
ficaram singelas.
Á povoação actual demanda uma matriz
muito ampla.
2 ° Lapella do Espirito Santo, — a velha
matriz.
Tem de comprimento 34 metro*» e 3 V2
d'altura. Está em ruinas e profanada e igno-
ra-se a data da sua fundação.
Demora ao sul da villa, na rua do Espi-
rito Santo, que tomou o nome da dieta ca-
pella, talvez o 1.° templo da localidade.
3." Capella de S. Sebastião.
Tem 28 V2 metros de comprimento e 3 V2
d altura e suppõe se que foi feita no anuo
ZEB
de 1668, porque na padieira da porta de
entrada (não tem outra) se vé gravada a
cinzel aquella data.
Demor?, como já dissemos, no campo da
Nave;— não tem rendimento algum próprio
e é administrada por uma mordomia que
festeja o martyr todos os annos com esmolas
dos íieis.
4. " Capella de Nossa Senhora da Pie-
dade.
Demora na Devesa, como também já dis-
semos; — tem 10 metros de comprimento;
3 Vz d'altura e um alpendre com 7 metros
de comprimento, 4 V2 d'altura— e vistas es-
plendidas.
Foi feita em 1827 ou 1^28 com esmolas
que para a dieta eonstrucção pediu Zíowar-
do Chaves á'es>lai villa da Zebreira, — e a
imagem da Senhora foi offerecida por Ma-
nuel Chaves, pae do fundador da capella.
Deus 08 tenha em bom logar,
5. * Capella de S. Pedro.
Demora no Castello, a montante e no
ponto mais alto da villa, pelo que é a mais
vistosa de todas.
D'ali se descobrem as serras da Estrella,
de Marvão e da Gardunha em Portugal e
outras muitas da Hespanha, bem como dif-
ferentes povoações hespanholas e portugue-
zas: --Idanha a Nova, Alpedrinha, Castello
Branco, Castello Novo, Covilhã, Penamacor
— e além da raia Penafiel, Penas Alvas, etc.
Costumam festejar todos os annos a pa-
droeira da villa— iVossa Senhora da Concei-
ção—h&m como Santo Antonio, antigo pa-
droeiro de Toulôes, a Senhora da Piedade,
o Espirito Santo e S. Sebastião.»
Também na segunda feira de Paschoa em
cumprimento de um voto costumam ir com
um clamor á capella de S. Domingo?, no
1 As festas principaes são: a do Espirito
Santo, sempre seguida de tourada, depois
da funcção religiosa,— e a da Senhora da
Piedade no dia 8 de setembro, havendo por
essa oceasião fogo d'artificio preso e solto,
ramo, grande arraial e muitos descantes e
danças que descreveremos no tópico final: —
costumes e preconceitos.
ZEB 2089
termo do Rosmaninhal — e á volta, no sitio
de Villares, a meia distancia entre a Ze-
breira e a dieta capella, disiribue-se pão e
vinho aos romeiros,— tudo em cucriprimen-
to do mesmo voto, que é muito antigo
A festa de Santo Antonio taaobem se faz
em cumprimento d'outro voto, mas muito
mais recente, cuja explicação vamos dar,
porque é interessantíssima e faz tremer a
almal...
Ouçam, ouçam:
Em 1841 no monte (aldeia) de Toulões,
um lobo no espaço de dois mezes devorou
muitas pessoas, a primeira das quaes foi
uma rapariga de 16 annos. Da pobre victi-
ma apenas se encontrou o eraneo com al-
guns cabellos e os pés já corroídos.
Das muitas pessoas que a fera aeommet-
teu apenas poderam salvar-se dois homens.
A um d'elles deu-lhe tal dentada que lhe
arrancou metade dos ossos do craneo, os
médicos porém conseguiram substituir
aquella parte da caixa craneana por um
caseo de botelhalU. . E assim viveu ainda
mais de 20 annos, sempre com saúde e co-
mo se nada tivera soífrido?!. . .
Emquanto a fera se entretinha com aquel-
le infeliz, um companheiro d'elle pôde subir
para uma arvore milagrosamente, pois o lo-
bo com um salto ainda lhe apresou o gabão
que levava sobre os hombros e o fez em ti-
ras. Entretanto o homem gritou e acudirarii
diíTe rentes pessoas que afugentaram a fera
e salvaram aquelles dois infelizes.
O lobo era mais que maireirol
As auctoridades do concelho tomaram
enérgicas providencias. Mandaram envene-
nar carne e espalhal-a pelos campos e mon-
tes; fizeram monterias; pagaram a caçado-
res destemidos que esperaram a fera em
agaardos próprios, eollocando dianíe d'elles
como negaça ou chamariz alguns rapazes;
mas o maldito lobo nunca appareceu nem
cahiunos laços. O povo já dizia que não
era lobo, mas o peccado, e em tão grande
consternação e aíílicção recorreram ao patro-
cínio de Santo Antonio e promelteram fes-
tejai o todos os annos, se os livrasse da mal-
^090 ZEB
dita fera. E, ou fosse acaso ou milagre, é
certo que feito o voto o lobo não mais ap-
pareceu nem se registraram mais victimas.
Passados dias encontraram-se 3 lobos
mortos, talvez por haverem comido a carne
envenenada, mas o povo convenceu-se de
que só devia a Santo Antonio, orago de
Toulões, o desappareeimento da fera. Tra-
ctou de cumprir o voto e até hoje (1889)
tem festejado o thaumaturgo todos os annos.
Ha n'e8ta freguezia duas aulas de instruc-
çrimaria para os dois sexos.
O ftlima ó irregular: — frio no inverno e
abrasador no estio, mas durante a estiagem
apparecem iaterpoladaraente dias e noites
frios, o que produz febres intermittentes ou
sesões, moléstia predominante n'esta fre-
guezia, devida também à sua agua potável,
que podia ser melhor.
O cemitério paroehial demora ao sul da
Zebreira e dista da egreja matriz cerca de
«600 metros. Foi feito em 1867, data em que
08 ty phos aqui pesaram cruelmente e fize-
ram muitas victimas.
Os médicos entenderam que a epidemia
era alimentada pelos miasmas do pequeno
cemitério, que então estava no sitio de S.
Pedro, junto das ruinas do eastello, a N. da
Villa, pelo que o inutilisaram, — cobriram-no
de cal virgem e fizeram o actual, que é bas-
tante espaçoso o está e u boas condições de
hygiene.
Ha n'esta paroehia jazigos de differentes
minérios, que já foram registrados, mas não
explorados.
Ao nascente da villa e distante cerca de
2 kilometros se ergue o Cabeço vermelho no
ponto culminante da localidade.
É ali que está a pyramide geodésica men-
cinada supra, na altitude de 387 metros so-
bre o uivei do mar.
Os 3 maiores proprietários d'e8ta fregue-
zia na actualidade são os seguintes: —'Vis-
conde de Morão, dr. Alegre e Valentim Men-
des de Carvalho.
Os habitantes d'esta freguezia faliam mui-
to correctamente o portuguez e o hespa-
ZEB
Dhol, em quanto que os raianos da Hespa-
nha faliam pessimamente o portuguez.
Pessoas notáveis
A villa da Zebreira pela sua posição jun-
to da raia e por ser fortificada, devia ter
com os hespanhoea muitos conflictos, nos
quaqs por certo se distinguiram filhos seus,
— e por ter como tem grandes rebanhos e
centos de pastores, muitos d'esies se devem
ter distinguido em luctas com as feras e com
08 próprios elementos, com outros pastores
e com 08 povos circumvisinhos, mas até ho-
je infelizmente a Zebreira nunca teve chro-
nista e nós, além da falta de habilitações,
moramos a grande distancia, pelo que a
muito custo organisàmos estas pobres li-
nhas e deixamos este tópico simplesmente
apontado,
Apenas indicaremos dois filhos d'esta pa-
roehia que na primeira metade d'este sécu-
lo se tornaram notáveis,— um pela sua reli-
giosidade,— outro pela sua excentricidade e
falta de patriotismo. Foram elles;
1. » Leonardo Chaves,— o fundador da Ca-
pella de Nossa Senhora da Piedade, mencio-
nado supra;
2. » Diogo Vaz— ou Diogo Portú, — assim
cognominado, por que a todos tractava por
tu.
Na guerra da Península bandeou-se com
08 francezes contra Portugal, dizendo que o
motivo de tão estranho procedimento foi a
guerra que lhe moveram os capitães mores
da freguezia.
Deus lhe perdoe.
Costumes e preconceitos
Muitos habitantes d'e8ta paroehia despre-
.oam a medicina e costumam ir na manhã
de S. João beber agua de 7 fontes que não
se avistem umas a outras, convencidos de
que, enchendo bem o estômago com agua
em taes condições, ficam livres de toda e
qualquer enfermidade?! . . .
Nos dias de semana os homens agrícolas,
que constituem a maior parte da freguezia,
usam sapatos ou botas brancas de afanado.
ZEB
«alção e vestia comprida de saragoça ordi-
nária, collete de chaviote ou meia cazimira,
cinta ou faxa preta de là, chapéu de lã flna
e aba redonda e gabão de burel preto com
capuz.
Nos dias festivos os mais abastados usam
bota preta de vitella, calça, collete e quin-
zena (eppeeie de casaco pequeno) de cazi-
mira ou panno preto— e outros de chaviote
ou saragoça preta fina,i — chapéu preto ou
branco de aba redonda, de lã muito flna ou
de pfclle de coelho ou lebre.
As mulheres e Olhas dos agricultores nos
dias de semana usam sapato preto ou bran-
co de atanado ou de vitella,— saiote de pan-
no encarnado,— saias de chita,— casaco ou
casaquinha apertada, de tecidos de lã,—
lenço na cabeça— e Cabello enrolado á hes-
panhola.
Nos dias san/os:— vestidos de chita, cas-
sineta ou drogas de lã com bastante roda e
folho— ou pequena roda, mas com apanha-
dos,—t-hsih de merino, — cabello enrolado,
bota de vitella ou de verniz, ete.
As danças populares d'esta freguezia são
bailes, polkas, mazurkas, sehotizes, contra-
danças e fandango hespanhol (jota).
Os descantes dos mancebos quasi todos
se resumem em fadinhos, acompanhados de
guitarras e violas francezas ou violões de
cordas de tripa, instrumentos que mais vul-
garmente usam.2
As raparigas, chegando á idade núbil,
começam logo a fazer côro com as outras,
tareando habaneiras, malaguenhas, jotas,
seguidilhas e outras modinhas hespanholas e
ZEB
2091
1 A melhor saragoça fabricada em Portu-
gal até hoje é a da casa Rainhas, de Gou-
veia, denominí^da saragoça Rainha.
"V. Gouveia e Villa Nova de Tazem.
2 N'e8ia mesma província da Beira Baixa—-
em volta da Serra da Estrella — os instru-
mentos favoritos e quasi únicos do povo são
adufes, espécie de pandeiros ou tambores
quadrados e fechados, — instrumentos anti-
quissimosl
y. Viseu, tomo 11.» pag. 1:541, col. l.«
portuguezas, bem como grande variedade de
jogos de roda cantados.
São muito sympathicas e distinguem-se
das moças dos povos raianos limitrophes e
dos circumvisinhos.
São mais vivases, mais desenvoltas e até
mais namoradeirasl . . .
Desculpem a liberdade do termo.
láto, que para nós é hoje
muito simples e todos com-
prehendem. passados séculos
fará matutar os leitores, como
nós hoje matutamos para eom«
prehendermos a descripção do
vestuário, usos e costumes das
gerações extincias.
ZEBRO-animal. V. Zebra.
ZEBRO— casal da freguezia de Val de Ca-
vallos, concelho da Chamusca, districto de
Santarém.
V. Val de Cavallo^, tomo 10." pag. 44,
col. 1."
A povoação de Val de Cavallos, séde da
parochia, está na margem esquerda da ri-
beira d'Alpiarça, conQuente do Teju, do
qual dista 4 kil. para S. E. e 8 da villa da
Chamusca para S. S. O.
Além da dieta povoação comprehende
esta freguezia os casaes seguintes:— Val da
Lama da Atella, Val da Lama da Rosa, Val
do Porco, Val da Bezerra, Val de Carros,
Val de Flores, Monte do Val de Flores,
Aguas Vivas, Zebro, Anjo, Seixo, Fontai-
nhas, Caniceira, Carvalho, Carvalhal, Par-
reira, Villa de Rei de Baixo, Villa de Rei
de Cima, Villão, Areias, Migas, Matafome,
Salvador, Palhas, Corvas ou Curvas, Cân-
taro, Murta, Almotolia, Semideiro, Moinho-
la, Bunheira, Vime, Cruzetas, Cruzetinhos,
Machoqueira, Barrosa, Cambeiro, Costeiri-
Dhas, Cantarinho, Arneiro Allo, Sesmaria e
Perna Secca;— as quintas de Outeiro, Cabi-
de, Commenda, Quinta Nova, Chocalho,
Pazè e Omnm,— e os sitios (habitações iso-
ladas) de Alto da Cerca, Moinho Novo. Car-
vão, Mulas e Alto da Vendeira.
A freguezia de Val de Cavallos pertenceu
ao concelho de Ulme, exiincto pelo decreto
2092 ZED
de 24 d'outubro de 185S, pelo qual passou
para o da Chamusca.
O meu benemérito antecessor em i882
deu-lhe 245 fogos, mas o censo de 1878 deu-
Ihe 331 fogos e l:i26 habitantes, no que
não ha proporção, porque 331 fogos deviam
dar pelo menos 1:340 habitantes.
Com o mesmo nome de Zebro temos no
nosso pair mais 2 casaes, 1 herdade e 2 si-
tios ; — Zebro de Baixo e Zebro de Cima,
também casaes, — e com o nome de 'Zebros
um casal e uma aldeia, mas não nos consta
que offereçam coisa digna de menção.
ZEDES — aldeia e freguezia do concelho
de Carrazeda d'Anciães, comarca de Mon-
corvo, distrieto e bispado de Bragança, pro-
vinda de Traz os Montes.
Vigairaria outr'ora— hoje simples encora-
mendação amovível.
Orago, S. Gonçalo; fogos 61, habitantes
244.
Em 1706 era vigairaria apresentada pelo
reitor de Marzagão, freguezia d'e8te conce-
lho de Carrazeda d' Anciães; — pertencia ao
termo e concelho da extincta villa e paro-
chia d' Anciães, comarca (corregedoria e pro-
vedoria) de Moncorvo, arcebispado de Bra-
ga;—tinha 2 capellas e 28 fontes (?!...) e
contava 60 fogos,— segundo se lé na Cero-
gr. Port. que, talvez por erro typographico,
lhe deu o nome de Gedes.
Em 1768 era vigairaria da apresentação
do reitor de Anciães, que dava ao pobre vi-
gário apenas 6^000 réis de côngrua, alem
do mesquinho pé d'altar — e contava 50 fo-
gos, segundo se lé no Port. S. e Profano.
Em 1852 o Flaviense deu-lhe 58 fogos.
O censo de 1864 deu-lhe os meamos 58
fogos e 210 habitantes e o censo de 1878
deu-lhe também 58 fogos e 206 habitantes.
Do exposto se vé que esia parochia tem
pequena população, mas este mesmo conce-
lho tem outra ainda menos populosa. E' a
de Samorinha, que apenas conta 42 fogos.
Das 21 freguezias d'este concelho 7 não con-
tam 100 fogos cada uma; de 100 a 200 fo-
gos tem 9 freguezias; de 200 a 300 fogos
tem 4=e só a freguezia de Linhares conta
mais d(» 300 fogos (335). O mesmo succede
em todo o bispado do Bragança. E' o que
ZED
tem freguezias mais pobres e menos populo-
sas, posto que muitas já contam duas e tres
exiinctas, annexas, e tendem a extinguir-se
outras muitasl. . . Pelo contrario a diocese
do Algarve é a que relativamente conta fre-
guezias mais populosas.
V. Villa Verde, freguezia do concelho d»
Mirandella, tomo 11.» pág. 1:094, col. 2.*
Esta pequena e pobre freguezia compre-
hende apenas a povoação de Zede$, que de-
mora a N. E. e na falda da serra de Rebo-
rosa.
Dista da margem esquerda do Tua 4 kil.
para S. E.; 5 de Carrazeda de Anciães para
N.; 6 da estação do Amieiro (a mais próxi-
ma) na linha férrea do Tua; 25 de Moncor-
vo; 70 de Bragança; 160 do Porto, pelas li-
nhas de Tua e Douro,=e 497 de Lisboa.
Templos : — 1." a egreja matriz, em bom
estado;— 2.» a capella de Santa Margariia,
aberta ao culto;— 3.* a capella de S. Roque,
interdictae profanada;— 4.° a capella de...
—feita de abobada, brazonada e particular.
Suppomos que pertence à nobre familia Dá
Mesquitas e Meneses que possuem n'esta
parochia um edifício brazonado, em que vi-
vem.
Tem esta parochia ao sul da povoação
um largo muito espaçoso, a que chamam
Prado.
Banham-na dois ribeiros— um a S. outro
a N. — que tem 5 pontões e 2 moinhos — e
desaguam no ribeiro de Frarigo, confluen-
te do Tua.
Produeçòes dominantes : — muito e bom
centeio, batatas, castanhas e hervagens (fe-
no) em bons lameiros.
Também antes da invasão phylloxerica
produziu algum vinho e é abundante de ca-
ça miúda — coelhos e perdizes.
Não tem aula alguma, nem sequer de in-
strucção primaria.
Náo consta que tenham apparecido aqui
moedas romanas nem pedras com inscri-
pçQes, «ha eomtudo uma velharia (diz o meu
ZED
ZED 2093
Informador) que merece mencionar-&e: é
uma guarita ou casinha, formada de gran-
des pedras sómente, e que pôde abrigar seis
ou mais pessoas. Chamam-lhe Casa da Mon-
ta e esie mesmo nome dão ao sitio onde se
acha, que é do mencionado Campo, ao nas-
cente d'esta aldeia.»
A dieta Casa da Moura muito provavel-
mente é um dolmen ou anta, pois n'e8te
concelho ainda hoje se encontram mais dol-
meas. Na freguezia de Villarinho de Casia-
mheira apontámos nós tres.
V. tomo 11.0 pag. 1:342, col. 2.»
Com vista aos archeologos.
Freguezias limitrophes: — Amedo, Pinhal
dio Douro, Carrazeda d'Anciães e Pereiros.
Esta pobre freguezia não tem estrada al-
guma a macadam. A mais próxima ó a de
foz Tua a Carrazeda d'Aneiães e que faz
parte da de Villa Real de Traz os Montes a
•Freixo de Espada à Cinta, apenas feita des-
de Villa Real até Favaios.
Moedeiro falso
Não consta que esta parochia tenha pro-
duzido ppssoas notáveis pelas armas, lettras
ou virtudes; mencionaremos pois sómente
um pobre moedeiro falso, filho d'e8ta fre-
guezia, por nome Manoel Ignacio que, de-
pois de cumprir sentença por outros crimes
na cadeia da Relação do Porto, foi ali preso
em janeiro de 1887, por fabricar moeda fal-
sa e no commissariado da polícia declarou
o seguinte:
Ser natural da freguezia de Zedes, con-
celho de Carrazeda de Anciães, trabalha-
dor, morador no monte da Penna, em Vil-
lar, no Porto. Que eífectivamente, foi a casa
de Manoel dos Santos, no monte da Lapa>
em maio do anno findo (1886) e que em
companhia d'elle, fabricara moedas de 500
réis, sendo igualmente feitas pelos dois as
íôrmas de gesso.
Que aprendeu a fazer as moedas , quando
esteve nas cadeias da Relação, onde foi es-
crivão e juiz da prisão de Santo Antonio.*
1 Nós não conhecemos o tal sei^vo de Deus.
Vamos simplesmente extractando o que dis-
VOLUME XI
Havia ali um preso que se promptiBeava a
ensinar todos os que quizessem fabricar
moedas falsas, oíTerecímento que elle decla-
rante, acceitára.
Quando Manoel dos Santos foi preso, eU«
declarante ausentou-se do Porto e escon-
deu n'um silvado, próximo ao Palacio de
Crystal, algumas colheres e barras de esta-
nho, e que, quando regressou fora encon-
trai as no mesmo lugar, levando-as então
para casa, e por isso é que lá foram en-
contradas, pelos guardas civis n.*' Ii6e
161.
Posteriormente foram julgados elle e ou-
tro farroupilha, o tal Manoel dos Santos, seu
sócio na triste empreza, mas não sabemos
que premio receberam e que destino lhes
deram.
Não sabemos qual a verdadeira etymolo-
gia de Zedes.
Fr. Jbão de Sousa, no diccionario Vesti'
gios da lingua arábica, diz que o nome d'e8-
ta freguezia transmontana vem de Zeida ou
Zaida, nome árabe, pj-oprio de mulher, e
que significa augmentaiora, como prove-
niente do verbo zada, accresceníar, augmen-
tar.
Também poderá vir de Zaidi ou de Ye-
zid, nomes árabes, — ou da tribu africana
Zenetes, que no nosso idioma facilmente po-
dia dar Zedes.
No testamento de D. Enderkina Palia,
feito no anno de 976, figura entre as diver-
sas testemunhas um padre de nome Zeide.^
Também nas Dissert. Chronol. de João
Pedro Ribeiro, tomo 1.* pag. 202, se encon-
tra um documento do anno 995 (reinado de
D. Bermudo II) no qual figura ura indivi-
seram os jornaes ; mas do exposto se vô
que elle já havia commeltido outros crimes
e que era ou ó homem valente e enérgico,
pois mereceu a honra de ser nomeado juiz
da prisão.
1 Portug. Monum. — Diplom. et Chartae^
pag. 74, doe. n." 117.
132
2094
ZEG
duo chamado Ziti—omro Zydi Trastemirí-
zi, — outro Zidi Ermiarizi — e outro Zidi,
qmsi presbytero, que foi quem escreveu o
dicto documento, pertencente ao mosteiro
de Vaírão.
Do exposto se vé que ne sec. x era tri-
vial no nosso paiz o nome Ziíi, ou Zydi, ou
Zidi — Zido, ou Zede, ou Zedes.
V. Zido, aldeia, infra.
Não podemos pois acceitar sem escrúpulo
a eathegorica aífirmaliva de Fr. João de
Sousa — e terminaremos dizendo que nos
parece gôdo o nome de Frarigo, ribeiro
mencionado supra.
ZEGONIAR— porl. ant.~ viver em man-
cebia.
«No foral das Extremaduras, dado por
el-rei D. Alfonso Henriques, e regulado pelo
que seu bisavô, el-rei D. Fernando, o Ma-
gno, linha dado á villa da Pesqueira e ou-
tras, se diz:— «Si homo, aut mulier. . A
Em vulgar : — Se algum homem ou mu-
lher disser ao seu visinho ou visinha Zegulo
de foão, ou Zegonia com foão, e não poder
pròvar com testemunhas, pague 30 soldos
para a camará e seja considerado reu de
homezio.^* ^
«Nenhuma duvida pôde haver, que aqui
se traeta de castigar os que falsamente le^
vantavam o crime de concubinato, ou man-
cebia, lançando em rosto ao seu visinho que
era Zeguto de fulana, ou á visinha — que
Zegoniava com fulano: o que não provando
por inquirição de testemunhas, eram eon-
demnados a pagar á camará 30 soldos, e
desterrados do logar, como se foram homi-
cidas do corpo, assim como o tinham sido
da honra e fama.
«Mas que, etymologia daremos nós a ze-
«Diremos que vem de Âgola, que era na
baixa latinidade o mesmo que Synagoga,QU
logar, era que o povo se juntava?
• Diremos que vem de Zech, ou Zechum,
que significa a sociedade, ou do verbo ze-
ZEG
chare, que era frequentar a companhia d'aK
guem?
«E que cousa mais própria dos torpes
amantes, que procurar a sociedade recipro-
ca para metter em uso a desordem das suas
paixões?. . .
«Alem d'islo os nossos naturaes mudavam
com frequência o S em Z,^ e porque não le-
riam aqui segonia isto he (fallando honesta-
mente) se diverte, se alegra, se desenfada f
«Sabemos que agonia he trabalho, com-
bate, lucta, dôr, pena, afflicção, tristeza; mas
se lhe tiramos o a, que he privativo, por-
que não diremos que gonia he prazer, rego-
sijo, deseanço, entretenimento, gosto, con-
solação, allivio?. . . Embora; mas que signi-
ficação daremos nós a zegulo'^. . .
«Poderíamos avançar que do latino soí/m-
lo, pequeno sayo de burel, ou panno grosso
de que os zagaes ou pastores usavam, e os
moços de servir, se disse Zegulo o que ser-
via gdeshonestamente a mulher alheia, o
amasio, coneubinario, mancebo, criado tor-
pe, lascivo e deshonesto. Com tudo eu reco-
nheço que não passa de tentativa o meu pen-
samento.
«Mas quanto seria para desejar que nós
tornássemos a ver as rigorosas penas contra
as más linguas, que como chammas do in-
ferno assim abrazara as honras e famas dos
seus visinhos, sem que os aggressores mal-
vados experimentem a espada da lei! . . .
«Em todas as nações foi abominável e
punida a desenfreada língua, que não per-
doa á reputação honesta do próximo. Nos
Paizes Baixos, Alemanha, França e outras
partes havia antigamente duas grandes pe-
dras na casa do senado, que a mulher con-
vencida de ter chamado a outra p... ou
outra palavra deshonesta, era obrigada a
1 V. Zegoniar em Viterbo.
2 Livro dos Foraes Velhos.
* E os hespanhoes e leonezes mudavam e
mudam o Z em S ou Ç,— na escripta algu-
mas vezes e na pronuncia sempre.
V. Vouzella— rio.
P. A. Ferreira.
ZEG
ZEI 2095
levar às costas de freguezia era freguezia,
sem mais vestidos que a camisa, e rodeada
de grande multidão de gente. A esta vergo-
nhosa pena chamavam Lapides cattnatos
ferre, a qual igualmente se applicava aos
adúlteros, porem, com circumstancias ain-
da mais vergonhosas.
•Em Portugal também se castigou anti-
gamente o crime da lingua com todo o ri-
gor...
«Na casa da camará da villa de Sanceriz,
junto a Bragança, se vê ainda hoje um freio
cora que se castigavam as mulheres bravas
de condição e maldizentes, e mesmo todas
as pessoas, cujo crime procedia de palavras.
O dicto freio tem lingua para a boca, argola
para o queixo de baixo e cambas que lan-
çam sobre o nariz, — ludo de ferro; tem
igualmente cabeçada com sobre-testa para a
cabeça, com fivéla que fecha para traz, e
rédeas com passador.^ Hoje, porém, que a
maledicência tem chegado ao seu maior au-
ge,^ jazem as leis, dormem os magistrados, e
os linguarazes cada vez se fazem mais or-
gulhosos e insolentes, chegando a pôr a bo-
ca no ceu da honestidade mais pura, e fa-
zendo talvez cahir no vicio algumas almas
fracas, a quem a boa fama havia conservado
largo tempo na virtude.
.No Cod. Alf. liv. 1." tit. 62, § 13, se diz:
—Haverá mais o Alcaide Mór todalas coi-
mas, que os homeens da Alquaidaria posa-
rem aas molheres, que som useiras de braa-
dar: e he de pena, por cada vez que a assy
poserem, tres libras de moeda da moeda an-
tiga.
Oh temposi oh costumes?. . . •
Note-se que Viterbo escrevia em 1798,—
no tempo da Inquisição e dos governos
absolutos, das penas corporaes, da forca e
da picota e das Ordenações do Reino, cujo
livro 5." faz tremer! . . .
1 V. Sam-Ceriz, tomo 8.» pag.377,col. 1.»
in fine.
2 Que diria Viterbo se vivesse na actuali-
dade (1889) e lesse os nossos jornaes da
opposição e de combate,— esses pamphletos
immundos, que são a vergonha da impren-
sa?!...
In illo tempore também qualquer livro
antes da impressão era submeltido a rigo-
rosa censura oíiicial, em quanto que hoje
tudo se publica francamente : — jornaes do
toda a ordem, versos os mais impios, ope-
retas immundas e romances realistas, a fina
i flor da litieratura hodierna, — leitura para
homens— á\z o editor, para que sejam, co-
mo eÉfectivaraente são, os mais lidos pelas
mulheres. N'elles e nos theatros de hoje en-
contram as filhas e as mães eniapetado de
flores o caminho do lupanar, pelo que a
desmoralisação hodierna assombra, — ^já tem
foros de cidade— q promelte ir muito mais
longe esta vasa do progresso! . . .
ZEIAM — nome árabe.
D'elle talvez provenha o nome de Saiam
ou Saião, dado a duas quintas nossas e a
um poço do Douro, mencionado no art. Vi-
seu, tomo 11.» pag. 1:705, eol. 1."
Zeiam, príncipe de Maquinez em Africa,
sendo expulso dos seus estados por Maho-
met, seu primo, rei de Fez, veiu a Lisboa
invocar a protecção do nosso rei e levou-o
a tentar a conquista de Azamor com um
grande exercito commandado por D. João
de Menezes, mas o tal sr. Zeiam, longe de
nos dar na Africa o auxilio que promettera,
bandeou-se com os africanos contra nós;
foi porém derrotado com perda de 14:000
homens, — diz Moreri.
ZEIDONEZES.— Assim se denominava no
século XI uma villa (aldeia, granja ou quin-
ta) no território de Penafiel, pois em uma
doação vastissima que na era de 1104, —
anno de 1066 — Garcia Moniz e sua mulher
Elvira fizeram ao convento de Vairão, entre
muitas propriedades sitas nas margens do
rio Ave, do Tâmega e do Douro, tanto na
margem direita como na margem esquerda
—em Arouca, Sinfães, e Paiva, no latim
bárbaro d'aquella época se encontra men-
cionada a villa Zeidoneses.
t . . ,in terra de Penna Fideli (diz a es-
criptura) . . . villa Zeidoneses. .. »i — » Ns
1 Dissert. Chronol. de João P. Ribeiro, to-
mo 1." pag. 221, doe. n.» 23.
2096 ZEI
ZEI
terra de Penafiel... a villa de Zeidone-
ses ..*
A tal quinta mudou de nome, pois não
ha no districio do Porto quinta ou povoa-
ção alguma, cujo nome tenha afinidade
com aquelle.
Suppomos que a tal villa de Zeidoneses é
a mesma que o bispo do Porto D. Hugo re-
cebeu do mosteiro do Paço de Sousa no an-
no de H16 em troca de certas exempçòes
que n*aquella data concedeu ao dicto mos-
teiro.
Pôde ver se a escriptura de transação nas
Dissert. Chronol. de João P. Ribeiro, tomn
1." pag. 142, doe. n.° 35, posto que ali se
lhe dá o nome de Ceidoneses, nome a que
talvez correspondam os de Cidães, freguezia
do districto de Bragança, — Ceidão, quinta
do districio de Viseu, Seidões, aldeia e fre-
guezia do concelho de Fafe, districto de
Braga.— Sedão, casal da freguezia de Man-
cellos, no antigo concelho da Riba-Tamega,
hoje Amarante,— e Sedões, aldeia da fregue-
zia de S. Thiago de Bougado, concelho de
Santo Thyrso.
Teem muita afflnidade com estes nomes
os das nossas freguezias de Zedes e Seide
(S. Paio e S. Miguel) — talvez todas prove-
nientes de Zeid, Seid ou Said nomes árabes.
V. Zedes.
ZEIVE — parochia extincta, hoje simples
aldeia da freguezia de Paramio, havendo per-
tencido repetidas vezes á de Mofreita, conce-
lho de Vinhaes, a cuja freguezia estava anne-
xa e contava 3i fogos em 1756, segundo se
lô na Corogr. Port. tomo 1." pag. 499. Depois
passou para a freguezia de Paramio, con-
celho de Bragança;— pelo decreto de 31 de
dezembro de 1853 Voltou para a de Mofrei-
ta,—por decreto de 24 d'outubro de 1855
voltou para a de Paramio; depois, não sa-
bemos quando, tornou a voltar para a de
Mofreita— e hoje (1889) pertence outra vez
á de Paramio?!. . .
Carvalho denominou -a Ozeive, em vez de
Zeive, como se diz o Gem, o Touro, o Mol-
ledo, o Marco, o Pinhão, etc.
A dieta povoação do Zeive ainda conser-
va a sua antiga matriz com a invocação de
S. Cypriano e pia baptismal. Demora na
margem esquerda do rio Tuella, nascente
principal do Tua, — e na margem direita do
rio Baceiro, confluente do Tuella.
Tem 38 a 40 fogos e dista 2 kil. da Mo-
freita e cerca de 3 tanto de Paramio, como
dos rios Baceiro e Tuella.
Producções dominantes— centeio, batatas,
castanhas, hervageos e hortaliça.
Também cria bastante gado lanígero, muar
e vaccum, e è muito abundante de caça doa
seus montes e peixe dos seus rios.
Era junho do corrente anno (1889) o mui-
to rev. sr. bispo de Bragança D. José Alves
de Mariz, andando a visitar o bispado, este-
ve na Mofreita, em Paramio e n*esta povoa-
ção do Zeiva, cujos habitantes lhe offerece-
ram uma linda cazula amarella, própria
para as solemnidades episcopaes áô ordens
e ehrisma.
De passagem diremos que está a sair do
prélo (Typographia da Palavra, Porto) um
livro que prende com a freguezia de Mo-
freita. Intitula-se Monumento á memoria de
D. Antonio Luiz da Veiga Cabral e Camara,
bispo de Bragança — bscripio pelo rev. sr.
cónego Manoel Antonio Pires, auxiliadopelo
sr. conde de Samodães e pelo rev. sr. padre
Arthur Eduardo d'Almeida Brandão, distin-
ctos escriptores catholieos,— e pelo humilde
auctor d'estas linhas.
O livro prende com a dieta parochia, por-
que o venerando bispo D. Antonio foi n'ella
paroeho e n'ella existe ainda hoje um dos
dois Recolhimentos de Oblatas do Menino
Jesus, fundados por D. Antonio.
O outro está em Fornos de Ledra, con-
celho e comarca de Macedo de Cavallei-
ros.
V. Villa Verde de Mirandella, tomo ll.«
pag.5l:097, col. 1.» e segg.; Villar de Le-
dra, no mesmo vol., pag. 1230, col. 2.» —
e Bragança, Mofreita e Fornos de Ledra
n'este diecion, e no supplemento, onde vol-
veremos a fallar do santo bispo D. Anto-
nio.
ZEL
ZEL 2097
RETRACTAÇÃO
Aproveitando o ensejo, muito esponta-
neamente retiramos tudo o que no artigo
Vicente de Fóra (S.) tomo 10." pag. 5S0 e
55i, dissemos em desabono do venerando
bispo D. Antonio Luiz da Veiga, porque ao
tempo ainda não o eonheciamos e trahiu-
nos a manhosa e perigosa carta do astuto
abbade de MedrÒes, que foi contemporâneo
e um dos mais injustos e cruéis detractores
d'aquelle virtuosissimo prelado.
Fique pois prevalecendo o que mais tar-
de e sobre o mesmo assumpto dissemos no
citado artigo Villa Verde e o que em refu-
tação da dieta carta e em abono do men-
cionado bispo se lê no livro Monumento, pu-
blicado a instancias nossas.
Poenitet, poenitetUl. . .
ZELA ou ZELLA— cidade exlincta e sup*
posta capital dos zoelas, hoje talvez repre-
sentada pela pequena e pobre aldeia e fre-
guesia de Castro d'Avellãs, concelho de Bra-
gança^ província de Traz os Montes.
Para evitarmos repetições, veja-se n^este
diceionario o art. Castro d'Avellans, tomo
%• pag. 20 i, — e nas Memorias de Litteratu-
ra portugueza, tomo 6." pag. 258 e segg. a
interessante Memoria que Frencisco Xavier
Ribeiro de S. Payo dedicou ao dicto mostei-
ro em 1793.
Tanobem se denominava Zeto ouZiela uma
cidade do Ponto, junto da qual Cesar alcan-
çou contra o rei do Ponto uma Victoria tão
rápida e completa, que escreveu ao senado
romano dizendo simplesmente: — Veni, vidu
vici. Em vulgar: — Cheguei, vi e venci, —
phrase que ainda hoje voga.
V. Strabão, Ptolomeu, Plutarco e Moreri.
ZELA ou ZELLA— pequeno rio, affluente
do Vouga.
Nasce ao sul e a distancia de 8 kilome-
tros de Vouzella; — corre em direcção a N.;
passa a O. de Vouzella, tocando na própria
Villa, onde corta a rua da Ponte, passando
em uma antiga ponte de pedra de ura só
arco, ponte que deu o nome á dieta rua,
por onde seguia a velha estrada real de La-
mego, Castro d'Ayre e S. Pedro do Sul para
Aveiro, Agueda e Coimbra,— estrada subs-
tituída pela nova a macadara que passa una
pouco a jusante em nova ponte de pedra
lançada sobre o mesmo rio; depois conti-
nua o Zella a caminhar para N.— e, depois
de mover alguns pisões e moinhos, desagua
na margem esquerda do Vouga a distancia
de 1:500 a 2:000 metros da villa de Vou-
zella, tendo de c^rso total cerca de 10 kilo-
metrcs.
Na opinião commum a villa de Vouzella,
foi assim denominada por estar entre os
rios Vouga e Zella. Alguém diz mesmo que
primitivamente se denominou Vougazella;
mas nós não acceitamos sem escrúpulo esta
opinião, porque os leoneses, nossos ascen-
dentes, denominavam esta villa Baucela; —
assim se denominou também uma ribeira
conQuente do Zêzere; também se denominou
Vouzella uma das nascentes do Vouga — e
ainda hoje também se denomina Vouzella,
uma aldeia da freguezia dê S. Miguel, da
villa e concelho de Penella, disiricto de
Coimbra.
Para evitarmos repetições vejam-se os
artigos Vouzella e Zella, supra.
AddiçÕes
Aproveitando o ensejo de fallar de ura
rio que banha a villa de Vouzella e que na
opinião commum lhe deu o nome, consigna-
remos aqui mais alguns apontamentos mui-
to interessantes para o esboceto biographi-
co dos illustres vouzellenses dr. José Maria
de Lima Lemos e fr. Bernardino, seu irmão,
i já mencionados no artigo Vouzella.
j A casa Lima e Lemos, de Fataunços, não
j é brazonada, mas foi muito considerada e
um viveiro de doutor es\ . . .
Nós já mencionámos o dr. José Maria de
Lima e Lemos, que foi lente de direito na
Universidade, e seu irmão Fr. Bernardino,
lambem formado em direito- e tiveram ou-
tro irmão. Domingos Libório de Lima e Le-
mos, lambem formado em direito. Seguiu a
magistratura e foi nomeado desembargador
no tempo de D. Miguei, mas não chegou a
tomar posse.
2098 ZEL
ZEL
Tiveram outro irmão — Francisco d! Al-
meida Lima e Lemo$, que não se formou.
Seguiu a vida militar e morreu de 18 annos
com a patente de alferes.
Foram seus pães João d'Almeida Lemos,
também formado em direito, e D. Marianna
Angelina de Lima e Lemos, ambos de Fa-
taunços. Teve o dr. João d' Almeida Le-
mos um irmão formado em direito Antonio
Tavares d* Almeida Lemos -«-e outro doutor
de eapello em medicina— fienío Joaquim de
Lemos, — que foi lente de prima e director
d'aquella faculdade. Casou com D. Maria
Amália, dona da quinta do Cidral, em Coim-
bra, e ali viveram e morreram sem sueces-
são. pelo que deixaram a dieta quinta ao
dr. José Maria de Lima e Lemos, seu sobri-
nho, que ali viveu com elles e por elles foi
educado, e por morte d'eile8 ali viveu tam-
bém, mas no ultimo quartel da vida, ven-
do-se muito doente e só, passou para a ca-
sa da hospedaria do convento das Therezi-
nhas e ali expirou, como já dissemos no ar-
tigo Vouzella.
Mudou para a hospedaria do convento,
por ser confessor e director espiritual d'elle
e por ter ali como prelada uma sobrinha— •
D. Maria Izabel, que ainda hoje (1889) lá
vive com opinião de santal. . .
Foi também tio do dr. José Maria de Li-
ma e Lemos, José Bernardo, dr. em mathe-
maticã.
Tendo seguido a vida eeclesiastiea, pro-
fessou na ordem dos jesuítas e foi martyri-
sado no império da China, onde pelos seus
vastos conhecimentos chegou a ser m.anda-
rim de 1^ classe, como premio de ter sido
mestre do filho do imperador então reinan-
te,— discípulo ingrato, pois subindo ao thro-
no mandou matar o illastre vouzellense e
mandarim, seu mestre, por não querer abju-
rar a religião catholica.
O dr. José Maria de Lima e Lemos nasceu
eín Fataunços, a 3 kil. de Vouzella, no dia
21 de janeiro de 1795.
Estudou os preparatórios em Coimbra,
vivendo com seus tios na quinta do Cidral
\ e d'all se formou e tomou eapello em cano-
j nes, ficando logo opposiior da faculdade. '
I Era 1826 foi nomeado deão de Leiria, on-
de viveu até 1830, vindo depois reger a ca-
deira de lente de prima na Universidade e
vivendo na companhia dos seus menciona-
dos tios na quinta do Cidral. Fallecendo o
tio dr. Bento, continuou a viver com a lia
viuva até à morte d'ella, ficando herdeiro
universal dos dois e dono da quinta do Ci-
dral, onde continuou a viver, pelo que era
no meu tempo conhecido por dr. José Maria
do Cidral.
O irmão, — Fr. Bernardino da Virgem
Santíssima, varatojanoe também dr.— antes
da profissão chamava-se João d' Almeida.
Recusou o arcebispado d'Evora no tem-
po d'el-rei D. João VI, e ainda ultimamen-
te, depois da restauração do governo liberal,
recusou o mesmo arcebispado, pois no tem-
po da rainha D. Maria II lhe foi oíTerecido
pelo duque de Saldanha.
O dr. Domingos Libório casou na fregue-
zia de Avanca, no concelho d'Estarreja, com
D. Joaquina Generosa de Lemos Rezende,
da qual teve uma filha— D. Maria José Re-
zende, actual dona da quinta do Cidral, — e
um filho — dr. José Maria de Lemos Almei-
da Valente, formado em leis, casado e com
successão. E' o dono da casa de Fataunços
e representante d'esta nobre família. Seguiu
a magistratura e é actualmente juiz de
- classe.
O capitalista e commendador Cidade, de
quem já fizemos menção no art. Vouzella^
nasceu na aldeia de Cereosa, freguezia de
Campia, onde tem ainda hoje uma prima, —
e teve uma irmã, que casou na aldeia de
Sabrosa, freguezia da Trapa, com José de
Mattos, o qual, sendo já viuvo, e um filho
foram os herdeiros prineipaes do dicto com-
mendador.
Entre os Vouzellenses illustres raeneio-
nàmos o rev. dr. João Rodrigues, de Fa-
taunços, como prior em Lisboa.
ZEL
ZEL 209»
foi lapso, pois é ali cónego, não prior.
Egidéa
Com relação ao iilustre vouzellease S. Fr.
iSil, meneionaremos também aqui a Egidéa,
ipoema heróico, ou a historia da protento-
sa vida do grande penitente S. Fr. Gil
portugueZy da sagrada ordem dos pregado-
res... Lisboa. . . 1788.*
E' um pequenino, mas interessante poe-
ma em 9 cantos e 15o pag. com uma gra-
vura indulgenciada, representando o altar
de S. Fr. Gil, — poema hoje muito raro, mas
por fortuna possuímos um bom exemplar,
completo e muito bem tratado.^
O dieto poema é aoonymo e nem o Dic-
cion. Bibi. delnnocencio, nem o Manual de
Pinto de Mattos, filho de Vouzella, o men-
cionam; foi porem escripto por ura medico,
pois principia assim:
«A rara conversão do varão forte,
De um moço portuguez, iilustre e santo,
A Victoria feliz, a feliz sorte,
Contra o traidor commum medito, e canto;
E termina assim:
^Agora meu São Gil em fim Te peço,
Que meu benigno sejas advogado;
Ainda que meus versos, eu conheço,
Te tenhão atégora mal louvado:
Com grande devoção eu tos oíTereço
Porque tenhas em mim lodo o cuidado;
Faze pois, que te imite convertido;
Medico, e peccaior pois tenho sido.»
O mesmo se conelue também do moào
como o auctor descreve a facilidade que os
médicos teera de seduzir as doentes que
tractam.
Diz elle:
1 A grande Bibliotheca publica do Púriq
aão possue exemplar algum da Egidéa.
tDuas muralhas tem a castidade,
Com que dos vis ataques se defende:
O pejo natural que na verdade,
Baixeza o ser vencida sempre entende;
O respeito nascido da humildade
Do sexo superior quando a pretende:
Mas nada pôde mais que a Medicina
Estes ambos vencer por contramina.
O pejo pouco a pouco se transforma
Em grande confidencia e amizade.
Logo sem reflexão se perde a norma
Que déra a educação e a probidade:
Hum conceito se faz por esta fórma
Que a Medicina he só sinceridade,
Sem receiar que vem n'este concreto
Hum lascivo, gentil, rico e discreto.
Da saúde o favor faz obrigada
A donzella innoeente, e generosa,
A doença bem pouco acautelada,
E de não ser ingrata desejosa:
O Medico que vé tão maltratada
A belleza na febre perigosa.
Solicito na cura mais se esforça,
E ambos sem reflexão se amão por força.
Quando a doente está convalescida,
Elle mais que contente satisfeito
Se mostra por lhe ter salvado a vida
No perigo era que a vira com effeito:
Ella por não faltar agradecida,
Cora a raelhora aíBrma o seu conceito.
Quando já sem remédio reconhece,
Que com outros symptomas adoece.
Mas quando a reflexão já determina
O mesmo derribar, que sustentára
Quando o lascivo Medico machina
A mesraa cativar que libertara:
Só cora temor de Deos, força divina
Assalto tão perigoso se repara;
Só com granles auxílios e virtudes,
Donzella, escaparás, por mais que estudes!..»
Canto 2.°, estancias XXH a XXXI.
Do exposto se vô que o auctor, alem da
ser bom poeta— eníewdí a da arte\ . .
2100
ZEP
ZER
Desculpem a traDscripçâo, pois veia a
propósito e serve para fechar e amenisar
tão loDgo como insulso artigo.
Do contexto do poema também se iofere
que o auctor vivia em Santarém. Talvez
fosse natural d'aquella cidade, então villa.
ZELADORES ou ASSASSINOS, — medo-
nha seita ou facção de judeus, formada no
anno 7.» de Christo por Judas galileu.
Diziam-se propugnadores da liberdade e
da gloria de Deus e chegaram a ter grande
partido, — bateram os romanos e apodera-
ram-se de Jerusalém,— mas em breve foram
exterminados, poKiue praticaram os maio-
res excessos e assassinaram milhares de
pessoaá, como diz Josephe De Bello Jud.
ZELADORE S ou VIGIAS, — empregados
das camarás do Porto e de Lisboa que ti-
nham e teem a seu cargo velar pelo cum-
primento das posturas municipaes.
ZELOBRIGA-V. Celiobriga, tomo 2.» pag.
230, col. 1.»
ZENITH— do árabe semty ou ^emt-anas—
ponto vertical.
E' o ponto que no firmamento ou no alto
do ceu corresponde perpendicularmente á
nosssa cabeça, em qualquer parte que este-
jamos, no mar ou na terra. Conlrapõe-se-lhe
o nadir, ponto vertical e opposto no hemis-
pherio dos antípodas.
«No mesmo século, que deeem huns, vão
subindo outros, e ainda no mesmo dia ap-
parece no Zenith hum astro, e o que estava
no Nadir ganha o logar, que elle deixa.»
Barreto, Pratica entre Heraclicto e Demó-
crito, 61.
ZEPHYRO-deus da fabula.
Favorecia a criação das flores e dos fru-
ctos; dava alento ás plantas, vigor e vida a
todas as producções, pelo que o denomina-
ram Yephyro, de zoi — vida, e pherin — tra-
zer, como quem traz e dá vida.
Representavam-no por um gentil e galhar-
do mancebo, coroado de flores.
Depois denominou-se também zephyro o
vento que sopra da parte do poente. Traz
comsigo as chuvas e incommoda bastante;
os poetas antigos porém denominaram ven-
to zephyro o vento brando e agradável, que
laz abrir as flores e recreia toda a natureza.
A zephyro e outros ventos dá Hezioda
por paes Astreu e a Aurora.
Ao vento zephyro também davam o nome
de favonio os poetas latinos.
ZERALHÓA,— ponte de] pedra antiquíssi-
ma na ribeira da Teja, confluente do Douro
V. Teja, vol. 9.» pag. 524, col. 2 •
Ampliemos um pouco mais aquelle ar-
tigo.
A ribeira da Teja nasce a N. e no conce-
lho de Trancoso, junto da antiquíssima vil-
la de Moreira de Rei,^ lado O. e da povoa-
ção e freguezia limilrophe da Castanheira^
lado E., pois entre estas duas paroehias prin-
cipia o valle da Teja. Corre a N.; passa i
kil. a E. do Terranho, onde principia a en-
grossar com as aguas da celebre fonte da
Milho, que dá 86:400 litros d'agua em 24.
horas e faz a riqueza e fertilidade d'aquella.
parochia.2 Cerca de 2 kil. a jusante passa a.
0. de Casteição, que lhe fica á direita e dis-
tante pouco mais de 2 kil. Continua avan-
çando para N. deixando á direita as povoa-
ções e freguezias de Outeiro dos Gatos, Me-
da, Cancellos, Poço do Canto, Valle do Por-
co, Sebadelhe e Seixas; — á esquerda as po-
voações e freguezias da Torre, Prova, Ave-
1 V. Moreira de Rei, tomo pag. 548>
col. %%—Viariz, tomo 10.» pag 466, col. l.»
— Viseu, tomo 11.» pag. 1:700, col. 2.»;—
Villa Nova de Tazem, tomo 10." pag. 888 —
e Moreira de Rei no supplemento, onde da-
remos largas noticias d'aquella interessan-
tíssima estancia areheologica e talvez pre-
histórica?!. . .
2 V. Terranho, vol. 9.» pag. 551, col. 1.»
in fine e segg.
De passagem diremos que já falleceu
Christovam d'Almeida de Sá Menezes, ali
mencionado, 1.» visconde da Torre do Ter-
ranho, casado com D. Maria Amélia d'Agui-
lar Teixeira Cardoso, filha do dezembarga-
dor Bernardo de Lemos Teixeira d'Aguilar..
A dieta senhora vive na sua nobre casa do
Terranho, com uma filha única — D. Ignacia
d' Almeida Sá Menezes d'Aguilar, ainda sol-
teira, que nasceu em outubro de 1870.
Na freguezia do Terranho grassa no mo-
mento (julho de 1889) uma medonha epide-
mia de lyphos. Já matou 19 pessoas no cur-
to praso de 15 dias, contando actualmente
aquellã povoação apenas 130 fogos.
ZER
ZER 2101
loso, Sapateira, Telhai, Ranbados, Gedavitn^
Horta e Numão, terra pobre pela sua posi-
ção elevada e alpestre, encostada aos velhos
muros da antiga cidade romana (?) ainda
soffrivelmente conservados. V. Numão,
Finalmente morre na margem esquerda
do Douro, a 0. da celebre quinta do Vesú-
vio ou das Figueiras,— tenáo de curso total
cerca de 60 kilometros.
Não rega muitos campos, porque era ge-
ral corre funda por entre penhascos medo-
nhos, eoratudo em Cedavim rega alguns he-
ctares de óptimo terreno, conhecido pelo
nome de Talhamar>
Defronte de Numão começa a ribeira a
despenhar-so sobre o profundo valle do
Douro, baixando nos últimos 5 kil. talvez
mais de 600 metros, sempre comprimida en-
tre rochedos gigantes.
Offerece um espectáculo imponente e ma-
gestoso a dieta ribeira no inverno com gran-
de volume d'agua, despenhando-se de rocha
em rocha até cair precipitadamente no Dou-
ro da altura de 12 metros, formando no
Douro o ponto da Teja.
V. Pontos do Douro, vol. 7.» pag. 199,
col. 2.vn.«» 69.
Não longe da sua confluência com o Dou-
ro tem na margem direita um canal ou
grande açude de i kil. d'extensão, aberto
em rocha viva, que vae para a grande quin-
ta das Figueiras, onde rega pomares e move
azenhas e moinhos.^
1 Cedavim é uma das freguezias mais im-
portantes, mais populosas, mais ricas e mais
férteis do concelho de Villa Nova de Fos-
côa.
V. Cedavim n'e8te diccionario e no sup-
pleraento, onde ampliaremos consideravel-
mente aquelle pequeno artigo.
Em Cedavim tinha um dos seus solares o
desembargador Bernardo de Lemos Teixei-
ra d'Aguillar, eomprehendendo nobre casa
e muitos bens que pertencem hoje aos seus
filhos.
V. Aguilares no fim d'este artigo Zeralhôa.
2 De passagem diremos que a dieta quin-
Eotre o Poço do Canto e Ranhados, mès-
mo nas margens da ribeira, ha duas antigas^
povoações em ruinas : -- Chão do Rego, do
lado O. pertencente à freguezia de RanhO'
dos.
Tem 15 casas, algumas de boa construe-
ção, mas em abandono, e aguas sulfurosas
de que o povo se utilisa. Â outra povoação
pertence á freguezia do Poço do Cano; de-
nomina-se Poio—e terá 12 casas, todas em
ruinas.
Ha também perto em uma elevação 5 ca-
sas, abandonadas ha muito, no sitio do Ca-
vallinho. Consta que os habitantes d'estas
povoações as deixaram por causa das formi-
gas e que foram estabelecer-se no Poço do
Canto.
Ainda hoje por estes sitios alguns annos.
no verão as formigas são uma verdadeira
praga, como nós já tivemos oceasião de ver
na povoação da Cogulla, concelho de Tran-
coso,— sendo aliás a povoação mais rica e
uma das mais bem agricultadas d'aquelle
concelho.
V. Cogulla n'este diccionario e no supple-
mento.
I
ta é uma das poucas do Alto- Douro que, de-
pois da invasão philloxerica, ainda se con-
serva muito viçosa e produzindo grande^
quantidade de vinho, porque os seus riquís-
simos proprietários não se pouparam nem
poupam a despezas para salval-a.
E' agora toda atravessada de leste a oeste
pela linha férrea do Douro, na qual tem es-
tação própria (o apeadeiro do Vesúvio) jun-
to do palacete principal e jardins da grande
quinta, ficando não longe a montante a es-
tação do Freixo — e a juzante a de Vargiel-
las, a pequena distancia da ponte lançada
sobre o Douro e pela qual a linha férrea o
atravessa a montante do Cachão da Valleira,
passando para a margem direita, pela qual
segue até o Porto.
Cora relação á grande quinta, V. Vesúvio
tomo 10.° pag. 316, col 2.»— e Douro Illus-
trado, pag. 81 a 99; com relação a linha do
Douro V. Vias férreas, no mesmo tomo 10."
pag. 471, col. 2.»; e com relação ao celebre
ponto do Cachão da Valleira V. Pontos do
Douro— e Villa Secca d'Armamar, tomo ii."
pag. 1:059 e segg.
2102 ZER
ZER
As formigas atravessavam campos, viohas
e olivaes era grosso cardume junto das ca-
sas e, apesar da guerra que lhes faziam ma-
tando milhões d'ellas, não podiam extin-
guil-asi ...
Isto é um facto que nós presenciámos-
Não admira, pois, que em tempos mais re-
motos, quando o nosso paiz estava em gran-
de parte incQlto, as formigas obrigassem os
habitantes d'algua3 povos a mudar de local,
como a tradição diz que mudaram os habi-
tantes d'aquella3 aldeias e d'outras muitas}
Moinhos e pontes
A Teja move mais de 70 moinhos de ce-
reaes, alguns pisões e differentes moinhos
d'azeite na quinta das Figueiras e n'outros
sitios.
Tem 3 pontes de madeira e 5 de pedra,
sendo duas d'estas antiquíssimas e attribui-
das aos romanos:~a de Cedavim, na fre-
guezia à'este nome, — e a da Zeralhóa, na
freguezia de Numão, ambas no concelho de
Villa Nova de Foscôa
As outras pontes de pedra demoram —
uma na freguezia de Avelloso, concelho
da Meda; outra, denominada de S. Sebastião
(por estar juQto de uma eapelia do martyr)
na freguezia do Terranho, concelho de Tran-
coso; e oulra, ainda em construcção n'esta
data (1889) a jusante de Cedavim, na estra-
da nova a macadam de Cedavim ao apeadei-
ro da quinta do Vesúvio na linha férrea do
Douro, — estrada ainda por concluir. Apenas
tem 7 kilometros acabados.
O terreno do valle da Teja é pouco mi-
DQoso e varia muito de temperatura com as
grandes diíTurenças de exposição e altitude.
Junto do Douro ó ardentíssimo e, se não
^ora tão escabroso e tão eriçado de pene-
dos, podia produzir óptimo vinho e óptimas
1 V. Minhocal, tomo 5.» pag 239, col.
laranjas, como produz a quinta do Vesú-
vio.
A montante de Numão é bastante frio e
as suas producçòes principaes são centeio,
milho, vinho de mesa, batatas, castanhas e
nabos.
Também é abundante de caça miúda e
cria bastante gado lanígero.
Os nabos são uma especialidade da villa e
concelho da Meda. Costumam partil-os com
machados para os darem aos bois e fazem
d'elle3 bancos para se sentarem á lareira,
pois são tão volumosos que parecem abóbo-
ras, chegando a pesar uma arroba (15 kilos)
cada um?í...
É terreno privilegiado para aquella pro-
ducção, como o do Alto Douro para o vinho
fino, o da minha Penajoia para as cerejas, o
de Amarante para os pecegos, o de Villa
Nova de Gaya para os morangos, o da Ser-
ra da Estrella para o queijo, o de Setúbal e
S. Mamede de Biba-Tua para as laranjas, o
do alto de Traz os Montes para a couve pen-
ca,i o de Murça, Melgaço e Lamego para
presuntos, o da Elvas para a couve flor e
azeitonas de conserva, o do Algarve para os
figos, o do Alemtejo para os paios e o da ri-
beira da Villariça para o milho grosso, me-
lões e cânhamo.
V. Villariça, tomo 11.» pag. 1:311, col.
2.» e segg.
Note-se porem que na Villariça a produc-
ção é quasi espontânea. Não demanda cui-
dados, regas, mondas, nem adubos, emquan-
to que na Meda costumam dar 6 a 8 arados
aos terrenos que destinam para os nabaes,
isto é, lavram-nos 6 a 8 vezes e adubam-nos
prodigamente.
^ Ali as dietas couves chegam a pesar uma
arroba (15 kilos) e mais, cada uma?l . . . E
são muito saborosas e tão mimosas, que por
vezes as cosinham sem agua e dão um pra-
to delicioso! . . .
Mettem os olhos (espécie de repolho) da
couve em uma caçoula; com o calor do lu-
me dão humidade suíflciente para se guiza-
rem; — temperam-nos ou adubam-nos— e as-
sim os cosinham sem agua.
ZER
Aguilares de Cedavim \
— José Teixeira d' Aguilar e Lemos.
— Antonio de Lemos Teixeira de Agui-
lar e
— Bernardo de Lemos Teixeira d' Aguilar
— eram irmãos e foram lodos 3 pares do
reino.
O 1." seguia a vida militar; foi capitão de
engenheiros e governador civil de Braga, etc.
O 2.» seguiu a magistratura e foi apresen-
tado com as honras de conselheiro do su-
premo tribunal de justiça.
Sendo já viuvo e s. g. casou com sua cu-
nhada D. Barbara Maria da Silva Tello de
Noronha, filha dos marquezes de Vagos e
t€ve 2 filhos— Francisco e José, ambos ain-
da solteiros.
Bernardo de Lemos Teixeira de Aguilar
seguiu lambera a magistratura e foi conse-
lheiro do supremo tribunal de jusliça.
Casou com D. Ignaeia Adelaide Cardoso
Barata Vasconcellos^ de Villarinho de S.
Romão, e tiveram os 6 filhos seguintes:
1. "— José d'Aguilar Teixeira Cardoso, ba-
charel formado em direito e ainda solteiro.
2. »— Franeisto d'Aguilar.
FâUeeeu em 1888 no eslado de solteiro
também.
S.'— D. Maria do Patroeinio, ainda sol-
teira.
4. « — Bernardo d*Aguilar, engenheiro ci-
vil, casado e c. g.
V. Viseu, tomo H.« pag. 1729, col. 2.» e
i740,
5. °— D. Maria Amélia, mencionada supra,
—viscondessa da Torre do Terranho, viuva
e c. g.
6. °— D. Maria do Carmo, ainda solteira.
Herdaram de seus paes muitos bens nas
freguezias de Cedavim e Banhados e em ou-
tras dos concelhos da Meda, Foscôa, Regoa,
Sabrosa, Porto e Lisboa, pelo que os irmãos
solteiros, vivem habitualmente em Lisboa,
na rua das Escolas Geraes, n.» 14.
Os 3 pares do reino mencionados supra,
eram filhos de
ZER 2103
—Francisco Teixeira Rebello Bravo d'A-
guilar^ senhor dos morgados de Cedavim^
Castro d'Ayre e outros em Braga.
Casou com D. Maria Ludovina de Lemos
Alvim e Carvalho, da casa de Santar, e era
filho de
—Francisco Xavier Teixeira Rebello, C
O. Ch.
Casou com D. Joanna Josefa de Azeredo
Leite, e era filho de
—José Teixeira Rebello Cardoso d^Agui-
lar.
Casou com D. Anna Maria Pereira de Me-
nezes, e era filho de
—Francisco Saraiva Cardoso d^Aguilar,
capitão mór de Trancoso e Pena Verde.
Casou com D. Maria d'Almeida Cardoso,
herdeira e administradora do vinculo de
Nossa Senhora da Conceição, instituído em
Cedavim por Filippe Rebeilo e sua mulher
D. Guiomar Cardoso em 15i3, a quem n'e3-
se anno foi concedido brasão d'arma8.
O dicto Francisco Saraiva era filho de
— Francisco Saraiva d' Aguilar.
Casou com D. Maria de Sousa, seudo fi-
lho de
i —Manoel Luiz de Carvalho e Aguilar.
i Casou com Catharina Saraiva, sendo fi-
lho de
— Francisco Lopes d' Aguilar, casado com
D. Maria da Gama, filho de
—Alvaro Lopes d' Aguilar, fidalgo da casa
d'el-rei D. Manoel.
Casou com D, Antónia de Lucena, e era
filho de
—Tello d^Aguilar, natural da Hespanha,
descendente de Fernam de Goios, que com
seu pae Nuuo Gonçalo de Goios vieram para
Portugal no tempo de D. João I, e com seu
irmão Pedro de Goios seguiram o partido
da rainha D. Leonor, mulher d'el rei D.
Duarte, como se pôde ver na Chronica d'El-
Rei D. Affonso Fpor Duane Nunes de Leão
cap. 2.» e 9."
Aguilares de Braga e Castro d'Ayre,
ramo dos Aguilares de Cedavim
— Francisco Saraiva Cardoso d' Aguilar,
mencionado supra, era neto materno de
2104 ZEK
ZEV
Francisco Teixeira Rebelio Cabral e de D.
Guiomar d Almeida Cardoso, o qual foi mes-
tre de campo da comarca de Pinhel e valo-
rosamente defendeu a praça d'Almeida con-
tra o duque de Ossuna em tempo de el-rei
D. Pedro II.
D. Guiomar d'Almeida era neta de Affon-
so Rodrigues da Guerra, alcaide mór de Nu-
mão,*— e filha legitima de Diogo Cardoso de
Almeida, que foi armado cavalleiro por Ber-
nardim de Carvalho era Tanger, a 27 de ju-
nho de 15Õ7, o que foi confirmado por el-rei
D. Sebastião, fazendo- lhe também mercê da
aleaidaria mór de Numão em 1360.
D. Anna Maria Pereira de Menezes, mu-
lher de José Teixeira Cardoso d'Aguilar,
mencioDado supra, era bisneta de Lourenço
de Carvalho Rangel (C. O. Ch.e capitão mór
de Castro d'Ayre, fundador do morgado d'a-
quella casa) e de sua mulher D. Filippa de
Sousa Bravo de Menezes, da cidade de Bra-
ga, descendente d'AIvaro da Moita Pinto,
que assistiu á tomada de Azamor e falleeeu
contando a bagatella de 120annos deidade.
Alvaro da Moita era filho de Vasco da
Moita Pinto, que foi armado cavalleiro por
D. Garcia de Meneses e confirmado por el-
rei D. Manoel em 8 d'abril de 1516.
Vasco da Moita era filho de Bernardo de
Carvalho e Azevedo, alcaide mór de Braga,
cavalleiro da ordem de Santo Estevam de
Florença, e de sua mulher D. Magdalena da
Gran Barbosa, filha de Manoel da Gran e de
sua mulher Cecilia Barbosa.
Manoel da Gran era filho de Isabel Pires
da Gran e de seu marido João de Sottomaior
e irmã de Pedro da Gran, ultimo commen-
dador de Carvoeiro, que instituiu o vinculo
da Capella das Santas Chagas na egreja de
S. Thiago da cidade de Braga.
Isabel Pires da Gran era filha de Cons-
1 Esta aleaidaria andou nos Aguilares de
Cedavim até 1580.
I tancia Brito da Gran, casada com Ruy
d'Abreu, filho de Sebastião Tavares de Bri-
to e de sua mulher Brites de Brito, — e bis-
neta de
Sebastião Rodrigues da Gran, alcaide mór
de Chaves, cavalleiro no tempo de D. Joãa
II, filho de
Ruy Gomes da Gran, filho de Gomes da
Gran e neto de
Esteves Gomes da Gran, fidalgo do tempo
d'el-rei D. João I. ;
ZETAS ou ZATAS,— rio do Alemtejo.
Nasce perto de Villa Fernando e desagua
na margem esquerda do Tejo abaixo de Sal-
vaterra, com 24 legoas de curso. Seus affluen-
tes á direita são Ervedal e Sor; á esquerda
o Divor. Alguém dá também ao rio Zeías o-
nome de Ervedal.— E' isto o que diz o Fia-
viense; o meu antecessor também indicou o
Zetas entre os confluentes do Tejo, mas a
Chorographia Moderna e o Mappa de J. B.
de Castro não mencionam tal rio. Deram-lhe
provavelmente outro nome.
Por descargo de consciência direi que o
Flaviense também me não inspira confiança,
pois deu o Sorraia como pequeno rio que
entra no Tejo acima de Salífaterra de Ma-
gos, emquanto que os meus mappas dão o
Sorraia como ura grande rio que desagua
no Tejo muito abaixo de Salvaterra, tendo
como tributarias ou aííluentes muitas ribei-
ras importantes, — todas as que banham com
differentes nomes o Alemtejo desde a villa
de Ponte de Sor até Alpalhão, Portalegre,
Monforte, Estremoz, ArrayoUos e Monte-
mor o Novo. Tem pois uma bacia hydro-
graphica iramensa e não pôde dizer-se ria
pequeno.
Mas qual é o rio Zetas'^
Provavelmente é uma das muitas ribeiras
afiluentes do Sorraia, mas nenhuma d'ella»
tem, como diz o Flaviense, 2i legoas de
curso.
Dicant transtagani.
ZEVRARIO ou ZEBRARIO.
Nas demarcações do grande couto do mos-
teiro de Crestuma, que se estendia pelas
duas margens do Douro, se faz menção na
terra de Souza do Monte Zevrario, isto é>
Monte de «aca*— diz Viterbo.
ZEZ
Livro Preto de Coimbra, fl. 39, doe. do
aDDo 922.
Viterbo dá Zebro e Zebra como synony-
roos de boi e vaca, mas " Bluteau e Moraes
dão-lhes significação muito differente.
V. Zebra, supra.
ZÊZERE (Santa Marinha do) freguezia do
concelho e comarca de Baiào, districto e
diocese do Porto na província do Douro.
Abbadia.
Orago, Santa Marinha— e não Santa Ma-
ria, como se lê em alguns autores.
Fogos 560, habitantes 2:7S0.
Em 1544 era da apresentação dos jesuitas
d^Evora; depois passou para o collegio dos
jeouitas de Coimbra,» que muitos annos re-
ceberam todos os dízimos d'ella, até que es.
tes (não sabemos quando) foram divididos
pelo collegio dos jesuitas d'Evora e pelo
convento benedictino de Travanca.*
Extinctos os jesuítas em 1759, passou o
quinhão d'elle3 para a Universidade, mas
depois (lambem não sabemos quando) fo-
ram os dízimos d'esta parochia divididos
pelo Papa, pela Mitra, pelo abbade e pelo
convento de Travanca.
Em 1706 pertencia esta parochia ao con-
celho de Baião e á comarca (corregedoria e
provedoria) do Porto; era abbadia do mos-
teiro de Travanca no concelho de Amarante,
com reserva; tinham os padres da compa-
nhia d'Evora duas partes da renda, que
montavam a 2704000; o abbade recebia
300^000 réis, e a freguezia contava 270 fo-
gos.
Em 1768 era da aprezentaçâo alternativa
do papa, da mitra e do convento de Travan-
ca; rendia para o abbade SOOi^OOO réis e
contava 306 fogos.
Em 1852, segundo se lé no Flaviense, era
do concelho de Baião, comarca de Soalhães
€ contava 471 fogos.
, O censo de 1864 deu-lhe 482 fogos e
1:913 habitantes; — o de 1878 deu-lhe 511
fogos e 2:207 habitantes—e hoje (1889) cõn-
1 Veja se o tópico m\vA— Pergaminhos.
* V. Travanca, vol. 9.» pag. 728, col. 2.*
ZEZ 2105
ta aproximadamente 560 fogos e 2:750 ha-
bitantes.
Tem augmentado e augmenta a sua popu-
lação, porque o seu clima é temperado e
muito saudável; o seu chão é muito arbori-
sado e bem agricultado, e sem ter pântanos,
tem abundância de excellente agua nativa
de veia corrente, tanto potável eomo de re-
ga. Além d'isso está abrigada do norte em
pendente rápida sobre a margem direita do
Douro, francamente exposta ao sul e muito
batida do sol. Tudo isto é saúde e vida e
explica a vantajosa desproporção que se dá
entre o numero dos fogos e dos habitantes,
pois tendo em geral no nosso paiz cada fo-
go termo médio 4 habitantes, os 560 fogos
d'esta freguezia deviam dar 2:240 habitan-
tes, mas dão 2:750, quasi 5 habitantes por
fogo.
Por serem muito vigorosas, são muito
prolíficas as mulheres d'e8ta parochia e não
raras vezes de um só parto dão dois filhos
e mais\ . . .
j Também aqui trivialmente se encontram
pessoas de 80 a 90 annos de idade.
Demora na extremidade E. S. E. do con-
celho de Baião ao longo da margem direita
do Douro e da sua linha férrea, na qual tem
a estação da Ermida;— é banhada por 2 rios
— Douro e Teixeira— 6 por dois grandes ri-
beiros ou rios mais pequenos:-— SíVua Rosa
e Zêzere, atravessando-a este ultimo de nor-
te a sul e passando junto da sua egreja ma-
triz, pelo que tomou d'elle o nome.
A dieta egreja demora em sitio alto, ale-
gre e vistoso na margem direita do Zêzere,
do qual dista cerca de 300 metros para O.;
2 kil. da margem direita do Douro e da es-
tação da Ermida para N.; 12 de Campello,
séde actual do concelho e da comarca, para
E.; 87 do Porto e 424 de Lisboa.
Freguezias limitrophes: — Frende (alem
do rio Teixeira) Loivos da Ribeira, Trezou^
2106 ZEZ
rasi e Gestaçô a E.; — Valladares a N.;-S. i
Thomé de Covellas a O. — e Rezende, alem |
do Douro, a S. j
Produeções dominantes : — milho, vinho,
azeite, batatas, castanhas, hortaliça, herva-
gens, linho e frueta de toda a qualidade, in-
clusivamente laranjas, o que prova que o
clima é doce.
Também produz nas terras seccas cen-
teio, trigo e cevada e cria bastante gado bo-
vino e suino e algum lanígero, mas pouco.
O vinho é verde e de enforcado, como no
Minho, mas de boa qualidade, e o que ouve
ranger a espadella, criado no fundo da gran-
de enaosla ao longo da margem direita do
Douro, é bastante maduro. Se fosse colhi-
do à parte, confundia-se com o do baixo-
Corgo, porque os dictos chãos em geral são
seccos e ardentíssimos no verão e ha por ali
bastantes vides baixas, como as do Douro.
Note-se que o chão d'esta freguezia é
muito accidentado e muito declivoso com
pendente rápida sobre o sul ou sobre o ,
Douro, -- pendente tão rápida que, não se
afastando a extremidade N. doesta freguezia
talvez mais de 8 kilometros da margem do
Douro, attinge talvez mais de SOt> melros de
altitude sobre o nivei do rio, pelo que o seu
clima não é uniforme. Varia com a altitude.
É fresco na parte alta; temperado na parte
media— 6 ardentíssimo na parte baixa de
verão, pois no inverno mesmo ali, como sue-
cède nas margens de todo o Douro, por ve-
zes ó insupportavel o frio, nomeadamente
quando sopra o vento leste, ali denominado
suão e secca silvas, pois queima as próprias
silvas, tão agrestes e tão vivasesl ... E' o
vento que vem da Hespanha encanado pelo
Douro e que talvez desse curso á locução
vulgar portogueza:— Do Hespanha nem ven-
to, nem casamento.
1 Este nome de Trezouras provem talvez
de Trezoy, nome próprio godo ou musara-
be,— e o de Loivos, corrupção áeLobios, pro-
vem talvez de Lobia, nome árabe.
ZEZ
Na própria estação da Ermida, que está
beijando o Douro e ó muito batida do sol,
por vezes no inverno, como succedeu no an-
uo de 1887, a agfia géla no deposito para
abastecimento das machinas e só com agua
aquecida ao lume se opéra o desgôlo.
Note-se que a dieta estação é muito abun-
dante d'agua de veia nativa e muito sabo-
rosa, pois rebenta mesmo ali do granito,
pelo que no verão, d'aii vae nos comboios
muita agua potável para a Regoa, formosa e
populosa Villa de grandes recursos, mas
muito falta de combustível, de pedra e d^agua
potável, pelo que no momento está encanan-
do as aguas do monte Mourinho e projecta
encanar também as do Corgo, rio pouco dis-
tante.
V. Regoa n'esle diccionario e no supple-
mento.
Toca pois os dois extremos o clima d'e3ta
paroehia de Santa Marinha do Zêzere, ma»
só á beira do Douro; na parte restante é
temperado e agora no v«rão (estamos em ju-
lho de 1889) é encantador, principalmente
nas grandes ravinas e fundas quebradas dos
seus rios e ribeiros, pois na estiagem estão
lilteralmente cobertas de mimosa vegetação»
tanto do seu arvoredo— castanheiros, olivei-
ras e pomares de frueta que formam bos-
ques cerrados, — como das uveiras que bor-
dam os seus campos de milho, todos cober-
tos d'agua e que, tirado o milho, rapida-
mente se transformam em vastos lameiros
ou prados artifieiaes sempre verdes.
São de mais a mais no verão aquellas ra-
vinas aviários encantadores, immensos, on-
de em mavioso concerto se ouve de sol a
sol o canto de centos d'aves, dominando o
grande côro as rolas e os roixinoes, os gaios
e os melros, ficando os roixinoes, essas aves
tão sympaihieas e aqui tão abundantes, can-
tando a solo toda a noite.
O mesmo agora no verão se noia em am-
I bas as margens do baixo Douro, nomeada-
WL
mente na minha Pewojoía.— uma das fregue-
zias mais vastas, mais férteis e mais abun-
danles d'agua— e a mais cheia d^arvoredo
fructifero e mais mimosa que se fueonlra
desde o Porto alé á Barca d'Alva e Miranda
—até Salamanca e Zamora— e talvez em to-
do o Portugal e Hespanha, ou em toda a pe-
nínsula IbericaV. . .
V. Penajoia n'este diccionario e no sup-
plemento.
Merecem especial menção as castanhas
d'esta freguezia. São excellentes, muito es-
timadas na praça do Porto e algumas mui-
to têmporas. Amadurecem no mez de se-
tembro e denorainam-se castanhas de La-
mellas, porque o 1.» castanheiro da dieta
qualidade foi plantado no casal de Lamellas,
pertencente ás Casas Novas.
Aldeias e casaes, casas e quintas
Comprehende esta paroehia as seguintes
aldeias : — Egreja ou Santa Marinha, uma
das mais pequena?, onde está a egreja laa,-
^Tiz;— Lages ou Lageas, uma das mais im-
portantes com algumas lojas de commercio,
caixa de correio, pharmacia, ete. a jusante
e não longe da matriz na margem esquerda
do Zêzere; — S. Pedro uma das mais popu-
losas com 31 fogos, 3 capellas, etc. a mon-
tante da estação da Ermida e distante d'el-
la pouco mais de 1 kilometro^ mas de cami-
nho diabólico, extremamente Íngreme; —
Ermida, uma das mais pequenas, mas mui-
to poética e vantajosamente situada á beira
do Douro, junto da estação e das duas bar-
cas de passagem, estação e barcas que d'ella
tomaram o nome da Ermida;— -PaLQos, Vinha,
Granja, Penedo, Estrada, Crusinha ou Co-
roinha, Sarnado, Responso, Adro,i Barreiro,
Aveleira, Covelio, Ervedal, Ucha, Miguas,
Araes,2 Lama d'Alem, Lama d'Aquera, Bre-
1 O Adro é parte integrante da aldeia de
S. Pedro e no A^ro está a capei la de S. Pe-
dro que deu o nome ás 2 povoações.
2 Araes, como logo diremos, é parte inte-
grante da aldeia de Miguas.
ZEZ 2107
te de Baixo, Brete de Cima, Campo, Casal
Paio, Fonseca,! Tôrtela, Amoreira, Real e
Fontello; — os casaes de Nogueira, Casa-
linho, Tôrtela, Quebrada de Baixo, Quebra-
da de Cima, Real, Villa Jusão, S. Domingos,^
Feijoeiros, Cruz, Tapado, Sequeiro, Touça,
Ramalhido, Lavra, Ribeiro de Fonseca, Val-
le, Amoreira, Casal, Cabanellas, Dizimos,
Valle da Grade, Thias, Travassos, Pousada,
Feitoria, Corgo, Belga, Várzea, Olho Bom,
Prados e Miradouro.
As casas e quintas de Travanca, Ermida.
Casas Novas, Entr'Agoas, S. Pedro, Granja,
Guimarães, Cadeade de Cima, Cadeade dê
Baixo, Corujeiras, Pepim, Ervedal, Botica,^
Barbedo, Várzea, Real, Travassos, Ribeiro,
Quintão, Alvites, Bouças e Gasa da Torre,
que foi de João Pereira do Cabo (barão do
Cabo) e já não tem torre ; — as habitações
isoladas de Presa, Prado. Vinhósinhos,* San-
t'Anna,5 Bicheiro e Vallinhas,— e os moi-
nhos do Quelho, Fraga, Ponte de Frende e
outros muitos.
1 A aldeia de Fonseca tem differenles
grupos de casas cora differentes nomes, a
saber: Quinta de Fonseca, 2 fogos; Ribeiro
de Fonseca, 3 fogos; Fonseca de Fonsecas,
4 fogos; Eiró de Fonseca, 4 fogos; Teixeira
de Fonseca, 6 fogos; Arrabalde de Fonseca,
8 fogos; Portas de Fonseca, 3 fogos; Fraga
de Fonseca, 4 fogos; Souto de Fonseca, 9
fogos; Mouras de Fanseca. 2 fogos; Villa No-
va de Fonseca, 6 fogos; Peso de Fonseca, 2
fogos; Ribeirinho de Fonseca, 2 fogos; La-
gos de Cima de Fonseca, 3 fogos e Paço de
Fonseca, núcleo d'esta aldeia, i3 fogos, —
total 69 fogos.
2 Teve, mais já não tem eapella de S. Da-
mingas.
^ Teve, mas já não tem botica.
* N'esta cesa de Vinhósivhos muitos an-
nos se celebraram as audiências do juiso
ordinário d'esta paroehia, por ser a dieta
casa bastante central e não ter quartos, maa
só tres grandes salas, e por andar em mãos
de caseiros.
Pertence a uma nobre família da Faia, nos
subúrbios d'Amarante,
s Demora á beira do Douro e teve uma
Capella de Santa Anna, que foi profanada,
quando se fez a linha férrea. Ainda lá se
vêem as paredes.
^108
ZEZ
ZEZ
Templos
Tera esta parochia uma egreja, de que lo-
go fallaremos, e 19 capellas, — 5 publicas e
i4 particulares. Vamos iudical as todas.
1.» Senhora do Soccorro a O. e distante
«erca de 250 metros da aldeia de S. Pedro.
Não é grande, mas antiga; está bem con-
iservada e ali vae da matriz annualmente
um clamor no dia da Assumpção, em cum-
primento d'um antigo voto, pois todos os
habitantes d'esta parochia depositam muita
fé na dieta Senhora e a ella costumam re-
correr, quando se veem aíllictos, v. g. quan-
do é grande a falta de chuva e a sêcca de-
vora as searas, — ou quando a chuva é de-
masiada e eompromelte as colheitas.
Quando é grande a falta de chuva, levam-
na em procissão até á matriz, seguindo pe-
las estradas que atravessam os maiores cam-
pos, parando de longe em longe e volvendo
o rosto da imagem para as campinas rese-
quidas; quando a chuva é demasiada levam-
na coberta para a matriz é d'ali volvem com
ella em procissão para a sua capella, sem-
pre acompanhada por muito povo que vae
com as lagrimas nos olhos entoando a la-
dainha dos santos, e raras vezes a Virgem
deixa de attendel-os.
Ainda ha poucos annos, sendo extraordi-
nária a sôcca e estando os renovos perdi-
dos, vários devotos traelaram de pedir es-
molas pela freguezia para levarem a Senho-
ra em clamor. A estiagem era de tal ordem
que alguns indivíduos menos crentes sorri-
ram. Não esmoreceram porem os devotos e
marcaram dia para o clamor. Toldou-seim-
mediatamente o ar, dando prenúncios de
chuva e no dia aprazado, quando principiou
o clamor, principiou a chover e choveu tor-
rencialmente durante o percurso do clamor
e todo o dia, ficando os devotos erguendo as
mã,os ao ceu. E os descrentes, envergonha-
dos e confundidos, foram muito espontanea-
mente levar as suas offerendas.
2. * S. Pedro, capella antiquíssima. Demo-
ra na povação que tomou d^ella o mesmo
nome de S. Pedro.
Está no sitio do Adro. Diz a tradição que
já foi egreja matriz d'esta parochia e que a
pobre ermida actual era a capella mór da
egreja.
Está bastante arruinada, mas ainda aber-
ta ao culto e, talvez em sigml de obediência^
a ella vem da matriz annualmente e desde
tempo immemorial um clamor no dia de S.
Pedro.
3. » S. Braz, na aldeia do Paço.
Tem festa e arraial muito concorrido e
muito divertido no dia do seu orago — 3 de
fevereiro, pois os devotos, por ser tempo de
entrudo, misturam o sagrado com o profano
e aproveitam o ensejo para folgarem e jogo.
rem o entrudo^ mascarando-se e distribuin-
do muitos cartuxos de pó de gomraa e de
papel de cores cortado em pequenos fra-
gmentos.
Também ha por essa occasião muitas fes-
tadas (descantes e danças) e vendem-se
muitas falachas, feitas de massa de casta-
nhas.
Logo fallaremos das festadas no tópico
descantes populares.
4. » Santa Eufemia na aldeia de Fonseca*
Está aberta ao culto, mas mal tractada.
5. ' Santo Antonio na aldeia das Bouças.
Em ruinas e profanada.
Todas estas são publicas; as seguintes são
particulares:
1. » Santo Antonio na aldeia de S. Pedro.
Pertence á quinta da nobre casa da Soen-
ga, de S. Martinho de Mouros, hoje repre-
sentada pelo sr. D. Joaquim d' Azevedo Mel-
lo e Faro, residente no Porto.
2. ' Santo Antonio na aldeia da Ermida.
Pertence ao palacete do sr. dr. Antonio
Camillo d'Almeida Carvalho, de quem logo
fallaremos.
3. " Santo Antonio na aldeia do Ervedal.
Pertence à casa da quinta do Ervedal.
ZEZ
ZEZ 2109
4.* Senhora da Conceição na aldeia da
Granja.
Pertence á casa e quinta do sr. Carlos Ne-
grão, de Mesãofrio.
5 * Senhora da Conceição.
Pertence à casa e quinta de Guimarães,
que foi de José Reymão de Mello Falhares e j
é hoje do sr. Francisco Pinto da Silva.
6. * SanfAnna.
Pertence à casa e quinta das Casas Novas,
que foi de Carlos Candido e é hoje do sr.
Carlos Maria da Cunha Coutinho.
7. " Senhor dos Afflictos na aldeia de Tra-
vanca.
Pertence á casa de Travanca da família
Carvalhaes.
8. * Penhor de Mattosinhos na aldeia de
Miguas.
Pertence à mesma casa de Travanca.
Em ruinas e profanada.
9. " Espirito Santo.
Pertence á casa e quinta de Entre-Agoas,
que foi de Antonio Perfeito e é hoje da sr.»
D. Carlota Adelaide Perfeito.
10 » S. Caetano na aldeia de Fonseca.
Pertence ao sr. José Ferreira Coutinho,
11. ' Senhora da Conceição, nas Leiras.
Pertence ao sr. João Alves de Araujo.
12. " S. João na mencionada aldeia de Tra-
vanca.
Em ruinas e profanada.
13. » Capella de... na aldeia de Cadeade.
Pertence ao sr. Antonio Alves, mas nunca
foi ultimada nem aberta ao culto.
14. " SanfAnna á beira do Douro. Profa-
nada.
Egreja de Santa Marinha,
matriz actual d'esta parochia
Como já dissemos, demora em sitio alto e
vistoso, a pequena distancia da margem di-
reita do Zêzere, mas em terreno ingrato
para uma construcção de tal ordem, por ser
muito Íngreme.
A tradição diz que primitivamente foi uma
Capella, cuja invocação hoje se ignora e que
estava perto da margem direita do Douro na
pequena povoação da Ermida, que tomou
d'ella o nome. .
V0LUU8 XI
Nada, absolutamente nada resta hoje da
dieta Capella. Apenas se aponta como local
da pobre ermida um sitio denominado Lo-
dam ou Lodo, onde se teem encontrado pe-
quenas moedas antigas de cobre muito gas-
tâs.i contas de vidro, de rosários, e ossos.
O local era solitário, abafado e deserto,
mas tinba certa importância pela sua posi-
ção geographica, pois estava junto da barca
de passagem que tornava a dieta capella
muito conhecida e multo aceessivel aos po-
vos das duas margens do Douro.
Note-se que a invasão dos bárbaros do
norte e a dos mouros fizeram rarear muito
a população christã e os templos e conven-
tos de Portugal e da península. penas es-
caparam de longe em longe algumas egrejas
e capellas e talvez que a da Ermida fosse
uma das taes, pelo que, na falta de melhor
templo, foi arvorada em matriz, como os po-
vos fronteiros do actual concelho de Rezen-
de e outros até muitas legoas de distancia
arvoraram em matriz, talvez in illo tempere,
a capella de Nossa Senhora de Corquere; —
e os povos do concelho de Taboaço e outros
muitos mais distantes arvoraram em ma-
triz a capella de Nossa Senhora do Sabrosa
junto da villa de Barcos — e os do dislricto
de Panoias arvoraram em matriz a capella
d'Anciães, etc, etc.
V. Carguere, Sabrosa e Villa Real d6
Traz os Montes \ol. 11.» pag. 936, col. 2.»
Note-ge flnalmente que todo o bispado do
Porto no .see. vi compreheodia apenas 25
freguezias.
V. Porto, vol. 7.0 pag. 271, col. 1.»
Da capella da Ermida (diz ainda a tradi-
ção) passou a matriz d'esta parochia para a
1 Talvez que as dietas moedas fossem lan-
çadas na sepultura dos cadáveres, como se
usou antigamente em todo o nosso paiz e se
usa ainda hoje em muitas parochias. — no-
meadamente n'esta de Santa Marinha do
Zêzere, tanto no enterro de pessoas pobres,
cpmo das mais nobres e mais ri<'as.
133
2110 ZEZ
ZEZ
Capella de S. Pedro, situada a moDtante e
em sitio mais alegre e desafrontado, cerca
de i kil. para N. N. O. na povoação de S.
Pedro, como já dissemos supra, no lit. ca-
pellas publicas, n.» 2, — e d'ali passou para
a egreja actual, ou antes para o templo (tal*
vez edicula ou capella) hoje representado
pela egreja de Santa Marinha.
É um templo soffrivel de uma só nave,
pouco elegante, mal situado, mal tractado e
muito irregular.
Como demora em uma barreira com pen-
dente para o sul, a egreja ficou atravessada
de nascente a poente, com a porta principal
para este ultimo quadrante.
O adro é informe, desgracioso e pequeno.
Do lado sul está ao nivel do pavimento aa
egreja; do lado norte e poente está em nivel
superior e afrontando a egreja com uma
grande sobre-carga de terra, que torna o
templo bastante húmido.
Sobe se da parte inferior para a superior
do adro por alguns degraus de pedra, se-
guindo-se para N. o cemitério, que esiá con-
tíguo e em plano íuperior ainda; — e para
S., em plano inferior, está a velha residên-
cia paroehial, muito irregular também e mal
tractada, mas com bastantes commodos e
boa cerca, resto do antigo passal, que foi
desamortisado ha poucos annos, arrematan-
do a terça o paroeho actual — rev. José Ber-
nardo Correia de Sa — da Villa da Feira, que
em um sitio lindíssimo, desafrontado de to-
dos os lados, um pouco a juzante da velha
rezidencia e na parte do passal que arrema-
tou, fez em 1887 um bom edifício, onde vive
com a sua familia.
O passal era espaçoso e, quando o gover-
no o poz em praça, foi dividido em 6 lotes,
sendo um arrematado pelo dicto abbade,
outro pelo dono das Cosas Novas, outro por
Antonio Luiz Pereira d'Âmorim, outro por
Albino Pinto Torres e outro, o da margem
esquerda do Zêzere, pela dona da quinta de
Entre Agoas.
Ao todo produziu cerca de 8 contos de
réis, que foram averbados em inscripções '
aos parochos— e ainda ficou para estes o B.**
lote, que é um bom quintal junto da velha
residência.
Como os abbades d'esta parochia tinham
bom rendimento proveniente dos dízimos e
do grande passal, foram sempre e são ainda
hoje pouco importantes os emolumentos do
pé d'altar.
A egreja outr^ora era muito mais peque-
na, como revelam as acanhadas proporções
da Capella mór.
Foi restaurada e ampliada no primeiro
quartel do see. xvni pelo benemérito dr. e
abbade Fr. Salvador Coutinho da Cunha,
das Casas Novas, religioso benedictino do
convento de Travanca, segundo se lô em uma
grande inscripçào que está sobre a porta
travessa do lado sul, inscripçào bastante
gasta 6 que mal pôde ler-se toda.
É a seguinte:
nm. A. M. D. C. C, XXV
ECLESIA HAEr IN HONO- *
RÈ D. ET V. M. Q.
Marinae, EJUS P. REAE
dificata et addita fuit
TUNc ABB. R. P, Salva-
tore CouT.» DA Cunha
. . .APP. S. Benedicti de
Travanca in alternati-
va PONTIFICIS (?)
Em vulgar:— «No anno do Senhor de 1725
foi reedificada e accrescentada esta egreja
para honra de Deus e da Virgem e Martyr
Santa Marinha, sua padroeira, pelo reveren-
do padre Salvador Coutinho da Cunha, en-
tão abbade d'ella, por appresentação do
convento benedictino de Travanca, na alter-
nativa do Pontífice (?) »
O dicto abbade era dr. de capello em
theologia pela Universidade de Coimbra,
monge de S. Bento no mosteiro de Travan-
ca e ali mestre de theologia, quando vagou
esta egreja, e foi n'el]a apresentado pelo di-
cto convento, por ser, como já dissemos, da
apresentação d'elle e alternativamente do
Papa e da mitra.
ZEZ
ZEZ 2111
Os dízimos d'e8la parochia foram dividi-
dos em 3 quinhões — um para o seu abba-
<le, outro para a Uolversidade e outro para
os jesuítas — e, extínelos os jesuítas^ passou
também para a Universidade o quinhão
<í'elles.
Consta que em 1834, quando se extingui-
ram os di^imos, o quinhão do abbade era
orçado em 7 mil cruzados, ou 2:800:000 réis
— afora o rendimento do passal e pé d'al-
tar?!.. .
Foi uma boa abbadia, e bo<is abbadías fo-
ram lambftm n'aquelle tempo e são ainda
hoje as circumvisinhas:— Ge?taçô, Vallada-
Tes, S. Thnmé de Covellas e Santa Cruz do
Douro. Esta de Santa Marinha renderá hoje
500 a 700 mil reis e qualquer das outras
•deve render egual somma.^
A egreja de Santa Marinha, depois de res-
taurada pelo rev. Salvador, ficou um bom
templo, bastante espaçoso e mesmo lu-
xuoso.
A Capella raór é muito pequena mas tem
boas decorações de talha antiga dourada.
O corpo da egreja tem 4 altares:— 2 com
decorações de talha antiga:, também doura-
da—Sanía Anna e Almas, — e 2 de talha mo-
derna, muito mais barata,— Sawía Marinha
e Senhora do Rosario, feito em 1887 a 1888,
cuja imagem foi dada pelo sr. Francisco
finto da Silva, dono actual da quinta de
Guimarães.
Tem um só púlpito, mas com bella eupu-
k de talha dourada; — ao fundo da egreja
um côro espaçoso e junto d'elle um peque-
no órgão, que custou 400^000 réis.
Do lado norte estão a sacristia, a casa da
fabrica e a torre com 3 sinos e um bom re-
1 No tempo dos dizimos a melhor abbadia
de Portugal era a de Lobrigas, no concelho
de Santa Martha de Penaguião. Rendeu al-
guns annos mais de vinte contos de réisV....
V. Lobrigas— 6 o tópico Arcas e cubas no
Tligo Viseu.
logio, igual ao do palácio da Bolsa do
Porto.
O tecto da egreja é interiormente apaine-
lado e todo eheio de pinturas a oleo, mas de
poueo merecimento artístico, representan-
do os 12 apóstolos, vários mysterios do Me-
nino Jesus, etc.
Do exposto se vê que a dieta egreja foi
um bom templo, mas hoje demanda obras
importantes de reparação e limpesa e de-
ve ser toda soalhada, porque o seu pavi-
mento ainda tem as quadrellas e tampas
das antigas sepulturas, o que produz mau
effeito e é pouco hygieuico.
Cemitério
Como já dissemos, está contíguo á egreja,
— do lado norte. Tem um bom portão de
ferro;— um mausoléu da família Amorim e
2 começados: — um da família Cunha Cou-
tinho, das Casas Novas. -outro da família
Azeredo Lobo, da aldeia de S. Pedro.
É um cemitério decente, mas muito pe-
queno e muito mal situado, pois alem de es-
tar çontiguo à egreja matriz, sempre muito
concorrida de povo, está cercado de casas
pelo nascente e norte, avultando entre ellas
as 2 escolas parochiaes de instrueção pri-
maria,'muito concorridas pelas creanças de
ambos os sexos de toda a freguezia. Está
encravado na povoação da Egreja e é uma
péssima visinhança, nomeadamente para ás
pobres creancinhas.
Devem removei- o com urgência para lo-
cal mais desafrontado e distante das ultimas
casas pelo menos 300 metros, como a lei
manda..
Se hoje pesasse uma epidemia qualquer
sobre esta parochia, o conselho de saúde
mandaria immedíatameute fechar & profa-
nar o cemitério, pois é o maior foco de in-
fecção de toda a freguezia.
Casas e quintas principaes
Tem esta parochia muitas casas e quin-
tas importantes. Mencionaremos n'este tópi-
co apenas algumas, pedindo desculpa das
omissões e da ordem que seguimos, sem
2H2 ZEZ
ZEZ
attenção a preeminências, pois somos estra-
nhos a locàlidade e não as conhecemos bem.
1.»— Casa e quinta de Travanca, da fa-
mília Carvalhaes.
Tem um bom edifício brazonado de 2 an-
dares, grande cerca, muifo fértil e muito
abundante d'agua e umacapella do Senhor
dos Afjlictos, boa matta, etc.
Pertence actualmente aos filhos e herdei-
ros do dr. Manoel d'Alm(iida Carvalhaes,
failecido ainda este anno de 1889, e que foi
conselheiro e dezembargador do supremo
tribunal^ capitalista e senhor d'outros mui-
tos bens. casaes e quintas, avultando entre
ellas a do Paço na freguezia d^^ Cidadelhe,
concelho de Mesãofrio, que foi de D. Dio-
go de Mello Pereira, commendador de Mou-
ra Morta desde 1630 até 1642, — eommenda
riquissima da O. de Malta, — e tem uma casa
nobre antiga, que é um palácio! Obleve-a
por compra.
A dieta casa de Travanca foi feita no
meiado d'este século pelo dr, e também de-
zembargador Luiz d'Almeida Carvalhaes,
irmão do mencionado dr. e dezembargador
Manoel d'Almeida Carvalhaes.
O dr. e dezembargador Manoel d'AImei-
da Garvaltiaes c. c. D. Anna José Pereira
Peixoto de Queiroz e Menezes e d'e8te con-
sorcio existem dois filhos e herdeiros, D.
Anna d'Almeida Carvalhaes Pereira Peixo-
to e Manoel d'Almeida Carvalhaes Pereira
Peixoto, os quaes pela parte paterna são ne-
tos de Manoel d'Almeida Carvalhaes e de D.
Anna Joaquina de S. José Moreira Pinto, da
dieta casa de Travanca, e foram seus avós
maternos— José Peixoto Sarmento de Quei-
roz, dezembargador e juiz da coroa na rela-
ção do Forio,— e D. Maria Cândida Cardoso
de Queiroz e Menezes, sua prima.i
Tios paternos dos actuaes donos da casa
de Travanca:
1 Y. Casaes de Figueiredo, tomo 2.» pag.
197.
— Antonio d'Almeida Carvalhaes, abbade
da freguezia de Valladares, d'este concelho;
— Francisco d'Almeida Carvalhaes, abba-
de de Moura Morta, concelho da Regoa, e
— Dr. Luiz de Sequeira d'Almeida Carva-
lhaes, dezembargador nas ilhas.i Mandou
fazer o palacete actual de Travanca.
Tios maternos:
— Vasco Pereira Peixoto de Queiroz e Me-
nezes, senhor da casa de seus paes em Ama-
rante;
— Gaspar Pereira Peixoto, arcediago da
collegiada de Guimarães;
—Francisco Pereira Peixoto, secretario
do governo civil d*Aveiro;
— Rodrigo, abbade de Capellos, em Ama-
rante;
— Joaquim, freire de S. Bento d*Aviz e có-
nego da patriarehal.
Tinha uma excellente voz de barytono,
que foi admirada em diversos concertos e
em varias representações d'operas no luxuo-
so theatro particular da quinta das Laran-
jeiras, então pertencente ao conde de Far-
robo.
— Agostinho Peixoto...
— João Pereira Peixoto, que percorre»
toda a Europa, viajando como touriste.
— José Pereira Peixoto, o único tio que
ainda vive.
É cónego da Sé do Porto e freire de S.
Bento d'Aviz, etc. Alguns dos irmãos foram
bacharéis formados e commeudadores, de
varias ordens.
Das tias maternas dos actuaes senhores
da casa de Travanca ainda vivem duas:
— D. Maria Leonor Pereira Peixoto de
Menezes, senhora da casa do Pinheiro, nos
subúrbios de Amarante, sogra de Diogo
Leite Pereira de Mello e Alvim, ex-presi-
dente da camará de Villa Nova de Gaya e
dono da casa de Paço de Sousa, etc, e
— D. Maria de Menezes Teixeira Peixoto,
1 V. Casaes de Figueiredo, tomo 2.» pag,
23i.
ZEZ
ZEZ 2113
senhora da nobre casa da Feitoria, em Ama-
rante, mãe de José Taveira de Carvalho
Pinto de Menezes, distincto engenheiro civil
e disiineto eseriptor publico, grande pro-
prietário e cavalheiro estimabilissimo, casa-
do e cora suceessão. Rezide habilualmenie
DO Porto, onde foi durante annos presiden-
te da eommissão anli-phylloxeriea do norte
e é hoje vogal da Liga dos Lavradores e um
dos fundadores e directores da Real Compa-
nhia Vinicola do Norte, ele., ele.
2.» — Casas Novas.
Tem um bom edificio brazonado e muito
bem tractado, com uma linda capeila de
Sant' Anna, jardins e bella cerca muito mi-
mosa 6 caprichosamente agricultada, bons
campos, lindas ramadas, pomares de fructa
de espinho e caroço, moinhos, etc.
Esta sumptuosa vivenda pertence hoje ao
sr. Carlos Maria da Cunha Coutinho, moço
fidalgo cora exereio, casado cora a sr.» U.
Maria da Boa Nova, filha de D. Joaquim de
Carvalho d'Azevedo Mello e Faro, dono da
nobre casa da Soenga era S. Martinho de
Mouros e de muitos bens n'esía parochia de
Santa Marinha.
O palacete das Casas Novas foi mandado
construir em 1738 por Felix Coutinho da
Cunha, capitão mor de Baião, F. G. R. e
senhor do morgado do Paço, em Cabeceiras
de Basto, e do de S. Thiago de Riba Tâme-
ga, nos subúrbios da Lixa. Era irmão do
rev. dr. e abbade Salvador Coutinho da Cu-
nha, que restaurou e ampliou a egreja ma-
triz d'esta parochia.
Succedeu-lhe seu filho Carlos da Cunha
Coutinho, sargento mór e major d'ordenan-
ças n'este concelho de Baião e que falleceu
em 24 de março de 1827.
Succedeu lhe seu filho Carlos Candido
da Cunha Coutinho, que assentou praça de
cadete era 1808 e nas patentes de alferes,
tenente e capitão graduado fez toda a guer-
ra da Península, sendo condecorado com a
cruz d'ouro n.° 5 da dieta campanha.
Era fidalgo cavalleiro e commendador de
Nossa Senhora da Conceição de Villa Viço-
sa; foi durante 14 annos consecutivos admi-
nistrador d'este concelho e falleceu solteiro
e sem suceessão em 2 de maio de 1867, pelo
que lhe succedeu o sr. Carlos Maria da Cu-
nha, seu sobrinho por varenia, em toda a
casa de Santa Marinha, na de Paço de Ca-
beceiras, na de S. Thiago da Lixa, na quin-
ta de Tullões, nas de Arnoia e Travessinhos
em Celorico de Basto e na de. Aragão, con-
celho de Fafe, todas vinculadas outr'ora.
Também é senhor e representante da an-
tiga casa dos capitães móres de Fontes, no
concelho de Marco de Canavezes, e da casa
de Santa Comba, no concelho de Santa
Manha de Penaguião, casa que herdou de
um seu remoto parente, ultimo dono d'ella,
— e por fallecimento de seu sogro deve her-
dar d'elle outros casaes e quintas.
É um cavalheiro muito traclavel e muito
estimável; — tem suceessão — e vive na sua
bblla residência das Casas Novas.
Salvador da Cunha Coutinho Lopes Pica-
do (?) da antiga casa de S. João d'Arnoia,
concelho de Celorico de Basto, coronel gra-
duado em brigadeiro das milícias d'aquelle
concelho, F. C. C. R. e commendador da
, Ordem de Chrislo, etc. fez parte dos sitian-
tes do Porto e ali falleceu em 1832, sendo
mono por uma bala que lhe varou a testa
no ataque do dia de S. Miguel, e jaz na ca-
peila da quinta da China, freguezia de
Campanhã, na margem direita do Douro.
Havia casado etu 1825 no concelho de
Santa Martha de Penaguião, com D. Brizi-
da Rodrigues d' Azevedo, filha de Antonio
Rodrigues d'Azevedo, cavalleiro do habito
de Christo e senhor da nobre casa de San-
ca Comba, na freguezia de S. Miguel de Lo-
brigos, cuja abbadia foi a melhor de. Porlu-
gal.i
í V. Lobrigos (S. João) tomo 4.» pag. 432,
col. 2.*— e Viseu, tópico Arcas e cubas, to-
mo 11.» pag. 1585, col.
Nole-se que o abbade de S. João de Lo-
brigos era também abbade de S. Miguel de
Lobrigos;— recebia os dízimos das duas pa-
rochias — e de uma 3.'' que também apre^
zentava.
2114
ZEZ
ZEZ
Do diclo consorcio tiveram ura filho úni-
co, de nome Francisco da Cunha Coutinho
de Magalhães e Vilhena (eu conheci-o) mo-
ço fidalgo com exercício no paço, etc , que
foi dono das casas de S. João d'Arnoia e,
fallecendo sem successão com 56 annos de
idade em 1882, passaram as dietas casas
para o sr. i^arlos Maria da Cunha Coutinho,
seu parente paterno e dono das Casas No-
vas de Santa Marinha, como já dissemos.^
A casa de Santa Comba foi uma das mais
ricas do concelho de Santa Manha no tem-
po da velha companhia dos vinhos— e tem
um palacete, cuja pedra {só a pedral...)
custou cerca de 30:000 crusados— ou doze
contos de rm,— segundo me disse o ultimo
dono d'ella. *
É muito para uma aldeia, mas note-se
que o dicto palacete, como outros muitos
de Santa Marlha, alguns maiores e mais lu-
xuosos ainda, — é todo revestido de bom
granito da serra de S. Domingos da Quei-
mada na margem esquerda do Douro, e
distante cerca de 20 kilometros de caminho
então horroroso, meltendo-se de permeio o
Douro e o concelho da Regoa, pois tanto
n'este concelho como no de Santa Martha,
ambos cheios de grandes palacetes revesti-
dos de granito, — não ha granito. O mais
próximo— aliás finíssimo e do melhor de
Portugal- é o da dieta serra, mas ficava a
peso douro dos dois concelhos, principal-
mente ames de se fazer a ponte da Regoa,
pois tinha de atravessar o Douro em barcas,
com grande dispêndio e grande risco.
Para se formar ideia da riqueza d'aquel-
les dois concelhos m illo tempore basta lan-
çar os olhos sobre o estendal de palacetes
que os povoam.
V. Villar, aldeia, tomo 11.* pag. 1175,
1 Veja-Fe também o art. Villa Pouea, aldeia
da freguezia de Arnoia, tomo U.« pag. 898,
col. 2."
col. 2.' e Villar d" Andorinha no mesmo vol*
pag. 1190, col. 2.» também.
3."— Casa da Ermida na pequena povoa-
ção d'este nome;
É uma das mais novas, mais espaçosas e
mais luxuosas d'esia freguezia na actuali-
dade—e hoje a mais elegante, mais bem si-
tuada e a mais accessivel de todas, pois de-
mora em local muito pittore&co, alegre e
vistoso na margem direita do Douro, cerca-
da por este rio a S., — pelo Zêzere a O.,—
pelo Teixeira ao nascente, e ao norte pela
linha férrea, que vara em tunnel a raiz do
monte que divide o Teixeira do Zêzere, pas-
sando o mencionado tunnel a poucos me-
tros do dito palacete.
Está pois a dieta casa em uma espécie
de península muito alegre, muito mimosa,
cercada de bello jardim, campos e poma-
res, dominando os 3 mencionados rios, duas
barcas de passagem que cruzam o Douro,
uma a montante e outra a jusante do for-
moso palacete;' — a linha férrea, que passa a
poucos metros da casa,— e a estação da Er-
mida, que está em frente da casa, distante
d'ella pouco mais de 100 metros— e no mes-
mo nivel, pelo que a estação é o rendez-vous
1 A 1.» é muito antiga e particular. Per-
tence à casa da Ermida e é administrada
por ella, sendo também consortes D. Jose-
pha Clementina, viuva de Raymundo Bor-
ges, da Casa da Capella, freguezia de S.
Thomé de Covellas, e José Liberato de Car-
valho Pinto Borges, por compra que fez á
casa dtf Travanca, de um quinhão que havia
sido da nobre casa da Faia, ou antes da ca-
sa de Vinhósinhos, d'esta parochia, hoje per-
tencente à da Fam, junto de Amarante, qui-
nhão que passou por compra para a casa de
Travanca.
A 2.' barca é muito moderna. Foi estabe-
lecida cerca de 500 metros a jusante da 1.»
e em frente da estação da Ermida, quasi
exclusivamente para servir a estação, por
José Maria Borges Carneiro, da casadas Co-
tas, de Rezende, mas a camará de Rezende
apossitu se da dieta barca e é hoje d^aquelle
municipíol. . .
Em breve desapparecerão ambas.logo que
se construa a projectada ponte, da qual
adiante fallaremos.
ZEZ
ZEZ 2115
dos felizes donos d'este bello palacete,— em
quaote que todas as outras casas nobres
d'esta freguezía demoram em sítio alto, al-
candoradas nas encostas, mediando entre
ellas e a estaçàu medonhos barrancos mui-
to declivosos, que mal se transpõe a pé ou
a Cavallo, mesmo porque as estradas são to-
das antigas, despenhadeiros que fazem tre-
merl . • .
E' também muito interessante o lanço do
Douro dominado pela dieta casa, pois no
verão principia em frente d'ella o poço de
Riboura, muito fundo e d'agua morta, es-
pécie de lago, que se pôde transpor a remos
6 se presta admiravelmente para recreio, —
poço que se estende desde o ponto de Ri-
pança, cerca de 2 kilometros a montante,
até o ponto de Canedo, em frente da esta-
ção da Ermida, dominado também pela di-
eta casa e que é um dos pontos do Douro
mais perigosos no verão, pelo que oíferece
constantemente scenas variadas. E no in-
verno o poço de Riboura é um ponto con-
tinuado, medonho, perigosissimol Fórma
grandes redotooinhos, sorvedouros ou dor-
nas, que mettem a pique os grandes bar-
cos rabelios, como succede trivialmente no
sitio denominado Altar, quasi em frente e a
pequena distancia do dito palacete.
Ali teem naufragada no inverno milhares
de barcos! ...
E' por vezes tão fundo e tão violento o di-
cto sorvedouro, que a agua brame e seme-
lha o rufar de um tambor.
Os taes redomoinhos abundam no inver-
no em todos os poços e ha um no alto-Dou-
ro (no poço Saião ou no Pocinho) que é
talvez o mais medonho de todos.
Descreve um grande circulo; abre uma
cova muito funda e, quando a agua pesa
demasiado nas paredes da dorna, fecha re-
pentinamente, produzindo um estrépito co-
mo a detonação de um tiro.
Vade rétrol . . .
V. Pontos do Douro, tomo 7* pag. 198,
col. 2.*— Poços do Douro no art. Viseu, to-
mo 11.0 pag, 1:704, eol. 2." tambem,--e o tó-
pico Ponte da Ermida, infra.
A dieta casa tem 3 pavimentos e foi re-
centemente feita, em substituição d'ouira
mais humilde e muito antiga, pelo sr. An-
tonio Camillo d'Almeida Carvalho, seu
actual possuidor, casado, mas sem succes-
são, bacharel formado em direito pela Uni-
versidade de Coimbra, cavalheiro muito
tractavel, muito illustrado e muito bondoso,
que já foi por vezes deputado às cortes e
muitos annos consecutivos procurador à
junta geral do districto do Porto pelo con-
celho de Baião, etc.
Sendo deputado e vivendo em Lisboa, foi
ura dos padrinhos do duello que no dia 29
de março de 1862 ou 1863 matou o seu mal-
logrado visinho, contemporâneo e particu-
lar amigo, dr. José Julio d'Oliveira Pinto,
natural da villa de Barqueiros, então chefe
do ministério dos negócios eeclesiasiicos e
de Justiça — e também deputado — talento
verdadeiramente superior.
V. Barqueiros, tomo 1.° pag. 336, eol. 2.*
O sr. dr. Antonio Camillo d'AImeida Car-
valho formou se em 1857 e é filho de Anto-
nio Camillo Pereira d'Almeida Carvalho
Pinto, de quem herdou a casa e quinta da
Ermida e varias casas no Porto, etc.
Tem uma irmã, D. Maria Isabel, também
muito illustrada. Casou com Miguel de Vas-
eoncellos Pereira de Mello, de Santa Chris-
tina de Figueiró, concelho de Amarante, ir-
mão do rev. bispo actual de Lamego — D.
Antonio da Trindade e Vasconeellos Pereira
de Mello.
Está viuva e sem successão e reside na
mesma casa da Ermida.
4.' — Casa e quinta de Guimarães, brazo-
nada e com uma capella de Nossa Senhora
da Conceição.
Demora em sitio alto, alegre, plano e
muito vistoso junto da velha estrada do
Porto por Penafiel, Canaveses e Baião a Me-
sãofrio.
Foi casa muito nobre e produziu pessoas
muito notáveis, entre ellas Jo>é Máximo
Pinto da Fonseca Rangel, ministro de esta-
do, coronel d'ariilheria, etc.
Raptou do paço dos nossos reis D. Maria
2116 ZEZ
ZEZ
Helena de Saldanha Castro Lorena e Daun,
parenta próxima do duque de Saldanha e
dama da rainha D. Carlota Joaquina.
Casou com a dieta senhora e teve uma Q-
Iha única e herdeira— D. Maria Guilhermi-
na de Saldanha Pinto Rangel que, sendo já
viuva e sem sueeessão, casou com José Rei-
mão de Mello Falhares, da Ucanha, do qual
também não teve sueeessão, pelo que falle-
cendo ab intestato, foram herdeiros os seus
parentes mais próximos, D. Antonio José de
Mello Saldanha e irmãos, de Lisboa, e a es-
tes comprou a quinta e casa de Guimarães
Francisco Pinto da Silva, seu actual possui-
dor, grande capitalista (brazileiro) natural
da povoação de S. Pedro, d'esta parochia de
Santa Marinha, casado e com sueeessão, o
qual restaurou a uicta casa e tem juntado
á quinta diversas propriedades.*
O chão da casa é um planalto encantador
e foi habitado desde tempos muito remo-
tos, pois ali "se encontram ainda muitas se-
pulturas abertas na rocha — e não longe
d'ella se encontraram ha poucos annos em
uma escavação outras sepulturas aniiquissi-
mas de tijolo, sendo a localidade abundante
em granito. Em uma d'estas sepulturas se
encontrou do lado da cabeceira uma peque-
na moeda de cobre muito gasta e por certo
do tempo em que era costume lançar com
08 cadáveres pequenas moedas nas sepul-
turas, — costuriie antiquíssimo, ainda hoje
em vigor n'esta parochia, como já dissemos
supra, quando falíamos da egreja matriz.
Ainda lá se vêem as sepulturas abertas
na rocha; as de tijolo foram completamente
destruídas.
José Mâximo Pinto da Fonseca Rangel,
sendo perseguido como constitucional em
1 Adquiriu a sua grande fortuna em San-
tos, no Brazil, onde conserva ainda uma
soberba casa industrial e commercial, diri-
gida por 3 filhos, todos 3 ainda solteiros.
1828, viveu oeculto e homisiado até que um
dia, contando cerca de 70 annos de idade,
appareceu em Lisboa morto dentro d'um
caixão á porta de uma egreja, e nuDca se
explicou o seu trágico fim.
Era muito iliustrado, muito animado e
poeta.
Ainda hoje na localidade se repetem al-
guns versos humorísticos, feitos por elle,* e
publicou differentes obras em prosa e verso.
O Diccion. Bibi. de Innocencio aponta as
seguintes:
1. ^ Poesias. . . Lisboa, 1793.
2. » Templo da Memoria, poema; Lisboa,
1793.
3. * Catalogo por copia, exlrahido do ori-
ginal das sessões e actas feitas pela socieda-
de de portuguezes dirigida por um conselho
intitulado Conselho Conservador de Lisboa
1 Ahi vae uma amostra do panno:
Elie era doido por mulheres, pelo que a
esposa tomava criadas sempre feias. A uma
das taes fúrias dedicou elle as seguintes
quadras:
Ura covado de comprido.
Altura de mais de vara.
Tem a testa d'este monstro
No alto da feia cara.
Os olhos amortecidos
Vesgos e mal engraçados.
Em duas covas profundas
Ambos estão enterrados.
Nariz de magro esqueleto,
De matérias aqueducto,
Vapora dMnstante a instante
Ar pestilento e corrupto.
A bocca é larga e disforme
Enegrecida de sorte.
Que parece sem mentir
A própria bocca da morte.
Tem pescoço denegrido.
Colo de galgo esfaimado
Com duas pelles ao fundo
No peito secco e mirrado.
O diabo me arrapanhe.
Se eu não juro na verdade
Que, sendo assim as mulheres,
Tudo fôra castidade.
ZEZ
ZEZ 2117
e insiallada rCesta mesma cidade em 5 de
fevereiro de 1808, para tratar da restaura-
ção da Patria.
«José Máximo (diz Innoeencio) foi secre-
tario do tal Conselho, que Dão passava...
de uma loja maçónica . . . •
Talvez prenda com a maçonaria o trá-
gico 6m do auctor!. . .
4. " Severo exame do procedimento dos
portuguezes. . .
Lisboa, 1808.
5. " Desengano feliz...
Lisboa, 1809.
6. » A batalha d'Otta, entremez heróico.
Lisboa, 1808.
7. * Projecto de guerra contra as guerras,
offereddo aos chefes das nações europeas.
Coimbra, 1821.
8. ' Pernicioso poder dos pérfidos validos,
destruído pela Constiluição.
Coimbra, 1821.
9. * Causa dos frades e dos pedreiros livres
no tribunal da Prudência.
Lisboa, 1822.
Na 1.» parle advoga a causa dos frades;
na 2." faz a apologia da maçonaria.
10 ' Vantagens do soldado portuguez.
Lisboa, 1823.
Innoeencio, fallando do auctor, diz:
*José Máximo Pinto da Fonseca Rangel,
major do exercito, foi por algum terapo
governador do Castello de S. João da Foz,
DO Douro; deputado às cortes ordinárias de
1822, e encarregado do ministério dos ne-
gócios da guerra, no intervallo que mediou
entre a sabida d'el-rei D. João VI de Lis-
boa no Qm de maio de 1823, e a sua volta
de Villa Franca em princípios de junho se-
guinte.—Foi natural da província de Traz-
08-Montes,i e primo de José Ribeiro Pinto,
1 Dizem-nos que oasceu na quinta de
Guimarães, {reg\i6z\& de Santa Marinha do
Zezei e, concelho de Baião, districto do Por-
to, província do Douro. Innoceocio equivo-
cou-se talvez, porque a dieta parocbia é vi-
i alferes de infanteria n.» 16, justiçado em
j Í817 como um dos principaes cabeças da
conspiração chamada vulgarmente de Gomes
Freire,^ á qual parece que José Máximo es-
tava bem longe de ser extranho, posto que
contra elle se não procedesse regularmente
por esse motivo. — Morreu em Lisboa, homi-
siado, no tempo do governo do sr. D. Mi-
guel, contaodo então 70 annos de idade, ou
pouco menos, segundo as informações que
obtive. Seu parente e mfu amigo, o sr. có-
nego Antonio Ribeiro d'Azevedo Bastos, me
promeiteu ha annos dar amplas noticias
d'elle, as quaes todavia não chegaram até
j hoje.»
Referia-se ao anno de 1860 — e nunca re-
cebeu taes noticias, pois o sr. Brito Aranha
continuador de Innoeencio, volvendo a fal-
lar do mesmo auetor em 1885, não fez a
miniraa referencia a ellas e pouco adiantou.
Eu ainda conheci um parente de José Má-
ximo, talvez filho ou sobrinho do pobre al-
feres José Ribeiro Pinto. Charaava-se Fran-
cisco Pinto Ribeito da Fonseca; vivia então
(1854-18ti0) na aldeia dos Araes, junto da
quinta de Guimarães; depois passou para
Lisboa, onde morreu solteiro e sem sueees-
são.
Era homem já idoso, bastante illustrado
e muito liberal. Durante o governo do sr.
D. Miguel viveu horaisiado e depois militou
como voluntário no cerco do Porto, mas ter-
minada a lucta, não seguiu a carreira das
armas.
Era muito excêntrico e muito valente!
Depois que andou homisiado, lembrando-
se dos diseommodos porque passou em sí-
tios ermos, trazia sempre eomsigo uma nà-
valha de barba, agulhas e linhas e uma pe-
quenfi cabaça com vinho.
sinha do concelho de Mesãofrio, districto de
Villa Real, província de Traz-os-Montes.
1 V. Lisboa, tomo 4.o pag. 116, col. 1.'—
in fine.
2118 ZEZ
ZEZ
Foi bom jogador de florete, sabre e pau
— e tão valente e decidido, que todo o con-
celho de Baião o respeitava. Nenhum des-
cante ousava ir ao povo d'elle sem lhe pe-
dir licença, sob pena de serem corridos a
pau, como por vezes correu descantes de
valentões cheios de basoQa.
Quando moço apostava que, saindo a um
terreiro a tocar viola passeando, com um
pau apertado simplesmente pelo braço es-
querdo contra a ilharga, 3 homens quaes-
quer não lhe tirariam o pau, nem lhe tolhe-
riam o passo, nem o impediriam de tocar.
Nunca perdeu a aposta e, contando já tal-
vez 60 annos, a mim me disse que ainda
apostava contra 2 valentiSes quaesquerl . . .
Outro facto:
Depois do cerco do Porto foi para Baião
e, passados tempos, ali adoeceu, ficando
inerte, com os olhos fechados, e sem poder
fallar nem mover-se.
Assim se conservou deitado na cama 9
annos, a despeito de todos os esforços da
medicina,
O povo dizia que era encantamento e a
familía, esgotados os soccorros médicos, deu
ouvidos aos crendeiros da localidade. Man-
dou chamar uma das muitas intrujonas —
mulheres de virtude — que por ali abunda-
vam in illo tempore, curando (?) toda a cas-
ta de enfermidades com resas e mesi-
nhas.^
A boa da mulher disse que elle estava
morto e que por haver commettido grandes
crimes,2 a alma fora condemnada a ficar
eternamente presa ao cadáver, mas que ella
ia empregar todos os meios para libertar a
pobre alminha.
* Logo daremos algumas das taes receitas
que são muito curiosas.
^ Note-se que o tal Francisco Pinto deu
muita bordoada e^ suspeitaodo que lhe era
infiel uma pobre mulher com quem vivia,
matou-a com uma facadal ...
Principiou logo as bênçãos, resas e escon-
juros e, passados dias, ministrou lhe certa
pisorga. Sentin-se elle muito aíflicto; abriu
os olhos; sentou-se na cama; vomitou mui-
to—e em breve se levantou e restabeleceu,
volvendo ao estado normal e vivendo lon-
gos annos.
Isto é facto, o que nos leva a crer que o
tal encantammto era algum envenenamento,
talvez propinado pela confraria da intrujo-
na, — e que a tal pisorga era o contra-vene-
nol . . .
Ainda vivem n'esta parochia e em outras
d'este concelho muitos parentes do tal Fran-
cisco Pinto, alguns dos quaes nós conhece-
mos, e d'elles ouvimos tudo o que fica ex-
posto.
Prosigamos.
5 «—Casa e quinta Entre- Aguas.
Demora na margem esquerda do Zêzere
e é uma das melhores quintas d'esta paro-
chia.
Tem boa casa de habitação, largos cam-
pos e muita agua, luxuosamente distribuída
por canos de granito e uma eira soberba,
também de granito. Custou contos de réis e
é a melhor do concelho.
Esta grande propriedade tem uma capei-
la do Espirito Santo e pertenceu à nobre
familia Perfeitos, ultimamente representada
por Antonio Perfeito Pereira Pinto Osorio,
dono d'outras muitas casas e quintas em di-
versos pontos do nosso paiz, avultando en-
tre ellas a casa da Corredoura na freguezia
de Cambres, junto de Lamego, que é uma
das mais sumptuosas vivendas da provin-
cia.i Foi casado, mas morreu seqa successão,
pelo que deixou a sua grande fortuna a di-
versos parentes e esta quinta de Entre-
Agoas à sr.« D. Carlota Adelaide Perfeito,
que n'ella vive.
Hoje esta quinta rende 800 a 900 mil
réis.
1 V. Portello, tomo 7.» pag. 258, col. 2.»
ZEZ
6.»--Casa e quinta do Ervedal, junto da
povoação d*e8te nome, entre o rio Teixeira
e a quinta de Guimarães.
Pertenceu a Francisco d'Almeida e Silva,
por morte do qual passou para a viuva;
esta, depois de muito a delapidar e cercear
vendeu-a ao rev. arcediago e abbade de
Campello— José de Sousa Cabral, — seu
actual possuidor.
Foi uma quinta importante e caríssima,
pois tem bons campos sobre a margem di-
reita do rio Teixeira, em terreno muito de-
clivoso, pelo que os socalcos assentam sobre
grandes paredes que deviam custar muitos
contos de réis, campos todos cobertos por
agua de veia nativa e limação, que vem do
rio Teixeira, talvez de l kilometro ou mais
de distancia, por um açude em que pôde
navegar um cahique— -mesmo no rigor da
estiagem— e junto da ponte de Frende tem
outro açude, que move differentes moinhos
e rega a parte baixa da quinta.
Comprehendia também a montante do 1.»
açude espaçoso terreno sentieiro e boa raat-
ta de pinbeiros e carvalhos— e bons campos
e montados na margem esquerda do rio Tei-
xeira, a jusante e montante da ponte de
Frende, mas a viuva alienou grande parte
dos dlctos chãos.
Francisco d'Almeida e Silva era natural
do Porto e casou n'e3ta quinta com a dona
d'ella— D. Maria Henriqueta— prima do Jo-
sé Máximo, da quinta de Guimarães.
O marido era bastante illustrado, exeellen-
te pessoa e um cavalheiro respeitabilissimo.
Foi alguns annos administrador d'ests con-
celho e muito estimado e respeitado pelo
seu génio bondoso e prestadio e pelo seu
grande valimento, pois era irmío de Anto-
nio Thomaz de Almeida e Silva, 1.» barão
de Almeida, do conselho de S. M., inspector
fiscal da extincta repartição fiscal do exer-
cito, brigadeiro honorário, F, C. C. R por
suecessão a seus maiores, commendador da
ordem de Christo, cavalleiro da ordem de
Nossa Senhora da Conceição de Villa Viço-
sa, condecorado com a medalha portugueza
das 4 campanhas da guerra da Península e
ZEZ 2119
j com as medalhas de honra pelas batalhas e
combales de Victoria (21 de junho de 18i3)
—de S. Marcial de Urdach (4 d'agosto do
mesmo anno)— de Toulouse (iO d'abril de
1814)— sitio de Pamplona (30 de junho ató
18 de julho de 1813)— e sitio de Bayona (%7
de fevereiro a 28 d'abril de 1814).
O dicto barão nasceu no Porto a 28 de
junho de 1798 e morreu em Lisboa a 8 de
outubro de 1857, havendo casado no Porto
em primeiras núpcias a 15 de junho de
1829 com D. Maria Elisa Ganhado Vieira
Pinto e em l^gundas núpcias em Lisboa, a
20 de janeiro de 1849, com D. Constança
Emilia Jaeques de Vaseoncellos e Menezes,
baroneza d' Almeida, que ainda hoje vi-
ve e nasceu a 7 de setembro de 1820, sendo
filha de José de Vaseoncellos e xMenezes Ja-
eques de Magalhães Lobo, F. C. R., e de sua
mulher D. Antónia de Lima Barreto d'Al-
meida Coelho.^
O barão teve os .irmãos seguintes:
— Francisco, já mencionado.
—Guilherme d'Almeida e Silva, que mili-
tou também na guerra da Península e nas
guerras civis posteriores, chegando ao pos-
to de general de cavalleria.
Casou com D. Ismenia d'Almeida e Silva,
da qual teve 2 filhos que morreram em vi-
da do pae. Depois separou-se judicialmente
da esposa e esta teve differentes filhos na-
turaes.
^ V. Resenha das familias Ululares pelo
commendador Albano da Silveira Pinto,
muito dignamente continnada pelo sr. vis-
conde de Sanches de Baêna, tomo 1.» nag.
42. , ^ ^
O barão teve do seu matrimonio ape-
nas l filho— Antonio Thomaz Vieira Pinto
d' Almeida— que foi 2> barão d*Almeida; —
do 2.» matrimonio teve uma filha e 3 filhos.
O 2." barão d'Almeida nasceu em 1829;
casou em 1857 com D. Maria Amélia de Ná-
poles Noronha da Veiga e teve 6 filhas to-
das Manas't\ . .
Com relação á guerra da Península, vide
Gojim, vol. 3.» pag. 284, col, 2.» e segg.— e
Passos da Serra, vol. 6.» pag. 502, col. 2.*
2120 ZEZ
ZEZ
—D. Feliciana d'Almeida e Silva.
Casou com José Taveira e teve suecessão.
— D. Joaquina d' Almeida e Silva.
Casou era Ponte de Lima com José Mau-
ricio d'Abreu e Lima e teve duas filhas:—
uma casou e falleceu, deixando suecessão;
—a outra, D. Eulália, ainda se conserva
solteira e com boa fortuna.
— D. Anna Eulália, que falleceu solteira
e também rica.
— M. Jacintha.
Casou e falleceu sem suecessão.
— p. Rita. •
Casou e, fallecendo já viuva e sem filhos,
instituiu por universal herdeira uma eria-
dal...
O barão tinha muito valimento e muitas
relações em Lisboa, inclusivamente no cor-
te. Foi muito estimado e muito considera-
do pela rainha D. Maria II, por el rei D.
Fernando e pelo chorado rei D. Pedro V,—
e era uma exeeliente pessoa, muito honra-
do, muito prestimoso e muito amigo dos ir-
mãos todos, nomeadamente do Francisco.
Foi padrinho do 1." filho que este leve e,
quando lhe recomendava qualquer preten-
ção, o deferimento era rápido e certo, pelo
que Francisco d'A!meida e Silva era o anjo
tutelar de Baião, — muito estimado e muito
respeitado em todo o concelho. Além d'isso
administrava muito bem a sua casa, mas,
fallecendo muito novo, aproximadamente em
1848, a viuva, sendo aliás uma exeeliente se-
nhora, muito virtuosa e muito bondosa, com-
promelteu completamente a sua casa e, fal-^
lecendo em 1877, deixou os filhos expostos a
duras eontingenciasl ...
Eram elles os seguintes:
— 1>. Anna e
— D. Helena, ainda solteiras.
— D. Ismenia, casada e c. g.
— D. Ermelinda e
— D. Margarida,— casada, mas s. g.
— Francisco d'Almeida e Silva, que mor-
reu solteiro.
—Guilherme d*Almeida e Silva Sarmento,
que ainda vive.
Casou em Gestaçô com D. Rosa Cândida
Pinto Pereira, irmã do morgado dos Ferrei-
ros; não tem filhos, e vive em Anquião,
junto de Mesão frio.
— Dr. Antonio d'Almeida e Silva, bacha-
rel formado em direito.
Era um talento superior e foi alguns aa-
nos o advogado de Baião; depois casou;
seguiu a magistratura e, sendo ainda novo
e delegado em Macedo de Gavalleiros, en-
doudeceu e passado pouco tempo falleceu,
aproximadamente era 1868, deixando a viu-
va e filhos em precárias circumstaneiasl...
O irmão Guilherme, afilhado do tio gene-
ral do mesmo nome, é também um talento
superior, mas nunca tirou partido d'elle, por
ser muito excêntrico.
A mãe tentou ordenal-o e ainda estudou
o latim na Regoa e no seminário de La-
mego.
Faz versos (?) e tem pronunciada voca-
ção para musica e para artes mecânicas.
Toca muitos instrumentos, nomeadamente
rebeca e por curiosidade concerta e faz re-
beeas, algumas das quaes nós vimos na ex-
posição de industrias caseiras que a Socie-
dade de Jnstrucção do Porto realisou ha
annos no palácio de cristal d'aquella cidade.
Confundem-se com as dos bons mestres.
Também compõe musica,- valsas, polkas,
mazureas, etc. e no momento tem no Porto
em via de publicação umas variações da
chula rabêlta ou chula do Douro, muito
usada nos concelhos de Baião, Canavezes,
Sinfães e Resende. É muito linda e bastante
difflcil, sendo bem tocada, como elle a toca,
pois é sem contestação o 1." chuliante do
Douro.
Nunca teve professor de rebeca, mas tira
d'ella muito partido, v. g.— com uma chave
ou uma navalha atravessadas sobre as cor-
das junto ao cavalete, imita perfeitamente
uma sanfona, illudindo quem o não vé to-
car.
O irmão Francisco e duas das irmãs tam-
bém tocavam rebeca— e o irmão doutor to-
cava muito bem flauta.
Desculpem-nos estas minudencias, porque
ZEZ
devemos muita affeição e muita gratidão a
esta casa. N'ella folgámos muito durante as
ferias da nossa formatura e ainda posterior-
mente, pois foi nosso contemporâneo na
Universidade e sempre muito amigo o po-
bre dr. Antonio d'A[meida e Silva, que ter-
minou a formatura em 1861.
Não lográmos conhecer o pae, mas co-
nhecemos de perto a família toda e toda nos
estimou sempre muito.
Ainda um fado:
Estando nós um dia n'esta (juinta, fomos
passeiar até á estrada de Frende, que a
corta de norte a sul. Encontrámos ali um
mendigo (?) que parou contemplando a quin-
ta já então em decadência, e depois com as
lagrimas nos olhos disse:
- Que falta fez o sr. Francisco d'Aimei-
dal...
— E V. conheceu- o?
— Gonheci-o muito bem. Era um santo!
Quando um pobre lhe pedia qualquer favor,
parece que até os fatos se lhe riam.
E chorou, como dós choraríamos, se hoje
ali voltássemos.
Vão decorridos roais de 30 annos e ainda
nos parece ver e ouvir o pobre velho.
Não nos recordamos de elogio tão espon-
tâneo, tão singelo, tão despretencioso e ao
mesmo tempo tão pomposol . . .
O 1.» barão d'Almeida pertencia a uma
nobre familla do Porto, cognominada íhe-
soureiros, por que foi seu pae Antonio Tho-
maz d'Almeida e Silva, F. C.. R., cavalleiro
professo da Ordem de Christo, escrivão do
Donativo de 4 por cento na alfandega do
Porto, coronel de infanteria graduado, the-
soureiro geral das tropas das tres provin-
das do norte e do partido do Porto. Casou
com D. Anna Margarida Vieira da Cunha,
filha de Jacintho Gomes de Carvalho, C, P.
O. de S. Thiago e monteiro mór da villa de
Melres, onde tinha boa casa, e de sua mu-
lher D. Maria Pereira da Cunha.
ZEZ 2121
Antonio Thomaz, na qualidade de thesou-
reiro geral das tropas e do partido do Por-
to, quando os francezes invadiram aquella
cidade em março de 1809, salvou com gran-
de riíco da i)ropria vida todos os papeis da
sua repartição e a caixa militar com duzen-
tos quarenta e seis contos trezentos e cin-
coenta mil setecentos sessenta e oito réis,
que fez recolher no convento cruzio da Ser-
ra do Pilar e depois entregou aquella gran-
de somma ao 1.° conde d'Amarante Silvei-
va, então general e commandante das forças
militares portuguezas.
Este honrado tliesoureiro era filho de
Mauricio d'Almeida, escrivão da conserva-
tória da real junta do commereío de Lisboa,
casado cora D. Anna Thereza Braga Xavier;
— e Mauricio d'Almeida era filho de Diogo
d'Almeida e Silva e de D. Thereza Maria da
Cunha.
Eis aqui uma leve resenha dos filhos, ir-
mãos, paes e avós de Francisco d' Almeida
e Silva, ultimo dono da quinta do Erve-
dal.
Velharias
Alem das m-^neionadas supra, quando
fallámos da matriz e da quinta de Guima-
rães, mencionaremos mais algumas.
Ha n'esta freguezia 2 montes:— ura deno-
I minado Crasto (Castro) e outro Revél ou
i monte do Facho, porque n'elle ouir'ora se
accendiam fachos em tempo de guerra, co-
mo ainda nos princípios d'este século se
accenderam por occasião da guerra da Pe-
nínsula.
Demorara em sitio alto. O 1.» dista da
egreja matriz cerca de 300 metros para N.
0;~o 2.» distará do l.« 250 metros para O.
e ambos distam da estação da Ermida apro-
ximadamente 2 kilometros para N.
O monte do Crasto foi um castro romano,
pois na raiz d'elle, cerca de 100 metros a
juzante, corre de poente a nascente uma es-
trada que conduz à egreja, Frende e Bar-
queiros e a Mesãofrio, Cidadelhe, etc.,— es-
trada muito antiga, qne talvez esteja subs-
tituindo a velha estrada romana do Porto a
2122 ZEZ
ZEZ
Cidadelhe, Panoias, Lamego, Caria, etc. por
Caoavezes e Baião *
Alem d'isso do dicto monte se téem en-
contrado muitas velharias, bem como nas
parochias circumvisinhas.
Em carta que tenho prezente diz o sr. J.
Leite de Vasconcellos, distincto antiquário
contemporâneo, o seguinte:
«Na parocbia de Santa Marinhado Zêze-
re ha dois silios que revelam vestígios an-
tigos: um é o sitio do Crasto; o outro a
quinta de Guimarães.
O é um verdadeiro castro, e segundo
a tradição, lá téem apparecido varias anti
galhas. Eu tive conhecimento directo de
duas, aliás valiosas, que por minha indica-
ção param hoje (1889) no museu do sr.
Martins Sarmento, da cidade de Guimarães.
São ellas duas figuras de pedra, uma re-
presentando um homem decapitado (por in-
sultos do tempo) e representando a outra
um quadrúpede indeterminado.
O individuo eslá vestido, mas não posso
agora dizer o que .«igniíique. O quadrúpede
pertence certamente a uma classe de aoi-
maes que apparecem bastante no nosso paiz,
já em pedra, já em metal, e que, a meu pa-
recer, são animaes votivos em honra de al-
guma divindade, se não são propriamente
Ídolos: mas inclino-me mais á primeira opi-
nião, em virtude de certos factos que co-
nheço.—Tudo isto pertence sem duvida á
antiga Lusitânia.
«A quinta de Guimarães parece ter sido
um cemitério da epocha luso-romana, a jul-
gar pelos tijolos das sepulturas. N'estas ap-
pareceram ossadas, mas o vandalismo dos
trabalhadores não só as destruiu, como tam-
bém as sepulturas. Apenas possuo dois fra*
gmentos ósseos, sendo um do osso do ro-
1 y. Cidadelhe, Mesãofrlo, Villa Jusã e
Villa Marim.
chedo (ouvido). Támbem um tijolo com uma
lettra, se bem me recordo é um A. ..
Agora em Frende, que fica contigua, en-
contrei no sitio do Castello,^ uma ioteres-
santissima pedra da epocha luso romana e
que representa um sacriãcio de um toiro.
Esta pedra tenho-a eu.
Em Gestaçô, que também fica perto de
Santa Marinha, appareceram ha annos uns
dois alqueires de moedas romanas cobertas
por uma pedra com um signal e dentro de
vasilhas de barro. D'estas tenho algumas»
que são todas pequenos bronzes de Lons-
lantino, etc.^
Em S. Thomé (de Covellas, concelho de
Baião) ha ura castro chamado de Mantel,^
onde os vestígios de muralhas e fossos são
muito claros.
Ao pé de Agrellos (freguezia de Santa
Cruz do Douro, concelho de Baião também)
ha outro castro, aonde ainda não fui, mas
não longe do qual encontrei um machado
1 O sitio e a pequena aldeia do Castello
demoram em frente e ao s-ul da quinta do
Erveial, na esquerda do no Teixeira, não
longe da confluência d'e.ste rio com o Dou-
ro, no pontal que os dois rios formam, sitio
alto e muito defensável para os tempos d'ar-
mas brancas, pois tem pendente rápida, fra-
gosa e muito escabrosa sobre os 2 rios e é
só accessivel a E. ou do lado de Frende.
Tem uma capella publica de S. João, com
festa e romagem no dia 24 de junho — e a
dieta povoação desde tempos muito remotos
pertenceu à freguezia de Gestapo, muito dis-
tante, mettendo-se de permeio as de Loi-
vos, Tresouras e Santa Marinha, mas no
melado d'este século (1850) passou para a
freguezia de Frende, muito próxima.
P. A. Ferreira.
2 Eu também obtive 70 dos dietos bron-
zes e um fragmento da vasilha onde esta-
vam metlidos, — fragmento que offereci ao
Museu Manicipal do Porto e lá pôde ver-se.
P. A. Ferreira.
» Este nome figura na lenda que logo ha-
vemos de contar e que prende com o castro
de Santa Marinha.
P. A. Ferreira.
ZEZ
de pedra (partido) da época prehistorica
(neolithica).
Na freguezia de Santa Cruz, ao pé de Ce-
dofeita, também vi vários fragmentos cerâ-
micos com caracteres muito archaicos.
Para o Gôve (freguezia do mesmo conce-
lho de Baião) também ha um castro, mas lá
ainda não fui.
«Na freguezia de Ancede (concelho de
Baião também) apparecem egualmente mui-
tas antiguidades.
Na quinta de S. João (concelho do Douro,
freguezia de Santa Cruz de Baião) ha duas
sepulturas de pedra, chamadas as pias (ca-
vadas na rocha).
Ao pé de Covellas encontrei eu dois pu-
caros egualmente com vestígios muito anti-
gos.
Eis aqui o que de memoria posso dizer.
O que se vê é que toda essa região é fér-
til em antiguidades.
Santa Marinha principalmente dava mui-
tas, se fosse explorada.
José Leite de Vasconcellos.-
Mais velharias
Também sabemos que no alto de Baião,
não longe de Santa Marinha, ha dolmens ou
antas e na paroehia de mriz, também con-
celho de Baião, ha uns penedos, denomina-
dos cornudo».
V. Vianz, tomo 10.» pag. 466, col. 2."
Mencionaremos 2 dos diclos dolmens:
O 1." está na Portella âe Miro (nome go-
do) freguezia de Valladares, a montante das
aldeias de Godinho e Diagares, junto da an-
tiga estrada, talvez romana (?) de Santa Ma-
rinha para Campéllo, Canaveses, etc.,— a N.
d'ella e distante apenas 10 a 11 melros.
No dicto dolmen se abrigam em tempo de
chuva os transeuntes, tanto pedestres, como
cavalleirosH . . . Ea distancia de um kil.
para O. ha um grande penedo equilibrado
sobre outro penedo, no monte de Villares.
Talvez seja um penedo baloiçante.
O 2.» dolmen está na freguezia de Gove,
ZEZ 2123
junto da antiga estrada de Baião para Ca-
naveses, etc— lado N. e em sitio deserto.
E' maior do que o i.» e ali oulr'ora ss
acobertavam os salteadares.
Tau bem nos consta que no monte do Cas-
tello de Frende ha sepulturas abertas na ro-
cha, como as da quinta de Guimarães.
Revelam também muita antiguidade os
nomes de Brete, aldeia d'esta freguezia, —
Arufe, povoação muito próxima, pertencen-
te a J^oivos da Ribeira,— e o nome de Revét,
dado ao monte do Facho.
Brete vem de Breto, nome de homem usa-
do nos principies do sec. xi.
No Portug. Monum.—Diplom. et Chartae,
pag, 122 e 123, se acha um documento da
era 1046, anno 1008,— no qual entre os con-
flrmantes se encontra assignado Breto (sic).
Arufe talvez provenha de Arulfus, nome
de homem usado também nos princípios do
sec. XI.
No mesmo Port. Monum. pag. 211, se
acha um documento da era 1083, — aimo
1045, no qual, entre muitas assignaturas se
encontra a de Arulfus Presbiter (aic)— pa-
'dre Arulfo. D'aqui Arulfe e Arufe.
Também Marlés na sua interessante His-
toria da invasão da Peninsula pelos árabes,
tomo l.« pag. 320, menciona Abdelruf, que
sem grande violência podia transformar-se
em Arufe.^
^ Coincidência:
Na extremidade E. da paroehia de Santa
Marinha ha junto da quinta de Guimarães a
povoação de Miguas, que é muito antiga e
parece que foi villa outr'ora, pois ainda tem
um sitio denominado Praça, outro denomi-
nado Pelourinho e outro denominado Araes
com uma casa, um quintal e uma fonte de
bella agua nativa.
A pequena distancia da dieta casa dos
Araes eneontra-se a aldeia de Arufe na ex-
tremidade O. da freguezia de Loivos da Ri-
beira,— e na paroehia de Frende, limitrophe
das de Santa Marinha e Loivos, não longe
da aldeia de Arufe, a menos de 1 kil. da
margem esquerda do rio Teixeira, ha um
casal com o nome de Vfe.
Demoram a pequena distancia Araes, Aru-
fe e Vfe—Q este ultimo nome é também ara-
2124
ZEZ
A mesma freguezia de Loivos muito pro-
vavelmente vem de Lobia, Dome árabe lam-
bem.
V. Marlés, tomo 1.» pag. 334.
Revél ou Revelle muito provavelmente vem
de Revelle, nome próprio de homem, usado
também nos princípios do sec. xi.
No mesmo livro do Portug. Mommenta,
pag. 132 e 133 se acha um documento do
anno 1012, no qual entre as testemunhas se
encontra assignado Renelle ou Revelle (sic).
A pag. 73 se encontra um documento do
sino 976 cora a assignatura de Ravelle—e
temos no nosso paiz differentes aldeias, ca-
saes, quintas e sitios com os nomes de Ra-
bélla, Rebélla, Revelles—e Revel (sie) aldeia
da antiquíssima parochia das Tres Minas,
concelho de Villa Pouca d'Aguiar.
Também temos differéntes aldeias, casaes
e quintas com os nomes de Rébella e Rebel-
las, que teem muita afinidade com Revel.
Revélla e Revéllesfl . . .
O mesmo nome de Baião, antigamente
Bayão, provem talvez de Ben-Hayan, nome
de um árabe que figurou na invasão da pe-
nínsula.
V. Marlés,tomo 1.» pag. 473.
E muito provavelmente a freguezia de
Trezouras, limitropheda de Santa Marinha,
tomou o nome de Trezoy, nome godo, ou
rousarabe.
E alem-Douro, em frente de Santa Mari-
nha, temos nós Rezende, que vem do godo
Rauzendo, ascendente dos Tavoras,— Ren-
ZEZ
dufe de Randulfo, nome godo também, — e
CoUas, que vem do árabe Cotan nome pró-
prio d'um mouro que figurou na invasão da
península também.
V. Marlés, tomo 1 " pag. 162.
Também Viariz, freguezia d'este concé"-
Iho de Baião e muito próxima da de Santa
Marinha, muito provavelmente tomou o no-
me de Viarizi, patronímico de Viarigo, no-
me godo.
Encontra-se em documentos dos annos
973, 992, 1034, 1044 e 1045.
V. Port. Monnm. 1. cit. pag. 68, 102, 173,
204 e 211.
Na freguezia de Valladares, limitrophe da
de Santa Marinha, temos nós as aldeias de
Bruzende, Forjão (de Froião) e Godinho, no-
mes godos,— e o monte da Portella de Miro,
nome godo também.
N'e8la mesma parochia de Santa Marinha
do Zêzere os nomes das' quintas de Alvites,
Barbedo e Pepimi são godos.
São também godos talvez os nomes das
aldeias de Abesudes, Geremil, Buruzende e
Nuzilhães, pertencentes à freguezia de Via-
riz,
É também godo o nome de Gavinho e ára-
be o nome de Mafomedes, aldeias pertencen-
tes á freguezia da Teixeira, d'e8te concelho
de Baião.
São também godos ou musarabes os no-
mes de Queixom.il, ou Creixomil, Agrellos
(talvez de Argelo 2) Casal á' Eiro {Ero ^}
be cois entre os mouros que invadiram a
península se encontram Abu e Hm, Jussuf e
^ V*. Marlés, tomo 3." pag. 382.
De Iben ou Ben Abu (Benabo) provem tal-
vez n nome da freguezia de iVafto, concelho
de Villa Flor em Traz os Montes-e Fí/ja
Flor provem talvez de Villa Froila villa de
Froila, nome ftodo) depois Villa Frol-e por
ultimo Vil' a Flori...
V. Zava n'e9te diccionario.
1 Pepino foi pae de Carlos Magno—e Pi-
piuio Gemendia subscreveu um documento
do anno 1022. .
Portvg. Moaum. liv. cit. pag. 15b.
Também Pepi se encontra assignado em
um documento do anno 1012.
Op. cit. pag. 134.
2 Donna Argelo figura no mesmo docu-
mento do anno 1012— já citado.
3 Em um documento do anno 1014 assi-
gnou Froil Erotiz (Froila, filho de Ero).
Op cit. 141.— E ali mesmo, pag. 190, se
encontra outro documento em que assigna
Ero.
ZEZ
ZEZ 2125
Gaia, Cedofeita, Lazarim, Villa Monim, ete.
aldeias^ easaea e quintas pertencentes á fre-
guezia de Santa- Cruz do Douro,
São também godos os nomes de Casal
d' Arão e Tolòes ou Telões} aldeias da fre-
guezia de Loivos do Monte.
É árabe o nome de Maçores,^ aldeia da
fregaezia de S. João d'Ovil, também d'e8te
concelho.
E' também árabe o nome de Villa Moura
e godo o àQ' Sernande, aldeias da freguezla
do Grillo.
E' também godo o nome de Gozendej al-
deia da freguezia de Gove.
E' árabe o nome de Alçarias — e godo o
de Sande,^ aldeias da freguezia de Gestaçô.
E' lambem godo o nome de Mirão, aldeia
casa e barca da freguezia de S. Thomé de
Covellas.
Em um documento do «anno 982 figura
como testemunha Mirone — e em outro do
anno 987 assigna também como testemunha
Mir ónus.
Portug. Monum. loc. cit. pag. 83 e 96, —
e na freguezia de Valladares ha um monte
denominado Portella de Miro, que tem mui-
ta afiSnidade com Mirão. 1
Revelam também muita antiguidade o no-
me de Gem, aldeia — e os de Martigo, Fra
gueta e Lobazim ou Loí;azíw,^casaese quin-
tas da mesma parochia de S. Thomé.
O nome de Palia, aldeia da freguezia de
Santa Leoeadia de Baião, é godo e foi nome
próprio de mulher.
1 Em um documento do anno 1035 figura
Telon, cujo patronímico era Teloniz.
Op. cit. pag. 175.
2 Maisor é nome de um mouro que figu-
rou na invasão da Península.
3 Sando figura em um documento do an-
no 1033.
Portug. Monum. liv. cit. pag. 172.
Sandus foi notário em outro documento
do anno 987.
Op. cit. pag. 96.
* Ha também no Alto-Douro uma quinta
soberba, denominada Lomzim.
V. Vitlarinho da Castanheira, tomo 11."
pag. 1340.
YOLUMB XI
No Portug. Mouum liv. cit. pag. 74, se en-
contra um documento do anno 976, no qual
figura Enderkina Palia,— e em outro docu-
mento do anno 1040 (pag. 190) figura tam-
bém uma sr.« D. Palia.
Na freguezia de Ancede se encontra tam-
bém uma aldeia com o nome de Palia.
Do exposto se vê que os mouros e os go-
dos tiveram demorada residência n'esta pa-
rochia de Santa Marinha e n'este concelho
de Baião.
Velharias de outra ordem
Pergaminhos
Como já dissemos supra, esta parochia no
sec. XVI foi da apresentação dos jesuítas de
Évora e de Coimbra, como prova o Catalo-
go dos pei^gaminhos do cartório da Univer-
sidade, feito em 1880 pelo sr. Gabriel Perei-
ra d'Evora e publicado no mesmo anno em
Coimbra na Imprensa da Universidade.
Ali (pag. 29, n.» 7) se aponta um perga-
minho de 1544, que versa sobre a união
d'esta egreja e das suas rendas por 30 aonos
j no eollegio d'Evora.
Sob o n.* 9 aponta outro pergaminho de
1549, que é um breve relativo ao eollegio
de Coimbra e à união d'esta egreja ao dieto
eollegio.
Como o dicto doepraento falia de Marinha
(Santa) alguém julgou que tratava de mari-
nhas de sal e escreveu de salinas'i\ . . .
Sob o n." 22 (pag. 30) aponta outro docu-
mento do anno 1565.
Traeta da união doesta parochia ao eolle-
gio de Coimbra.
Sob o n.» 23 aponta outro pergaminho de
1566: — Bulias executórias para união do
eollegio de Coimbra e Santa Marinha do
Zêzere.
Sob o n.° 24 aponta outro pergaminho de
1568.
E' um breve de confirmação para os pa-
dres da Companhia administrarem o seu
eollegio e a egreja de Santa Marinha do
Zêzere, para 15 clérigos ou sacerdotes se
instruírem,— e para fundação da capella da
Vera Cruz na Sé, com 28 capellães, etc.
134
2126 ZEZ
ZEZ
A furna dos mouros e a lenda
Entre o monte do Crasto e o do Facho^
ou de fíevel, mencionados supra, no ponto
mais baixo da quebrada que os divide, — ha
uma gruta, que o povo denomina Furna dos
Mouros e que os sonhadores de lhesouros
julgam encerrar grandes preciosidades.
Dizem elles muito convictos:
Entre o Crasto e Revel
Está o thesouro de Maria Mantel}
Carrega sete burros azeméis
E outros tantos, se quereis.
E' isto o que dizem a lenda e a visi-
nhança.
Nós visitámos a dieta gruta em 9 de ju-
lho de 1887 e podemos dizer o seguinte:
E' formada por paredes de rocha nativa
(granito) prolongando-se de S. a N. e tendo
a bocca a S.
Está no leito de um ribeirinho que ali
passa e corre fundo, jorrando a agua atra-
vez d'um acervo de penedos entalados entre
as paredes lateraes e que formam o tecto da
pequena gruta.^
Terá de comprimento 5 metros; i°',30 a
i'°,50 de altura; —1 metro de largura na
bocea e 2 metros de largura no interior.
Depois estreita e terá 0'°,bO de largura, 2
metros de altura e 3 de comprimento por
entre paredes de rocha nativa, lisas e pa-
rallelas, seguindo-se uma fenda ainda mais
estreita e mais alta,— tudo transudando agua
que do tecto eahia como ehnva grossa, quan-
do a visitámos— no rigor do verão, pelo que
1 Na freguezia de S. Thomé de Covellas
limitrophe e visinha d'esta, ha também um
castro com o mesmo nome de Mantel, como
já dissemos supra.
Note-se também que Maria Mantel figura
em outras lendas do nosso paiz. Este diccio-
nario já mencionou algumas.
2 O dicto ribeirinho denomina-se ribeiro
de Fontello, porque vem da povoação de
Fontellas;—to(i3L na de Fontello; — passa ao
poente das Casas Novas — e morre no Zê-
zere (margem direita) no sitio da Sernada.
não passámos da ante-camara, para não nos
molharmos, pois não iamos prevenidos com
roupa própria nem dispostos para tomarmos
um banho de chuva.
No inverno mal deve poder visitar-se, por
estar precisamente no leito do ribeirinho.
A sobre-earga é pequena. Dois jornalei-
ros em um dia punham-na toda a desco-
berto.
Nós não nos demorámos nem fizemos es-
cavação alguma.
E' possível que a dieta gruta na sua ori-
gem fosse uma ponte celta ou pre-celta, for-
mada de pedras toscas, para ligar entre si
os dois montes, talvez 2 castros, cuja raiz m
illo tempore devia ser mais abrupta e mais
funda, — e talvez que a terra e pedras caí-
das dos 2 montes a inutihsa&sem e entu-
lhassem, como hoje se vê, transformando a
ponte em gruta. •
E' possível, mas pareceu-nos que a dieta
furna é natural, feita pela infiltração das
aguas do ribeiro, á imitação das furnas da
Serra da Estrella, a jusante da Lagoa da
Paxão, furnas que nós também já visitámos
em agosto de 1881, quando ali estivemos
com a Expedição Scientifica,^ e das quaes
é uma miniatura esta de Santa Marinha.
Rios e ribeiros
Como já dissemos, banham esta parochia
08 rios Douro, Teixeira e Zêzere — e o ribei-
ro de Silva Rosa, que a divide da de S. Tho-
mé de Covellas e desagua no Douro junto
do caes de Mirão e do grande penedo da
Viola, onde tem uma ponte na linha férrea.*
O Zêzere dá o nome a esta freguezia, por
que a corta de N. a S.; vem da freguezia de
1 V. Zêzere, rio da Beira Baixa, n'e8te
diccioDario, onde faltaremos da dita serra e
da dieta espedição.
2 Na margem direita do Silva Rosa ha 2
casaes que também pertencem á freguezia
de Santa Marinha do Zêzere. São os casaes
de Alvites, do dr. Manoel Antonio Vieira,
de Rezende.
ZEZ
ZEZ 2127
Viariz; recebe à esquerda o ribeiro Patacão,
vindo de Gestaçô;— à direita os ribeiros de
Fontello e S. Pedro — e desagua no Douro
ao poente e junto da casa nobre da Ermi-
da, tendo de curso total 5 a 6 kilometros^—
uma ponte de pedra com 2 arcos e muito
antiga na aldeia das Lages; — outra nova e
com taboleiro metálico na linha férrea do
Douro.
Move muitos moinhos, rega muitos cam-
pos e é temeroso no inverno e em tempo de
trovoadas, porque desce precipitadamente
d'aUos montes, caminhando de Norte a Sul.
O rio Teixeira já foi descripto pelo meu
antecessor.
V. Teixeira, rio, vol. 9.» pag. 522, col.
2.»
Apenas faremos algumas rectiflcações e
addições áquelle artigo;
Nasce na serra do Marão junto da fre-
guezia de Candemil\ corre na direcção
geral N. S. até à villa de Mesãofrio; de-
pois caminha para S. O. e desagua no Dou-
ro junto da povoação da Ermida, lado
E., tendo de curso total 20 a 25 kilome-
tros.
E' muito abundante d'agua, mesmo no
verão; — banha as freguezias de Gande-
mil, Anciães, Gameiro, Teixeira, Teixeiró,
Mesãofrio, Gestaçô, Villa Jusã, Barqueiros,
Tresouras, Loivos da Ribeira, Frende e San-
ta Marinha, todas do concelho de Baião, ex-
cepto as 3 primeiras e Mesãofrio, Villa Jusãe
Barqueiros. As de Villar Maior (aliás Villa
Maior) Varga (aliás Vargea ou Várzea) An-
guião (aliás Anquião) e Ervedal, menciona-
das pelo meu antecessor, não são freguezias,
mas simples aldeias. A 1.° e 2." pertencem
á freguezia da Teixeira; Anquião á de Ges-
taçô—e a do Ervedal a Santa Marinha.
Tem pontes antigas de pedra na Teixeira,
Loivos da Ribeira e Frende. Esta ultima
não tem arcos, mas pegões de pedra e tabo-
leiro formado de pranchões de pedra tam-
bém. Na de Loivos passa a antiga estrada
do Porto á Regoa por Baião, Santa Marinha
e Mesãofrio.
Tem uma grande ponte nova também de
pedra e muito alta em Garrapatello, junto
àe Mesãofrio, na estrada real a macadam
do Porto á Régua por Amarante e Quintel-
la.i
Tem outra ponte ainda mais nova na li-
nha férrea do Douro— e teve uma ponte an-
tiquíssima, denominada ponte Henriques^
porque foi feita por D. Affonso Henriques,
junto de Mesãofrio,— segundo se suppoe.^
Também no flm do mencionado artigo o
meu benemérito antecessor, fallando do rio
Zêzere de Santa Marinha, disse que estava
na província de Traz os Montes. Foi lapso,
pois demora todo no concelho de Baião, dis-
tricto do Porto, província do Douro.
O rio Teixeira é um viveiro de trutas de-
liciosas e de sanguesugas magnificas muito
procuradas e muito estimadas pelos phar-
maceuticos.
Com relação ao rio Douro, vejam-se os
artigos Douro, Pontos do Douro, Villa Sec-
ca d' Armamar, tomo II.» pag. 1059, col.
e segg. — Viseu no mesmo vol. pag. i704,
col. 2.»— e no tópico supra,— Casas e quin-
tas principaes,—& S.'—Casa da Ermida.
Para evitarmos repetições, apenas accres-
centaremos o seguinte:
Esta parochia apenas eomprehende na
margem direita do Douro 2584 metros des-
de a foz do Teixeira aié á do Silva Rosa.
N'e8te espaço tem o Douro 6 pontos:— i4/íar,
Canedo, Figueira Velha, Cadão, Buraco e
Côbreiro, junto do penedo da Viola, todos de
triste renome, pois teem sido medonhos sor-
vedouros de barcos e de vidas.
O de Cadão não é hoje dos mais perigo-
sos, depois das muitas obras que em diver-
sas datas n'elle se fizeram, mas ainda assim
é perigoso e faz arripiar os cabellos, porque
1 V. Villa Jusã, tomo 11.» pag. 768, coL
2.»
2 V. Villa Jusã, loc. elt. pag. 767, col.
E teve também outra ponte de pedra
muito antiga na sua foz, junto do Douro.
Foi destruída por alguma grande cheia,
talvez pelo mesma cheia que levou a ponte
Henriques e a velha ponte de Frendefl . . .
2128 ZEZ
ZEZ
a agua ali tem queda muito rápida e forma
cachoeiras que cobrem os bareosi . . . Alem
d'Í8so os barcos teem de passar entre 2 pe-
nedos muito próximos que estão na galeira
debaixo d*âgua, denominados aguilhões — e,
se tocam em qualquer d'elle8, desfazem-se
em estilhasi . . .
Quando el-rei o sr. D. Luiz, em 1877 foi
a Vidago e desceu da Regoa até o Porto, em-
barcado pelo Douro, só n'este ponto de Ca-
dão saltou em terra.
A linha férrea matou a navegação do
Douro e a poesia (?) d'aquelle é dos outros
pontos. Mal se imagina as sensações que
experimentava quem os transpunha, como
nós transposemos muitas vezes desde o Te-
do até o Porto— e uma vez desde a foz do
Sabor até á do Tua, deixando quasi sempre
a bombordo ou estibordo barcos feitos em
estilhasi . . .
Pesqueiras
Tem esta parochia nas agoas do Douro
as pesqueiras seguintes:
!.• — Frieira.
E' natural e está na foz do Teixeira.
2. " — Coucinho, na foz do Zêzere.
3. » — Corvo, ambas naturaes.
4. » — Canedo,
h.*— Lagoas.
6. »— Chanoca (?) no ponto de Figueira
Velha.
Estas 3 são carnes ou meeiros, artifieiaes.
7. '—Bulhos de Santa Anna.
E' natural e formada no inverno, como
outras muitas, por bulhos medonhos e tão
violentos, que levantam o peixe e vae cair
nas redes.
Algumas d'esta3 pesqueiras e outras do
Douro são perigosiâsimasi
Demandam pescadores práticos e corajo-
sos até á temeridade e muitos n'ellas teem
perdido a vida!. . .
Costumam n'ellas caçar lampreias, sáveis,
savelhas, mugens, barbos, enguias, bogas,
trutas, etc.
Moinhos, azenhas e engenhos
Ha n'esta parochia 34 moinhos de ce-
reaes, todos movidos por agua,— 9 azenhas
(moinhos de azeite) sendo 8 movidas por
gado e uma por agoa,— e 2 engenhos de fa-
bricar linho, movidos 1 por agoa e outro
por gado.
Dos moinhos de pão pertencem 2 á quin-
ta do Ervedal, 2 á da Ermida, 2 á povoação
do Sernado, 2 ao logar da Cartida, 3 ao de
Fonseca, 4 ao das Lages, 4 á quinta de En-
tre Aguas e 6 ás Casas Novas. Os restan-
tes estão dissiminados pela freguezía e per-
tencem a dififerentes donos.
Edifícios brazonados
Tem esta parochia 3:— quinta de Guima-
rães, Casas Novas e Travanca.
Presbyteros
Ha n'esta pârochia actualmente apenas
um, filho d'ella, — o reverendo Antonio de
Moura Coutinho,— venerando ancião da casa
das Quintãs, em Fonseca.
Já tem aproximadamente 80 annos. *
O reverendo abbade é de Villa da Feira.
No meiado d'este século contava esta pa-
rochia os seguintes padres:
—João da Cunha Coutinho e
—Francisco da Cunha Coutinho, ambos
das Casas Novas e irmãos de Carlos Candi-
do da Cunha Coutinho, mencionado supra.
— Antonio Joaquim de Carvalho, das Co'
rujeiras.
— José d' Azevedo, de Real.
—Joaquim d'Azeredo Lobo, de S. Pedro.
—Antonio Luiz d'Araujo, de Villa Jusã.
— Antonio d'Almeida Carvalhaes, abbade
de Valladares, e
— Francisco d' Almeida Carvalhaes, da ca-
sa de Travanca, irmãos dos doutores, e de-
zembargadores Luiz José d'Almeida Carva-
lhaes e Manoel d'Almeida Carvalhaes.
—Domingos Lopes Monteiro, irmão do
dr. Antonio Fabrício, de Cadeade.
* Falleceu em 1888! . . . Não conta pois
actualmente esta freguezia presbytero al-
gum, filho d'ella.
ZEZ
ZEZ 2129
Falleeeu no anno de 1887 em Valladares,
coDtaado cerca de 100 annos.
Bacharéis formadçs
Conta esta parochia actualmente apenas
dois, ambos formados em direito:
—Antonio Camillo d' Almeida Carvalho,
dono da casa da Ermida, mencionada su-
pra, e
— Francisco da Cunha Coutinho, Qlho na-
tural de Felix da Cunha Coutinho, irmão de
Carlos Candido, das Casas Novas, mencio-
nado supra.
E' uma excellente pessoa, e formou-se em
1857; foi administrador do concelho de Mi-
randella, em Traz os Montes e d'este conce-
lho de Baião; é advogado; casou com D.
Maria Rosa da Paz Moreira, de Gem, fre-
guezia de S. Thomé de Covellas, filha do dí*.
6 vive na dita aldeia
de Gem, na casa da Torre, que elle comprou
e que era da familia Costas, da casa da £o-
ííca,— familia oriunda do Porto, a qual havia
comprado e restaurado a velhíssima casa da
Torre, que tem paredes de granito com 2
metros do espessura.
Industrias
Ás d'esta freguezia reduzem se ás da la-
voura, creação de gado bovino e suino,
moagem de pão e de azeitona e tecelagem
de panno de linho em teares caseiros, ;
Também foi importante n'esta parochia a
industria da navegação do Douro. N'ella se
empregavam muitos barcos e muitos bra-
ços, mas decaiu, depois que se abriu á ex-
ploração a linha férrea marginal.
E' também muito antiga n'esta parochia
uma outra industria,— a das benzedeiras ou
mulheres de virtude, pelo que pedimos li-
cença para lhe dedicarmos um tópico espe-
cial:
Folklore
N'este concelho de Baião, nomeadamente
n'esta parochia de Santa Marinha e na de
Gestaçô, abundaram sempre mulheres de
virtude ou intrujonas, que exploram a es-
tupidez indígena e vivem de talhar e cU'
rar (?) toda a sorte de mal ruim, por meio
de nojentas e perigosas receitas, acompa-
nhadas de bênçãos, resas e eseonjuros— co-
mo vivem outras muitas intrujonas em dif-
ferentes pontos do nosso paiz,— nas aldeias,
nas villas e nas cidades, inclusivamente no
Porto e em LisboaV.. . .
Vamos dar uma amostra das taes recei-
tas, de todo o ponto authenticas, pois foram
colleeionadas por nós n*esta freguezia, quan-
do por aqui folgávamos durante as ferias
da nossa formatura.
Bom tempo era esse?! . . .
Desculpem-nos as palavras e phrases mal
soantes, posto que em attenção aos leitores
omittimos as receitas mais vermelhas, que
só em publicações realistas á la mede po-
deriam tolerar -se.
l.«
Para talhar sezões
A enferma deve trazer — 3 palhas da sua
cama — um bocado de uma sua camisa, já
vestida e antes de lavada — e um bocado da
pão.
«Em nome do Padre, do Filho, e do Es-
pirito Santo. — Dizem ambas — Amem.
Amigas, ide-vos embora.
Levaes pão para comera
Palha para vos deitar;
Adeus, que vos não quero tornar a ver.
Ide para o mar coalhado.
Onde não canta gallinha nem gallo.*
Isto diz-se nove vezes, rezando no fim da
cada uma, um Padre Nosso e uma Ave-Ma-
ria. Paz téco, alelluia. Depois diz-se:
«Todo o mal que n'e8le corpo entrou.
Ar de névoa, ar de cinza.
Ar de gallinha chóca, ar de cisco.
Ar de vivo em peccado.
Ar de morto excommungado,
Ar de todo o mau olhado.
Seja d'este corpo apartado.
2130 ZEZ
ZEZ
Deus te desacanhe de quem te acanhou,
Deus te desinveije de quem te iaveijou.»
Isto também nove vezes, e no fim o enfer-
mo comerá um dente d'alho e um casco de
cebola.
2. »
Para dôr ciátega (sic)
«As pessoas da SS. Trindade, são tres ;
Elias querem e podem.
D'onde o mal veio, para lá torne.
Senhora da Conceição,
Ponde aqui a vossa mão,
Sr. São José, ponde aqui o vosso pé,
Sr. São Luiz, ponde aqui o vosso oariz^
Para que lhe preste quanto fiz.
Jesus, filho de Maria,
Soccorrei-nos n'este dia.
Paz téco, alelluia.»
3. *
Remédio para a tropezia
«Toma-se tres dias em jejum, meio quar-
tilho d'agua do rio Jordão — outros tres dias,
a mesma porção d'agua da Samaritana — e
outros tres, agua de mil fontes. No fira dos
nove dias, pega se n'um aipo, tres cabeças
de arruda, tres pés de trovisco macho e
meio quartilho de vinagre forte.
Piza-se tudo muito bem pizado e pòe se
Da barriga do enfermo, dizendo:
«Oh, Santa Virgem Maria,
Tira d'este corpo a tropezia;
Milagroso S. Braz,
Arreda este mal para traz;
Milagroso São Facundo,
Leva este mal para o outro mundo,
Que não toque em mais ninguém.
Paz téco, alelluia. Amem.t
4. »
VarCL curar a nurisma
Deíta-se o doente em uma esteira nova,
cem a barriga para baixo. Pòe-se-lhe nas
cruzes, uma tíjella com agua benta e uma
cruz, dizendo:
«Em nome de Deus; amem.
Em louvor de S. Paulo bemaventurado.
De São Pedro, discípulo amado.
De São frei Pedro Dias, libaral,
Prumeiro que em Roma fez espital.
Para grandes e meninos,
Pobres, cégos, pelingrinos.
Deus lhe di3se— Pedirás,
E de mim receberás.
—Quero a nurisma curar.
Vae ao mundo por tres dias,
E diz— Manda São frei Pedro Dias
Que te vás, nurisma, embora
Com corenta Aves-Marias.
Jazuz paços; Jazuz mariatus;
Jazuz conçomatus; Jazuz enterratus.
Livrae esta creatura
Da nurisma e mais tristura.
Jazuz, filho de Maria,
Paz téco, alelluia. i
5. *
Remédio para a dôr de cabeça
Alecrim, rosmaninho, arruda, politaira^
aipo, mentrasios e segurêlha: tudo muito
bem pizado, e posto na cova do ladrão, ao
deitar da cama — e diz-se:
«Com Deus mo deito,
Aqui n'esle leito.
Deito-me doente
E levanlo-me escorreito,
Em louvor de Santa Maria,
Paz téco, alelluia.
— Amem.
6. »
Para fazer cambra (?)
«Acbam-S6 duas pedras na cabeça das
andorinhas— uma branca, outra ruiva. — A
ruiva livra de muitas enfermidades — e a
branca, trazendo a ao pescoço, livra da se-
de e faz estancar os fluxos de sangue.
ZEZ
ZEZ 2131
Desfeita em agua, e bebida, faz fazer
cambra.*
7. »
Para curar priorizes
«Beber ourina de tres Marias,
É preciso que sejam— mãe, filtia e neta.»
8. »
Para levantar a espinhella
• Na casa em que Deus nasceu
Todo o muQdo resplandeceu.
Na hora em que Deus foi nado
Todo o mundo foi allumiado.
Seja em nome do Senhor,
Esse teu mal curado.
Espinhella cabida e ventre derrubado,
Eu te ergo, curo e saro.
Em nome do Padre, Filho e Espirito Santo,
Fuja o teu mal para aquelle canto.
Em louvor dos apóstolos bemaventurados,
Santos, maríens e doutores,
Virgens, patriacas e confessores.
Anjos, arcanjos, sarafins e robins.
Amen, Jazuz, Maria, José.
Fica-te a espinhella em pé.
Santa Anna, Santa Maria.
Paz téeo, alelluia.»
9. »
Para tirar o fastio
«Em nome da Virgem Santa,
Eu te curo o fastio da garganta.
Santa Dezina (?) pariu Anna;
Santa Anna e Santa Maria,
O bom Jazus de Nazaré,
Santa Isabel a São João,
Amem, Jazus, Maria José.
10. »
Para dôr de ouvidos
Sangue de gallo novo 1
Farinha triga ou centeia 2
Clara d'ôvo 3
Agua-ardente 4
Incenso macho (?) 5
Vinagre 6
Mel de enxame novo 7
Tres dentes de alho 8
Tudo isto, se fôr apanhado na manhã do
S. João, é muito melhor.
Faz-se uma maça com estas oito cousas;
estende-se em um panno, e põe-se na bôca
do estamago, dizendo:
Santo Ouuído milagroso
Tirae me esta dõr.
Em nome do Padre Senhor,
E da Virgem Santa Maria,
Paz téco— alelluia.»
11. »
Pvra dôr do peito
Agarra-se uma cruja, e queima-se viva
com pennas e tudo. Esta cinza, bebida em
agua benta, tira logo a dôr.
12. «
Para cabruncos
«Jazuz, nome de Jazuz— S. Lazaro hia pela
serra da Cardaria -- topou com a Virgem
Maria— Perguntou que lhe faria— Apanha 3
folhas de salvaria (?) — Cospe-lhe que elle
seccaria— Reza um Padre nosso e uma Ave-
Maria — trez vezes cada dia— Paz téco, alel-
luia.»
13. «
Para muitas enfermidades
«A agua da córte de um cavallo, bebida
em jejum, porifica o sangue; cura pleuri-
zes, maleitas, almorrobias, sarampo, zipula
e outros axaqueg, pela sua virtude occul-
ta. (!) Também serve para lavar chagas e
fridas.
Cura as mesmas moléstias o pó dos den-
tes de cavallo ou de pôrco montez, bebido
2132 ZEZ
ZEZ
em agua em que se tenha fervido cardo
santo.»
14. '
Para curar a triz
«A ourina dos que tem triz, fervida até fi-
car em pó, e bebida em agua benta, cura
esta enfermidade,!
Similia similibus curantur.
15. -
Para o defluxo
«Rodas de pau de sabugueiro (uma boa
roda de pau preçízava esta bruxal. . .) tra-
zidas tres dias ao pescoço, curam o defluxo.»
16. «
Para a opilação
«Comer caldos de funcho^ espargos, her-
va molarioba, aipo, borrage e serradella.
Só devem bebèr agua d^agrimonia, ta-
margueira e raiz de funcho.»
17. -
Para matar as lombrigas
cFazer uma cataplasma de pós de suma-
gre, de murta, de rosas, de cascas de ro-
man, de mação de acipreste, de bolotas, de
alecrim e de rosmaninho, amaçado tudo em
mel e vinagre, e posto no imbigo. E' remé-
dio prompto.»
18. *
Para aborrecer o vinho
«Pegar em uma cobra viva e afogal-a em
meia canada de vinho. Se não fôr tempo de
cobras, lambem remedeia uma enguia, mas
a cobra é melhor.
Quando o bêbado pedir vinho, dá-se-lhe
só d'eate. Ao cabo de 34 horas nunca mais
torna a pedir vinho.»
19. »
Emplasto para o estamago
«Salva, aciníro, alecrim, ortelan, erva-si-
dreira, poêjos, belía-luz, rosmaninho, «j«r-
tinhos, canella, rosas, erva-dôce, e urégos.
Tudo reduzido a pó e tomado em vinho,
longe das comidas.»
20. »
Para tirar es sardas
Trovisco macho i
Sangue de toupeira 2
Unto de cobra ribeirinha. 3
Vinagre puro 4
Amaça-se tudo e põe- se na cara, ao dei-
tar na cama, tres noites a seguir, mas só se
lava a cara no flm dos tres dias. E' remé-
dio santo.»
21. «
Talhar o fôgo lôbo
(E' certa espécie de febre)
«Pega-se em uma pederneira e um fuzil,
e petiscando-se, dirá:
Fogo -lobo, vae-te d*aqui.
Que o lume vivo anda sobre ti.
Padre Nosso, Ave-Maria,
Paz téco, alelluia.»
22. *
Para curar creanças rendidas
«O padrinho e a madrinha da creança
procurarão um carvalho cerquinho. (....E
quebrarão com elle o espinhaço da feiti-
ceira.)
O padrinho o rachará pelo meio e, to-
mando a creança e passando -a pela racba-
della, diz á madrinha, que está do outro la-
do— «Toma lá comadre.» — «O que me dás
tu, compadre? — tO nosso afilhado, rendido
ZEZ
ZEZ 2133
e quebrado.»— Ella pega na creança, e tor-
nando a passal-a pela rachadella, diz — «To-
ma lá, compadre.» — E que me dás tu, co-
madre!»— «D nosso afilhado, são e salvo
como na hora em que foi nado.»
Isto faz-se tres vezes, e de cada uma re-
za-se uma Salve Bainha.
23.»
Para curar a febre
Passei pela serra da Ardaria,
Encontrei o Filho da Virgem Maria,
Disse-lhe que em cbammas de fogo ardia,
E perguntei -lhe que faria?
Elie disse-me:
Cura-te com bom de porco *
e pé da guia, *
E resa um P. N. e uma Âve Maria,
Ao Filho da Virgem Maria,
Para que te abrande o fogo,
Hoje, n'e3te mesmo dia.
Paz téco. alelluia.
Isto diz-se tres vezes, rasando sempre.
24«
Talhar quebranto
Bom homem me deu pousada,
Má mulher me fez a cama
Sobre agua e tôjo e lama.
Sáe quebranto da enfezada.
Saa quebranto d'eãta dama.
Isto diz-se tres vezes, resando de cada
yez um P. N. e uma Ave-María.
25.»
Para dôr de dentes
N'aquelle monte, mal assente,
Estava São Quelimente,
Nossa Senhora lhe disse:
1 Unto sem sal.
* Cinza de oliveira.
— tQue tens tu ó Quelmente'^*
— «Doe-mo o queixo emais o dentet»
— «Queres que t'o benza, Quelimenteli
— «Quero, sim, Minha Senhora.»
— «Põe as tuas cinco pulgadas
Sobre essas tuas pontadas.
Que ellãs serão abrandadas.»
Padre Nosso, Ave-Maria.
Paz téco, alelluia.
Isto diz-se tres vezes, resando sempre.
26. »
Para o pão se levedar depressa
«Pega nas calças de um homem (que não
use ceroulas) vira-as do invez (avesso) e
põe-as sobre a massa, com um rosário ben-
to em cima.»
27. *
Para a mulher poder sahir da cama
sem o marido dar fé
Eu te benzo, meu morangú.
Com esta fralda e este meu. • .
Para que vá e venha
Sem acordares tu.
28. »
Para toda a sorte de mal ruim
(Qual será o mal bom?)
«Cordeiro que estaes na queluna^
E Maria em cabello pela rua;
Maria não andes mais.
Que o sangue de teu filho dá signaea
Do Bom Jazus que buscaes.
Meu Divino Cordeirinho,
Qua levaes a cruz pelo caminho,
Olha para quem de tão longe vem.
Até chegar ás portas de Belém.
Estava São Pedro á porta,
Com a sua capa rôta.
Encostado ao seu bordão.
Oh, menino do cordão.
Vamos fazer oração.
2134 ZEZ
Oração do pelingrino;
Quando Deus era meDino,
Assubiu ao seu altar.
Com seus pés correndo sangue.
Suas mãos outro que lai. (I)
Três Marias haviam de estar,
Com seu panno de alimpar.
Tatel T&te.—Madanella,
Não m'o3 queiras alimpar, (?)
Que estas são as cinco chagas.
Que por vós tem de passar,
Do maior ao mais pequeno.
Para os peecadores salvar.
Meu divino Senhor d'Alem,
Paz tóco, alelluia, amem.»
Esta reza se fará 3 vezes por dia, duran-
te 9 dias, acompanhando a sempre de 3 Pa-
dre Nossos e 3 Ave-Marias, em honra de S.
Frei Pedro Dias. E, se o mal fôr rebelde, se
accreseentará o seguinte:
O enfermo colloque o peito sobre uma ba-
cia d'agua quente, e a benzedeira tome uma
estriga, estenda-a sobre as costas do enfer-
mo e correndo, sobre ella um pente diga:
homem manso, mulher brava, casa alaga-
da, cama de palha, cabeceira d' albarda, es-
te mal por onde entrou por ahi saia. Paz
téco alelluia, Padre Nosso e Ave -Maria.
29. »
Para tirar o panno da cara
Esfregar bem a cara com cueiros, ainda
húmidos.
(Ê simples e muito decente.)
30. «
Para cozer os pés
Encha-se d'agua um pucarinho de tige-
la e, quando ferver, volie-se sobre um al-
guidar ou coisa semelhante; firme-se sobre
o fundo do púcaro o calcanhar do pé dori-
do;— â pessoa que benze, segurando com
ZEZ
uma mão uma massaroca sobre o peito do
doente, e com a outra uma agulha, enfiada
em linha branca, e varando a massaroca e
passando o fio sem nó por baixo do pé, diz:
— Eu que coso?
—Carne quebrada ou fio torto (responde
o enfermo.)
— Pois isso é o que eu coso; e, se é car-
ne quebrada, torne a sua casa, e, se é fio
torto, torne ao seu posto, e, se é fio desmen-
tido torne a seu sentido, que eu te coso em
louvor de S. Fructuoso.
Repita-se a oração 3 vezes, resando-se 3
Padre Nossos e 3 Ave-Marias, e ligue-se por
ultimo bem o pé com uma estriga molhada
em um ovo.
31. »
Para talhar a zipula
Deitem-se em uma tigela algumas gotas
d'agua fria e outras d*azeite e com espartos
elipes, (?) molhados n'esta agua 3 vezes,
outras 3 se benzerá o enfermo^ dizendo-se
com muita fé:
—Pedro e Paulo foi a Roma, e o Senhor
lhe perguntou:
—Pedro e Paulo d'onde vens?
—Senhor, eu venho de Roma.
— Que vae por lá, Pedro?
— Muita zipula e zeripéla, e muita gen-
te morre d'ella.
—Pois volta lá, Pedro, e cura-me essa
gente com lipes, arte, aguas frias e partes
montes de meu Senhor Jesus Christo. Amem.
P. N. e Ave -Maria.
Isto 3 vezes.
32. »
Para que as mãos não suem
Entrae em uma capella, onde nunca fos-
seis; esfregão bem as mãos na parede do
lado esquerdo, e dizei : — não me tomes
suor, por aquelle Senhor.
Isto 7 vezes, resando de cada vez um Pa-
dre Nosso e uma Âve-Maria.
ZEZ
ZEZ 21
33. «
Para talhar a empige
Molhe-se com saliva, estando o individuo
ainda em jejum, e diga:
«Empige rahige, sae-te d'aqui;
Assim como eu ja comi e bebi,
Fui a Roma e já vim,
Assim tu medres aqui.»
Isto 3 vezes em 9 dias, rezando- se de ca-
da vez 3 Padre Nossos e 3 Ave-Marias.
34. *
Para talhar a orvalhada
«Eu te talho, bicho, bichão.
Todo o bicho de nova nação.
Aranha ou araobão,
Sapo, senlupeia ou sardonisca,
Ou cobra ou lagarto ou lagartixa;
Eu te corto a cabeça, o meio e o rabo,
Pelo poder da Virgem Maria
E do Apostolo S. Thiago; j
Eu te retalho o coração,
E sêcco sejas tu como um carvão.»
3 vezes por dia, resando-se em seguida
um rosário em louvor do Apostolo S. Thiago.
35. '
Para talhar as unhas dos olhos
«Pois não ha névoa sem unha e, tirada
esta, cura-se aquella.
Quem houver de a talhar benza-se 3 ve-
zes e diga:
A virtude do Santo nome de Jazus me
ajude e a Virgem Maria, que ella quanto fa-
zia tudo por bem lhe ia, e assim seja eu
agora e a toda a hora do dia.
tEm virtude do Santo nome de Jazus,
Appareça o sol e venha o luz;
E ella que vem cá buscar?
Unha e névoa vem talhar
Com sal das marinhas,
Agua das fontes frias.
Mel do colmeal,
E canna do cannavial.
Pelo poder de Deus e da Virgem Maria,
S. Pedro e S. Paulo e Senhora da Cardaria,
Que esta névoa não lavre,
E que este corpo enfermo sare. Amem.
Isto 9 dias e 3 vezes por dia, molhando-
se de cada vez uma folha de canna em agua
fria, sacudindo -a sobre o olho doente, e
perguntando ao doente se entrou, pois se
devem repetir as saeudidellas até entrar agua
no olho.»
36.»
Para talhar o ar
t Jazus, nome de Jazus me ajude,
E onde eu pozer as minhas mãos
Ponha Deus a sua santa virtude.
Christo vive,Ghri9to reina, Christo allumia »
Christo te defenda de todo o mal,
Alelluia, Aliei uia, Alleluia.
Acto in fé, verbo in facto es.
Jazus, nome de Jazus me ajude,
Alleluia, Alleluia, Alleluia!
Nossa Senhora me perguntou;
—Tu de que tractas, Maria?
—Eu tracto de tiziquidade e porplecia.
Gota coral e de todo o mau ar;
E se este crenturo ou creatura tiver
Alguma d'e8tas coisas tal,
A's areias do rio vá parar.
Por que eu lh'o tiro pela cabeça.
Senhora Santa Thereza;
Tiro-lhe pela banda.
Senhora Sant'Anna;
Tiro-lhe por de traz.
Milagroso S. Braz;
Tiro-Ih'o por diente.
Senhor S. Vicente;
E tiro-Ih'o pelo fundo
Deus Nosso Senhor por todo o mundo!»
P. N. A. Maria e Christel em zom.
2136 ZEZ
ZEZ
37. »
Outro remédio muito approvado
para dtjres de dentes
«Deus le benza, lua nova,
Com todos 08 teus crescentes^
E ao milagroso S. Matheus,
Quando lhe doam os dentes,
Então me doam os meus.
9 vezes por dia com um P. N. e uma Ave-
María.
Paz teco, alleluia.»
38. »
Para fazer desapparecer os cravos
«Embrulhae em um panninho tantas pe-
dras de sal, como forem os cravos, e quan-
do algum visinho cozer pão, ide a casa d'el-
le, entrando por uma porta e sahindo por
outra, lançando ao forno o trapo com o sal
sem dar palavra e dizendo apenas com mui-
ta fé:
Assim como estalam as pedras de sal,
Assim desappareça o meu mal.»
39.0
Para conjurar desordem ou tempestade
imminente na casa
«Mettei 3 raminhos d'alecrim, postos em
cruz, debaixo da cinza, na lareira da casa,
sem que percebam as pessoas iradas, e lo-
go se accommodarão.»
Nada mais simples, mas ha quem susten-
te ser mais simples ainda e mais efScaz um
bom marmeleiro.
40.»
Para fazer sahir sem demora nem estrepi-
to alguma má visinha, que entre em vos-
sa casa
«Queimae debaixo do rescaldo da lareira
nma vassoura, e vereis como a má visinha
nem ralha nem se demora.»
I Tudo é bom saber se.
41. *
Para talhar o ar de gallinha choca
«Quando ella passe voando por cima de
vós,— cuspi 3 vezes para o ar e dizei: credo,
arreda, vael
Isto só prezerva do ar da gallinha choca,
que é o peior de todos. •
42. »
Para zombar de bruxas e feiticeiras
«Trincar e mastigar, todos os dias ao le-
vantar da cama, um bocadinho d'a/Ao verde.*
43. -
Outro remédio para curar a névoa
«Uma mulher ainda virgem mastigue 3
cabeças d'arruda e 3 folhas d'oliveira com
um pouco de mel, e bafeje sobre o olho en-
fermo 9 dias a seguir, 3 vezes cada dia.
44. *
Para preservar do diabo as casas
«Pregar em cada porta, postigo e janella
uma cruzinha de trovisco macho.*
45. «
Para talhar a bertueja
Golloque-se a enferma de pé e completa-
mente nua, sobre a pia dos porcos, e a ben-
zedeira lhe varrerá bem o corpo todo com
uma vassoura, sempre em cruz — da mão di-
reita ao pé esquerdo — e da mão esquerda ao
pé direito— dizendo:
* Bertueja sae te d'aqui.
Que a vassoura da casa anda sobre ti.*
Isto 3 vezes.
ZEZ
ZEZ 2137
46. '
Para somente nascerem pitas
«Serão os ovos lançados por um innocen-
te DO ninheiro, um a um, e dirá tantas ve*
zes quantos forem os ovos:
Em louvor de S. Salvador
Todos saiam pitas e só um gallador.t
47. '
Para que os trovões não façam mal
aos pintainhos
Metta-se entre elles no ninheiro um prego
ou chave ou ferro qualquer, senão nascerão
doudos ou aleijados— ou morrerão em bre-
ve todos.
48. »
Para que os pintainhos andem sempre juntos
«Juntem se todas as cascas dos ovos d'on-
de sahiram. Nada mais. •
49. »
Para que a gallinha choque- os ovos depressa
Dae lhe a comer fermento, todos os dias.
50. "
Para que as gallinhas ponham muitos ovos
O dono ou dona coma o primeiro detraz
d'uma porta, tendo um machado as costas.
51. »
Para conservardes a vista
Esfregão bem os olhos com ovos ainda
quentes e pouco limpos.
52. «
Para mal da gota
Cozei bem pau d'aroeira e ide bebendo
d'aquella agua um mez ou dois.
E' bom remédio para muitos achaques,
principalmente para gota e nervos.
53. '
Para tosse secca
Ourina de meninos, fervida com mel, até
tomar ponto, e bebida ás colheres em jejum
e a noite, longe do comer.
54. »
Para dôrde dentes
«O sarro da ourina que fica no orinol,
posto nas fontes da cabeça, é remédio mui-
to approvado.»
55. *
Outro remédio efjkaz contra as sezões
•Coser uma perdiz inteira em agua, de
modo que fique pouco menos de um quar-
tilho, e depois de bem cozida — com pennas,
flgado, boches e bico — tomar este caldo bem
quente, sem mais tempero algum, entre os
frios e febres, e cobrir bem, para suar.»
56. *
Outro, igualmente efflcaz
e muito mais simples
«Torrar ao lume esterco de gallinhas, re-
duzil-o a pó— e bebel-o em agua, quando
derem os frios.
57. *
Para dôr de peitos de mulher
«Ferrar agua com uma ferradura que te-
nha servido em pata de mula, e lavar com
a dieta agua o peito — é bom remédio e já
experimentado.»
' 58.'
Para a moça fazer andar o rapaz sempre
á cordinha, até que se resolva a casar
com ella
«Trará em uma bolsinha, pregada no co-
lete sobre sobre o peito esquerdo, um osso
2138 ZEZ
d'um cão, outro d'um gato e outro d'umde-
functo, com um bocadinho de trena do cai-
xão do mesmo, 3 folhas de ruda, 3 d'ale-
crim macho e um alho verde. Lave bem o
corpo em cruz— desde as pontas dos dedos
da mão direita até as pontas dos dedos do
pé esquerdo — e das pontas dos dedos da
esquerda até as pontas dos dedos do pé di-
reito, sirva depois ao dicto cu/o café ou cho-
colate, preparado com aquella agua,— e ovos
fritos, partidos no cachaço d'ella e aparados
no. . .—fundo das costas.
E' receita magnifica e muito experimen-
tada. •
59. »
Outro remédio para curar as sesões
tTira-se da enxerga do enfermo 3 palhas;
colioquem-se em cruz sobre o chão em uma
encruzilhada; cubram-se as palhas com uma |
tigela e diga se:
O primeiro que tc levantar
O meu mal ha-de levar.»
60. "
Outro remédio ejusdem fusfuris
■As folhas do aipo pisadas com uma dú-
zia de teias d'aranha e uma colher de vina-
gre forte, postas sobre os pulsos do enfermo
no dia da maleita tersan, estando o doente
em jejum e não comendo nada até o outro
dia, deitam fóra as maleitas.*
61. »
Outro remédio mais simples e muito decente
«Beber ourina, longe do comer.»
62. *
Para curar panarícios
«Metter o penaricio no ouvido de um ga-
to, ou em um saquinho cheio de minhocas
vivas, ou em oleo d'enxofre.
ZEZ
63. *
Para talhar a bertueja
O doente colloca o peito sobre uma bacia
d'agua, e a benzedeira toma uma estriga, es-
tende-a sobre a costas do enfermo, correndo
sobre ella um pente e diz:
«Homem manso,
Mulher brava,
Casa alagada,
Cama de palha,
Cabeceira d'albarda.
Este mal por donde entrou por abi saia.»
64. »
Para talhar o quebranto
\ «Toma-se uma malga; deita-se-lhe meio
quartilho d'agua e 3 brasas vivas; depois
toma-se um dos carvões e faz-se com elle
umaf cruz sobre o enfermo, desde o lado es-
querdo ao direito e do peito às costas, por
cima da cabeça, (isto se o mal fôr na cabe-
ça, porque não sendo, faz-se a cruz sobre o
local do quebranto) dizendo:
Bom homem me deu pousada,
Má mulher me fez a cama
Sobre agua e mais lama.
Assim como isto é verdade,
Assim te saia o mal e peito e dama (?!..)
Isto 3 vezes, uma com cada carvão.»
65. »
Para se não tomar o leite
Quando uma mulher der o peito a crean-
ça que não fôr sua, ou quando passar al-
gum rio, ribeiro ou levada, deve dizer 3 ve-
zes:
Leite lembrado
Não sejas tomado.
Quando porém falte o leite a qualquer
mulher, procure instantaneamente outra
ZEZ
que o tenha, e esta lhe lance 3 gotas sobre
as costas (?) dizendo ao noesnao tempo as
palavras supra^-— e o leite volverá.
66. *
Para curar ougamentos
«O enfermo coma de traz da porta um
bôlo quente, com azeite e alho,— e enterre o
que sobrar, aliás fica ougado o animal que
o comer.»
67. *
Para dar falia ás creanças tardias em f aliar
*A madrinha metta a creança em um fol-
ie e vá com ella pedindo e dizendo: — quem
dá esmolinha ao menino do folie, que quer
fallar e não pôde?
O menino comerá depois tudo o que lhe
derem e fallará immediatamente.i
Curandeiro perigoso
Houve também n'esta freguezia nos prin-
cípios d'este século um homem, cujo nome
ignoramos e que foi um curandeiro muito
acreditado e muito afreguezado, mas devia
matar muita gente.
Em um alfarrábio escripto por elle e que
era o seu vade mecum, dizia entre ontra^
coisas o seguinte:
• Toda a cura que o Medico ordena para
a saúde dos enfermos consta de dieta e dos
mais remédios que se devem appliear.
A pratica racional (?; e methodica consta
de 3 partes: dieta, purga e sangria. A 1.» é
a mais necessária, e as outras duas ordina-
riamente se applicam ambas, porque raro é
o caso de cirurgia em que se não purgue, e
rara é a febre em que se não sangre ou
sarge. A principal é a dieta, sem a qual se
não pôde curar nenhuma enfermidade, sup-
posto que todas 3 sejão muitas vezes neces-
sárias para se aperfeiçoar a cura.»
E que esta era a pratica irracional do tal
assassino ou curandeiro se vé do precioso
documento, que vinha engastado na mesma
eliquia ou authographo.
ZEZ 2139
Leia quem tiver coragem.
Rol da cura de Manoel Beroto
«Dt^zaseis sangrias 800
Das fontes 600
Do sedanho 200 ^
Cáusticos, ventosas e sangue-
SQgas 550
» Mais 4 mezes em que fiz 43 caminhos fora
da minha freguezia.»
Pobre Manoel Beretol Só por milagre es-
capariasl . . .
Ainda logramos ver o mencionado auto-
grapho na casa do Ervedal e d'elle fizemos o
extracto supra.
O auctor, se bem nos recordamos, era
pharmaceutico e ascendente da dieta casa
Deus lhe perdoe.
Descantes ou (estadas
O povo d'e8ta paroehia é muito tratavel,
muito animado e muito folgasão. Homens
mulheres e creanças, mesmo no serviço da
lavoura, andam sempre cantando; nas boras
vagas e nos dias de festa costumam dançar
e cantar a cAu/a,— musica popular favorita
d'este concelho e dos concelhos visinhos,»
ao som de uma viola d'arame, ou de viola e
rebeca; mas em dias de romagem, como na
do Senhor do Calvário e outras, formam
descantes imponentes, á imitação dos seus
visinhos de Barqueiros.
V. Martinho de Mouros (S.) tomo b." pag
112, col. 2.» 2 onde já descrevemos os men-
cionados descantes. Aqui só daremos uma
amostra das cantigas da chula, algumas das
quaes não são feias:
1 Veja -se o tópico supra, relativo á casa
e quinta do Ervedal.
2 E Viseu, tomo 11.» pag. 1:541, col. 1.*
onde fallámos d'estes e d'outros descantes
populares do nosso paiz.
ZEZ
ZEZ
Paz a mão na parte esquerda,
Não achei meu coração.
Não me lembrei que o tinha
De penhor na tua mão.
Se o meu querer te aborrece,
Toma a culpa aos teus agrados.
Pois só quem te não conhece
Viverá sem ter cuidados.
Algum dia era eu
Do teu prato a melhor sopa.
Agora sou um veneno
Rosalgar na tua bocca.
Ai Jesus que eu vou p'ras malvas,
Caminhando p'ras ortigas;
Vão os rapazes á forca
Por causa das raparigas.
Aqui venho por te ver,
Por te ver aqui cheguei;
Para que saibas, amor;
Prometti-te e não faltei.
Quem tem pinheiros tem pinhas.
Quem tem pinhas tem pinhões.
Quem tem amores tem zelos,
Quem tem zelos tem paixões.
Quem diz que o amar que custa
É certo que nunca amou:
Eu amei e fui amado,
Nunca o amar me enfadou.
Acorda meu bem acorda
D'es8e somno em que estaes;
Ando por aqui, não durmo,
E' bem que vós não durmaes.
Menina não seja varia,
Reprehenda o seu pensamento;
Olhe que o amor dos homens
Dura muito pouco tempo.
José quero, José amo,
José trago no sentido;
Por amor de ti, José,
Trago o meu somno perdido.
Dizeis que o preto é feio,
O preto é linda côr;
E' com o preto que escrevo
Cartinhas ao meu amor.
Coitadinho de quem nasce
No mundo sem ler ventura.
E' como o prato quebrado;
Atiram com eile á rua.
Dormindo estava sonhando
Que me morreu o meu bem;
Acordei pedindo a Deus
Que me levasse lambem.
Aqui 'stá quem por ti morre,
Quem por ti sempre suspira;
Quem por li anda de noite,
Quem por ti arrisca a vida.
Tudo o que ha triste no mundo
Tomára que fosse meu;
Isso mesmo, tudo junto.
Não é mais triste do que eu.
Alegria não a tenho,
A tristeza m'a levou;
Perguntae ao meu amor.
Se a viu, por onde andou. .
Eu vou-me vestir de preto.
Do mais preto que achar.
Pois me deram por noticia
Que tu me queres deixar.
Com pena peguei na penna,
Com penna te escrevi;
Com pena de te não ver
E' que dou cabo de mim.
Tenho um vestido de pennas;
Não m'o fez o alfaiate;
Eu o fiz, eu o talhei,
Bem é que penas me mate.
Tenho penas sobre penas,
E mais não posso voar;
A maior pena que tenho
E' ver- te e não te fallar.
ZEZ
ZEZ
Tenho penas sobre penas,
Sobre penas tenho dôr;
A maior pena que tenho
E' deixar-te, meu amor.
Deus te dê alegre tarde,
Meu amor, jà que vieste;
Deus te dê tanto alivio,
Como tu a mim me deste.
Os meus olhos desgraçados
Namoraram -se dos teus;
Vejo-me tão confundida
Que nem sei quaes são os meus.
Tenho uma pena no peito, .
Que d*ella hei de morrer,
Pois me diz o coração
Que te não torno a ver.
Não me ponha a mão na saia;
Diga d'ahi o que quer;
Você não perde, que é homem;
Perco eu, que sou mulher.
Eu quero bem á desgraça,
Pois sempre me acompanhou,
E tenho raiva á fortuna,
Que sempre me despresou.
Toda a moça que é bonita
Nunca devêra nascer;
E' como a pera madura,
Todos a querem colher.
Se no ceu ha criminosos,
Eu também la hei-de entrar;
Mas o amar não é crime
E o meu crime é só amar.
O sol prometteu á lua
Uma fita de mil cores;
Quando o sol promette prendas,
Que fará quem tem amores.
Menina não se namore
D'homem que ja viuvou;
Uma falia, duas falias:
— Mulher que Deus me levou! . . .
TOLUMK XI
Menina não se namore
D'homem casado, que é perigo;
Namore-se d'um solteirinho.
Que possa casar comsigo.
Inda que meu pae me mate.
Minha mãe me tire a vida,
Minha palavra está dada.
Minha mão já promettida.
Não me namora o teu ouro.
Nem os brincos das orelhas;
Naroorara-rae esses teus olhos.
Essas tuas sobrancelhas.
O amor, quando se encontra.
Causa pena e dá gosto;
Sobresalta o coração,
Sobem as cores ao rosto.
O' senhor juiz de fora.
Faça justiça na terra;
Prenda-me aquelles dois olhos,
Que estão n'aquella janella.
Tomei amores cora o Bento,
Não sei se faria bem;
O vento é variante,
Não tem amor a ninguém.
Estes senhores me pedem
Que lhe cante uma cantiga;
Cantarei duas ou tres;
Uma não é cortezia.
Âquella menina cuida
Que não ha outra no mundo!
Não é o poço tão alto,
Que se lhe não veja o fundo.
De cada vez que te vejo
Me devia confessar.
Não por eu peccar comtigo,
Mas sim por te desejar.
Tenho dentro do meu peito.
Junto do meu coração,
Duas lettrinhas que dizem:
I Morrer? sim; deixar-te? não.
2142 ZEZ
ZEZ
Quem quizer amar mulheres
Wão tome tabaco, — fume;
Depois bate á porta e diz:
O' menina dé cá lume.
Sol divino não te ponhas,
Que eu não posso ver a noite,
Nem também ver meu amor
Longe de mim perto d'oitre.
Eu vou dar a despedida
Até outra occasião;
Senhores, que estão á roda,
A lodos peço perdão.
Aqui dou a despedida
Sem offender a ninguém.
O muito cantar enfada,
♦ O pouco parece bem.
Fecharemos este tópico dizendo que a
, parte cantante da chula ó feita pela rebeca,
e, sendo bem tocada, é uma variação cons-
tante e lindíssima; havendo porem sempre
no Douro muitos ehulianies, são raros os
que a tocam bem.
No meiado d'e8te século o 1.» ehuliante
do Douro, foi o Capão da Rede, junto de Me-
sãofrio; depois levou-lhe a palma o Fran-
cisco d'Almeida (filho) da casa do Ervedal,
— e supplantou aquelles dois e supplanta
ainda hoje todos os chuliantes do Douro,
Guilherme d'Almeida e Silva, da casa do
Ervedal lambem.
As cantigas são singelas, com toada mui-
to differente da chula, mas agradáveis e ca-
racterísticas. Não se confundem com as ou-
tras canções populares e dão muito relevo
á chula, sendo cantadas por mulheres.
A dança ordinária da chula é simples e
monótona no campo e nas romagens, mas
nas salas ó variadíssima, nomeadamente no
concelho de Marco de Canavezes.
Também no Douro, nas salas e no campo,
«e usam muitos jogos de roda cantados, jo-
gos de prendas, ele. — e nas salas todas as
danças da primeira sociedade.
Também no Douro ja são triviaes os pia-
nos,—mesmo na classe media.
Costumes
N'esla parochiâ de Santa Marinha e em
ambas as margens do Douro aiéáHespanha
as mulheres do campo vestem com muita
singeleza: — poucas saias, poucos saiotes,
vestidos de chita ou de riscado d'algodão,
capuchas (espécie de chalés) também d'al-
godão, na cabeça lenços d*aIgodão também
— e nos pés tamancos ou chinelas de couro
preto, tudo barato.
Isto nos dias de semana. Nos dias santos
ou de festa: — sapatos pretos de couro, meias
brancas, vestidos e lenços d'algodão, mas
novos ou em melhor uso e por excepção
lenços de seda na cabeça (nunca chapéu) e
vestidos de lã.
Ouro— muito pouco e muito leve. Apenas
um par de ciganas ou de arrecadas nas ore-
lhas—e no pescoço um flo de contas redon-
das e pequenas.
Os cordões d'ouro são raríssimos.
Aqui não se vêem mulheres carregadas
d'ouro e de roupâ, semelhando cabides e ta-
bolelas d'ourives, como nos arrabaldes do
Porlo.i
No Douro as laboletas d'ourives são os
anjos das procissões. Esses sim, — vão ge-
mendo carregados de objectos d'ouro e de
prata, de todas as idades e de todos os fei-
tios,—tanto de bom quilate, como de pechis-
beque.
O vestuário dos homens do campo é mui-
to variado, mas também barato e singelo.
As famílias nobres e da boa sociedade se-
guem as modas francesas, modificadas no
Porto— e no tempo da velha companhia dos
vinhos, quando o Douro era d'ouro, tiveram
baixellas soberbas:— muita prata, muito ou-
ro, muitos adereços de pérolas e pedras fi-
1 V. Villar d'Andorinho, tomo H.»
il97, col, í.«
ZEZ
ZEZ 2143
nas, louça e cobertores da Índia e do Ja> j
pão, etc.
Os mesmos bacios dos grandes lavrado- j
res do Douro— íraw de prata'í\ . . .
V. Villa Jusã do concelho de Mesãofrio,
íomo 11." pag. 771, col. 2.*
Recrutamento
Até 1834 esta parochia e mais 13 das cir-
cumvisiohas davam soldados para a 1.* com-
panhia do regimento de milicias de Pena-
fiel —denominada companhia de Campello,
por ter ali a séde.
As out ras freguezias eram - Teixeira, Tei-
xeiró, Tresouras, Gestaçô, Viariz, Loivosdo
Monte,- Loivos da Ribeira, Frende, S. João
d'Ouvil, Tolões, Valladares e S. Thomé de
Covellas.
O dieto regimento era formado por 2 ba-
talhões com 4 companhias cada um. O 1."
batalhão tinha a séde em Villa Boa do Bis-
po;—o 2.» em Penafiel.
A companhia de Campello era a 1.* do
1.° batalhão, mas a freguezia de Campello
dava soldados para a 2.* companhia do
mesmo batalhão, a qual tinha a séde na fre-
guezia de Loureirol . . .
Esta 2.» companhia era formada pelas fre-
guezias de Campello, Gôve, Soalhães, Santa
€ruz do Douro, Santa Leocadia, Mesquinha-
ta, Ancede e Grillo. •
Festividades religiosas
Celebram-se muitas n'esta freguezia, sen-
do sempre mais pomposa a da padroeira,
mas tem algum tanto de barbara, porque,
misturando o sagrado com o profano, cos-
tumam por essa occasião correr touros mui-
to estupidamente a vara larga, o que por
-vezes dá scenas de canibalismo revoltante-—
íeriment|s desordens e mortes, como succe-
deu ha oem pouco tempo, — no dia 22 de
julho do anno ultimo (1888) quando feste-
javam a padroeira.
Com data de 25 de julho do dicto anno.
uma correspondência de Baião, publicada
no Commercio do Porto, dizia entre outras
coisas o seguinte:
«No dia 22 do corrente celebrou-se com
todo o brilho e lazlmento, na igreja matriz
de Santa Marinha do Zêzere, a festa á pa-
droeira. Na véspera foi illuminada a fron-
taria do templo, adro, casa da residência e
palacete do nosso amigo o sr. José Bernar-
do Correia de Sá, digno abbade d'aquella
freguezia e vice-presidente do centro pro-
gressista de Baião, tocando até ao dia duas
bandas de musica ao desafio e queimando-
se á meia noite um vistosíssimo fogo do ar.
No dia seguinte houve exposição do Santís-
simo Sacramento, missa cantada e sermão...
Depois da festa da igreja sahiu uma pro-
cissão, que não só pela ordem em que ia,
como pela belleza e adorno dos anjos, póde-
se incontestavelmente dizer que attingiu um
brilhantismo e esplendor extraordinários.
Não se dirá, porém, que a festa corresse
sem desgostos e sustos.
Na véspera, pelas 8 horas da noite, pas-
sando pelo adro a cavallo um sujeito qual-
quer, ou porque lhe picassem o aninaal ou
porque elle quizesse mostrar altas prendas
de equitação, o certo é que o cavallo se en-
cabritou, assustando o povo, que em gran-
de grita e confusão correu para uma das
margens do caminho, impellindo para o
adro as pessoas que ali estavam, tendo-se
magoado bastante a sr." D. Feliciana Cor-
reia de Sá, irmã do abbade d'aquella fre-
guezia, o que muito sentimos. Uma mulher
do povo, que também fôra impellida pelos
fugitivos, cahiu e fracturou uma perna.
Passada uma hora, levantou-se grande re-
boliço no arraial por causa de dois touros
que no outro dia se haviam de correr á va-
ra larga, os quaes, soltos e sem chocas, se
dirigiam para ali. Houve n'essa occasião
muitos empurrões, sopapos e quédas, o que
tudo se explica pelo terror de que se tinha
apossado o povo.
Os touros, porém, correram por um dos
caminhos lateraes do adro, invadindo o ter-
reiro da residência, onde damnificaram al-
gumas vides e objectos que n'esse local se
encontravam.
Se não fosse o sangue frio do nosso ami-
2144 ZEZ
ZEZ
go o sr. José Ayres de Figueiredo Pinto Va-
lente, muitas desgraças haveria a lamentar,
porquanto aquelle cavalheiro, com um ver-
dadeiro desprezo pela vida, não reeeiando
a sanha dos bois, encurralou-os n'uma das
cortes que alli havia, mandando em segui-
da procurar algumas vaecas para os condu-
zirem a Travanca, onde deviam pernoitar.
A tia do fr. José Bernardo Correia de Sá,
senhora de avançada idade, por pouco que
era apanhada por ura dos animaes. O susto
que apanhou foi de tal natureza, que che-
gou a lançar sangue pela boeca.
«Na tourada, ou antes selvageria, que no
dia da festa se fez, um dos bois foi horri-
velmente martyrisado pelos picadores de
Barqueiro^} chegando aquelles bárbaros a '
arrancar lhe um dos olhos e uma das pon-
tas, deixando-o tão mal tractado que o po
bre animal morreu hontem (24) no meio de
soffrimentos horríveis.
Um dos picadores, á sabida do curro, le-
vou uma aguilhada no peito. Segundo nos
consta, já falleeeu. j
E de quem é a culpa?! Incontestavelmen- j
te das nossas authoridades administrativas,
que consentem uma tal selvageria. Sendo j
prohibidas as corridas á vara larga, qual o
motivo porque são consentidas? A fraqueza
das auctoridades deu causa á morte de um
homem e ao martyrio de um animal. Quem
ha-de sustentar agora a viuva e filhos d'es-
se desgraçado, que ficou como ura lúgubre
trophéu d'essa vergonhosa lueta? Se as cha-
1 Barqueiros, freguezla populosa e pouco
distante, terra natal do infeliz dr. José Julio
d'Ollveira Pinto, é nas duas margens do
Douro apontada e respeitada como terra da
famigerados valentões— e á mais leve provo-
cação de estranhos balem -se todos por um
e um por todos— a pau. a pedra, a punhal e
a tiro, pelo que ninguém ousa provocai os.
V. Barqueiros, tomo 1.* pag. 336— e Mar-
tinho de Mouros (S.) tomo S.* pag. il2,
col. 2.»
massem á authoria, não teríamos a lamen-
tar simllhantes desgraças! Mas como o fa-
voritismo é que impera, o melhor é calar-
mo-nos e Ir registrando estes factos, que as
pessoas sensatas e de coração avaliarão co-
mo fôr de justiça.»
Uma das festas mais edificantes e mais
Imponentes de que ha memoria n'esta fre-
guezia, foi a procissão de penitencia, feita
no dia 20 d'outubro de 1885 para que Deus
nos livrasse do cholera, que ao tempo devas-
tava a Hespanha e que nos aterrou e obri-
gou a montar com grande dispêndio um
cordão sanitário de mais de 6 mil homens
em toda a rala, durante muitos mezes.
Felizmente a epidemia poupou -nos e des-
i de 1854-1855, data em que o cholera fez bas-
! tanies victimas em Portugal, não mais no»
visitou.
Também tivemos ero Portugal o cholera
em 1834 a 1835, depois da guerra entre a
sr. D. Pedro IV e o seu irmão D. Miguel.
A dieta procissão teve logar em um do-
mingo; começou ás 7 horas da manhã e ter-
minou ás 7 da noite; percorreu grande par-
te da freguezla. e visitou a matriz e 5 capei-
las, havendo por essa oceasião 3 sermões de
lagrimas.
Era formada por 18 andores, 10 anjos,
uma banda de musica e muitas irmandades
e confrarias com as suas respectivas cruze»
—sendo verdadeiramente extraordinário o
concurso do povo d'esta paroehia e das cir-
cumvisinhas, — ao todo mais de 10:000 pes-
soas.
Commenda de Moura Morta
Esta commenda era da ordem de Malta e
uma das mais rendosas do nosso palz. Ti-
nha muitos dízimos, prasos e fóros na fre-
guezla de Moura Morta e em outr^dos con-
celhos de MesãofriOj Balão, Canavezes, Tor-
res Novas, etc.
N'este concelho de Balão aquelles com-
mendadores eram directos senhorios de mui-
tos casaes e terras nas freguezla» de Tre-
souras. Frende, Gôve, Gestaçô, e n*esta de
Santa Marinha, nomeadamente nas povoa-
ZEZ
ZEZ 2145
ções de S- Pedro, Quintas e Paços, como se
vè de um livro de emprazamentos, que te-
mos sobre a nossa mesa de estudo e que
comprehende os annos de 1603 a 1642.
Foi commendador de Moura Morta desde í
1603 até 1630 Fr. Antonio da Veiga, de Ci-
dadeltie, hoje representado pelo sr. D. Fran-
cisco Peixoto Pinto Coelho, de Villa Marim,
— e desde 1630 a 1642 foi commendador D.
Diogo de Mello Pereira, também de Cidade-
Ihe, concelho de Mesãofrio, fundador da
quinta e do palacete denominados de D. DiO'
go, que são hoje da familia Carvalhaes de
Travanca, mencionada supra.
Viação
Até hoje (1889) esta desgraçada freguezia
não tem estrada alguma a macadam. As
suas estradas todas são barrancos e preci-
pícios medonhos, nomeadamente as que con-
duzem ao Douro e á estação da Ermida.
Tem para ali já estudada ha muitos annos
uma estrada a macadam desde a egreja ma-
triz, pelo valle do Zêzere, mas ainda lhe não
deram principio.
Também deve atravessar esta paroehia de
Santa Marinha, de poente a nascente, a es-
trada real a macadam n." 34 de Penafiel a
Mesãofrio, por Canavezes e Baião, mas ain-
da não passou de Canavezes, posto que já
lhe deram principio ha mais de 20 annos'^\..
Até hoje o malfadado concelho de Baião
não viu nem sequer uma diligencia\ Apenas
tem ao longo da margem do Douro a linha
férrea, de que pouco «partido tira, por falta
de estradas que a ella conduzam,— e tem so-
bre o Douro duas pontes em projecto, estu-
dadas e arrematadas, mas ainda não princi-
piadas,— uma n'e3ta paroehia de Santa Ma-
rinha, junto da estação da Ermida, para li-
gação com Rezende,— outra em Portantigo,
junto da estação de Mosteiro, para ligação
com Sinfães.
Posta rural
Um dos poucos benefícios que esta paro-
ehia de Santa Marinha e este concelho de
Baião devem ao governo desde 1887— -ó a
posta rwra?— beneficio que alguns dos nos-
sos concelhos ainda não gosam.
Baião tem 7 distribuidores: — 1 em Ance-
de, 1 em Santa Cruz do Douro, 2 em Cam-
pello e 3 n'esta paroehia de Santa Marinha.
Foi um grande bónus, porque hoje a en-
trega da correspondência é rápida e feita
aos destinatários nos seus próprios domicí-
lios,— emquanto que anteriormente tinham
de mandar procural-a a distancia, recebiam-
na tarde e extraviava-se repelidas vezes.
Também a posta rural facilitou igual-
mente a expedição da correspondência.
Movimento parochial doesta freguezia
em 1881
Nascimentos 76
Óbitos 30
Casamentos 17
Do exposto se vê que a população d'esta
paroehia tende a augmentar, pois a cifra
dos nascimentos ó muito superior á dos
óbitos.
O batalhão de Baião
José Reymão de Mello Falhares, de quem
já se fallou no tópico da quinta de Guima-
rães, era muito liberal, pelo que em 1829
emigrou. Viveu 3 annos na França e na
Bélgica; militou com o sr. D. Pedro IV, che-
gando ao posto de tenente. Depois casou e
abandonou a carreira militar/mas em 1846,
quando rebentou o pronunciamento popular
do Minho ou da Patuleia, vivendo na sua
quinta de Guimarães, abraçou o dicto pro-
nunciamento.
Formou com voluntários à'esta paroehia
de Santa Marinha e d'outras d'este conce-
lho uma guerrilha, denominada Batalhão de
Baião, da qual foi commandante com a pa-
tente de tenente coronel, conferida pela ^un-
ia do Porto.
Elie era homem valente, muito encorpado
e mal encaràdo, mas foi pouco feliz como
guerrilheiro. Apenas tomou parte em 2 fei-
tos d'armas, ficando derrotado no 1.'— e
derrotado e prisioneiro no 2.»
2146 ZEZ
ZEZ
No dieto anno de 1846, logo no principio
da revolução da junta, elle com a sua guer-
rilha de Baião, o Justinianno de Cordova
com a sua guerrilha de S. Martinho de Mou-
ros e S. Pedro de Paus (Rezende)i~os An-
drades de Moimenta da Beira com outra
guerrilha d^aquelles sitios — e muitos popu-
lares dos concelhos de Rezende, Lamego,
Mondim da Beira, Tarouca, Pesqueira, Ta-
boaço, Armamar e Regoa, lembraram-se de
ir a Lamego desarmar o regimento de in-
fantaria n." 9 ali estacionado.
Os populares eram muitos, mas não ti- j
nham eommando, nem armamento regular, j
nem munições de guerra, nem disciplina al- |
guma, pelo que, apenas se abeiraram de La- i
mego, o 9 com algumas descargas os poz !
em precipitada fuga, indo também de rol j
dão o batalhão de Baião ?
Passados alguns mezes, partiu do Porto
para Traz os Montes o general visconde de
Sá Bandeira para baterão conde de Casal.
Sá da Bandeira levava uma divisão forte
de 3:500 homens, comprehendendo os regi-
mentos de infanteria 3 e 15, a guarda mu-
nicipal e um batalhão d'artistas do Porto,
outro de voluntários da Vista Alegre e o de
Baião,
Enconiraram-se as duas divisões em Val-
le Passos e a do Sá da Bandeira foi comple-
tamente derrotada, porque logo no princi-
pio da acção os regimentos 3 e lo uniram-
se á divisão do Casal.s
O batalhão da Vista Alegre nada soífreu,
porque estava distante e não entrou em fo-
1 O Justinianno de Cordova deu brado
como guerrilheirot. . .
V. Paus, tomo 6.* pag. 509, col. 2." e seg.
2 V. Lamego n'este diccionario e no sup-
plemento.
3 V. Val de Passos, tomo 10." pag. 75,
col. 2.»
go, mas o de Baião foi envolvido e derrota-
do, ficando prisioneiro o seu commandante
José Reymão— e mortos 15 a 20 soldados e
o major.
José Reymão pouco tempo esteve prisio-
neiro, porque uma bella noite fugiu cora o
sargento que o escoltava^ — Lino José Ro-
drigues— a quem foi grato, pois teve-o mui-
to tempo como pessoa de familia na sua ca-
sa de GMímarães,~depoisdeu-lhe uma escri-
vania do juizo de direito em Baião e ali fal-
leceu em 1888, deixando boa fortuna á viu-
va e filhos.
José Reymão era natural da Ucanha i e
falleceu já velho e reformado com a paten-
te e soldo de capitão.
O José do Telhado
Em uma das noites do mez de novembro
de 1851 a quadrilha do José do Telhado as-
saltou a casa do dr. Antonio Fabrício Lopes
Monteiro, de Cadeade, n'esta parochia de
Santa Marinha, cerca de 1:200 metros a N.
da egreja, mas .eruzou-se vivo fogo de parte
a parte, alvorotou-se a visinhança e a qua-
drilha bateu em debandada sem levar a
effeito o roubo. Ella vinha de longe,—
Lousada, — mas foi attrahida por alguns dos
salteadores, que pertenciam a este concelho
de Baião e a. esta parochia, taes eram José
Simões, da povoação do Barreiro, e seu fi-
lho Boaventura.
O dr. Fabrício morreu aproximadamente
em 1870 sem successão, havendo casado
com D. Gracinda Emília Faria Garcia Cou-
tinho, senhora muito mais nova, muito in-
corpada e muito sympathica, a qual também
já falleceu, tendo passado a segundas nú-
pcias em 1876 com o visconde de Ferro-Cin-
to — José Maria de Vasconeellos Serrão, que
já tinha 57 annos de idade.
Ella nasceu na freguezia de Mondão, con-
celho de Viseu, em 1830, e foram seus paes
Balihasar Esquiridão Garcia da Costa Bar-
1 V. Cucanha e Ucanha.
ZEZ
ZEZ 2147
bosa, natural do Porto, e D. Julia Felícia de
Faria Coutinho, da quinta de Picoula, fre-
guezia da Granja, concelho de Trancoso.
Como este diccionario está prestes a con-
cluir-se, daremos aqui uma ligeira noticia
do celebre José do Telhado, que foi o ultimo
dos grandes salteadores que infestaram o
nosso paiz.
Chegou a viver esplendidamente, mas aca-
bou miseravelmente, verifieàndo-se mais
uma vez a sentença:
Talis vito, finis ital . . .
Chamava-se elle José Teixeira da Silva,
por alcunha José do Telhado, porque nas-
ceu em 1816 na pequena povoação do Te-
lhado, freguezia de Castellões de Recesi-
nhos, concelho de Penafiel, mas casou e vi-
veu na povoação de Sobreira, freguezia de
S. Pedro de Cabide de Rei, concelho de Lou-
sada cerca de 2 kil. e a N. da estação actual
de Cahide, na linha férrea do Douro.^
Girava-lhe nas veias bom sangue, pois seu
pae Joaquim do Telhado foi capitão de la-
drões, valente como as armas e raio devas-
tador em francezes; — seu tio-avô, por alcu-
nha o Sodiano, foi salteador no Marão, — e
Joaquim do Telhado, irmão do nosso heroe,
foi também salteador.
Qui viget in foUis venit e radicibus hu-
mor!...
José do Telhado passou os primeiros an-
nos da juventude em Cabide de Rei, apren-
dendo o offleio de eapador com um francez
que exercia aquella profissão e estava ali
casado com uma tia materna do nosso he-
1 V. Cahide, vol. 2.» pag. 33, col. 2.'— e
Villa Verde, aldeia, tomo il.» pag. 1:087.
col. 1.* e segg.
roe. Affeiçoou-se a uma filha do eapador, *
mas, como os paes d'ella se oppozessem ao
casamento, fugiu para Lisboa, tendo 19 an-
nos de idade, e ali assentou praça no 2.» re-
gimento de tanoeiros da Rainha.
Em 1837, na revolta dos Marechaes, acom-
panhou o duque de Saldanha e bateu-se nos
combates do Chão da Feira e Ruivães.
O barão de Setúbal disse- lhe uma vez:
—Chovem balas! . . .
— Gà está o guarda-chuva, meu general;
— deixe choverl — respondeu José do Telha-
do muito serenamente, mosirando-lhe a lan-
ça com a bandeira, pois era muito valente»
bom cavâlleiro, muito generoso e espiri-
tuoso.
O barão gostou da resposta e, tendo de
emigrar para a Hespanha, resolveu leval-o
comsigo, como sua ordenança, mas, feita a
convenção de Chaves, recebeu o nosso he-
roe uma carta da prima, chamando-o a to-
da a pressa para casarem, por haver obtido
do pae o prévio consentimento. Pediu baixa;
partiu immediatamente e sem demora casa-
ram, recebendo em dote meios bastantes
para uma decente mediania aldeão, a "res-
cendo 6 fructo do seu mister de capactor.
Ditosos derivaram os primeiros annos
d'este suspirado enlace, vivendo houesta-
mente do seu trabalho, visinhando bem com
todos e sendo por todos estimado, vindo os
filhos augmentar a felicidade dos dois cônju-
ges, porque sobrava em casa o pão e foi
sempre muito amigo da mulher e dos fi-
lhos.
Levado da sua generosa intrepidez, em
1843 defendeu na feira de Penafiel um visi-
nho, perseguido por muitos. A lucta foi
grandemente desegual e ficou moribundo
entre os que em volta d'elle cahiram.
Na revolução popular de 1846 os visinhos
escoiheram-n'o para chefe. Recusou-se, fa-
zendo-lhes ver que não tinha habilitações
para o commando, mas seguiu o partido do
povo. Apresentou-se á junta do Porto, — as-
sentou praça em eavallaria, — comprou Ca-
vallo e fardou- se a todo o primor á sua cus-
2148
ZEZ
' ta. Soceorria generosamente os soldados ca-
recidos e empenhou-se para satisfazer o que
em parte era capricho e em parte largueza
d'alma.
Acompanhou a Val Passos, como sua or-
denança, o visconde de Sá da Bandeira, a
quem salvou a vida n'aquella desastrosa ba-
talha,^ pelo que o diclo visconde pela sua
própria mão lhe apresilhou na farda a con-
decoração da Torre e Espada.
Do cômoro de uma ribanceira alguns dos
soldados traidores apontavam as armas con-
tra o visconde, envolvido no fumo das des-
cargas. José Teixeira arranca do eavallo a
toda a brida, — toma as rédeas do eavallo do
general e obriga-o a saltar um vallado, pas-
sando as balas pouco acima da cabeça de
ambos. A este tempo 3 soldados de eavalla-
rla avançavam contra o visconde. José Tei-
xeira embarga-Ihes a arremettida e desar-
ma o 1.» com um golpe,— fere mortalmente
o 2.0— e persegue o 3.» até lhe arrancar a
vida pelas costas.
Quando voltou da facção já o visconde ti-
nha suspensa a medalha que ali mesmo lhe
apresilhou.
Terminada a revo]u';ão em 30 de junho de
18i7 pelo convénio de Gramido,^ José Tei-
xeira arrancou as divisas de sargento e foi ,
para a sua casa, onde o aguardava saudosa \
a mulher com S filhos.
ZEZ
o homem estava onerado com dividas; os
credores perseguiam -no— e as auctoridades
avéssas á sua politica,^ esquadrinhavam
pretextos para o magoarem.
Joaquim do Telhado, seu irmão, mantinha
n'essa época as tradições da familia, saindo
á estrada com um bando de populares fo-
ragidos á perseguição politica, por haverem
esposado também a revolução da junta do
Porto.
José do Telhado, perseguido pelos cre-
dores e pelas auctoridades, desconsiderado
e affrontado por todos e sem pão para ali-
mentar a mulher e os S filhos que elle ido-
latrava, bateu á porta de differentes pessoas
pedindo um emprego qualquer, embora dis-
tante, mas nada obteve, pelo que se uniu ao
irmão. O bando que este capitaneava exul-
tou, — nomeando-o logo chefe — e o irmão
submetteu-se.
Estreou-se na noite de 12 de dezembro
de 1849, salteando a casa do rico proprietá-
rio Manoel da Costa, da freguezia de Ma-
cieira, concelho de Lousada, cujo roubo foi
importante.
Poucos dias depois foi pronunciado com
seu irmão, posto que este já o estava por
outros roubos praticados em Canellas do
Douro, (?) Margaride> Baião.
O salteador
Até aqui foi José Teixeira da Silva um ho-
mem honrado, bom cidadão, bom pae, bom
esposo e bom visinho, mas por um triste
conjunto de circumstancias em breve mu-
dou e sentimos tremer a penna para levar-
mos por diante este ligeiro esboço biogra-
phicol . . .
1 Com relação a dieta batalha, ferida en-
tre Sa da Bandeira e o conde de Casai, ve-
ja-se o artigo Val de Passos, tomo 10.° pag.
74, col. 2 • e segg. — e a biographia do Con-
de de Casal uo &ri. Villa Verde, tomo li.»
pag. 1:108, col. 1.»
2 V. Gramido, tomo 3.* pag. 3i6, col. 2.»
Depois da pronuncia resolveu ir para o
Brazil e, obtido passaporte (?) seguiu na bar-
ca Oliveira, em fios de 1849.
Esteve no Rio de Janeiro e em outras
províncias do Brazil, mas, não podendo sup-
portar as saudades da esposa e dos filhos,
regressou, e já em novembro de 1851 as-
saltou a casa do dr. Fabrício, como disse-
mos supra.
Depois assaltou com melhor êxito a no-
j bre casa de Carrapatello, á beira do Douro,
I na freguezia de Paços de Gaiollo, concelho
1 Era a da Junta do Porto, em que tinha
militado.
ZEZ
ZEZ 2149
de Canavezes, cujo roubo montou aproxi-
madamente a quarenta mil cruzadosll . . .
Decorridos 3 mezes assaltou a casa de
Domingos Gonçalves Camello, do logar de
Parada lia, concelho de Celorico de Basto,
cujo roubo foi lambem muito importante,-—
e praticou outros muitos.i
Elie tinha a sua casa e a sua familia em
S. Pedro de Rei, concelho de Lousada, mas
o seu nome e a sua quadrilha eram o ter-
ror de todo aquelle concelho e dos de Fel-
gueiras, Amarante, Penafiel, Paços de Fer-
reira, Canaveses, Baião, Celorico de Basto,
etc.
Todos tremiam ouvindo o nome do José
do Telhado e muitos cavalheiros das visi-
nhanças o acolhiam e protegiam, para po-
derem viver socegados e mover-se de um
ponto para outro, porque elle era valente e
capaz de tudo, mas não sanguinário por Ín-
dole, como 03 Brandões de Midões.
Costumava roubar, mas não matar, nem
praticar outros excessos, nem consentia que
os seus os praticassem, — e foi sempre res-
peitador do bello sexo.
Poucas mortes tez e todas em cireumstan-
cias anormaes, algumas até certo ponto
desculpáveis.
1 Na noite de 24 de fevereiro de 1859 as-
saltou a casa da Senra, da freguezia de Ju-
queiros, concelho de Felgueiras,— casa rica,
então pertencente á sr.* D. Anna Ricardina
Ferreira Pinto de Carvalho, e, como lá en-
contrasse alguns jornaleiros, enfeixou os
n'uma corda como uma gabella d'achas, or-
denando-lhes que estivessem quietos. Não os
feriu nem maltractou e, feito o roubo, que
foi importante, despediu-se da dona da ca-
sa, pedindo-lhe que por caridade fosse des-
apertar os jornaleiros que ficavam emmo-
Ihados.
Folgava de entremelter incidentes cómicos
nas suas partidas.
Quando se retirava de Carrapatello, deu
um beijo em uma das senhoras e pediu-lhes
que não fizessem barulho, porque eram bo-
nitas,—e á mulher do sr. Domingos Camel-
lo, de Paradella, perguntou-lhe de que lhe
servia o dinheiro, se não podia comprar
com elle uma cara mais nova e menos feia.
Citaremos duas:
Estando certa noite com a sua quadrilha
no monte denominado Eira dos Mouros,
freguezia de Villar de Torno, concelho de
Lousada,! dispondo -se para roubar o ab-
bade de Louredo, foi cercado e batido por
um destacamento de infanteria n.° 2. Cru-
zaram muito fogo e o destacamento levou-lhe
dois homens, pelo que, para os libertar, foi
com a sua quadrilha apoz elle. Cercou a es-
talagem onde estavam os soldados; recome-
çou o fogo e obrigou-os a bater em retirada.
Durante a lucta evadiu se um dos presos
e José do Telhado disse ao outro:
— VemI
—Não posso,— respondeu elle; — matem-
me, porque estou sem pernas! . . .
Tinha eíTectivamente as pernas varadas
por balas.
—Faz o acto de contricção, — retrucou o
chefe— e depois de uma breve pausa desfe-
chou contra elle, dizendo;
— Acabaram-se os teus trabalhos e os
meus estão em começo. Adeusl^
Outro dia foi José do Telhado surprehen-
dido com os seus pelas forças que andavam
em cata d'elle.
Bateu-se como um beroe, mas teve de fu-
gir, ficando levemente ferido; sabendo po-
rem que fora denunciado por um eompa-
j nheiro, de alcunha José Pequeno, mas ho-
mem agigantado e o mais perigoso da su-
cia, morador na Lixa, José do Telhado foi
] uma noite bater- lhe á porta,— entrou e dis-
se-lhe:
—Já sei que me atraiçoaste e venho ti-
rar-te a vida. Previne-te como quizeres, por
que um de nós ha de morrer aqui!
—Ou ambos!— disse José Pequeno, lan-
çando mão da faca.
—Ou isso,— respondeu José do Telhado,
sacando uma enorme thesoara, e aecrescen-
lou:
1 V. Villar do Torno, vol. li.» pag. 1284,
col. 1.»
2 É isto o que se lê algures, consta-me
porem que esta morte não foi feita pelo
José do Telhado, mas por um companheiro.
2150 ZEZ
ZE2
— Hei-de corlar-le a lingual
Luctaram como feras e José do Telhado
recebeu alguns ferimentos, mas erivou-o de
facadas, lançou-o por terra, apertou- lhe a
garganta, cortou-lhe a língua e retirou-se
deixando o cadáver estendido no chão.
No dia seguinte appareceu na Lixa, abei-
rou-se da multidão que estava á porta do
morto e disse:
— Se não sabem quem matou esse traidor,
— aqui o teemi
E passou adiante, mettendo as esporas a
um valente cavallo em que ia montado.
Ninguém o seguiu, já por medo, já por-
que o assassinado era o terror da visinhan-
ça. Não se levantou auto de corpo de deli-
cio nem esta morte figura no processo do
José do Telhado,
Do exposto se vê que era homem valente
e capaz de tudo, mas tinha algumas quali-
dades boas.
Era muito generoso para com os pobres
—e cavalheiro para com os cavalheiros que
o protegiam.
Quem estivesse nas boas graças d'elle
podia transitar com toda a segurança de
noite ou de dia por onde lha aprovesse e
dormir a somno solto, pelo que tinha valio-
sas protecções. Era honrado como o celebre
Chuço de Trancoso e como elle poupou tam-
bém sempre a visínhança.i Além d'isso era
intrépido, muito astuto e commandava uma
numerosa quadrilha, que o respeitava cega-
mente, pelo que dispunha de grande força,
chegando por vezes a bater-se com a tropa,
como já dissemos.
Todas as auctoridades da circumvisinhan-
ça tinham ordem para o prender, mas nun-
na poderam conseguir tal, nem mesmo o sr.
Adriano José de Carvalho e Mello, então no-
vo, intrépido, valente e solteiro, que, sendo
administrador do conselho de Ganavezes, lhe
declarou guerra de morte e sem tregoasl..?
* V. Trancoso, vol. 9.» pag. 719, col. 1."
* Também foi perseguido a toute outran-
Armou e organisou militarmente os ca-
bos de todo o concelho e, collocando-se á
frente d'elle8, com imminente risco da pró-
pria vida, traetou de lhe dar caça.
Perseguiu-o muito tempo; — comprou al-
guna dos salteadores, entre elles o tal José
ce por Antonio Elisiário Ribeiro de Sousa
Pinto, da casa de Pereiro, freguezia de S.
Lourenço de Pias, concelho de Lousada, ca-
valheiro muito valente e destemido, então
adminislrador do dicto concelho. Com immi-
nente risco de vida prendeu trinta e sete dos
taes salteadores—e falleceu em 1888.
Foi também n'aquelle tempo administra-
dor do concelho de Baião o dr. Valentim de
Faria Mascarenhas e Lemos, natural da po-
voação de Quintella, freguezia de Gestaçô,
do dicto concelho, o qual auxiliou podero-
samente os administradores do Marco e de
I Lousada, pois era talvez mais' enérgico e
mais valente do que nenhum d'elles e mais
propenso ainda a perseguir e exterminar
salteadores, porque era filho do lendário
Alexandrinhode Quintella (Alexandre de Fa-
ria Mascarenhas e Lemos) que varreu da
estrada do Porto os muitos salteadores que
a infestaram depois de 1834, fuzilando al-
guns d'elles, o ultimo dos quaes foi um ho-
mem agigantado e fidalgo distiacto, filho do
ultimo capitão mor de Moura Morta.
Era pois o dr. Valentim não só muito va-
lente, mas por herança perseguidor de la-
drões;—o irmão mais velho, também Alexan-
dre, casou no Gavallinho, freguezia de Gon-
dar, concelho d'Amarante, — foi companhei-
ro do pae na dieta empreza — e como elle
terror dos ladrões, — e outro irmão, abbade
da Teixeira, foi também muito valente.
O dr. Valentim encontrou o concelho de
Baião cheio de malfeitores, mas rapidamen-
te o expurgou e acabou cora os excessos de
toda a ordem, inclusivamente com o jogo; — ■
depois seguiu a magistratura; casou com
uma senhora de Villa Pieal, D. Rita Valen-
tina Lopes Mendes de Faria, irmã do nosso
bom amigo e distineto escriptor publico An-
tonio Lopes Mendes, e sendo juiz de direito,
falleceu ainda novo na sua quinta da Ave-
leira, em Lobrigos, concelho de Santa Mar-
tha de Penaguião, deixando viuva e filhos,
entre elles um, de nome Sotéro, também
muito valente.
No art. Villa Real de Traz os Montes, to-
mo 11.0 pag. 1031, col. 2.«e segg. pôde ver-
se a biographia do sr. Antonio Lopes Men-
des.
ZEZ
ZEZ 2151
Pequeno; — trocaram por vezes vivo fogo de
pane a parte, mas nuoca pôde lançar-lhe a
mão; moveu-lhe porém tão dura guerra, que
o homem resolveu voltar para o Brazil.i Já
estava outra vez a bordo da mesma barca
Oliveira,^ escondido entre sacos de bolacha,
prestes a deixar as aguas do Douro, quando
alguns dos seus o denunciaram e ali foi pre-
so no dia 31 de março de sende met-
tido nas cadeias da Relação do Porto.
Ali se conservou até que, depois de orga-
nisado o volumoso processo, foi julgado no
Marco de Canavezes e condemnado a degre-
1 O sr. Adriano José de Carvalho e Mello
immortalisou-se na campanha contra o José
do Telhado, pelo que o governo lhe deu a
commenda da ordem de Ghristo, etc.
Mais tarde organisou a policia civil no
Porto, da qual foi muitos annos eommissa-
rio geral distinctissimo; era seguida foi no-
meado chefe da fiscalisação aduaneira, em
cujo Dosto se aposentou. Vive ainda na i
actualidade, e solteiro, na sua casa da fre- |
guezia de Thuias, concelho de Canavezes, i
— e é irmão do sr. Affonso Joaquim Noguei
ra Soares, distincto engenheiro, que teve a {
seu cargo muitos annos o pelouro das obras ;
da barra do Douro— e é hoje fiscal do go- j
verno nas obras do porto de Leixões. !
São dois cavalheiros de muito mereci- j
mento. !
2 Vivia e vive ainda hoje no Porto um •
negociante e armador de navios, Bernardo
José Machado, da freguezia de Cerva, conce-
lho de Ribeira de Pena, era Traz os Montes,
o qual, indo para a sua terra natal, um dia
encontrou o Joí^é do Telhado bem vestido e
bera montado, sem o conhecer.
Fizeram jornada os dois até Amarante; |
palestraram muito com relação ao grande |
salteador; ali cearam, pernoitaram e sedes- |
pediram muito amavelmente, trocando ear- j
tões de visita — e só quando o sr. Machado |
de manhã pediu comas, soube quem teve por
companheiro, porque o dono da hospedaria
lhe dis-íe que o sr. José do Telhado havia
satisfeito a conta.
Ficou o sr. Machado attonito e penhora-
di.s8Ímo e, como o José do Telhado, passado
pouco ttímpo, lhe escrevesse pedindo lhe
passagem para o Brazil. o sr. Machado lh'a
facultou na sua barca Oliveira em 1849 — e,
passados 10 annos, lhe facultou novamente
a mesma barca, mas não pôde seguir viagem,
porque foi denunciado e preso.
do perpetuo com trabalhos públicos, apesar
dos esforços do dr. Marcellino de Mattos, de
Lamego, então advogado no Porto e advo-
gado distinctissimo, que foi defendel-o por
esmola, gratuitamente.
Quando José do Telhado foi preso e deu
entrada nas cadeias da Relação, ainda leva-
va comsigo 600Í000 réis, pelo que convidou
o dr. Marcellino de Mattos para ir defendel-o ,
ofTerecendo lhe 50 hbras; mas, não podendo
sofrear o seu animo generoso e, querendo
valer aos muitos infelizes que estavam n'a-
quella medonha prisão, tanto despendeu,
que o dinheiro em breve se lhe esgotou. E
em quanto era generoso para com todos, to-
dos na cadeia o estimavam, mas quando o
viram na miséria, voltaram -lhe as costas.
Para cumulo da sua desgraça, um preso,
a quem tinha emprestado seis libras, quan-
do José do Telhado, obrigado pela fome, lh'a3
pediu, o tal preso (era um parricidal . . .)
não só se recusou a dar-lh'a'í, mas denun-
eiou-o falsamente ao director da cadeia, ac-
cusando-o de tentativa de fuga, pelo que foi
mettido em um dos quartos de malta — sem
ar e sem luz— e ali jazeu bastante tempo,
enterrado e ralado de fome.
O único amigo que achou em tão negra
conjunctura e que de muito lhe valeu foi o
nosso laureado romancista Camillo Castello
Branco, hoje visconde de Correia Botelho,
então ali preso lambem pelo crime de adul-
tério. Condoído da triste sorte do grande
salteador d*outras eras, animava-o, soecor-
ria-o, conversava com elle e deu-lhe a im-
mortalidade da historia no seu formoso ro-
mance— Memorias do Cárcere — d'onde ex-
irahimos boa parte d'este3 apontamentos.
José do Telhado soffreu muito na prisão
e, quando partiu para o degredo estava tão
pobre, que pediu a um companheiro por es-
mola um vintém para cigarros! ...
Falleceu na Africa em i875.i
1 O irmão Joaquim homisiou-se e não
mais o lobrigaram até hoje — 1889.
Consta que ainda vive.
2152 ZEZ
ZEZ
Ponte da Ermida
Do ante-projecto, officialmente elaborado
pelo distincto engenheiro Manoel Francisco
de Vargas, extra himos o seguinte:
O taboleiro da ponte fica no mesmo nivel
da linha férrea, que está cerca de 3 metros
superior ao nivel da grande cheia de 1860
a maior d'este século,— ou 25 melros sobre'
o nivel das aguas normaes, — e terá de ex-
tensão total cerca de 300 metros, com as
avenidas, comprehendendo na margem di-
reita um pontão metallieo de 30 metros de
vão sobre o rio Zêzere, para a ligação da
ponte com a estrada real a maeadam n.° 34,
mencionada supra e que atravessa a paro-
chia de Santa Marinha de leste a oeste,
pois a dieta ponte é destinada a servir a
estação da Ermida e a ligar aquella estrada
da margem direita do Douro com a estrada
que na margem esquerda vae de Lamego a
Entre- Ambos os Rios (foz do Tâmega) atra-
vessando de leste a oeste os concelhos de
Lamego, Rezende, Sinfães e Castello de
Paiva.
A ponte fica pois entre a foz do Zêzere,
na margem direita do Douro,— e a Pedra do
Altar, mencionada supra, na margem es-
querda, a partir da qual comprehende 2
vãos raetallicos, assentes sobre pegões de
granito;— 2 arcos também de granito de 14
metros d'abertura cada um, ligados entre si
por grandes muros de supporte com 65 me-
tros d'extensão, terminando a avenida norte
com o pontão metallieo sobre o Zêzere e
passando a mencionada avenida entre a es-
tação da linha férrea, a 0.— e o palacete da
Ermida, a E.
Do exposto se vê que a dieta ponte è uma
obra importante e bastante comphcada! . . .
O pegão da margem esquerda assenta a
meia altura do Penedo do Altar; — o tabo-
leiro metallieo, a partir do dicto pegão, lera
de comprimento 59 metros— e o immediato
49.
Por baixo do maior d'estes 2 vãos passa
na estiagem o Douro, que ali em aguas nor-
maes tem de largura 48 metros e 18 de
profundidade, mas na grande cheia de 1860
attingiu 270 metros de largura e 40 de al-
tura! Subiu pois ali 22 melros acima do ni-
vel das aguas normaes, sendo a corrente
impeluosissima e formando o Penedo do Al-
j íar uma dorna, sorvedouro ou redemoinho
I de tal ordem, que absorvia os montes de
lenha, paus e palha, arrastados pela corren-
j te, e só volviam a superfície cerca de 300
metros a jusante. Assim absorveu em eras
remotas a barca da Ermida, carregada de
povo, desapparecendo na voragem, e do
mesmo modo tem absorvido muitos barcos
rabellos de grande lotação, fazendo milha-
res de viclimas. — - E milhares de victimas
teem feito os outros 5 pontos a jusante nos
limites d'esta paroehía, mencionados supra.
Se ao longo das margens do Douro, des-
de o Porto até á Hespanha, se levantassem
tantas cruzes, quantas as viclimas que elle
tem feito, ninguém se abeirava d'elle sem
tremer.
Fecharemos este tópico dizendo que a di-
eta ponte é de grande utilidade para os con-
celhos de Baião e Rezende e esperamos que
em breve se construa, porque se empenha
em favor d'ella o sr. dr. Manoel Pereira
Dias, cavalheiro de muito valimento, muito
illustrado e muito dedicado, lente de medi-
cina em Coimbra, par do reino, filho de Re-
zende, ali casado e grande proprietário, che-
fe do partido progressista, etc.
A ponte augmeQtará também o movimen-
to e rendimento da estação da Ermida, pois
ficará accessivel ao grande concelho de Re-
zende lodo o anno e a toda a hora, em-
quanlo que hoje a passagem do Douro no
inverno ó diíflcil e perigo.sa de dia, e de noi-
te impraticável.
A pobre estação entalada contra uma bar-
reira medonha, servida por carreiros de
cabras e separada de Rezende pelas cachoei-
ras do Douro, rendeu no anno ultimo réis
3:475^990— e no 1." semestre do corrente
anno de 1889 rendeu 1:979^:310 róis.
Logo que se construam a dieta ponte e as
ZEZ
ZEZ 2153
estradas de Baião e Rezende, a estação deve
render muito mais.
A linha férrea do Douro (custa a ererl) é
uma das nossas lintias de mais movimento,
apesar da medonha crise que atravessa o
Alto Douro— e de estarem ainda hoje (1889)
<juasi todas as suas estações como a da Er-
mida,— sem estradas que lhes dêem aceesso
— e sem pontes que as liguem á outra mar-
gem.
Das suas 24 estações desde o Juncal até á
Barca d' Alva apenas teem estradas a ma-
cadam e são servidas por diligencias as 4 es-
tações seguintes; — Rêde, Regoa, Pinhão e Po-
cinhOy—e apenas tem ponte sobre o Douro
a estação da Regoa?! . . .
Pessoas notáveis
Deve ter produzido muitas pessoas notá-
veis esta parochia, porque foi um viveiro de
nobreza e tem muitas casas nobres antigas,
que deram grande numero de pessoas impor-
tantes, mas não podemos organisar a hsta,
por sermos estranhos á localidade e porque
dos filhos d'ella, apesar das nossas instan-
cias, apenas obtivemos uma pequena parte
dos apontamentos supra. Fica pois em bran-
co este tópico, mas não se queixem.
Sibi imputentl . . .
Apenas apontaremos as pessoas já indica-
das:
— José Máximo Pinto da Fonseca Rangel,
da casa de Guimarães.
— O rev. Salvador Coutinho da Cunha.
— Carlos Candido da Cunha Coutinho.
—Carlos Maria da Cunha Coutinho e
— ^Dr. Francisco da Cunha Coutinho, das
Casas Novas.
-—Os conselheiros do supremo tribunal
de justiça:
— Manoel d' Almeida Carvalhaes e
—Luiz de Sequeira d'Almeida Carva-
lhaes, da casa de Travanca.
—O dr. Antonio Fabrício Lope» Monteiro,
de Cadeade.
— Dr. Antonio Camillo d'Almeida Carva-
lho, da casa da Ermida.
— br. Antonio d'Almeida e Silva e
— Guilherme d'Almeida e Silva, da casa
do Ervedal.
— Francisco Ribeiro Pinto da Fonseca, dos
Araes.
— Francisco Ribeiro da Silva, dono actual
da quinta de Guimarães e d'outras.
Grande capitalista brazileiro.
— Manoel Antonio d'Amorim, residente em
Lisboa, mas natural da povoação do Barrei-
ro, d'esta parochia de Santa Marinha.
Fai negociante no Pará e é também gran-
de capitalista.
— Joanna Thereza, mãe ou avó do ante-
cedente.
Nasceu na dieta povoação do Barreiro e
n'ella falleeeu, contando 113 annos de
idade.
— Padre Joaquim Alves d'Azeredo Lobo,
da familia Azeredo-Lobo, de S. Pedro, filho
de Francisco Joaquim Tavares, de Rezende,
e áô D. Maria Leonor da CuQha Lobo, de
S. Pedro, irmã do dr. Bernardo José Mon-
teiro d'Azeredo Lobo e filha d'outro Bernar-
do José Menteiro d'Azeredo Lobo e de sua
mulher D, Anna Rita da Cunha, todos da
dieta povoação de S. Pedro, freguezia de
Santa Marinha, parentes de D. Lourença do
Carmo Magalhães e Menezes, ultima repre-
sentante da nobre e antiga casa e quinta de
Gosende, na freguezia de Gove, — e também
parentes da nobre familia Azeredo Lobo, da
antiga casa da Picota, de Mesãofrio, etc.
O rev. Joaquim Alves d'Azeredo Lobo foi
um presbytero de bons costumes, muito il-
lustrado, muito sympathíco, distincto ama-
dor de musica e de mecânica. Tocava mui-
tos instrumentos, sendo notável em violino
e, sem aprendisagem, afinava e concertava
órgãos e pianos e construía pianos e rebo-
cas.
Tinha muito talento e muito merecimen-
to, mas falleeeu no vigor da idade, deixan-
do vivas saudades aos seus e aos estranhos.
Nasceu na dieta casa de S. Pedra a 22 de
março de 1828;— ordenou se no Porto, onde
se tornou notável como estudante e amador
2154 *ZEZ
ZEZ
de musica, pois íoi l.« violino na musica da
Capella Canedo. Depois embarcou para o
Rio de Janeiro, onde foi muito estimado e
deu um beneficio, tocando rebeca. D'ali foi
para a cidade de Serro-Frio exercer as suas
ordens e leccionar musica. Tal era o pres-
tigio do seu nome, que muitos habitan.esda
cidade o foram esperar a distancia cora uma
banda marcial e o receberam em triumpho,
lançando-lhe flores e coroas.
Teve muitos discípulos e discípulas e, co-
mo ali faltassem pianos, por ser muito^ifiB-
cil o transporte, elle tractou de escolher ma-
deira e poz em consirueção 5 pianos, mas
só concluiu 3, porque a morte o arrebatou
em abril de 1868, quando prefazia 39 annos
de idade e a fortuna mais lhe sorria.
Teve dois irmãos— José e Bernardo. O
José foi também distincto amador de musi
ca. Tocava, concertava e afinava órgãos e
pianos, ete. e falleceu solteiro.
Vive ainda o 3." irmão — Bernardo José
d'Az€redo Lobo, excellente pessoa e que foi
um dos homens mais valentes de Baião.
Nasceu no dia 7 de novembro de 1823;
por morte de seus irmãos, tios e paeH ficou
senhor de Ioda a casa e em iO de novembro
de 1881 casou na freguezia de Riodades,
concelho de S. João da Pesqueira, com D.
Maria dos Prazeres Azevedo Pinto de Mes-
quita, filha de Alexandre de Azevedo Mene-
zes Pimentel Botelho Sarmento, represen-
tante de uma das mais nobres famílias da
Beira,— 6 de D. Anna Amália Pinto de Mes-
quita Carvalho, da nobre casa Pintos Mes-
quitas, de Villa Verde, em Lousada.'
Do consorcio de Bernardo d'Azeredo com
D. Maria dos Prazeres, existem os filhos se-
guintes:
— Adriano, que nasceu em 30 de março
de 1887, 6
-^Alexandre, que nasceu em 16 de mar-
ço de 1888.
> V. Riodades, tomo 8.» pag. 192, col. l.«
e Villa Verde, aldeia, tomo 11.» pag. 1087,
col. 1.* e segg.
Casa do Adro, na mesma aldeia de S. Pedro
Esta casa representa muitos doutores e
bacharéis formados em diversa» faculdades,
nomeadamente em medicina, como vae ver-
se do extracto de uma arvore genealógica
ms., que temos presente, feita em 1731.
) Manoel do Rego, da villa de Amarante,
irmão ou parente próximo de D. Fr. Gon-
çalo do Rego e Cunha, thesoureiro mór da
eollesiada de Leça (?) doutor em theologia
e em ambos os direitos, canónico e civil,
pela Universidade de Roma, com se vê das
suas cartas de formatura, que temos pre-
sentes, com data de 1695.
Manuel do Rego casou com Isabel Fran-
cisca, da mesma villa d'Amarante, e entre
outros filhos liveram:
2. " Dr. Manoel de Meirelles, bacharel for-
mado em medicina.
Casou em Coimbra, na rua dos Estudos,
com Antónia da Silva, e entre outros filhos
tiveram;
—Marianna da Silva, que segue;
— José, que foi também medico e morreu
solteiro;
— João, que foi simples presbytero;
— Dr. D. Antonio de Meirelles e Silva.
Foi reitor na egreja de S. Martinho de
Aldoar, concelho de Bouças, cavalleiro pro-
fesso da ordem de Malta, juiz dos casamen-
tos e vigário geral da mesma ordem, etc.
Obteve o grau de dr. em direito canónico
e civil pela Universidade de Roma em 1701.
como se vé das cartas de formatura, que te-
nho presentes.
—D. Fr. Alberto da Silva, franciscano.
Foi bispo de Goa, etc.
3. » Marianna da Silva.
Casou na villa de Amarante com o dr.
Manoel Moreira Teixeira, medico, natural da
freguezia de Tellòes, do mesmo concelho, o
qual exerceu a clinica em Barcellos pelos
annos de 1720, depois de casado, e escreveu
varias obras, que talvez não fossem publica-
das, pois Innocencio não as indica.
Foi medico muito distincto, como diz Braz
Luiz d' Abreu no Portugal Medico, pag. 53,
dando-lhe o epitheto de consumado.
Entre outros filhos tiveram:
ZEZ
ZEZ 2155
—Francisco Moreira, que segue;
—Afíonso, frade bernardo, e
— Maria José, freira.
4. » — Dr. Francisco Moreira da Silva,
também medico, etc.
Casou oa casa da Granja, d'esta parochia
de Santa Marinha, com D. Rosa Maria de
Moura Coutinho; viveu na casa da Granja e
tiveram entre outros os filhos seguintes:
—João, que segue;
—Manoel e
—Francisco, presbyteros.
5. " — Dr. João Carlos Moreira, também
medico, formado por Coimbra em 1754, co-
mo se vé das cartas de formatura que tenho
prezentes.V
Casou com D. Josepha Margarida Carnei-
ro Coutinho, da casa do Adro, onde viveu, e
tiveram entre ouiros filhos os seguintes:
— Antonio, que segue, e
— Dr. Manoel Joaquim Moreira Coutinho,
que nasceu na freguezia de Gatão, concelho
d' Amarante, a 2& de janeiro de 1781,2 mas
desde tenra idade viveu com seus paes na
casa do Adro e d'ahi foi educado e se for-
mou em medicina na Universidade de Coim-
bra.
Era muito illustrado, excellente pessoa
e clinico distinctissimo; foi deputado pro-
vincial, soeio correspondente da Sociedade
das scienciaa medicas de Lisboa e director
do hospital militar estabelecido em Lamego
no tempo da guerra da península; depois
montou e dirigiu em Jugueiros, junto da
Regoa, um hospital-barraca, ondo salvou
muitos doentes^ exercendo ao mesmo tempo
a clinica na parochia de Santa Marinha do
Zêzere, onde ia dar consultas grátis todas
as semanas.
Foi culpado como liberal em 1820 e 1828,
mas nunca o prenderam, porque precisavam
<i'elle.
1 Oriundus ex oppido de Santa Marinha
4o Zêzere,— àizem ellas.
' In Qj^ido S. Joannis de Gatão, — dizem
as suas cartas de formatura que temos pre-
zentes, com data de 1807 e que lhe dão sim-
plesmente o nome de Manoel Joaquim Mo-
reira.
Também exerceu a clinica no Porto, onde
falleceu solteiro e sem successão, a 21 de
janeiro de 1848.
D'elle falia o sr. Francisco Antonio Ro-
dri^Mies de Gusmão nas suas Memorias bio-
grapkicas dos Médicos e cirurgiões portugue-
zes, pag. 138, e o Diccion. Bibi. delonocen-
cio, que indica as obras por elle publica-
das. Apenas accrescentaremos que a Memo-
ria relativa ao Douro e impressa em Paris
no anno de 1819 não foi distribuída, mas a
pedido nosso vae agora distribuir-se pelas
bibliothecas publicas, etc. pois ainda existem
mais de 100 exemplares da dieta Memoria
na casando Adro, boje do seu sobrinho e
representante Anastácio Thomaz Moreira
Coutinho, do qual adiante faliaremos.
A dieta memoria impressa em Paris, in-
titula-se: — Primeiros ensaios para o exame
imparcial da questão, por todos suscitada, e
por quasi ninguém examinada se a Compa-
nhia Geral da agricultura das vinhas do Alto
Douro he ou não util que exista?— offereci-
dos aos lavradores do Alto Douro para os
convidar a reflectir, ou para os chamar ao
verdadeiro conhecimento das seus inter eS'
ses coloniaes — por
M. J. M. C. E. P. B. F. E. M. P. U. D. C.
E.
M. D. P. D. G. (?)
Paris
Na Ofpcina de A. Bobée.—S" de 118 pag.
Não tem data e talvez fosse impressa no
anno de 1819, mas com certeza foi escrlpta
no anno de 1817, porque a pag. 37, segun-
do se lé no exemplar que temos presente,
diz:
t Assim mesmo má, como he agora a
agoa- ardente, que a Companhia nos vende,
muitas vezes a não vende por não a ter.
Acontece, que o anno mesmo, em que esta-
mos, he hum dos exemplos d'esta verdade.
Foi o anno de 1816 tão abundante de vi-
nhos, que foi necessário fazer huma grande
separação. Com tudo no anno presente de
1817 não se vendeu agoa-ardente aos lavra-
dores, que a procuravão; respondia-se-lhes,
que a não havia, apesar de ser este o anno
2156 ZEZ
em que os vinhos precisarão mais q(ie nun-
ca de agoa-ardente.»
Do expo*8to se vé que a dieta memoria
foi escripta em 1817.
Visa a pedir a extincção da poderosa
companhia, aponta muitos inconvenientes,
abusos e prepotências d'ella — e no trecho
citado ÍD8urge-se contra o exclusivo da fa-
bricação e venda da agoa-ardente, dizendo
que a da companhia era pouca e mál
Que diria o auetor, se visse a nossa agoa-
ardente de hoje, toda ou quasi toda feita de
cereaes, de figos e d'outras porcarias,— gra-
ças à liberdade da mixordia e à extincção
da mencionada companhia?
O auetor clamava também contra a com-
panhia, dizendo que ella era o ludibrio e a
desgraça do Douro, mas, extincta a compa-
nhia, o Douro bem mais ludibriado e des-
graçado ficoul . . .
Em 1821 publicou também o auetor da
citada memoria um folheto do mesmo for-
mato com 3o paginas e o titulo seguinte:
*Supplemento á memoria — Primeiros en-
saios para o exame imparcial,* etc, — im-
pressa em Parts. — Em o qual se propõe
como util que a Companhia Geral da Agri-
cultura das Vinhas do Alto Douro, refor-
mada, e apropriada ao actual systema de
Governo,^ seja conservada até que o com-
mercio dos vinhos do Douro, livre do em-
pate em que se acha, adquira a direcção, e
extensão que deve ter: contendo juntamente
hum plano de reforma, que talvez satisfa-
ça aos fins desejados. — Composto pelo mes-
mo auetor da dita Memoria.
M. J. M.
Lisboa, na typographia Rollandiana. —
i821.*
1 O texto áh— imperial.
Foi erro typographico.
* Refere-se á implantação do governo
constitucional.
ZEZ
I N'esta data oíferecemos á
Bibliotheca Publica Municipal
do Porto e á de Lisboa exem-
plares da dieta Memoria e do
Supplemento, publicações in-
teressantes com relação á ex-
tincta companhia e que ja-
zeram até hoje em Baião,
encerradas no espolio do au-
etor.
Prosigamos.
6. " — Antonio Thomaz Moreira Coutinho,
dono da casa do Adro, onde viveu.
Casou com D. Antónia Delfina Mo-
reira Coutinho e entre outros filhos tive-
ram:
7. " — Anastácio Thomaz Moreira Coutinho,
representante e dono actual da casa do Adro,
onde vive.
Casou na freguezia de S. Thomé de Co-
vellas com D. Maria da Purificação Costa,
filha de Francisco Dâmaso da Costa, cirur-
gião de divisão effectivo, e de D. Francisca
Rosa dos Santos Costa-, da cidade de Porta-
legre,— sendo elle filho do medico Francisco
José da Costa.
Teem os filhos seguintes, todos ainda sol-
teiros:
— Abilio, qiie nasceu na freguezia de
S. Thomó de Covellas a 2 d'outubro de
1868;
— Elvira, que nasceu a 8 de janeiro de
1870;
—Cacilda, que nasceu a 10 de março de
1873, e
— Arthur, que nasceu em agosto de
1874.
Estes ultimes 3 nasceram m casa do
Adro.
Do exposto se vê que esta casa repre-
senta nada menos de 8 médicos, 2 douto-
res pela Universidade de Roma, 1 distin-
cto escriptor publico e 1 arcebispo de
Goa.
ZÊZERE (castello do)— freguezia de Paio
Pelle.
V. Almourol, Castello do Zêzere, Paio Pel-
le e Zêzere, villa, infra.
ZÊZERE (Ferreira do)^freguezia, villa e
concelho, já descriptos.
ZEZ
ZEZ 2157
V. Ferreira do Zêzere, tomo 3.' pag. 174,
col. 2.* e segg.i
ZÊZERE — rio de Baião, na proviocia do
Douro.
V. Zêzere (Santa Marinha do) — freguezia
do concelho e comarca de Baião, distrícto e
diocese do Porto.
ZÊZERE —rio da Estremadura, Beira Bai-
xa e Bouro,^ confluente do Tejo.
É este um dos rios maiores e mais inte-
ressaates do nosso paiz, já pelo seu nasci-
mento na lendária região dos Cântaros,
dentro da Serra da Estrella, já pelo seu lon-
go curso de mais de 200 kilometrosjá pela
fragosidade e asperesa das suas margens,
pois corre quasi sempre fundo por entre
medonha penedia abrupta, accessivel somen-
te às aves e onde fazem criação os bufos,
águias, ujos e abulresi
Todas as nossas geographias e chrorogra-
phias faliam do Zêzere, mas muito summa-
ríamente, porque não tem estrada alguma <
marginal e talvez que até hoje ninguém o
visse todo desde os Cântaros até o Tejo. Nós
também apenas o vimos na sua foz e desde
os Cântaros até às proximidades de Bel-
monte; vejamos porem se podemos adiantar
mais alguma coisa do que os geogi'apho3 e
chorographos que nos precederam.
Nasce no Chafariz d'El-Rei, entre o pla-
nalto da Expedição Scientiflca de 1881, a S.
e a torre (pyramide) da Estrella, a N., no
1 Rectificaremos e ampliaremos considera-
velmente este art. Ferreira do Zêzere no
supplemento a este diccionario, se Deus nos
der vida e elle ainda estiver a nosso cargo.
Não o rectificamos e ampliamos agora, para
não abusarmos da paciência dos leitores e
dos editores, que estão fatigados e anciosos
por ver concluído este diccionario — e não
menos ancioso, nem menos fatigado estou
eu\...
* Não se espantem, porque o Zêzere ba-
nha o concelho da Pampilhosa, que perten-
ce ao districto de Coimbra, província do
Douro.
TOLUMB XI
centro da grande serra d'esle nome; recebe
depois na margem esquerda (N; O.) a agua
dos Cântaros, das lagoas da Salgadeira e
Paxão e da nave da Candieira;^ aecentiia
no fim d'esta nave o seu leito e caminha de
S S.O. a N.N.E. quasi era linha recta por
uma estreita e fanda ravina d'âlta penedia
abrupta e medonha atéà villade Manteigas,
(margem esquerda) distante do Chafariz
d"El'Rei cerca de 10 kilometros contados
em recta sobre o mappa, mas o caminho
(carreiro de cabras atravez da serra) dá taes
voltas, que o percurso é talvez superior a
15 kilometros.
Em Manteigas recebe na margem esquer-
da um regato que vem do Chão das Barcas
pelo valle das Carvalheiras/ correndo muito
precipitadamente e quasi a prumo de N. a
S. e que banha, atravessa e aterra a villa.
O planalto de Chão das Barcas é o l."
que se encontra subindo de Manteigas con-
tra a serra. Dista da margem esquerda do
Zêzere, um pouco a jusante de Manteigas,
2:500 metros, mareando porem ali o Zêzere
(a Capella de' Santo Antonio) 718 metros de
altitude sobre o nivel do mar, o dieto Chão
das Barcas tem a cota de 1:352 metros de
aliitude.3 Está pois superior ao leito do Zê-
zere 600 metros— e à villa cerca de 500 me-
lros, pelo. que em tempo de trovoadas, ou de
de.ogelo e grandes chuvas, o dito ribeiro en-
grossa e despenha-se sobre o Zêzere, atra-
vessando a villa e levando por vezes d'en-
volta na torrente arvores, penedos, casas e
campos, como levou ainda na 1.* metade
d'este século.
1 Logo daremos uma ligeira noticia da
Expedição, da serra da Estrella e dos sitios
mencionados.
2 Antes de receber este regato, recebe ou-
tros mais pequenos, de que logo faremos
menção.
3 Todas as cotas d'altitude que indicar-
mos referem-se ao nivel do mar e são exa-
ctissimas, exirahidas dos excellentes map-
pas da nossa commissão geodésica.
As distancias são aproximadas e compu-
tadas em recta sobre os dictos mappas.
136
2158 ZEZ
ZEZ
No dia 27 d'agosto de 1804 uma medonha
trovoada arrasou 27 casas e matou 27 pes-
soas;—em 19 de setembro de 1818 levou 3
pontes e uma casa.--e outra enchente pos-
terior (ignoramos a data) causou também
grandes prejuízos.
O diclo valle tomou o nome das carva-
lheiras seculares que o povoam, pertencen-
tes ao município e que foram plantadas
para ampararem a terra e os penedos da
encosta e protegerem a villa. D'esta sobe
até o Chão das Barcas uma medonha e an-
tiga estrada por entre as carvalheiras, tão
Íngreme, que faz tremerl Parece uma esca-
da lançada contra o eeu. A custo se pôde
subir por ella a cavallo, como nós subimos
na tarde de 4 d'agosto de 1881 com a Expe-
dição Scientiflea.^
Não ha memoria de ter passado ali cavai-
gata mais imponente, pois entre bagageiras
e cavalgaduras de sella comprehendia talvez
60 e o pessoal subia ao triplo. Tomava toda
a encosta e ofTerecia um aspecto phantasli-
co, estranhO;, pois de qualquer dos laeetes
se descobria o comboio todo serpeando em
moroso e alegre movimento e a villa sem
horisonte, enterrada lá no fundo em uma
cova cerca de SOO metros mais baixa do
que os antemuraes da grande serra, distan-
tes 2 a 3 kilometros^ pelo que a villa é ar-
dentíssima no verão. Parece uma fornalha
candentel
Nòs chegámos ali com a Expedição às 10
horas da manhã. Foi-nos servido um esplen-
dido almoço, preparado d'ante-mão. Termi-
nou ao meio dia e, como a Expedição re-
solvesse partir para o acampamento ás 6
1 Nós tivemos a honra de acompanhar a
dieta Expedição, — não como vogal d'ella,
mas como representante e repórter do Dis-
tricto da Guarda e do Commercio Porlugtiez.
N'este ultimo jornal, um dos primeiros do
Porto, pôde ver-se na collecção do mez de
agosto do dicto anno uma serie de longas
cartas, enviadas por nós do acampamento.
horas da tarde, eu e o meu amigo Lopes
Mendes tentámos ir ver as celebres caldas de
Manteigas, distantes da villa apenas 1:500
metros e que demoram no leito do Zêzere.
Ainda chegámos ao fundo da villa, mas não
nos atrevemos a passar d'ali, porque o ar
parecia fògol.
Ê tal a diflTerença d'exposição, d'aUitude
e de clima entre a villa e os ante muraes da
serra, que estes apenas produzem no verão
gervum para o gado lanígero, emquanto que
o terreno em volta da villa é mimoso e fér-
til. Tem bons campos de milho, bons poma-
res de fructa, bons olivaes, soutos de casta-
nheiros e grandes vinhedos, hoje também
muito doentes e prestes a extinguirem-se,
como todos os de Portugal e da Europa.
Tristis est!. ..^
Prosigamos.
O Zêzere, deixando Manteigas, descreve
uma curva para S. até receber na margem
direita um ribeiro que vem do Cabeço do
Souto, na altitude de 1283 melros; depois
retoma a direcção geral S.O. — N.E.; passa
a jusante e pouco distante da povoação e
freguezia do Sameiro (margem esquerda)
concelho de Manteigas, e que demora na al-
titude de 656 metros; recebe ali um ribeiro
que vem do Corredor dos mouros, planalto
que demora a N. com a altitude de 1299
metros; vae na mesma direcção S.O.— N.E.
até Val de Moreira, margem esquerda;2de-
1 Os vinhedos de Manteigas no ultimo an-
no produziram apenas 1:200 almudes de
vinho, mas já produziram 8:000.
2 Por este valle fugiu alta noite em feve-
reiro de 1847 o general Povoas, estando
cercado em Manteigas pelas tropas dos ge-
neraes Lapa e Solla e pelo batalhão de vo-
luntários dos Marçaes de Foscôa, que o per-
seguiam e tentavam apanhal-o, quando elle
ia apresentar-se á junta do Porto com al-
guns voluntários, ainda sem armamento nem
equipamento. Foi uma das manobras mais
felizes do velho general.
V. Guarda, Lamego e Vèlla, D'este diecio-
nario e no supplemento.
ZEZ
ZEZ 2159
pois descreve outra curva para S.; forma
um angulo agudo; recebe no vértice do an-
gulo (margem direita) um ribeiro de ISl^il.
de curso, que vem do alto dos Poios Bran-
cos (altitude 1702 metros) junto dos Canta-
rosi e banha a povoação e freguezia de Ver-
delhos (margem esquerda) concelho da Co-
vilhã (altitude S80 metros) tendo passado
a N.O. do curuto de Villa de Mouros (alti-
tude 1250 metros).
O Zêzere, depois de receber o dicto ribei-
ro, volve a N. retomando a direcção geral
S.O.— N.E. até Valhelhas, margem esquerda,
onde recebe um ribeiro de 8 kil. de curso,
que vem da altitude de 1140 metros e ba-
nha o povo e freguezia de Famalicão, per-
tencente ao concelho da Guarda, bem como
Valhelhas, terra antiquíssima, outr'ora acas-
tellada, e que demora na confluência da di-
eta ribeira com o Zêzere.
Depois toma a direcção N.O. — S.E. até às
proximidades de Belmonte e antes de che-
gar ali recebe na margem esquerda um
braço importante, que vem das proximida-
des da Guarda; tem 15 kil. de curso, e ba-
nha as freguezias d'Aldeia do Bispo, Ra-
mella e Vella, hem como as povoações de
Vendas de Gaia e Gaia, onde passa a nova
estrada real a macadam da Guarda a Cas-
tello Branco, por Belmonte e Covilhã.
O Zêzere, depois de receber o dicto ri-
beiro, que por seu turno é formado por dif-
ferentes ribeiros, toma a direcção geral
N.E.—S.O.; — banha na margem esquerda
íis povoações e freguezias de Belmonte, Ca-
1 Os Poios Brancos distam do Zêzere
(margem direita) 2 kílometros para S. E.;
4 do Cântaro Magro para E. — e 5 da Es-
trella para E. S. E., mas tão fundas, esca-
brosas e medonhas ravinas se meltem de
permeiO;, que fazem subir aquellas distan-
cias ao duplo ou triplo.
O percurso dos 5 kil. (recta) entre os
Poios Brancos e a Estrella demanda 3 ho-
ras de marcha fatiganiissima!
ria. Ferro, Alçaria, Silvares, Barroca, Ja-
neiro de Cima, Bogas de Baixo, Orvalho, Al-
varo,i Pedrogam Pequeno, Souto, Martinxel,
Aldeia do Matto e Constança, — e na mar-
gem direita as povoações e freguezias de
Orjaes, Boi d'Obra, Dominguiso, Peso, Bar-
co, Ourondo, Bodelhão/ Carregal, Janeiro
de Baixo, Cambas, Alvares, Pedrogam
Grande, Figueiró dos Vinhos, Arêga, fre-
guezia de Figueiró dos Vinhos, Becco, Bor-
nes, Paio Mendes, Aguas Bellas, Ferreira
do Zêzere, Serra, Beberriqueira e Asseicei-
ra, desaguando com mais de 40 legoas ou
de 200 kilometros de curso junto da villa de
Constança, na margem direita do Tejo.
fi —
Do exposto se vô que o Zêzere é um rio
muito importante.
Banha 3 províncias:— Douro, Beira Baixa
e Estremadura; 4 bispados:— Guarda, Por-
talegre, Coimbra e Lisboa ; 5 districtos : —
Guarda, Castello Branco, Santarém, Coim-
bra e Leiria ; 17 concelhos : — Manteigas,
Guarda, Belmonte, Fundão, Oleiros, Certa,
Villa de Rei, Abrantes e Constança, na mar-
gem esquerda;— na direita: Covilhã, Pam-
pilhosa, Goes.s Pedrogam Grande, Figueiró
dos Vinhos, Ferreira do Zêzere, Thomar* e
Villa Nova da Barquinha.^
1 Esta freguezia demora na margem es-
querda do Zêzere, concelho de Oleiros, mas
tem casas e terras na margem direita, con-
celho da Pampilhosa, sem ter ponte, mas
somente barca, para atravessar o Zêzere,
pelo que é diffleillima no inverno a admi-
nistração dos sacramentos aos povos da
margem direita.
2 Esta freguezia demora na margem di-
reita do Zêzere, encravada entre penhascos
medonhos, mas foi anida á da Barroca, sita
na margem esquerda, a distancia de 6 kilo-
metros, e ambas pertencem ao concelho do
Fundãol . . .
Anteriormente pertencia ao concelho da
Covilhã.
3 Alváres, freguezia d'este concelho, toca
no Zêzere.
4 Olalhas (Olaias) Serra e Beberriqueira,
freguezias d'este concelho, tocam no Zêzere.
& Paio Pelle, hoje Praia, freguezia d'este
2160 ZEZ
ZEZ
Banha lambera muitas parochias, algu-
mas das qaaes Gcam mencionadas supra.
Leito e margens do Zêzere, curvas,
penhascos e póços
O Zêzere desde os Cântaros até Manteigas
corre fundo e quasi em recta por uma es-
treita ravina muito fragosa, inculta e medo-
nha. Apenas tem alguns chãos cultivados e
que produzem batatas e milho, junto das
Caldas.
Desde Manteigas até Valhelhas as suas
margens são menos abruptas, qnasi todas
cultivadas e já teem alguns campos muito
férteis e mimosos; avulta porem na margem
esquerda, cerca de 3 kilometros a jusante
de Manteigas e quasi em frente da ribeira
de Verdelhos, o grande penhasco da Figuei-
ra Brava, cujo aspecto fez retroceder os
francezes nas suas correrias durante a guer-
ra da Peninsula, pelo que os francezes nã@
entraram em Manteigas. O dicto penhasco
salvou esta villa!. . .
Desde Valhelhas (margem esquerda) até
á povoação e freguezia do Barco (margem
direita) cerca de 20 kil. a S. O. da Covilhã
e 40 a S. 0. de Valhelhas, tem margens am-
plas, abertas, lindíssimas e com vastos cam-
pos muito férteis.
Os maiores campos que o Zêzere banha
demoram desde Gonçalo, margem esquerda,
freguezia do concelho da Guarda, até à fre-
guezia do Pezo, margem direita, concelho
da Covilhã. Entre elles avulta e merece es-
pecial menção a formosa planície compre-
hendida entre Belmonte, Gonçalo e Aldeia
do Matto.
O Zêzere, deixando nos herminios o seu
estreito berço de granito, onde se estorce
concelho, toca no Zêzere, margem direita,
em frente de Constança, — e no Tejo, mar-
gem direita também, desde a foz do Zêzere
até o ribeiro que divide ao poente a fre-
guezia da Praia {Paio Pelle) da de Tancos.
V. Zêzere, villa,— m/^ra
em convulsões de raiva furioso, vem des-
cançar indolente aqui em melhor leito. Cor-
ta a planície em curvas graciosas, deslisan-
do mansamente por entre duas orlas de sal-
gueiros, como que pesando lhe de deixar
as philomelas que choram tristes nos ramos
das arvores e as florinhas que, inclinando
para elle seu cálice d'ouro, lhe offerecem
uma lagrima de saudade.
O Zêzere n'esta mimosa estancia recorda
o Mondego desligando suave desde Coimbra
até á Figueira, ou o Lima desde a villa da
ponte do seu nome até Vianna.
Em todo o concelho de Manteigas cor-
re sempre enfragado e apenas ali se en-
contram alguns pequenos poços de 2 a 3
metros d'altura e 6 a 8 de diâmetro, que
abundam era trutas e enguias deliciosas,
mas pequenas. As maiores raro excedem a
um kilo.
Desde que entra na planieie dos concelhos
da Guarda, Belmonte e Covilhã, começam a
faltar as trutas e enguias, mas em compen-
sação abundam as bogas e barbos, alguns de
grande tamanho. Os maiores eneontram-se
nos póços das freguezias do Peso, Barco e
Ourondo, por serem os mais fundos do Zê-
zere a partir dos Cântaros. Devem ter 8 a
10 metros de profundidade, mas um pouco
mais a jusante tem poços com o triplo de
altura.
Desde a freguezia do Barco até á sua foz
ou Constança, o Zêzere (salva raríssimas ex-
cepções) corre por entre penedia abrupta,
apertada, medonha, onde se vé desenhado o
bello -horrível a cada passo, e descreve uma
infinidade de curvas e toreicollos muito in-
teressantes!
0 1.» torcicollo mais notável encontra-se
entre Silvares e Ourondo, cerca de 8 kilo-
metros a jusante do Barco.
Desde Silvares até á povoação e freguezia
de Dornellas, distante de Silvares apenas 8
kilometros em recta, as curvas são tantas e
de tal ordem, que o percurso pelo leito do
rio sobe a 16 kilometros ou mais. E a ju-
sante attingem o cumulol
ZEZ
ZEZ 2161
Entre Dornellas e o Porto das Vaccas a
dibtaQcia em recta é de 4 kilometros, mas
descreve ali o Zêzere tal curva para S. que
0 percurso pelo leito do rio sobe a 14 a 15
kilometros.
Dã extremidade S. da dieta curva à po-
voação e freguezia de Janeiro de Cima a dis-
tancia em recta será de3 kil., mas tão gran-
des toreicollos descreve ali o Zêzere, que
pelo leito do rio a distancia é de 12 a 13 ki-
lometros.
Ao sul do Porto das Vaccas (margem di-
reita, freguezia de Janeiro de Baixo, conce-
lho da Pampilhosa) e a N. de Janeiro de Ci-
ma (margem esquerda, concelho do Fun-
dão) ha um mome com a altitude de 436 j
melros, muito propriamente denominado
Lambedor, porque o dicto monte é muito es-
treito; de N.E. a S.O. lerá em recta apenas
1 kilometro e é contornado pelo Zêzere, que
ali quasi se toca, beija e lambe, mas descre-
ve taes toreicollos para todos os quadran-
tes, que forma uma interessante península,
fechada pelo dicto monte, e do lado N.E.
d'elle ao lado opposto o percurso pelo leito
do rio ó de 5 a 7 kilometros.
A mencionada península devia ser occu-
pada desde os tempos mais remotos, por ser
muito defensável, pois o rio ali corre fundo
em toda a circumferencia d'ella. Bastava
fortificar o estreito euruto do Lambedor,
chave da península, com quaesquer obras
de defesa na ex tenção de 90 a 100 metros,
talvez, para transformar aquella península
em uma praça de guerra medonha, no tem-
po das armas brancas, principalmente quan-
do o Zêzere fosse cheio.
Com vista aos archeologos.
No planalto da dieta penín-
sula qualquer pequena esca-
vação deve dar muitas velha-
rias históricas e prehistori-
cas.
A jusante e em frente de Janeiro de Cima
o Zêzere não é menos interessante no ter-
mo da parochia limitrophe — Janeiro de Bai-
xo (margem direita).
£m carta que temos presente diz o seu rev.
vigário actual — Manoel Dias Barata — ■ en-
tre outras coisas o seguinte:^
«Esta parochia é banhada pelo Zêzere
desde os grandes penedos de Janeiro de
Baixo, um pouco a jusante da povoação do
mesmo nome, séde d'esta freguezia, até os
Penedos do Carregal, freguezia de Dornellas,
eomprehendendo cerca de 15 kilometros.
Na margem fronteira (esquerda) banha na
mesma extensão toda a parochia de Janeiro
de Cima, ambas do concelho do Fundão, —
desde o Penedo do Mosqueiro, junto da fre-
guezia do Orvalho, concelho de Oleiros, até
o Penedo Barroco, freguezia de Bogas de
Cima, concelho do Fundão, a montante (E.
[ N.E.) da parochia de Janeiro de Cima.
O Zêzere é um rio caudaloso; toma no in-
verno grandes cheias e não tem n'estes sí-
tios ponte alguma, nem antiga nem moder-
na. Está projectada uma na parochia de Ja-
neiro de Cima, onde entroncam as duas es-
tradas novas do Fundão e Castello Branco
a Coimbra, cerca de 2 kil. a montante da
povoação de Janeiro de Baixo; mas actual-
mente desde a Ponte Pedrinha, junto da
Covilhã, até á ponte do Cabril, junto de Pe-
drogam Grande, na extensão de 80 kilome-
tros, não ha ponte alguma, mas somente bar-
cas de passagem, cujo numero se eleva a
14. Uma demora junto da povoação de Ja-
neiro de Baixo e pertence á camará da Pam-
pilhosa, e outra está ji^to da povoação de
1 O rev. Manoel Dias Barata nasceu na
freguezia de Cambas, concelho de Oleiros,
no dia 17 da dezembro de 1838, e foram
seus paes Manoel Antunes e Emília Dias,
proprietários.
Desde tenrg, idade viveu em Jaeniro de
Cima com o rev. José Dias, seu tio mater-
no, que o educou e ordenou e lhe deu o seu
próprio património, alem d'outro3 bens.
Recebeu a ordem de presbiíero na Guar-
da em 1861; foiparocho emUnhaeso Velho
desde 1864 até 1880; em seguida parochiou
durante 9 anoos a freguezia de Peeegueiro,
concelho da Pampilhosa, e desde março do
corrente anno de 1889 é parocho e paroeho
digníssimo n'esta parochia de Janeiro de
Baixo.
2162 ZEZ
ZEZ
Janeiro de Cima; rende para o Santíssimo
Sacramento d'aquella freguezia— e é arre-
matada pela junta de parochia.
Trabaliiam mesmo nas grandes cheias,
quando o rio vae de monte a monte, e não
consta que alguma d'ella3 tenha naufragado.
«As freguezias de Janeiro de Baixo e Ja-
neiro de Cima, bem como parte da de Bo-
gas de Baixo, teem nas margens do Zêzere
bons campos e lodeiros muito férteis, que
produzem muito milho, vinho, trigo, azeite,
centeio, melões, ete. porque junto da foz da
ribeira de Bogas se erguem nas margens do
Zêzere dois grandes penhascos que o aper-
tara e formam uma garganta que nas cheias
faz represar e altear as aguas do rio até
muitos kilometros de distancia, cobrindo as
duas margens a grande altura e depositan-
do n'e]las gordos nateiros, poslo que alguns
annos nas grandes cheias os medonhos re-
demoinhos do Zêzere escalavram também
as margens em alguns sitios e cobrem ou-
tros de areia.
A agua, alteando no dicto Portal de Bo-
gas, cahe depois com violência, formando
medonha cachoeira a jusante, — e o mesmo
sueeede nos Penedos do Carregal, freguezia
de Dornellas.i
• «A parochia de Janeiro de Baixo é uma
península, porque principia a ser banhada
pelo Zêzere do lado poente e depois a cérca
pelo norte e sul, ficando livre apenas e co-
mo servindo de porta da península uma es-
treita garganta de terra entre sul e poente,
que tem 3 estradas para os lados, as quaes
* Os ta es Penedos de Bogas semelhajn as
Portas de Rodam, no Tejo,— e o Cachão da
Valleira no Alto -Douro.
V. Villa Secca d" Armamar, tomo 11.» pag.
1039, col. 2.* e segg. — e
Villa Velha de Rodam, no mesmo vol.
pag. 1078, col. l.«
se dirigem— uma á freguezia de Cambas, —
a do meio á villa da Pampilhosa— e a outra
a diversas povoações da freguezia de Janei-
ro de Baixo, situadas ao norte d'ella. taes
são Brejos, Souto, Esteiro, Porto de Vaccas
e Michiaiinho, que demoram ao longo da
margem direita do Zêzere, no recôncavo
formado pela península de Janeiro de Cima.
Desde os Penedos do Carregal, a montan-
te, até os de Bogas, a jusante, ha no Zêzere
muitos poços, taes são os de Tabinho, Ga-
locha, Lavandeira, Penedo, Poço das Insas,
ou Insuas, e Poço da Varja ou Várzea, que
dão bastante pescado, mas miúdo.
São raros os peixes que pesam um kilo;
ha porem junlo da povoação de Janeiro de
Baixo um poço, denominado Pégo, que mes-
mo no verão tem 8 a 10 metros d'altura, e
n'elle se tem pescado peixes (barbos) enor-
mes com o peso de 6 a 7 kilos.
O Zêzere no termo de Janeiro de Baixo
por vezes nas grandes cheias attinge 25 a
30 metros d'altura e 140 a 150 de largura.
E' então que alaga e forma os lodeiros mar-
ginaes, onde no verão se cultiva o milho,
etc. sendo regados com a agua do Zêzere por
meio de noras, movidas pela corrente do
mesmo Zêzere.
«A pequena distancia dos Penedos de Bo'
gas e da serra de Janeiro, qtíe separa a fre-
guezia de Janeiro de Baixo da de Cambas,
ha o grande poço do Esturão, junto da al-
deia de Admoço, da mesma freguezia de
Cambas, a jusante da de Janeiro de Baixo.
— Tem o dicto poço 15 a 20 metros de al-
tura na estiagem e mais de 120 de compri-
mento,—e n'elle se tem pescado peixes de
7 a 8 kilos de peso cada um.
Demora o dicto poço do Eslvrão a jusante
da Porta de Bogas, mencionada supra e que
é formàda pelo grande penedo d» Bogas,
que se ergue na margem esquerda do Zê-
zere, e pelo do Mosqueiro, que se ergue na
margem direita e a pequena distancia, ten-
do de altura sobre o leito do rio mais de
150 metros cada um. N'elles se criam águias^
ujos, abutres e outras aves de rapina.
I O grande volume d'agua do Zêzere nas
ZEZ
cheias, cahindo precipitadamente da Porta
de Bogas, formou o celebre poço do Esturãoj
que é um dos mais notáveis do Zêzere, — e
prosegue este rio para o sul por entre pe-
nhascos medonhos, formando outros muitos
poços mais ou menos altos até juQto da sua
foz, principalmente até à villa de Ferreira
do Zêzere.
«O celebre Portal de Bogas é por assim
dizer ura marco que divide 2 distrietos, 3
concelhos e 3 bispados.
Temos a leste a paroehia de Janeiro de
Cima e Bogas de Baixo, concelho do Fun-
dão, bispado da Guarda, districto de Cas-
tello Branco; ao sul a freguezia de Cambas
e a S. O. a de Orvalho, ambas do concelho
de Oleiros, bispado de Portalegre, districto
de Castello Branco; a O. e N. Janeiro de
Baixo, concelho da Pampilhosa, districto e
diocese de Coimbra.
ZEZ 2163
Alvóco da Serra} em cujo termo se liga à
Torre (pyramide) da Estrella, ponto culmi-
nante da serra d'e8te nome.
Do penhasco do Mosqueiro avança a di-
eta serra na margem esquerda do Zêzere
para nascente e sul; atravessa a Beira Bai-
xa, passando junto de Castello Branco; atra-
vessa o Tejo e a província do Alemtejo; pas-
sa junto de Portalegre e Castello de Vide e
vae pela Hespanha dentro.
Toda a dieta serra é uma dependência da
serra da Estrella; abunda em agua excel-
lente, que rega muitos campos de milho;—
tem muitos soutos de castanheiros, bons
pastos para o gado— e muita caça grossa e
miúda:— coelhos, lebres perdizes, raposas,
alguns javalis e lobos.»
Ao sr. Manoel Dias Barata,
meu illuslrado collega, muito
digno vigário da freguezia de
Janeiro de Baixo, agradeço os
apontamentos supra.
«A paroehia de Janeiro de Baixo é sepa-
rada das de Janeiro de Cima, Bogas de Bai-
xo e Orvalho pelo Zêzere e pelo grande pe-
nhasco do Mosqueiro, parte integrante da
grande serra que a O. sepàra a freguezia
de Janeiro de Baixo das de Cambas e Cabril,
em cujo termo, no sitio do Valle Grande, ha
de um e outro lado da ribeira de Unhaes
Velho, concelho da Pampilhosa, dois pe-
nhascos enormes, que teem d'altura mais de
80 metros, a pequena distancia um do ou-
tro e formando uma estreita garganta ou
senda, muito semelhante á da Foz de Bogas
no Zêzere.
A dieta serra avança d'ali para o norte,
separando a freguezia do Cabril da de Vi-
dual de Cima, e vae até o grande penhasco
do Portello de Fajão, na villa d'estó nome;
d'ali corta para E., separando a freguezia
de Fajão da de Unhaes Velho, e vae até o
picoto da Cebola, em cujas faldas demora a
leste a povoação e freguezia de Cebola.
Avança d'ali até Sobral de Cazégas, povoa-
ção e freguezia do concelho da Covilhã; se-
para a freguezia de Unhaes da Serra da de
Se o Zêzere é tortuoso e penhasenso des-
de a povoação e freguezia do Barcn até o
Portal de Bogas, mais tortuoso e penhasco-
so é d'ali até á celebre ponte do Cabril, da
qual adiante fallaremos no tópico pontes.
í N'eâta freguezia, quando se arroteava
um monte para plantação de vinheilos, ap-
pareceu em i887 um pia de granito e den-
tro d'ella cerca de mil donarios romanos de
prata variadíssimos e muito bem conserva-
dos. Nós obtivemos tres, ura dos quaes era
inédito, — uma preciosidade numismática^
Pôde ver-se no museu da camará do Porto,
à qual foi por nós offerecido.
O mencionado thesouro appareceu em
uma quinta do sr. Antonio Luiz Monteiro
Pina, cavalheiro muito estimável, a quem
agradecemos a oíTerta dos tres denarios su-
pra.
Na mesma propriedade teem apparecido
outras velharias romanas, o que prova que
os romanos ali se demoraram.
V. Alvôco da Serra n'e9te diccionario e
no supplemento, onde fallaremos d'aquella3
e d'outra velharias e lendas curiosas, roma-
nas e árabes.
2164 ZEZ
Caffiinha na direcção geral N.E— S.O. mas
d'um modo caprichoso. E' uma continuida-
de de grandes curvas muito symetricas e
duplas, contra N.O e S.E,, imitando o cami-
nhar d'uma serpente. Dá tantas e tão repe-
tidas voltas que, distando aquelles dois pon-
tos um do outro apenas 30 kilometros era
recta, o percurso do Zêzere sobe aproxima-
damente a 60 kilometros e é muito interes
sante, mesmo desenhado nos soberbos map-
pas da commissão geodésica, onde nós o vi-
mos, pois nunca nos abeirámos d'elle n'a-
quellas paragens e estamos convencido de
que até hoje ninguém o percorreu entre
aquelles doià pontos, por não ser navegável
nem ter estrada alguma marginal e correr
muito fundo por entre penhascos horroro-
sos!
Apenas de longe em longe tem algumas
barcas de passagem, pois desde a Ponte Pe-
drinha, junto da Covilhã, até á de Cabril.
não tem poete alguma,— e o fragoedo das
margens prolonga-se até grande distancia
d'elias, como pôde ver-se nos mappas e nas
Memorias da villa de Oleiros, publicadas
em 1881 pelo fallecido sr. bispo d'Angra —
D. João Maria Pereira d' Amaral Pimentel,
filho d'aquella villa.
Também enlra o Portal de Bogas e a pon-
te de Cabril, por ser o rio estreito e frago-
so, ha poços muito fundos, com abundân-
cia de peixes, sendo alguns muito grandes.
Ja falíamos do poço do Esturão, onde teem
apanhado peixes de 12 kilogrammas de peso
— e nos poços da freguezia d'Alvaro, conce-
lho de Oleiros, os barbos pesam por vezes
10 kilos.
Fallando do Zêzere, dizem as Memorias
de Oleiros:~KTem grande abundância de
peixes e enguias. Nos limites d'Alvaro teem-
se pescado barbos de mais de dez kilogram-
mas de peso. As inguias são pescadas no
outomno em grande quantidade, por occa-
sião das cheias, em açudes, onde encana a
agua para grandes canniçadas de verga, que
lhes armão, e onde ficam.* • Op. cit. pag
236 e 257.
Este processo é muito antigo e usava-
ZE2
A jusante da ponte do Cabril também ha
no Zêzere muitas fragas e muitos poços, no-
meadamente no termo de Figueiró dos Vi-
nhos.
O Zêzere banha este concelho na exten-
são de 10 a 12 kilometros, desde a barca da
Búuçã até Casalinho de SanfAnna, fregue-
zia de Aréga, e n'este espaço tem os poços
seguintes.!
1.°— Pofo da Barca, profundidade 15 me-
tros (na estiagem).
±''-?oçoda Vilheira (?) profundidade 14
metros.
. se também no Douro no sec. xvi, pois na
j Descripção do terreno em volta de Lamego
duas legoas, eseripta pelo cónego tercenario
I Ruy Fernandes em 1532 e publicada pela
! Acad. R. das S. em 1824, no Titulo do peixe
do Douro diz o seguinte:
I «Outrosi morrem no dito douro muitos e
mui formosos eiroes, que sam tam grandes
como çafflos, e mui grossos e saborosos: o
morrer d'estes eirões he depois da castanha
caida dos castanheiros, porque a enxurrada
leva 03 ouriços dos soutos ao Douro, e os
ouriços entram em os remãsos do douro
nos lòdos onde os eirões eslam, e os pica, e
se erguem no douro, e vara cahir em huns
canaes que estam no douro com huns cani-
ços, e ahi caem em sêco, principalmente de
noite, onde oa aguardam com paaos, e ma-
tam a raôr parte d'e!les, e ha noite que ma-
tam 300, 400 eirõs: ha hi alguns savelhas,
ha também alguns solhos. . . de 10, 13, 14,
15 palmos. . . »
Y.' Inéditos de Hist. Port. tomo 5.° pag.
561 e 562,— e Viso, n'este diccionario, to-
mo 11." pag. 1893, col. 2.% onde descreve-
mos a pesca d'um grande solho, que nós vi'
mos matar no Douro e que pesava sessenta
e tantos hilosfl ...
* Entre a ponte do Cabril e a barca da
Bouçã também ha 3 grandes poços:
{."—Poço do Madrão, na freguezia do Car-
valhal, concelho da Certã.
Tem 20 a 30 melros de altura.
2. ' — Poço do Gregorio, na mesma fregue-
zia.
Tem 30 a 40 metros de altura.
3. °— Poço do Pereiro, na freguezia do Cas-
tello, do mesmo concelho da Gerta.
Tem menos altura do que os dois antece-
dentes.
ZEZ
ZEZ 2165
d-^—Trongo (?) profundidade 18 melros.
k.'—Foz do Pairoso, profundidade 15 me-
tros.
5. *— Poço da Murteira, profundidade 10
metros.
6. "— Poço do Val do Rio, profundidade 4
metros.
7. "— Poço do Feijoal, profundidade 11 me-
tros.
8. "— Poço do Vento ou do Bento,^ profun-
didade 14 metros.
9. °—Amieirinhos, profundidade 6 metros.
10. "— Poço da Cerdeira (?) profundidade
12 metros.
lí.»~Couçobral, profundidade 13 metros.
^2.'>—Pégo da Justiça (o nome é eloquen-
tel...) profundidade 12 metros.
13.°— Pofo do Val Bom, profundidade 8
metros.
lí.'—Poço da Varja (Várzea) profundi-
dade 15 metros.
Ao muito rev. sr. Diogo Pe-
reira Baetla Vasconeellos, pa-
rocho de Figueiró dos Vinhos,
agradeço a nota supra — e não
me responsabiliso pela exacti-
dão das cifras.
A jusante do Casalinho de SanCAnna,
extremidade S.O. da freguezia à'Arêga e do
concelho de Figueiró dos Vinhos, o Zêzere
ainda corre por entre grandes penhascos e
tem muitos poços.
Entre os penhascos avulta na margem di-
reita o de S. Paulo, na serra d'este nome,
freguezia do Bêco,^ junto do Pégo do Pião,
1 Os apontamentos que recebi da locali-
dade dizem Bento, e talvez que seja este o
verdadeiro nome do dieto poço, como ou-
tro mencionado supra se denomina Pofo do
Gregorio, mas titubiamos, porque nas mar-
gens do Zêzere e em grande parte das duas
províncias da Beira, como na do Minho, cos-
tumam trocar o V. por B. — e vice-versa.
1 V. Beco, art. interessante, tomo l.« pag.
355, col. 2.»
concelho de Ferreira do Zêzere,— e no mes-
mo concelho tem os poços seguintes, des-
cendo:
i.o—Pégo do Pião, entre a freguezia de
Bêcco, margem direita— e a de Sernache do
Bomjardim, margem esquerda.
Terá de altura 10 metros e de compri-
mento outro tanto.
2.o_pe<;o do Penedo do Salto, na fregue-
zia de Domes, junto da povoação d'e8te no-
me.
Terá d'altura 7 metros e de comprimento
outro tanto.
Z.^—Pégo do Forno da Ca/, junto da mes-
ma Villa de Dornes.
Terá d'altura 30 metros (?) e de compri-
mento outro tanto.
h^.^—Pégo da Cruz, junto de Villa-Gaia.
Terá de altura 10 metros e de compri-
mento outro tanto.
Estes 4 pégos ou poços estão entre a fre-
guezia de Dornes e a de Sernache do Bom-
jardim.
^°—Pégo do Linho, \vldXo de Rio Fundeiro,
povoação da mesma freguezia de Dornes.
Terá de altura 30 metros (?) e de com-
primento 10. Demora entre a freguezia de
Dornes, concelho de Ferreira do Zêzere, e a
de Palhaes, concelho da Cerlã.
Q^—Pégo do Ouro, junto á povoação de
Pom beiro, freguezia de Ferreira do Zê-
zere.
Terá de altura 30 metros (?) e de compri-
mento 7. Demora entre a freguezia de Fer-
reira do Zêzere, margem direita — e a de
Villa de Rei, margem esquerda.
N'este3 poços ha muito peixe: — eirozes»
trutas, bogas, barbos e bordalos, todos mui-
to saborosos, — e tem-se pescado aqui bar-
bos de 12 kilosl
Também no tempo da creação aqui se
pescam sáveis e lampreias.
No concelho de Ferreira do Zêzere o rio
não tem campos nas margens, mas sómento
I alguns pequenos lodeiros, que produzem mi-
lho 6 feijão.
Nas aguas medias tem nos limites d'este
concelho aproximadamente 30 metros de
largura, mas na grande cheia de 1876 at-
tingiu mais de 60 metros de largura e 10 de
2166 ZEZ
altura sobre a linha das aguas medias, ten-
do por consequência, era alguns poços, tal-
vez mais de 40 metros d'altura?! . . .
Também n'este concelho é navegável so-
mente em alguns sítios por barcas de pas-
sagem, mas d'aqui vae para o Tejo e para
Lisboa grande quantidade de madeira de
castanho em jangadas.
Ao muito rev. sr. Francisco
José Pereira, digno prior actual
de Domes, agradeço os apon-
tamentos supra, relativos ao
Zêzere, na circumscripção da
sua parochia e do concelho de
Ferreira do Zêzere.
Pontes e Barcas
O Zêzere na estiagem tem pequeno volu-
me d'agua, porque absorvem muita os seus
vastos campos desde Valhelhas até o Portal
de Bogas, e atravessa-se a vau em difFeren-
tes pontos sem grandes difficuldades, mesmo
a jusante de Figueiró dos Vinhos, mas nas
outras quadras do anno só nas pontes e
barcas se atravessa,— e no inverno, por oc-
casião do desgélo e das grandes chuvas,
mesmo nas barcas a travessia é medonha e
perigosa, pois attinge grande altura, — tor-
na-se caudaloso— e perto da sua foz tem
mais de 200 metros de largura.
As suas aguas em Constança atravessam
as do Tejo e do Tejo se distinguem até al-
guns kilometros de distancia — e fórma ali
uma enseada só então- navegável até 2 a 3
kilometros. Na parte restante, mesmo nas
grandes cheias, não é navegável, por correr
muito precipitado e ter muitas cachoeiras e
redemoinhos.
El-Rei D. José í, segundo consta, tentou
canalisal-o e tornal-o navegável desde Côas-
tança até á Foz d'Alge, na extensão de 50
kilometros aproximadamente, para serviço
da fabrica real de fundição d'artilheria que
ali houve;! mandou de Lisboa estudal-o um
» V. Arêga. tomo 1." pag. 238— G — eol.
1."— e Vomella, ribeira confluente do Zeze-
ZEZ
engenheiro que, segundo dizem, jjulgou a
tentativa realisavel por meio de comportas,
mas D. José esmoreceu, quando viu a cifra
do orçamento.
Barcas
O Zêzere tem poucas pontes, mas muitas
barcas. São aproximadamente tantas, quan-
tas as freguezias marginaes, principalmente
a jusante da Ponte Pedrinha, pois d'ali até á
sua foz, na estensão de mais de 120 kilome-
tros, apenas tem duas pontes.
Bem quizeramos" dar uma lista de todas
I as barcas do Zêzere, mas não nos foi possí-
vel organisal-a.
Não sabemos quantas barcas tem desde
Manteigas até á Ponte Pedrinha.
D'ali até á ponte do Cabril tem 14 nas
freguezias seguintes:
1. »— Dominguiso.
2. «— Peso.
3. «— Barco.
I 4.» — Ourondo.
— Silvares.
6. *— Barroca.
7. ^— »Dornellas.
\ 8* — Porto de Vaccas, — aldeia da fregue-
zia de Janeiro de Baixo.
9. »— Janeiro de Cima. Rende para o San-
tíssimo.
10. "— Janeiro de Baixo.
11. »— Cambas.
12. ^— Barca iVbm.i
13. »— Alvaro.
re, tomo 11." pag. 1994, col. 1.» e segg. onde
fallàmos da dieta fabrica e dos foraes velhos
de Arêga, Figueiró dos Vinhos e Pedrogam
Grande, transcrevendo os limites que elles
! assignaram ás dietas viUas.
1 Foi montada pela camará da Pampilhosa
junto da aldeia de Sobral Magro.
É municipal e uma das mais importantes
do Zêzere, pois dá passagem da villa da
Pampilhosa para as freguezias do Estreito
I e Sarzedas e para a cidade de Castello
Branco.
! N'ella passam os negociantes que transi-
i tam entre Castello Branco e Coimbra, etc.
ZEZ
ZEZ 2167
<!4.*— fiarco das Várzeas, na freguezia I
d'Amoreiraj concelho da Pampilhosa.
IDà passagem para Alvaro e Sobral d'Al-
Tairo e para a vílla da Gertã.
A barca de Dornellas pertence á eonfra-
riai do Santíssimo d'aquella parochia, mas
hai annos a camará da Pampilhosa poz ali
também uma barca sua. Imaginando lucrar
-pardeu, porque o povo a baptisou com o no-
me de Barca do Diabo, pelo facto de ir af-
frontar a do Santissimo;— e a esta denomi-
nau-a Barca de Deus. Escusado é dizer que
a nova liarca, a Barca do Diabo, ficou em
paz e às moscas. Ninguém se utilisou d'ella.
Este facto recorda-nos a Barca do Por
Deus, no Douro, — e as sangrentas bulhas
que houve no Douro também por causa de
uma barca nova na amiga Barca do Carva-
lho.
V. Molledo, aldeia da freguezia da Pena-
joia, tomo 5." pag. 373, col. e Viso, al-
deia da freguezia de Fontellas, tomo
pag. 1896, col. 1." também.
Desde a ponte de Cabril até Constança ha
também muitas barcas. Oceorrem-nos as
seguintes:
1.» — Barca do Bispo — na freguezia do
Castello, concelho da Cerlà, e no caminho
de Arnoia, Castello e Sernache do Bom Jar-
dim (margem esquerda) para Figueiró dos
Tinhos, margem direita.
Foi montada pelo bispo D. Jeronymo Jo-
sé da Matta, da ca?a de Arnoia,^ na mesma
freguezia do Castello, aproximadamente em
1860.
Demora em local muito aprazível e em
ima propriedade onde o mesmo bispo fez
im bom açpde, azenha, hortas e uma linda
«asa de campo, na qual o fundador cosiu-
nava residir com a sua família no verão.
^ A nobre casa da Paparia (?) de Serna-
;he do Bom Jardim, freguezia próxima,
ambem deu um arcebispo — D. Marcelino —
) 2 bispos, sendo um d'elles bispo de Macau.
O sr. D. Jeronymo foi bispo de Macau
bastantes annos; regressou aproximadamen-
te em 1856 e falleceu em 1864 a 1865 em
Campo Maior, achando-se ali de visita em
casa de uns parentes. Da sua numerosa fa<
milia apenas restam hoje (1889) uma irmã
e uma sobrinha, esta casada com o dr. João
Ribeiro d' Andrade, distlncto advogado na
Certa. São os herdeiros e representantes da
virtuosa e abastada casa d'Arnoía.
i."— Barca da Bouça,— 2^ jusante da Bar-
ca do Bispo, — eatre as povoações de Alquei-
dão e Carvalhos, margem esquerda, e as de
Marvilla e Figueiró dos Vinhos, margem di-
reita, — ou entre a freguezia e concelho de
Figueiró dos Vinhos e a de Sernache do
.Bom Jardim, concelho da Certã.
Demora a dieta barca na foz da ribeira
de Bouça, um pouco a juzanie da ribeira de
Noudel ou Nodel, que em 1204 tinha o nome
de Vouzella (Boucella) como se vô do foral
que D. Pedro Alfonso, irmão de D. Sancho I
e filho de D. Aífonso Henriques, i n'aquella
data deu á sua villa de Figueiró dos Vi-
nhos.2
3.» — Barca ou antes barco do Almegue.
Demora entre a povoação do Almegue»
(margem esquerda) e a de Val do Bio (mar-
gem direita) um pouco a montante da bar-
ca da Foz d'Alge.
A dieta barca do Almegue é particular e
pouco importante, mas antiga. Dá passagem
para diíferenles hortas e propriedades, e
também para Figueiró dos Vinhos, ate.
O dicto barco trabalha no Poço do Vento
ou Bento, n.» 8, supra, junto da povoação
do Almegue.
1 O meu antecessor no artigo Lisboa, tomo
4.» pag. 363, col. 1.*, disse que o menciona-
do D. Pedro Affonso era irmão de D. Affon-
so Henriques.
Foi lapso.
V. Pedrogam Grande, tomo 6.° pag. 535,
col. 1."
2 V. Vouzella, ribeira confluente do Zêze-
re, tomo 11." pag. 1994, col. 2.», onde se en-
contram indicados os limites que o mesmo
D. Pedro Affonso in illo tempore assignou
às suas villas e concelhos de Figueiró dos
Vinhos, Aréga e Pedrogam Grande.
2168 ZEZ
ZEZ
L'—Foz d' Alge,— um pouco a jusante da
confluência da ribeira d'Alge com o Zêzere
— e entre Arêga e Sernache.
^.^—Casalinho de SanVAnm, entre a po-
voação d'este nome, freguezia d'Arêga, con-
cellio de Figueiró dos Vinhos, e à povoação
de Várzea de Pedro Mouro, freguezia de Ser-
nache do Bom Jardim, concelho da Certã.
6.«— Barea do Valle da Ursa, entre a fre-
guezia de Domes, concelho de Ferreira do
Zêzere,— e a de Sernache do Bomjardim.i
Esta barca foi recentemente substituída
por uma ponte metallica.
Veja-se o titulo Pontes, infra, n.° 6.
7/ — Barca do Rio Fundeiro, entre a po-
voação d'este nome, margem direita, e a fre-
guezia de Palhaes, concelho da Certã, mar;
gem esquerda, cerca de 1 kil. a montante
da foz da ribeira de Isna.
8. *— Barca da Isna,— entre a freguezia de
Aguas Bellas, margem direita, concelho de
Ferreira do Zêzere, e a povoação da Isna,
concelho de Villa de Rei, margem esquerda.
9. *— Barca das Hortas, — entre a povoa-
ção d'este nome, concelho de Villa do Rei,
1 Estabeleceu se esta barca aproximada-
mente no anno de 1835, em competência
com outra que estava cerca de 2 kilomelros 5
a montante, junto da villa de Dornes, se- !
gundo se lé nas Memorias da villa de Oleiros, \
pag. 260. Dizem ellas:
€D'antes a estrada de Sernache a Thomar
dirigia-se pela villa de Dornes, onde passa-
va o Zêzere em barca. José Manso porém do
Brejo, homem emprehendedor, sendo senhor
das margens do rio no sitio do Valle da Ur-
sa, a distancia de 2 kilometros talvez, abai-
xo de Dornes, lembrou-se de abrir uma es-
trada para aquelle sitio, afim de estabelecer
ali uma barca de passagem, como estabele-
ceu, pelos annos de 1835, pouco mais ou
menos, auferindo o rendimento d'eHa.
«Ainda que a estrada era péssima, por
ser mais curta que a de Dornes, foi seguida
de tal modo, que a esta villa nào voltou
mais pessoa alguma, e a própria estrada se
perdeu.»
Em seguida o auetor censura asperamen-
te o nosso governo por metter no dieto Val- \
le da Ursa a nova estrada real a macadam j
6 mandar ali fazer a ponte metallica, de
que adiante fatiaremos. '
margem esquerda, — e as de Castanheira,
Maxial e Aguas Bellas, concelho de Ferreira
do Zêzere, margem direita.
10. »— Coa/iAeíVa,— entre a povoação d*este
nome, na foz da ribeira de Codes, margem
esquerda,— e as povoações do Cardai e Igre-
ja Nova, concelho de Ferreira do Zêzere,
margem direita.
11. *— Barca de Maxial, — enire a povoa-
ção de Maxial d' Alem, 5 kil. a jusante da
ribeira de Codes, margem esquerda, — e as
de Val de Pereira e Olalhas, margem direi-
ta, concelho de Thomar.
12 *— Barca da Moura (?) entre as povoa-
ções de Portella e Ferrarias, margem es-
querda—e as de Barreira e Serra, margem
direita, concelho de Thomar.
13.* — Barca do Souto, — entre a povoação
e freguezia d'este nome,— concelho d' Abran-
tes, margem esquerda,— e a dieta povoação
e freguezia da Serra, margem direita.
lí.*— Barca da Esteveira, — entre a po-
voação e freguezia de Aldeia do Matto, con-
celho d'Abrantes, margem esquerda,- e as
povoações á'Estiveira, Lovegada e Serra e
margem direita.
l5.'—Martinchel,—eulre a povoação d'es-
te nome, concelho d'Abrante3, margem es-
querda—e as de Casal de Deus e S. Pedro,
margem direita.
IQ.*— Barca de Constança, — na foz do Zê-
zere e que vae também ser substituída por
uma ponte metallica, junto da villa de Cons-
tança, como logo diremos, entre a freguezia
e villa de Constança, margem esquerda, e a
freguezia de Paio Pelle (hoje Praia) conce-
lho de Villa Nova da Barquinha, margem
direita.
N. B. — A margem esquerda da foz do
Zêzere pertence á freguezia, villa e concelho
de Constança;--â margem direita pertence
á freguezia de Paio Pelle (hoje Praia) con-
celho da Barquinha.
Ao muito rev. prior de Dor-
nes e ao sr. dr. Geraldo Joa-
quim Maria da Costa, medico
no Sardoal, agradeço os apon-
ta»entos supra, que não com-
prehendi bem e por isso peço
desculpa dos lapsos.
ZEZ
ZEZ 2169
Pontes
O Zêzere desde os Cântaros e Manteigas
até á vilIa de Valhelhas tem apenas alga<
mas pontes de pau, sem importância algu-
ma,— Ponte Longa, assim denominada por
antiphrase, junto da capella de Santo Anto-
nio e da Villa de Manteigas, — e Ponte dos
Frades, assim denominada não sabemos
porque, pois ali não ha memoriado conven-
to algum.
A jusante d'està3 dnas pontes tem o Zê-
zere as seguintes:
d.» — Ponte de Valhelhas, junto da villa
d'este nome, na estrada distrietal a maca-
dam da Covilhã para Manteigas.
E' muito antiga, attribuida aos mouros,*
e ainda muito solida, feita de granito com 3
arcos de volta inteira, o maior dos quaes
tem aproximadamente 10 metros de abertu-
ra e altura.
Liga 03 concelhos da Guarda e Manteigas
com o da Covilhã e antigamente ligava tam-
bém o de Valhelhas com as parochias que
tinha na margem direita do Zêzere : — Al-
deia do Matto, Aldeia do Souto, Sarzedo e
Verdelhos, que desde 1855, data da extine-
ção do concelho de Valhelhas, passaram
para o da Covilhã.
Junto da dieta ponte ha uma fabrica de
papel. Hoje (1889) está fechada e é a única
fabrica de papei que ha no Zêzere e nas
duas provindas da Beira Alta e Beira Baixa.
A montante ha no Zêzere, junto da villa
de Manteigas, differentes fabricas, mas to-
das de laniQcios.
Ponte de Belmonte, junto da villa
d'este nome, 4 kilometros a jusante de Va-
lhelhas.
£ também de granito e muito solida; tem
6 arcos de volta abatida — e foi feita pelo
nosso governo em 1877 na estrada real a
macãdam da Guarda a Castello Branco por
1 Será ella romanat
Belmonte e Covilhã. Da dieta estrada segue
outra também amacadam pela margem es-
querda do Zêzere até á villa de Manteigas e
d'ali deve seguir pela serra da Estrella para
a villa de Gouveia, cerca de 15 kilometros
a N.N.O. de Manteigas. Está em eonstruc-
ção.
S.^—Ponte Nova ou da Borralheira, cer-
ca de 6 kilometros a jusante de Belmonte.
Ainda hoje se diz nova, mas é secular e
também de cantaria de granito. Tem 14 ou
15 arcos, comprehendendo alguns mais pe-
quenos nas extremidades, que dão passagem
ás aguas do Zêzere para irrigação da vasta
campina a jusante.
Demora entre as freguezias de Teixoso,
margem direita, concelho da Covilhã, e Ca-
ria, margem esquerda, concelho de Bel-
monte;— é muito antiga e o povo diz que
foi feita pelos galhardos (demónios) como a
Calçada dos Galhardos, junto de Folgosinho,
concelho de Gouveia, e a calçada e ponte do
ribeiro do Mosteiro, entre a Barca d'Alva e
Freixo de Espada á Cinta.
V. Poiares, tomo 7.* pag. 114, e, aprovei-
tando o ensejo, diremos que a celebre pon-
te ali mencionada já perdeu o arco, — e não
era feita de gogos, mas de sehisto, bem co-
mo a calçada de Alpragares.
A dieta ponte foi muito mal construída,
pois sendo o ribeiro caudaloso no inverno,
a ponte era de mau sehisto, muito alta, bas-
tante estreita, sem gigantes do lado inferior
nem corta-mares do lado superior. O arco
era muito alto,— de grande abertura— e de
má cantaria de sehisto também, pelo que ha
bastantes annos uma cheia o derrubou, fi-
cando só as avenidas ou muros lateraes
d^ ponte e a passagem interrompida até
hoje.
A calçada de Alpragares partia da mar-
gem esquerda do ribeiro, alguns centos de
metros a montante da ponte, e subia em la-
cetes até o alto da medonha encosta. Ainda
está soffrivelmente conservada, mas é tão
Íngreme, que ninguém pôde descer por ella
a Cavallo — e a mesma subida a cavallo è
perigosa!
Também por ali descem ainda hoje car-
2170 ZEZ
ZEZ
ros tirados por bois, mas carros vasios, e
com grande difOcuIdadel . . .
A garganla que ali descrevem as mar-
gens do lai ribeiro é formada por medonha
penedia, que tem centos de melros de altu-
ra e rivalisa com os penhascos dos Cânta-
ros. Descemos a dieta calçada a pé com o j
nosso bom amigo Antonio Lopes Mendes no
dia 12 de agoaío-de 1888, vindo de Miranda
do Douro, e ainda hóje lemos saudades d'a-
qnella medonha garganla, um dos sitios
mais interessantes do nosso paiz, onde
águias revoavam livremente sobre nós de
uma margem para a outra, como em casa
sua.
Está no momento em conslrueçlo uma
nova estrada a macadam da Barea d'Alva
para Freixo de Espada à Cinta, mas, para
fugir da medonha garganta, vae pela mar-
gem direita do Douro e foz do dicto ribeiro
até o ponto do Sallinho, junlo de Freixo de
Espada a Cinta.
V. Pontos do Douro, tomo 7.» pag. 200,
col. 1.», n.» 90.
«D'aqui (do mencionado ponto) para ci-
ma, ambas as margens (do Douro) são hes-
panholasi— disseomeu antecessor {loc.cit.)
mas foi lapso.
Desde a Barca d'Alva alé o alio de Mi-
randa a margem direita do Douro é toda
portugueza e só a margem esquerda ó hes-
panhola. Desculpem a digressão.
L*— Ponte Pedrinha, — 10 kilometros a ju-
sante da Ponte Nova. É também de granito,
muito extensa, com muitos arcos e muito
antiga.
E' talvez a ponte mais antiga do Zêze-
re!.. .
Aproveitou-se para a estrada real a ma-
cadam de Castello Branco á Covilhã e foi
uma grande economia, mas deve ser altea-
da em praso breve, porque o Zêzere nas
cheias cobre os arcos das duas extremida-
des, interrompendo o transito de pedestres
e tornando perigosíssimo o transito dos car-
ros e cavalleiros, que por vezes se interrom-
pe lambem, como suceedeu na grande cheia
de 1876,» que foi a maior de que ha memo-
ria no Zêzere e nos outros rios ao sul de
Portugal.» Cobriu toda a ponte e causou
grande prejuiso nas duas margens do Zê-
zere.
Não longe d'e8tas ultimas duas pontes vão
consiruir-se em praso breve duas pontes
meiallicas na linha férrea da Beira Baixa,
j que tem de atravessar este rio duas vezes
para ir aié ás proximidades da Covilhã.
Logo daremos uma ligeira noticia da men-
cionada linha, pois prende com o Zêzere.
S.'— Ponte do Cabril, — entre Pedrogam
Grande e Pedrogam Pequeno, na estrada
municipal que liga o concelho de Pedrogam
ao da Certã.
A dieta ponte, segundo disse o meu ante-
cessor nos artigos Pedrogam Grande, tomo
6.» pag. 539 col. l" — e Pedrogam Pequeno,
ibid. col. 2.» — tem um grande arco de 22
metros de vão, 2 arcos mais pequenos late-
raes— e 62,"'4 d'altura.
E' de granito, muito solida e muito antiga
— e foi restaurada em 1860, quando se fez
a nova estrada a macadam, que hoje lhe dá
aecesso.
Na 2.* metade do sec. xviu o celebre Ben-
to de Moura Portugal, que morreu sepulta-
do nas prisões da Junqueira,^ disse que a
ponte do Cabril era a mais alta e talvez a
mais antiga doeste reino. V. Inventos e vá-
rios planos.. . pag. 67.
Acceitamos a 1.* parte, com relação áquel-
le tempo e ás nossas pontes de pedra, pois
temos hoje uma ponte metállica e de 2 ta-
boieiros, mais alta,~a ponte de D. Luiz I,
» No Douro 6 ao norte do nosso paiz foi
muito maior a cheia de 1860.
2 V. Moimenta (da Serra) freguezia do
concelho de Gouveia, tomo 5.» pag. 538, col,
e Villa Velha de Rodam, tomo ll.»nag.
1078, col. 2.«
Ainda hoje (1889) vive em Londres o sr.
dr. Antonio Ribeiro Saraiva, que em 1821
fez publicar os Inventos... de Bento de
Moura Portugal, tendo nascido na villa de
Sernancelhe em 10 de junho de 1800 e con-
tando hoje 89 annos.
V. Sernancelhe, vol. 9.» pag. 167, col. l.«,
onde se encontra a sua biographia.
ZEZ
no Porto; mas não podemos aceeitar a 2.*
parte do asserto, porque temos pontes mui-
to mais antigas no Ave, no Cavado, no Tâ-
mega, no Tua, na Teja,i e mesmo aqui no
Zêzere, taes são a Ponte Pedrinha^ a Ponte
Nova e a de Valhelhas, mencionadas supra.
Esta do Cabril, segundo se suppòe, foi
feita no tempo da ominosa occupação ãlip-
pina—lSSO a 1640.
Nas Mem. de Oleiros, pag. 86, diz o seu
illustrado auctor, filho da localidade, o se-
guinte:
Nosec. XVI «era tal a carestia do numerá-
rio, que em tempos já posteriores, durante
o reinado dos Filippes, consta fora remetti-
da de Lisboa, escoltada por força publica, a
quantia de SOi^OOO réis para a edificação da
grande obra da ponte de Cabril, entre os
dois Pedrogãos, Grande e Pequeno.
•A ponte de Cabril (pag. 257) é digna de
especial menção por vários motivos: está
situada em posição tal que se pôde chamar
maravilha da Natureza. Dois altos montes,
formados de enormes rochas de granito, e
cobertos em grande parte de sobreiros co-
lossaes, e d'ouiras arvores, que por entre as
rochas poderam introduzir suas raizes, se
precipitam de tal modo d'um lado e outro
sobre o Zêzere, que parece impossível poder
por elles abrir-se uma estrada viável. No
entanto desde antigas eras havia um estrei-
to caminho aberto entre as rochas, que com
grande difQeuldade dava passagem a peões,
e até a cavalleiros destemidos,^ sobre o que
se conta a seguinte lenda:
«Ainda a actual ponte de pedra não esta-
va construída, e a passagem do rio fazia-se
por outra ponte de madeira, situada um
pouco abaixo da actual, onde existiam ain-
1 V. Zeralhôa, ponte da Teja, ribeira con-
fluente do Douro.
* O povo dizia que era nullo o testamento
de quem descesse a cavallo por taes despe-
nhadeiros, porque provava ser doido var-
rido.
ZEZ 2171
da em nosso tempo, e provavelmente exis-
tem ainda hoje (1881) d'um lado e outro do
rio, os primeiros pegões ou postes, que sus-
tentavam as traves da ponte.
«Conta a lenda que em noite tempestuosa
e escuríssima, e na presença de grande cheia
do rio, cavalleiro temerário, que estava era
Pedrógão Pequeno (margem esquerda) pro-
testára que ia passar a cavallo n'essa noite
sem se apeiar, tanto a perigosíssima vere-
da, como a mesma ponte. E, que com effei-
to por alta noite se apresentara em Pedro-
gam Grande (margem direita) com pasmo
de todos; porque era sabido que o rio tinha
levado a ponte na tarde do dia antecedente.
«Não podendo pois pessoa alguma acredi-
tar que o tal cavalleiro tivesse passado o rio
no Cabril, e continuando elle a afflrmal-o,
muitas pessoas se dirigiram no dia seguinte
ao rio, e encontrando ainda uma única tra-
ve na antiga ponte, n'ella acharam grava-
das as ferraduras do cavallo, assim como
nas pedras da vereda acima da ponte; uma
das quaes era ainda mostrada em nosso tem-
po, sendo uma pequena cova informe, e que
mal se parecia com ferradura,
j «Teve-se pois o facto como milagroso e
deo elle occasião, segundo a lenda, a con*-
truir-se a nova ponte, que existe; e que es-
teve a ponto de ir pelos ares por occasião
da guerra peninsular; ao que obstou o ter a
agua das fontes que correm d'um e outro
lado da ponte, humedecido a pólvora, que
em grande quantidade lhe tinha sido intro-
duzida em caixões, e que lá ficou.
«Presentemente acha-se construída uma
boa estrada de carro de um e outro lado da
ponte, feita pelos annos de 1860... com
grande trabalho e dispêndio,. . . mui viável
em rasão das grandes e amiudadas voltas
que lhe fizerã» dar. »
Os dictos penhascos semelham os do Ca-
chão da Valleira, no Douro, os das Portas
de Bodam, no Tejo, e os do Portal de Bogas^
supra,^ pelo que Bento de Moura Portugal
í V. Pedrcgam Grande, onde os dictos pe-
nhascos e outros das margens do Zêzere se
' acham muito bem descriptos.
2172 ZEZ
ZEZ
nos seus Inventos. . . pag. 67, disse que era
faeil acabar com as inundações do Zêzere —
•com muito pouco custo: fazendo lhe (nos
dietos penhascos) entre o Pedrógão Grande
6 Pequeno, aonde vae muito alcantilado, um
marachão de pedras somente, de 180 palmos
d'altura, sem lagedo, nem mais circumstan-
cia alguma: o que só bastará (dizia elle)
para que uma cheia, que, quando muito, du-
ra dois dias, se reparta por quatro ou cinco.
iEste marachão não ha de servir de pon-
te, porque ha de ficar perto da mais alta, e
cuido a mais antiga, que ha neste reino; por
isso sô basta que a pedra se lance a granel
em tal quantidade, que o cume do marachão
tenha a altura que dizemos.
«Basta aquella altura, porque não quero
représe mais agua, que a que, não havendo
marachão, pôde passar pelo rio em dois dias
na maior cheia.
cP. — E se ella se ajuntar em maior quan-
tidade?
«R.— Isso é impossível, porque ficando a
pedra, como naturalmente cair, antes que a
agua chegue a represar 120 palmos de al-
tura, ha de furar por entre as pedras, sup-
ponha-se em um dia, muito mais agoa, do
que agora corre pelo rio em igual tempo na
mais extraordinária cheia.
,p,_Suppondo que assim se faz, não ne-
cessita o marachão do Zêzere de mais con-
certo algum?
•R.— Só no caso que se observe que a
agua passa com muita pressa, se entnpirSo
alguns buracos maiores, mas com cautella
e segurança, para que a agua nunca possa
represar a toda a altura; para o que basta-
rá que para cima de 150 palmos senão em-
barace buraco algum. Deve-se entender que
este marachão, pelo que respeita ao Zêzere,
não tem resultas algumas attendiveis: mas
pelo que pertence ás cheias do Tejo, não
pôde deixar de diminuil-as.»
I chão, que também servisse de ponte;* em
I seguida, pag. 69 a 122, diz que por meio de
outro marachão de pedra solta, feito a moa-
tante de Coimbra, no sitio do Murcellão, era
faeil acabar também com as inundações do
Mondego — e dá interessantíssimos detalhes
com relação ao modo como devia fazer- se o
dicto marachão para servir também de pon-
te, etc. etc.
O mencionado livro é muito curioso e tal-
vez que um dia «e aproveitem algumas in-
dicações d'ellel. . .
O auetor, apesar de ser formado em di-
reito somente (?) se hoje vivesse seria um
engenheiro distinctissimo e daria brado com
os seus inventos em náutica, hydrauliea,
etc. etc.
Foi um talento verdadeiramente superior,
inutilisado e aniquilado pelo marquez de
Pombal.
Ponte do Valle da Ursa, a jusante e
pouco distante da villa de Domes, entre a
freguezia d'este nome, concelho de Ferreira
do Zêzere, e a de Sernache de Bomjardim,
concelho da Cerlã, na estrada real a maca-
dam, n.° 56, de Thomar a Castello Branco.
Tem 3 vãos e taboleiro metallico sobre 2
pegões de granito; foi feita em 1880 a 1885,
— e custou 54:998í000 réis. Tem de com-
primento 95 metros (alem das avenidas) e
17 a 18 d'altura.
I Esta ponte substitua uma barca de passa-
i gem que havia no mesmo sitio, — e a dieta
barca substituiu outra, que houve a mon-
tante na villa de Domes.
Ceci tuera celál . . .
V. o tópico supra— Barcas — n.» 6, e a sua
respectiva nota.
1.*— Ponte de Constança, junto da villa
d'este nome, na estrada districtal n.* 129 de
Santarém pela Barquinha, Tancos, Praia ou
Paio Pelle, Constança e Abrantes, a entron-
0 mesmo auetor já havia indicado o meio
de acabar com as inundações do Tejo— fa-
zendo-se nas Portas de Rodam outro mara-
1 V. Villa Velha de Rodam, tomo 11.' pag.
1078, col. 1.» e segg.
ZEZ
ZEZ 2173
car na real n.» 56, de Thomar a Castello
Branco.
Deve ter encontros e pegões de pedra e
taboleiro metallico,no mesmo estilo da pon-
te de Valle da Ursa; foi posta a concurso
por 60 dias em 27 de fevereiro do corren-
te anno (1889) e concorreram a csisa. Eif-
fel, constructora da celebre torre d'e8te
nome em Paris, e da ponte D. Luiz I, sobre
o Douro,— e a Empreza industrial portu-
gueza, mas nenhuma das propostas satisfez,
pelo que o governo abriu novo concurso em
8 de agosto seguinte.
Deve ter 95 metros de comprimento, em
3 vãos metallieos, sobre 2 pilares de pedra
de 12 metros d'aliura sobre o nível das
maiores cheias — e duas avenidas de 12 me-
tros cada uma com muros de pedra e pavi-
mento a macãdam.
8. »~e
9, «__Pon(es metallicas em via de cons-
trucção sobre o Zêzere nas proximidades da
Covilhã, para que a linha férrea da Beira
Baixa se aproxinoe quanto possível d'aquel-
la cidade, — a nossa Manchester.
Logo daremos um ligeiro esboço da men-
cionada linha, pois atravessa o Zêzere duas
vezes em duas grandes pontes.
RIBEIRAS CONFLUENTES DO ZÊZERE
Margem esquerda
Ribeira dos Cântaros.
Vem da Estrella, ponto culminante da
grande serra d'este nome com a altitude de
1991 metros,» e do Chafariz d"El-Rei, na
altitude de 1841 m.. — nascente mais re-
moia do Zêzere. Banha os Cântaros Magro
e Raso, á sua direita,— e o Cântaro Gordo,
á esquerda.
í Todas as altitudes que indicamos refe-
rem se ao nível do mar, como já dissemos
supra.
TOLDMB XI
i*^Ribeira da Candieira. Vem pela na-
ve doeste nome e recebe as aguas do Chafa-
riz d' El Rei na altitude de 1841 melros,— e
em seguida as da lagôa do Paxão e as da
lagôa da Salgadeira na pendente norte do
Cantara do Gordo; corre de poente a nascen-
te, descrevendo uma curva contra S. — e
morre no Zêzere junto do grande penhasco
da Candieira, visínho e rival dos Cantaras.
2.*— Ribeira das Lameiras. Vem do Cur-
ral do Martins, que demora na altitude de
1720 metros.
k,.'— Ribeira das Caldas. Vem da Fraga
das Penhas, na altitude de 1666 metros, e
descsgua no Zêzere junto das Caldas de Man-
teigas.
5. "— Ribeira das Tornéas. Vem do Corgo
das Mós, na altitude de 1547 metros;— re-
cebe na margem direita outra ribeira que
vem da altitude de 1539 metros;— passa a
jusante (poente) das capellas de S. Sebas-
tião e S. Domingos— morre no Zêzere, de-
pois de fazer juncção com a ribeira se-
guinte.
6. *— Ribeira de Manteigas ou das Carva-
lheiras. Vem do Chão das Barcas, na altitu-
de de 1352 metros; banha e atravessa a Vil-
la de Manteigas e morre no Zêzere, cerca de
1 kil. a jusante das celebres Caldas de Man-
teigas.
T.^—Dos Biqueiros.
8.'— jDoí Bacellos.
9.._de Pandil. Vem da Fraga da Bata-
lha, na altitude de 1277 metros.
10. «__De S. Lourenço. Vem do cabeço
d'este nome, na altitude de 1168 metros.
11. »— Do Sameiro. Vem áo Corredor dos
Mouros, tídi altitude de 1299 metros — pela
freguezía e povoação de Sameiro.
lt.*—Val d' Amoreira. Banha a freguezía e
137
2174 ZEZ
ZEZ
povoação d'este nome e vem do píncaro da
Cabeça Alta, na altitude de ilOO melros.
13.* — Ribeira de Famalicão. Banha a fre-
goezia e povoação d'este nome; vem do alto
do Mosqueiro, na altituJe de 1118 metros —
e morre em Valhelhas.
ii.*— Ribeira de Gaia ou da Vella. Vem
das proximidades da Guarda; recebe diffe-
rentes ramos que banham as povoações e
freguezias de Aldeia do Binpo, Ramella e Vel-
la — e tem cerca de 20 kilometros de curso.
15. » — Vem do monte da Esperança^ na al-
titude de 715 metros — e banha a Tapada
das Torres.
16. "— Vem do dicto monte por Faleiro.
17. "— Vem de Lamaçaes pela quinta de
Job ou de Jó.
18. *— Ribeira de' Caria. Banha esta paro-
la e a de Maçainhas; — vem do alto do
Monteiro, na altitude de 888 metros; — tem
cerca de 24 kilometros de curso — e uma
grande bacia hydrographica pouco monta-
nhosa.
—Ribeira do Ferro. Banha a freguezia
d'este nome, passando a N. — e vem do mon-
e do Azeivo, na altitude de 750 metros.
20. " — Vem do Meai Redondo e desagua
cerca de 1 kil. a montante da Ponte Pedri-
nha.
21. »— JííMra de Meimoa.
Vem da iVot?e Redonda, na altitude de 728
metros;— banha as povoações de Escarigo e
Salgueiro; — tem cerca de 30 kilometros de
curso e uma grande bacia hydrographica
pouco montanhosa.
22. »— Vem do monte de S. Peíaio, junto
do Fundão ; — tem 15 a 20 kilometros de
curso e uma bacia hydrographica muito
fértil, muito povoada e muito arborisada.
Morre no Zêzere junto da povoação de
Várzea Longa.
23. » — Ribeira de Bogas. Banha as povoa-
ções de Bogas de Cima, Bogas do Meio e
Bogas de Baixo;— tem 15 a 20 kilometros de
curso — e vem da serra de Maunça, na alti-
tude de 1002 metros.
Morre no Zêzere junto do Portal de Bo-
gas e do grande penhasco do Mosqueiro, que
rivalisa com o penhasco da ponte do Cabril^
talvez o maior do Zêzere.
24. »— Ribeira de Yillar Barroco.
Banha a povoação d'este nome; vem da
Lomba do Carvalho, na altitude de 825 me-
tros, junto de Almaceda; — e tem cerca de
20 kilometros de curso.
25. » — Vem da serra da Azinheira— e tem
cerca de 8 kilometros de curso.
D'aqui até á foz da grande
ribeira da Cevtã todas as ri-
beiras da margem esquerda
do Zêzere são pouco impor-
tantes, porque as aguas pen-
« dem para a dieta ribeira, de
que vamos fallar.
26 • — Ribeira da Certa. Banha a villa e o
concelho d'e8te nome, bem como a villa e o
concelho de Oleiros;— caminha parallela ao
Zêzere de N.E. a S.O.— vem das proximida-
des de Villar Barroco— e tem 50 a 60 kilo-
metros de curso.
E' a maior da margem esquerda do Zê-
zere e tem uma bacia hydrographica muito
escabrosa, muito accidentada e muito po-
voada.
27.» — Ribeira de Isna, Banha a freguezia
d'e3te nome, concelho de Oleiros; vem do
Cabeço da Rainha, na altitude de 1080 me-
tros; tem differentes braços com differentes
nomes e 40 a 50 kilometros de cnrso, — e
morre no Zêzere, 6 kilometros a jusante da
foz da Certã.
^8.'— Ribeira de Codes.
Vem da villa d'Âmendoa (lado S.) conce-
ZEZ
ZEZ 2175
lho âe Yilla de Rei; caminha de nascente a {
poBDite — e morre no Zêzere com 20 a 25 ki-
iometros de curso, 10 kilometros a jusante
da foz de ísm.
Nem o meu antecessor nem a Ghoroffra-
phia Moderna mencionaram a ribeira de
Coães. Foi uma injustiça, porque menciona-
ram outras menos importantes.
RIBEIRAS CONFLUENTES DO ZÊZERE
Margem direita
Vem dos Poios Brancos, na altitude
de 1802 m. — ao nascente e em frente dos
Cantaras.
2. «— Vem do Curral da Nave, na altitude
cie 1480 m., — ao nascente e em frente do
Curral do Martins, mettendo-se de permeio
a funda garganta do Zêzere.
3. » — Ribeira de Leandres. Vem do mesmo
Curral da Nave e dos cabeços do Souto e
da Moreira — e morre no Zêzere, cerca de 3
kilometros a jusante da vilia de Manteigas.
i, »— Ribeira de Verdelhos. Banha a po-
voação e freguezia d'este nome — e vem dos
Poios Brancos, mencionados supra. Tem 15
kil. de curso atravez de serra bravia.
^'—Aldeia do Matto. Banha a freguezia
<d'este nome— e é de limitado curso.
^.*~Aldeia do Souto. Banha a freguezia
<l'e8te nome; tem 8 kilometros de curso
atravez de medonha penedia— e vem do ca-
beio da Atalaia, na altitude de 1:045 m.
7. » — Vem dos montes Sarzedo e Rafeiro,
na altitude de 1005 m ; banha a freguezia
deOrjaes a N.— e morre no Zêzere junto da
Ponte Nova, mencionada supra.
8. » — Rio de Corgas ou Ribeira do Teixoso.
Baoha a freguezia d'este nome; vem do
monte de S. Gião, na altitude de 1768 me-
tros; caminha de norte a sul; tem 15 a 20
kilometros de curso; passa a E. da Covilhã
na distancia de 3 a 4 kilometros — e banha
muitas aldeias.
9. '— Ribeira de Boidobra. Banha a fregue-
zia d'este nome; vem da Pedra da Mesa, na
altitude de 1292 m. a O. N. O. da cidade da
Covilhã e distante d'ella 3 kilometros;— ca-
minha de N. O. a S. E.; morre no Zêzere 1
kilometro a jusante da foz da ribeira do
Teixoso.
r
10. *— Ribeira de Tortozendo. Banha a fre-
guezia d'este nome — e vem das Pedras
Brancas na altitude de 911 metros.
11. "— Ribeira de.. .
Banha a freguezia de Tortosendo, lado S.
— e a de Dominguiso, lado N.
12., — Ribeira de...
Vem da Pedra Alta, que tem a cota de
768 m.—-e desagua entre as freguezias do
Peso 6 Barco.
13.'— Ribeira de Unhaes da Serra. Banha
a freguezia d'este nome e tem 5 braços: —
ribeira da Estrella e ribeira de Alforfa,
que veem da Estrella, na altitude de 1991
metros, pendendo para sul;— ribeira de Cor-
tes, que banha a freguezia d' este nome;
vem do Curral do Vento, junto dos Poios
Brancos, e passa 3 kilometros a O. da Covi-
lhã; ribeira da Erada, que banha a fregue-
zia d'este nome e vem da serra da Muralha
na altitude de 1484 metros, pouco distante
de Alvoco da Serra para E.S.E.;-e ribeira
de Cazégas, que banha a freguezia d'este no-
me e vem do monte do Fojo, na altitude de
1329 metros, a S. e pouco distante à' Alvoco
da Serra também .
Al.» e 2.» ribeira, confluentes da de
Unhaes, unem- se antes de chegarem á po-
voação d'este nome; a 3." une-se áquellas
duas 5 kilometros a jusante de Unhaes, for-
mando as 3 uma só; a 4.» une-se áquella
na povoação e freguezia de Paul; a 5." une-
se à grande ribeira 7 kilometros a jusante
de Paul— e depois de unidas as 5, a grande
ribeira de Unhaes morre no Zêzere junto da
2176 ZEZ
ZEZ
povoação e freguezia de Ourondo, tendo de
curso total 25 a 30 kilometros e uma gran-
de bacia liydrograpbica muito accidentada
e toda eriçada de medonha penedia.
lí.'— Ribeira de Persim — on de Sobral
de Cazégas. Banha a freguezia o'estenome;
vem da Fonte de Espinho, na altitude de
1053 metros,~e da de Gendufo, na altitude
de 1559 metros, junto de Piodão, para E.;
caminha de N.O. a S.E ; recebe á direita
duas ribeiras, que veem uma da serra da
Cebola e outra da freguezia d'este mesmo
nome,— e desagua no Zêzere entre a ribeira
de Unhaes e a de Bodelhào, tendo de curso
total 15 kilometros e uma bacia também
muito accidentada e toda eriçada de me-
donha penedia.
iS.*— Ribeira de Bodelhão. Banha a pe-
quena povoação e freguezia d'e9te nome, iso-
lada e enterrada entre medonha penedia;^
vem do monte do Chiqueiro, na altitude de
1083 metros— e morre no Zêzere 3 kilome-
tros a montante da freguezia da Barroca.
i^.*— Ribeira do Carregal. Banha a po-
voação d'este nome; vem do monte da Fi-
gueirinha, na altitude de 992 melros,— e
morre no Zêzere 2 kilometros a jusante de
Dornellas.
l7.*~Ribeira de Unhaes o Velho, ou da
Pampilhosa. Banha as villas doeste nome e
outras muitas povoações; tem differeutes
braços com differentes nomes — e desagua
cerca de 4 kilometros a montante de Pedro-
gam Grande com 50 kilometros de curso.
Nasce na grande serra do Açor, que tem
1349 metros d'altitude;— caminha na direc-
ção geral N.E.S.O.— e tem uma larga ba-
» Demora na margem direita do Zêzere,
do qual dista 2 kilometros, mas foi annexa-
da á freguezia da Barroca, sita na margem
esquerda do Zêzere, distante de Bodelhào 5
kilometros, e ambas pertencem hoje ao con-
celho do Fundão.
As duas contam apenas 186 fogos?!. . .
cia hydrographica, também muito acciden-
tada e toda eriçada de medonha penedia.
18. '—Ribeira de Pera ou de Cabril.
T^m differentes ramos, um dos quaes vem
do monte do Muro, na altitude de 723 me-
tros; caminha de norte a sul— e banha as
povoações de Escalos Cimeiros, Escalos do
Meio e Escalos Fundeiros.
Outro ramo vem da serra de Cabril, na
altitude de 954 metros;— -banha a freguezia
de Castanheira de Pera, onde tem uma
grande fabrica de lanificios e outras a ju-
sante;! caminha de N.O. a S.E.; unem-se
os dois ramos a 2 kilometros do Zêzere;—
tem a dieta ribeira cerca de 20 kilometros
de curso—e entra no Zêzere 100 metros a
jusante da ponte do Cabril.
19. »— Ribeira de Noudel ou Nodel, ou-
tr*ora denominada Vouzella, no concelho de
Pedrogam Grande, a montante e pouco dis-
tante da barca da Bouçã. E' de limitado
curso.
Veja-se a lista das barcas, supra,— -e Vou-
zella, ribeira, tomo 11." pag. 1994, col, i.«
in fine e segg.
20. " — Ribeira da fioufãa montante e pou-
co distante da barca d'este nome, no conce-
lho de Figueiró dos Vinhos.
V. Vouzella, ribeira, loc. cit.
'il."— Ribeira d'Alge, no mesmo concelho
de Figueiró dos Vinhos.
V. Alje, tomo 1.» pag. 126, col. 2.* — e
Vouzella, ribeira, loc. cit.
22.»— Ribeira ou rio Nabão.
Vem da serra da Atianha, na altitude de
412 metros, a N. da villa d'Anciào; banha
Thomar; tem 60 a 70 kilometros de curso—
e morre no Zêzere 10 kilometros a montan-
te da Villa de Constança.
1 V, Castanheira, tomo 2.» pag. 164, col.
1.»— e Pera, vol. 6.° pag. 664, col. 1.» in
fine.
ZEZ
V. Thomar, Nabancia e Nabão.
O Zêzere, desde a ribeira de Gaia, junte
de Belmonte, alè á ribeira à'Alge, corre na
direcção geral N.E.S.O.; da foz d"Alge
para jusante caminha de N. a S. descre-
vendo muitas curvas. Em Domes avança
para N. E.; depois caminha deN.O. aS.E.;
a jusante da ribeira da Certa caminha de
JSorle a Sul; depois avança para S.E.; toma
a direcção N.E.S.O. até receber o Nabão;
forma ali o vértice de um angulo quasi re-
cto e depois caminha de N.O a S.E.; — por
ultimo fórraa uma curva rápida e avança de
N.N.E. aS.S.O. até que morre no Tejo
entre a villa e freguezia de Constança —
margem esquerda, — e a freguezia de Paio
Pelle, ou da Praia, concelho da Barquinha,
margem direita.
Afinidade de nomes
Ha muita afiQnidade enjre os nomes de
diversas povoações das margens do Zêzere»
V. g. entre Caria e Alçaria; Domes e Dor-
nellas, freguezias muito distantes;— Alvaro
e Alvares; Pedrogam Grande e Pedrogam
Pequeno; Janeiro de Baixo e Janeiro de Ci-
ma; Bogas de Baixo, Bogas do Meio e Bogas
de Cima; Rio Fundeiro e Rio Cimeiro; Es-
calos Fundeiros e Escalos Cimeiros; Brejo
Fundeiro e Brejo Cimeiro; Maxial, Maxial
d'Aiem, Maxial Cimeiro, Maxial Fundeiro e
Maxialinho, em pontos muito distantes; Ca-
salinho (muitas povoações d'este nome) e
Casalinho, de SanfAnna; Gaia, Villa Gaia e
Vendas de Gaia em pontos muito distantes;
Aldeia do Matto e Aldeia do Souto, fregue-
zias do concelho da Covilhã; Aldeia do Mat-
to e Souto, freguezias do concelho de Abran-
tes; Zêzere, Ferreira do Zêzere e Castello
do Zêzere; Barroca, freguezia do concelho
do Fundão, e Barroca do Alcaide, aldeia da
freguezia de Valhelhas; Oleiro, aldeia da
mesma parochia, e Oleiros, vilia; Cardai
Grande e Cardai Pequeno; Quartos d' Além
e Quartos d'Aquem; Roco de Baixo e Ro-
ço de Cima; Peso, Pesinho, Pesos Cimeiros
ZEZ
2177
e Pesos Fundeiros, em pontos distantes
Derriada Cimeira e Derriada Fundeira; Re
gadas Cimeiras e Regadas Fandeiras; Tro
viscaes Cimeiros e Troviscaes Fundeiros
Douro e Porto do Douro; Ferreiros da Ri
beira, Ferreiros de Santarém, Ferreiros de
Baixo e Ferreiros da Bairrada, aldeias da
villa e freguezia de Figueiró dos Vinhos;
Fajoeira, Feteira, Ladeira, Loureira, Ardoei-
ra, Aveleira, Salgueira, Madroeira, Carva-
lheira, Crugeira, Castanheira, Pombeira, Ca-
beçadeira, Maxieira,* Cerejeira, Aduxeira,
Val da Carreira, Val da Figueira e Casal da
Ribeira; Val Cipote e Ribeira de Val Cipo-
te; Janalvo e JanaíTonso, ete. ete.
Elymologia e nomes do Zêzere
Ignoramos a verdadeira etymologia do
Zêzere.
Talvez provenha de Ozecharus ou Ozeca-
rus, nome que os romanos lhe davam, se-
gundo diz André de Rezende, fallando De
Antiquitatibus Lusitanioe, ou tomaria o no-
me dos zenzereiros e azereiros, que nas-
cem espontâneos e abundam nas suas mar-
gens.
Zenzereiro, sinceiro ou cimeiro, é uma
espécie de salgueiro, de que se fazem em
todo o nosso paiz açafates, cestas, cestinhas,
cadeiras de encosto, centros de mesa, arma-
ções de vestidos para modistas e costureiras
e outros muitos objectos curiosos de diver-
sos tamanhos e de formas e cores variadís-
simas.
Como não ó fácil a eonducção dos dietos
artefactos, colhem nas margens do Zêzere as
vergonteas dos zenzereiros, — tiram-lhes a
pelle,— conduzem -nas em molhos ou feixes
para o Porto, Lisboa, Coimbra, Figueira,
1 Maxieira é corrupção de ameixieira, —
e Maxial é corrupção de ameixial, bosque
de ameixieiras, arvores que dão ameixas.
Suppomos que estas arvores, mesmo no es-
tado selvagem, outr'ora abundavam nas
margens do Zêzere, pelo que ainda hoje ali
abundam terras e povoações com os nomes
de Maxial e Maxieira.
2178 ZEZ
Braga, Lamego, Évora, Algarve, etc. etc. e
ali os habitantes das margens do Zêzere,
que exploram aqaelia iodustha, fabricam os
diversos artefactos, lançando a verguinha
de molho e colorindo-a a sen bel prazer com
tinta lançada em caldeiras d'agua fervendo,
nas quaes mergulham as vergonteas dos
taes zenzereiros, que elles denominam sal-
gueiros.
Também usam de vergonteas de vime,
choupo e giesta, segundo a qualidade dos
artefactos.
Com a giesta branca imitam os mimosos
trabalhos congéneres da ilha da Madeira.
Note-se que Miguel Leitão d'Andrade na
sua curiosa Miscellanea, sendo filho do Zê-
zere, deu- lhe o nome de Zenzere, que tem
muita aíBuidade com zenzereiro.
«A este nosso Zenzere, ou Gigante Zacor
—diz eile,*— com rasão lhe podeis chamar
assim, por sua grande terribilidade, e mayor
fúria, que a de todos os rios de Hespanha (?)
e juiçais (?) do Mundo todo do seu tamanho.
Em tanto que chegando ao grande rio Tejo,
com se lhe avisinhar já manso, o atravessa
da outra banda, e corta pelo meyo sem fa-
zer caso delle^ e á outra banda chega ainda
com tanta fúria, que lá vay arrancar as ar-
vores que alcança com outros danos, levan-
do suas aguas distinctas , das do Tejo mais
de huma légua,* por lhe não querer reco-
nhecer vantagem e antes o faz tornar a traz,
e reprezar no logar onde o atravessa.»
'O bom do homem, cego pelo amor da sua
terra natal, exagerou tudo o que prendia
com ella, como o seu contemporâneo dr.
Manoel Botelho Ribeiro exagerou e fabulou
nos seus Diálogos moraes e políticos, fallan-
do de Viseu, sua pátria também
V. Viseu, tomo 11.» pag. 1684, col. e
» Op. ciL Dial. i9, foi. 573.
^ As léguas in illo tempere tinham mais
de 6 kilumetros.
ZEZ
2.»— 1694 a 1694 — e 1805, col. — e P«-
drogam Grande, tomo 6.» pag. 530, col. 2.* e
segg. onde se encontra uma leve amostra da
parte fabulosa e mais mentirosa da Miscel-
lanea.
Risum teneatisl . . .
Azereiro {Prunus lusitanica de Linneu) é
uma arvore de pequeno porte com folhas
como as do loureiro, sempre verdes; dá uns
ramalhetes de flores brancas e fructos como
os da ginjeira. Os francezes lhe chamam
Laurier fleury, — loureiro florido, — laurus
florifera ou florigera. t Destas lê o Marquez
de Fronteyra na sua Quinta de Bemflca» —
diz Bluteau no seu Vocabulário.
«As flores e as folhas do Azereiro, teem
cheiro de amêndoa amargosa, baslantemen-
te agradável» — segundo se lé no Dicciona-
rio da Academia.
Nas Memorias d^Oleiros, pag. 256, diz o
seu i Ilustrado auctor:
«São próprias 4as encostas d'este rio (Zê-
zere) do qual derivão provavelmente o no-
me, as arvores chamadas azereiros, bellas
por sua fórma redonda e copada, sem nun-
ca perderem a folha, e agradáveis pelo aro-
ma de seus abundantes caixos de flores
brancas.*
Do exposto se vê que ou o Zêzere tomou
o nome dos zenzereiros e azereiros ou v. v.
—o que julgamos mais provável.
Também nas margens do Zêzere se en-
contram em alguns sitios grandes oliveiras
e grandes castanheiros — e junto da ponte do
Cabril sovereiros enormes, que rebentam da
medonha penedia em ambas as margens e
ensombram o Zêzere na extensão de alguns
kilometros.
Fecharemos este tópico dizendo que os
portuguezes, quando povoaram o Brazil, de-
ram a muitas povoações e rios d'aquelle
vasto império os nomes das povoações e rios
de Portugal. A um d'esses rios deram lam-
bem o nome de Zêzere, mas no seu dialecto
08 Índios chamavam -no Zezeré, depois Ze-
reré, seu nmne actual.
E' um rio da província de Matto -Grosso.
ZEZ
ZEZ 2179
Nascce na serra de Santa Barbara (nome por-
íugmez); corre para N.E. — e desagua na
marggem esquerda do rio Mondego,— nome
tambbem portuguez, mas que os indios no
seu ( dialecto chamam Embotetiú.. .
Portugal no Brazil
Avproveitando o ensejo, indicaremos algu-
mas j povoações do Brazil que ainda hoje
eonsservam os nomes de povoações de Por-
lugaal. Oecorrem-nos as seguintes:
Albrantes (villa da foz do Zêzere) Aguiar»
Albiuquerque, Alcantara, Alcobaça, Alegre-
te, iAlemquer, Alhandra, Almada, Almeida,
Almaeirim, Almofala, Aller do Chão, Alva-
renjga, Alvellos, Anadia, Anta, Antas, Araes,
Arcços, Areias, Arneiros, Arrayollos, Arron-
chesã, Atalaya (povoação da foz do Zêzere) e
Avegiro.
Biarcellos, Barreiro, Batalha, Baião, Beja,
BeUem, Belmonte (povoação da margem es-
que^rda do Zêzere) Bemflea, Benavente, Boa
Viaigem, Boa Vista, Bomftm, Bomjardim (po-
voaição da margem esquerda do Zêzere) Bom
Jesms, Bom Sueeesso, Borba e Bragança.
Cabeceiras, Cabedello, Caldas, Campello
(poivoação da margem direita do Zêzere),
Caimpo-Bello, Campo Grande, Campo Maior,
Caísa Branca, Castanheira (povoação da
mairgem direita do Zêzere) Castello (povoa-
ção) da margem esquerda do Zêzere) Castro,
Caisal Vasco, Chamusca, CímbreS, Cintra,
Coiimbra, Colares, Conceição^ e Crato.
©ouro, Ega, Esposende, Estrella (nome
da grande serra, onde nasce o Zêzere) Fi-
gueira, Formiga, Gavião, Gouveia, Granja^
Guimarães e Jerumenha.
Lage, Lages, Lagôa, Lamalonga, Lapa, La-
rangeiras, Linhares, Loreto e Lumiar.
Maia, Marvão, Mattosinhos, Mecejana,
Melgaço, Mello, Miranda, Mirandella, Mon-
1 No Brazil ha 38 povoações com o nome
de Nossa Senhora da Conceição, o que pro-
va que 08 portugut-zes já in illo tempore ti-
nham muita devoção com a Virgem.
dego, Mondim, Monforte, Monsaraz, Monta-
legre, Mont'alto, Monte Gordo, Monte Mor,
Monte Mor- Novo, Monte Mor- Velho, Montes
Claros, Mossamede», Moura e Moz. ,
Nazareih, Nogueira, Nova Almeida, Nova
Beira {Beira é uma das provindas que o
Zêzere banha) Nova Coimbra, Óbidos,» Oei-
ras, Olivença, Palmeira, Palmella, Pedernei-
ra, Pesqueira, Pias, Pilar, Pinheiro, Pinhel^
Pombal, Portel, Portalegre (Porto Alegre) ,
Prado, Queluz, Rezende, Sallinho (notável
cachoeira do Douro junto de Freixo d'Es-
pada á Cinta, em Portugal), Santarém, S.
Gonçalo d' Amarante, S. João da Anadia, S.
Pedro de Alcantara, S. Romão, S. Vicente,
S. Victor, Serpa, Setúbal, Silves, Sobrado,
Soure e Souzel.
Teixeira, Thomar, Trancoso, Vacaria, Va-
lença, Veiros, Vianna, Villa Bôa, Villa Boim,
Villa do Conde, Villa Flor, Villa Franca,
Villa Nova, Villar, Villa Velha, Villa Verde,
Villa Viçosa, Vimieiro, Vinhaes, Viseu e Ze-
zeré, rio mencionado supra.
A povoação de Viseu demora na provín-
cia de Matto Grosso e foi fundada pelo go-
vernador Luiz d'Albuquerque Pereira e Ca-
ceres, ascendente dos Albuquerque^ da no-
bre casa da Insua, concelho de Penalva do
Castello, junto de Viseu, em Portugal.
V. Miragaya, tomo 5.« pag. 271, col. 2.»
e segg.
Deseulpem-nos a digressão.
Além de não ser de todo o
ponto mal cabida, é muito li-
songeira para Portugal.
Cheias
A maior de que ha memoria no Zêzere
foi a de 1876.
Com data de 16 de novembro do dicto
anno dizia um correspondente de Alpedri-
» Villa, na margem esquerda do Amazo-
nas. Chega até ali a maré, posto que dista
do mar 300 legoas. '
O Amazonas tem ali 896 braças de largu-
ra e 100 d'allura?l . . .
2180 ZEZ
ZEZ
nhã para o Diário da Manhã, jornal de Lis-
boa, o seguinte:
« Vou hoje dar-Ihe algumas noticias d'este
distrieto de Castello Branco, que tem sido
e está sendo victima d'um temporal de que
não ha memoria, tanto pela sua duração,
como pelos prejuízos que fez.
São incalculáveis os estragos causados
pelo vento, pelas chuvas e pelas cheias dos
rios e ribeiras.
Temos estado privados de noticias do sul
6 do norte; do sul por causa do Tejo, e do
norte por causa do Zêzere, cujas cheias
teem chegado a cobrir a ponte Pedrinha, le-
vando na sua corrente as velhas guardas da
ponte.
O correio de Belmonte para a Covilhã,
tentando atravessar o Zêzere, foi vietim^ da
sua audácia, pois que até hoje não se sabe
d'elle, o que leva a crer que foi arrastado
pela corrente.
As chuvas teem levado na sua corren-
te muitas searas de milho, derrubado muros
e arrazado casas.
Estes tristes acontecimentos teem feito
encarecer os cereaes, principalmente os mi-
lhos.
Nas obras publicas construídas e em
construeção n'este distrieto, tem havido con-
sideráveis prejuízos.
N'esta Villa já desabaram tres casas, fi-
cando um dos seus donos reduzido á misé-
ria.
Consta-nos que vae promover-se uma sub-
scripção com o fim de remediar este mal,
o que muito honra o cavalheiro ou cava •
lheíros que a promovem.
Muitas oliveiras e outras arvores teem
sido quebradas e arrancadas, e não só n'e8-
ta Villa, mas em vários pontos d'este distri-
eto, segundo as noticias que acabamos de
receber.
A ribeira de Alverca, próxima do Fundão,
tem causado grandes prejuízos nas suas
margens, arrastando na corrente algumas
azenhal, lagares de azeite e fazendo também <
algumas victimas. ]
Na ribeira de Alpreade foi tal a cheia
que arrastou na corrente vários pontões, j
muros e até a antiquíssima ponte que dava i i
passagem para Castello Novo, sendo tam-
bém levadas na corrente muitas azenhas,
arrasados vários prédios e arrancadas mui-
tas oliveiras e outras arvores collossaes.
Avaliam-se em mais de dez contos de réis
os prejuízos causados por este temporal, só
em Castello Novo e seu limite.»
No seu numero de 18 de dezembro do
dicto anno dizia o Diário Popular:
«A corrente do Rio Zêzere, próximo a
Belmonte, destruiu uma casa e arrastou a
moradora, deixando a morta, dependurada
em um salgueiro. N'um sítio denominado
os Trinta, próximo da Guarda, a cheia
destruiu tres fabricas de paunos, levando as
machinas e demais utensílios.
A Villa de Manteigas foi tão prejudicada
pelo temporal, que ficou incommunieavel,
porque todas as pontes foram por agua
abaixo.
Os arcos da ponte de Unhaes da Serra, na
Covilhã, estão tapados com enormes pe-
dras, que ficaram sobrepostas, formando
como que uma parede feita pela mão de ho-
mem. Para remover algumas das pedras foi
necessário trabalho de vinte homens.
Em Sernache do Bomjardim a cheia to-
mou a altura de l^.SO acima de todas as de
que ali ha memoria.
Caiu o melhor prédio, que fôra construí-
do havia "quatro annos, e do qual era pro-
prietário o sr. José Ferreira Pinto. A çheia
levou pela raiz um pomar inteiro, destruiu
todos os moinhos e lançou para fóra dos la-
gares toda a azeitona que lá estava.*
Com data de 11 de janeiro de 1877 dizia
o Diário Illustrado:
«São importantes os estragos das inunda-
ções do Mondego e Zêzere, aquelle nos con-
celhos da Guarda e Celorico, e este no de
Manteigas.
O valle do Mondego está cheio de destro-
ços, arrastados pela impetuosa corrente do
rio.
ZEZ
ZEZ 2181
EHa proprietários com prejuízos superio-
res s a dfz eoDtos de réis.
/As aguas que em impetuosa corrente se
preecipitarara dos conlrafortes da Serra da
Esltrella sobre o valle, aniquilaram quasi to-
taliimente as propriedades onde não tiuha
cheegado a inundação, areando umas, e le-
vacndo a camada arável d'outra3.
M grande ventania fez graves prejuízos no
arworedo, especialmente nas oliveiras, cas-
tanabeiros, pinheiros, amoreiras, amendoei-
ras} e outras arvores de frueto.
/A velocidade do vento tem regulado en- |
trej 90 a ISO kilometros por hora.
3ão egualmente importantes as perdas em
gaddos, tanto em animaes afogados, como nos
qute teem perecido por falta de alimento e
peUo frio.
(Os prejuízos em todo o districto, não con-
tamdo ainda os provenientes do ultimo tem-
porral, são avaliados em 491:897)^000 réis,
semdo os concelhos mais prejudicados —
Guiarda com 160:000íi000 réis. Manteigas
couB i 10:000^000 réis, Ceia com 70:000^000
réus, e Celorico com 50:000^000 réis; isto é
03 da proximidade da serra.»
IDo exposto se vè que foi muito chuvoso
e imuito tempestuoso o inverno de 1876 a
1877, pelo que no Zêzere, Mondego, Tejo,
Guiadiana, Sado, e nos outros rios ao sul do
noisso paiz a maior cheia d'este século foi a
de 1876, mas no Douro e nos outros rios a
N. de Portugal foi muito maior a cheia de
18(80.
Digam os sábios da escripíura
Que segredos são estes da natural . . .
Linhas férreas que prendem com o Zêzere
Em março de 1885 T. M. Johnson, por si
6 como representante de vários capitalistas
inglezes, apresentou ao governo uma pro-
posta para a concessão d'uma linha férrea
que, partindo de Abrantes, ou suas proxi-
midades, seguiria pelo Sardoal, Villa de
Rey, Domes, Rio Grande, Cerlã, Cabeçudo,
Caií^llo, Carvalhal, Pedrógão, Rio Zêzere,
Altares, Casal Novo, Cadafaz, Goes, Celavi-
sa, Coja, Louroza, Candosa, Midões, Garre- i
1 gal, Tonda, Lobão, Lageosa, Villa Chã, Vi-
seu, S, Pedro do Sul, Gafanhão, Reriz, Pa-
rada, Cabril, Arouca, Fermédo, Gião, San-
dim e Villa Nova de Gaya, com um ramal
que, partindo de Cabril, seguiria pelas pro-
ximidades de Genarde, Alvarenga, Espiun-
ca, Fornellos, Travanca, Fornos, Foz do Tâ-
mega, Sebolido, Melres, S. Thiago, Rio Sou-
sa. Aguiar de Sousa e Recarei na linha do
Douro.
Esta linha era importante, mas muito dis-
pendiosa, porque atravessava terreno extre-
mamente escabroso e accidentado e deman-
dava muitas obras d'arte, numerosos tun-
neis, grandes pontes e viaductos, etc. etc. e
por isso não vingou; está porém já em cons-
trucção outra linha férrea, também muito
importante, e que prende com o Zêzere, pois
atravessa-o duas vezes. É a seguinte:
Linha da Beira Baixa
I
Em abril do corrente anno de 1889 * di-
zia o Correio da Covilhã, jornal d'aquella
cidade, o seguinte:
«Progridem com a maior actividade os
trabal hos de construcção d'esta importante
linha, onde a semana anterior estavam oc-
cupados cerca de 15:000 operários, em cujo
numero figuram 1:500 mulheres. Dos 216
kilometros de que se compõe, podem repu-
tar-se completamente concluídos, como in-
frastruetura, isto é promptos a receberem a
via, mais de 150.
Sem solução de continuidade haverá den-
tro de poucos mezes, talvez em julho, 100
kilometros, os que vão de Villa Velha de
Rodam á Covilhã, onde a locomotiva pode-
rá funccionar.2
1 V. Vias férreas, tomo 10.° pag. 477, col.
2.",— e npte-se que O mencionado artigo foi
publicado em abril de 1884, eom© dissemos
ibi, pag. 484, col. in fine. Já decorreram
pois 5 annosl. . .
* Já estamos em setembro de 1889 e a lo-
comotiva ainda não chegou á Covilhã^ nem
chegará tão cédol . . .
2182 ZEZ
ZEZ
N'e8te momento procede-se ao transporte
d'ella e dos necessários wagons, pela estra-
da do Pezo a Castello Branco, onde a 60 ki-
lometros doesta povoação fica o deposito de
material da Repreza, por cujo ponto ó co-
meçado agora o assentamento da via. Este
deposito, para o qual o material da via tem
sido transportado em carros de bois sobre
doze léguas de má estrada, está attestado
para os 100 kilometros a que acima nos
referimos fVilIa Velha á Covilhã.) A parte
de Abrantes, tem outro deposito de mate-
rial, havendo ainda outro na Guarda, para
a secção que fica entre esta cidade e a Co-
vilhã.
De modo que o assentamento da via é
feito por pontos differentes: Abrantes (60
kilometros); Represa (100 kilometros) e
Guarda (56 kilometros).
Grandes diffliiuldades de construeção, ma-
teriaes e económicas, offerece esta linha era
algumas das suas partes. Póde-se avaliar
d'eilas^ no que respeita a pontes e viaduetos,
por exemplo. Ha 6i d'estas obras, das quaes
61 são metallieas. Pois bem, á excepção de
uma, todos os ferros teem sido levados em
carros de bois desde o Pezo i e Guarda,^ até
aos locaes das obras e em barcos desde Vil-
la Velha de Rodam, pelo Tejo acima, trans-
porte diffieil 6 arriscado sempre, quer pelo
grande numero de cachões que se encon-
tram no leito do rio, quer pela impetuosida-
de da corrente na oecasião das cheias.
Quando a altura da agua no rio é escas-
sa, succede que cada barco não pôde trans-
portar mais de uma tonellada, quantidade
aproximadamente igual á que transportam
os carros de bois do Pezo para Castello
Branco. Ora, havendo a transportar n'estas
circumstancias para cima de 4:000 tonella-
das de ferro, segue-se que serão emprega-
dos só tivestes transportes mais de 4:000 ve-
hiculosl E a tonellagem d'estes transportes
1 Peso,— estação na linha de leste, de Lis-
noa a Madrid por Cárceres.
2 Guarda, — estação na linha da Beira
Alta.
é insignificante, comparada com a dos ou-
tros materiaes, carris, travessas, cal, cimen-
to, ferramentas, etc, etc, etc.
«No fim do mez passado havia executadas
as seguintes obras:
Terraplanagens 2.800:000 m. c.
Alvenaria em aqueductos, pontes e pon-
tões, 62:000 m. c.
Alvenaria em muros 89:000 m. 1.
Tunneis perfurados 1:380 m. I.
Ferros de pontes montadas, ou nos locaes
das obras, 3:400 tonelladas.
Carris transportados 11:300 tonelladas.
Casas de guarda concluídas 20.
Esiaçõcis em construeção 7.
O caminho de ferro da Beira Baixa tem
as seguintes estações: Abrantes (entronca-
mento com a linha de leste); Alferrarede;
Ortiga; Amieira; Belver; Fratel; Villa Velha
ài Rodam; Sarnadas; Castello Branco; Al-
cains; Lardosa; Alpedrinha; Valle de Pra-
zeres; Alcaide; Fundão; Tortozendo; Covi-
lhã; Caria; Belmonte; Benespera; Sabugal;
Guarda (entroncamento com a linha da Bei-
ra Alta) e Gatta (2.o entroncamento com a
mesma linha para o serviço internacional).
Ao todo 23.
tOs tuoneis em numero de dez são os se-
guintes. Meirinho da 120 m.. Peral 80 m.,
Portas de Rodam 96 m., Villa Velha de Ro-
dam 120 ra., Tostão 180 m., Travillinha 90 m.,
Alpedrinha 34 m., Sarra da Gardunha 6i6 m.,
Valle do Ferro 62 m., Barracão 340 m.i A
^ Este tumel fica tristemente assignalado,
porque ali tem havido grandes desordens
entre os trabalhadores empregados na cons-
trueção, quasi todos hespanhoes, e os habi-
tantes dos povos visinhos. D'e3sas desordens
já resultaram muitos ferimentos e algumas
mortes, entre ellas a do próprio administra-
dor do concelho de Castello Branco, que foi
apunhalado por dois trabalhadores hespa-
nhoes.
ZEZ
ZEZ 2183
exiteosão total d'estes subterrâneos é de
i:'788 m. A' excepção dos dois primeiros e
do) ultimo todos os mais estão perfurados e
enn via de conclusão.
«Gomo dissemos ha 64 pontes e viaductos,
3 'dos quaes em alvenaria e os restantes me-
talllicos. Passemos a enumeral-os, indicando -
lh(es os nomes, extensões ou aberturas to-
taies e os números de vãos de que se com-
pre cada um:
Ponte sobre o Tejo (Abrantes) 426 m. em
9 vãos, sendo 5 de 60 m. dois de 48 e dois
d© 15; fundações a ar comprimido.
Ponte de Alferrarede, de 20 m.
Idem de Vide, de 10 m.
Idem das Larangeiras de 20 m .
Idem das Figueiras, de 20 m.
Idem de Mendavão, de 10 m.
Idem dos Cordeiros, de 20 m.
Viadueto da Ribeira Fria, de 50 m. em
dois vãos.
Ponte da Foz de Eiras, de 20 m.
Idem da Ortiga, de 15 m.
Idem da Ribeira de Eiras, de 80 m. em
3 vãos.
Idem de Arriacha de 20 m.
Viadueto de Canoas, de 78 m. em 3 vãos.
Viadueto da Cova Fundeira, 75 m. em 3
vãos.
Idem de João Azedo, de 30 m.
Idem da Correga do Freixo, de 40 m.
Idem do Meirinho, de 60 m. em 2 vãos.
Idem do Peral, de 130 m. em 3 vãos.
Idem da Foz de Figueira (1.°), de 30 m.
Idem de Caimbas, de 78 m. era 3 vãos.
Ponte da Ocreza, de lOi m. em 3 vãos.
Viadueto no kilometro 43, de 30 m.
Idem da Foz de Cereja, de 65 m. em 3
vàos.
Idem da Barroca do Vau de 30 m.
Idem da Barroca do Álamo, de 40 m.
Idem da Barroca do Braço, de 30 m.
Idem da Foz de Figueira (2.») de 30 m-
Idem da Foz do Assucar de 40 m.
Idem de Abutreira, de 25 m.
(dem de Giestaes, de 30 m.
Idem da Nave das Oleiras, de 30 m.
Idem do Linhar Alheio, de 30 m.
Idem da Ribeira das Oliveiras de 30 m.
em curva.
Idem de Gonçalo Magro, de 65 m. em 3
vãos.
Idem de Gonçalinho, de 30 m.
Idem do Prior, de 30 m.
Idem de Villa Ruiva, de 30 m.
Idem de Nossa Senhora, de 40 m.
Idem de S. Pedro, de 175 m. em 4 vãos:
um de 15 m., dois de 50m.e um de 60 m.
A altura máxima d'esta obra é de 69 m., uma
das maiores do paiz; os pilares são metalli-
COS.
Idem do Cerejal (1,»), de 30 m.
Idem, idem (2.»), de 30 m.
Idem, idem (3.»), de 104 m. em 3 vãos.
Idem dos Rodeios, de 60 m.em 2 vãos.
Idem dos Enxames, de 40 m.
Idem dos Garoeiros, de 40 m.
Idem do Alcaide, de alvenaria em 3 ar-
cos, de 15 m.
Ponte de Alverca, de 10 m.
Idem de Meimoa, de 60 m. (um só vão).
Idem do Zêzere (l.«), de 104 m. em 3
vãos.
Viadueto da Carpinteira, de 50 m. em
um vão.
Idem de Flandres, curvo, de alvenaria,
com 8 arcos, de 10 m. cada um.
Idem do Corgo, de 206 m. em 6 vãos, sen-
do 2 de 15 m. dois de 40 m. e dois de 48 m.
Ponte do Zêzere (2.*) i — obliqua 120 m.
em tres vãos, sendo um de 45 m. e dois de
37,5.
Idem de Maçainhas, 15 m.
Viadueto de Maçainhas, 130 m. em 3 vãos:
dois de 40 m. e um de 50 m.
Idem dos Gogos. Tem uma parte em cur-
va, formada por 3 arcos de alvenaria de 15
m. cada um; a parte restante é metallica e
tem 130 m. em tres vãos idênticos aos do
viadueto de Maçainhas.
Idem do Rebolai, de 26 m. a parte em la-
1 N'esta data (setembro de 1889) aioda
não deram principio às duas pontes do Zê-
zere.
2184 ZEZ
ZEZ
bolleiro metal) ico, de cada lado do qual o
viaducto é em alvenaria; e tem dois arcos de
10 m. A extensão total d'este viaducto mix-
to ó de cerca de iOO m.
Idem da Tapada, de 30 m.
Idem da Galrita, de 78 m. em 3 vãos.
Idem da Penha da Barroca, de 120 m. em
tres vãos, sendo dois de 37, e um de
45 m.
Idem da Silveira, de 30 m.
Ponte do Noemy, de alvenaria, 3 arcos de
42 m.
Idem da Corte Cavallo de 10 m.
Idem do Diz, de 20 m. É a ultima.
A extenção total dos taboleiros metallicos
é de 3:538 m. Dá 5:326 m. para a totalida-
de das grandes obras de arte, ou seja cerca
de uma légua em tunneis e viaduetos.
«O orçamento do governo que serviu de
base á adjudicação d'e8ta via férrea, eleva-
se a mais de sete mil contos. Como se sabe,
esta linha é concessão da companhia real
dos caminhos de ferro portuguezes e ft^ita
por empreitada por um grupo de capitalis-
tas portuguezes, que tem á sua frente o sr.
engeoheiro Almeida Pinheiro. Pessoal e ta-
refeiros são nacioDaes, na sua quasi totali-
dade, como foi também na construcção do ca-
minho de ferro de Mirandella e está sendo
na linha férrea de Viseu, i todas tres da
direcção do mesmo engenheiro.»
Esta linha da Beira Baixa ainda está
muito longe da sua conclusão e com cer-
teza não se abre ao transito antes de 1891.
Também já principiou este anno a cons-
1 A linha férrea de Viseu é apenas um
ramal de Viseu á linha da Beira Alta, a
• entroncar na estação de Santa Cmba, —
ramal que foi principiado ha annos e ainda
não está concluído.
V. Vias férreas, tomo IO-* pag. 477, col.
2." infine.
j trucção de uma linha férrea de Coimbra
I para Arganil e que deve atravessar a ser-
ra da Eátrella áté á Covilhã, pelas proxi-
midades de Ceia, S Bomao, Vallesim, Al-
vôco da Serra e Unhaes da Serra; — e das
proximidades de Ceia deve dar um ramal
para Gouveia e Celorico.
A construcção até Arganil corre por con-
ta de uma empresa particular, sem subsi-
dio algum do governo; mas desde Arganil
até á Covilhã talvez seja subsidiada, por-
que é muito mais difQcil e de grande al«
caoce para os povos indicados supra, os
povos mais industriaes das duas províncias
da Beira,— e alguns d'elles nem estradas
antigas para carros teemi Tudos os trans*
portes são feitos pelos homens e pelas ca-
valgaduras.
V. Valezim, toíno IO."* pag. 156. col.
Abrahão Ortelio— Portugal— e o Zêzere
Entre os atlas que possuímos, o mais an-
tigo é o de Abrahão Ortelio, folio grande e
luxuoso, publicado em Antuérpia no anno
de 1570. Comprehende 52 mappas de folha
inteira, sendo um d'elles dedicado a Portu-
gal e muito lisongeiro para nós,— mappa
composto por Fernando Alvaro Seco,— gra-
vado em Boma no anno de 1560 por Aehi-
ies Estaço e por este dedicado a Guido As-
canio Sforcia, cardeal romano, o que tudo
consta do dicto mappa.
Tem no alto da folha em uma quadrella
muilo ornamentada a seguinte legenda, ao
lado direito do observador:
«Portugalli 36. . . »
Em vulgar: — «Novíssima e exactíssima
descripção de Portugal, outr'ora Lusitânia,
por Fernando Alvaro SeccOf^--e na mesma
folha tem do lado opposto, em plano mfe-
rior, um escudete muito ornamentado tam-
bém, com a seguinte legenda:
«Guidoni Ascanio. ..»
1 Este nome é portuguez, mas não se en-
contra no diccionario de Innocencio.
ZEZ
ffira vulgar: —« Achilles Estácio saúda a
Guiido Ascanio Sforcia, cardeal camareiro
da Santa Egreja Romana.
•«Era attHnção aos serviços que haveis
preestado à minha familia, nós vos dedica-
mos, Guido Sforcia, a Lusitânia descripta
pcnr Fernando Alvaro. Os filhos d'ella com
vallor e felicidade incríveis ptircorreram o
mmodo inteiro; subjugaram uma grande
pairte da Africa; foram os primeiros que des-
cobriram e occuparam innumeravds ilhas,
de algumas das quaes apenas se sabia o no-
me) e d'outras nem sequer o nome; obriga-
rann a Asia, aquella abençoada região, a ser
trilbutaria d'elles, — e levaram até ás nações
makis romotas o culto do verdadeiro Deus e
a mossa religião santa.
'«Deus seja comvosco. Roma, 18 de maio
de 1560.»
Nenhumas das grandes po-
tencias actuaes do mundo tem
na historia uma pagina tão
brilhante — nem elogio tão
pomposo no atlas de Abraháo
Orteiioí...
O dicto mappa é colorido e devia ter bas-
tante merecimento in illo tempore, pelo que
Ortelio o publicou; mas hoje tem apenas al"
gum valor archeologico.
Lá se encontra indicado o rio Zêzere com
duas pontes:— a do Cabril — e a de Valhe-
lhas ou a Ponte Nova de Belmonte, pois
não está bem defiaida. E nas margens do
Zêzere indicou as povoações seguintes: —
Manteigas {Mateigas,y Verdelhos, Aldeia do
Matto {de maço), \Si\helh&s (Valvelhas) (?)
Belmonte (Belmote) Teixoso, Covilhã {Covi-
lham) Tortuzendo (Tortuzede) Alçaria, Do-
mioguiso (Domiguelo), Peso {Peso draguem),
Peíioho {Peso d'alem), Ás Ruivas ou ruinas,
Silvares (Sí//»am), Ourondo {Ouredo), Bar-
roca {Abaroqua)y Dornellas {Dornelos), Car-
^ ' Os nomes das dífferentes povoações es-
tãc em grande parte alterado^, por s^-r a
pujlicaçào fnita em paiz estranho e por ter
havido grande mudança no idioma portu-
goiz durante 329 annos.
ZEZ 2185
regai {Carogal), Porto das Vaccas {Porto das
vaquas), Esteiros, Janeiro de Cima, Janeiro
de Baixo {de fundo), Pampilhosa, Pedrógão
Grande, Nossa Senhora da Luz, Pedrógão
Pequeno, Sernache do Bom jardim (sim-
plt^smente Boiardim), Figueiró dos Vinhos
Alvaiázere {Alvaizere), Arôga {Adrega), Be-
co, Dornes, Villa de Rei, Constança {Punhe-
te), Paio Pelle {Paio de pele,)^ Tancos,, Al-
mouroí. Atalaia, etc.
Do exposto se vê que as dietas povoações
já existiam no melado do see. xvi e tinham
os mesmos nomes, são porem muito mais
antigas.
Nas margens do Zêzere tiveram demora-
da residência os mouros, os godos, os ro-
manos e os antigos lusitanos, pois ali se en -
centram casím, vestígios degrandes povoa-
ções extinctas e muitos monumentos mega-
lithicos da idade da pedra, como já se disse
em vários artigos d'e8te diecionario e como
se lê no Relatório da secção de Archeotogia
da Expedição scientifica enviada á serra da
Estrella em 1881.2— E quantos monumentos
archeologicos e prehistorieos não jazem ali
completamente ignorados?
Seja-nos licito apoQtar aqui o lunnel do
Furadouro, que se encontra na freguezia
de Cambas, concelho de Oleiros, na margem
direita do Zêzere. Recorda-nos as galerias
mencionadas no artigo Alvaiázere, não longe
também da margem direita do Zêzere,—
bem como as de Traz os Montes, menciona-
das no artigo Pedroso, aldeia, e Trez Minas,
— e a dos Furados, cujo nome tem muita se-
* Sitúa bem a freguezia de Paio Pelle, que
não encontro em mappa algum alem d'este,
— nem mesmo nos da commissão geodésica,
pois, como já dissemos supra, hoje denomi-
na se Praia.
2 Ali »e apontam vestígios d'uma grande
povoação no concelho de Belraont«, margem
esquerda do Zêzere, e o castro d'Argemella
no concelho da Covilhã, também junto do
Zêzere, etc. etc.
2186 ZEZ '
ZEZ
melhança com Furadouro!. . . V. Alva, rio,
tomo 1.» p?g. i68, col. 2.»
As Memorias de Oleiros, pag. 266, fallan-
do da freguezia de Cambas, di/em:
«Alem da egreja parochial, tem esta fre- i
guezia as seguintes capellas: de S Sebastião
"em Cambas, da Seobora da Lapa, Da povoa-
ção do Rouco, do Senhor do BomGm oa Pi
zoria, de Nossa Senhora da Conceição nos
Caoeiros, e de Santa Margarida em Admo-
ço.
«Nos limites d'esta ultima povoação exis-
te uma maravilha da natureza, digna de
coDtemplar-se: Alta serra na direcção de
sul a norte, em prezença do rio Zêzere aba-
le-se quasi perpendicularmente, na profun-
didade de 100 metros aproximadamente,
para deixar passar o rio, elevaodo-se logo
na margem direita do mesmo, a cerca de 50
metros d'aUura.
«A distancia de 100 passos d'esia mar-
gem e no monte, do lado norte, ha uma ga-
leria, ou tunnel natural (?) que o atravessa,
chamado Furadouro, cabendo por elle duas
pessoas a par. E d'esta passagem se servem
os habitantes d'aquelles sitios, quando o rio
vae cheio, não podendo então caminhar
pela margem d'elle.'>
V. Cambas n'este diceionario e no sup-
plemento, onde ampliaremos consideravel-
mente aquelle artigo.
Ha também na villa de Oleiros, não lon-
ge da margem esquerda do Zêzere, uma
gruta importante, denominada Cóva da
Moura.
V. Oleiros, tomo 6." pag. 223, col. l.%~e
as Memorias da villa de Oleiros, pag. 228 a
232.
A serra da Estrella — a Expedição scieniifica
— e os Sanatórios
O Zêzere, como já dissemos, nasce na
serra da Estrella, propriamente dieta. Seja-
nos licito pois dar uma leve noticia d'aquel-
la parte da grande serra e, aproveitando o
ensejo, rectificaremos os artigos Estrella e
Serra da Estrella publicados pelo meu an-
tecessor,! artigos que teem muitos lapsos,
por haver seguido os cborograpbos e geo*
graphos que o precederam e que mal, mui-
to mal, conheciam a grande serra, em quaa*
to que hoje (1889) depois da publicação dos
bellos roappas da commissão geodésica e dos
interessantes relatórios da expedição scienti-
fica, bem como do formoso livro Quatro dias
na serra da Estrella, do sr. Emygdio Na-
varro, fez-se luz nas trevas e lendas que en-
volviam aquella região; acabaram as patra-
nhas das lagoas, dos cântaros e das caver-
nas— e a Estrella já não intimida ninguém.
Pelo contrario, é muito sympathica a todos e
todos desejam vel-a; succedem-se umas a
outras as caravanas de forasteiros, volven-
do extasiados, e ali se encontra já hoje um
observatório meteorológico, ,uma estação te-
legrapho-postal, muitas casas para tyzicos,
todas habitadas, e outras em construcção,
pois, graças aos estudos da expedição scien-
tifica e aos esforços e propaganda do sr. dr.
Sousa Martins, é evidente que a serra da
Estrella, pela sua elevada aititude e pureza
do ar e da agua, rivalisa com as montanhas
dos Alpes e da Suissa para o tratamento da
tuberculose.
A serra da Estrella, dependência dos Pi-
reneos, é a maior de Portugal e serra mãe
de todas as que avultam nas províncias da
Beira, Estremadura, Alemtejo e Algarve.
Ella estende-se com differentes nomes do
Tejo atè o Mondego e da Guarda até Ancião
e Condeixa, comprehendendo muitas povoa-
ções, freguezias e concelhos nos districtos
da Guarda, Coimbra e Castello Branco; mas
a serra da Estrella, propriamente dieta, — a
parte mais alta, inculta e deserta,— compre-
hende apenas 30 kilometros d'extensão na
linha N.E.— S.O. desde Fernão Joannes, con-
celho e visinhanças da Guarda até Vallezim,
1 Nós acceitàmos a continuação d'este dic-
eionario. quando já ia a meio do art. Vtan-
na do Castello.
Suum cuique.
2EZ
entrre Alvôco da Serra e Loriga, concelho
de (Ceia;— e de largura minima tem apenas
15 Ikilometros na linha norte-sul, de Gou-
veiaa a Manteigas.
Ai isto se reduz a Estrella, propriamente
dictta, o espaço de que no momento nos oe-
panaoos e que nós em grande parte conhece-
moss de visu, pois já percorremos todo o
ant€emural da montanha desde Ceia até Man-
teig^as por Gouveia, S. Paio, Mello, Folgosi-
nho), Linhares, Carrapichana, Celorico da
Beiíra, Porto da Carne, Guarda, Vella, Gaia
e Víallelhas.
0) que não visitámos ainda ó o ante-mu-
ral sul em fórma de meia lua, desde Ceia
até iBelmonte por S. Romão, Villa Cova, Val-
leziím, Loriga, Alvôco da Serra, Unhaes da
Senra, Covilhã e Teixoso, povos aliás im-
portantes, muito industriaes e íWMííoawíí^os,
tod(os cheios de castros e outras qpuitas ve-
Ihairias históricas e prehistoricas. E o per-
cur*so não é fácil, porque a dieta meia lua
temi mais de SOkilometros d'extensão e des-
de Ceia até a Covilhã o terreno é muito es-
cabiroso,— «wa cordilheira medonha, — sem
um palmo d'e8trada a maeadam nem estra-
da íseguida para carros de bois?! . . .
Também já estivemos oito dias no centro
da grande serra, em 1881, com a expedição
scientifica,— não como vogal d'ella, mas co-
mo representante e repórter do Districto da
Guarda e do Commercio Portuguez, um dos
primeiros jornaes do Porto, para o qual en-
viámos do acampamento da expedição uma
serie de longas cartas, que podem ver se na
coUecção do dicto jornal relativa ao mez de
agosto d'aquelle anno, e outras enviadas de
Gouveia, onde nos demorámos até o fim do
dicto mez, porque temos ali muitas relações
e ali temos passado bello tempo muitas ve-
zes.
Nós entrámos na serra por Manteigas com
a expedição no dia 4 de agosto de 188 1.^
* Havíamos partido do Porto, nossa resi-
deícia desde 1864 (V. Corvaceira e Mira-
ZEZ 2187
No dia 12 deixámos o acampamento e fo-
mos pela pequena povoação e freguezia do
Sabugueiro, que demora dentro da monta-
nha, mettida em uma cova na margem di-
reita do Alva, até á villa de Ceia, acompa-
nhados peio nosso bom amigo Lopes Men-
des, auctor da índia Portugueza, e pelos
srs. Joaquim Pedro de Freitas Castel Bran-
co, José Anastácio Monteiro e Hermenegildo
Capello, todos 4 vogaes,^—o qual necessitou
de regressar a Lisboa para rever as provas
do formoso livro De Benguella ás terras de
laca, interessantissima historia da viagem
d'exploração que recentemente havia feito
com R. Ivens ao interior das nossas posses-
sões africanas.
De Ceia fui para a casa do meu ex-con-
discipulo e bom amigo dr. Julio Cesar d'Al.
meida Rainha, de Gouveia, a casa mais opa-
gaya) no dia 2 d'a gosto; seguimos pela li-
nha férrea do Douro no comboyo da manhã
até á estação da Regoa; d'ali fomos na dili-
gencia até Celorico da Beira, onde nos apeá-
mos no dia 3 de manhã; fretámos logo um
carro e pouco depois do meio dia estáva-
mos na Guarda, onde nos unimos à expedi-
ção. Esta havia partido de Lisboa também
no dia 2 do dicto mez; seguiu pela linha
férrea do norte até o entroncamento da Pam-
pilhosa e depois pela Imha da Beira Alta
até á estação de Celorico— por conceisão es-
pecial,—pois a meneiodada linha ainda es-
tava em conslrueção e só se abriu ao tran-
sito em 1882.
No dia 4, à 1 hora da manhã, partiu da
Guarda a expedição e nós com ella, em car-
ros até á povoação de Gaya, pois ao tempo
não passava d'ali a conslrueção da nova es-
trada a maeadam da Guarda para a Covi-
lhã, pelo que fomos todos em sella desde
Gaya até o acampamento por Manteigas,
onde almoçámos esplendidamente e descan-
çámos até ás 6 horas da tarde, como já dis-
semos no principio d'es{e artigo.
Chegou a expedição ao acampamento ás
10 horas da noite do mesmo dia 4, sendo
recebida com foguetes, talvez os primeiros
que até então haviam illuminado os cânta-
ros e a Estrella e perturbado o silencio da
noite n'aquella região das neves.
1 Logo indicaremos todo o pessoal d'ella.
2188 ZEZ
ZEZ
lenta d'aqaella formosa villa e de todo o
districto da Guarda.^ Assisti á grande festa,
feira e romagem do Senhor do Calvário,
que ali se faz uo 3.» domingo d'ago8to— e
que é a festividade mais pomposa da pro-
víncia da Beira Baixa.
De Gouveia fui para Trancoso para ver,
como vi, a feira franca de S. Bartholomeu,
que ainda hoje é uma das maiores da pro-
víncia.
De Trancoso fui para a casa do meu ex-
condiscipulo e bom amigo desde 1846, (?) —
Dionísio Ignacio de Sampaio e Mello, — que
mora na freguezia da CoguUa, a pequena
distancia de Trancoso. Visitei as villas de
Foscôa, Longroiva, Meda e Marialva ; — da
Cogulla fui para Lamego, onde nos dias 7 e
8 de setembro assisti á grande festa, feira e
romagem da Senhora dos Remédios, cujo
santuário é hoje o mais notável da provín-
cia da Beira Alta e talvez o primeiro do
nosso paiz, depois do santuário do Bom Je-
sus do Monte;— e por ultimo de Lamego re-
gressei ao Porto com vivas saudades de
tão longo e variado passeio.^
Rectificações aos artigos
Estrella e serra da Estrella
O ponto culminante da grande serra não
é o Cântaro Magro, mas o Malhão da Es-
trella, também denominado Torre (pyrami-
de) da Estrella, porque ali, não no Cântaro
1 Vale hoje mais de seiscentos contos de
Téis\ • • •
V. Gouveia e Villn Nova de Tazem n'este
díccionario e no supplemento.
2 O viajar e passeíar foi sempre a nossa
paixão dominante e, apesar de serem limi-
tadas as nossas rendas, já cruzámos em to-
das as direcções o nosso paií e visitámos
todas as nossas cidades, exceptuando uni-
camente àxm:— Castello Branco e Covilhã.
Também já transposeraos a fronteira e pi-
sámos terreno hespanhol muitas vezes— e
em 1880 fomos até Paris.
Se tivéssemos as rendas que os abbades
de Lobrigos tiveram outr'ora, iríamos mui-
to mais longel . . .
V. Lobrigos, tomo 3.» pag. 432, col. 2.«
Magro, se vô ainda hoje uma pyramide geo-
désica de 11 metros d'ãltura, mandada fa-
zer em 1802 por D. João VI, então príncipe
regente, para base da triangulação do nos-
so paiz, como prova a ioscripção citada pelo
meu benemérito antecessor e que lá se vé
ainda, sendo a pyramide feita de cantaria
de granito sem argamassa.
O dicto Malhão ou planalto da Estrella
tem a cota de 1:991 melros sobre o nivel do
mar, — e o topo da pyramide tem a cota de
1:202 metros.
O Cântaro Magro demora aproximada-
mente a distancia de 1500 metros da Torre
da Estrella para N.E. e tem a cota de 1926
metros d'altitude. No alto d'elle esteve tam-
bém uma pyramide geodésica, redonda,
caiada e muito mais pequena do que a Tor-
re da Estrella. Foi feita depois do melado
d'este século pelos nossos engenheiros,
quando por ali andaram levantando a plan-
ta da serf a e procedendo aos trabalhos geo-
désicos, mas d'ella hoje apenas se vè a base,
porque foi derrubada pelos pastores ou por
alguma faísca eléctrica.
O dícto Cântaro é effectivamente uma es-
pécie de pyramide colossal e redonda no to-
po, ou no gargalo, e na parte exterior que
olha para N.E. ou para o Cântaro Gordo e
Nave da Candieira; não é porem formado
de rochedos, collocados uns sobre outros, m&s
por um rochedo maciço, enorme, compacto
que, visto— não de frente, mas de perfil, da
base do Cântaro Raso ou da Risca do Covão
do Boi, como nôs o vimos, tem a fórma de
um cântaro da Beira, com barriga e garga-
lo,—e na face exterior da grande barriga
tem uma espécie de carranca enorme, bem
pronunciada, olhando para o Cântaro Gordo
e para a Nave da Candieira, o qu9 tudo nós
apontámos e indicámos aos vogaes da Ex-
i pedição, que nos acompanhavam, e todos
I foram acordes.
•Não é accessível por parte nenhuma e
I tem muitas cavernas»— disse o meu bene-
i mérito antecessor, fiado nos que o precede-
^ ram; mas isto é menos exacto.
ZEZ
ZEZ 2189
Neenhatn dos Cântaros tem cavernas e to-
dos ssão acceasiveis.
O Cântaro Raso é um penhasco enorme,
apruimado sobre a Rua das Roseiras, bem
comoo o Cântaro Magro, seu visinho e dis-
tantes aproximadamente 100 metros para
N.0.„ olhando também para o Cântaro Gor-
do e Nave da Candieira. D'este lado é real-
menltft inaccessivel, mas termina em um
platcó ou grande mesa, francamente accessi-
vel dlo lado superior, opposto à rua das Ro-
seirais, ou lado O., pelo Covão do Boi, que
dem»ora na reetaguarda d'elle. Este covão é
um (dos mais interessantes e mais notáveis
da Sierra, como logo provaremos, e d'elle
part(e um caminho (carreiro de cabras dia-
bólico!) denominado Risca do Covão do Boi,
que vae encostado ao Cântaro Raso e é a
unicia passagem d"e8te Cântaro e do Can-
tara Magro, seu visinho, para a Rua das
Roseiras, valle profundo, que separa estes
dois Cântaros do Cântaro Gordo, que se er-
gue na outra margem (esquerda ou N.E.)
do d leto vaíle, ravina medonha! ...
O Cântaro Magro é aceessivel, embora
com difflculdade, por um carreiro que, par-
tindo da rua dos Mercadores, a S. ou do la-
do do Cântaro Raso, o contorna pelo alto da
grande barriga; passa a prumo sobre a Cal-
çada do Inferno e rua das Roseiras,^ e vae
subindo em espiral até o cume ou mesa su-
perior do gargalo, onde esteve a pyramide
geodésica, mencionada supra.
O dicto carreiro é medonho, mas por elle
subiram differentes vogaes da Expedição,
quando nós por ali andámos com elles, no
dia 5 d'ago8to de 188i, se bem nos recorda-
mos,—e pelo mesmo carreiro multo antes
haviam subido os engenheiros e operários
que fizeram a pyramide, reioeando o e con-
centando-o por essa occasião.
* Veja-se o tópico infra — Sitios mais no-
táveis da serra.
VOLUME XI
o Cântaro Gordo, é uma e?pecie de pro-
montório, muito estreito, muito escarpado e
muito alto,* que termina em linha horison-
tal; prolonga-se de N.O, a S.E. — e divide
o valle dos Cântaros, ou rua da Roseira, do
valle ou Nave da Candieira, sendo medonha,
altíssima e com pendor abrupto a cabeça
que olha para a juneção dos dois profundos
Valles.
É aceessivel do lado N. O. por uma ve-
reda informe ou risca, aberta em rocha nua
e que passa a montante e a prumo sobre a
lagoa dos Cântaros ou da Salgadeira, assim
denominada, porque as ovelhas que ali pas-
sam por vezes se despenham e vão cair e
morrer na dieta lagoa,
E' pois muito difflcil e muito perigoso o
aceesso por este lado — e mais difflcil e mais
perigoso ainda pelo lado opposto, — a pen-
dente S. E.; cabe-nos porem a gloria de ter-
mos subido sem guias a este medonho Cân-
taro pela pendente S. E. na- memorável noi-
te de 10 d'agoslo de 1881, chegando ao al-
tíssimo e estreito cume em forma de gume,
ás 11 horas da noite, com os nossos bons
amigos e vogaes da Expedição — Antonio
Lopes Mendes e Joaquim Pedro de Freitas
Castel- Branco; mas não nos foi possível des-
cer e ali ficámos prisioneiros, conversando
com as estreitas da Estrella; até que os ou-
tros vogaes da Expedição foram com 2 guias
salvar-nos.
Descemos pelo lado opposto (N.O.) a pru-
mo sobre a dieta lagôa da Salgadeira, á
meia noite do mencionado dia, como logo
mais detalhadamente contaremos ad perpe-
tuam rei memoriam.
No art. Estrella disse também o meu an-
tecessor:
•O Cântaro Gordo é uma montanha de
1 Não tem cota nos mappas geodésicos,
mas a sua altitude deve ser aproximada-
mente a do Cântaro Magro — 1926 metros.
138
2190
ZEZ
ZEZ
rochedos cortados perpendicularmente pelo
lado N., mas pelo S. se estende pelo cume da
serra. Apesar da permanente camada de
neve que o cobre, tornando perigoso o seu
ingresso, alguns curiosos atrevidos aqui
teem subido pelo S. para admirarem a me-
donha profundidade do corte do norte.»
Confundiu o Cântaro Gordo com o Cân-
taro Magro.
Não consta que forasteiro algum subisse
ao Cântaro Gordo antes de nós. — nem mes-
mo de dia — e menos ainda de noite, como
nós subimos e descemos.
Este Cântaro e os outros dois, bem como
toda a região dos Cântaros, da Torre e das
Lagoas, esião grande parte do anno cober-
tos de neve, mas não permanentemente. Em
agosto de 1881, por exemplo, não havia ne-
ve alguma em toda a grande serra.
O meu antecessor, loc. cit. diz também: —
«O alto da serra é árido, pedregoso e desa-
brido, e apenas onde ha terra vegetal se vê
alguma planta rasteira e poucos e enfesados
carvalhos. . .»
Outr'ora e ainda nos princípios d'este sé-
culo grande parte da serra da Estrella, pro-
priamente dicta^foi arborisada. Ainda vive
em Gouveia uma senhora — D. Clara Rita
d'Almeida Rainha,* mãe do nosso bom ami-
go dr. Julio Rainha, mencionado supra,— a
qual nos disse que, por oecasião da guerra
peninsular, ellâ com a sua família e outras
pessoas e famílias de Gouveia fugiram para
dentro da serra (imitaram os antigos lusi-
tanos!...) e que ali estiveram alguns dias
em uma grande matta de carvalhos; mas
hoje a serra da Estrella propriamente dieta,
a cavalleiro das muitas povoações que a
bordam, está completamente nua. Apenas
se vêem alguns troncos dos antigos carva-
lhos dentro da serra junto de Videmonte,
concelho da Guarda, no caminho (?) da
Guarda por Videmonte. para Linhares, Fol-
1 CoBta cerca de 100 annos.
I gosinho e Manteigas. Denominam -se Og
j sete carvalhos jmlos e respeitam-nos como
balisas para orientação dos viandantes no
tempo das neves, como já dissemos no art.
Vtde Monte, vol. 10.» pag. 635, col.
Supprem os marcos ou montículos de pe-
dras soltas, que os pastores erguem ao Ion-
go da serra no verão, para se orientarem no
inverno.
A desnudação da serra é tal que, mesmo
nas grandes povoações que a bordam, co-
mo em Gouveia e outras, o combustível é
caro e, se os habitantes ricos semeiam pi-
nheiraes nas abas da serra, o povo insurge-
se e destroe-os, como já succedeu em Gou-
veia; as coisas porem felizmente vão mudar,
porque o nosso governo em 1887 reorganisou
os serviços florestaes e mandou arborisar
todas as nossas estradas a macadam, as du-
nas do littoral e as serras da Estrella e do
Gerez. N'ellas está fazendo grandes planta-
ções e sementeiras d'arvores apropriadas ao
chão e ao clima.i
No alto da serra da Estrella, ou na região
dos Cântaros, da Torre e das Lagoas, não
vimos um carvalho ou outra qualquer ar-
vore, exceptuando unicamente algumas bé-
tulas raríssimas, no valle da Candieira. O
que por ali abunda é o zimbro ou junipero,
enfesado e collado aos penedos, revestin-
do-09, ou em grupos isolados e arredonda-
dos, semelhando alecrim do norte aparado
com thesoura. Tem folhas ásperas e agudas
que picam, e produz baga, de que se faz ge-
nebra. A haste é dura e muito angulosa;
não alteia nem forma vergonteas lisas; é to-
da em zigzagues e ângulos rectos e agudos.
Não nos foi possível encontrar uma haste
de metro lisa, que servisse para bengala.
O zimbro encontra-se em toda a serra,
1 Este e outros grandes melhoramentos
do nosso paiz devem se á fecunda iniciati-
va do sr. Emygdio Navarro, ministro das
obras publicas. Logo fallaremos de s. ex.%
porque tem o seu nome vinculado á serra
da Estrella
ZEZ
ZEZ 2191
mesmo» no alto dos Ganiaros, excepto no
Malha ão da Estrella ou no plató da Torre'
Por seser o ponto mais alto e culminante da
serra, i, desabrigado de todos os quadrantes,
ali nãião ha vegetação alguma, nem sequer o
nardo o ou gervum, relva mimosíssima e lin-
dissinraia, que parece a relva dos nossos jar-
dins. . No verão cobre toda a serra e dá ma-
gnificica pastagem para o gado, pelo que os
pastonres das diversas freguezias e dos con-
celhoa» das abas da serra ali por vezes tra-
vam í grandes desordens por causa dos pas-
tos. TTem havido até por causa d'elles gran-
des ( demandas, uma das quaes, entre os
coneeelhos de Gouveia e Manteigas, depois
de grrandes bulhas e muita pancadaria, ter-
minoDii d'um modo curioso: — A camará de
Mantdeigas foi obrigada por sentença a ir to-
dos oos annos incorporada, depois de soar a
meia i noite da véspera de S. João, colher um
copo d agua na fonte de S. Pedro d'aquella
villaiea mandai o com 240 réis por um
pastoor á camará da villa de Gouveia, dis-
tantee bons kiloraetros na outra pendente
da sserra,— devendo ali ser tudo entregue
antess de nascer o sofíl . . .
A curiosa sentença foi dada ha séculos e
aindíla hoje se cumpre.
Istto é um facto que eu próprio verifiquei
na virilla de Manteigas, quando ali estive e
visittei a tal fonte de S. Pedro, — e na villa
de GjQUveia, onde tenho estado muitas vezes
e foUheado o seu archivo todo.i O que eu
não acredito é que a camará de Gouveia ja-
maiss recebesse agua da tal fonte de S. Pe-
dro de Manteigas, porque o pastor, através-
san(3do só e de noite 13 kilometros de serra^
todai cheia d'agua perfeitamente igual (atra-
vesssa inclusivamente o Mondego)— por cer-
1 D'elle extrahi parte do que se lê no art.
Valllezim e nos folhetins que publiquei no
Connmercio Portuguez com relação a Gou-
veisa,— folhetins que aproveitarei no supple-
memto a este dieeionario, se elle estiver ain-
da (então a nosso cargo.
to que leva o copo vasio e, para satisfazer
ao mandato, enche-o na fonte mais próxima
de Gouveia,— villa muito abundante d'ex-
cellente agua potável e de rega.
Mais ainda : — Em virtude de novas de-
marcações e novas partilhas dos montados,
feitas em 1848 com assistência das duas ca-
marás e do governador civil da Guarda, a
camará de Manteigas paga desde então
11200 réis todos os annos também á cama-
rá de Gouveia.
De passagem diremos que hoje a villa de
Manteigas cria mais gado do que a villa de
Gouveia, porque hoje esta villa é, depois da
Covilhã, Porto e Lisboa, a povoação mais
industrial do nosso paiz.^ Tem a villa e o
concelho 28 fabricas de lanifícios?! . . . Alem
d'isso o concelho de Gouveia é muito mais
populoso, mais vasto, mais plano e mais fér-
til do que o de Manteigas e também cria
muito gado.
O concelho de Gouveia tem 23 freguezias
com 5500 fogos e cerca de 24:000 habitan-
tes. Só a villa tem hoje mais de 700 fogos e
de 3:000 almas,— em quanto que o concelho
de Manteigas comprehende apenas 3 fregue-
zias, que pelo ultimo recenseamento conta-
vam 784 fogos e 3:325 habitantes : — nas
duas parochias da villa 688 fogos e 2:953
habitantes— e na pequena freguezia do Sa-
meiro 96 fogos e 372 habitantes. E a popu-
lação não será hoje muito maior, porque o
ultimo recenseamento foi feito em 1878 e
depois d'elle (nos annos de 1881, 1882 e
1883) uma medonha epidemia de typhos
matou na villa cerca de 200 pessoasi Só
adultos 157.2
1 V. Gouveia e Villa Nova de Tazem n'es-
te dieeionario e no supplemento.
2 Matou também alguns facultativos, pelo
que nenhum queria abeirar-se d'aquelle me-
donho fóeo d'infecção. Em tão negra con-
junctura immortalisou-se o dr. Francisco
Maria da Cruz Sobral e Vaseoncellos, então
cirurgião militar na Guarda, filho do gene-
ral de divisão Francisco Maria Melquiades
da Cruz Sobral, de quem já se fallou no art.
Vianna do Castello, tomo 10.» pag. 410 e
segg.
2192 ZEZ
ZEZ
A -villa de Manteigas também tem no Zê-
zere 8 fabricas de lanifícios: — 1 (é a mais
importante) de Joaquim Pereira de Mattos
e Cunha; 2 de Manoel Pereira de Mattos; 1
de João Abrantes Martins da Cunha e só-
cios; 1 de Manoel Francisco Serra e sócios;
1 de José Duarte Quaresma; 1 de Antonio
Martins Botelho — e 1 de Antonio Craveiro
Babaça e sócios.
Tem mais 13 moinhos e algumas moinhe-
las (?) 7 pisões no Zêzere e 4 no ribeiro das
Fornéas, que morre no Zêzere ou antes no
ribeiro das Carvalheiras, a jusante da villa
6 da Capella de Santo Antonio, que demora
na margem direita do Zêzere, junio da Pon-
te Longa, assim denominada por antiphrase,
pois, como já dissemos, é uma ponte de
pau, a mais insignificante do Zêzere.
As lagoas
• No alto da serra e perto da villa de Man-
teigas—disse também o meu antecessor no
citado art. Estrella—hà um plató com dois
lagos, ura de 1 kilometro de circumferencia
e chamado Lagoa Escura (diz-se que se lhe
não acha fundo) e outro mais pequeno cha-
mado Lagoa Comprida.
«Tem mais as lagoas Sêcca e Redonda. A
lagoa Sêcca é assim chamada, porque, ten-
do pouca profundidade, séeca de verão, pas-
tando o gado no seu leito. Da Redonda nas-
ce o rio Alva, Tem esta lagôa 616 metros
de circumferencia e 5 de profundidade.
• A Escura tem as bordas formadas de
rochedos altos e denegridos: o excedente
d'esta lagôa corre para a lagôa Comprida e
dá também forte manancial ao Alva.
«Também ha n'e3ta serra as lagoas de
Manteigas, que ficam próximo da villa d'es-
O benemérito e arrojado mancebo— com
risco da própria vida — foi muito generosa
e espontaneamente tractar os doentes todos
até findar a epidemia, pelo que o nosso go-
verno o condecorou e, fallecendo alguns an-
nos depois na Guarda, os seus amigos e
admiradores lhe erigiram um mausoléu mo-
numental.
te nome. São ellas que dão origem ao Zê-
zere.
«A terra que rodeia estes lagos sente-se
tremer, quando se anda sobre ella. É dene-
grida 6 árida: apenas aqui se vêem dois ro-
bustos carvalhos e nada mais de vegeta-
ção.
«'Suas aguas sobem e descem, sem se po-
der atinar com a causa d'este phenomeno.
«Não ha n'elles cousa viva.
«Quando embravecem (sem também se
saber porque!) seu horroroso estampido
adverte os pastores de tempestade próxima .
«O cume d'esta serra está constantemente
coberto de neve.*
Eflfectivamente ha na serra da Estrella 6
lagôas divididas em 3 grupos. O 1." (a par-
tir da Torre da Estrella) comprehende a la-
gôa dos Cântaros, ou da Salgadeira, e a do
Paxão; — o 2.» comprehende as lagôas Es-
cura e Comprida;— o 3.» as lagôas Redonda
e Secca.
A lagôa da Salgadeira demora na raiz do
Cântaro Gordo, lado N., e dista da Torre
cerca de 2 kilometros para E.N.E.
A lagôa do Paxão demora no alto da Na-
ve da Candieira (margem direita) junto do
Poio do Passarão, a jusante d'elle e do Cha-
fariz d'El-Rei, cujas aguas recebe,— e dista
da Torre cerca de 3 kil. para N.N.E.
A agua d'estas duas lagôas corre pela
Nave da Candieira para o Zêzere.
A lagôa Escura demora em uma caldei-
ra d'aspero e medonho fragoédo; é mais re-
donda do que a lagoa denominada Redonda
— e dista da Torre cerca de S kil. para
N.N.O.
A lagôa Comprida demora a jusante da
lagôa Escura, cujas aguas recebe;— distará
d'ella 1 kilometro para N.O.— e da Torre &
kil. para N.N.O.
A lagôa Redonda demora junto do Covão
do Urso, na margem esquerda da ribeira do
Sabugueiro, confluente e uma das nascentes
do Alva,— e dista da Torre cerca de 8 kil.
para N N.O.
A lagôa Sêcca demora em um planalto de
1642 metros d'aUitude, 2 kil. a O. da lagôa
ZEZ
ZEZ 2193
Rèdotonda, 3 a N.N.E. da lagôa Comprida e 8
a N. c da Torre.
Toíodas estas lagoas demoram no termo do
coacecelho de Manteigas, mas distam bastante
da vitrilla.— A Redonda 7 kilometros, a Secca
8, a ( Comprida e a Escura 10, todas para
S.O.;-;— a do Paxão 8 e a da Salgadeira 10
para i S.S.O.; note-se porém que todas estas
distaianeias são computadas em recta sobre
os maiappas da eommissão geodésica. — O
perciiurso real pôde computar-se no dobro,
attenmdendo à sinuosidade e escabrosidade
da maiontanha e nomeadamente às grandes
voltaas que dá o caminho por onde se sobe
da vi/illa de Manteigas para a serra — e do
planajaito da serra para as lagoas dos Cânta-
ros, (j que dão origem ao Zêzere, pelo que es-
tas d duas lagoas, longe de serem as mais
proxicimas da villa de Manteigas, como disse
o meteu benemérito antecessor^ são as mais
distaantes.
As s mais próximas d'aquella villa são as
do 3,9." grupo:— lagôa Redonda e lagôa Secca
— e ttanto estas, como as do 2.° grupo:— la-
gôa 1 Escura e lagôa Comprida, todas 4 des-
aguaiam no Alva.
A 1 lagôa Secca effeetivamente sécea no ve-
rão ee íica transformada em uma patameira,
comoo nós a vimos, quando em agosto de
1881 i ali passámos e n'ella passeiámos, indo
do aaearapamento da Expedição para Geia
pelo 1 Sabugueiro, povoação que demora na
marggem direita do Alva e dista da mencio-
nada a lagôa pouco mais de 3 kilometros em
recta a para N. ^
Toodas as outras lagoas tendem a soriar-
se ouu assoriar-se,^ principalmente a Com-
1 AA dieta povoação está dentro da serra,
mas 1 em sitio fundo e muito quente no ve-
rão, 1 não é porem tão fundo, tão quente, tão
abafa'ado, tão mimoso e tão fértil como o chão
da viàlla de Manteigas.
* CO termo é usado e próprio, mas não se
encoDntra nos dieeionarios.
prida e a do Paxão, e por certo já estariam
sêccas, também, se fosse movida e agricul-
tada a superfície da serra. Suppòe-se até
que alguns covões da Estrella foram antiga-
mente lagoas; mas na actualidade todas,
mesmo na estiagem, exceptuando a lagôa
Sêcca, ainda são bastante fundas.
Se bem me recordo, as sondagens feitas
pela Expedição encontraram na lagôa Com-
prida 13 metros de profundidade— e na. Es-
cura 17.
Nós assistimos ás sondagens d'estas duas
lagoas e atravessámos a Comprida em um
dos barcos de lôna, que a Expedição levou
de Lisboa para aquelle íim.
Na opinião do sr.^Emygdio Navarro, se-
gundo se lê no seu formoso Mvto— Quatro
dias na serra da Estrella,— & lagôa do Pa-
xão é a mais imponente e mais interessan-
te, mas nós visilámol-a detidamente duas
vezes; passeámos em volta d'ella; estivemos
no curuto (?) do grande penhasco— Poio do
Passarão, que domina perfeitamente não só
a dieta lagôa, mas toda a Nave da Candiei-
ra e grande parte da região dos Cântaros^
ete. e damos preferencia á lagôa Escura na
estiagem, pois é muito maior e realmente de
aspecto sombrio, escuro, por estar em uma
grande caldeira com altos bordos de fragoe-
do mi, e por ser de todas as lagoas a que
tem mais profundidade talvez.
No inverno a maior e mais imponente ó
sem contestação a lagôa Comprida, pois
quando trasborda com o desgelo e chuvas
deve ter 1:500 metros de comprimento e 200
a 300 metros de largura em alguns pontos,^
mas, como está em sitio fundo e recebe de-
triclos das encostas superiores, tem soriado
— e no verão, como nós vimos, grande
parte do seu leito fica enxuto, formando um
i A lagôa Escura deve ter aproximada-
mente 100 metros de diâmetro — e de cir-
cumfereneia 300, pois ó quasi redonda. A
lagôa do Paxão é muito mais pequena.
2194 ZEZ
ZEZ
arrelvado mimosíssimo de gervum e outras
plantas aquatieas, que dão magniSca pasta-
gem para o gado. Ainda assim a íita d'agua
que serpeia d'um modo caprichoso atravez
do grande estendal de gervum, lerá 1 kilo-
metro de comprimento e em alguns sítios
40 a SO metros de largura, mas em outros
apenas terá de largura 8 a 10 metros e,
passados alguns annos, esses pontaes tocar-
se-hão,— a lagoa ficará muito reduzida — e
por ultimo transformada em um grande co-
vão ou nave, como os outros covões da Es-
trella, hoje completamente rasos, seccos, en-
xutos.
A agua de todas as lagoas, inclusivamen-
te a da lagôa Escura, é como a de toda a
serra,— límpida e transparente. Parece agua
dístíllada. É saborosa, muito fresca e potá-
vel, mas, como em rasão da altitude não tem
os saes próprios da agua commum, sacia
momentaneamente a séde, como o gelo, pas-
sados porem alguns instantes, apenas o cor-
po volve ao seu estado normal de calor,
volve também a sáde.
Bebe-se com muito prazer e ainda hoje
temos saudades d elia, mas produz o effeito
de um laxante, como nos suecedeu e a to-
dos 03 expedicionários, em quanto estive-
mos na serra; terminou porem o ligeiro in-
commodo apenas nos afastámos.
Nenhuma das lagoas na estiagem tras-
borda. Pelo contrario o seu volume d'agua
diminue, pois não teem nascentes próprias
que compensem o dispêndio da evaporação.
Na lagôa Escura, por exemplo, quando ali
estivemos em agosto de 1881, notava-se na
superfície um rebaixamento de cerca de 1
metro— e a agua estava tépida, como tem-
perada para banho, pelo que n'ella se ba-
nharam e nadaram alguns dos expedicioná-
rios e um d'elles — o sr. Alberto Julio de
Brito e Cunha, tenente deartilhería, — n'ella
ia morrendo afogado!...
As coisas passaram-se assim:
Constando que os expedicionários se abei-
ravam das lagoas sem susto, despresando as
medonhas lendas que as cercavam,^ no dia
destinado para a sondagem affluiram mui-
tas pessoas dos povos circumvisinhos e en-
tre ellas 5 valentes moços de Manteigas que,
apenas viram na lagôa Escura os expedi-
cionários rindo e folgando e um barco de
lona boiando, encheram-se de coragem, —
despiram-se e atravessaram a lagôa nadan-
do, sendo ruidosamente acclamados e ví-
ctoriados.
Os moços ficaram contentíssimos, como se
houvessem atravessado os Dardanellos, a
Mancha ou o Mediterrâneo e, apenas respi-
raram e se viram a salvo em terra com as-
sombro d'elles próprios e dos montanheze»
todos, — cobraram novo animo, — lançaram-
se outra vez à agua— e repetiram a traves-
sia.
O tenente Brito e Cunha, estando cheio
de calor e vendo a agua tão tépida, tão lím-
pida e tão serena, despiu-se, — foi banhar-
se,2 e como soubesse nadar, tentou atraves-
sar também a lagôa, o que julgou muito fá-
cil, porque ella, como já dissemos, apenas
terá de diâmetro 100 metros; sendo porem
muito franzino e a agua completamente esta-
gnada e morta, muito mais difflcil de cortar
e atravessar do que a dos rios, a certa dis-
tancia faltaram-lhe as forças e, vendo-se só,
— succumbiu! Todos os que estavam em
volta tractaram de o animar; elle perguntou
se já iria a meio da lagôa; disseram-lhe que
não; mais esmoreceu e retrocedeu.
Era já muito visível o cançaço e todos re-
ceiavam por elle. Atíraram-lhe bóias de
1 Desde tempos muito remotos vogava na
serra e fôra da serra a convicção de que
as lagôas tinham grandes sorvedouros e
communicação com o mar,— que se embra-
veciam quando o mar se embravecia tam-
bém,—que n'ellas se havia encontrado fra-
gmentos e mastros de navios, etc, etc. pelo
que ninguém se atrevia a banhar-se e na-
dar nas pacificas lagoas.
Veja-se o art. Estrella e os Relatórios da
Expedição, nomeadamente o da secção
Ethnographica.
* Elle também já na véspera havia toma-
do banho na lagôa do Paxão.
ZEZ
salvação, mas ficaram distantes e o moço es-
tava prestes a sumir- se navoragem.i quan-
do um dos intrépidos nadadores, que haviam
feito a travessia, atiron comsigo á agua ra-
pidamente, mesmo vestido como estava,—
lançou-lhe a mão e salvou-ol
Deve pois a vida ao intrépido e valente fi-
lho de Manteigas,— CarZos Baptista Leitão.
O sr. Emygdio Navarro (desculpe s. ex.»)
foi menos justo para com os ditos moços de
Manteigas, pois no seu formoso livro, pag.
110, contou o facto do modo seguinte:
«Cídcg ou seis dos membros da Expedi-
ção saltaram dentro da lagôa, esbracejando
n'ella a nado, como no mais pacifico tan-
que. Alguns serranos mais ousados, que-
rendo pimponear em coragem, imitaram o
exemplo. Mas— ó força da supersticiosa len-
da!—algumas braças nadadas, um d'e3se3
valentes desatou a berrar desentoadamente,
pedindo soccorro, e foi empurrado para fo-
ra, pallido como um defunto. O pobre ho-
mem jurava por todos os santos e santas da
corte do ceu, que a meio da lagõa um dos
taes monstros mysteriosos lhe puxara por
uma perna para o arrastar comsigo, custan-
do-lhe a ver-se livre d'ellel ...»
O sr. Emygdio Navarro propoz-se escre-
ver e escreveu folhetins^ não historia, e por
isso de quando em quando phantasiou.
Os moços de Manteigas atravessaram 2
vezes a lagoa Escura — rindo e folgando— e
nenhum vogal da Expedição os imitou e a
atravessou a nadar. Apenas tentou a tra-
vessia o tenente Cunha, mas não chegou ao
meio da lagôa e, se o tal moço de Mantei-
gas lhe hão acudisse— Zá ficaval . . .
Em volta d'esta lagoa e de todas as ou-
tras apenas se vê o zimbro e o nardo ou
gervum, e nas margens da lagôa Comprida
algumas plantas aquáticas. Não ha vesti-
» O pendor abrupto das margens da la
gôa vae até o fundo d'ella e não tem bai
xios.
ZEZ 2195
gios nem memoria dos 2 robustos carvalhos
mencionados pelo meu antecessor,— nem de
arvore de espécie alguma na região das la-
goas e dos Cântaros, alem d'algumas bétu-
las ao fundo da nave da Candieira.
Também na região dos Cântaros e das la-
goas não ha vestígios de cultura alguma.
Apenas vimos a jusante semear centeio na
1.» quinzena d'ago3to em algumas quebra-
das da serra, e isto em cultura alternada»
pois em outros pontos ainda estavam a se-
gar e colher o pão semeado no anno ante-
cedente.
Não ha também na serra da Estrella pro-
priamente dieta vestígios de casas ou habi-
tações, nem de occupação, embora muito
remota,— nem de grutas ou cavernas. Ape-
nas de longe em longe se vôem algumas
choupanas microscópicas de pedras soltas,
feitas pelos pastores, para se abrigarem do
sol no verão— 8 alguns pequenos pilares de
pedras soltas também, ao longo das veredas
da serra, para se orientarem os viandantes,
quando a neve os surprehende.
Ha também na serra de longe em longe
orcas de pão. Assim se denominam certas
cavidades ou fendas que ha nas rochas, on-
de os pastores guardam o pão para elles e
para os seus criados e cães, tapando as di-
etas fendas com pedras.
Nas lagôas não ha coisa viva— àiz o meu
antecessor no art. Estrella,— e em parte as-
sim é, não por ser mortífera a agua das la-
I gôas, mas por estarem grande parte do an-
no cobertas de gelo; eomtudo uós vimos
saltar pequenas cobras para as lagôas Escu-
ra e do Paxão.
I Também vimos na parte mais alta da ser-
ra, mesmo na região dos Cântaros e das la-
gôas, muitas perdizes, águias e andorinhas,
—as perdizes nas quebradas — e as andori-
nhas e águias revoando, principalmente no
Cântaro Magro. Ainda conservamos algu-
mas pennas d'aguias, que d'ali trouxe-
mos.
Também conservamos o chocalho de uma
ovelha que os lobos haviam devorado na
noite antecedente do dia em que nós o en-
contrámos, ainda com restos da pelle do
pescoço da pobre ovelha, indo nós da lagôa
2196 ZEZ
do Pâxão para o acampameato com o nos-
so bom amigo Lopes Mendes.
O sr. Emygdio Navarro, no seu formoso
livro citado supra, diz que na serra da Es-
trella já Dão ha lobos.
. Isto ó menos exacto, — desculpe s. ex.* —
pois o dieto chocalho ó prova afflrmativa.
Nós não os lobrigámos nem a Expedição
pôde obter algum, mas os pastores eram
unanimes em aflírmar que na serra havia
lobos— e que todos os dias registravam a
falta de ovelhas devoradas por elles.
De dia estão escondidos nas fendas dos
■penhascos:— de noite saem dos dictos reces-
sos 6 vão bater monte em cala de presas.
Dão-se por satisfeitos se encontrara alguma
ovelha desgarrada; não a encontrando, apro-
ximam-se dos rebanhos e, como estes são
numerosos, não lhes é diffleil apanhar uma
ovelha ou outra, sem serem presentidos pe-
los cães e pastores; mas ai d'elles, se os pas-
tores 6 cães os presenteml. . .
Note-se que durante o inverno os pasto-
res costumam ir da serra da Estrella com
o gado para as terras mais amenas da Bpira
Alta e Baixa, para o Alemtejo e para os
campos de Coimbra, mas no verão sobem
com elle para a serra em bandos de 1:000
a 2:000 cabeças— e maisi Na serra durante
os mezes de junho, julho e agosto se encon-
trara 20 a 30 mil cabeças de gado lanígero.
Os diversos bandos não são dos homens
que 03 pastoreara. Ha nas differentes terras
indivíduos denominados maioraes que, me-
diante a remuneração de 20 réis por cabe-
ça 6 por mez, se incumbem de levar o gado
para a serra, e para a guarda d'elle tomam
criados e cães, na proporção do numero de
cabeças.
Nós vimos um rebanho de 2:000 ovelhas
com 5 pastores e 5 valentes cães de raça pró-
pria, armados com grandes colleiras de fer-
ro, crivadas de puas, para luetarem com os
lobos, pois estes costumam filar os cães pelo
pescoço e, encontrando as colleiras com as
puas, ficam de mau partido. Os cães não os
poupam;— acodem logo os criádos, sempre I
ZEZ
novos e valentes, armados de paus e pisto-
las,—e os lobos teem de fugir, sendo perse-
guidos pelos cães até grande distancia. Ra-
ras vezes se expõem á montaria, porque sa-
bem a sorte que os esperai... Conientam-
se pois com as ovelhas que encontram des-
garradas pelos penhascos, ou desertas e
mais afastadas dos rebanhos, pois estes,
quando são numerosos, oceupam uma area
muito extensa.
O alimento ordinário dos cães e dos pas-
tores ê broa de centeio e leite de cabra, pelo
que trazem sempre nos rebanhos de ovelhas
e carneiros, algumas cabras. Fervem o leite
em caldeiras de cobre e d'ali o comem com
umas colheres denominadas cocharras,^ fei-
tas de pontas de boi ou de carneiro, por ve-
zes muito ornamentadas.
Nós comprámos aos pastores algumas
muito bonitas e um copo ou merendeira de
ponta de boi, com desenhos curiosos, enlre
elles um navio, uma custodia e a genciana
com a flor própria,^ — diziam elles, pois o
desenho era ineorreetissimo.
1 Aos cães lançam o leite nas cavidades
das rochas ou em covas que abrem na ter-
ra; os cães d'ali o comem e nutrem mais,
quando é lançado na terra, pois costumam
comer com o leite a terra humedecida por
elle. • ^
2 A genciana é uma planta medicinal, que
se encontra no alto da serra, nomeadamen-
te U03 Cântaros e no va1lB da Argmteira,
assim denominado por ter muita genciana,
a que os pastores dão o nome de argencia-
na ou argenteira.
A genciana foi assim chamada, porque
Gêncio, rei dos lllirios ou EsclavÕes, foi o
primeiro que usou d'ella.
Nasce nos montes e logares húmidos; o
seu talo é ôco e liso, da grossura de um de-
do; a sua flor ê amarella e recortada em
quatro ou cinco partes e dá semente chata.
As suas raizes são também amarellas e
muito amargosas— 8 as folhas teem alguma
semelhança com as do Elleboro ou da Tan-
chagem.
• A raiz da genciana he attenuante, aperi-
tiva, alexipharmaca, sudorífica; mata as lom-
brigas; resiste ao veneno; he boa contra as
mordeduras dos cães damnados; provoca a
ZEZ
ZEZ 2197
CCruzes toscas de madeira lindissimas
Ta'ambein os pastores do Jarmello, concelho
da GGuarda, a N. da serra da Estrella, fazem
cruztzes de salgueiro muito vistosas, muito
appaaratosas e tão engenhosas, que envergo-
nhanm e confundem os grandes artistas!
Caostumam ter O^BO d'altura e O^.SO de
largi^ura nos braços; são formadas por 2
pauas a toda a altura d'ellas e outros 2 com
a lanrgura dos braços, todos caprichosamen-
te c ornamentados com muitos pausinhos
maiíis pequenos e uniformes, ordinariamente
216 i ao todo,i e todos tão bem travados e tão
engeenhosamente engastalhados, que ficam
firmoes sem pregos nem coUa e é impossível
desaarmar as dietas cruzes sem as quebrarl
Pí*arece mesmo impossível o construil asl.,
Mói já obtivemos 6, mas conservamos
apecnas uma. As outras distribuimol-as por
diffeerentes pessoas das nossas relações e pe-
los I museus do Porto, onde podem ver-se.
Tiambem mandámos uma á exposição de
Pari is de i878.
O) desenho é muito agradável e correcto,
— e 1 a construcção tão engenhosa, que ne-
nhuiQQ dos primeiros artistas do Porto, aos
quaaes nós as mostrámos', se atreveu a imi-
tal-aas?l . . .
Oás pastores levam-nas ás feiras e roma-
rias) e costumam vendel-as a 500 réis cada
umaa. Assim comprámos a 1.» a um ermitão
do ssantuario de Nossa Senhora das Fontes,
juDtito de Pinhel, mas pouco depois nos offe-
reeeeram por ella no caminho do Porto réis
4^5500.
COomprámos as outras a 1^000 réis.
urinoa; lança fóra as febres intermittentes,
etc.i» — diz Bluteau.
Avpplica-se interior e exteriormente e
conssia que ha annos um pobre pastor, an-
damdo a colhel-a no Cântaro Raso, despe-
nhoiu-se e lá morreu! ...
1 No relatório de Archeologia, da Expedi-
ção de 1881, a pag. 25 pôde ver-se o dese-
nho • de um dos dictos paus ou gastaihos,
mass por elle mal se imagina o formato das
cruzzes e o segredo da construcção d'ellã3. <
Não conhecemos trabalho de pastores tão
diílicil e de tanto merecimento— e até hoje
não comprehendemos nem atlingimos o se-
gredo da tal construcção.
Se um dia volvermos á Guarda, tenciona-
mos ir ao Jarmello de propósito, para ver-
mos fazer as taes cruzinhas.
A agua das lagoas na estiagem é comple-
tamente morta, serena e tranquilla, como já
dissemos. Não sobe nem desce, como as ma-
rés, nem com eilas tem relação alguma. É
pois completamente infundado o que a tal
respeito disseram o meu antecessor e ou-
tros.
Apenas baixam com a evaporação, como
também já dissemos, — e sobem e trasbor-
dam no inverno com o desgelo e chuvas.
O terreno em alguns sítios junto d'ellas
treme quando se pisa, mas o mesmo facto
se nota em toda a serra, nos chãos onde ha
húmus e abundância de nardo, porque as
raizes d'esta planta, por não ser o chão la-
vrado, formam um grande maciço — e o des-
gêlo da agua que se introduz na terra for-
ma cavidades inferiores, algumas perigosas,
deixando a superfieie suspensa no enraiza-
mento do nardo ou gervum, pelo qua no ve-
rão se torna elástica, imitando um sofá da
molas. Sente-se até prazer em rolar o corpo
sobre os dietos chãos arrelvados.
A isto se reduz o grande phenomeno de
tremer e oscillar a terra em volta das inno-
eentes lagoas, tão calumuiadas até hoje.
Os ribombos que se lhes attribuem, como
prenuncio das tempestades no inverno, são
igualmente calumniosos. Não teem funda-
mento algum, alem da imaginação do povo
e mesmo de gente itlustrada. Um cavalheiro
respeitabilissimo aíflrmou-me que em Pinhel,
cidade distante mais de 60 kilometros, elle
ouvira os taes ribombos das lagoas muitas
vezes, como detonação de artilheria colos-
sal?!...
«O cume da serra está constantemente co-
berto de neve.» — disse também no citado
art. Estrella o meu antecessor, fiado nos que
o precederam.
2198 ZEZ
É outra calurania, pois nós estivemos ali
8 dias em agosto de i881,— percorremos to-
da a região mais alta da Estrella, dos Cân-
taros e das lagoas — e não vimos neve algu-
ma; sabemos porem que alguns annos ali se
encontra neve em alguns sitios todo o ve-
rão, como encontrou em agosto de 1883 o
sr. Emygdio Navarro, segundo se lô no seu
formoso livro citado supra.
A pag. 127 e segg. diz o laureado escri-
ptor:
«Os covões e ravinas próximos da torre,
e especialmente os situados na região dos
cântaros, estavam cheios de neve, formando
vastas geleiras, d'onde escorria uma agua
tão pura como fria.
«E já agora, para não sair do assumpto
geleiras, darei conta das observações, que
fizemos na grande geleira, que achámos
perto do Cântaro Magro, e pela qual desce-
mos. O desgêlo, nos rebordos, accusava uma
profundidade de dois a tres metros; no cen-
tro era de muito maior altura. . . As infil-
trações do desgelo seguem a inclinação das
escarpas, e reunem-se n'um filete de agua,
mais ou menos abundante, que se eseôa pe-
lo fundo da ravina, deixando rasgada na
massa de neve uma caverna, que se prolon-
ga por todo o comprimento da geleira. N'es-
la, de que fallo, o filete de agua era um ver-
dadeiro riacho, e a caverna era de altura
suíficiente para ser percorrida quasi toda
de pé, com pequena curvatura de corpo.
«E que lindíssima coisa essa caverna!
Imagino o leitor uma galeria abobadada,
talhada em jaspe, com voltas e archivoltas
do mais puro estylo manuelino. Dir-se-ia
que as abobadas do claustro dos Jeronymos
foram copiadas de uma caverna de desgelo
na serra da Estrella, ou em outra serra de
neves demoradas. O que sobretudo mais nos
espantou foi a regularidade d'essas curvas,
graciosamente lançadas de supporte, umas
contra as outras, e por onde as camadas
superiores da neve gottejavam o pranto do
seu desfalleeimento, n'um murmúrio suave,
ZEZ
que o silencio profundo da serra tornava
ainda mais doce e melancholicol
«Palavra de honrai Quando penso, que
ha pessoas, que teem como uma delicia afo-
garem-se no pó insupportavel de Cintra
para admirarem la roche qui pleure, uma
fontinha a gottejar agua chilra, da quinta
do sr. marquez da Vallada, ou as esta-
tuas de. gesso da galeria do sr. visconde de
Monsarrate, e que essas pessoas quali-
ficarão talvez de excentricidade e extra-
vagância pouco chie onpschutt uma excur-
são á Serra da Estrella, dà-me vontade de
pegar no estadulho, com que me condeco-
raram 08 meus confrades em jornalismo, e
desancal-os de alto a baixo!
«Tremam de que eu venha a saber-lhes
os nomesl >
O livro é todo assim cadente,— uma serie
de mimosos folhetins, que foram publicados
no Correio da Noite, jornal do auctor, antes
de serem conglobados e dados á estampa em
volume.
No cap. VII, pag. 71 e segg., fallando das
nascentes do Zêzere, do Alva e do Mondego^
que nascem dentro- da serra, quasi do mes-
mo ponto, mas tomando rumos differenies,*
na sua maviosa linguagem diz o sr. Emygdio
Navarro:
«Eis-nos na eumiada da serra de Gouveia.
Parámos por alguns minutos a admirar o
magestoso espectáculo, cavado e recortado
diante dos nossos olhos. A alegria voltou
aos nossos ânimos, e o vigor ás nossas per-
nas.
«...descíamos alegremente a encosta
suave, que leva da eumiada da serra de
Gouveia á concha das nascentes do Mon-
dego.
«O valle d'e3le rio apresentava-se diante
de nós, distinctamente traçado na serra, e
1 Um pastor, indicando certo ponto da
serra quando ali estivemos, disse:
«D'ali (desculpem a expressão) podíamos
ourinar para os 3 rios.»
ZEZ
ZEZ 2199
maias adiante, e parallelamente, o valle do
Zezeere, muilo mais profuado, mais áspero,
maiiis graDdiosamenttf selvagem.
«to Zêzere é o verdadeiro rio da serra da
EstErella, como terei occasião de mostrar»
qaaando llie descrever as nascentes, guarda-
das,), como sentinellas giganteas de um mua*
do (de monstros mysteriosos, pelos dois can-
tarcos. Nascentes dignas d'um rio como o
DaDnubío, e como o Zêzere o seria infallivel-
mecnte, se o Tejo, com perfidia castelhana, o
nâoa cortasse de meio a meio, em principies
da I carreira!
««O Mondego é um rio bonacheirão, que
só ] por descuido foi posto na serra. Ainda
asssim, vê- se logo, que é um rio de chorões
e saalgueiraes. Em summa, um rio para mis-
turrar as suas aguas com as lagrimas da lin-
da ígnez, e para banhar a Lapa dos poetas,^
umaa ridícula fraga, onde a geração acade-
micca do tempo do sr. Antonio de Serpa e
Anitonio Xavier Rodrigues Cordeiro ia de-
diltbar lamurias no bandolim de Lamartine.
Uan rio piégasl
'«Os dois rios nascem no prolongamento
dai mesma linha N-S. ou debaixo do mesmo
meeridiano, a 1» e 35', segundo a carta da
coimmissão geodésica. Na primeira parte do
seiu percurso correm ambos para leste, o
Zeízere ioclinando muito aecentuadamente
paira o norte, como se quizessem entrar por
Hejspanhâ, contrariando o regimen geral
dais aguas da península. Em certa distancia
dejscrevem uma curva, que no Mondego é
miais completa, seguindo este para oeste, e
o .Zêzere para o sul. A cabeça dp Mondego
vejm por este modo a ser como que a cabe-
çai de um enorme cajado de pastor, ou de
unn báculo, insígnia de bispo, o qual é tam-
bejm pastor ovium. E aqui está a rasão, por
qme tendo-o nò3 atravessado, antes de che-
gairmos a Gouveia, da margem direita para
a (esquerda, no seguimento da mesma jor-
1 V. Coimbra.
nada o atravessámos da margem esquerda
para a direita.*
«Estas informações podem não ser de to-
do ociosas, porque... as origens do Mon-
dego são menos conhecidas, que as do Nilo
e as do Zaire, hoje sabidas de toda a gente^
Devo suppor que ellas são pouco conheci-
das, porque em alguns compêndios de cho-
rographia, para uso das escolas, approva-
dos pela junta superior de instrucção pu-
blica, leio que o Mondego nasce de uma la-
goa na serra da Estrella, ora não ha lagoa
alguma nas nascentes d'aquelle rio, nem
perto d'ellas. As lagoas redonda, comprida e
escura, vertem aguas, que efFectivamente
vão dar ao Mondego, mas a algumas dese-
nas de legoas das nascentes do rio, despe-
jando primeiro em alguns riachos e no Alva,
que lá as levam como tributários. Na pró-
pria carta da commissão geodésica, as ori-
gens do Mondego só muito imperfeitas e in-
completamente veem indicadas. Não será,
por isso fóra de propósito, dizer alguma
coisa sobre o assumpto.
«A serra de Gouveia, a pouco mais de
dois ou tres kilometros do alto da Santinha,
faz uma curva, aberta para leste. Esse ra-
mo da curva tem como ponto culminante o
Corgo das Mós. É na lombada d'e8se ramo,
que está o observatório meteorológico, e a
casa de Cesar Henriques.^ Essa curva fórma
* O auclor ia do Bussaco para o Observa-
rio, junto de Manteigas. Foi pela linha da
Beira Alta até a estação de Mangualde; ali
apeou-se e tomou o caminho de Gouveia,
pelo que, antes de chegar a esta villa, atra;
vessou na ponte Palhez o Mondego, que ali
corre de N.E. a S.O.— e tornou a atraves-
sal-o na serra, onde corre de S.O, a N.E.
entre o Observatório e Gouveia.
P. A. Ferreira.
2 Está hoje também ali o sanatório, do
qual fallaremos adiante, no tópico relativo á
Expedição.
P. A. Ferreira.
2200 ZEZ
ZEZ
como que uma coocha, de pendores nao
muito ásperos. São ahi as nascenles do Mon-
dego, as quaes se reduzem a uns filetes d'a-
gua, que se escoam pelos sulcos d'e8sa con-
cha, como se foram os ramúsculos venosos
^da concha da palma da mão. Nada, absolu-
tamente nada de notável: nem penedias
bravias. . . nem grutas. . . nem barrancos...
—Uma vulgaridade reles!
«Não ó verdadeiramente o Mondego. A
voz do povo tratou-o com o desdém, que
elle merece. Na serra predominam os au-
gmentativos, lestemunlio de que tudo ali é
grandioso. Um enorme fraguedo é um fra-
gão; uma ravina profundíssima é um covão
ete. Pois, por justo desdém, o Mondego é
ali chamado o Mondeguinho. Bem feito!
«N'aquelle sitio ha uma ponte, formada
por quatro troncos de carvalho; mas tão po-
dres e carcomidos^ que será de maior peri-
go atravessal-a, do que atravessar o riacho
a vau, ainda quando elle vá inchado com o
desgelo súbito das neves.i
«N'esse ponto um phenomeno, que de-
pois vi generalisado por muitos pontos da
serra. O Mondeguinho tem logo ali um leito
de areias; subindo a encosta para o cabeço
do Corgo das Mós eneontram-selargosareaes,
que diíiiculiam o andar de peões e ca-
valgaduras. É a serra que se desaggrega e
decompõe! As rochas de granito desconjun-
tam-se, esborôam-se, esfarellara-se, e as
aguas vão arrastando esses fragmentos que,
pelo embate d'ellas, se tornam cada vez
mais miúdos. E' essa a primeira origem
das areias, que das visinhanças de Coimbra
1 No meiado d'e8te século o grande indus-
trial Joaquim d'AImeida Rainha tentou le-
var o Mondeguinho, das proximidades da di-
eta ponte para a villa de Gouveia, onde ti-
nha as suas fabricas.
V. Gouvtia e Villa Nova de Tazem n'e8\,e
díccionario e no supplemento.
P. A. Ferreira.
j até á Figueira invadem os campos margi-
, naes do rio.
«Este desfazer da serra tem duas causas.
A serra é n*aquelle ponto, e em quasi to-
da a sua extensão, de constituição graniti-
ca.i O granito, como se sabe, é principal-
mente formado de quartzo, de mica e de
feldspatho. O feldspatho decompõe -se facil-
mente, quer sob a acção do ar, quer sob
a acção da agua, e a rocha, assim atacada,
desaggrega-se, quando não seja de consti-
tuição muito rija.
«E esta a dupla origem dos areaes, que
se encontram no alto da serra, e que desde
a margem direita do Mondeguinho se esten-
dem por quasi toda a lombada do Corgo
das Mós até o Fragão do Corvo e o Poio da
Morte. Dois nomes sinistros! Que intuição
prophetica presidiu a este baptismo?!
«Aquelles dois agrupamentos de rochas
estão sobranceiros á infeliz villa de Mantei-
gas, a uma altura de 700 metros, mas nnma
liuha tào aproximada da perpendicular, que
do alto do primeiro quasi se chega aos te-
lhados da villa com um bom tiro de funda/
O crocitar do corvo agoirento, que se em-
poleirou n'aquelle fragão, annunciou á triste
1 Em alguns pontos, nomeadamente na
villa de Folgosinho, é de constituição calca-
rea, pelo que a dieta povoação, aliás muito
antiga, muito vistosa e situada nas abas da
serra, em um alio amphitheatro lindíssimo,
não tem boa agua potável. A hygiene soffre
e a população não augmenta. Já não tem fo-
ros de Villa e é uma das freguezias mais pe-
quenas do concelho de Gouveia, mas vive
bem e não se encontra ura habitante d'ella
a pedir esmola!
^ Cria muito gado; vende e exporta muita
lã e muito queijo do melhor da serra da Es-
trella; fabrica muito carvão; colhe muitos
eereaes, etc. — e a sua posição é encantado-
ra\...
Visitei-a ha muitos annos e ainda hoje te-
nho saudades d'ella.
V. Folgosinho n'este diccionario e no sup-
plemento.
ZEZ
villa,i, em pregão sinistro, a sentença sym-
bolicca do nome da outra fragaria, ajunta-
mentito revolto de poios ennegrecidos e dis-
formoesl »
Doo exposto 86 vé que o sr. Emygdio Na-
varrao não sympathisou com a villa de Màn-
teigaas — e a pag. 179 e seguintes, depois de
descnrever muito poeticamente o observató-
rio rm^teorologico da serra e a casa d'Aifre-
do CCesar Henriques, !.• do sanatório de que
adiannte fallaremos, — bem como a hospeda-
gem \ que elle e os dois clinieos, seus com-
panhheiros na excursão, — dr. Sousa Martins,
e Canrlos Tavares, ambos de Lisboa, — ali re-
cebeBram de Cesar Henriques e do director
do obbservatorio A. Brito Gapélío, — diz:
«ÉÉ sol nado. Sousa Martins resolve des-
cer aa Manteigas. O dr. Sobral eslava ago-
Diadilissimo com o governo, que lhe manda-
va oDfflcios sobre ofBcios para se fechar o
hospbital de Manteigas, por urgência de eeo-
noraijias nas despezas publieas.^ O hospital
fazia i cento e tantos mil réis de despeza
menssal. Atrevam-se a chamar esbanjador a
um títal governo! Souza Martins praguejava
raios s e diabos^ que era de afundar o céu e
a terrral O hospital não se podia fechar.
«Ai epidemia dos lyphos ia em decadên-
cia, nnaas era de temer que recrudescesse no
inverrno, como succedera no anno anterior.
O hoaspitâl-barraca devia manter-se em acti-
vo seervlço até fevereiro, pelo menos.
— 1-Eu lá vou ver isso, e em Lisboa hão-de
ouviíir-mel— rugiu Sousa Martins.^
1 RRefere-se à epidemia, de que já fizemos
mençção, quando falíamos do Zêzere, da vil-
la dee Manteigas e do dr. Sobral, que nomo-
mentito (era agosto de 1883) ali se achava e
foi virisitar os excursionistas.
P. A. Ferreira.
2 00 sr. dr. José Thomaz de Sousa Martins
era ee é uma das pessoas de mais valimento
em LLisboa pelo seu nobilíssimo caracter e
por síser um dqs ornamentos da Escola Me-
dico-(-cirurgica, afamado clinico, medico do
paço,', etc.
ZEZ 2201
I
• Dispuz me a acompanhal-os. Sousa Mar-
tins disse-me que era tolice. Podia por lá
apanhar uma rasca de typho, sem graça ne-
nhuma, por não ter lá que cheirar. Não era
aquelle o meu posto. Além d'isso, iam fa-
zer ura inquérito para apoio de reclamações
ao governo^ e a minha posição politica po-
dia dar asò a interpretações suspeitosas.* A
politica é marafona de inexcedivels melin-
dres!
«Dei-me facilmente por convencido, e
deixei-me ficar. Aproveitei o tempo, escre-
vendo um artigo de fundo a desancar o go-
verno. Do alto da serra da Estrella quaren-
ta adjectivos furibundos vos fulminaram, ó
ministros impuros e maléficos!
• Já fiz a descripção á vol d*oiseau, da
villa de Manteigas.
«Está no fundo de um covão, de escar-
pas quasi perpendiculares, de 700 metros
d'altura. Por esse motivo, os dias em Man-
teigas, principalmente no inverno, são de
duração muito curta. Só muito depois de
nascer no horisonte, é que o sol penetra no
covão; e, da mesma sorte, muito antes de
se esconder no occaso, diz elle adeus á vil-
la. Deve ser de uma tristeza mortal!
«Os meu» companheiros e o dr. Sobral
A elle se deve a Expedição scientifica á
serra da Estrella e a fundação do importan-
te sanatório que hoje ali se vé, ete,
1 O sr. Emygdio Julio Navarro era então
(1883) deputado ás cortes e leader da ca-
mará na opposição, redactor e proprietário
do Correio da Noite, jornal opposicionista,
etc— e pouco depois, logo que subiu a op-
posição ao poder, foi ministro das obras pu-
blicas e ministro benemérito.
Entre outros muitos beneficios e melho-
ramentos que lhe deve Portugal, reorgani-
sou os serviços florestaes e mandou arbori-
sar as serras da Estrella e do Gerez, as es-
tradas a macadam, as dunas do littoral, etc.
€tC
V. Viseu, tomo 11." pag. 1843, col. 2.*
2202
ZEZ
ZEZ
foram recebidos em Manteigas com demons-
trações festivaes. Era domingo. A população
fez-lhes uma recepção enthusiastica
«Do que elles viram na villa e no hospi-
tal é melhor não fallar. E' pouco divertido
e tem um interesse puramente medico.
«A opinião d'elles a tal respeito pôde
condensar-se no seguinte:— que para se por
Manteigas em boas condições de salubrida-
de seria preciso. . . arrazal-a e edifical-a de
novo.*
Effeciivamente está em um medonho co-
vão, muito abafado e sem horisonte; as suas
casas são quasi todas muito antigas, muito
denegridas, Immundas e pobres, feitas de
mau granito, a esboroar-se com o peso dos
séculos, — e muito húmidas, por estarem no
fundo da grande encosta e terem pouco sol
no inverno; mas depois da grande epidemia
dos typhos recebeu alguns melhoramentos
e hoje prospera bastante com a nova estra-
da a macadam servida por diligencias, que
trabalham desde a Guarda e Covilhã até ás
Caldas de Manteigas, atravessando a vilia,—
e mais deve prosperar, logo que se ultime a
nova estrada a macadam de Manteigas para
Gouveia, a qual já tem alguns kilometros
construidos junto das duas villas.
Também os sanatórios, por estarem a pe-
quena distancia de Manteigas, dão-lhe mui-
ta vida — e mais lhe darão as suas Caldas
em praso breve, se a camará ou alguma
empresa as dotar com os melhoramentos e
embellesamentos que demandam, pois são
muito concorridas, apesar do abandono em
que jazem.
As novas estradas a macadam e a linha
férrea da Beira Baixa devem fazer prospe-
rar também as suas fabricas.
E' pois bastante auspicioso no momento
o futuro d'e8ta villa, que já hoje é uma das
mais populosas e mais importantes da
Beira.
Tem duas paroehias— S. Pedro, com 440
fogos e 1:810 habitantes (diz o seu rev.
prior) — e Santa Uaria, com 360 fogos e
1580 habitantes,--total 800 fogos e 3:390
habitantes.^
Tem algumas casas boas, entre as quaes
avulta o palacete da nebre família Português;
— duas egrejas espaçosas e bem tractadas
— e differenles capellas publicas, taes são a
de Santo Amaro, nsi villa, junto da egreja
de S. Pedro; a S.O. as capellas de S. Do-
mingos e S. Sebastião, alcandoradas na Ín-
greme encosta, sobre a margem direita da
ribeira das Fornêas;—là no fundo a eapella
de Santo Antonio, na margem direita do Zê-
zere, ensombrada por uma carvalheira enor-
me— e entre esta e as Caldas a eapella de
Nossa Senhora dos Verdes, na margem es-
querda do rio, a montante da estrada vulba
e a jusante da nova estrada a macadam da
villa para as dietas Caldas.
Em 21 de maio do corrente anno de
1889 deu-se aqui um facto importante:
Passa junto da eapella da Senhora dos
Verdes um ribeirinho que vem da serra e
desagua no Zêzere, no sitio denominado
Engenho do Rei, onde provavelmente exis-
tiu outr'ora alguma fabrica real e hoje exis-
te a de Manoel Francisco Serra & C.% de
que já fizemos menção, quando fallámos do
Zêzere.
Em 21 de maio ultimo uma medonha
trovoada momentânea transformou aquelle
ribeirinho em caudalosa torrentel Obstruiu
2 agulheiros ou aqueduetos da estrada no-
va e galgou por cima d'ella, levando d'en-
volta muitos penedos; destruiu os chãos por
onde passou e, encontrando na estrada ve-
lha um pobre moleiro, guiando um ju-
mento com sacos de pão, levou o moleiro e
o burro de tombos até o Zêzere, distante
mais de 200 metros, fazendo-os saltar gran-
des paredes. Acudiram algumas pessoas e
ainda os poderam salvar, mas o pobre ho-
mem— Antonio da Fonseca Pinheiro — ape-
nas sobreviveu dois dias. O burro foi mais
feliz, pois ainda hoje (setembro de 1889) é
1 Parece-me exagerada esta nota, — des-
culpe o meu rev. coUega.
ZEZ
yiyo e e trabalhai... Conflrmou a locução:
— «FéFeliz, como um jumenlolt
A L época glaciaria — Geleiros e Morenas
O s sr. Emygdio Navarro, no formoâo livro
que V vamos extractando, diz também que o
I sr. drdr. Frederico A. de Vasconcellos Pereira
Cabroral achou no Covão Grande, junto da
Lagôcôa Comprida, claros vestigios de um ge-
leiro o da época glaciaria — e uma morêna ao
fundolo da Nave da Candieira.
EsLste tópico é muito interessante, mas
muítdto extenso, e por isso o deixamos sim-
plesmmente indicado.
V. \ Quatro dias na serra da Estrella, pag.
98 a i iOl,— 151 e 152— e a nota de pag. 187
a 194)4.
Nãião podemos resistir á tentação de trans*
creveirer as linhas de pag. 151 e 152.
Dejepois de fallar da Estrella e dos Cânta-
ros, Q diz s. ex.»;
tUiíJm'dia— em tempos tão remotos que a
geolologia só d-*elles pôde arrancar hypothe-
ses, (, duvidas e phantasias, como esta que
expoíonho— um geleiro, da natureza dos que
aindala hoje se encontram nos Alpes, chegou
á pararte da serra, que é hoje região dos can-
tarosis. O monstruoso bloco de gêlo movia-se
de pq)oente para nascente, e na sua marcha
arrasastava enormes penedos, que se friceio-
navaram com outros penedos. O intenso frio
feito o instrumento de calor viviflcantel
«00 desaggregado da rocha fundamental
da seserra, a menor consistência d'ella n'a-
quelliUe sitio, um ou outro qualquer motivo
de ai análogo influxo, fizeram com que o sólo,
já aiiili fundamente cavado, cedesse de súbi-
to, eí esmagado pelo peso do geleiro. O gran-
de blbloco arrastou comsigo a massa enorme,
que 8 se desconjunclára, e precipitou-se com
a suaia pesada carga, no abysmo, que elle
propiprio abrira. Os echos da montanha ul-
lulararam n'um fragor medonho, repercutindo
o pa\avoroso baque, e toda a natureza estre-
mececeu com essas vozes possantíssimas do
seu c despertar para a vida nova, que ia suc-
cedeier á vida glaciaria. Assim nasceram os
, cantataros:
ZEZ 2203
Se estalado cair o orbe,
Ferem-n^o as ruinas impavidol
«Ruiu estalado e desfeito o sólo, mas os
dois cantaras ficaram impávidos na estru-
ctura da serra, e n'aqueile desabar despren-
deram a sua figura de gigantes, amparan-
do o vasto semicírculo, cavado pelo geleiro.
«E assim nasceu lambem o Zêzere, for-
mado pelas cascatas e córregos, que o ge-
leiro deixou na sua passagem, como res-
tos liquefeitos da sua passada grandeza, e
instrumentos da fertilidade para a vida no-
va, que andava em gestação na terra.
«O abalo produzido pelo enorme baque
desconjunctou o geleiro, já amortecido pelo
calor da sua longa peregrinação. Ainda ca-
minhou algumas centenas de metros, mas as
forças abandonaram-n'o e a decomposição
total chegou. As aguas, que se precipitavam
atraz d'elle, e ás quaes abrira caminho, ac-
celeravam a transformação.
«A massa de todas essas aguas arrastou
ainda por algum tempo a carga de penedos
que o geleiro trouxera no dorso e debaixo
de si, penedos grandes e miúdos, de diver-
sa formação geológica por lerem sido apa-
nhados em logares distanciados, e sobrepos-
tos indistintamente uns sobT'e os outros, na
confusão do cataclismo, que ali os arremes-
sára. As aguas empurram os penedos, que
de serem empurrados mais se juntam, for-
mando um como que açude, accentuando
a saliência da curva no sitio onde o esforço
das aguas foi mais violento. Mas ahi tam-
bém a resistência do açude era maior.
«Por Qm as aguas romperam por um dos
lados, abrindo uma estreita garganta. Por
ahi se escoa o Zêzere, pouco adiante das
suas nascentes. A essa garganta chama a
gente da serra o sitio apertado;^ ao resto do
açude chama o Espinhaço do Cão. Esta é a
murêna terminal, que o sr. Frederico de
i E' a boeca ou termtnus da nave da Can-
dieira.
2204
ZEZ
ZEZ
Vasconeellos Cabral affirma ter descoberto,
como testemunho irrefragavel da época gla-
ciaria no nosso paiz.
«Forçoso é confessar que a inspecção do
terreno, e até a significação tradicional
d'aquelle8 nomes, abonam, de um modo fri-
sante, a plausibilidade d'aquella affirmação.
• Fique este humilde registo para padrão
do descobrimento, emquanto outro naais
idóneo se não ergue.»
Ainda os Cântaros
A pag. 145 e seguintes, o sr. Emygdio
Navarro diz:
«Os primeiros filetes d'agua que para norte
eleste escorrem do rebordo da grande espla-
nada da torre, são também as primeiras nas-
centes do Zêzere. Este é o verdadeiro rio
da serra da Estrella, e o mais favorecido
d'aguas. O Tejo sae-lhe ao encontro em
Constança, e só o vence, porque a natureza
do terreno o obriga a mislurar-S3 com elle.
«Na arremeltida a braveza herminia leva
de baixo a pujança castelhana.
^Braveza herminia é uma redundância,
porque o adjectivo herminio ou hermenho,
já de si quer dizer bravo, áspero, selvagem;
e d'ahi vem chamar-se á cordilheira da ser-
ra da Estrella os montes herminios, como
quem diz os montes bravios por excellen-
cia. Passe a redundância com este salvo
conducto.
«O Zêzere. . . corta o Tejo de lado a lado
com fúria invencível, e este só pôde passar
adiante, galgando por cima do seu inimigo,
como se fôra sobre um açudei
«As geleiras, que raro desapparecem da
região dos cântaros, são o principal ele-
naento das suas nascentes. Os córregos, por
onde se escoa o desgêlo, são bordados por
um relvado de nardo, do mais puro verde-
mar, esmaliado pelas florinhas amarellas de
um ranúnculo selvagem, o Ranunculus
adscendens, de Brotero. E' quasi que a flor
dos gêlos.
«Perto, a fazer-lhe companhia nos relva-
dos séccos, surge com o seu formoso cálice I
azul, esbatido de roxo, a Campânula Her-
minii, que em Portugal só na serra da Es-
trella se encontra, e lá fóra só em algumas
regiões alpinas.
• Descemos rapidamente a grande geleira
e estacámos em contemplação muda no Co-
vão do Sabbat (?)
• A garganta prolonga se por uma peque-
na extensão,! encostando se pelo lado es-
querdo á base do Cântaro Magro e pelo la-
do direito a um grande cerro^ que é conhe-
cido pelo nome de Cântaro Raso, mas abu-
sivamente, porque não tem coisa alguma da
fórma característica dos cântaros. E ao
fundo agrupavam se os filetes d'agua^ des-
cidos das geleiras, e o Zêzere nascia, sal-
tando logo de cachoeira em cachoeira, co-
mo ura leâosinho logo pula e salta a breve
trecho de nascido á luz. Esplendidol
«A região dos cântaros forma no seu as-
pecto geral, um grande semicírculo, aberto
para leste. Na ponta sul está o Cântaro Ma-
gro; na ponta norte, o Cântaro Gordo. A se-
micircumferencia é traçada na penedia por
um córte muito profundo, n*algumas partes
em linha perpendicular, nas restantes de
pendor muito inclinado, e só com ligeiras
rugosidades intermédias. O Cântaro Magro
dá, pela parte interna d'esse semicírculo,
um corte perpendicular de 300 metros. Pela
parte externa passa a Rm dos Mercadores...
D'essa rua ao vértice do Cântaro Magro vão
ainda muitas dezenas fle metros. E' por ahi
que se realisa a aseenção. Como? Não o sei
dizer, porque nem todos os guias conhe-
cem suflBcientemente o pedregal para s©
abalançarem á emprera.^ Examinàmol-o
1 A extensão da Calçada do Inferno e da
Risca do Covão do Boi, mencionadas supra.
P. A. Ferreira.
2 E' facto. Quando a Expedição esteve na
serra, tinha ao seu serviço como guias mui-
tos pastores circumvisinhos, mas nem todos
conheciam as nebulosas veredas da região
dos cantaras.
P. A. Ferreira.
ZEZ
ZEZ 2205
cuidadosamente, torneaDdo-o,* sem poder-
mos descobrir, não direi já um carreiro, mas
uma sequencia de anfractuosidade» com
apoio sufiBciente para por ellas se tentar a
escalada.* E todavia é cerlo que o sr. dr.
Serrano, lente da escola medica, e mais al-
guns companheiros, subiram até à corôa do
cântaro, por oeeasião da grande expedição
de 188111
«Na descida estiveram perdidos.^ Anoite-
ceu-lhes em cima, a alguns kilometros de
distancia do acampamento, sem poderem
realisar a retirada.
«Aquelle Polyphêmo de granito não era
escalvado; tinha cabel leira, e isso os salvou.
Com risco de morrerem assados no aperta-
do recinto,* lançaram fogo ao zimbro, que
ali havia, accendendo uma fogueira de soc-
corro em resposta aos foguetes de signal,
que pela auzencia se deitavam no acampa-
mento. Partiram para ali alguns companhei-
ros e lodos 03 guias, que a muito risco, e
por meio de uma escada humana, consegui-
1 O auetor é muito novo e muito vigoro- 1
so, mas só podia tornear o dicto cântaro \
pelos lados E., S. e O. -~ Pelo lado N. era j
absolutamente impossível, pois cae a pru- j
mo sobre o covão de 300 metros d'allura,
que o separa do Cântaro Gordo.
P. A. Ferreira.
2 O sr. Navarro exagerou (desculpe s.
ex.») pois com certeza já tinha visto a base
da pyramide geodésica no alto do dicto
cântaro— e devia também ver a senda, por
onde os engenheiros e construetores da py-
ramide subiram, — senda que elles concerta-
ram e retocaram. Por ella subiram e desce-
ram em pleno dia alguns vogaes da Expe-
dição de 1881, como já dissemos.
P. A. Ferreira.
3 Chamamos a attenção dos leitores para
este tópico, pois n'elle o sr. Navarro (des-
culpe s. ex.») tomou a nuvem por Juno, co-
mo logo verão.
* O curuto do Cantara Magro é arredon-
dado e tem talvez mais de 20 metros de
diâmetro; — o curuto do Cantara Gordo é
um espinhaço de cão, bastante comprido,
mas muito estreito. Em alguns sitios não
tem de largura 6 metros.
VOLUME XI
ram libertal-os d'aquella prisão perigosa-
Só ha um caminho para se realisar a ascen-
ção; mas caminhe sem balisas, sem rastos
de trilho, sem signaes indicativos. E' uma
I espécie de labyrinto aéreo. Uma vez perdi-
do o fio, encontra se o abysmo por todos os
lados.
«Em frente ao Cântaro Magro, ergne-se o
Cântaro Gordo... Na base é tão obeso,
quanto o outro é esguio. Abriga n'elle duas
lagoas: a do cântaro, quasi na ponta do se-
micírculo, e a do Paxão, mais ao norte,
j tornejando em caminho dos Barros Verme-
j lhos. Os despejos de uma e outra constituem
o ramo norte das nascentes do Zêzere, o
; qual se precipita pelo sitio da Candieira.
j «Eis ahi estão as nascentes do Zêzere.,
! cujo ramo principal se fórma no semieireu-
' lo, de que são sentiaellas giganteas, e in-
corruptíveis, os dois cântaros.»
RECTIFICAÇÃO
Lopes Mendes, Castel -Branco e eu
no alto do Cântaro Gordo, á meia noite.
O sr. Emygdio Navarro, a quem nós pro-
fundamente respeitamos, é um grande esta-
dista e adorável estylista, muito illustrado
6 muito considerado, mas nos seus Quatro
dias na serra da Estrella não se propoz es-
crever historia. Propoz-se escrever e escre-
veu folhetins soltos, rindo, brincando e fol-
gando com a liberdade de folhetinista, ro-
mancista e poeta, pelo que não se escravi-
sou aos factos e no tópico supra tomou a
nuvem por Juno.
Os vogaes da Expedição, que subiram ao
Cântaro Magro, subiram e desceram em
pleno dia, sem grande diíficuldade. Os que
subiram e ficaram prisioneiros, sem pode-
rem descer^ não foram, como s. ex.* diz, o
sr. dr. Serrano e outros; — foram os srs. An-
tonio Lopes Mendes e Joaquim Pedro de
Freitas Castel-Braneo, vogaes da Expedição,
— e este seu humilde criado ^ pois tive tam-
bém a honra de acompanhar a Expedição
seientifica, não como vogal d'ella, mas co-
139
2206 ZEZ
ZEZ
mo representante e repórter do Districto j
da Guarda e do Commercio Portuguez. j
A nossa perigosíssima ascenção e mais
perigosa descida são um facto histórico, mas
(desculpe s. ex.») deu- se o facto no Cânta-
ro Gordo— nlo no Cântaro Magro.
As coisas passaram-se assim:
A Expedição chegou ao acampamento no
dia 4 d'ag08to de i881 (quinta feira) às 10
horas da noite— com este seu criado.
No dia seguinte, apenas nos levantámos
e lançámos os olhos sobre a montanha, o
queimais nos impressionou foi a Torre (py-
ramide) da Estrella, que se erguia ao sul e
não longe do acampamento, pelo que logo
depois do almoço eu e differentes vogaes da
Expedição fomos com 3 guias visital-a. De-
pois tomámos para N.E. e fomos ver os len-
dários cântaros, descendo pelo Covão do
Boi e fazendo alto na rua dos Mercadores^
Vimos pausadamente e com assombro os
cântaros Magro e Raso e foi então que ao
1.° subiram alguns vogaes da Expedição, fi-
cando nós com os outros vogaes descançan-
do e palestrando na rua dos Mercadores.
D'ali tentámos seguir todos para o acampa-
mento pela Nave da Candieira, para vermos
da base os 3 cantaras e depois as lagoas da
Salgadeira e Paxão, ete. Tudo aquillo nos
tentava e o passeio devia ser muito interes-
sante, mas o caminho era diabolicol Apesar
de irmos com os guias, não nos atrevemos
a descer ao medonho covão, que separa do
Cântaro Gordo os cântaros Magro e Baso.
Descemos da rua dos Mercadores pela
Calçada do Inferno, onde o sr. Lopes Men-
des com um tombo se feriu, como já disse-
mos supra, quando fallámos do Zêzere. Es-
távamos ainda longe do fundo do covão, to-
dos moidos e muito suados, pelo que esmo-
recemos. Desistimos do plano e voltámos
pela Bisca do Covão do Boi, visinha e con-
génere da Calçada do Inferno, para a rua
dos Mercadores, aonde chegámos suadissi-
mos com a pequena marcha e contra-mar-
cha, pois o caminho era infernal e o sol tro-
pical! Depois d'algum repouso dissemos
j adeus aos cântaros e fomos para o acampa-
, mento.
Lopes Mendes, que desenha com muita
facilidade e é sem contestação um dos nos-
sos primeiros paisagistas,^ estava ancioso
por descer ao covão dos cântaros, para os
desenhar lá do fundo; e eu também estava
ancioso por ver lá do fundp aquelles medo-
nhos colossos, pelo que no dia 10, vendo
nós partir para os cântaros os vogaes da
secção photographica, partimos também
com elles^ — e aeompanhou-nos o sr. Castel-
Branco, vogal da secção d'agronomia, com
o intuito de reconhecer as bétulas da Can-
dieira.
Partimos do acampamento ás 11 horas da
manhã e fomos pela lagôa do Paxão, que
eu e Lopes Mendes já tínhamos visitado e
que o major Torres se propunha photogra-
pbar também.
Os 2 carregadores, que levavam as ma--
chinas e apparelhos photographicos, parti-
ram mais cedo, com ordem de nos espera-
rem na lagôa do Paxão; — nós fomos sem
guias e muito afoitos, porque eramos S, e eu
e Lopes Mendes já tínhamos visitado a dieta
lagôa e os cântaros.
Fomos em direcção á lagôa, passando a
O. e montante do Poio do Passarão. Os meus
companheiros trataram de o contornar pelo
sul, demandando uma quebrada que nos pa-
receu o melhor caminho para a lagôa; eu,
tentado pela visinhança do dicto fragão, cu-
ja cabeça já tinha admirado das margens da
lagôa, sobre a qual se apruma^ vendo que
elle era accessivel do lado O. por onde nós
1 Elle tinha levado para a serra nas suas
carteiras de viagem os croquis que trouxe
da índia e que hoje podem ver-se em gra-
vura na índia Portugueza. As carteiras an-
davam de mão em mão e todos os vogaes
da Expedição scientiíica admiravam tão ní-
tidos desenhos.
2 Eram os srs. Frederico A. Torres, ma-
jor de cavallaria, e Alberto Julio de Brito
e Cunha, tenente de artilheria.
ZEZ
ZEZ 2207
passjavaiDOs, trepei pelo medonho fragão até
o cmrutol A vista era imponente e larga,
mas} ad cautellam, para não medir com os
OS80)8 a grande altura do cabeço^ deilei-me
e co)llei-me a elle.'
1 «Tenho a honra de lhes apresentar o
Fraigão do Passarão, nome constituído por
àom augmentativos, porque um só não se-
ria sufficiente para dar idéa de tão grande
bruito! — diz o sr. Navarro no seu formoso li-
vro) Quatro dias na serra dv Estrella, pag.
155) e 157.
«:0 Fragão do Passarão. . . é a cabeça da
lagíôa do PeixãoA O Cântaro Gordo estende
a siua obesidade para o norte, e aquelle pe-
nhaisco alambasado é ainda um refego da
suai enorme barriga. A rocha corta-se a
priamo. . . e por umas fendas, que não che-
gatm a ser gargantas, escorre a aguado des-
gelio e das torrentes. E' um rauralhão intei-
riçio, ennegrecido pelos lichens, e incapaz
de dar abrigo a passarão ou passarinho, por
que é liso.
«(E' uín legitimo e authentico bruta-mon-
tes..
«Por baixo d'e3te penedo, ao fundo de
una ladeira muito bravia, e bastante exten-
sa, esiá cavada a caldeira da lagôa. A la-
deara é aeeessivel pelo lado de sudeste, para
quem vem dos cântaros (e do acampa-
meçnto.)
«A ladeira não é segura de descer. Digo
isto, porque duas vezes estive tombado, e
em grave risco de pôr a ossada n'um feixe.
Sapatos grossos, com boas brochas, dão an-
dar firme em toda (?) a serra, e agarram-
se bem ás asperesas do granito. Mas ali os
penedos pareciam estar untados com cebo.
Pertencerão elles ao grupo das rochas gla-
ciarias, descobertas pelo sr. Frederico Ca-
bral, e serão escorregadios por terem o po-
lido característico d'aquellas rochas?!. . .
»0 que sei é que duas vezes estive em
i A denominação commum e ofiQcial d'es-
ta lagôa é lagoa do Paxão; o sr. Emygdio
Navarro deu-lhe o nome de Peixão, como
proveniente d'algum grande peixe; outros
dizem que o nome de Paxão provem de
paixão e commemora o marlyrio de Santa
Antonina.
V. C«a, tomo 2." pag. 222, col. 1."
De lá via a lagôa e os carregadores, mas
não vi os companheiros!
Depois de saborear bem aquelle panora-
ma, desci do pináculo e caminhei para a la-
gôa pela tal fenda, mas fiquei engasgado e en-
talado, por serem certo ponto muito estreita
6 muito escabrosa. Os meus companheiros
todos haviam recuado e foram contornar a
penedia pelo lado opposlo (norte); mas eu,
não estando prevenido pelo sr. Navarro,*
vendo a lagôa a pequena distancia e lem-
brando-me de que a volta era immensa, ati-
rei-me com fé pelo tal despenhadeiro abai-
xo e felizmente, sem deixar ali a ossada,
cheguei depressa á lagôa, levando como re-
cuerdo uma lindíssima pedra rolada, que
achei no despenhadeiro. Pesava talvez 2 ki-
los e ainda hoje tenho saudades d'ellal...
Nas margens da lagôa estavam somente
ainda os carregadores, porque os nossos
companheiros perderam-se a contornar o
Poio do Passarão. O primeiro que surdiu
foi o tenente Brito e Cunha. Tentado pela
visinhança da lagôa e vendo que o seu che-
fe se demorava, desplu-se e foi tomando
banho.2
Finalmente chegaram os outros compa-
nheiros, muito fatigados, muito suados e
muito zangados, porque tinham andado
perdidos— não sei por onde! . . .
perigo de tombo real. Aviso, para ali des-
cer cora eautella, a quem lá vá. Valeram-me
as minhas excellentes disposições gymnas-
ticas. Sousa Martins e Carlos Tavares dis-
seram que eu tinha uma soberba espinhal-
meduUâ, que è o miôlo do espinhaço
tElIes que o disseram, é porque lá o en-
tendem. Não percebi muito bem a explica^
ção, mas agradeci os elogios tributados á
I sobredieta minha senhora, que me livrou
de um desastre fatal.»
Pelo dieto barrocal desci eu também?! ...
' O livro de s. ex.« foi publicado 3 annos
depois.
? Elle gostava de banhar-se e nadar nas
lagoas, mas ia morrendo afogado na Lagôa
' Escura, como já dissemos.
2208 ZEZ
ZEZ
Depois d'algum descanço, o major Torres
armou a barraca e preparou a machina, mas
vendo o relógio, disse que já não tinha tempo
de ir photographar os cântaros, porque a
distancia era considerável, o sol ia declinan-
do e a machina depois das 3 horas não fune-
cionava bem. Deixámos pois o santo homem
com o tenente Brito e Cnnha e os 2 carrega-
dores, e seguimos para os cântaros — eu,
Lopes Mendes e Castel-Branco,— sem guias.
Fomos pelo valle da dieta lagôa, a Nave da
Candieira, cujo aspecto tenta um santo, mas
o chão era tão eriçado de zimbro e pedras
soltas, que nos viamos embaraçados a todo
o momento, cambando ora para a direita,
ora para esquerda, e gastando as botas, o
tempo e a paciência. Eis que no leito de
um córrego, por onde seguíamos, depará-
mos com uma fenda bastante alta, encober-
ta por um matagal de zimbro e outras plan-
tas rasteiras,
A gruta
Tentou-nos a tal cova e fomos exploral-a,
mas tivemos de dar uma grande volta, para
podermos descer a ella.
Ficámos surprehendidos e muito satisfei-
tos, quando nos vimos dentro da gruta. E'
uma das curiosidades mais interessantes da
serra da Estrella e muito digna de ver-se,
como nós a vimos, no rigor da estiagem,
pois está precisamente na veia d'um córre-
go, muito abundante d'agua no tempo do
desgelo e das chuvas, e foi aberta pela agua
em um filão de granito molle.
Terá 12 melros de comprimento, 2 a 3 de
largura e 3 a 4 d'altura, ~ bastante luz, —
todo o vão interior muito limpo—e quando
ali estivemos apenas se viam alguns mi-
croscópicos filetes d'agua muito límpida e
muito saborosa.
• Ali passámos muito agradavelmente uma
hora talvez á sombra, descançando, pales-
trando e saboreando o nosso lunch,^ de mis-
^ A Expedição levou de Lisboa muitos
cantis da tropa; foi dado um á cada expedi-
cionário e, quando se afastavam do acam-
pamento, lodos levavam a tiracollo o seu
cantil com vinho — e pão, queijo ou sardi-
nhas de Nantes, para lunch.
tara com bello vinho de pasto, da fregue-
zia de Famalicão, e agua dos taes filetes.
Durante os 8 dias da minha estada na
serra foi aquella hora uma das mais agra-
dáveis. Lopes Mendes tirou differentes cro-
quis da bella gruta e á saida outros, dese-
nhando os penhascos que avultam a O. da
Candieira e N. do Cântaro Gordo.
Tudo corria de feição, mas o tempo ia
! correndo também e o sol declinando.
! Proseguindo com diíFiculdade, por ser o
I caminho muilo pedragoso, vimos a distan-
I cia uma betula. Foi logo o sr. Castel-Branco
I visital-a e volveu muito satisfeito, trazendo
I ás costas uin ramalhão. Tudo isto retardou
I bastante a marcha e proseguindo chegàraos
! ao vértice da lombada que vem do Cântaro
Gordo e divide a Nave da Candieira do co-
I vão dos cântaros.
j Fitámos com assombro lá do fundo aquel-
j les imponentes colossos, e Lopes Mendes,
tirando a sua carteira, tratou de os dese-
! nhar.
Ascensão ao Cântaro Gordo
Terminado o desenho, vimos que o sol
estava a sumir-se.
I — E agora— disse eu, — por onde havemos
í de ir nós para o acampamento?
— Pelo mesmo caminho por onde viemos
—respondeu Castel-Branco.
— Isso é quasi impossível, porque a noi-
te aproxima-se e, se nós de dia viemos ás
apalpadellas e gastámos 6 horas para che-
garmos aqui, de noite as diíBculdades su-
birão de ponto e ficaremos perdidos n'esse
chavascal— respondi eu.
I —O melhor é atravessarmos este covão*
subir até á rua dos Mercadores e d'ali niar-
I char para o acampamento pelo caminho por
onde fomos, quando visitámos a Estrella e
os caníom,— disse Lopes Mendes.
— Também me parece pouco aceeítável
1 esse alvitre,— disse eu, — porque a descida
para este covão (o medonho Covão dos Can-
j taros) não é faeil~e a subida para a rua
I dos Mercadores pela Calçada do Inferno ou
j pela Risca do Covão do Boi, é impossível de
I noite e sem guias, pois, bem se recorda de
! que nós, quando lá estivemos e tentámos
ZEZ
ZEZ 2209
descer — em pleno dia, com sol e com guias
— esmorecemos e tivemos de retrogradar!
Arriseamo nos pois a ficar mettidos no co-
vão.
— Se não podermos ganhar a rua dos
Mercadores — disse Lopes Mendes — subimos
pelo covão até ganharmos a parte superior
da serra, onde elle se abre, e d'ali vamos
para o acampamento, pois lica na mesma
direcção.
—Também não concordo— disse eu— por
que ziós não conhecemos a saida do covão.
Muito provavelmente é abrupta; não a po-
deremos transpor e ficaremos mettidos em
um dos pontos mais fundos da serra, onde
ninguém nos lobrigará e, por mais que gri-
temos, ninguém nos ouvirá.
— Então que fazer ? — disse Lopes Men-
des.
Apontei para a cabeça do Cântaro Gordo
que nos ficava sobranceira, e disse: — «Este
Cântaro, como já vimos da rua dos Merca-
dores, termina em linha horisontal, que se
prolonga para o lado do acampamento e di-
vide do grande covão a Nave da Candieira,
pelo que, se nós ganhássemos o curuto d'es-
te cântaro, ficávamos livres da nave e do
covãç.»
— Eu concordo — disse Lopes Mendes, —
mas como havemos de subir ao curuto d'es-
te mono?
— A subida parece-me realisavel, pois,
como vêem, este pontal do cântaro não é de
ragoedo abrupto e raassiço^ mas de peque-
nas pedras soltas e, embora o declive seja
grande, julgo que o podemos vencer. E lo-
go que cheguemos ao alto d'elle, dominamos
toda a serra; — se os nossos companheiros
nos procurarem, com facilidade nos encon-
tram,—e não faltará mesmo quem nos soc-
corra sem serem elles, porque toda a serra
anda cheia de pastores.
— N'esse caso — disse Lopes Mendes —
tentemos a subida.
Eu logo rompi a marcha, mdo na frente;
— após de mim Lopes Mendes— e na recta-
guarda Castel-Branco, taciturno.
Eu ia procurando os carreiros das ove- i
lhas e trepando, agarrado ás pedras e ao
zimbro, apoiado era um guarda sol, que ar-
vorei em bengala. Os meus companheiros
iam de melhor partido, porque seguiam na
minha esteira, apoiados em boas cannas dá
índia e distanciados alguns metros, para que,
se -éu me despenhasse no abysmo, os não
levasse d'envolta. Tolhia-me também o bra-
ço esquerdo a pedra rolada, que encontrei
na descida do Poio do Passarão e que de-
sejava levar de prezente á secção geológica,
pois são raríssimas n'aquella altitude as pe-
dras roladas, e aquella era um exemplar de
merecimento.
Principiámos a ascenção ainda com sol,
mas em breve desappareceu; felizmente po-
rem logo surgiu a lua, que foi a nossa sal-
vação, pois dava uma luz branda, que nos
deixava ver o terreno que pisávamos e não
nos perrailtia avaliar bem as distancias e a
profundidade do abysmo cavado a nossos
pés.i
A marcha era tão morosa como a da les-
ma e ao mesmo tempo tão dura, tão violen-
ta, que suávamos por todos os poros e éra-
mos obrigados a parar e deseançar de ins-
tante a instante, pois a maldta barreira
deve ter aproximadamente um declive de
cincçenta por centofl . . .
Teríamos andada apenas 100 metros,
quando ouvimos Castel-Branco a chorarl
Volvemos os olhos para elle e vimol-o sen-
tado, soluçando.
— Que tem vossê? — perguntei eu
— Nós não chegamos ao alto do cântaro;
morremos por aqui despenhados e, se hei-
de morrer mais longe, quero morrer aquil
— D'aqui não passol— disse elle.
—O' homem, isso ó uma vergonhal Nós
não estamos aqui por culpa sua nem minha,
1 O dia da nossa ascensão era uma quar-
ta feira, 10 d'agosto de 1881, (dia de S.
Lourenço) — e na véspera, dia 9, tinha sido
a lua cheias
2210 ZEZ
ZEZ
mas por um conjuncto de circumstancias
imprevistas. A nossa obrigação é animarmo-
nos e confortarmo-nos uns aos outros, mes-
mo quando fosse imminente o perigo, o que
felizmente se não dá, porque eu vou na fren-
te e ainda não caiii, nem o Lopes Mendes.
Alem d'Í8S0 vossê é filho cá da serra e o
mais novo dos três, pelo que devia ser o
primeiro a animar-nos.^
O homem calou-se; foi andando — e eu
sempre rindo, palestrando e tirando partido
de tudo para animar os companheiros.
—Aqui vae agora uma estrada real^di-
zia eu, quando lobrigava um carreirinho
das ovelhas, trilhado e adubado por elias.
Lopes Mendes ria e gostava, mas Castel-
Branco— -moiía. Nem palavra 1 — e a folhas
tantas volveu á mesma cantiga, soluçando.
— Eu d'aqui não passo— dizia elle,— por-
que nós morremos aqui todosi
Fiz-lhe nova sermôa, um pouco mais ás-
pera, terminando por dizer-lhe: — Nada de
aflQigir, porque eu tenho na minha casa do
Douro uma criada já eéga, muito virtuosa e
muito velha, que é um moinho de oraçõesl
Está sempre a resar por mim e por meus
irmãos; ehama-nos os seus filhinhos ; — eu
confio muito n'ella, porque é uma santa, e
Deus ha-de ouvil-a e salvar-nosl...^
1 Eu nasci em 1832. Contava pois 49 an-
nos em 1881. V. Corvaceira.
Lopes Mendes nasceu em 1835. Tinha
pois 46 annos. V. Villa Real de Traz os
Montes, vo!. 11.» pag. i032, col. 3.»
Castel Branco teria 28 annos — e era o
mais magro e mais alto dos três. V. Vale-
zim, tomo 10.0 pag. 156, eol. 2.*
2 Chamava-se Anna Victoria e era natu-
ral da freguezia de Samodães. Sendo ainda
muito nova, foi para a minha casa da Gur-
vaeeira e ali se conservou até que falleeeu
em 1883, contando mais de 70 annos de ida-
de. Nunca serviu outros amos e era uma
criada modelo, — muito fiel, muito amiga de
mim e de meus irmãos todos e a todos nos
apartou do leite, pelo que nos chamava scms
filhinhos. Deus a tenha em bom logar como
firmemente creio.
Também conheci na mesma casa mais
duas criadas e um criado, já velhinhos e
todos 3 irmãos,— Anna, Rosaria e Antonio,
Lopes Mendes gostou da lembrança, com-
menlou o càso e riu; — Castel-Branco levan-
tou-se e foi andando, sempre mudo, no cou-
ce da caravana, maldizendo talvez, mas em
silencio, a sua negregada sorte.
Proseguindo com a violenta ascensão, tão
morosa como perigosa, as difficuldades su-
biram de ponto ao avisinharmo-nos do cu-
ruto do maldito cântaro. Necessitei de agar-
rar-me ás pedras com ambas as mãos e,
porque levava o braço esquerdo tolhido com
a pedra rolada, atirei com ella para uma
moita de zimbro — e lá ficou a menos de 25
metros talvez do alto do diclo cântaro, na
pendente S.E. por onde seguíamos. Que di-
rá o naturalista ou geólogo que um dia ali
deparar com ella? Nós suppomos que al-
guém a levou também para o sitio, onde a
encontrámos, pois desde o alto ou vértice
da montanha até o Poio do Passarão apenas
haverá 2 kilometros de distancia e, rolando
em tão pequeno espaço, não podia tomar,
como tomou, fórma tão arredondada, sendo
de mais a mais uma pedra muito dura.
Talvez fizesse parte do geleiro menciona-
do supra, que se desfez n'aquella nave, se-
gundo suppõe o sr. Frederico Vasconcellos.
Finalmente post tot íantosque labores ga-
nhámos o vértice do Cântaro Gordo, que é,
como eu suppunha, — em linha horisontal,
mas muito estreito.
Chegámos ali ás 11 horas da noite, muito
—que foram para lá muito novos, — morre-
ram decrépitos — e nunca serviram outros
amos! Eram também muito fieis, muito vir-
tuosos, muito nossos amigos, e deixaram-
nos vivas saudades.
Deseulpem-nos a sentida homenagem que
prestamos a estes 4 servos, modelo dos ser-
vos todos, orgulho da nossa casa e nossos
verdadeiros amigosl ...
ZEZ
ZEZ 2211
suados, muito fatigados^ cheios de fóme e j
de sêde e tendo gasto 5 horas para vencer-
mos pouco mais de 300 metros.
Apenas ali chegámos, vimos luzes no
acampamento, distante cerca de % kilome-
tros para o norte. Eu lancei logo o fogo a
uma moita de zimbro, que ardeu facilmen-
te, e o clarão illuminou a montanha. Lopes
Iflendes ralhou, dizendo que o espaço era
tão estreito, qne mal podíamos avançar, e
que a fogueira mais difiQeultava a passa-
gem; mas eu fui lançando o fogo a 2.» e 3.*
moitas de zimbro, pelo que o Lopes Mendes
mais ralhou.
— Deixe arderl— disse eu, — para que os
nossos companheiros saibam que estamos
aqui. Estas fogueiras são a nossa salvação!
— E assim foi, porque os nossos companhei-
ros rapidamente fizeram subir foguetes no
acampamento.
— E agora?— disse Lopes Mendes.
— Agora — respondi eu — vamos seguindo
por este euruto, até vermos o fim d'elle.
Se não tiver solução de continuidade, fica-
mos livres d'estas fundas ravinas e vamos
andando para o acampamento; se não po-
dermos avançar, os nossos companheiros
virão soccorrer-nos, pois já sabem onde
nós estamos.
E lá fui eu andando na frente, guiando,
como até ali, a caravana.
A marcha não era difficil, por ser o ter-
reno quasi plano, embora muito estreito e
pedragoso. Também nos não incommodava
a vertigem do abysmo de 300 a 400 metros
d'altura, cavado de um lado e d'outro, por
que o frouxo clarão da lua apenas permit-
tia ver o chão que pisávamos. Assim fomos
andando, como sobre o dorso de uma nu-
vem; mas a distancia de 100 metros talvez^
deparei com ura fragão nu, cortado verti-
calmente! Fiz alto; mirei o e remirei-o, mas
não vi modo de o transpor, e Lopes Mendes
disse; — Não ateime, porque deixamos aqui
08 ossos.
Effeetivamente era assim. O homem ti-
nha rasão.
— -E agora?— disse Lopes Mendes.
— Agora— respondi eu, — voltemos para a
rectaguarda e vamos por ahl deitar-nos em
qualquer sitio, até vermos se os nossos
companheiros apparecem e, se não appare*
cerem hoje, com certeza virão ámanhã. Na-
da de susto, mesmo porque o tempo está
quente, — è quasi meia noite — e às 3 a 4
horas rompe o dia.
Volvemos pelo mesmo caminho, mas não
encontrávamos chão, onde podessemos dei-
tar nos, por ser o tal curuto muito estreito
.e pedragoso.
Deparando com uma abertura de meio
metro de largo aproximadamente, formada
por duas rochas parallelas e com fundo de
terra lisa, disse eu:
— Deitemo nos aqui todos tres.
— Vossôestà caçoando— disse Lopes Men-
des— pois ahi mal cabe um de nós!...
—Cabemos bem os tres, deitando-nos uns
sobre os outros; eu servirei de colchão,
deitando-me primeiro, e vossês deitam-se
sobre mim.
Eu estava rindo com elles, mas a lem-
brança não era disparatada, porque nós che-
gámos ali muito suados; a viraçãu àquella
hora (cerca da meia noite) e n'aquella alti-
tude,i era bastante fresca; — já nos incom-
modava—a o que eu mais receava era o
frio. Todos tres levávamos roupa muito le-
ve, pois nas quebradas da serra o calor de
dia era insupportavel! Eu n'aquelle dia não
levei casaco nem colete, mas apenas um
guarda-pó de lona. Estávamos pois todos
tres já sentindo bastante frio e vingavamo-
j nos d'elle, se nos embrulhássemos em ma-
I gote, como eu propunha; retrogradámos po-
! rem mais um pouco e, deparando com um
j chão, onde cabíamos bera os 3, eu tirei o
I meu cantil, mais seeco do que as palhas, —
j coUoquei-o na terra,— lancei sobre elle um
lenço e disse:
! —A minha cama eata feita.
1 O Cântaro Gordo não tem cota nos map-
pas da commissão geodésica, mas deve ser
aproximadamente a mesma do Cântaro
Magro,— Í9U metros?! . . .
2212
ZEZ
—Faça lá também a mioba— disse Lopes
Mendes, dando -me o seu cantil. Colloquei-o
junto do meu e deitei-me logo.
Castel-Branco esmoreceu e disse: «Eu es-
tou muito suado e morro com este ar da
noite se ahi me deito ao relento. Vou fazer
uma fogueira.»
Tractou de lançar fogo ao zimbro, mas já
não ardiafl . . . Foram então os dois — elle.
e o Lopes Mendes— procurar as vergonteas
queimadas do zimbro a que eu tinha lança-
do o fogo e, depois de grandes esforços,
conseguiram fazer uma pequena foguei-
ra. Estavam os dois junto d'ella e eu já
principiando a dormir, estirado no chão,
quando ouvimos a pequena distancia um
tiro no alto da encosta fronteira e uma voz
de Estentor dizendo:
— Vossês onde estão?
—Estamos no alto do Cântaro Gordo euÃo
podemos descer sem guias 1 — respondi eu,
levantando -me com diífieuldade, porque o
frio já me tolhia os movimentos do cor-
po?!...
— Elles lá vãol— elles lá vãol — disse na
mesma voz de Estentor o sr. Leonardo Tor-
res, vogal da Expedição.
D'ali a pouco estavam juntos de nós dois
guias.
Levaram-nos até o fragão abrupto, mas
para descermos vimo-nos perdidos!
Os homens lá encontraram certas fendas,
que elles conheciam, e n'ellas se firmaram,
mas nós viamos somente a fraga qiia! Afoi-
tavam-nos e convidavam-nos para descer-
mos, e era esse o meu desejo, mas Lopes
Mendes, depois de mirar e remirar bem o
precipício, não estava pelos autos.
—Nós morremos aqui!— disse elle. É me-
lhor esperarmos que amanheça. Estes ho-
mens que vão busear-nos roupa e de dia
veremos como as coisas correm. A descida
a estas horas é uma temeridade, uma lou-
cu;:al
ZEZ
Os nossos companheiros já se ouviam e
viam a pequena distancia, no alto da en-
costa fronteira; um dos guias desceu, col-
lou se ao fragão; estendeu os braços e dis-
se ao Lopes Mendes que firmasse os pés nas
mãos d'elle;— o outro guia collou-se junto de
nós no fragão, segurando-o por um braço.
Lopes Mendes foi descendo de costas, sus-
penso pelos dois guias e com os braços am-
bos abertos, procurando algum apoio no
fragão nú. Eu afoitava o, mas elle. muito
afflicto e como que suspenso entre a vida e
a morte, dizia : — «Eu não encontro apoio
para os pés nem para as mãos! . . . E' me-
lhor esperarmos que amanheça, i
Foi porem baixando com o peso do cor-
po e, suspenso pelos dois guias, chegou vi-
vo lá ao fundo. Depois descemos da mesma
fórma eu e Castel-Branco.
Lá do fundo contemplámos com assom-
bro o dicto fragão — e Lopes Mendes d'ali
mesmo ao clarão da lua o desenhou.
Era meia noite. Abraçámos o nosso sal-
vador e os outros companheiros — e segui-
mos para o acampamento, aonde chegámos
com muita fóme e muita sôde á uma hora
da manhã do dia 11. sendo recebidos com
estrepitosos hurrhásl
Não podia terminar melhor a nossa lou-
ca aventura e aqui a deixamos fielmente re-
gistrada aã perpetuam rei memoriam.
Vista retrospecúva
Quando os nossos companheiros lobriga-
ram do acampamento as fogueiras do zim-
bro, ficaram muito satisfeitos, — chamaram
os guias e perguntaram-lhes que sitio era
aquelle.
— É o alto do Cantara Gordo — responde-
ram elles logo.
— É preciso irmos lá para trazermos os
nossos companheiros — disse o sr. Leonardo
Torres, homem muito enérgico e muito va-
lente.í
í O sr. dr. Leonardo Torres e o sr. dr.
Medina formavam a secção hydrologica e
haviam ficado em Manteigas analysando as
aguas thermaes d'aquella villa, mas por for-
ZEZ
ZEZ 2213
—Eu nuDca fui ao alto do Cântaro Gordo
nem sei por onde se sobe para elle— disse o
poltrão. . . chefe dos guias.
— Pois elles não hão-de lá ficar I — disse
muito resolutamente o sr. Leonardo Torres,
pegando na sua bella carabina ingleza de
dois canos. — Se elles subiram, também vos-
sês podem subir. Vamos lá\...
— Eu não vou, porque não conheço aquel-
le cântaro — disse o manhoso chefe dos guias
— e todos 09 outros se calaram.
Os guias eram muitos e todos pastores
valentes, mas a Expedição era superior em
numero e tinha no acampamento às suas
ordens 6 soldados, um cabo e um corneta.
O sr. Leonardo Torres, homem de pelle
diabi, não gostou da renitência, estava bem
armado e dispunha-se a obrigares pastores
a irem diante d'elle, quando um pobre de
Manteigas, que providencialmente ali chegou
momentos antes, disse:
—Vamos lá, meu amo I Eu também sou
pastor e já por ali andei.*
Leonardo Torres poz-.se logo em marcha
com a sua carabina, levando na frente o di-
cto pastor. Ficou envergonhado o chefe dos
guias e ãcompanhou-03 também, unindo-se
á caravana alguns expedicionários e dois
cavalheiros de Pinhel, que ao tempo ali se
achavam de visita.
Caminhando a passo accelerado, em bre-
ve nos descobriram — e Leonardo Torres
disparon a clavina, para nos acordar e ani-
mar.
tuna tinham chegado ao acampamento n'a-
quelle mesmo dia de manhã, pouco antes
de nós partirmos para a serra e de darmos
principio á nossa aventura.
1 O bom do homem chamava- se Mattos
Costa e aproveitou o ensejo de lisongear a
Expedição, porque um incêndio lhe tinha
devorado n'aquelle mesmo dia uma pequena
seara de centeio, que era toda a sua fortuna,
e lembrou-se de ir ao acampamento pedir
nma esmola. Deram-se-lhe algumas libras e
foi muito satisfeito.
O resto já nós contámos.
Valeu nos pois o sr. Leonardo Torres com
a sua grande energia.
Foi o nosso salvador!
Eis aqui a longos traços a historia da
nossa aventura e do nosso phantastico pas-
seio á meia noite pelo alto do Cântaro
Gordo.
Sensi in fronte meo se arripiare cabellosl...
Não repetiria o passeio em taes condições
j por coisa alguma, mas durante elle — mes-
mo na subida e descida — nunca tive tanto
\ mêdo, como annos antes (em 9 de outubro
de i868) quando era muito mais novo e mais
I vigoroso e visitei com sol os Castellos dos
j Caftm,— penhascos medonhos que se er-
guem na margem esquerda do Távora, con-
celho de Tâboaço.
Horresco referensl
' A entrada para os dictos penhascos é mui-
to mais perigosa — mesmo de dial De noite
ninguém ali se salvava.
Eu tenciono descrever os dictos castellos
e chamar para elles a attenção dos forastei-
ros, porque são históricos, muito dignos de
se visitarem — e apenas distarão 500 metros
da linda estrada nova em construcção do
Espinho (foz do Távora) a Viseu, por Tâ-
boaço, Távora, Sendim, Moimenta da Beira,
ete. mas ninguém tente visital-os sem ir
amarrado por cordas e sem levar guias de
confiança.
Nunca me vi tão perdido nem defrontei
com a morte tão de perto I . . .
V. Cabriz n'èste diccionario e no sup-
plemento.
Ha também não longe dos dictos castellos
e da dieta estrada nova outros sitios muito
interessantes e muito dignos de se visita-
rem, taes são as ruinas de S. Pedro Velho,
primitivo convento de S. Pedro das Águias,
o convento novo; a Ponte do Fumo, a quinta
da Aveleira, as ruinas do Paço, antigo solar
dos marquezes de Távora, o Castello do Cal-
fão, a Penha Amarella, o Cabeço da Forca —
e a própria estrada nova a macadam. E*
lindíssima e um arrojo de construcção, no-
meadamente o lanço do Ribeiro Fradinho
pois tem muros de supporte com 17 metroS
d'altura?l . . .
■i
2214 ZEZ
ZEZ
V. Távora, freguezia do concelho de Ta-
boaço e Vicente (S.) — tomo 10.° pag. 316,
col. 1.»
Sitios mais notáveis da Serra da Estrella,
propriamente dieta.
—Torre (pyramide) da Estrella, ou Ma-
lhão da Estrella, ou simplesmente Estrella.
E' o formoso e vistoso planalto, ponto cul-
minante da serra, mencionado supra, e do
qual, por ter a forma de estrella, a serra,
segundo alguém suppõe, tomou o nome de
serra da Estrella.
— Malhão Grosso.
— Cântaro Magro.
— Cântaro Raso ou Caes da Estrella, por
que termina em superfície plana e a face N-
cahe a prumo sobre o covão dos cântaros^
imitando a muralha d'um caes.
—Cântaro Gordo.
— Lagoa Comprida.
— Lagoa Escura.
— Lagôd Redonda.
—Lagoa Secca.
— Lagoa do Paxão.
— Lagoa da Salgadeira ou dos Cântaros.
—Penhasco da Candieira.
—Poio do Passarão.
— Poios Negros.
— Poios Brancos.
— Nave da Argenteira.
— Nave da Candieira.
— Nave de Santo Antonio.
— Nave do Arco.
— Nave das Rãs.
— Cumiada da Nave.
— Covão do Boi.
Demora a S. e junto do Cântaro Raso, e
* semelha as ruinas d'um templo subterrâneo
ou catacumba que perdesse o tecto, pois
sendo liso o vão dos outros' covões, no vão
d'este erguem-se differentes monolithos so-
brepostos e ajustados em forma de menhirs,
imitando as eolumnas que dividem as na-
ves e sustentam o tecto dos nossos tem-
plos
As dietas eolumnas teem formas varia-
das;—recordam os monumentos megalithi-
cos pre-historicos da idade da pedra — e na
minha humilde opinião demandam estudoU..
Uma d'ellas imita um dente queixai enor-
me com as raizes voltadas para o Qrmamen-
to;— outra, a que olha para a rua dos Mer-
cadores e Cântaro Magro, é formada por
dois grandes penedos sobrepostos, tendo na
face em que se ajustam, como servindo de
cunha para equilíbrio do penedo superior,
uma grande lasca de granito, que parece
um lagarto enorme petrificado, que ali ficou
entalado. Distingue-se perfeitamente do lado
da rua dos Mercadores,— ãssim como do fun-
do da Risca do Covão do Boi se distingue
perfeitamente uma carranca enorme no bojo
do Cântaro Magro, olhando para o Cântaro
Gordo e para a Nave da Candieira, como
já dissemos supra, quando fallámos dos
cântaros e das nascentes do Zêzere.
Com vista aos areheologos-
Prosigamos.
— Covão do Homem.
— Covão da Mulher.
— Covão do Lobo.
— Covão do Urso.
— Covão do Vidoal.
—Covão dos Cântaros ou Rua das Ro-
seiras.
— Covão Grande.
E' o da Lagoa Comprida.
— Penha do Gato.
— Fraga das Penhas, ou Penhas Doura-
das.
—Fraga da Varanda.
— Fraga da Batalha.
— Fragas do Avento.
— Curral do Martins.^
—Curral do Vento.
— Curral da Nave.
— Chafariz d'El-rei.
—Fonte dos Perús.
— Penhasco da Figueira Brava.
Demora em frente da foz da ribeira de
1 Não longe do Curral do Martins, um
pobre trabalhador de Manteigas ha amos
encontrou soterrado um bracelete que ven-
deu por mais de 100 moedas, ou de réis
480^000,— segundo consta.
ZEZ
ZEZ 22i5
Leandres e cahe a prumo sobre a margem
esquerda do Zêzere, cerca de 3 kilometros
a jusante da viila de Manteigas, formando
uma lombada medonha que avança contra
o sul, encobrindo as margens do Zêzere
a montante, e a villa.
No tempo da guerra peninsular, quando
os francezes andavam talando e saqueando
esta província e se dirigiam para Manteigas
pela estrada velha da niargem do Zêzere,
carreiro de cabras informe, os habitantes de
Manteigas fortificaram a dieta passagem
com valias e muros toscos, improvisados de
momento, addiecionando-lhes uma grande
roda (talvez roda d'algum dos seus enge-
nhos) espécie de barricada. Correram to-
dos a defender aquelle ponto com as armas
que poderam haver á mão; fizeram vivo fo-
go sobre os francezes; outros, alcandorados
no medonho íragão, faziam rolar enormes
pedras, que varriam a lombada e a estrada
até o Zêzere, imitando os herminios d'ou-
tr'ora e os habitantes d'Andorra.
Ficaram os francezes attonitosl Muitos
foram esmagados pelas pedras; outros mor-
reram varados por balas; outros afogados
no rio e, nào podendo contornar o medo-
nho fragão, retrocederam, ficando Mantei-
gas livre das garras dos jacobinos.
Hurrah pelos intrépidos defensores da
villa de Manteigas!
Prosigamos.
— Cabeço do Frade e
— Cabeço da Freira.
Estes cabeços foram assim denominados,
porque vistos d'alguma distancia, nomeada-
mente do sitio de Torne-agm, parecem dois
frades!
Demoram na margem esquerda do Zêzere,
junto do Curral do Martins e das nascentes
do ribeiro das Lameiras, mencionado. su-
pra.
— Cabeço do Souto.
— Cabeço da Moreira.
— Cabeço da Azinheira.
— Chão das Barcas.
—Corgo das Mós.
Junto d'este sitio estão o Observatório e
os sanatórios, de que fatiaremos adiante.
— Canariz.
— Valle do Conde.
— Valle da Perdiz.
— Corredor dos Mouros.
— Villa de Mouros.
— Contenda.
— Corvo.
— S. Bento.
—S.Payo.
— S. Gabriel.
— S. Sebastião.
— S. Domingos.
— Senhora da Assedassa.
— Senhora dos Verdes.
— Alto da Santinha.
^Rodeio Grande.
— Barros Vermelhos.
— Taboeiras.
— Picoto.
— Zebraes. ^
— Corugeira.
— Galhardos.
— Mondeguinho.
— Alfatima, ou Curuío d'Alfatima.
E' um dos cabeços mais notáveis da serra
e tem uma lenda interessantíssima. V. Man-
teigas.
— Fico do Corvo.
— Pedra da Meza.
— Fragão do Ronca.
Demora no Valle do Conde. Ali passou
uma noite o sr. Emygdio Navarro, quando
em 1883 visitou a serra da Estrella e deu o
nome de Ronca ao dicto fragão, porque re-
sonava muito alto um dos seus companhei-
ros.
V. Quatro dias na serra da Estrella, pag.
96 e 97.
— Rua das Roseiras.
— Rua dos Mercadores.
— Calçada do Inferno.
— Acampamento da Expedição.
Logo fallaremos d'elle e d'ella.
— Casa de Cesar Henriques.
Foi a do sanatório^ de que logo falla-
remos também.
— Gruta da Candieira, ou Caverna da
Estrella. •
2216 ZEZ
ZE2
Já ficou descri pia supra, quando falíamos
da ascenção ao Cântaro Gordo.
—Arca do pão, ou casa do pão.
È uma fraga, onde os pastores guardam o
pão, como já dissemos supra.
— Castro de Argemella.
— Castro de Valhelhas.
— Castro de S. Romão.
— Castro dos Tres Povos.
— Castro de Pero Viseu.
— Castro de Tintinolho e
— Castro d'Alfatima.
Y. Relatório d^ArcIíeologia, da Expedição
scientifica.
— Riscas da lagoa Escura.
Assim se denominam uns rochedos, que
estão na linha do córrego entre a Lagga Es-
cura e a. Lagoa Comprida.
— Risca do Covão do Roi.
Já fallánaos d'ella supra.
— Terras Vermelhas, ou Pedras Verme-
lhas, ou Rarro Vermelho.
Do feldspalho vermelho, que se vae des-
aggregando do granito, proveiu o nome ao
dicto local. Demora a N. do Planalto da Ex-
pedição.
— Pomar de Judas.
Demora no valle do rio Alva.
— Montes Castelhanos.
Demoram entre S. Romão e Ceia. |
— Colcorinho. j
— Lapa dos Dinheiros.
— Ajaxy—montes próximos de Gouveia.
— Poio da Morte.
— Fragão do Corvo, etc. etc.
Thesouros
A serra da Estrella, propriamente dieta,
hoje está completamente nua e deserta, mas
outr'ora foi arborisada e em grande parte
habitada, pelo menos temporariamente, du-
rante as continuadas guerras d'exterminio,
que desde os tempos prehistorieos até á in-
vasão francesa assolaram e devastaram Por-
tugal e a península, dando-lhes apenas de
longe em longe alguns séculos de paz.
Durante aquellas porfiadas luetas, os po-
vos que se refugiavam na serra da Estrella,
por ser a maior de Portugal e a que lhes
offerecia mais alguma segurança, — povo'
das abas da serra d'envolta com outros po-
vos talvez de pontos bem longínquos, — para
a serra levavam as suas preciosidades; ali
as guardavam e escondiam soterrando -asi
ali as deixavam, quando eram perseguidos,
ou se afastavam da serra para se baterem,
ou para tratarem dos seus negócios, ou para
verem os seus lares, os seus amigos e pa-
rentes— e muitos não mais voltavam, por-
que os tempos eram calamitosos! . . .
Assim se explica o facto de terem appa-
recido em differentes datas na serra diffe-
rentes thesouros e muitas preciosidades nos
pontos mais bravios, quando os lavradores»
matteiros e carvoeiros fazem de longe em
longe pequenas eseavaçSes.i
E, se a vasta superfieie da serra, em vez
de conservar-se inculta e sem movimento
algum, como tem estado até hoje, fosse toda
cultivada, arroteada e movida profunda-
mente, — lá se encontrariam por certo ou-
tros muitos thesourosl . . .
Dos que até hoje ali se teem encontrado
mencionaremos apenas os seguintes:
—Junto do Curral do Martins o bracele-
te d*ouro mencionado supra e que, segundo
consta, foi vendido por mais de 100 moe-
das?!...
—Em Nogueira, a montante da villa de
Ceia, onde ha vestígios de povoação anti-
quíssima, encontrou-se uma chapa d'ouro
com a letra— M.
—Em Torrozello appareeeu n'um batatal
um botão de prata maior que um pinto,^ —
1 Assim se explicam também as lendas
das mouras encantadas, guardando grandes
thesouros, — lendas trivialissimas em Portu-
gal ê na Hespanha.
E que thesouros não deixariam soterra-
dos e escondidos ou mouros e os romanos
em Portugal e na península?
2 Pinto ou crusado novo,-- moeda porlu-
gueza extincta depois do meiado d'este sé-
culo.
Valia 480 réis.
ZEZ
ZEZ 2217
com um leão, um caçador e uma lebre na
carreira.
—No castro ou cabeço á'Alfaf,ma achou-
se uma bengala de prata com c^ideia do mes-
mo metal.
— Em Folgosinho, junto das Fragas do
Avento, ha poucos annos um carvoeiro achou
soterrados cinco braceletes d'ouro, o mais
grosso dos quaes foi vendido por 50 libras,
ou 225^000 réis, a um ourives do Porto,— e
o sr. dr. Martins Sarmento, distineto areheo-
logo de Guimarães, comprou dois dos ditos
braceletes, um dos quaes lhe custou 24 li-
bras.
Estes ulliraos 2 braceletes podem ver-se
em gravura no Relatório d'Archeologia da |
Expedição. I
—Aproximadamente em 1880 appareee-
ram mais dois braceletes d'ouro em Pena- \
Lobo, também dentro da serra, eguaes aos í
dois últimos, indicados supra.
— No Castro dos Tres Poyos appareceram
moedas d'ouro, muito antigas.
— Em Gibraltar, perto de Teixoso, appare-
ceram em um rego d'agoa 11 tigelões e 15
tigelas de prata— e a pequena distancia ap-
pareceram também umas argolas d'ouro en-
cadeadas.
—Na Fonte da Pena Lisa encontrou-se
uma barra d'ouro, que pesava 60 libras, ou
270i^000 réis.
— Junto de Castello Reigoso encontrou -se
uma meada à'arame de ouro, de que os pas-
tores fizeram colchetes para as suas capas.
— Em Alvôco da Serra, como já dissemos
supra, ainda ha poucos annos appareceram
mais de 1:00U denarios romanos, muito bem
conservados, soterrados* em um monte per-
tencente ao sr. Antonio Luiz Monteiro Pi-
na.
Estavam mettidos em uma pequena pia
de granito, coberta com uma lagea de
schisto.
O mesmo senhor me enviou 3 dos taes de-
narios, ura dos quaes é inédito — verdadeira
raridade numismática,— pelo que, para não
se extraviar, offereei-o á camará municipal
do Porto e pôde ver-se no museu d'ella.
Também consta que na mesma freguezia
á*Alvoco leem apparecido muitos thesouros i
e ha lendas e signaes que promettem ainda
Uma lenda, v. g., diz — que debaixo do al-
tar da egreja de S. Romão, junto do castro
d'este nome, concelho de Ceia, estão — um
altar d^oiro e uma bezerra também d'oiro.
Apontam-se também dífferentes achados
d'oiro em pó e de pedras preeiosas.
V. Relatório de Archeologia da Expedição.
E quantos thesouros e preciosidades te-
rão apparecido na serra da Estrella, sem
que haja memoria d'elles?
A Expedição fez muito, mas a serra da
Estrella é tão vasta, tão escabrosa, tão cheia
de castros e d'outra3 velharias romanas e
pre- romanas das idades de pedra e do bron-
ze, que a maior parte d'e]la ficou por explo-
rar=e assim se conservará muitos annos,
porque a exploração é difflcil, morosa e dis-
pendiosal . . . Entretanto, quem pretender
mais noticias da grande serra consulte os
Relatórios da Expedição, o formoso livro do
sr. Navarro e os bellos mappas da commis-
são geodésica.
A Expedição scientifica de 1881
O sr. dr. J. T. de Sousa Martms, afamado
clinico de Lisboa, tendo plena confiança no
tractamento da tuberculose pela rarefação
do ar nas grandes altitudes, e vendo 'os be-
néficos resultados que a humanidade enfer-
ma eslava tirando dos sanatórios dos Alpes
e da Suissa, concebeu o projecto de montar
na serra da Estrella sanatórios análogos pa-
ra 03 tysicos portuguezos, pois desgraçada-
mente hoje a tysica mata a 5.» parte da po-
pulação do nosso paiz em Lisboa, no Porto
e n'outras cidades.
Elie sabia qual era a altitude da serra da
Estrella, mas não conhecia bem a topogra-
phia, a orographia, a meteorologia, a clima-
tologia e outras condições d'e]la, muito pre-
cisas para determinar a posiçáo e construo-
cão dos sanatórios. Alem d'is90, tantas len-
das e patranhas cercavam a dieta perra, que
mal podia extremar-se d'ella3 a parte his-
tórica e real, pelo que, sendo sócio da be-
nemérita sociedade de g^ographia de Lis-
boa, resolveu-a enviar, como enviou, uma
2218 ZEZ
ZEZ
Expedição scientifica à serra da Eslrella,=
expedição que até hoje em Portugal foi a
primeira no seu geoero — e tarde registra-
remos outra que a sup plante.
A Expedição chegou á serra da Estrella
no dia 4 d'ago8to de 1881 e ali se conser-
vou até o dia 20 do dicto mez.
Foi subsidiada pelo governo e pela junta
geral do districto da Guarda; as camarás de
Ceia, Gouveia e Manteigas forneeeram-lhe
trabalhadores e guias; a companhia real dos
caminhos de ferro portuguezes beoeQciou-a
com o abatimento de 50 por cento na sua
linha do Norte, etc. mas ainda assim a be-
nemérita sociedade de geographia gastou
bom dinheiro, porque a Expedição foi bas-
tante numerosa e muito dispendiosa, — ape-
sar de ser gratuito o alto pessoal, e todo
muito escolhidol Era quasi todo formado
de lentes de diversas escolas, — de ofiSciaes
superiores do nosso exercito — e de clínicos
distinctissimos.
A Expedição custaria dez vezes mais^ se
o seu muito illustrado e muito independen-
te pessoal superior fosse remunerado — e es-
tou certo, certíssimo, de que, embora fosse
bem remunerado, não trabalharia tanto, co-
mo trâbalhou, nem supportaria os discom-
modos que supportou.
PESSOAL SUPERIOR 1
Secção de agronomia e sylviculíura
Chefe — Jayme Batalha Reis. S. S. G. e
professor do instituto geral d' agricultura.
Joaquim Pedro de Freitas Castel-Branco,
agrónomo no districto da Guarda.^
* A abreviatura S. S. G. quer dizer— Só-
cio da Sociedade de Geographia de Lisboa.
2 V. Valezim e o tópico supra, onde des-
crevemos a nossa memorável aseenção ao
Cântaro Gordo.
Pedro Roberto da Cunha e Silva, S. S. G.
e engenheiro sylvicullor, chefe de divisão flo-
restal.
Secção de anthropologia
Chefe — Dr. José Joaquim da Silva Amado.
S. S. G. e professor da escola medico-cirur-
gica de Lisboa.
Dr. Francisco Augusto d'01iveira Feijão,
S.S. G., também professor da mesma escola
e medico da camará real, etc.
Secção de archeologia
Chefe— Dr. Francisco Martins Sarmento,
S. S. G., aixiitíologo disiinctissimo, natural
de Guimarães e ali grande proprietário, ex-
plorador da Citania e fundador da benemé-
rita Sociedade Martins Sarmento, etc. etc.
V. Guimarães n'este diceionario e no sup-
plemento.
Gabriel Pereira, S. S. G. e ura dos pri-
meiros archeologos do nosso paiz.
Vivia então em Évora, onde foi bibliothe-
cario, e hoje vive em Lisboa, onde é ofiBcial
da Bibliotheca publica, etc.
Joaquim de Vasconcellos, S. S. G., natu-
ral do Porto e ali residente, professor d'al-
leraão no lyceu, director do museu indus-
trial e commercial e um dos portuenses mais
talentosos e mais illustrados, fecundo escri-
ptor publico, etc. etc.
V. Viseu, tomo ll.« pag. 1854, col. 1.» e
segg.
Secção de botânica
Chefe -Dr, Julio Augusto Henriques, S.
S. G., lente de botânica na Universidade de
Coimbra e director zelosíssimo e digníssi-
mo do jardim botânico da Universidade,
etc. etc.
Jules Daveau, S. S. G. e jardineiro em
chefe do jardim botânico da escola polyte-
chnica de Lisboa.
Secção de elhnographia
Chefe— Luiz Feliciano Marrecas Ferreira,
S. S. G., capitão de engenheiros e professor
da escola do exercito.
ZEZ
ZEZ
2219
o seu Relatório de Ethnographia deu- lhe \
um trabalho insano, mas tem muito mera- j
cimento e é uma fonte indispensável para i
todos quantos de futuro se proponham fal-
lar da serra da Estrella. |
Antonio Lopes Mendes, S. S. G.. distincto j
escriptor publico e paisagista, agrónomo,
etc.
V. Villa Real de Tras os Montes, tomo il.»
pag. 1031, col. 2 * in fine e segg., e o tópico
supra, onde descrevemos a nossa memorá-
vel ascenção ao Cântaro Gordo.
Secção de chimica
Chefe — Carl von Bonhorst, S. S. G., as-
sistente do professor no laboratório do ins-
tituto industrial e commercial de Lisboa.
Antonio Eugénio de Carvalho da Silva
Pinto, S. S. G., 1.» tenente d'arlilheria e ins-
tructor dos trabalhos chimicos na escola do
exercito.
Secção de geologia
Chefe— João Eduardo Albers, S. S. G.,
engenheiro, inspector de minas.
Alfredo Augusto de Moraes Carvalho, con-
ductor de micas, muito modesto, muito il-
lustrado e excellente pessoa.
Sendo fidalgo distincto, nós o vimos tra-
balhar como um jornaleiro ou cavouqueiro,
na sua secção.
V. Vimioso, tomo il.» pag. 1483, col. 2.»
Secção de hydrographia
Chefe — José Emilio de Sant'Anna Castel-
lo Branco, S. S. G., capitão d'engenheiros e
professor da escola do exercito.
Pedro Romano Folquè, S. S. G. e capitão
d*eDgenheiros também.
Subsecção
Levantamento e sondagem das lagoas
Chefe—Francisco da Silva Ribeiro, major
d'engenharia e director das obras publicas
no districto da Guarda.
Foi quem dirigiu as obras do acampa-
mento e é irmão do sr. dr. e commendador
Abel da Silva Ribeiro, também muito illus-
Irado.i
Luiz Feliciano Marrecas Ferreira, men-
cionado suprãj como chefe da secção de
Etnographia.
Norberto Amâncio d'Almeida Campos,
tenente dMnfanteria, servindo na direcção
das obras publicas da Guarda^ cavalheiro
muito tratavel e muito illustrado.
Foi quem presidiu ás obras do acampa-
mento.
Secção de medicina
Chefe — Dr. José Thomaz de Sousa Mar-
tins, S. S. G., professor da escola medico-
cirurgica de Lisboa, medico do paço dos
nossos reis e um dos primeiros clínicos da
capital, etc.
A elle se deve em grande parte a Expedi'
ção e os Sanatórios, de que adiante fallare-
mos2
Dr. Jacinlho Augusto Medina, S. S. G.,
e medico do hospital de marinha em Lis-
boa.
Dr. José Antonio Serrano, S. S. G. e pro-
fessor da escola medico-cirurgica de Lis-
boa.
Subsecção de hydrologia minero -medicinal
Chefe— Dr. Leonardo Moreira Leão da
» V. Pinheiro da Bemposta, vol. 7.° pág.
55, e Villa Nova de Mil Fontes, tomo li.»
pag. 858, col. 1." e segg.
2 Em Lisboa é um gentleman e vive es-
plendidamente;~na serra parecia um ser-
rano—cora sapatos grossos ferrados, cami-
sola grosseira de lã, e na cabeça uma cara-
puça de lã groseira também, mas apenas
constou que ali se achava tão afamado cli-
nico,—voaram a consultal o centos de doen-
tes pobres e ricos, alguns de pontos muito
distantes. A todos attendia e tratava gratui-
tamente—e aos pobres também gratuitamente
lhes dava remédios da bem provida ambu-
lância da Expedição.
Durante os 15 dias que passou na serra,
foi a providencia dos serranos todos. Tarde
ou nunca serão, como foram, tratados por
clinico tão distincto! . . .
2220
ZEZ
ZEZ
Costa Torres, S. S. G., medico e eapita-
lista.i
Dr. Jacinto Augusto Medina, mencionado
supra.
Subsecção de ophtalmologia
Chefe ~ Dr. Francisco Lourenço da Fon-
seca Júnior, S. S. G. e medico-oculista.
Alvaro da Fonseca, alumno do 4." anno
da escola medico-eirurgica de Lisboa.
Secção oe meteorologia
Chefe— Augusto Carlos da Silva, 1.» te-
nente da armada real e observador do obser-
vatório meteorológico do infante D. Luiz.
Hermenegildo Carlos de Brito Capello,
S. S. G., eapitão-tenente da armada real, ex-
plorador geographico, ete.
Dr. Jacintho Augusto Medina, menciona-
do supra.
Secção de photographia
Chefe— Frederico Augusto Torres, S. S. G.
e major de cavallaria.
Era uma excellente pessoa e talvez o
mais velho de todos os expedicionários.^
1 Foi o nosso salvador na memorável as-
cenção ao Cântaro Gordo, como já dissemos
supra.
Analysou as aguas thermaes de Mantei-
gas e de Unhaes da Serra. Tendo boa for-
tuna, elle próprio, para mais eonflança, ia
colher a agua e a levava para o laboratório,
como se fosse um jornaleirol . . . — E para se
esquivar a consultas, que lhe roubavam tem-
po de que não podia dispor, dizia aos doen-
tes:
— «Vão consultar o meu amo. . . » — dan-
do a entender que era um simples criado
do sr. dr. Medina.
Trabalhou muito e eu o vi alagado em
suor.
2 Uma anecdota:— Levoa para o acampa-
mento talher de prata e louça da Índia (?)
mas um dia no refeitório caíram ao chão
algumas das dietas peças de louça e fizeram-
se em eacosl . . •
Alberto Julio de Brito e Cunha, S. S. G.
e segando tenente d'artilheria.
Gostava de banhar-se e nadar;— banhou-
se e nadou na lagoa do Paxão e na lagoa
Escura, mas n'esta ultima ia morrendo afo-
gado, como já dissemos,
Norberto Amâncio d'Almeida Campos,
mencionado supra.
Secção de Zoologia
Chefe— Dr. Francisco Mattoso dos Santos,
S. S. G. e professor da escola polytechnica
de Lisboa.
Secção de Zootechnica
Chefe—José Anastácio Monteiro, S. S. G.
6 intendente de pecuária no districto dá
Guarda.
SECÇÕES AUXILIARESi
Topographia
Chefe — Antonio Xavier d'Almeida Pinhei-
ro, S. S. G. e engenheiro civil.
Augusto Cesar Paes de Faria, engenheiro,
chefe de serviço.
Luiz da Silva Mousinho d' Albuquerque,
engenheiro.
Bartholomeu Valladas, conductor, chefe de
j secção.
Barnabé da Costa Roxo, idem.
Carlos Agostinho da Costa, idem.
Antonio Henriques d'Almeida Castello
Branco^ conductor.
Antonio Maria Beltrão, idem.
Antonio Marques da Silva, idem.
Eduardo Frederico de Mello Garrido,
idem.
Francisco Sabino da Costa, idem.
1 Incumbidas oflQeialmente de fazer o le-
vantamento topographieo e construir os
abarracamenlos, em virtude do pedido que
ao ministério das obras publicas fez a So-
' ciednde de Geographia de Lisboa, promotora
' da Expedição.
ZEZ,
Acampamento
Chefe— Fraociseo da Silva Ribeiro, men-
cionado supra.
Norberto Amâncio d'Almeida Campos^
idem.
André de Moura, apontador de i.» classe.
Commissão administrativa da Expedição
Presidentes— UermenegMo Carlos de Bri-
to Capello e
Dr. José Thomaz de Sousa Martins, men-
cionado supra.
Secretario — Rodrigo Affonso Pequito,
S. S. G. e proft^ssor do instituto industrial e
commercial de Lisboa.
Thezoureiro—Eáasiráo Coelho, S. S. G.
fundador, redactor e proprietário do Diário
de Noticias.
Se bem me recordo, falleeeu em 1888,
deixando boa fortuna, ganhada com o dicto
jornal, pois era e é talvez o mais lido e mais
rendoso que tem tido Portugal até hoje, ape-
sar de ser um jornal de 10 réis de preço,
cada numero.
Eduardo Coelho era um moço muito tra-
ctavel e muito sympalhico, filho de Coimbra
e, quando montou o jornal, era um simples
typographo.
Vogaes — Emilio Henrique Xavier Noguei-
ra, S. S. G., capitão de infanteria e profes-
sor do real collegio militar,— José Estevam
de Moraes Sarmento, S. S. G., capitão de
infanteria e promotor de justiça nos tribu-
naes militares, — Luiz Feliciano Marrecas
Ferreira, mencionado supra, — e Manoel
Francisco d'01iveira Feijão, S. S. G. e giiar-
da-livros.
Commissão auxiliar da cidade da Guarda
Presidente — Francisco Antonio Patrício,
S. S. G., negociante e vogal da junta geral
do districto da Guarda.
Secretario — Fernando Pereira Mousinho
d' Albuquerque, S. S. G. e capitão d'enge-
nheiros.
Vogaes — Uemique Pereira Pinto Bravo,
VOLDMB XI
ZEZ 2221
engenheiro,— lo&quim Geraldes dos Santos,
funccionario publico, — José Abrantes Mar-
tins da Cunha, filho de Manteigas, redactor
do jornal Districto da Guarda, — José Au-
gusto Barbosa Golen, S. S. G., jornalista e
procurador á junta geral do districto da
Guarda,— Manoel Emigdio da Silva, S. S. G.
; e professor no lyceu da Guarda, — Manoel
Lopes de Sousa, proprietário, — e Norberto
Amâncio d'Almeida Campos, mencionado
supra.
Pessoal auxiliar
Francisco de Paula dos Santos Rodrigues,
apontador de 1.' classe e amanuense da so-
ciedade de geographia,-r-Jayme Adelino Go-
mes da Silva, ajudante dos observadores
no observatório meteorológico do infante
D. Luiz,— José Manoel Morgado, empregado
no museu anatómico da escola raedico-ci-
rurgiea de Lisboa,— Miguel Sertório, prati-
cante no laboratório do instiluto industrial
e coínmercial de Lisboa, — 3 José Maria de
Lima e Lemos, empregado no museu zooló-
gico da escola poiytechnica de Lisboa.
E'te sr. Lima e Lemos, apesar de ser co-
xo, fqi um dos que mais tríbalhou.
Era caçador de borboletas, insectos e re-
ptis; deixava o acampamento de madrugada
e recolhia ao fim da larde, com o seu guia
e as suas grandes carteiras, quasi sempre
cheias.
Tem caçado e criado milhares de borbo-
letas, pois quando encontra alguma de mais
merecimento, guarda-a para criação e pro-
pagação. Tem dadoe vendido collecções va-
liosas e em muitos dos grandes museus pú-
blicos e particulares da Europa e da Ame-
rica se vêem borboletas caçadas por elle. No
Porto existe uma soberba colleeção de bor-
boletas, insectos e beija-flores, que elle ca-
çou e organisou. Vale contos de réis e per-
tence ao sr. José Teixeira da Silva Braga
Júnior, grande capitalista e viee-eonsal bra-
zileiro.
O sr. Lima e Lemos é natural da fregue-
zia à'Alcofra, concelho e comarca de Vou-
zella; foi muito novo para o Brazil e, depois
de vários accidentes de fortuna, conseguiu
empregar-se nos jardins dÒ palácio ímpe-
140
2222
ZEZ
ZEZ
rial do Rio de Janeiro^ como guarda de um
chalet. Veodo revoar em volta d'elle gran-
de quantidade de borboletas lindíssimas,
tractou de as caçar e coUeccionar e com el-
las brindava os visitantes nacíonaes e es-
trangeiros, recebendo pingues gratificações,
pelo que mais se apaixonou pelas borbole-
tas; Dão podendo porém estar ao mesmo
tempo no chalet, como guarda, e nos vastos
jardins caçando, os companheiros invejosos
accusaram-no de faltas. Valeram-Ihe as
próprias borboletas, pois indo ao chalet o
imperador e vendo tantas e tão lindas
collecções de insectos, borboletas e bei-
ja-flores, ordenou lhe que organisasse uma
collecção para o palácio imperial.
O homem cumpriu. O imperador ficou
muito satisfeito e deu-lhe ampla liberdade
para proseguir na caça das borboletas, in-
sectos e beija-flores, e com as muitas collec-
ções que organisou, deu e vendeu, arran-
jou certo pecúlio. Tentado pelo amor da pá-
tria, pois ó uma excellenle pessoa, veiu a
Portugal e passado algum tempo dispunha-
se a voltar para o Brazíl, mas a sr.* duqueza
de Palmella empregou-o no muzeu zoológi-
co e ali se conserva ainda.
É talvez o mais distíncto caçador e collec-
cionador de borboletas que Portugal tem
tido até hoje.
Pessoal menor
Trabalhadores do jardim botânico da es-
cola polytechnica de Lisboa, 2; trabalhado-
res do jardim botânico da Universidade de
Coimbra^ 3; cosinbeiros, l;^ homens das lo-
calidades próximas da serra:— carpinteiros,
pedreiros, guias, caçadores, pescadores, cor-
1 Foi de Lisboa e ganhava 1^500 réis por
dia. Cosinhãva muito bem, mas estava
alheiado na serra e, apesar de ter muitos
ajudantes, suou para dar de comer a tanta
gente e a horas diíferentes, desde a madru-
gada até alta noite. Devia estranhar mui-
to os discommodcs da rude cosinha, a falta
de louça e d'outros aprestos.
reios, ajudantes de cosinha, cortador e tra-
balhadores—38.
Serviço de policia
1 cabo, 1 corneteiro e 6 scldados de in-
fanteria n.» 12.
Do exposto se vê que o pessoal da Expe-
dição era muito numeroso e que ella, como
já dissemos, custaria 10 vezes mais, se o seu
alto e muito illu^trado pessoal, em vez de
ser, como foi, todo gratuito, fose todo remu-
nerado. Estamos até convencidos de que al-
guns dos expedicionários por preço nenhum
iriam, como foram, passar dentro da grande
serra 15 dias com menos commodos do que
teem ordinariamente os seus criados.
O governo mandou preparar o acampa-
mento pelo director das obras publicas da
Guarda e nunca se viram tantos commodos
n'aquella regiãc^ Os próprios expedicioná-
rios ficaram absortos.
O acampamento comprehendia as edifica-
ções seguintes:
1. " — Uma barraca para* pessoal superior.
Era a maior e mais luxuosa, e tinha capa-
cidade bastante para refeitório e dormitório
de 60 a 70 pessoas.
2. *— Barraca para o pessoal inferior.
3. *— Barraca para a cosinha.
4. *— Barraca para cavaliariças.
5. «— Barraca para deposito de palha e
feno.
6. »— Barraca para o observatório meteo-
rológico.
7. "— Barraca para a commissão adminis-
trativa.
^ Braz Garcia de Mascarenhas no seu poe-
ma Viriato Trágico descreveu festas pom-
posíssimas—cavalhadas, torneios, jogos de
canas e de gladiadores, regatas, etc. etc. da-
dos por Viriato, o grande, na serra da Es-
trella, em um amplo e magestoso circo e nas
lagoas, mas tudo aquillo é phantastico.
V. sp. cit., canto xi liv. 2.» pag. 37-70.
ZEZ
ZEZ 2223
8. »--Barraca para o pessoal das obras pu-
blicas.
9. »— Barraca para a secção do acampa*
mento.
10. *— Barraca para a secção de chimíca.
1 1 — Barraca para a secção de medicina.
12. * — Barraca para a secção de botânica.
13. »— Barraca para a secção de zoologia.
14. "— Barraca para matadouro.
15. * — Barraca para dispensa.
16 * — Barraca para capoeira.
17.'— Barraca para latrinas.
Todas estas edificações formavam um po-
voado de certa imponência e satisfizeram ao
seu fim, mas não podiam ser mais singelas,
nem mais económicas.
Exceptuando a cosinha, cujas paredes
eram de pedra tosca, todas as outras edifi-
cações eram de pinheiro verde, cortado e
serrado dias antes, e cobertas de lona.i Ape-
nas a barraca do pessoal superior era tam-
bém interiormente forrada de brim.
Eis a nota oificial da importância do
acampamento:
Compra de lona e brim 310^040
Compra de madeiras 202i2800
Conducção 312iíllO
Ferragens, cordas, pregos, etc. 61^040
Construcção 87^600
Desmancho 18^1290
Indemnisação do terreno para
um caminho — 4^500
Ajudas de custo aos emprega-
dos 35^640
Total 1:032^020
Custou mais a conducção da madeira do
que a própria madeira, pois foi cortada na
freguezia de Famalicão, concelho da Guarda,
1 Como lembrança dos dias que ali passei
e de que ainda me recordo e recordarei
sempre com saudade, conservo um fra-
gmento da lona e outro da madeira das bar-
racas,— outro do zimbro da serra e algumas
bagas d'elle, — o chocalho da ovelha comida
pelos lobos e 3 grandes pennas 4'aguia.
e na de Santa Marinha, concelho de Ceiai
depois conduzida em carros a muito custo
até ás faldas da serra — e d'ali até o acam-
pamento (cerca de 10 kilometros) em ca-
valgaduras e ás costas de jornaleiros.
As camas do pessoal superior eram ma-
cas de navios de guerra, emprestadas pelo
governo; os lavatórios eram alguidares ou
tigelões de barro grosseiro, espalhados pelo
chão, ao longo da grande barraca; a louça
era também toda barata e grosseira; a mesa
do refeitório era de pinho verde e tosco. Ar-
mava-se a meio da grande barraca, a todo
o comprimento d'ella; depois da refeição le-
vantava-se e o dicto vão ficava servindo de
corredor ou coxia. Total— uma pobreza
franciscana, relativamente aos comraodos
habituaes dos expedicionários, mas um faus-
to deslumbrante no meio da grande serra,
pelo que em volta do acampamento estava
sempre um arraial de pessoas das circum-
visinhanças, que da Guarda, Manteigas, Ceia,
Gouveia, Pinhel, Covilhã, ete. iam ver e
admirar tudo aquillo, ficando estupefactos
08 pobres serranos.^
Até um dia ali appareceu uma familia
completa, da freguezia de S. Romão de Ceia,
em um carro toldado e tirado por bois, com
assombro dos montanhezes todos, pois não
havia memoria de ler ido até ali outro car-
ro. A serra toda é crusada por diíTerentes
veredas e atalhos, muito frequentados no
verão, mas somente por pedestres e, quando
muito, por cavalleiros.
O dieto carro pertencia a um grande pro-
prietário de S. Romão, homem muito nutri-
do, que foi montado em um valente macho
1 Também junto do acampamento os po-
bres serranos formaram durante a Expedi'
ção um mercado, onde vendiam boa fructa
e excellente vinho de mesa, de Famalicão^
ovos, leite, patos, perus, queijo, gallinhas,
pão, etc.
2224 ZEZ
— eno carro levou Ioda a familia: — senho-
ras, meninos e criadas.
Outra visita memorável foi a de um Jo-
ven bacharel da Covilhã.
Tendo de ir para Porto de Mós, como de-
legado do procurador régio, não se atreveu
a partir sem ir visitar o acampamento. Para
fugir ao sol, que era muito ardente, saiu da
Covilhã ao declinar da tarde, fazendo cami-
nho pela serra, acompanhado por dois mo-
ços seus visinhos, que tocavam muito bem
guitarra e viola franceza e,para obsequiarem
a Expedição, levaram os seus instrumentos;
surprehendeu-os porem dentro da montanha
uma grande trovoada. Tiveram de passar a
noite debaixo de uns penedos, encharcados
d'agua e embalados pelo ribombar dos tro-
vões,— e só chegaram ao acampamento na
manhã do dia seguinte. A Expedição rece-
beu-os com alvoroço e á noite houve chá,
musica e dança, na barraca da direcção.
Foi uma noite excepcional e muito diver-
tida, mas não menos excepcional nem me-
nos divertida foi a noite antecedente, — a
noite da
Grande trovoada
As coisas passaram-se assim:
A Expedição estava aneiosa por ver n'a-
quella altitude uma boa trovoada.^ Eis que
logo de manhã se ouviram alguns trovões
longínquos e cairara algumas leves gotas
d'agua. Conservou-se turva a alhmosphera
todo o dia, mas sem chover nem trovejar.
Ad cautellam os expedicionários não sai-
j-am do acampamento; jantaram e ao fim da
tarde, vendo a distancia uma grande carga
de electricidade fuzilando a N.O., sobre o
* A barraca maior do acampamento esta-
va na altitude de 1838 metros— e o observa-
tório na de 18S0 metros sobre o nivel do
mar. A Torre (pyramide) da Estrella, ponto
culminante da serra, tem a cota de 1:991
metros.
ZEZ
! Alva, foram lodos n'aquelle rumo ver o es-
pectáculo.
E era realmente interessante, porque a
massa eléctrica estava em altitude um pouco
inferior á linha que nós occupavamos — e as
faiseas partiam do centro da dieta massa em
differentes direcções: — umas para cima, ou-
tras para baixo e outras para os lados. De
repente soprou uma aragem forte, caíram
algumas gotas d'agua e todos nós reco-
lhemos ao acampamento, procurando abri-
go-
O vento e a chuva augmentaram; afinou
a trovoada; — a breve trecho estava a prumo
sobre nós — e assim se conservou até ás 4
horas da manhã?!. . .
Conservámo-nos muito tempo a pé, rindo
e palestrando ao som da estranha musica,
mas, como ella não terminava, fomo nos
deitando.
O vendaval sacudia fortemente as barra-
cas todas e ainda lançou por terra uma — a
do sr. dr. Julio Henriques, director do jar-
dim botânico de Coimbra; não causou po-
rem felizmente desgraças nem prejuízos,
posto que os ribombos estalavam junto do
tecto da barraca onde dormíamos, — ou an-
tes— onde estávamos deitados, pois não era
possível dormir com tal musica e chovia em
quasi todas as camas, pelo que os expedi-
cionários, já deitados, tiveram de sentar-se
nas macas e de abrir os guarda chuvas para
se abrigarem com elles.
O espectáculo era interessantíssimo e foi
acompanhado de gargalhadas homéricas,,
pelo que só de madrugada podemos conci-
liar o somno.
Deus fez-nos a vontade, mandando para
o acampamento uma trovoada medonha!
Não nos assustou muito, por estarmos— só
na dieta barraca-— talvez mais de 40 homens
e quasi todos muito illustrados, mas se lá
estivessem senhoras não faltariam cheli'
quesl . . .
Eu gosto de ver as trovoadas, as faíscas
eléctricas e o clarão dos relâmpagos ao som
do ribombar dos trovões, mas não gosto de
as ver a prumo sobre mim, como aquella—
e Deus me livrára de estar então só no
acampamento, ou no meio da montanha,.
ZEZ
ZEZ 2225
debaixo doa fragõea, onde perooitaram e a
saborearam os hospedes da Covilhã.
Muito mais poderíamos dizer da serra da
Estrella e da £^a;j)ííííção de 1881, mas sat
prata biberunt! ...
Quem preteoder mais amplas Dolicias
coDsalte os mappas da commissão geodésica,
03 relatórios da Expedição e o livro do sr.
Navarro— Qwa/ro dias na serrada Estrella.
Também é muito digno de ler-se o Viriato
Trágico da Mascarenhas, nomeadamente o
canto XI, onde se encontram os mais for-
mosos versos que até hoje se dedicaram á
serra da Estrella.
OS SANATÓRIOS E O CLUB HERMÍNIO
Vamos fechar este longo artigo, indican-
do uma das maiores vantagens que o nosso
paiz e a humanidade enferma tiraram da
Expedição de 1881 com a instituição dos
sanatórios e do Club Herminio.
Bem quizera dar desenvolvimento a este
tópico, mas fica simplesmente indicado e
muito ligeiramente esboçado, porque a des-
peito de todos 03 meus esforços não me foi
possível obter uma sô linha das pessoas a
quem reiteradas vezes me dirigi e muito
instantemente aa pedi, — sendo aliás as pes-
soas mais competentes e mais interessadas
no assumpto.
Depois talvez se queixem das omissões e
dos lapsos, mas— Sifcí imputentl. . .
Os leitores mal imaginam as ái£Qculdâdes
€om que luctamos para obter por vezes
apontamentos bem simples.
Como todas as nossas chorographias até
hoje eram muito superâciaes e muito cegas
— e nós não adivinhamos, — tenho escripto
centos e centos de cartas, pedindo informa-
ções aos parochos, meus collegas, e a outros
cavalheiros e pessoas das diversas localida-
des. Muitos responderam, pelo que ma>s
uma vez lhes beijo as mãos agradecido, mas
não poucos ficaram mudos, taes foram com
relação a este arligo Zêzere os priores de
S. Pedro da Covilhã, Alvaro, Pedrogam Gran-
de e Pampilhosa; valeram-nos porem e mui-
to nos penhoraram os nossos muito rev.
collegas:— Joaquim Pereira Monteiro, prior
de S. Pedro de Manteigas, — José Augusto
Mendes, prior de Belmonte, — Manoel Dias
Barata, prior de Janeiro de Baixo, Diogo
Pereira Baeta Vaseoncellos, prior de Figuei-
ró dos Vinhos, — Francisco José Pereira,
prior de Dornes, — e o sr. dr. João Francisco
Pires, prior de Paio Pelle, hoje Praia,—
bem como os muito reverendos srs. José
Abrantes Martins da Cunha, de Manteigas, e
Antonio José da Silva Serra, de Sernache do
Bom Jardim.
Muito me penhoraram também com apon-
tamentos relativos ao Zêzere, suas barcas,
póços e pontes, o sr. João Gadanho Serra, il-
lustrado filho de Abrantes, hoje director das
obras publicas no distrieto de Beja, então
director das obras publicas no distrieto de
Castello Branco, — e o sr. dr. Giraldo Joa-
quim Maria da Costa, nosso, velho amigo e
cyreneu, medico no Sardoal.
Os leitores não se espantem
por haver batido a tantas por-
tas. Tudo foi necessário e não
bastou, pois ninguém conhece
o Zêzere lodo desde os canta-
ros até Constança— e os colle-
gas e cavalheiros a quem me
dirigi, sendo todos visinhos
d'elle, apenas poderam infor-
mar com relação ás secções
ou espaço que conheciam.^
Prosigamos.
í Tudo foi necessário e nào bastou, pois
muito contra a minha vontade ficaram bas-
tante incompletas as listas âos póços, penhas-
cos, barcas e pontes do Zêzere.
A' ultima hora soube que alem das pon-
tes mencionadas supra, tem o Zêzere mais
duas, formadas por simples troncos d^arvo-
res! Demoram nas proximidades do Samei-
ro e Val de Moreira e por ellas, embora
com grande risco, passam os pastores com
os seus cães e rebanhos de cabras, carnei-
ros e ovelhas.
Também soube que a antiga ponte de pe-
dra de Valhelhas lera 4 arcos e que o seu
taboleiro foi alargado para passagem da es-
trada nova de Manteigas á Covilhã, Belmon-
te e Guarda, e v. v.
2226 ZEZ
ZEZ
o sr. dr. Sousa Martins, depois das obser-
vações e dos estudos feitos por elle próprio
na serra da Estrella durante os 15 dias que
lá se demorou com a Expedição, mais se
convenceu de que a dieta serra se prestava
muito bem para o tratamento da tyzica pela
rarefacção do ar nas grandes altitudes e que
n'este ponto a Estrella rivalisava com as
montanhas dos Alpes e da Suissa.
Reforçaram também depois a sua convic-
ção as observações feitas pelo sr. Augusto de
Brito Capello,* no observatório meteorológi-
co montado na serra pelo nosso governo em
princípios de 1882, junto do Córgo das Mós,
no sitio do Poio Negro^ a O.N.O. e não longe
de Manteigas, na altitude de 1500 metros —
aproximadamente,^— peio que osr. dr. Sou-
sa Martins afoitamente aconselhou o sr. Al-
fredo Cesar Henriques, moço de fortuna, re-
zidente em Lisboa e muito doente dos pul-
mões, para ir passar algum tempo na serra
da Estrella.
O moço, tendo viajado muito e consultado
grandes summidades medicas sem esperan-
ças de se restabelecer; tendo estado inclusi-
vamente na ilha da Madeira, annuiu e mar-
chou para a serra da Estrella em julho de
1882. Hospedou se algum tempo no obser-
vatório, por não haver ali então outra casa,
mas, como dispunha de meios e era bastan-
te illustrado, fez rapidamente um chalet na
altitude de UU metros, um pouco a jusan-
te do observatório, transformando certos pe-
nedos em casa de habitação, casa tosca e
singela, mas lindíssima, onde ficou vivendo
e tem vivido até hoje (novembro de 1889) —
muito satisfeito, porque se restabeleceu com •
pletamenta e gosa perfeita saúde. Affeiçoou-
1 Este sr. A Brito Capello é irmão do sr-
Hermenegildo Carlos de Brito Capello, men-
cionado supra, e que foi o prezidente da Ex-
pedição scientifica.
2 Ignoramos a sua cota. A do Córgo das
Mós, um pouco mais alta, é de 1547 metros
— e a da casa de Cesar Henriques, um pou-
co mais baixa, é de 1441.
se á grande serra e n'ella se entretém ca-
çando, passeando, photographando e animan-
do os outros doentes que hoje ali se acham,
pois é muito tratavel, bastante illustrado e
um distincto photographo amador.
No livro do sr. Navarro podem ver-se
muitas photographias dos pontos mais notá-
veis da serra da Estrella, tiradas pelo sr.
Alfredo Cesar Henriques, avultando entre
ellas o observatório, as lagoas Escura e do
Faxão, 08 cântaros Gordo e Magro ~e o seu
próprio chalet.
Toda a nossa imprensa joraalistíca noti-
ciou a ida de s. ex.* para a serra da Estrel-
la, as suas rápidas melhoras e o seu com-
pleto restabelecimento, pelo que de vários
pontos do nosso paiz principiaram os tuber-
culosos a demandar a serra também, mas»
como ali não houvesse casas para elles, o
sr. Cesar Henriques mandou construir algu-
mas; foram também outras construídas por
diíTerentes pessoas e em princípios do cor-
rente anno de 1889 formou-se em Lisboa
uma associação, denominada Club Herminiot
com o intuito de montar na serra da Estrel-
la um sanatório regular, á imitação do de
Davos Ptatz da Suissa.
Temos sobre a nossa mesa de estudo um
exemplar dos Estatutos do Club Hermínio,
associação de beneficência, fundada para
tratamento de tuberculosos na Serra da
Estrella, — Lisboa, — typographia Netlo,
1889;— e dos mencionados estatutos vamo»
fazer um leve extracto:
«Artigo 2.» — Tem por fim promover di-
recta e indirectamente o melhoramento da»
condições naturaes da Serra da Estrella,
considerada como estação sanitária.
1. »— Estabelecendo casas de saúde sob
direcção medica.
2. °— Soccorrendo doentes d'ambos os se-
xos que, peias suas precárias circumstan-
cias, não possam seguir o tratamento re-
ZEZ
ZEZ 2227
commendado pelo medico assistente, forae-
cendo-lhes transporte, casa, medico, remé-
dios, alimentos e emãm tudo quanto seja
indispensável para a sua raelhorã.^
S."— Exercendo policia bygienica em to-
dos os pontos da Serra e nas habitações . . .
4. » — Promovendo que em diversos pontos
das estradas publicas da Serra da Estrella
se estabeleçam signaes que, de noite ou de
dia e em tempo bom ou mau, sirvam de
guia aos viandantes, orientando-os sobre a
direcção a tomar, como podem ser por
exemplo:— marcos com inscripções, balisas,
pharolins. etc. etc.
5. »— Promovendo toda a ordem de dis-
tracção domiciliaria e na séde da associa-
ção que possa influir beneficamente na saú-
de dos doentes.
6. »— Estabelecendo na séde da associação
um gabinete de leitura scientiQea e de re-
creio, e um gymnasio salutar apropriado
aos doentes.
7. » — Auxiliando os sócios nas excursões
scienlificas ou recreativas á Serra.
plomas a todos os sócios e um distinctivo
de que possam fazer uzo habitual.
Art. 11.» — Os sócios contribuintes teem
direito a eleger e a serem eleitos para
quaesquer cargos da administração, logares
que serão desempenhados gratuita e obri-
gatoriamente.
Artigo 13.° — A direcção compõe-se de
tres membros eleitos annualmente pela as-
semblôâ geral d'entre os sócios contribuin-
tes.»
Ujq dos membros da direc-
ção desempenhará o logar de
presidente, — outro o de secre-
tario— e outro o de thezou-
reiro.
«Art. 16.»— A responsabilidade dos mem-
bros da direcção é solidaria.
Art. 19.»— A primeira direcção durará
tres annos e será constituída por tres mem-
bros eífectivos e tres substitutos, escolhidos
de entre os sócios fundadores
Art. 20.»— A assembléa geral é represen-
tada por todos os associados que se apre*
sentarem com os seus diplomas ou distin-
ctivos e não tenham perdido a qualidade de
sócios ao tempo da reunião.
§ único. — A assembléa geral funcciona
com qualquer numero de sócios não infe-
rior a dez.
Art. 21.»— A assembléa geral é ordinária
ou extraordinária.
§ 1.0— -A assembléa geral ordinária terá
lugar annualmente, na séde da associação,
no dia 15 de agosto de cada anno, pelas
duas horas da tarde.
Art. 23.*— Os sócios fundadores conferi-
ram approvação aos presentes estatutos,
por que será regido o Club Hermínio, e
usando das suas prerogativas e do que dis-
põe o art. 19.» acclamaram sócios honorá-
rios os ill.""» e ex."" srs.: Dr. José Thomaz
de Sousa Martins, conselheiro Emygdio Ju-
Artigo 4.»— A duração d'esta associação é
por tempo illimitado.
Artigo 5.«— A associação terá a sua séde
no planalto da Serra da Estrella, no ponto
em que a sua acção seja mais conveniente,
podendo ter delegações onde os seus inte-
resses as reclamem.
Artigo 6.»— A associação compÕe-se de
indivíduos de ambos os sexos que terão a
classificação de:
— Sócios honorários;
—Sócios contribuintes;
— Sócios bemfeitores.
Artigo 8.«— Sócios contribuintes são todos
aquelles que se obrigam ao pagamento de
nma quota mensal de 200 réis.
Artigo 10.'— A associação conferirá di-
1 Deus ampare e proteja tão santa insti-
taiçãol.. .
2228
ZEZ
ZEZ
lio Navarro, João Carlos de Brito Capello e
bacharel Joaquim Simoes Ferreira, confe-
rindo ao benemérito dr. José Thomaz de
Souza Martins o titulo de presidente perpe-
tuo da associação, por se dever á sua ini-
ciativa, dedicação, estudos e serviços o tra-
tamento da tuberculose em Portugal nas
grandes altitudes da Serra da Esirella, que
já hoje conta felizes resultados; e elegeram
a direcção, que ficou constituída peloa ill
e ex."" srs.:
—Dr. Bazilio Freire, presidente.
— Alfredo Cesar Henriques, thesoureiro.
— Guilherme Telles de Menezes, secreta-
rio.
E no impedimento pelos ill."*' e ex.°""
srs.:
— Dr. Joaquim Borges, vice-presidente,^
— Dr. José Pereira de Mattos, vice secreta-
rio;
— Dr. Joaquim Augusto Ferreira da Fon-
seca, vice-thesoureiro.
No fim dos mencionados estatutos se en-
contra a lista dos sócios fundadores. Com-
prehende 89 senhoras e 421 cavalheiros;—
total — 510, mas consta-nos que ó muito
maior o numero dos sócios actuaes— e entre
elles se achara inscriptos muitos titulares.
Todo o paiz recebeu enthusiasticamenle
a noticia de tão piedosa e sympalhica insti-
tuição e é muito auspicioso o seu futuro.
Na Estrella, junto do observatório e da
casa de Cesar Henriques já se vé um po-
voado de vinte e tantas casas, achando-se
em construeção outras muitas; já vivem ali
no momento trinta tuberculosos e, se hou-
vessem mais casas feitas, maior seria aquel-
^ ^ E' o sr. dr. Joaquim Borges Garcia de
Campos, hoje representante da opulenta
ca a Rainhas, de Gouveia, pelo seu casa-
ra nlo com uma filha e principal herdeira
do grande industrial Joaquim d' Almeida
Rainha
Y. Villa Nova de Tazem.
le numero, pois muitos doentes, por falta de
habitações na serra, não teem passado da
Guarda.
Também anda em construeção outro sa-
natório junto da Covilhã— e vão consiruir-
se mais dois: um na cidade da Guarda, em
altitude superior a 1000 metros; outro na
serra da Louzã, em altitude superior ao da
Guarda.
O da Estrella já otlerece bastantes com-
modos, por ser um povoado importante; e
tende a augmentar consideravelmente. Está
junto do observatório; já tem estação tele-
grapho-postal e pas?a muito perlo d'elle a
nova estrada a macadam em construeção de
Gouveia para Manteigas pelo centro da mon-
tanha, — estrada que deve pôr o sanatório
em contacto, por meio de diligencias e de
viaturas de toda a ordem, com as linhas da
Beira Alta e Beira Baixa, pois Gouveia e
Manteigas já estão servidas por diligencias
que vão até áquellas duas linhas.
Devem-se pois os sanatórios de Portugal
e da Estrella á Expedição scientifica de 1881
e aos esforços e propaganda do sr. dr. Sou-
sa Martins e do sr. Alfredo Cesar Henriques.
O 1.°, como abalisado professor e clinico,
argumenta com a sciencia ; — o 2.» com a
experiência. O facto da cura realisada n'elle
próprio é um argumento vivo, concludente
e o mais convincente! ... E não é um facto
isolado, porque todos os tuberculosos, que
foram após elle para a serra da Estrella, —
todos teem experimentado consideráveis me-
lhoras e são como elle apologistas da gran-
de serra para o tratamento da tysica, — des-
sa medonha enfermidade que até boje zom-
bou da medicina e que desgraçadamente
está ceifando a quinta parte da população
das nossas villas e cidades! ...
Um outro beneficio importante que re-
sultou da Expedição de 1881 foi a reorga-
nisação dos serviços florestaes, — a arbori-
sação das dunas do littoral, das nossas es-
tradas a macadam e das serras da Estrella
e do Gerez. ,
Já Qo ultimo anno se fizeram grandes
ZEZ
ZEZ 2229
plantações e sementeiras de arvoredo— e
deve-se este importante melhoramento pu*
blico ao sr. Emygdio Navarro,^ auctor do
formoso livro mencionado supra, pois sen-
do ministro desde 1886 até maio do corren-
te anno de 1889, não se esqueceu da nudez
da grande serra que vízitára em 1883, pou-
co antes de ser ministro, e decretou a ar-
borisaçâo d*ella e da do Gerez, etc. etc. como
a Expedição propoz nos seus relatórios.
Mil graças a uns e outros, porque a ar-
borisação ó riqueza, helleza e saudei
Albergarias
Um outro melhoramento importante, lem-
brado pela Expedição e que pôde ser um
grande benefício para a humanidade, é a
construcção de albergarias dentro da serra
da Estrella^ ao longo dos diversos caminhos
que atravessam a montanha em todas as
direcções, — caminhos muito /requentados no
verão e mesmo na primavera e no outono
pelos habitantes dos povos circumvisinhos,
pois encurtam muito, seguindo pela monta-
nha.
Entre a Covilhã e Manteigas, por exem-
plo, ha hoje uma boa estrada a macadam,
servida por diligencias, mas o povo, sempre
que pôde, vae pela serra, pois adianta nada
menos de tres horasl São porem os taes ca-
minhos muito ásperos e muito perigosos na
primavera e no outono, porque a neve por
vezes surprehende os viandantes na serra e
muitos lá Qcam sepultados.
Seria pois para desejar que ao longo da
montanha fízessem albergarias, ou casas de
abrigo para os tranzeuntes, embora muito
singelas, como outr'ora tantas se fizeram em
vários pontos do nosso paíz, nomeadamente
nas serras do Marão, Manhouce, Carvalho
ou Cantara, Britiande e Arouca, etc.
V. Albergaria (!,•— S,") Carvalho, Canta-
1 V. Viseu, tomo 11.» pag. 1843, col 2.»,
onde muito ligeiramente esboçámos a bio-
grapbía de s. ex.*
ro e Vouzella, tomo II.» pag. 2021, col. 2.»
e segg.
Deus inspire o nosso governo, os nossos
reis ou infantes^ ou alguns cidadãos benemé-
ritos, para que, á imitação dos nossos ante-
passados, mandem fazer albergarias dentro
da serra da Estrella.
Barão do rio Zêzere
Joaquim Bento Pereira, filho de Bento
Pereira d' Almeida, negociante e proprietá-
rio em Setúbal, e de D. Anna Joaquina Li-
zarda do Valle e Almeida, nasceu em Setú-
bal a 17 d'ag03io de 1798 ^ e falleceu em
Lisboa a 19 de dezembro de 1875, tendo ca-
sado a 12 de junho de 1851 com D. Joaqui-
na Lúcia de Brito Veloso Peixoto, que mor-
reu a 28 de dezembro de 1879, fljha de
Agostinho Veloso Peixoto de Brito, capitão
de infanteria do exercito, addido ao 2.o ba-
talhão de veteranos, e de sua mulher D. t)o-
rolheia de Brito.
O nosso biographâdo Joaquim Bento Pe-
reira foi um dos mais valentes officiaes do
nosso exercito e um dos filhos mais bene-
méritos de Setúbal, 1.» barão do rio Zêzere,
par do reino, general de divisão, do conse-
lho de S. M., gran cruz das ordens d'Aviz e
da Torre e Espada, commendador da de
Nossa Senhora da Conceição de Villa Viço-
sa, ajudante de campo honorário de S, M.,
deputado da nação em varias legislaturas,
condecorado com a Estrella d'ouro de Mon-
tevideu, com as de valor militar' e bons ser-'
viços e a do n.° 9 das campanhas de 1833,
cavalleiro de 1." classe da ordem militar de
S.. Fernando e commendador da de Isabel a
catholica, etc. etc.
1 Â Rezenha das Famílias titulares... de
Albano da Silveira Pmto, muito dignamente
continuada pelo sr. visconde de Sanches de
Baôna, diz que o nosso biographâdo nascea
em 1801, mas o Diccion. Popular e o sr. Ma-
neei Maria Portella, illustrado filho de Se-
túbal, dizem que nasceu em 1798.
2230 ZEZ
ZEZ
AlÍ8tou-8e no 2.» regimento de infantaria
de voluntários reaes d'el-rei a 27 de junho
de 1816 e, sendo reconhecido cadete, em-
barcou para Montevideu a 14 de agosto do
mesmo anno; fez toda a campanha da Ban*
da Oriental até 1824, regressando a Lisboa
a 12 d'ago8to d'es8e anno.
Em junho de 1818 foi despachado alferes
de commissão e em março de 1821 foi no-
meado alferes effectivo; com este posto en.
trou em Portugal e serviu no regimento da
infanteria 14: passou depois para o 4 da
mesma arma e assistiu a toda a campanha
de 1826, fazendo parte das forças que ás or-
dens do conde de Villa Flor bateram os
absolutistas.
Promovido a tenente em dezembro de
1827, emigrou para a Inglaterra no anno
immediato e, passando aos Açores em feve-
reiro de 1829, tomou parte como major de
brigada na acção do dia 11 de agosto; este-
ve na tomada da ilha de S. Miguel e Ladei-
ra Velha e o duque da Terceira o elogiou
pela sua bravura.
Sendo coUocado em infanteria 10, desem-
barcou com este regimento no Míndello em 8
de julho de 1832 e fez todo o cerco do Porto;
tomou parte na acção de Souto Redondo e
distinguiu-se como tenente da companhia
incumbida de cobrir a retirada do seu regi-
mento.
Pouco depois, no dia 29 de setembro, en-
trou ao lado do valente coronel Pacheco na
bateria da Lomba, occupada pelas forças de
D. Miguel, portando^se de modo tal, que foi
recommendado.
A 4 de março de 1833 defendeu com duas
companhias o reducto do Pinhal contra 3
vigorosos ataqu-s do inimigo e no dia 18
de agosto desalojou os sitiantes de uma for-
te posição, quando já um batalhão de vo-
luntários tinha sido repellido, pelo que, sob
proposta do coronel Pacheco, lhe foi confe-
rido o 2.* grau da Torre e Espada, não sen-
do ainda cavalleiro da dita ordem, tendo si-
do já promovido ao posto de capitão em 6
d'agosto de 1832.
Foi elogiado e recommendado pelo duque
da Terceira pela bravura co:33 que tomou a
forte posição do Covello; — depois, já em
1834, commandou uma força de 200 praças
incumbida de proteger o desembarque do
almirante Napier na Figueira e assistiu á
batalha da Asseiceira, ultima da campanha
liberal equ) determinou a convenção d'Evo-
ra Monte.
Joaquim Bento era homem de génio ar-
rebatado. Em 1835^ sendo capitão e julgan-
do-se desconsiderado pelo coronel Thoraaz
de Magalhães Coutinho, commandante do
regimento de infanteria 10, não só lhe diri-
giu uma carta nos termos mais violentos,
mas publicou-a no Nacional, pelo que um
conselho de guerra o condemnou a ser fu-
silado, mas, por ser official da Torre e Es-
pada, o supremo conselho suspendeu aquel-
la deliberação e mandou que se procedesse
a novo julgamento, no qual foi absolvido.
Em dezembro do mesmo anno de 1835
foi na divisão auxiliar á Hespanhacomo ad-
dido ao quartel general; depois entrou para
o corpo do estado maior e, seguindo a re-
volução dos marechaes, foi pela convenção
de Chaves separado do quadro do exercito,
no qual entrou depois em julho de 1840»
sendo em 1842 promovido a major.
Em 1843 bateu-se em duello com oauctor
de D. Branca, depois visconde d' Almeida
Garrett.
As coisas passaram se assim:
Garrett, sendo deputado e discutindo na
camará a prisão de dois collegas^ censurou
asperamente as demasias da tropa. Joaquim
Bento por essa oceasião disse:
«Tira-se-lhe o chínó e dá-se-lhe com elle
na cara.»
O poeta publicou no Diário do Governo
uma carta, lançando agua na fervura, mas
no mesmo Diário de 22 de julho publicou
Joaquim Bento em resposta áquella, outra
carta,^ defendendo a guarda municipal de
» Podem ver-se ambas no Diccionario PO'
pular, que vamos exiractando.
ZEZ
ZEZ 2231
Lisboa e o exercito, terminando por dizer:
— «se alguém me perguntar porque me con-
tento com esta declaração, responderei em
duas palavras: — porque satisfações d'outra
natureza só se exigem de quem as quer e
sabe dar. Joaquim Bento Pereira, major do
regimento da infanteria n.° 7.»
Posta a questão n'tíste8 termos, Garrett
mandou desafíar Joaquim Bento; encontra-
ram-se junto dos arcos das Aguas Livres>
mas nenhum dos dois ficou ferido, como
consta das actas que appareceram na Revo-
lução de Setembro e que foram transcriptas
pelo sr. Francisco Gomes d'Amorim na sua
interessante biographia d'Almeida Garrett,
com outros detalhes de tão estranha occor-
rencia.
O artigo da Revolução diz o seguinte:
«Hontem (25) ás cinco horas da tarde ba*
terara-se em duello á pistola, junto ao arco
grande das Aguas Livres, os srs. Joaquim
Bento Pereira e João Baptista d'Almeida
Garrett.
«Depois de avaliarem bem a importância
da oíTensa, que deu origem ao duello, ac-
cordaram entre si os padrinhos e testemu-
nhas... que os dois cavalheiros &e bates-
sem a vinte passos e á sorte.
«Chegados ao campo e cumpridas as for-
malidades do estylo, caiu ao sr Joaquim
Bento Pereira a sorte de atirar primeiro.
Dado o slgnal, o sr. Joaquim Bento dispa-
rou para o ar, e o sr. Garrett, atirando ae-
poiSj seguiu este exemplo.
«O sr. Joaquim Bento Pereira requereu
ao sair-lhe a sorte, e depois de disparar, um
tiro livre para o sr. Garrett, o que lhe foi
recusado pelos padrinhos.»
Do exposto se vé que o nosso biographa-
do foi muito generoso.
Em Í8i4, por occasião do cerco d'Almei-
da, commandou um batalhão de 4 compa-
nhias, que tomou parte nas operações con-
tra aquella praça.
Em seguida ao golpe de estado de 6 d'on-
tnbro de 1846, passou a servir ás ordens do
marechal Saldanha; em 14 do dicto mez foi
nomeado comaiandaute do batalhão de ca-
çadores n.» 1, à frente do qual assistiu á ba-
talha dtí Torres Vedras, sendo ali por dis-
tineção feito tenente coronel.
Tomou parte activa e muito importante
no movimento de 1831 e, tendo se pronun-
ciado a favor de Saldanha e marchando com
o corpo do seu commando para Santarém,
segundo fôra ajustado, não pôde ali entrar
por não adherirem á revolução alguns re-
gimentos que a isso se tinham compromet-
tido.
Depois de muitas peripécias, a guarnição
do Porto pronunciou-se a favor de Salda-
nha e fez triumphar a regeneração, mas,
quando tudo se julgava perdido e o mare-
chal desanimado seguia já o caminho de
Hespanba, o coronel Joaquim Bento com a
sua habitual energia desconcertou as forças
enviadas contra elle e, atravessando oZeze-
re duas vezes} conseguiu juntar-se em Ceia
ao batalhão de caçadores 5, do commando de
Cabreira, (depois barão da Batalha) que se
havia revoltado em Leiria.
Nomeado commandante da 1.* brigada do
exercito regenerador, elevado a brigadeiro
e agraciado com o título de barão do rio
Zêzere, passou logo a commandar a divisão
do Algarve, onde se conservou até 1856,
sendo depois nomeado inspector geral de
infanteria, cargo que exerceu até junho de
1866, accumulando desde 1864 a commissão
de commandante da S* brigada de infante-
ria de instrucção e manobra.
Em juaho de 1866, por estar (segundo
constou) envolvido n'uns projectos d'altera-
ção da ordem publica, foi transferido para o
commando da divisão militar dos Açores,
d'onde em 1868 voltou a commandar uma
das brigadas d'infanteria de Lisboa.
Sendo um dos officiaes que em dezembro
de 1869 mais se distinguiram a favor do
1 Esta arrojada e feliz manobra lhe me-
receu o titulo de barão do rio Zêzere.
2232 ZEZ
ZEZ
marechal Saldanha, foi exonerado da com-
missão; esteve preso na torre de S. Julião da
Barra e depois foi mandado commandar no-
vãmente a divisão dos Açores. Regressou ao
continente em 19 de maio, sendo então no-
meado commaudante da divisão do Por-
to, cargo de que não tomou posse, por-
que apenas chegou a Lisboa, foi-lhe da-
do o commando das guardas municipaes,
situação eoi que estava ainda, quando falle-
ceu.
No gabinete da prezidencia da camará de
Setúbal pôde ver-se o retrato do barão do
Zêzere, a oleo e em tamanho natural, offe-
recido á dieta camará pela sobrinha e her-
deira do nosso biographado, pois morreu
sem successão.
Desculpem as dimensões
d'este longo artigo, ZíZírí,que
tanto trabalho nos deu! • . .
ZÊZERE— Villa e castello antiquíssimos,
outr'ora denominados villa e parochia de
Santa Maria do Zezíí-^,— depois villa e pa-
rochia de Paio-Pelle—e hoje vulgarmente e
simplesmente Praia, por ser a povoação
d'e8te nome hoje a mais importante d'aquel-
la freguezia, que até 1839 foi concelho á
parte com justiças próprias. Hoje pertence
ao concelho de Villa Nova da Barquinha,
creado n'aquella data e tendo por séde a
villa da Barquinha, que até 2 de maio
de 1838 era uma simples povoação da
freguezia e concelho antiquíssimos da Ata-
laia.
Com a evolução do tempo a simples al-
deia da Barquinha supplantou as villas, fre-
guezias e concelhos de Atalaia, Tancos e
Paio Pelle, que por decreto de 2 de julho de
1839 Qcaraiu constituindo o actual concelho
da Barquinha, — eoncelho insigoifleante e
menos importante do que muitas das nossas
fregueziãs ruraes, pois conta apenas 871 fo-
gos, pelo que não tardará talvez que por
seu turno seja supprímido e incorporado
n'outro, obedecendo á mesma lei da evolu-
ção.
Para evitarmos repetições vejam-se os
artigos Almourol, Atalaia, Barquinha, Paio
de Pelle, Tancos e Villa Nova da Barqui-
nha, tomo 11.» pag. 808, col. 1.»
O antigo Castello do Zêzere demorava na
confluência d'este rio com o Tejo, a 0. e
defronte de Punhete, hoje Villa Nova de
Constança, e foi feito ou restaurado no anno
de 1 172 pelo mestre do Templo D. Gualdim
Paes, que também fundou ou antes repo-
voou a Villa de Santa Maria do Zêzere (de-
pois Nossa Senhora da Conceição de Paio
Pelle) no alto d'um monte escarpado, mas
próxima do dicto castello e dependência
d'elle. Suppomos até que a villa foi aeastel-
lada e afortalesada também desde tempos
muito remotos, porque o sitio era muito de-
fensável e a sua posição geograpblca e es-
tratégica impor tantissimas. Dominava a foz
do Zêzere, rio que pela fragosidade e aspe-
reza das suas margens era uma barreira
multo difficil de transpor desde o Tejo até
á Covilhã; — e dominava lambem o Tejo, ou-
tra barreira difficil de transpor, pelo que
ainda nos princípios d'este século, por oc-
casião da guerra da Peninsula, montámos
um redttcto no alto da extincta villa, onde
hoje apenas se vé a velha matriz de Nossa
Senhora da Conceição de Paio Pelle, talvez
fundação dos templários também, e junto
d'ella, a distancia de metros para o sul,
um pequeno e pobre cemitério, com muros
feitos de taipa, caiados e a esphacelar-se.
Ainda junto do dicto templo, hoje comple-
tamente isolado, se vô em volta d'elle uma
trincheira do mencionado reducto e u'ella
um canhão de grosso calibre cora as armas
portuguezas.
O dicto reducto jogava contra uma bate-
ria que os francezes montaram a E. na mar-
gem esquerda do Zêzere, junto do vistoso e
magestoso templo de Nossa Senhora dos
Martyres, a cavalleiro de Villa Nova de
Constança, hoje matriz d'aquella villa des-
de 1833, data em que demoliram o velho e
arruinado templo de S. Julião, que demo-
rava na Praça e foi a !.■ matriz da villa de
Punhete, hoje ConstançaA
1 Hoje a matriz está, como dissemos, na
vasta e sumptuosa egreja de Nossa Senhora
ZEZ
ZEZ 2233
Do anligo Castello do Zêzere, fundação ou
restauração de Gualdim Paes, ainda hoje se
véfím grossos muros, saindo do fundo do rio
Da foz do Zêzere, no pontal da sua confluen-
eia com o Tejo. Foi destruído e arruinado
pelo tempo^ peias muitas guerras que as>
solaram o nosso paiz e pelas grandes en-
chentes dos dois rios, a maior das quaes
n'este século foi a de 1876.
Uns denominam as mencionadas ruínas
Castello, outros torre e outros palácio do
conde da Taipa, porque foi propriedade dos
dictos condes, ura dos quaes vendeu aquel-
las ruínas a Vicente Ferreira Annes de Oli-
veira, de Villa Nova de Constança.
Da Villa de Santa Maria do Zêzere nada,
absolutamente nada resta, alem do antiquís-
simo e venerando templo de Nossa Senhora
da Conceição, a velha matriz de Paio Pelle,
que ficou isolada no alto do monte, distando
^ da margem direita do Tejo cerca de 400
metros para N. E.— e 150 a 200 metros do
Zêzere para O. sendo bastante escarpadas as
pendentes do dieio monte sobre o Tejo e so-
bre o Zêzere, que ali formam ura angulo obtu-
so, tendo por vértice as ruínas do eastello de
Gualdim Paes e correndo o Tejo de N.E.
a S.O.— e o Zêzere de N.O. a S.E.
Em volta do dicto templo e nas pendentes
da encosta hoje apenas se vêem grandes vi-
nhedos, mas por occasião das plantações en-
contrarara-se na dieta encosta vestígios de
povoação antiquíssima:— restos de paredes,
calçadas, ladrilhos, tijolos, telhas, ete.— tu-
do soterrado, — na pendente sobre o Tejo-
dos Martyres, que parece talhada para Cas-
tello, pois tem paredes d'extraordinaria es-
pessura e no alto d*ellas interiormente uma
galeria com tribunas gradeadas de ferro.
E' um templo vastíssimo que, segundo
consta, data de 1636, com a mesma invoca-
ção de Nossa Senhora dos Martyres, mas
apesar de ser hoje matriz, o padroeiro da
Villa é o mesmo S. Julião.
Constança teve mais 3 templos:— Jlfísm-
cordia, Santo André, ao nascente da villa, e
S. Sebastião na margem do Zêzere.
V. Punhete, Constança, e Villa Nova . de
Constância.
lado S.O. da montanha, na extensão de um
kíloraetro aproximadamente, até o rigol do
acampamento de Tancos, que demora tam-
bém na area da freguezia de Paio Pelle,
hoje Praia. Isto nos leva a crer que as men-
cionadas ruínas são os destroços da extiucta
Villa de Santa Maria do Zêzere — e talvez
d'algum castro ou povoação muito mais an-
tiga?!...
Chamamos para este ponto
a attenção dos archeologos.
O dicto chão é muito digno
de estudo e não nos consta
que fosse esludado e devida-
mente explorado até hoje.
Da foz do Zêzere até á Barquinha o Tejo
í corre na direcção geral E.N.E.— O.S.O. — e
banha na margem direita a povoação da
Praia a 1 kíloraetro de distancia (da foz do
Zêzere);— o eastello á'Alinourol a 3 V2 kil-*"
a villa de Tancos a 5— e a da Barquinha a
8 kilometros, aproximadamente.
A velha matriz de Paio Pelle demora na
altitude de 84 metros sobre o nível do mar
' — e a maior altitude da freguezia de Paio
Pelle (hoje Praia) é de 140 metros, entre
Casaes e Portella, 2 1/2 kilometros a N. da
povoação da Praia.
Nas Memorias da Acad. R. das Sei. tomo
8.» parte II, pag. 43 e segg. encontra-se
uma longa e bella memoria, intitulada DeS'
cripção económica de certa porção conside-
rável de território da comarca de Thomar, e
próxima á margem do Tejo, — memoria que
mereceu o Accessit na sessão publica de 24
de junho de 1822. Falia muito e muito bem
de Punhete, Rio de Moinhos, Montalvo, Mar-
tinxel, Tancos, Aceiceira, Atalaia e Paio
Pelle, mas não faz menção das ruínas da vil-
la do Zêzere, posto que o auctor da dieta me'
moria vivia em frente d'ella3, — na villa de
Punhete, hoje Constança, como elle próprio
diz no texto; ignoramos porem o nome do
auctor, pois tão modesto, que não assignou
o seu trabalho. Apenas o firmou com
2234 ZEZ
ZE2
Âo passo que se iam sumindo e desappa-
receoâo a viila e o castello do Zêzere, a po-
pulação d'esta parochia foi se coDceutraudo
na povoação da Praia, junto do Tejo.
Ássim se formou a povoação da Praia,
que hoje dá o nome a esta freguezia, povoa-
ção que foi importante até á exlincção do
concelho, pois n'ella estavam a casa da ca-
mará e as outras repartições publicas
A Praia tinha as honras de villa ou séde
do concelho, mas não tinha egreja. Todos os
offleios religiosos se celebravam na egreja
do extincto convento de Nossa Senhora do
Loreto, de capuchos Antoninos, fundado em
1572 (segu^^do diz J. B. de Cattro) cujas
ruinas ainda hoje lá se vêem ao nascente da
extincta povoação de Paio Pelle,^ na mar-
gem direita do Tojo, entre este rioe a linha
férrea de leste, mas não chegou a tnr cara-
cter parochial e dista aproximadamente 6
kilometros da velha matriz, que ainda hoje
é a matriz d'esta parochia.
O convento demorava cerca de 200 me-
tros a E. do Castello de Almourol, mas
d'elle nada existe. A própria egreja desap-
pareceul . . .
Junto do local do convento encontrou-se
em 1878 uma panella com muitas moedas
antigas de ouro, soterrada e envolta nas
raizes de uma cepa (arbusto) que um po-
bre carvoeiro estava arrancando para fazer
carvão. Não nos consta que as dietas moe-
das fossem classificadas.
A povoação da Praia soffreu com a ex-
1 Suppomos que a povoação de Paio Pelle
foi outr'ora importante, pois deu o nome a
esta Villa e freguezia desde antes do sec. xvi,
como se vê do foral de D. Manoel com data
de 22 de dezembro de 1519, mas teve a
mesma sorte da extincta villa de Santa Ma-
ria âo Zêzere. — No sitio onde esteve a
povoação de Paio Pelle já nem as pedras das
casas derruídas se encontram. Teem sido
levadas para Tancos, para a Barquinha e
para outras povoações e construcções até à
quinta da Cardiga, na Gollegã,— quinta que
demora na margem direita do Tejo e dista
da Barquinha 3 kilometros para S.O.
tincção do concelho de Paio Pelle, mas lu-
crou e tem progredido bastante com a linha
férrea de leste, pois deu-lhe estação pró-
pria—a 18.« a partir de Lisboa — e a 2.» a
partir do entroncamento da linha férrea de
leste com a do norte.^ Dista de Lisboa 119
kilometros, 12 do entroncamento e 242 do
Porto.
A mesma povoação da Praia dista 7 kilo-
metros da villa da Barquinha, séde actual
do concelho, para E. — e 1 da nova ponte me-
tallica da linha férrea, para O.
A ponte em que a linha férrea de leste
atravessava o Tejo, era toda metallica, as-
sente sobre cylindros de ferro,* mas, como
estes ameaçassem ruina, foi construída uma
nova ponte a montante e junto d'aquella.
Foi principiada a nova ponte em 1888 e
acabada em 1889, sendo aberta ao transito
apenas se concluiu. Assenta sobre pilares de
pedra, mas o taboleiro é metallico.
A 1.' ponte foi demolida e d'ella hoje (no-
vembro de 1889) apenas restam os cylin-
dros em que se apoiava.
As povoações que actualmente constituem
esta parochia são as seguintes: —Praia (ho-
je a mais importante e que succedeu à de
Paio Pelle, como a de Paio Pelle, boje ex-
tincta, succedeu á extincta villa de Santa
Maria do Zezere);~Fonle Santa, Portella,
Figueiras, Caneiro, Mattos, Outeiro, Laran-
jeira e Limeira; os easaes de Val dos Po-
ços, do Jacinto e dos Pintainhos; o castello
ã'Almourol; os sitios do Castello da foz do
Zêzere ou Palacio do conde da Taipa, Con-
vento, Bibeiro de Lavacollos (?), Ponte do
Tejo, Estação da Praia, Acampamento de
Tancos (campo de instrucção e manobras)^
—Paio Pelle, — campus tibi Troja fuit^ — e
as quintas do Seixal, Bio e Fontainha.
O antiquíssimo e lindíssimo castello de
Almourol, fundação ou antes — restauração
* A estação da Praia é também estação do
acampamento de Tancos, mas com servidões
differentes, pois o acampamento tem apea-
deiro próprio.
2 V. Conaancia, tomo 2.<» pag. 380.
ZEZ
ZEZ 2235
— de Gualdim Paes, mestre do Templo, está
em uooa ilha muito pittoresca, janto da mar.
gem direita do Tejo, — pertence á fazenda
nacional e ainda promette longa duração,
porque o nosso governo o mandou reparar
em 1888 a 1889 pela commissão das obras
do Tejo.
V. Almourol.
As producçòes principaes d'esta freguezia
são vinho, azeiíe e cereaes.*
Também é mimosa de caça miúda e de
peixe dos seus dois rios — Tejo e Zêzere, no-
meadamente de sáveis, no tempo próprio.
O Zêzere, como já dissemos, banha esta
freguezia a iesle, na extensão de 3 kíiome-
tros, e n'elle se vae construir uma grande
ponte metallica em frente de Vtlla Nova de
Constança, na estrada reai d'AbraQtes a
Santarém, — ponte que já descrevemos no
longo artigo Zêzere e que deve dar muita
importância a esta freguezia da Praia, bem
coroo á de Villa Nova de Constança.
População
Em 1712, segundo diz o Padre Carvalho,
esta freguezia contava 108 fogos, pertencendo
40 á exlincta villa de Paio Pelle —em 1768,
segundo se lê no Port. S. e Prof. contava 180
fogos;— em 1821, segundo se lè na memoria
citada supra,contava 205 fogos e 658 habi-
tantes, sendo soltéirosde 15 annos para cima
194, — de 15 annos para baixo 179, — viúvos
23,-— viuvas 32— e casados 230,-- -padres 2,—
pessoas nobres 1, — sapateiros 1, pedreiros 1^
alfaiates 1, carpinteiros 2, boieiros ou sin-
geleiros 2, justiça (funccionarios públicos) 7,
lavradores (talvez proprietários) 9, pastores
9, trabalhadores (jornaleiros) 18, pescadores
í O seu chão é pouco fértil;— demora na
província da Estremadura — e pertence ao
concelho da Barquinha, comarca da Gollegã.
Fica assim rectiQcado o que no artigo Pato
Pelle disse o meu benemérito antecessor.
159, tendeiros, negociantes, barbeiros e ter-
reiros—ním uml...»
Em 1852 o Flaviense deu-lhe 180 fogos; o
censo de 1864 deu-lhe 225 fogos e 906 ha-
bitantes; o censo de 1878 deu-lhe 241 fogos
e 1148 habitantes — e hoje, segundo diz o
seu reverendo parocho, tem 350 fogos e
1430 habitantes.
£ pois bastante prospero o seu estado
actual, devido ao movimento da estação da
Praia e á construcção da linha férrea e das
duas pontes da linha sobre o Tejo, — obras
importantes que occuparam muitos braços
d'esia freguezia e n'el!a deixaram muito di-
nheiro, como vae deixar a construcção da
ponte metallica sobre o Zêzere,— -ponte que
deve dar muita vida a esta parochia e á es-
tação da Praia.
Vista retrospectiva
1821
A citada memoria diz: — «Todo o terreno
d'esta víUa (freguezia de Paio Pelle, hoje
Praia) se compõe de pequenos lugares, e
bastantemente pobres; aqui não ha um
grande proprietário, não ha um commer-
ciante, quasi todos entretanto tem seus pe-
daços de terra, que cultivam e de que co-
lhem poucos fruetos.
«Quasi todos já de antiquíssimos tempos
se tem empregado no serviço da pesca, de
que tiram muito maiores vantagens, do que
na cultura de terras bastantemente áridas,
e estéreis, e em que somente muitos bra-
ços, muitos gados e muitos estrumes pode-
rão concorrer para que ellas dôem algum
interesse ao lavrador.
«A pesca d*estes homens he ás vezes no
1 No mesmo anno esta parochia produzia
50 alqueires de legumes de diversas quali-
dades, 1200 de trigo, 900 de centeio, 900 de
milho grosso, castanhas e cevada zero, cai-
xas de laraDjâs 150, pipas de vinho 60, al-
queires d'azeite 2000, — tudo na importância
de 4:t96^000 réis, segundo os preços cor-
rentes in illo tempure.
V. Memoria citada, pag. i08.
2236
ZEZ
ZEZ
rio Zêzere, e muito principalmente no Tejo;
como ella porem n'e9te8 sítios não lhes da-
ria todos aquelles interesses, a que elles as-
pirão, então emigrão para certas partes do
Tejo, onde chega a maré, sendo o local da
pesca d'estes homens ordinariamente entre
Villa Franca de Xira, e Salvaterra de Ma-
gos. Pescão sáveis desde o Natal até ao San-
to Antonio, e mugens desde este' tempo até
ao S. Martinho.
tA immensa quantidade de varinas, e de
chinchas, e de outras redes d'esta ordem,
chamadas de arrastar, que desde o Alquei-
dão até á Barquinha se empregão na pesca
dos sáveis no tempo competente, produz
muitas vezes a escassez d'este peixe no pégo
de Tancos, e he esta huma das causas da
emigração à'estes homens; se bem que ou-
tros ha, que se empregão na pescaria dos
sáveis no lugar da Praia, com as taes chin-
chas, e como por tal emigração não terião
suíBcientes braços, costumão annualmente
vir de Ovar, e de suas immediações de 80
a 100 homens, que somente aqui permane-
cem aquelle tempo necessário, e mesmo por
que esta gente he mais apta e está mais
acostumada a tal serviço.
«O serviço rural, se bem quede pequena
consideração... he somente feito por seus
habitantes. Ha alguns trabalhadores que só
a isto se dedicão, e ordinariamente ninguém
recebem de fòra,
«A colheita da azeitona, género que mais
abunda n'este districto, n'ella se empregão
os mesmos pescadores, pois quasi sempre
acontece acharem se n'este tempo aqui; o
sexo femenino igualmente se emprega n'este
serviço, como em todos os outros d*agricul-
tura, em que podem ser adrailtidos; e para
o que são superabundantes. Estaria este
paiz mais bem cultivado... se seus habi-
tantes se não inelioassem, como por natural
propensão, á pescaria, a terra entretanto lhes
não compensaria, pela sua má qualidade^
suas grandes fadigas; todos os pescadores
são gente pobre, e muitos proprietários de
I fóra tem aqui suas fazendas; e tem bem cal-
culado que os jornaes não lhes equivalem
aos interesses da pescaria.»
Doação de D. Affonso Henriques
1Í69
Aproveitando o ensejo, mencionaremos
aqui 3 documentos importantes e bastante
antigos, que prendem com esta parochia: —
!.• a doação d'ella aos Templários por D.
AÍTonso Henriques em 1169; — 2," o foral de
D. Gualdim Paes; — 3.» o foral de D. Ma-
noel.
Com relação ao 1." documento, veja-se o
artigo Penella, villa do districto de Coim-
bra, tomo 6." pag. 613, col. 2.*, onde se en-
contra um extracto da doação original em
latim. Comprehende os castellos da Cardiga,
Thomar e Zêzere {Paio Pelle, hoje Praia)
cujas demarcações eram:
«— •/» primis per fozem Beselga. . . »
Em vulgar: — • Primeiramente pela foz da
ribeira de Beselga; depois pela estrada de
Penella (a Santarém) até o Alfeigedoe (?);
d'ali pelo alto do monte de Tancos, aguas
vertentes para o Zêzere: d'ali vae até entrar
• no Tejo, junto do castello à'Almeirol; de-
pois vae pelo meio do Tejo até á foz do Zê-
zere; depoií pelo meio do Zêzere até á foz
do rio de Thomar (Nabão) — e finalmente
pelo rio Nabão até á dieta ribeira de Be-
selga.
Do exposto se vê que o chão da fregue-
zia de Paio Pelle, anteriormente villa e Cas-
tello do Zêzere, hoje Praia, foi dado aos ea-
valleiros do Templo no anno de 1169;— ex-
tinctos os templários passou para os cával-
leiros de Christo, os quaes apresentavam
um freire seu na dieta egreja.
Foral de D. Gualdim Paes
anno 1174
0 1.* foral que teve esta parochia foi o
que D. Gualdim Paes, mestre do Templo,
deu ao Castello da Foz do Zêzere no mez de
ZEZ
ZEZ
2237
jUQlio da era de 1212,— anno 1174— e queé
muito semelhante ou quasi idenfico ao que
no mesmo mez e anno deu a Thoraar.
No do Castello ou Villa da Foz do Zêzere
diz entre outras coisas o seguinte:
«Si quis ergo raussumvel tiomicidium...»
Em vulgar:
«Se algum dos habitantes do nosso Castel-
lo do Zêzere comraeiter crime de estupro ou
de homieidio ou entrar violentamente em
alguma casa da villa, pagará oOO soldos. Se
este delieto for praticado no termo da villa,
mas extra muros, pagará 60 soldos.
«O que raetter esterco na boeea d'outro,
dentro da villa ou fora d'ella, pagará 60 sol-
dos.
«Quem agredir ouíro com armas e o fe-
rir, sendo dentro da villa, pagará 60 soldos;
^ sendo fóra d'ella pagará 30.
«Logo que se prove em juiso que alguém
feriu outro, o auctor do delieto pagará 60
soldos.
«Se alguém decepar qualquer membro
d'outro, pagará 60 soldos.
«Por feridas que tenha de satisfazer, pa-
gue-as a quem dever pagal-as— ou bala-se
em campo, segundo os antigos foros (usos e
costumes) de Coimbra.
«As citações ou intimações ordenadas pelo
alcaide ou pelo juiz serão feitas com teste,
munhas para terem validade.
«Não se fará penhora em casa alguma,
sem que o dono primeiramente seja chama-
do a juiso.
«Todas as acções tentadas por nós cu
pelo nosso mordomo, quando houver provas,
julguem-nas os homens bons e não as justi-
ças da villa.
«O que fôr chamado a depôr em juizo e
occultar a verdade, sabendo-a, pague ao
individuo prejudicado o que lhe fizer per-
der e outro tanto ao senhor da villa — e não
mais possa ser testemunha em juiso
«Se algum procurador se compozer com
o mordomo, falseando seu commiltente, e
isto se provar com testemunhas, pague o que
fez perder ao seu constituinte; — não tendo
bens sufficientes para a indemnisação, pa-
gue com o corpo— e não se lhe admitia jus-
VOLUME XI
tifleação em juizo, sem que primeiro dé íian-
I ça idónea.
«E ninguém poderá ser procurador em
juizo sem ter carta, pois taes procuradores
são a ruína da sociedade.
« Aquelle que em defeza do seu campo, da
sua vinha, ou da sua almoinha maltraetar
outro, embora o fira, nada pague; mas se
aquelle que fizer o damno ferir o dono da
propriedade, pague o damno e os ferimen-
tos.
«Ninguém poderá trazer armas na villa.
Aquelle que as trouxer, embora não fira al-
guém com ellas, perdel-as-ha.
«O que usar de medidas ou covados fal-
sos pague 5 soldos.
«Quem se apropriar violentamente do
alheiOj em casas ou fora d'ellas, pague o
dobro.
«Se algum homem accusar a sua mulher
de adultera e provar em juizo o adultério^,
os bens da adultera serão do -senhor da
villa.
«Ninguém poderá abrir valias nos cami-
nhos públicos, nem mudar marcos, e o que
tal fizer será punido segiindo os foros (usos
e costumes) da villa.
«O almotacó será nomeado pelo concelho.
«Quem prender ladrões ou malfeitores
entregue-08 ao nosso mordomo e não incor-
ra por isso em pena alguma.
«Se alguém entrar em vinha, campo ou
almoinha d'outro, de dia e furtivamente para
comer, ou melter besta sua nos ferragiaes
alheios, pague 5 soldos. Se das propriedades
d'outro levar fructos no ceio ou no regaço,
em saco ou em cesta, pague um morabilino;
—sendo de noite, pague 60 soldos e perca a
roupa que levar vestida^ — e metade d'esta
pena será para o dono da propriedade rou-
bada; não tendo porem com que pague, pre-
guem o ladrão na porta durante 3 dias e no
4.* açoiíem-no'^\ . . .
«Se alguém for fiador d'outro e esse ou-
tro não cumprir, pague o fiador por inteiro.
141
2238 ZEZ
ZEZ
«Se o mouro (escravo) d'alguera andar
solto e commetter algum crime, responda e
pague por elle o seu senhor, ou entregue- o
ao mordomo para fazer n'elle justiça; an-
dando com cadeias ou sendo moura, embo-
ra ande em liberdade, se commetter algum
crime, não os perca o seu senhor (exce-
ptuando 09 crimes que devam ser punidos
com pena do morte) mas sejam açoitados e
depois entregues ao seu senhor.
«A jugada será de 16 alqueires, segundo
a medida do concelho.
«De uma junta de bois pagarão 16 alquei-
res, metade de trigo e metade de segunda,
—cevada, centeio ou milho.
«O cavador pague metade do que nas ou-
tras terras costumam pagar os cavadores ou
jornaleiros.
«Das vinhas paguem a decima parte do
vinho que colherem, depois que as vinhas
produzam 10 puçaes.
«Do pescado paguem também a decima
parte.
«Quem fizer moinhos nos ribeiros ficará
sendo dono d'elles e pagará apenas de 14
alqueires 1.
«E se o nosso mordomo por malicia in-
fringir este foral, por peita que receba ou
para favorecer alguém, fica responsável para
comnosco por sua pessoa e bens.
«O dono de qualquer propriedade poderá
vendel-a passado um anno.
«Este foral foi dado no mez de junho da
era de 1212 anno 1174, no 2.° anno depois
da fundação da villa e do castello da foz do
Zêzere —amo secundo a constrncti opidi
populatione. Eu mestre G. (D. Gualdim
Paes) com os meus freires o roboro o con-
firmo.
t
V. Portugalice Montmenta, tit. Foralia,
pag. 402 e 403, onde se encontra este foral
na sua integra— e desculpem os lapsos da
traducção, pois não é faeil de verter o latim
d'este e d'outros documentos análogos do
sec. XII.
Foral de D. Manoel dado á villa de Paio Pelle
em 1519
«D. Manoel, etc.
Mostrasse polias dietas Imquirições estar
a ordem em costume,^ e posse, sem contra-
diçara de dar as terras da dita ordem, e co-
menda para casaees emeabeçados por hum
quarteyro de pam, meado em cada hum an-
no, a saber: ametade de trigo, e a outra me-
tade segunda, que se emtemde cevada, een-
teo, ou milho; e mais davam aos comenda-
dores o dizimo de todo o que eolhyam, e
mais cada casal cadanno huraa galinha, e
huma dúzia dovos.
«E 03 cazeyros que asy tomaram, ou to-
marem os maninhos com o dito foro, sam
obrigados a confirmarem seus titollos pollo
mestre, ou seus veedores da fazenda, ou
pellos vizitadores da bordem.
«E os comendadores,^ mordomos, ou ren-
deiros seram dilligentes era receberem o
pam, e foros aos tempos em seus coniraetos
e scrituras obrigados; porque se assy lho
nam receberem levando-lho, nam seram
obrigados os pagadores a lho levarem ja-
mais, salvo a lho pagarem a dinheiro pollo
preço soomente que vallia na terra j oral-
mente ao tempo que lho nam quizerara re-
ceber,
«E tem mais a ordem, e comendadores o
direito dos pastos, e montados, e cortiça da
dita terra, segundo se avierem com as par-
tes assy, e na maneira que atee ora estam
em posse de o assy fazer.
«E jazem no lemite, e termo dó dito lugar
de Pay pelle alguas terras,, e olivaes patri-
moniaaes dalguas pessoas, de que nàm pa-
gam ha ordem, nem comendador ninhum
tributo, nem foro, soomente o dizimo a
Deos, segundo estam sabidas.
1 Refere-se á ordem de Chrisío, successo-
ra da do Templo em Portugal.
^ Refere-se á eommenda de Santa Maria
d^Almourol, cujos commendadores possuíam
o castello d'este nome.
ZEZ
ZEZ 2239
fitem: se paga mais outro direito no li-
mite do dito lugar nos canaaes, e pesquei-
ras hy sytuadas, duas dizimas do pescado
que se nellas mata, a saber: hua dizima ve-
lha, que he da dita comenda, e outra dizi-
ma nova, que a nos m solido pertence per
bem do contracto antigo dos pescadores, nas
quaes avemos por bem, e mandamos que se
nam faça mudança, nem ennovaçam de co-
mo atee aqui usaram de pagar.
«E alem dos foros e tributos acima decra-
rados, mandamos que daquy adiante se nam
paguem hy nenhuns outros de ninhua eali-
dade, e eondiçam que sejam, assy dos foros
da terra como das pessoas, a saber: Porta-
gem nem pena darma, nem ninhum outro,
afora os sobreditos.
«E porém mandamos que todallas cousas
se eumprão como nesta nossa carta e foral
he determinado, soo as penas contheudas no
foral de Tomar, cabeça do dito mestrado.
«Dada em a nossa cidade devora a vinte
e dous do mes de dezembro anno do nas-
cimento de nosso Senhor Jesus Chrispto de
mil e quinhentos e dezano ve; e vay feyto
ho original em carta em vintoyto regras e
meya eoracerto e soescrito por mym Fer-
nam de Pina.»
Livro de Foraes Novos da Estremadu-
ra — fl. Vk\, v, eol. 2.», e — tomo 8.» das
Memorias da Acad. R. das Sciencias, parte
II, pag. 120 e 130, donde eu o trasladei. E'
parte integrante da Memoria económica, ci-
tada supra, e ali se encontram também os
foraes velho e novo de Thomar, — o que D.
Manoel deu ás villas de Atalaia e Assincei-
ra, — e os Privilégios concedidos por diffe-
rentes reis nossos à mesma villa de Atalaia>
etc.
Posturas antigas de Paio Pelle e Tancos
Na citada Memoria económica, pag, 102,
se indicam"!as posturas que vigoravam nas
villas de Paio Pelle e Tancos em 1821. Na-
da teem de notáveis, excepto duas, a 1.*
das quaes prohibia inclusivamente ao pró-
prio dono cortar mattos sem licença da ca-
mará;— a 2.' prohibia aquém não tivesse
olivaes próprios vender azeitona, embora os
trouxesse de renda.
Que sábios legisladores?! . . .
Feira de Santo Antonio
l «A feira de Paio Pelle — diz a citada Me-
j moria — he geralmente conhecida pelo nome
de Feira de Tancos. . . porque pertencia a
I esta ultima villa ;Sh6je porem (1821) se faz e
! pertence a Paio de Pelle, por huma trans •
j acção que fizerão os antigos habitantes d'es-
j tas duas contíguas villas. N'este sitio ha no
i Tejo huma barca de passagem para o Arri-
Ipiado,^ que sempre pertenceo e pertence
ainda á comraenda de Almourol da villa de
\ Paio de Pelle; porem os moradores de Tan-
cos consentirão que a feira se mudasse para
Paio de Pelle, com a condição de que lhe
dessem porto da barca em Tancos, e seus
habitantes nada pagassem pela passagem
do Tejo, o que assim se executou; entretan-
to a barca porta aonde melhor convém aos
que a regem, n'huma ou n'outra villa, se-
gundo o estado das innundações do Tejo,
nem isto faz alguma differença pela proxi-
midade das duas villas.
Esta feira se faz dia de Santo Antonio em
todos 03 annos, e continua ainda mais dois
dias; ella he de muito maior concorrência
do que a de Punhete incomparavelmente...
e he estabellecida pelas ruas de Paio de
Pelle.»^
1 A povoação do Arripiado demora na
margem esquerda do Tejo e já pertenceu e
não sei se ainda pertence á fregueziã e villa
de Tancos. Prende com ella a seguinte lo-
cução popular:— Tancos, Tanquinhos, Paio
Pelle, Arripiado e Arripiadinhos. Tanquinhos,
Arripiado e Arripiadinhos são aldeias da
freguezia de Tancos.
A de Arripiadinhos também demora na
margem esquerda do Tejo.
2 Do exposto se vê que a povoação de
Paio Pelle, hoje completamente extincta e
sem uma casa única, ainda em 1821 era
villa e tinha ruas onde se fazia a grande
feira; a mesma Memoria porem diz que já
n'aquelle tempo era muito importante a po-
voação da Praia.
2240 ZIB
ZIB
Cancorria à dieta feira rauita lã de gado
das cireumvisiDhanças e de terras muito
afastadas;— muito panno de linho das visi-
nhanças e da província do Minho; muitos
relrozeiros e ourives do Porto e de Lisboa,
que faziam por ali escala para a grande fei-
ra de S. João d'Evora, ainda hoje (1889) a
feira de la mais importante que ha em todo
o nosso paiz. Regula os preços da là nacio-
nal e quem marca na dieta feira o preço
da lã, ha mais de 20 annos, é a grande ca-
sa industrial Rainhas, de Gouveia, por ser a
que ali costuma comprar imu lã,~ordiaa-
riamente seis a oito mil arrobas— & sempre
a dinheiro de contadofl...
V. Gouveia e Villa Nova de Tazem n'este
diceionario e no supplemenio.
Extincta a villa de Paio Pelle, a mencio-
nada feira mudou-se para a villa da Bar-
quinha. Ali se faz ainda hoje (1889) e, pos-
to que soffreu bastante com as novas estra-
das e linhas férreas, ainda tem uma certa
importância e abunda em sola e cabedaes
da freguezia de Alcanena, concelho de Tor-
res Novas, onde ha muitas fabricas de cor-
tumes.
V. Alcanena e Zibreira.
ZIBREIRA — aldeia da parochia de S.
Martinho da villa, concelho e comarca de
Cintra.
Temos no nosso paiz mais 3 aldeias, 3
casaes e 1 quinta com o mesmo nome de
Zibreira— Q Zibreira da Fé e Zibreira de Fe
taes, aldeias da freguezia de S. Quintino,
concelho de Arruda, mas não consta que
oflfereçam alguma coisa notável.
Com relação á elymologia de Zibreira,
vide Zebreira n'este volume, pag. 208o,
col. 1.*
Suppomos que Zibreira é modifleação de
zimbreira, synonimo de zimbral, e quer di-
zer matta de zimbro; mas também ó possí-
vel que alguma das povoações, herdades e
quintas, denominadas Zibreira e Zebreira,
tomassem o nome de Zibraria, Zebraria ou
Ezebraria, formula feminina de Ezebrario,
nome de homem nos princípios do see. xi.
V. Portugalioe Monumento, — Diplomata
et Chartae, pag. 145, onde se encontra um
documento do anno 1018. em que Qgura um
homem com o nome de Ezebrario e que foj
grande proprietário ao sul do Vouga.
ZIBREIRA— freguezia do concelho e co-
marca de Torres Novas, districto de Santa-
rém, diocese de Lisboa, província da Es-
tremadura.
Orago— S. Sebastião.
Fogos 152,~habitantes 615.
Em 1712 a Chorogr. Port. apenas disse
que esta parochia era um curato.
Era 1768 era também curato da apresen-
tação do prior de S. Pedro de Torres No-
vas,—rendia 30^000 réis e contava 60 fogos,
segundo se lê no Port. S. e Profano.
Em 18o2 o Flaviense deu-lhe 75 fo^os; o
censo de 1864 deu-lhe 125 fogos -e 445 ha-
bitantes,—e © de 1878 deu-lhe 149 fogos e
579 habitantes.
Demora na estrada de Torres Novas para
Minde e Porto de Mós e dista 7 kiloraetros
de Torres Novas para O. 15 do Entronca-
mento da linha do Norte com a de Leste
para O. lambem; 15 da estação de Torres
Novas para N.O.— -118 de Lisboa— e 249 do
Porto.
Alem da povoação de Zibreira, séde da
freguezia, comprehende a de Almonda, uma
fabrica de papel e os moinhos da Fonte, da
Azenha e do Casal de Feijão.
Fonle de S. Sebastião
Em junho de 1881 dizia o Pombalense:
«Na freguezia da Zibreira, concelho de
Torres Novas, rebentou no mez de junho
uma nascente d'agua, no mesmo sitio pouco
mais ou menos, em que ha muitos tempos,
segundo a tradição, existiu uma fonte de-
nominada de S. Sebastião, que desappare-
eeu ha mais de cem annos, sem d'isso se sa-
ber a causa. Esta noticia é confirmada pelo
testemunho insuspeito d'um parocho d'a-
quella freguezia, no anno de 1753, quando
fez o relatório das curas assombrosas em
varias enfermidades.
«Em 1755 era aquella fonte jà conhecida
pelo nome de— agua milagrosa da fonte dg
S. Sebastião.
«Agora, como jà acima dito fica, appare-
ceu de novo a agua por muitos annos ex-
ZIB
ZÍD • 2241
tineta, e eslá 'chanaaQdo grande afflaencia
de pessoas enfermas, que, umas do conce-
lho, outras de longes terras, alli concorrem
attrahidas pela fama de muitas curas que já
se téem operado.
«Embora sejam exageradas ou assim re-
putadas as virtudes de lai fonte, nós con-
tamos o que acaba de nos ser traosmittido
por pessoa respeitável e de inteiro credito,
«As aguas váo ser analysadas chimica-
menie.»
Producções dominantes: -- vinho, azeite,
cereaes e fructa.
Banha esta paroehia aN. um ribeiro con-
fluente do Alviella,— ramo que vem da ser-
, ra d'Ayre, na altitude de 677 metros, e to-
ca em Torres Novas, onde se junta ao ramo
• principal, que vem da Portella, 13 kil. a N.
de Torres Novas.
Passa na Zibreira a estrada a maeadara
dislrictal n.» 74, da estação de Torres Novas
a Porto de Mós, pela Zibreira, Minde, Alça-
ria, etc. e que dá um ramal da Zibreira
para Alcanêna ò Monsanto, etc.
Na dieta estrada raontou-áe uma linha
férrea americana a vapor, de via reduzida,
que parte da estação de Torres Novas e vae
até Alcanêna, povoação e freguezia impor-
tante e muito industrial, pois tem muitas
fabricas de corturaes de couro, etc.
Foi construicla por umaempreza particu-
lar em 1887 a 1888 e tem as 7 estações se-
guintes:— Torres Novas, junto da estação
dVste nome na linha férrea do norte, — Ria- j
ehos, Torres Novas (villa) Baila Vistí, Ri-
beira Branca, Zibreira e AL'anéoa.
Comprehende 22 kilometros e foi seu
concessionário o barão de Maitosinhos.
As maiores altitudes em voita da povoa-
ção de Zibreira são: - 107. metros (sobre o
nivel do mar) a N.;— 110, a 0.— a i21 a E.i
1 Nada mais podemos adiantar com rela-
ção a esta freguezia, porque o seu reveren-
do parocho, a despeito das nossas reitera-
das instancias,— nsLO se dignou responder-
nos.
\ ZIDO—antigaraente Izeda e talvez paro-
I chia,— hoje simples aldeia da freguezia de
j Villar d' Ossos, concelho e comarca de Vi-
i ahaes, era Traz os Montes.
■ V. Villar d'Ossos, tomo 11.» pag. i253,
I col, 2.»
I ZIDOY— -hoje Sidoi ou Sidões, — aldeia da
j freguezia de S. Thiago de Bougado, conce-
lho de Santo Thyrso.
Nas Dissert. Chronol. de J. P. R. tomo 1.*
pag. 209, se encontra um documento do
sec. XI (era de 108i, anno 1046) no qual se
faz menção da dieta aldeia com o nome de
villa (quinta ou casal) de Zidoy.
No latim bárbaro d'aquel!e tempo era tri-
vial escreverem z em vez de s ou c. No do-
cumento citsdo, por exemplo, se encontra
conzedimus em vez de concedimus,—e Cara-
pezos em vez da Carapeços.
No mesmo documento se menciona a vil-
la Burgalani, que é hoje a aldeia e fregue-
zia de S. Thiago de Burgães, pertencente
como a de S. Thiago de Bougado ao mesmo
concelho de Santo Thyrso; — ambas demo-
ram na margem erquerda do Ave — e são
por consequência muito antigas.
V. Burgães e Bougado.
ZIGAROS~ou zíngaros— ou CIGANOS
—raça de gente vagabunda, que pretende
conhecer o futuro, lendo a biiena dicha pe-
las raias ou linhas da mão. Vive d'este e
d'outros embustes, principalmente de trocas
e baldrocas de cavalgaduras e de cantar e
dançar.
Costumam viver juntos em bairros pró-
prios, teem costumes particulares e uma
giria, espécie de germania, com que se en-
tendem; mas a maior parte vagabundeia pe-
los campos e sertões.
Dizem-se naturaes doEgypto e obrigados
a peregrinar pelo mundo sem domicilio per-
manente, como descendentes dos que não
quizeram agasalhar o Menino Jezus, quan-
do S. José e a Virgem peregrinaraín com
elle pelo Egypto.
Raphael Volaterrano faz menção d'esta
gente e diz que traz a ^ua origem de certos
povos da Pérsia que faziam profissão de ler
I a buena dicha. Outros dizem que os ciga-
! nos vieram de Esclavonia ou de terras con-
2242 ZIG
ZÍG
finantes com a Hungria ou com a Bohemia,
pelo que os francezes os denominaram bo-
hemes ou bohemiens, — bohemios.
O auctor do Diccionario Oriental diz
que foram chamados bohemios, por se uni-
rem com elles no tempo da guerra dos
Hussitas uns fugitivos da Boheíiaia. Moraes
diz que o nome de zingaros vem do italiano
zingari e o de ciganos do allemao ziegeu-
ner.
No orielite foram chamados zingues e zeu'
guis, nomes que leem muita analogia com
o de zingaros ou ciganos.
Certo árabe, auctor do livro Mirrat, diz
que os ciganos procedem em linha recta de
Pharaó e dos sequazes da sua impiedade.
Quando entraram em França foram cha-
mados penanciers ou penitents — penitentes.
Os prineipaes d'elles eram 12, um dos quaes
se denominava duque (em latim dux^)—e
outro conde. Ao todo eram aproximadamen-
te 120; diziam ser naturaes do Egypto infe-
rior e que, por serem christãos, foram ex-
pulsos das suas terras pelos sarracenos; —
que vinham de Roma, onde, depois da con-
fissão dos seus peecados, o pontífice lhes
dera por penitencia andarem 7 annos pelo
mundo sem se deitarem em cama; — e as
ciganas já se entregavam ao mister de ler
a buenadicha, mas o bispo de Paris os ex-
pulsou eexcommungou a quem lhes mos-
trasse as mãos.
Hoje os ciganos são bandos de vadios
de varias nações, descendentes dos que
vieram do Egypto, ou da Núbia, ou daEs-
clavonia, ou da Hungria ou da Bohemia.
Na opinião d'alguns autores a giria ou lín-
gua que faliam resente-se da esclavona.
São muito entendedores de gado cavallar
6 muito astutos nas trocas, compras e ven-
das. Em geral quem negoceia cavalgadu-
j ras com elies fica sempre lesado, ludibria-
do e roubado.
Anecdota interessante
Seja nos licito apontar uma das gentile-
zas dos taes ciganos, que é realmente cu-
riosa e prende com um meu collega que
foi prior de Cambas, então um dos bene-
fleios mais rendosos do bispado da Guar-
da.i
Paliando da dieta parochia e dos seus
priores, diz o sr., D. João Maria Pereira do
Amaral Pimentel, bispo d' Angra, na sua
Memoria da vil la de Qleiros, pag. 264, o se-
guinte:
«Do prior Joaquim Paes Pinheiro, que
' parochiou esta freguezia desde os fins do
ultimo século até 1828, contam-se aneedo-
tas galantes, algumas das quaes vamos re-
latar:— Tinha elle duas bellas mulas, que
costumava vender quando estavão velhas^
e substituil-as por outras novas. Dando-se
este caso, dirigiu -se com as mulas para a
feira de S. João da Guarda, que durava
muitos dias, e logo que a ella chegou as
vendeu, cuidando depois de comprar ou-
tras nas condições em que as pretendia; e
com eífeito, encontrando-as como as dese-
java, as pagou por bom preço montando-se
logo n'uma e o criado na outra, e seguin-
do gostoso para o seu priorado, na per-
suação de que trazia duas bellas mulas
novas. Pelo decurso porem da jornada que
era longa, o criado começou a observar
j que as mulas tinhão os mesmos hábitos das
j antigas, e a desconfiar que fossem as mes-
mas, transformadas; e communicou a sua
desconfiança ao amo, que a levou muito a
mal, Indignado de tal lembrança.
O criado, no entanto, continuava a insis-
tir respeitosamente na sua descontiança,
apresentando os signaes e provas d'ella,
mas debalde; porque o prior repellia sem-
1 D'aqui provem talvez o termo pastoril i V. Cambas, tomo 2.» pag. 51, col. l.*-—
cigano, dado ao carneiro guia. e Zêzere^ rio.
ZIG
ZIG 2243
pre com indignação tal suspeita; argumen-
tando com os dentes curtos, outra pellagem
e muitas differenças' das mulas velhas.
«Para confundir finalmente o criado, pro-
poZ'lhe a seguinte experiência: Costumavão
as mulas velhas pastar soltas em certa pro-
priedade, por onde havião de passar os dois
feirantes, e ião perto da noite reeolher-se
espontaneamente á cavalhariça na povoa-
ção. Propoz pois ò prior ao criado que, em
chegando áquelle sitio se apeassem e dei-
xassem as mulas em liberdade, porque se
fossem ter á cavallariça, evidente ficaria se-
rem as mesmas, mas se não fossem, certo
era serem outras. Com alvoroço aeceitou o
criado a proposta; fez-se como estava pla-
neado, e as mulas, com grande confusão e
desgosto do prior, chegarão a casa primeiro
que o dono.»^
O prior devia ficar fulo contra os taes ci-
ganos, pois era muito enérgico e muito de-
mandista, como diz também o sr. bispo de
Angra nas suas ili/moms:
1 Via menos o tal prior, do que o cego de
Macieira, freguezia do concelho de Sernan-
celhe. Tendo perdido completamente ambos
os olhos com bexigas, aos 4 annos de ida-
de, e vivendo longos annos, costumava criar
cavalgaduras, — frequentava as feiras com-
prando-as, trocando-as, vendendo-as — e
nunca os ciganos o lograram!— Pelo contra-
rio, quem queria uma cavalgadura de con-
fiança, incumbia o tal eego de a escolher.
Também jogava o chincalhão; pelo Jacto
ennaipava e conhecia as cartas — e não se
enganava no jogo. Bastava que lhe disses-
sem a carta que estava na mesa.
Um sobrinho, herdeiro d'elle, e um res-
peitável cavalheiro, seu vizinho, me conta-
ram estas 6 outras anecdotas semelhantes,
que parecem incríveis.
V. Madeira n'e8te diccionario e no sup-
plemento.
Sublinhei o termo ennaipar (separar as
cartas de jogo pela ordem dos naipes) por
que, sendo tão vulgar na nossa lingoa, não
se encontra em diccionario algum portu-
guez.
tEm ouvindo os pastores a gritar aos lo-
bos, porque tinha grandes rebanhos de ga-
do, saia da Egreja, ainda que estivesse re-
vestido (?) a gritar também.
j «Andava quasi sempre envolvido em de-
mandas, e indo hospedar-se em sua casa o
escrivão José Antunes Pinto, a quem ouvi-
mos contar este facto, e dispondo-se o prior
para dizer missa, offereeeu-se-lhe aquelle
para lhe ajudar a ella. José Aniunes Pinto
estava aõ facto de alguns processos em que
tinha parte o prior, talvez por ser escrivão
n'elles, e grande foi a sua confusão quando
pelo decurso da missa o prior, interrompeu -
do-a, se dirigia a elle,— pedindo a sua opi-
nião sobre differentes arrasoados e peças
dos processos, sobre o que discorria, como se
estivesse discutindo a causa em juizo.»
Juízo era o que lhe faltava. Parece que
ainda tinha menos do que o Sancho Pança
que o acompanhou na viagem á feira, pois
foi o primeiro a notar a burla.
Prosigamos.
Os taes zíngaros teem sido expulsos d'al-
gumas nações — e com razão, pois são muito
i perigososl
j «Alguns autores porluguezes— diz Bluteau
j —com grande razão se queixão, de que sendo
os ciganos quasi todos ladroens, salteado-
res, matadores, sem ley, nem temor de Deos,
e ellas ladras, feiticeiras, inquietadoras da
honestidade das mulheres casadas, e das
donzeilas, e tão cruelmente pródigas de san-
gue alheio, que por dous vinténs, ou dous
pães não duvidarão trazer à criada, ou es-
crava, solimão, ou outra peçonha, para ma-
tar a seus senhores, são os ministros tão
descuidados, que não atalham com algum
remédio esta desordem.
«Dizem os zelosos, que poderá isto ter
bom remédio, embarcando-os divididos para
o Brazil (então colónia portugueza) para
Angola, e outras conquistas do reyno; que
assim pouco a pouco sahiria com elles mui-
ta iniquidade. . .— e quando isso não pare-
cesse. . . bom seria fazellos viver dentro das
cidades, repartidos pelo reyno, vedando lhes
2244 ZIG
o uso do irajo, e da lingoagem, e o sair fora
das cidades e villas, e sobre tudo obrigan-
do-08 a offieios com teada sua, ou obreiros
nas alheias, comtanto que não fossem ferrei-
ros, offlcio que só usão, a fim de fazer ga-
zuas, e instrumentos de roubar. . . Já sobre
isto houve leys, e ordenaçoens excelíentes.
mas já S6 não guardão ...»
y.Zigaros e Ciganos no Vocabulário de
Bluteau.
Nas províncias da Beira, Minho e Douro
mal se conhecem, porque são as mais po-
voadas do nosso paiz e mais escabrosas.
N'ellas não podiam tranzitar senão pelas es-
tradas publicas alravez das povoações, o
que de modo algum lhes não convém. No
momento em que apparecessem n'estas pro-
víncias em bandos e com as suas habituaes
gentilezas, os próprios povos lhes dariam
caça como a feras e salteadores— e dlíHeil-
mente escapariam.
Que tentem e verão a sorte que os espe-
rai. . . — Mas não se tentam, porque são fi-
níssimos e mais astutos do que as raposas.
Nós já vimos em Villa do Conde (?) um
pequeno bando dos taes ciganos, compre-
hendendo homens, mulheres e crianças, to-
dos montados e capitaneados por um moço
de bigode, muito sympathico, muito limpo
e vestido á campina. Andavam desnorteados
ou sondando o terreno e não se demoraram.
Ao norte do nosso paiz apenas frequentam
as grandes feiras de Viseu, Guarda, Tranco-
so, Villa Real e Penafiel.
O campo das suas operações em Portu-
gal é a província do Alemtejo, por ser a
mais plana, mais deserta e mais vasta do
nosso paiz— e porque demora na raia e tem
"ligação franca e aberta com a Estremadura
hespanhola, província também muito plana,
muito vasta e mais deserta ainda talvez.
Pode dizer-se que os seus estados na pe-
nínsula são os paramos do Alemtejo e da
Estremadura hespanhola, pelo que faliam
correntemente 3 línguas:— a portngueza, a
hespanhola e a sua própria, cuja origem se
desconhece. É uma giria quesóelles enten-
ZIG
dem e muito difficil de aprender, porque
seria necessário conviver em intimidade
com ,elles— - e tal convivendo é perigosis-
simal
Como são muito astutos, muito intelligen-
tes, muito desconfiados e muito sanguiná-
rios, quando vissem algum estranho nas
suas tendas com animo de devassar os se-
gredos da íroupe — malavara-n'o rapida-
mente.
Ai do profano que tentar seguil-os e con-
viver com elles! Tem os seus dias conta-
dos! . . .
E os taes zíngaros são muito numerosos.
Andam sempre em pequenos bandos, pa-
ra mais facilmente se mobilisarera e oecui-
tarem, mas cobrem todo o Alemtejo e toda
a Estremadura hespanhola,— estão todos de
intelligencia e formam uma espécie de re-
publica á parte com religião, usos e costu-
mes seus e leis próprias muito severasl..
Movem-se quasi sempre de noite e biva-
cam no ermo, onde bem lhes apraz. Quando
o tranzeunte mal imagina, está no meio
d'elle8, exposto a perder a bolsa e a vida.
Ninguém sabe o rumo que elles tomam,
—donde veem, nem para onde vão,— quaes
tribus errantes do deserto.
Somem-se* rapidamente como os perdigo-
tos, quando bera lhes apraz,— e rapidamen-
te 88 juntam nos pontos que os chefes d'an-
te-mão designam, — pontos por vezes muito
distantes, porque são muito valentes, mui-
to vigorosos e cavalleiros desfrissimos : —
andam quasi sempre montados e tiram das
cavalgaduras todo o partido. Desfiguram-
nas completamente,— tornam dóceis as mais
bravas— e para elles não ha cavailos podre»
nem manhosos. Dão vista aos cegos e asas
aos mais pachorrentos.
Os próprios ciganos se transformam e
desfiguram de um momento para o outro.
Hoje são velhos, amanhã são novos; aqui
são moços, criados de lavoura, mendigos ou
pastores, — ali são janotas, morgados e fa-
zendeiros ricos, bem montados e luxuosa-
mente vestidos com anneis, relógios e ca-
deias d'ouro, libras e onças em bardai As-
ZIG
sim se transformara e desfiguràm, por ve-
zes na mesma feira, ~e na mesma feira
transformam e desfiguram as cavalgaduras
que compram, trocam e vendem, chegando
a impingir por bom preço ao vendedor co-
mo novas as cavalgaduras velhas e baratís-
simas que momentos- antes lhe compraram,
como impingiram as mulas ao prior de
Cambasl...
Bivacam e vivem ordinariamente nas
campinas e desertos; susteniam-se dos rou-
bos de cavalgaduras e do dinheiro e jóias
que empalmam com a maior destreza, como
prestidigitadores afamados que são, tanto
elles, como ellas; não possuem casas nem
propriedades, hortas ou campos, mas lá pa-
ra seus fins teem casas de renda em diffe-
rentes povoações.
Nós viraos uma d'essas casa? em Évora e
á porta um dos taes ciganos com aspecto de
salteador, — muito barbado e muito encor-
pado.
Na sua vida nómada, errante, por vezes
balem à porta das herdades, pedindo abri-
go; todos os conhecem e detestam como sal-
teadores, assassinos e bandoleiros, mas to-
dos os tratam bem, com medo de represá-
lias, pois são perigosíssimos, — andam sem-
pre bem armados e providos de veneno — e
eram muito capazes de incendiar qualquer
monte (povoação) ou herdade, — ou de ma-
tar o dono, os criados e cazeiros — ou de
lançar fogo no verão aos pães e ás devezas.
As ciganas, quando novas e solteiras, são
muito vivas, muito sympathieas e muito in-
telligéntes, andam quasi sempre bem vesti-
das e usam adereços d'ouro no pescoço e
nas orelhas,! mas depois de casadas tor-
nam*se aseorosas, immundas.
. 1 Dos laes adereços d'elias tomaram o no-
me de ciganas os brincos ou arrecadas das
nossas mulheres do campo, — e da destreza
d'elles nas trocas e baldroeas de eavalgadu- ■
ras criou-se na lingoa portugueza o epuhe- !
to de ciganos. I
ZIG 2245
Os zíngaros não são chrislãos, nem mou-
ros ou judeus, mas teem uma religião qual-
quer e, segundo o seu rito, casam uns com
os outros e baptisam elles próprios os seus
filhos; costumara porem apresentar as crean-
ças aos paroehos de difTerenteí povoações,
chorando e sollieitapdo o baptismo como
pobres, para o que se apresentam os soidi-
sant paes d'ellas cobertos de andrajos — e
assim os baptisam e recebem esmolas e rou-
pas em muitas freguezias. E' uma burla
como qualquer outra.
Do exposto se vê que os taes zíngaros,
ou ciganos são muito perigosos e para dese-
jar seria que os nossos governos os expul-
sassem ou obrigassem a mudar de vida.
Nenhum serviço prestam á sociedade.
Pelo contrario, são uma corja, uma grande
malta de parasitas, salteadores, assassinos
e vadios, terror e açoute da província alem-
tejana.
Ainda os ciganos
Em carta que agora mesmo recebemos do
nosso bom amigo e cyreneo — Joaquim José
da Rocha /íspawcíf— illustrado filho de Villa
Viçosa e ali prior de S. Bartholomeu, tendo
sido prior de Bencatel,^ diz s. ex.» o se-
guinte:
«Os ciganos vieram da Arábia, segundo
alguns auctores, ou do Egypto, segundo ou-
tros. Em lodo o caso foi do Egypto que al-
ies partiram a vagabundear pela Europa, e
d'ali lhes veiu o nome de guitanos, corru-
pção do easteihauo egitanos, hoje transfor-
mado em ciganos.
Abundam no Alemtejo e na Estremadura
hespanhola--e algum tanto na portugueza.
Não teem chefe politico nem religioso. Em
religião seguem a do paiz, que é a eatholi-
ca, quanto a baptizar os filhos— e mais de
uma vez, segundo é fama, — rasão porque
1 V, Villa Viçosa, tomo pag. 1167,
eol. 2.* in fine, e 1168.
2246 ZIG
ZIG
nós lh'o8 baptizamos sub conditiçne: e isto
com o fim do grangearera compadres em
muitos logares, quasi sempre pessoas abas-
tadas, de quem possam receber agasallio e
esmolas.
•Na rainha freguezia (S. Bartholomeu de
Villa Viçosa) só um tem casa, mas aoda
quasi sempre ausente no negocio de bestas;
e nem elle, nem a mulher e os filhos se con-
fessam. Ao invez a mãe d'elle, viuva, des-
obrigâ-se pontualmente e tenho verificado
que reza muito e está bem instruida no ca-
thecisrao.
fNa freguezia da Conceição (de Villa Vi-
çosa) ha maior numero d'elles, por ser ali a
Villa antiga e ter muitas habitações de alu-
gueres baratos,
• Cá no Alemtejo, onde se encontra maior
numero de ciganos domiciliados é na cida-
de d'Evora, e vivem quasi todos no im-
mundo bairro dos Cogullos.
«A maior parte da ciganagem vagabun-
deia e são muito pesados aos lavradores no
inverno, prineipalraente durante as chuvas.
«As ciganas e ciganos moços são teimo-
síssimos em pedir tudo e custa desenvenci-
lhar d'elles.
<'É frequente entrarem ciganos em rou-
bos de montes (moradas eampestresj— e se
no trajecto das suas caravanas encontram
bestas mal guardadas, roubam-nas e levam -
nas, porque a occupação exclusiva dos ci-
ganos é mercadejar em bestas. As ciganas
também ás vezes vendem chocolate e al-
guns artigos de tendeiros ambulantes, mas
como pretexto para entrarem nas casas e
pedirem esmola, intrujarem e rapinarem,
pois são verdadeiras sangue-sugas!
«Não posso calcular o numero de ciganos
que ha no Alemtejo, mas com certeza são
mais de 10:000?!...
«Geralmente não possuem prédios alguns,
a não ser casas de habitação.
«Quando chamam cigano rico a algum
d'elles, como foi um José Maria, que em
Évora, aproximadamente ém I8^i, passea-
va com o próprio governador civil Guedes
(hoje conde da Costa) e que por ultimo era
probcissimo, a sua riqueza consiste apenas
em bestas de negocio, muito ouro e grande
luxo em vestidos, a seu modo.
«Teem horror á agricultura e a toda a es-
pécie de trabalho agrícola ou industrial.
«A maior parte das bestas que vendem e
compram são velhas e defeituosas, mas im-
píngem-nas por novas e boas, sanando-lhes
as manhas e defeitos — ou eneobrindo-os.
Em regra, quem quer desfazer-se de uma
cavalgadura velha, ou ruim, vende-a aos ci-
ganos, para elles a trapacearem, — e quem
negoceia com elles fica sempre partido no
negocio. Qualquer que seja a transacção ou
troca, elles hão de receber sempre volta em
dinheiro, embora seja pequena.
«Seguem ostensivamente a religião catho-
lica^ baptizam e rebaptizam os filhos e o seu
enterro é catholico, mas nos casamentos di-
vergem. Uns casam catholicamente, com es-
pecialidade em Évora;— outros cazam ciga-
namente. Fazem esponsaes em conselho de
familia ou dos paes e mães d'ambos os es-
posos e n'es3e dia celebram seus festins com
grande algazarra em castelhano, que é a .sua
lingoagem, posto que alguns também faliam
correctamente o portuguez; mas são pou-
cos.
«Quando o casamento é celebrado ciga-
namente, formara um circulo em redor de
uma arvore; — a cigana corre no circulo a
fugir do noivo; elle segue-lhe a pista — e os
cireurastantes clamam: Pilla-la que es tuia\
Pilla-la que es tuia\—e logo que elle a pi-
lha ou agarra, — está feito o casamento!
Comem e bebem do melhor que teem, com
seus bazulaques de chibato ou carneiro, tan-
gem pandeiretas e trancanholas—e dançam
e cantam não menos de tres dias consecu-
tivos.
«Quando morre um cigano cazado, logo
as ciganas vão com uma lhezoura cortar os
cabellos á viuva e põem-lhe na cabeça um
metro de panno cru, em fórma de toalha ou
véo, cosido por baixo da barba.
«Às ciganas são muito leaes a seus ma-
ridos.
ZIG
«Também ellas costumam dar-se kcMro- \
maneia, quando mendigam ou vendem bugi- j
gangas,- lendo a buena dicha, ordinaria-
mente a 10 réis. Assim costumam burlar
principalmente as raparigas novas, adivi-
nhando (?) coisas vulgares, — amores mal
correspondidos, sorte que hão de ter nos
casamentos, ete. ele.
tNão sei se algum cigano sabe ler e es-
crever— nem me consta que mandem os fi-
lhos ás escolas, mesmo porque os ciganos^
embora tenham domicilio legal, como aqui
o meu íreguez Ignacio da Silveira, andam
sempre vagabundeando de terra em terra
com mulher e filhos e mal podem mandat-
os á escola.
«Os nossos governos deviam providenciar \
sobre este assumpto, obrigando todos os ci-
ganos a terem casa assente em uma povoa- !
ção qualquer, onde estivessem matriculados 5
e fossem obrigados a comparecer algumas
vezes no anno. Vivendo como vivem, os fi-
lhos não entram no recenseamento, nem os
ciganos pagam contribuição alguma, a não
ser aqui o dito Ignacio da Silveira, que está
inscripto como eleitor e paga decima de
renda de casas— e não sei se de industria;
mas isto cá no Alemlejo— e rarissimol
tEm geral os dganos vivem âe mendigar,
trapacear e furtar ou roubar.
«São um flagello — e os governos deviam
pôr cobro a isto e livrar-nos de semelhante
praga, obrigando-os a terem todos um do-
micilio registado, sob pena de os mandar
trapacear para as colónias africanas, donde
vieram.
«São quasi todos altos, magros, triguei-
ros e de eabellos compridos e pretos, — uns
egypciosi . . .
«Também quasi todos, tanto os ciganos,
como as ciganas, — são immundos, ascoro-
sos, mas ligeiros de pés e de mãos. .. e el-
las mui sacudidas.»
Ao meu illustrado coUega e
cyreneu alemtejano agradeço
os apontamentos que se di-
gnou enviar-me.
ZIM 2247
ZIMÃO — aldeia comprehendida no foral
que el-rei D. Manoel deu á villa transmon-
tana d' Aguiar da Pena, em 22 de julho de
151o.
V. Aguiar da Pena e Villa Pouca d^A-
guiar.
A mencionada povoação extinguiu- se ou
mudou de nome, pois em todo o distrieto de
\illâ Real e em todo o nosso paiz actual-
mente não ha povoação alguma denomina-
da Zimão.
ZIMBRAL — coutada real importante no
sec. XV.
Na Memoria sobre a população e agricul-
tura de Portugal o sr. L. A. Rebello da Sil-
va (parte I, pag. 169-173) diz o seguinte:
«No governo de Affonso V o domínio
florestal da coroa havia augmentado em al-
guns díâtrictos, e o rei, apaixonado pelos
exercícios venatorios, mostrava-se rigoroso
na punição da caça furtiva e dos roubos de
madeiras e lenhas.
No distrieto de Santarém as coutadas de-
marcadas, aonde era vedado entrar, sob pe-
na da multa de 2i^000 reaes, prisão e de-
gredo por um anno para Arzila, abrangiam
os dilatados bosques desde a foz do Atela
pelas ribeiras do Chouto e de Mugem e pe-
las encostas da serra de Lamarosa até ás
immediações de Coruche, d'onde, rodeando
outra vez os montes de Lamarosa pelas vi-
sinhanças do paul de Magos, vinham acabar
e m Albufeira sobre o Tejo.
Esta ordenação, datada de Santarém a 23
de maio de 1474, foi depois additada com
algumas clausulas explicativas em relação
ao posto dos porcos nos paues e montados
das tapadas, pasto limitado aos mezes de
outubro, novembro e dezembro.
Quem lançava fogo ao mato no termo das
comarcas florestaes de Santarém, Mugem,
Salvaterra e Benavente pagava depois de
preso 1:0U0 reaes da cadeia.
Nas coutadas de Óbidos era vedado tra-
zer bestas soltas nos almarjaes de Áspera,
ou crear na serra porcos a não ser para ce*
2248
ZIM
ZIM
va. Nas pastagens de Valbemfeito não po-
diam entrar cabras, nem em Áspera, assim
como na ilha de Peniche nenhum gado vac-
cum, ou lanígero, nem bestas andarem sol-
tas no almarjal. Na lagoa de Atouguia quem
matasío cysnes pagava 100 reaes por cada
um. . .
Por ultimo a caça de perdizes era tam- [
bem prohibida nas coutadas reaes com pri- |
são, e 109 reaes por cada ave, bem como a
caça de rede, de candeio, de gaiola, ou de
Tara, laço, tecla, ichoo,i ou outro qualquer
ârliQeio.
No paul de Magos o que apanhasse ninho
com ovos de martinetes, ou de outra ave
própria de caça de falcoaria, pagava 50
reaes até 5 ovos, e d'ahi por diante 500
reaes. Na ribeira de Muja, do Porto para
cima, quem pescasse trutas era condemna-
do em 100 reaes até 5 trutas, e sendo mais
em 1.000. Lançando rede de msijoada per-
dia oOO reaes por cada rede, e usando de
anzol 50 reaes até 5 peixes, e 500 reaes de
5 para cima.
Afora as coutadas de Santarém pertenciam
ainda á coroa, as dos olivaes de Alemquer,
da ponte de Pancas, e da Oita na Estrema-
dura.
As de Mira e as Gandras dos arredores
de Aveiro até Sanlâ Maria da Vimieira com
as matas do Casal da Comba, Torres do
Bairro, Jelfa e Lagoa Limpa, a tapada dos '
coelhos e a lagoa de Mira;
As de Óbidos e de Atouguia, compre; hen- !
dendo a Mata Velha, e as do Aveenal, Ri- |
beira Rica, Faldreu, Navalhas, Delgada, Vo- I
de, Arrifes, Valbemfeito, Ameal, Mata Sec- !
ca, Mata da Amoreira, do Formigai, e da I
Cezareda, Mouta Longa, Zimbral, ilha de \
Peniche e Albergaria. i
Ignoramos que essências avultavam a'e3- j
tas coutadas, mas alem dos sobreiros, car- ;
1 Ainda hoje se usam todos estes proces-
sos de caçar.
P. A. Ferreira.
valhos o zambujeiros, a que as leis alludem
é de suppor que entre esses arvoredos figu-
rassemcastanhaes, amieiros, faias, Zimbrei-
ros,i e extensos tratos de pinhal. O cuidado
com que se mandavam guardar as madei-
ras, a multa de 400 reaes por cada pau ti-
rado a bois (quasi lOíííOOO réis da moeda
de hoje) e as penas impostas aos incendiá-
rios mostram que a riqueza florestal eome-
çára a ser apreciada, e de feito o seu em-
prego cada vez era maior, tanto nas eons-
trueções navaes, como nas civis.»
A citada Memoria é toda muito interes-
sante e muito digna de ler-se.
ZIMBRO— afamada quinta do Alto Douro,
hoje ioculta como toda ou quasi toda aquel-
la malfadada região do Port Wtne, que ou-
tr'ora produzia o vinho mais generoso do
mundo e hoje semelha o vai da mortel...
Y. Villarinho dos Freires, Villarinho de
Cotas e Villarinho de S. Romão.
No Douro Illustrado, pag. 109, o sr. vis-
conde de Villa Maior disse o seguinte:
«Volvendo a vista á direita ... o que
priocipalnaente prende a nossa attenção são
as quintas do Zimbro e da Chousa. A pri-
meira, que pertence á casa dos srs. Barros
da Sabrosa, ó um prédio bem situado, pro-
vido de boas oílicinas e casa de habitação,
bera cultivado e cuja produeção se avalia
em mais de 30 pipas de vinho de primeira
classe. »
Antes da invasão philíoxeriea foi a dieta
casa a raais rica de Sabrosa — e uma das
mais ricas do Douro.
Colhia 600 pipas de vinho, quasi todo su-
perior;—actualmente não colhe 50?l . . . Lu-
cta pois com grandes diífieuldades aqaella
^ Dos zimbreiros ou zimbros tomou a
coutada de que nos oeeupamos o nome de
Zimbral — & a elles devem talvez também o
nome as povoações denominadas Zibreira,
Zibreiros, Zimbral, Zimbreira, Zimbreiri-
nlia, ete.
P. A. Ferreira.
ZIN
importante família, que ainda no meiado
d'este seeulo viveu em Londres 9 anoos,
gastando diariamente 14 libras, ou 61^000
réis, afora despezas extraordinárias, — se-
gundo consta.
Alem da quinta do Zmftro possuía outras
muitas e 2 palacetes em Sabrosa, etc. etc.
V. Sabrosa, tomo 8.» pag. 274, col. 2.»—
Casa dos Barros Lobos, n.» 11.
ZINAS— termo frequente no Minho e na
Beira, onde costuma dizer-se : — «Estamos
nas zinas do inverno ; — estamos nas zinas
do verão; isto é,— no rigor do verão ou do
inverno.
Vem do hebraico tzinah, grande frio, ou
do allemão zinne, a parte mais elevada de
um edificío.
O povo também, censurando quem prati-
cou algum disparate, costuma àizer— deu-
lhe na zina para fazer tal proeza . . .
ZINOLHO— joelho, no dialecto mirandez.
ZITA — hoje Sita — nome da santa que
salvou da morte e educou na religião chris-
tã a virgem e martyr Santa Quitéria e suas
8 irmãs.
Santa Sita foi raartyrisada junto de Tho-
mar e no local do martyrio se fundou pos-
teriormente um mosteiro de religiosas fran-
ciscanas.
V. Thomar, vol. 9.» pag. 569, col. l.«— e
Braga, tomo 1.» pag. 442, col. 2.*
Tinha o mencionado convento a invoca-
ção de Santa Sita e com a mesma invoca-
ção ha na freguezia da Asseiceira, do mes-
mo concelho de Thomar, uma Capella muito
antiga, — uma povoação do mesmo nome, —
uma importante feira d'anno e um mercado
mensal.
Uma Memoria anonyma publicada no to-
mo 8." das Memorias da Acad. R. das Sei.
parte II, pag. 43 a 134, fallando da fregue-
zia da Asseiceira, diz entre outras coisas o
seguinte:
«Np pequeno logar de Santa Sita, termo
da Villa da Aceiceira, se faz huma feira an-
nual, chamada Feira de Santa Cita, ou fei-
ra do anno, a qual dura 3 dias; hum gran-
de pinhal próximo ao lugar serve de assen-
to á dieta feira; concorrem a. ella alguns
commerciantes de Thomar, e Abrantes com
ZO 2249
; suas lojas de pannos, e capella; também ha
grande concorrência de cavalgaduras e bois;
todos os povos das visinhançàs vem a esta
feira surtir- se de muitas cousas necessárias
aos seus usos, e commodidades. Igualmente
a esta feira concorrem muitos utensílios de
adegas, como são tonneis, pipas, balseiros,
etc. assim de Ferreira {do Zêzere) como do
termo de Dornes. . .
No mesmo local ha um mercado mensal,
que se verifica no ultimo dia de cada mez,
do qual não passa; o que ali mais concorre
são cavalgaduras, e bois, e alguns tendeiros
volantes, porém isto hede pequena monta.»
Refería se ao anno de 1821.
A dieta Memoria é longa e muito interes-
: saníe com relação á freguezia de Asseiceira
concelho de Thomar ; — Tancos, Paio Pelle
(hoje Praia) Barquinha e Atalaia, concelho
de Villa Nova da Barquinha; — Punhete e
Monl'Alvo, freguezias do concelho de Villa
ISovade Constança;— í{io de Moinhos e Mar-
tinchel, freguezias do concelho d'Abrantes.
No supplementoâ este diceionario extra-
ctaremos a dieta Memoria, — se elle estiver
ainda a nosso cargo.
^ ZÔ--egreja e convento, fundados por um
dos 7 filhos da celebre Maiia Maníella que,
segundo diz a lenda, jazem na matriz de
Chaves em volta d'ella.
V. Chaves, tomo 2.* pag. 28i, col. 2.»
O meu antecessor deu ali ao tal mosteiro
o nome Doso, mas suppomos que se deno-
minava do Zó, pois Faria, na Europa Por-
tngueza, tomo 3.» pag. 217, n.» 111, diz:
«Siete Iglesias fundarom siete hermanos
nacidos de um parto: son ellas. Santa Maria
de Moreyra, S. Locadia, S. Maria de Meres
(Melresf), S.Maria de Calvam, Villar de Per-
dizes, y Monasterio de Zó> Fueron sus pa-
dres Fernando Grallo, y Maria Manieta de
Chaves.»
D'esta sr." Maria Mantela também já nós
fizemos menção no artigo Zêzere (freguezia
1 Faria e Sousa, em vez de 7 indicou ape-
nas 6 egrejas. A 7.»^ segundo a lenda, foi a
de Chaves.
2250 ZOE
ZOI
de Santa Marinha) tomo 11.° pag. 2126, eol.
l.'
Emquanto ao mosteiro de Zó, não sabe -
mos onde estava — nem que freguezia o re-
presenta hoje. Será a freguezia de Zoio,
no concelho de Bragança?
ZOELAS— povos antiquíssimos que habi-
taram as Astúrias e o território de Bra-
gança.
V. Ca^ro d'AveUans, tomo 2* pag. 201,
e Celiobriga no mesmo vol. pag. 230.
ZOILO — celebre grammalico e critico
grego, cujo nome já no tempo de Ovídio
servia para designar os críticos invejosos e
apaixonados, mas nada se sabe ao certo da
vida'd'elle. Uns dizem que nasceu em Am-
plílopolís, outros em Epheso, e que viveu
no sec. IV antes de Christo.
Suidas e Vitruvio, tornando-se eeco d'an-
tigas tradições, contam que as criticas de
Zoilo á Ilíada e á Oiysséa lhe tinham feito
dar o nome de açoute de Homero, — a o ul-
timo pretende que Ptolomeu Pliiladelpho,
rei do Egypto, indignado com aquellas blas-
phemiàs litterarias, mandou crucificar ou
queimar vivo o auetor.
Tudo isto parece pouco provável.
Ê certo haver um rhetorieo chamado Zoi-
lo, que compoz 9 livros de observações cri-
ticas a Homero, um discurso contra Socra'-
tes, uma Historia geral e vários tratados de
grammatiea e de rhetorica, existindo hoje
das suas obras apenas alguns fragmentos
insignificantes.
Nem todos os escriptores antigos tratam
Zoilo tão desfavoravelmente, como os dois
que acima apontamos. Diniz de Halicarnas-
80 apresenta-o como orador e critico esti-
mado em Alhenas e elogia a moderação e
imparcialidade das suas observações ás
obras de Platão,— e Atheneu cita-o como
rhetorieo e grammatico de merecimento.
Até hoje ainda não foi possível conciliar
as encontradas opiniões dos antigos escri-
ptores a respeito de Zoilo, mas o nome
d'elle serve a miúdo para indicar o critico
apaixonado e de má fé, como se vê nos co-
nhecidos versos da satyra— Pena de Talião
—em que Bocage, referindo-se a José Agos-
tinho de Macedo, diz:
Salyras prestam, satyras se estimam
Quando n'ellas Calumnia o fel não verte.
Quando voz de censor, não voz de Zoí7o,
O vicio nota, o mérito gradúa.
Diccion. pop. arí. Zoilo:
ZOINA — do hebreu zonnah, taverneira,
mulher mal comportada, meretriz, deriv. do
verbo zun ou zannah, — prostituir-se por di-
nheiro; — outros dizem que vem do árabe
zaina, meretriz.
Em Portugal, principalmente na Beira e
no Minho, zoina é um nome affrontoso que
as mulheres mal procedidas dão a outras
taes.
ZOIO— freguezia do concelho, comarca,
distncto e diocese de Bragança^ província
de Traz os Moates.
Abbadía. Orago S. Pedro.
Fogos 102,— habitantes 410.
Comprehende 3 povoaç Ses, que já foram
paroehias independentes: — Zoio, séde da
matriz actual, — Refoios e Martim.
O padre Carvalho em 1706 mencionou esta
freguezia com o nome de Ozoyo; deu-lhe
*como orago Nossa Senhora da Trindade, —
disse que estava annexa à abbadia de Ali-
monde— & que tinha de população 60 fogos.
Mencionou também a paroehia de S. Mar-
Unho de Martim, como abbadia independen-
te com 25 fogos,'— e a freguezia de Nossa
Senhora do O' de Refoyos com 22 fogos,^ e
annexa á abbadia de Alimonde.
Do exposto se vê que as 3 mencionadas
freguezias, que hoje constituem a do Zoio,
em 1706 contavam 107 fogos.
O Port. S. e Prof. em 1768 deu Zoío co-
mo simples curato da apresentação do ab-
bade de Alimonde com 55 fogos, tendo como
orago S. Pedro Apostolo e rendendo para o
cura apenas 8Í000 réis, alem do pé d^altar.
O censo de 1864 deu a esta freguezia
(eomprehendendo as 3) — 106 fogos e 493
1 V. Martim, vol. 5.» pag. 101, col.
2 V. Refoyos, lomo 8.<» pag. 97, col. 2.»
ZOI
ZOM 2251
habitantes; — o de 1878 deu-lhe os mesmos
i06 fogos e 475 habitantes — e hoje, segun-
do os apontamentos que recebi da localida-
de, conta 102 fogos e 410 habitantes. Tem
pois diminuído a sua população, o que é
trivial na província de Traz os Montes, no-
meadamente no distrijpto de Bragança, hoje
o mais pobre de Portugal e o mais despro-
vido de melhoramentos públicos, de estra-
das a macadam e de linhas férreas.
Para evitarmos repetições veja-se o art.
Villa Verde, freguezia do concelho de Vi-
nhaes, tomo 11.» pag. 1099, col. 2.»
A povoação do Zoio dista de Bragança 15
kilometros para S. O.; 8 da estrada real a
macadam de Bragança a Villa Real (é a
mais próxima); 60 da estação de Mirandel-
la, a mais próxima, na linha férrea do Tua:
—115 da estação de Foz Tua na linha fér-
rea do Douro,— 255 do Porto— e 592 de
Lisboa.
Producções dominantes: — centeio, trigo,
batatas e castanhas. Também cria bastante
gado lanígero e bovino.
Freguezíâs límiírpphes:— Ouzílhão, Edro-
sa e Cellas, concelho de Vinhaes;— Carraze-
do e Rebordãos, concelho de Bragança.
Templos:- no Zoio a matriz de S. Pedro
e uma capella publica de S. Sebastião:— em
Martim a velha matriz de S. Martinho:— em
Refoios a velha matriz de Nossa Senhora
do Ó ou da Expectação e uma capella par-
ticular na casa da família Ferreiras,— tem-
plos todos muito humildes— e a capella de
S. Sebastião em ruínas.
Festividades religiosas : — Trindade e S
Pedro na matriz, e Santo Antonio, em Mar-
tim.
Edificios brazonados : — na povoação do
Zoio a casa que foi da nobre família Gatos.
No Zoio ha um largo com o nome de
Compaço e duas ruas soffriveis:— Corredou-
ra e Portella. Em Refoios e Martim ha só
casas humildes e ruas insignificantes.
N'esta parochia não ha feiras nem mer-
cados, nem vestígios de fortificações, nem
j minas em exploração ou simplesmente re-
I gistradas.
I Banham esta freguezia o ribeiro da Ca-
j lhelha, que passa junto da povoação do Zoio,
j — e o de Martim, que passa entre a povoa-
ção d'est8 nome e a de Refoios. Ambos nas-
cem no termo d'esta freguezia; a distancia
de 7 kilometros desaguam no ribeiro de
Cellas— e este desagua no Tuella que, uni-
do ao Rabaçal, forma o Tua.
Os 2 mencionados ribeiros não teem pon-
tes nem fabricas; apenas ha 2 moinhos de
cereaes no de Martim.
Foi natural d'e8ta parochia do Zoio Fr.
Caetano de S. José, virtuoso frade grillo
(agostinho descalço) que professou no con-
vento de Setúbal a 23 de janeiro de 1786.
ZOMBARIA.— Temos em Portugal 4 quin-
tas com o nome de Zombaria e todas 3 no
districto de Coimbra:— uma na freguezia de
Covas, concelho de Tábua ; — outra na fre-
guezia de Nogueira do Cravo, concelho de
Oliveira do Hospital,— e outra na freguezia
de Vil de Mattos, cone elho de Coimbra.
V. Vil de Mattos, tomo 11." pag. 661,
col. 2.«
N'esta ultima quinta, hoje pertencente ao
sr. dr. Julio Augusto Henriques, se acouta-
ram ou refugiaram em 1832 os auctores
ou suppostos auctores da queima da pólvo-
ra da Murcella, ou de S. Martinho da Cor-
tiça, alguns dos quaes posteriormente fo-
ram presos e fuzilados em Viseu.
Para evitarmos repetições, veja-se o art.
Viseu, tomo 11.» pag. 1789, col. 2.».
A quinta de Alcarraques, onde aquelles
infelizes se acoutaram também, como disse-
mos no logar citado, pertence à freguezia de
Trouxemil, do mesmo concelho do Coim-
bra.
ZOMBAZOMBANDO— locução popular,—
pouco a pouco, ou por zombar ia.
«Foi-me assim zombazombando
Vencendo por graça, e riso;
Sem nunca me amar de siso,
O siso me foi tirando. »
Dezengano de Francisco Ro-
drigues Lobo, 115.
2252 ZON
ZON
ZONA— termo latioo e portuguez, deri- i
vado do grego. Significava cinio, ciogidou-
ro. Com su&i zonas se cingiam os gregos e
romanos, quando entravam em batalha e
só no fim d'ella depunham a zona, como se
lê na Urania de Heródoto, onde se diz que
Xerxes, fugindo para Athenas, tirara a zona
na cidade de Abdera, como em logar segu-
ro e fóra do aleanee do inimigo.
«Pela cintura apertão uma larga zona.»
Vasconcellos, Noticias do Brazil, 13 1.^ )
Da sua originaria significação de cinto ou
cinta o termo zona se empregou em senti-
do translaío na geometria, na historia na-
tural, ra marinha, na physioa, cirurgia,
anatomia e geographia, ete. etc.
Como este diceionario é também geogra-
phico, fallaremos pois do termo zona, como
termo de geographia.
Deu-se por translação o nome de zonas a
uns cireulos imaginários que, como cintas
cingem o ceu e a terra em differentes dis-
tancias entre os 4 círculos menores paral-
lelos ao equador ou linha equinocial. São
ellas cinco: — duas denominadas frigidas e
comprehendem o espaço desde os poios até
os circules árctico e antárctico, ou cireulos
polares; uma denominada tórrida, que se
' Como este diceionario está prestes a con-
cluir-se e vae ser distribuído em grande es-
cala no Brazil pela nossa importantíssima e
numerosíssima colónia brazileira, seja-nos
licito, a propósito de fallarmos das Noticias
do Brazil, dar e consignar aqui uma nova
muito recente e muito importante com re-
lação àquelle vasto império, que já foi co-
lónia nossa.
Estamos em 22 de novembro de 1889 e
no dia 15 do corrente foi proclamada ali a
republica,— deposto o imperador D. Pedro
II, illustrado e venerando ancião, modelo
dos imperantes— e deportado para a Euro-
pa, — tomando aquelle império o titulo de
Republica dos Estados Unidos do Brazil.
Termina pois este diceionario no mesmo
anno em que terminou a império brazi-
leiro.
estende para uma e outra parte do equador
alé os trópicos de Câncer e Capricórnio;—
e duas temperadas, que comprehendem o
espaço que medeia entre os dictos trópicos
e os circalos polares.
Nas zonas frigidas ha nos 12 mezes do
anno apenas um dia^ comprehendendo a
noite 6 mezes e a claridade os outros 6 me-
zes.
Nas zonas frigidas ha continentes e mon-
I tanhas enormes de gelo, mas são em grande
parte habitadas por homens e differentes ir-
racionaes.
A zona tórrida, assim denominada do
verbo latino torrere, assar, quémar, é a
mais ardente, porque os raios do sol são ali
perpendiculares, e foi outr'ora julgada inha-
bitavel. Tem eíTecli vãmente grandes tratos
de terra seccos, estéreis, nus, por serem ar-
dentiâsimos e faltos de chuvas, de arvoredo,
fontes e rios, taes são grandes espaços da
Elhiopia, da Guiné, da Africa e do Perú,
mas em compensação tem terrenos feracis-
simos, muito abundantes d'agua e de ar-
voredo e muito povoados, taes são o grande
valle do Amazonas na America, — e uma
grande parte da Asia e da Africa.
As duas zonas temperadas comprehendem
j 43 graus de largura (cada uma)— espaço que
medeia entre as zonas tórrida e frigidas;
são as que teera clima e temperatura mais
doce, posto que o seu clima varia muito com
a natureza e exposição do solo, como sueee-
de em Portugal. Na garganta do Douro, por
exemplo, as margens do rio são muito mais
ardentes do que os pontos mais afastados;
—a margem direita ó muito mais ardente
do que a margem esquerda— e, correndo o
Douro no mesmo parallelo, de nascente a
poente, desde a Barca d'Alva até o Porto,
quando o thermomeiro no Porto marca 23
graus á sombra, na Barea d'Alva sobe a 40,
como ainda este anno de 1889 tivemos occa-
sião de notar, quando em fins de julho fo-
mos do Porto a Figueira de Castello Rodri-
go, Villa distante da Barca d* Alva 21 kH.
para S. e do Porto 221 para E. S. E.
O Porto era a zona temperada;— & Barca
d' Alva a zona tórrida, uma fornalha can-
dente! Tremem ali do verão sesões os gatos
ZON
ZON 2253
as gallinhas e os cães;— derrete-se a solda
das vasilhas de lata expostas átisneira;--des-
temperam-se os instrumentos de córte, —
estalam as pedras com o calor— e derreter-
se-hiam, se o Douro não corresse tão perto
e com o seu grande volume d'agua não mo-
diflcasse os raios do sol.
O mesmo suceede nas margens do alto-
Douro, desde a Regoa até á Hespanha, na
zona do Porl-Wine, hoje quasi toda phyllo-
xerada, inculta, mas que produzia outr'ora
o vinho mais generoso do mundo?! . . .
V. Villariça, Villarinho de Cotas, Villa-
rinho dos Freires e Villarinho de S. Romão.
ZON^O — aldeia da freguezia de Cotta,
concelho de Castro d'Ayre desde 1886. ten-
do pertencido outr'ora ao extincto concelho
de Mões, depois ao de Castro d'Ayre e ul-
timamente ao de Viseu.
V. Cota, tomo 2.» pag. 411, col. 1.»
Comprehende esta parochia as aldeias se-
guintes: — Nogueira, Vouguinha, Silvares^
Macieira, Quintãs do Covello do Paiva, San-
guinhedo, Villa d'um Santo e Zonho.
Entre estas ultimas duas aldeias desde
tempo immemorial tem havido grandes de-
sordens, espancamentos, ferimentos e mor-
tes por causa de certos baldios ou terras de
logradouro commum— e era 1857 travou-se
rija demanda entre os dois povos, demanda
que não sabemos como terminou. O Liberal
de Viseu, noticiando-a no seu n." de 13 de
maio d'aquelle anno, dizia o seguinte:
Demanda perigosa
«Os habitantes do Zonho travaram ques-
tão judicial com os de Villa d'um Santo, po-
vos do concelho de Viseu, por causa dos
maninhos limitrophes d'aquellas visinhan-
ças. Tão inflammados se acham os ânimos,
que se receia que passem a vias de facto e
que algum desgraçado pague com a vida as
custas, antes de findar a demanda.
tjá não é o primeiro calvário que por
taes motivos se acha levantado no meio d'a-
quella montanha de urzes, cuja posse tem
sido por vezes questionada á bordoada.
Lembramos portanto à auetoridade compe-
tente que vigie de perto os rixosos, empre-
VOLUMK XI
gando todas as prevenções, para que os ho-
mens não façam asneira; e a sociedade não
tenha a lamentar alguma calamidade.»
Sanguinhedo
Passava n'esta freguezia uma antiga es-
trada de bastante movimento, que seguia de
Viseu por Cota, Villa Cova a Coalheira, alto
de Fragoa«, Tarouca e Britiande, para La-
mego, etc. Tocava na aldeia de Sanguinhe-
do, na qual tinha uma estalagem, onde se
praticaram os maiores excessos : — roubos,
espancamentos, ferimentos e mortes.
A dieta estrada vae ser substituída por
outra a macadam, districtal, n.° 40, de Vi-
seu a Lamego e foz do Távora, por Moi-
menta da Beira, Taboaço, etc. ainda em
construeção,— tarde porém se concluirá,
mesmo porque a antiga ponte de pedra, em
que atravessava o Vouga n'esta freguezia
de Cola, foi derrubada por uma cheia no
mez de novembro de 1888, como dissemos
no art. Vouga, rio, tomo 11.» pag. 1977,
col.
Ficou substituindo a ponte uma barca de
passagem antiquíssima, que no inverno
atravessava o rio, cerca de 1 kilometro a
jusante da ponte, mesmo quando esta fune-
cíonava, por ser muito grande a volta que
dava o caminho da ponte.
A passagem na barca é bastante perigosa
no inverno, pois costuma andar presa a
uma corda feita de vides seccas, enlaçadas
e torcidas, corda que por vezes quebra, co-
mo hs annos quebrou, indo a barca rio
abaixo com muita gente e uma cavalgadu-
ra, mas felizmente salvaram-se todos, posto
que a besta caiu ae rio e com o baloiço da
queda ia tombando a barca. Também um
pouco a jusante d'esta ha umas poldras (al-
pondras) no Vouga, para passagem do rio
no verão, mas o caminho para as dietas pol-
dras ê diabólico I Atravessa ladeiras de me-
donho fragoedo.
Caldas
Em volta de Viseu ha 4 estabelecimentos
thermaes: — Cota, Alcafache, S. Pedro do Sul
e Felgueira.
2254 ZOO
ZOO
Os de Cota e Alcafache^ eslão em grande
abandono e muito mal tratados, pelo que
são pouco frequentados.
O de S. Pedro do Sul, ou da villa do Bo-
n/ío,2 tem um estabelecimento thermal no-
vo, mas ainda incompleto emal administra-
do, pelo que, longe de augmetitar, diminue
a concorrência dos banhistas.
O da Felgueira hoje supplanta-os a todos
3 e a quasí todos os do nosso paiz, pois tem
um estabelecimento thermal esplendido, o
melhor de Portugal talvez, feito nos últimos
annos por capitalistas de Lisboa — e em Lis-
boa se formou uma empreza com o capital
de 100 contos para construir ali também
um grande hotel-cluh, etc.
Alí^m d'Í8so demora a pequena distancia
da estação de Senhorim, na linha da Beira
Aita, o que o torna muito aecessivel, e tem
uma boa estrada nova a macadam para ^
dieta estação.
Tem progredido muito nos últimos annos
e é hoje um dos nossos primeiro» estabele-
cimentos thermaes, muito luxuoso, bem
administrado, bem servido e muito concor-
rido!
V. Val de Madeiros, tomo 10.» pag. 63, ^
eol. 1.»— e note-se que a correspondência |
anonyma, datada de Villa Verde e publica- 1
da pelo meu benemérito antecessor, loc cit.,
foi eseripta por mim, como propaganda em
favor das dietas caldas, que eu então (1881)
visitei.
As pobres caldas, que tanto me compun-
giram, mudaram rapidamente de fond en
comble.
Hurrah pela Felgueiral
ZOOPHORO— do grego zoophoros—lermo
de arehitectura antiga.
Friso ou cornija d'um edifício com mui-
tas figuras de animaes^ como podem ver-se
ainda hoje em alguns edifícios nossos, taes
são as actiquissimas egrejas da Senhora da
Fresta, em Trancoso^ Santa Maria de Mo-
1 Vejam-se os artigos próprios.
2 V. Banho, villa, tomo 1." pag. 3i7, col.
1.»— e Vouzella, villa, tomo 11.*
reira de Rei, no mesmo concelho, e Nossa
Senhora da Assumpção à^i Ventozello, con-
celho do Mogadouro, mas o penúltimo pa-
rocho (Deus lhe perdoei...) oo meiado
d'este século mandou picar e varrer toda
a ornamentação, da de Ventozello, deixando
a cornija completamente nua, como nós a
vimos quando ali passámos no dia 11 de ju-
lho de 1888, em viagem de Bragança para a
Barca d'Alva por Vimioso, Miranda do Dou-
ro, Bemposta, Lagoaça, Freixo de Espada á
Cinta e Poiares.
ZOOPHYTOLITHES-pelrifleação de zoo-
phytos em forma de arbustos.
Não conhecemos no nosso paiz taes pe-
trifícações, mas abundam n'elle outras mui-
tas e consta-nos que no concelho de Pom-
bal se encontra carvão de pedra ainda com
a fórma do primitivo arvoredo.
ZOOTYPOLITHES—pedras que teem im-
pressa DO todo ou em parte a figura de um
animal.
Vem do grego zoon typos, fórma, — e li-
thos, pedra.
ZORIA— port. ant.— palmatória.
ZORRA ou ZORRO— antigamente ,/í)7To-
carrioho archaico de formas singelas, que
ainda hoje nas aldeias se usa para movtr
pedras e cousas pesadas.
É uma forquilha tosca de madeira grossa
com uma travessa na base; a ponta um pou-
co erguida— e n'ella uma argola de ferro,
para tracção feita por bois.
Dizia-se pão de jorro o que carregava um
dos taes carrinhos, denominados zorro, jor-
ro ou ;orrão, e porque os dictos carros se
moviam e movem muito lentamente, deno-
minou-se zorreiro o individuo, besta, carro,
navio, etc. que se move devagar e como ar-
rastando.
«Quem cortar madeira nas dietas matas,
por cada hum paào de jorro pague 400
réis.i
Livro Vermelho de D. Affonso V, n." 28.
Zorro e zorra também significam raposo
e raposa— 6 d'aqui provem o epitheto zorro
dado ao individuo astuto, arteiro como a
raposa.
ZOTE— termo chulo— idiota, ignorante.
Z OUPEIRO— termo beirão— velho ou ve-
ZUG
ZUR 2255
lha, decrépito, que se não pode mover. Vem
do italiano zoppa, mulher coxa, que mal
pôde andar.
ZUCA—termo chulo e afrontoso»
zuca—tem telha ou pancada na mola
— diz-se do homem muito excêntrico e que
parece tonto.
ZUM-ZTJM— termo chulo, mas clássico,—
o zumbir do mosquito.
«Mas lambem vejo os mosquitos,
Tamaninos hum por hum.
Muito vãos de seus esp'ritos;
Não valem nada os malditos,
E andão sempre zwm, zum, zmw.»
Obras métricas de D. Francisco Manoel,
— Çamfonha de Euterpe.
ZUMBAIA— termo chulo entre nós e cor-
tesia profunda, usada na índia. Consiste em
abaixar a cabeça até os joelhof, com os
braços cruzados e a mão direita no chão.—
isto tres vezes, antes que cheguem ao se-
nhor e, chegados a elle, mettem-lhe a cabe-
ça entre as mãos, dando a entender que lh'a
oítereeem.
" Ha lambem na índia zumbaias d'outras
espécies, indicadas por Bluteau no seu Vo-
cabulário.
ZURAME, ZORAME, ÇURAME, CEROME
ou CERROME —do árabe solhame, — capa
branca tecida de lã muito fina, com que os
mouros se cobrem, como nós cobrimos com
os capotes.
«Item, quicumque acceperit. . .» — Em
vulgar:— «Todo aquelle que roubar a oqtro
capa, zurame, pelle ou algum vestido, pa-
gue em dobro o valor do que roubou,»
Leis de D. Affonso Yl—Monarch. Lusit.
tomo iV, Escript. XXVII.
«Cantem por mi XXX Missas pelo meu
Cerome.»
Doe. de Maeeiradão de 1407.
No anno de 1303 D. Sancha de Sangimil,
filha de Gonçalo Eannes, por alcunha Lombo
ã'alhos, deu todos os bens que tinha em
Gondomar ao convento de Alafôes, com a
obrigação d'este lhe dar de dois em dois ân-
uos Saya e Garnacha—è Cerrome de tres
\ em, tres annos de Sacaome:^ e de a mante-
rem á maneira de Dona, e ressão para huma
menina.y>
Doe. de Alafões.
• E pela Festa do Natal primeyra que
vem, huum çurame, e huum pelote d'uum
arraiz, ou d'uma valencina. . .
Doe. d^Alpendorada.
V. Cerome em Viterbo— e Zorame nos
Vestig. da ling. arábica... de Fr. João de
I Souza, pag. 160.
ZURARA— outr'ora. — actualmente Azu-
rara, Villa extincta, hoje simples parochia
do concelho e comarca de Villa do Conde.
V. Azurara, tomo 1." pag. 239.
Aproveitando o ensejo, faremos algumas
j rectificações e addições àquelle artigo.
Esta parochia de Azurara pertence ao
districto do Porto, província do Douro, não
j á do Minho, como disse o men benemérito
antecessor.
1 Em 1675 a Pobl. Gen. de Esp. deu-lhe
200 fogos; em 1706 a Corogr. Port. deu-lhe
SOO fogos; em 1746 o padre Luiz Cardoso
1 no seu Diccion. Geoí/r. dedicou-lhe um hei-
\ lo artigo e deu-lhe 380 fogos; o censo de
I 1864 deu-lhe 260 fogos e 992 habitantes— e
o de 1878 deu lhe 236 fogos e 1103 habi-
tantes.
Não comprehende aldeias, mas somente
a povoação de Azurara, sède da parochia e
da sua veneranda e muito ampla matriz raa-
noelina, muito vistosa e muito vantajosa-
mente situada, mas muito mais singela, do
que a matriz de Villa do Conde, manoelina
tambem.2
Decahiu muito depois que perdeu os fó-
ros de villa e de séde de concelho com jus-
tiças próprias, — bem como o seu convento
! 1 Assim escreveu Viterbo no Elucidário,
i mas João Pedro Ribeiro diz que no original
! Sacaome, é Santaome (St. Omer).
I 2 V. Villa do Conde, tomo 11.» pag. 624,
' col.
2256 ZUR
ZUR
de frades capuchos, a sua Misericórdia,
hospital, etc.
Também soEfreu muito com o açoriamen-
to do Ave, que foi um porto de mar de bas-
tante movimento e hoje está reduzido a
uma patameira,— grande foco de infecção, —
principalmente na margem esquerda, do la-
do da pobre Azurara. A margem opposta,
ou do lado de Villa do Conde, tem um bom
muro, que se prolonga desde a villa até o
mar e que prejudicou bastante a margem
esquerda, porque o Ave nas enchentes, não
podendo avançar para o norte, pende para
o sul, destroe e arrasa os campos e trans-
forma-os em pântanos. Para desejar seria
pois que fizessem do lado sul outro muro
parallelo ao do norte, eanalisando o Ave, o
que melhoraria consideravelmente a foz
d'este rio e o porto de Villa do Conde.
Era uma obra muito importante para
Villa do Conde e Azurara, mas quando se
fará ella? — Tarde ou nunca, pois assim co-
mo Azurara absorveu toda a importância da
antiquíssima paroehia de Arvore, da qual
foi uma simples aldeia, Villa do Conde
absorveu toda a importância de Azurara —
e hoje . a Povoa de Varzim está absorvendo
toda a importância de Villa de Condel...
Pelo recenseamento de 1878 esta ultima
villa contava 1135 fogos e 4963 habitantes;
—a Povoa de Varzim contava 2706 fogos e
11:004 habitantes— e hoje deve contar cer-
cado 3:600 fogos e 14:000 habitantes, pois
tem prosperado e está prosperando muito.
E'uma das nossas praias de banhos mais
Concorridas, iacomparavelmeote mais con-
corrida do que a da Villa do Conde, — Um
muito commercio, — pescarias soberbas — e
uma bella enseada para os seus barcos de
pesca, enseada que nos últimos annos me-
lhorou muito com as obras mandadas fazer
pelo governo, prolongando o molhe ou mu-
ro do norte e mandando quebrar muitas pe-
dras,— e no momento o nosso governo, de-
pois de annullar o primeiro concurso para
conclusão das obras da dieta enseada, abriu
novo concurso, que termina em 24 de ja- '
neiro do anuo próximo futuro de 1890, sen-
do a base da licitação — 264:876^000 réis.
Sendo a Povoa de Varzim já hoje uma
das maiores villas de Portugal, mais popu-
losa do que muitas das nossas cidades, nun-
ca teve tanta vida nem tão auspicioso futu-
ro;—promette ir longe — e em breve será
elevada também á cathegoria de cidadel . . .
Villa do Conde ainda tem certa vida, bons
edifícios, grandes feiras e mercados, etc. e
nos últimos annos dois beneméritos filhos
seus, — o dr. Bento de Freitas Soares, já
fallecido, e o sr. dr. Julio Graça, que ainda
vive, — como bons patriotas e bons médicos^
empenharam se em debellar a aneuiia que
a tolhe e (honra lhes seja!) muito consegui-
ram.
Dotaram -na com bastantes melhoramen-
tos nas suas estradas e. ruas, na sua praia
de banhos, etc. e no momento, a 26 de no-
vembro do corrente anno de 1889, o gover-
no adjudicou á Empreza industrial por-
tuense a construcção de uma ponte sobre o
Ave, entre Villa do Conde e Azurara, por
57:800í000 réis, em substituição da ponte
de pau, que estava substituindo a ponte de
pedra, mandada fazer por D. Francisco
d'Alaiada.2
Também está em construcção uma bella
estrada-rua, denominada Avenida Julio Gra-
ça, desde a estação de Villa do Conde na
linha férrea da Povoa, até á villa,— e consta
que o governo vae prolongar aquella formo-
sa avenida até o mar.
Villa do Conde lucra muito com estes e
outros melhoramentos, mas não pôde luetar
com a sua tão populosa e tão próxima vi-
sinha, pois dista pouco mais de 1 kilome-
tro da Povoa de Varzim, da qual é ura ar-
rabalde e em praso não muito longe será
1 O 1.» foi deputado ás cortes e afamado
clinico — e o 2.» é também deputado e clini-
co afamado.
2 V. Villa do diOnde, tomo li.» pag. 692,
col. 2.»
ZUR
ZUH 2257
um interessante e pittoresco bairro da ci-
dade da Povoai . . .
As casas da extremidade N. de Villa do
Conde e as da extremidade S. da Povoa de
Varzim quasi se tocam já hoje e, se não fo-
ra a grande rivalidade das doas povoações,
em breve se confundiriam e formariam uma
das nossas mais populosas e mais formosas
cidades, mesmo porque entre as duas villas
não ha montes nem rios que as separem. O
chão intermédio ê quasi plano, todo arável
e muito saudável,— enchuto, alegre e visto-
so. Presta-se admiravelmente para casas de
cámpo e de recreio e para toda a sorte de
construeções;— as duas villas já estão liga-
das por uma formosa estrada real a maca-
dam, servida por uma linha férrea america-
na—e cortada a meio de nascente a poente
por outra estrada a macadam;— e a Povoa de
Varzim não tem feiras, mas só um pequeno
mercado. As suas feiras são as de Villa do
Conde.
Fazemos pois ardentes votos por que as
duas villas se unam e formem a grande ci-
dade.
Rectificações
No artigo Azurara disse o meu benemé-
rito antecessor:
«No começo do século xii, era (a villa de
Azurara) povoação muito importante, pois
que o conde D. Henrique e sua mulher a
rainha D. Thereza a fizeram villa e lhe de-
ram foral, em 1102 (ou 1107) que D. AÉTon-
so II confirmou em Santarém, no 1.» de fe-
vereiro de 1213.
«Na ?oblacion Gen. de Hesp., diz- se que
o conde D. Henrique lhe deu foral em
llll.«
Claudicaram n'este ponto Rodrigo Men.
des da Silva e o meu benemérito ante-
cessor, porque o foral do conde D Henrique
e da rainha D. Thereza, com data de 1102,
não pertence a esta Azurara, mas á da Bei-
ra, hoje Mangualde, como logo provaremos
evidentemente, quando fallarmos da dieta
Zurara ; — e o conde D. Henrique não deu
outro foral a esta Azurara de Villa do Con-
de nem a povoação alguma do nosso paiz^
alem de Azurara da Beira, desde o anno de
1096, data do foral de Constantim de Pa-
noias, até o anno de 1 108, data do foral de
Tentúgal, como se vê do Portugália Monu-
menta, onde se encontram na sua integra e
por ordem chonologica todos os foraes ve-
lhos, existente na Torre do Tombo, desde o
anno de 1055 até o anno de 1277 — mais 3
foraes velhos sem data, concedidos por D.
Afifonso III a Loulé, Faro e Tavira.
Também pertence a Zurara ou Azurara
da Beira, o foral que D. Manoel deu á villa
d'este nome em 2ê de março de 1514, — se-
gundo se vê da Memoria de Franklin, pois
ainda não podemos lobrigal-o.
Custa a crer que a villa de Azurara de
Villa do Conde, sendo tão antiga e outr'ora
tão importante, visitada e muito beneficiada
por el-rei D. Manoel, não tivesse foral ve-
lho nem novo, sendo D. Manoel tão pródigo
em conceder foraes, mesmo a villas, aldeias
quintas e terras insignificantes.
Talvez se perdesse, como se perderam ou-
tros muitos, posto que era costume passar
3 exemplares: — um para o real archivo ou
para a Torre do Tombo, — outro para a ca-
mará da villa — e outro para o senhor da
terra.
Templos
O meu antecessor, depois de dizer que a
esplendida matriz d'Azurara de Villa do
Conde foi mandada fazer por D. Manoel em
1498, diz: >a egreja primitiva ainda é a
actual.»
Também claudicou n'este ponto.
A matriz actual não é a primitiva, mas a
que D. Manoel mandou fazer em substitui-
ção da primitiva que, segundo se lê no bai-
lo artigo ^zMram do padre Luiz Cardoso,
era uma ermida ou egreja com o titulo de
Nossa Senhora da Apresentação ou Senho-
ra das Neves, pelo que a egreja de D. Ma-
noel tomou o titulo de Santa Maria a iVowa,
para se distinguir da antiquíssima
de Nossa Seuhora das Neves*-^ diz o padre
Luiz Cardoso — e em seguida descreve o
templo actual muito minuciosamente, bem
como todos os outros templos que esta fre-
guezia contava em 1747 e que eram os se-
guintes;
2258 ZUR
%'=Egreja da Misericórdia, na raa do
Espirito Santo.
3" — Egreja do convento dos capuchos,
com o titulo de Nossa Senhora dos Anjos.
A dieta egreja, depois da extincçao das
ordens religiosas, foi conservada pela Or-
dem 5." que os frades erigiram em 1728.
Ainda hoje é muilo numerosa e faz lodosos
annos com grande apparato e grande con-
corrência de fieis a procissão de cinza.^
Hoje no extincto convento está um coUe-
gio de meninas, montado recentemente e
dirigido por umas piedosas sentioras.
4. » — Capella de Nossa Senhora das Neves,
ao sul de Azurara e junto da aldeia da
Granja.
E' antiquíssima e jà se venerava com
grande concurso de fieis no dia 5 d'agosto,
antes da invasão dos mouros, como diz Fa-
ria e Souza na Europa Porlugueza, tomo
3.» cap. 2.» pag. 231. n.» 60.
A dieta romagem determinou a creação
d'uma feira franca muito importante, no
mesmo dia.
Talvez que a dieta capella fosse a primi-
tiva egreja d'Azuraral . . .
5. "— Capella do Espirito Santo, na rua
que tomou â'éila o nome.
Era e não sabemos se ainda é coroada de
ameias e dizem ter sido casa do marquez de
Villa Real, antigo senhor d'esta villa.
Ainda em 1747 se via em um armazém
junto do Ave, esculpido o aleo, ou pau de
zambugeiro, emblema dos dictos marque-
ze8.2
Na dicia capella se festejava pomposa-
mente o Espírito Santo e acompanhava a
procissão um irmão lavrador, vestido de
1 E' a 1.» de Azurara, mas a procissão
de cinza, de Villa do Conde, é muito mais
apparatosa, muito mais concorrida e uma
das primeiras da província.
A ella concorrem centenares de pessoas
do Porto, porque a linha de ferro da Povoa
estabelece sempre n'esse dia comboios a
preços reduzidos.
2 V. Villa Real de Traz os Montes, tomo
11.* pag. 952, col. 2." n.» 7.
ZUR
imperador, com seus pagens, que lhe leva-
vam o estoque, sceptro e coroa, indo na
frente um estandarte com as armas reaes.
Capella de Nossa Senhora da Con*
Ceição, por detraz da rua do Corpo Santo,
para o lado do mar.
7. '— Capella do Corpo Santo, ou de S. Pe-
dro Gonçalves Telmo.
Demorava e demora a N. E. da villa, em
um planalto espaçoso e muilo vistoso, so-
branceiro ao Ave, e foi sempre muito que-
rida dos navegantes e muilo festejada por
elles.
8. ' — Capella de S. Sebastião, no fim da
rua a que deu nome e em terreno lambem
muito vistoso, donde se gosa um vasto e
lindo panorama sobre a terra e sobre o
mar.
9. ^— Capella de Sant^Anna, em ura peque-
no monte a E. da villa, com 4 altares, etc,
ele.
Funccionarios públicos
Esta villa leve outr'ora ouvidor annual,
que era lambem juiz da egreja, dos orphãos
e direitos reaes —2 almolaceis, 4 quadrilhei-
ros e 1 meirinho, lodos eleitos pelo pi»vo,
mas prestavam juramento na camará do
Porto.
Tinha mais 3 escrivães, sendo l dos or-
phãos e do publico— e 2 só do publico e ju-
ditíial,-~6 homens eleitos para o governo da
Villa e 6 para o lançamento da cisa, ele.
Pessoas notáveis
Produziu muitas esta villa, mas occorrem-
I nos apenas as seguintes:
j —Gomes Eannes d' Azurara, mencionado
pelo meu antecessor.^
—Filippa de S. Francisco, religiosa de
I Santa Clara de Villa do Conde.
Morreu com opinião de santidade em
1591.
1 Ha divergência com relação á naturali'
dade doeste afamado chronisia.
' V. Zurara da Beira, infra.
ZUR
ZUR 2259
— Victoria dos Santos, religiosa do mes- \
mo convento, no qual iDstituiu a festa dos i
Sagrados Espinhos dç Christo. j
Passados muitos annos depois que falle- j
ceu, acharam incorrupto o corpo d'e8ta pie- |
dosa freira. I
— D. João, cónego regular de Santo Agos-
tinho.
Foi muito virtuoso e falleeeu em Grijó no
ànno de 1715,
— Fr. Antonio dos Reis, 11.° geral de S.
Bento, cujo cargo oceupou 3 vezes.
Morreu em Tibães com opinião de vir-
tude.
—Padre Antonio Moreira.
Passados 40 annos depois do seu falleci-
mento, encontrou-se o cadáver incorrupto
e as vestes sacerdotaes que o envolviam.
— Fr. José da Trindade, da ordem de S.
Domingos.
Falleeeu no convento de Vianna em 1742
e foi virtuosíssimo.
— Um bispo eleito de Malaca, religioso de
S. Bento.
Era da família Maeiros d'e8ta villa, mas
ignora-se o nome.
— Um arcebispo da Bahia, cujo nome se
ignora também.
— O dr. João Carneiro de Moraes, ehan-
celier mor do reino.
— O dr — filho do antecedente.
Foi lente na Universidade de Coimbra.
— Fr. Manoel da Silveira, religioso de S.
Domingos.
Foi dr. em theologia pela mesma Univer-
sidade.
— Pedro Nunes da Costa, freire e commen-
dador de Malta.
•^Manoel Lopes Negrão.
Foi capitão de mar e guerra.
— Manoel Correia da Rocha.
Foi também capitão de mar e guerra.
Os viscondes de Azurara
não eram filhos d'esta villa.
O 1." visconde, João Anto-
nio Salter de Mendonça, que
foi dono do palácio do Freixo
no Porto, e da grande quinta j
da Aveleira, na freguesia de '
Távora, concelho de Taboaço,*
etc, etc, nasceu na villa de
Goyanna, império do Brazil.
ETIMOLOGIAS
Este tópico é muito nebuloso, porque é
muito diflBcil apurar com firmeza a eiymo-
logia da maior parle das terras do nosso
paiz, pois muitas tomaram o nome dos ro-
manos ,— outras dos godos e visigodos,—
outras dos árabes e musarabes, — outras dos
leoneses e portuguezes, como ainda hoje es-
tão tomando o nome dos seus fundadores e
possuidores muita!» herdades e quÍQtas,que
podem vir a ser grandes povoações no fu-
turo.
Simples granjas, herdades e quintas fo-
ram nueleo de muitas das nossas actuaes
povoações e d'outras que desappareceram
com a voragem das guerras* do tempo e das
epidemias, como podem desapparecer as
povoações actuaes.
Cora relação a esta villa Azurara disse
o Padre Luiz Cardoso que o nome d'ella se
deriva de azul ara, pedra d'ara de cor azul,
que estava (?) na primitiva egreja.
O meu antecessor perfilhou a mesma
ideia, mas inclinou se a crer que a dieta pe-
dra azul não era uma simples pedra d'ara^
mas algum dolmen, cuja pedra fosse azul
ou azulada.
Não estamos d'accordo, porque não res-
ta memoria alguma da egreja primitiva,
1 Aquella grande quinta foi dos Tavoras
(bem como o palácio do Freixo), depois
passou para a coroa; d'esta para o SaUer
de Mendonça, i." visconde à^Azurara; da
familia d'este para o juiz da relação do Por-
to Joaquim Machado Ferreira Brandão, que
a arrematou em praça publica; d'este pas-
sou para o seu cunhado Sebastião Pinto
Moreira, de Massarellos, no Porto,— e d'esle,
por compra, para o sr. Adriano d'Azevedo
Pinto Mesquita, de Riodades, seu actual pos-
suidor, filho de Alexandre d'Azevedo Mene-
zes Pimentel.
V. Riodades, Freixo (quinta do) e Távora
n'este diccionario e no supplemento.
2260 ZUR
ZUR
nem da sua pedra d'ara, nem do fantástico
dolmen ou anta, nem mesmo na onomásti-
ca. Alêm d'i88o Azurara da Beira deve ter a
mesma etymologia e custa-nos crer em dol-
mens de cor azul nas provincias do Douro
e da Beira, nas quaes a pedra dominante é
o granito, alem de que os dolmens contam
milhares d'anno3 e estão lodos cobertos de
licliens^ que os tornam escuros.
Tentemos pois outra etymologia.
Todos concordam em que Azurara de
Villa do Conde foi uma simples aldeia ou
povoação de Arvore, parocbia antiquíssima,
que muito provavelmente tomou o nome —
não de uma arvore qualquer, embora gi-
gantea, mas de Albura, nome romano, como
se vê da Revista Archeologica do sr. Anto-
nio Cardoso Borges de Figueiredo (tomo 3.»
pag. ISS), onde se encontra a inscripção
seguinte:^
D. M. S.
q. cadi fbontonis
ann. xxv. bomae. de.
fvngti. reliqviae. h. s. s.
cadia tvsca. an. xxx. h. s. e.
m, cadivs. rvfvs. lkems
optvmis. piissimis. posvit
Cornelia. Frontonis. f
ANN. XXIII. ALBVRA. mater
Frontonis. et. Tvscae. h. s. e
Cadivs. Rvfvs. vxori
OPTVMAE. V. T. l:::::
Em vulgar : — «Aos deoses manes. Aqui
descaoçam os restos mortaes de Quinto Ca-
dia Frontão, falleeido em Roma (?) aos 25
annos de idade. Aqui jaz lambem Gadia
Tusca, de 30 annos.
* Eslà embutida na parede interior do
pateo do castello á'Almourol.
V. Almourol, tomo 1.» pag. 154, col. 2.» —
e Zêzere, villa, tomo pag. 2232, col. 1.»
e aegg.
j M. Cadio Rufo erigiu este monuniento
aos seus óptimos e piedosíssimos filhos.
Aqui jaz lambem Cornelia, de 23 annos
de idade, fllha de Frontão, e Alhura, mãe
de Frontão e Tusca.
Cadio Rufo dedica este monumento á sua
óptima esposa.
A terra vos seja leve.»
«Esta curiosa inscripção — diz o sr. Fi-
gueiredo— ministra-nos os nomes de diver-
sos membros d'uma familia, e consta de
duas partes distinctas. A primeira parte
consiste na memoria posta por M. Cadio
Rufo a seu filho Quinto Frontão e a sua fi-
lha Tusca;— a 2.* parte, com muita proba-
bilidade gravada algum tempo depois, é a
memoria feita pelo mesmo M. Cadio Rufo a
sua neta Cornelia, filha de Frontão, e a sua
mulher Albura.
«Todos os nomes que se leem n'esta ins-
cripção são já conhecidos, embora pouco
vulgares quasi lodos ha península, D'entre
elles são raros Cadio. . . e Albura. . .
«A orthographia, assim como a forma da
escriptura, indicam pertencer o monumen-
to aos fins do I século.»
Do exposto se vê que Albura no tempo
dos romanos foi nome de mulher, embora
raro, como diz o sr. Antonio Cardoso Bor-
ges de Figueiredo. — Foi lambem nome de
homem entre os godos e musarabes, pois ,4/-
bura assignou como testemunha um doe, do
sec, 10.» anno 973.
V. Portug. Monum.—Diplom. et Chartae,
pag. 70.
Temos lambem uma aldeia e uma fregue-
zia com o nome à'Alvora; duas aldeias e
um casal com o nome de Alvura; uma al-
deia com o nome de Alvre, — e lodos estes
nomes provieram talvez de Albura, nome de
homem e de mulher no tempo dos romanos,
godos, árabes e musarabes.
Também suppomos que Alvaro é modifi-
cação de Alburo, formula masculina á^Albu-
ZUR
ZUR 2261
ra ou Alvura, — e talvez que de Alburo pro-
venha o nome da villa de Alvor, outr'ora
Albor, como escreve Rodrigo Mendes da
Silva na Poblacion gen. de Espana, fl. 135,
V., — e como escreveram sempre e escrevem
ainda hoje os hespanhoes.
O nome Albura, depois Alvura, rareou e
extinguiu- se, mas prevaleceu até hoje o de
Alvaro e d'elle tomaram o nome differentes
povoa çõe?, herdades e quintas nossas, de-
nominadas Alvaro, bem como as povoações,
herdades e quintas de Alvares, Alvarim e
Alvariz, cujos nomes são patronímicos á" Al-
varo.
Foi também nome godo ou musarabe An-
sur,i — e talvez que esta freguezia, outr'ora
simples granja ou quinta de Azurara no
termo da freguezia á'Alvore ou Albura to-
masse o nome de Ansur d'Albura, como
ainda hoje dizemos Ferreirinha da Regoa,
Macedos de Taboaço, Rainhas de Gouveia,
Fonseca do Sanguinhál, C. Relvas da Gole-
gã, Ramalho d'Evora, Paes de Mangualde,
Paes da Pesqueira, Custodio Gil do Casal,
ete. etc.
Talvez que a granja ou quinta de Ansur
d' Albura depois tomasse os nomes de An-
suralbura, Acurara e por ultimo Azurara.
Também pode dizer-se que Azurara to-
mou o nome de Azharv, famoso palácio e
jardim dos reis de Cordova.
V. Marlés^ tomo 1." pag. 473, 475, 481 e
497.
» V. Arouca, tomo 1.» pag. 928= A A =
col. 1." e Figueiredo das Donas, tomo 3.»
pag. 193, col. 2.»
2 Histoire de la domination des Árabes et
des Maures en Espagne et en Portugal, de-
puis iHnvasion de ces peuples jusqu a leur
expulsion définitive; . . . par M. de Marlès —
Paris, 182S, 3.« vol. 8.»
^ É uma obra muito interessante e que
n'este ligeiro esboço etymologico havemos
de citar muitas vezes, porque n'ella se en-
contram muitos árabes e mouros, que figu-
raram na invasão e occupação da península
Talvez que a beileza do sitio e quaesquer
outras circumstancias tentassem os mouros
a dar o nome do jardim dos reis de Cordova
ao pittoresco chão de Azurara de Villa do
Conde e de Azurara da Beira, como nós
denominamos Cintra do Algarve a villa de
Monchique, — Cintra da Beira a villa de
Vouzella — e Portugal todo jardim á beira
mar plantado.
Marlès escreveu Azhara e Azhara (d'aqui
talvez provenha Azere) mas é possível que
o nome árabe fosse um pouco diíFerente,
porque no mesmo tomo 1." pag. 130 (nota)
diz! « — Os árabes desfiguraram horrivel-
mente os nomes hespanhoes e franeezes. . .
tanto das pessoas, como das terras, vilias,
Í'' cidades e províncias, mas pagaram-se bem
os historiadores hespanhoes e franeezes,
pois desfiguraram os nomes árabes de tal
j modo, que por vezes é impossível reconhe-
cel-08.»
Alguém diz que Zurara ou Azurara da
Beira tomou o nome de um mouro chama-
do Zurar ou Zurão\ . . .
V. Zurara, infra, e Sant. Marian. tomo
5.» pag. 162 e 163.
É certo que as povoações convísínhas de
Azurara de Villa do Conde são antíquissí-
e que deram o nome a differentes povoa-
ções nossas, como revelam claramente os no-
mes que ainda hoje conservam.
Também ali se encontram muitos nomes
d'arabes, qne são hoje appellidos nossos,
v. g. Mahamed, Mamede; Zalema, Salema;
Hussein, Ossem e Cem, appellído de Pedro
Cem; Lebun, Lobão; Sad, Sá; Hegiag, Gea-
da; Siqueli, Sequeira; Abdila, Avila; Aiis,
Assis; Neza, Niza; Fehri, Ferrer; Almehdi,
Almeida; Zeray, Saraiva; Gehdi, Guedes;
Ben-Habid, Benevides; Laiti, Leite; Suar,
Soares; Baeza, Beça; Jali, Jalles, etc. etc.
A occupação árabe foi a ultima do nosso
paiz, no qual deixou e se conservam ainda
hoje muitos vestigiosl
É também a historia da invasão e occu-
pação dos árabes e mouros um grande au-
xiliar da nossa historia e da nossa chorogra-
phia, pelo que lamentamos que o nosso go-
verno até hoje não tenha montado cadeiras
de lingua arábica nos lyceus e nas escolas
superiores.
2262 ZUR
ZUR
mas e os nomes de muitas d'ellas recordam
ainda nomes godos, árabes e musarabes.
Oecorrem-nos as seguintes:
— Rendo, aldeia da freguezia de Fajoses,
vem de liando, musarabe que figura em um
doe. do see. IO.»
V. Poríug. Momm.^ pag. 95.
Temos também differences aldeias, casaes
e quintas com os nomes de Rando, Rande,
Randão, Randinho e Randinha, todos pro-
venientes de Rando.
— Bagunte, aldeia, e freguezia do mesmo
concelho de Villa do Conde, foi uma impor-
tante civitas nossa, denominada Bagonti nos
fins do sec. 10.» e princípios do 11."
Vortug. Mon. pag. 69, 134 e 171.
—Formariz, outra aldeia e freguezia do
mesmo concelho, ó patronímico de Froma-
rigo, nome godo, que figura em vários doe.
do sec. 11.0
Portug. Mon. pag. 141, 164 e 168.
-Sabariz, povoação de Macieira, fregue-
zia do mesmo concelho, é patronímico de
Sabarigo ou Savarigo, nome godo, que figu-
ra em um doe. do sec. 10.»
Portug. Mon. pag. 159.
— Souto d' Ayres, aldeia da freguezia de
Malta, no mesmo concelho, vem de Arias,
nome godo ou musarabe no sec. 10.»
Portug. Mon. pag. 73.
— Mindello, freguezia do mesmo concelho
é também povoação muito antiga, pois já
figura em um documento do see. 11.»
Portug. Mon. pag. 160.
— O monte do Crasto e a aldeia do Pa-
drão, pertencentes á freguezia de Santagões
do mesmo concelho, recordam a oecupaçao
romana, pois revelam a existência ali de um
castro e de um marco milliar.
^ Referimo-nos ao Portugaliae Monumen-
ia histórica, livro Diplomata et Chartae—
preciosa collecçáo de documentos que até
bòje estiveram {quasi todos) encerrados e
fechados no sancta sanctorum da Torre do
Tombo.
— Vairão, freguezia do mesmo concelho,
é o nome romano Valerianus.
— Povoa de Varzim talvez provenha de
Wazir, alta dignidade entre os mouros.
No sec. li.' chamava-se Verazini.
Portug. Mon. pag. 172.
—A ver o Mar ou A vel-o Mar, povoação
da freguezia de Amorim, concelho da Povoa
de Varzim, vem de Avomari, que assignou
como testemunha ura doc.no see. 11.° (Por-
tug. Mon. pag. 172) ou de Aben-Vmar, que
figura também como testemunha em um
doe. do anno 1016.
Portug. Mon. pag. 143.
Suppomos que Abumari ou
Abumar é o mesmo que Aben-
Umar, modificação de Ibm,
Aben ou Ben^-Omar, que foi
um mouro muito notável na
invasão da Península.
V. Marlès, tomo 2.» pag. 168-
—Amorim, Terroso e Laundos, aldeias e
parochias do mesmo concelho, são também
muito antigas, pois figuram no mesmo doe.
do sec. 11.» (anno 1033).
Portug. Mon. pag. 172.
—Sandim, aldeia da freguezia de Terroso,
vem de Sandinus, nome godo.
Sandinus assignou como notário um doe.
do sec. 11.» (anno 1045)
Portug. Mon. pag. 309.
No mesmo doe. e em ou-
tros dos sec. 10.0 e il,« se en-
contram testemunhas com o
nome Sendinus, cujo patroní-
mico é Sendim, nome de diffe-
rentes aldeias e freguezias nos-
sas.
Podíamos alongar muito mais esta lista,
1 Iben, Aben ou simplesmente Ben entre
03 mouros significava filho e Beni filhos ou
descendentes. Assim, entre os musarabes,
ou christãos que viviam com os mouros,
Iben,— Egas, hoje Viegas, queria dizer filho
de Egas, e Iben-Ordonis, hoje Bordonhos,
queria dizer filho de Ordonho, etc.
V. Vouzella, villa, tomo 11.» pag. iOlí,
col. 2.* m fine.
ZUR
ZUR 2263
mas não queremos por fórma alguma abu-
sar da paciência dos leitores e dos editores.
ludicamos as paginas das obras citadas,
para que todoe verifiquem os nossos dís/a-
/í«,--querendo.
Alguém zomba d'este pro-
cesso de formar etymologias,
taxando-o de estúpido e retro-
grado,^ mas rira bien qui ri-
ra le demier^l . . .
Viscondes d' Azurara e palácio do Freixo
ÊOQ 1820 foi feito 1.» visconde di' Azurara
^oão Antonio Salter de Mendonça. Casou
com D. Anna Rosa de Noronha Leme Cer-
nache, filha segunda de Vicente de Távora
de Noronha e de D. Anna de Távora de No-
ronha Leme Cernache, senhores da casa da
Fawddma junto ao arco d'e3te nome, que en-
tão existia junto da Sé do Porto, e de muitos
morgados e padroados pertencentes à dita
casa. Não sabemos se este 1.» visconde, que
foi dezembargador do Porto e secretario do
governo de Portugal, possuia em Azurara
bens próprios; crémos porem que sua mu-
lher 08 possuia, pois sabemos que a casa
da Yand'irtia ali linha um morgado e ou-
tros bens. Este visconde não leve filhos
de sua mulher acima dita, mas foi herdeiro
dos seus bens, entre os quaes se compre-
hendia a quinta e palácio do Freixo nas fre-
guezias de Campanhã e Val Bom^ margem
direita do rio Douro, quinta e palácio que
antes pertenciam á dita casa e familia da
Vandôma. De tado foi herdeiro Jorge Salter
de Mendonça, filho natural legitimado do
1.» visconde, deputado da junta do tabaco e
coronel de milicia?, que foi o segundo vis-
conde Azurara e casou em 1839 com D.
Maria Henriqueta Manoel de Saldanha 0]i
veira e Daun, da casa de Pancas. Este se-
gundo visconde em 1850 vendeu a Antonio
» V. Zava, tomo 11.» pag. 2079, col. 2.» e
2080, col. 1.»— e Vouzella no mesmo tomo,
pag. 2012, col. 2.», até pag. 2016, col. 1.'
Affonso Vellado, mais tarde visconde do
Freixo, o palácio d'este nome, de cuja ori-
gem vamos dar noticia, accrescentando o que
ficou dito no terceiro volume d'e8ta obra,
pag. 233.1
Quinta e palácio do Freixo
Nos fins do xvu século era senhor da
quinta do Freixo (ainda não possuia o ma-
gnifico palácio actual) Roque Peres Picão, fi-
dalgo da casa real, homem de grossos eabe-
daes, casado com D. Isabel Freire, irmã do
deão da Sé do Po no (1681) João Freire Antão,
que pela sua parte foi instituidor de um mor-
gado rendoso, do qual, assim como dos bens
do dito Roque e de sua mulher, foi univer-
sal herdeira uma filha única d'estes, D. Mi-
chaella Antónia Freire. Casou esta senhora
com Antonio de Távora Noronha Leme Cer-
nache, filho de Jeronymo de Távora e neto
de Marlim de Távora de Noronha, fidalgo
da casa real, senhor dos direitos reaes de
1 Mau fado tem perseguido e continua a
perseguir este palaciol . . .
Por morte do visconde do Freixo, que^ o
restaurou e gastou com elle mais de 50
contos de réis, passou para a viuva, que vi-
via e continuou a viver em Lisboa, e, pas-
sados ânuos, vendeu o, já muito deteriora-
do, a um allemão Petters, comprehendendo
ioda a quinta.
Na fabrica de saboaria, montada pelo vis-
conde do Freixo na parle N. da quinta, a
pequena distancia do palácio, montou o Pet-
ters uma fabrica de queimar e distillar ce-
reaes e, ardendo a dieta fabnca, vendeu o
! chão e edifleios d'ella a José Maria Rodri-
gues Formigai, que ali montou e conserva
actualmente uma fabrica de moagem de pão.
Ullimamente o mesmo Petters vendeu em
dezembro de 1889 o palácio, jardins e par-
te da cerca a uma companhia, que vae mon-
tar na cerca uma fabrica de queimar pão,
destinando para deposito do pão o pavimen-
to do palácio,- 6 o mesmo Petters tem ven-
dido e está vendendo em lotes o resto da
quinta a differentes companhias para mon-
tagem de differentes fabricas.
*Só o palácio e jardins não se faziam hoje
cora trezentos contos de réis — e a menciona-
da companhia deu por elles apenas dezeno-
ve contosfl . . .
2264 ZUR
ZUR
Távora, da villa de Coja e dos morgados de
Cernache, padroeiro das abbadias de Gezár
e Macieira no bispado do Porto, e da de Loi-
vos da Ribeira, em Baião, e senbor da quin-
ta de Campo Bello em Villa Nova de Gaya.
Foi o dito Antonio de Távora senhor de to-
da a casa de seu avô, com excepção da quin-
ta de Campo Bello, que passou para a fami-
lia Leites, como já dissemos no 6.° volume
d'esta obra a pag. 91 a 94.
Do dito Antonio de Távora e de sua mu-
lher D. Michaella Freire foi filho primogé-
nito e suecessor na sua importante casa
Hieronymo de Távora de Noronha, o qual
nasceu a 20 de novembro de 1690 e abra-
çou o estado ecelesiastico, sendo também
deão da Sé do Porto, como o seu tio-avô.
Sem descendência própria e senhor de
avultados rendimentos que auferia da sua
opulenta casa e da cadeira de deão, estava
nas melhores condições de construir um
palácio sumptuoso que legasse á sua fa-
mília, e perpetuasse o seu nome. Escolheu
para esse fim a sua quinta do Freixo
e conseguiu levar a cabo a obra monu-
mental que ainda hoje se admira e que,
como se vé, data da primeira metade do
XVIII século. O brasão dos Tavoras foi
mandado picar no tempo do Marquez de
Pombal, mas ainda hoje lá se vê em diffe-
rentes sitios, bem como o golphinho emble-
ma heráldico d'esta família.
O palácio do Freixo com outros bens não
vinculados pertenceu a D. Anna Rosa de
Noronha, terceira sobrinha do deão seu fun-
dador; os bens de natureza vincular (mor-
gados 6 padroados) seguiram na linha pri-
mogénita da familia até 1857, data em que,
extincta esta linha, succedeu em todos o
íallecido Alvaro Leite, da casa de S, João
Novo, do Porto, senhor também da casa de
Campo Bello em Villa Nova de Gaya, des-
cendente dos antigos Tavoras e representan-
te da linha immediata á primogénita, como
já dissemos no sexto volume, pag. 92 e
seguintes.
Hoje possue a maior parte d'e8tes víncu-
los a sr." condessa de Campo Bello, sobri-
nha paterna e uma das herdeiras de Alvaro
Leite, representante da sua familia e casa-
da com o sr. dr. Adriano de Paiva de Fa-
ria Leite Brandão, 1.» conde de Campo
Bello.
No sexto volume d'esta obra, loc, cit., já
demos ampla noticia genealógica das fami-
j lias representadas pela actual sr.* condessa
j de Campo Bello, agora, aproveitando a oe-
I casião, daremos também uma noticia genea-
lógica da familia do sr. conde, que é a an-
j tiga familia dos
i
j Patuás Brandões de Braga
i
I Procede esta familia de dois cavalleiros
1 irmãos, naluraes da Normandia, Carlos Bran-
I dão e Fernão Brandão, os quaes se esta-
I beleeeram perto do mosteiro de Grijó, no si-
tio ainda hoje denominado Paços de Bran-
dão, e jazem na egreja do dito convento, on-
de eslá um letreiro latino que indica a sua
sepultura. Do segundo d'estes irmãos foi
sexto neto, do qual começaremos a deduzir
a genealogia d'esta familia, o seguinte:
1. » Fernão Rodrigues Brandão.
Viveu no tempo d'el-Rei D. Pedro I, a
quem serviu, dando-lhe este rei em morga-
do as herdades da Silveira em Montemor-o-
Novo. Casou e teve
2. » Lopo Fernandes Brandão, suecessor
de seu pae. Casou com D. Filippa de Alhay-
de e tiveram
3. " Diogo Lopes Brandão, suecessor do
precedente. Casou com D. Catharina Fer-
nandes d'01iveira, dos Craveiros de Évora,
e teve, além de Luiz Brandão, que foi vea-
dor do duque de Viseu, mais
4. " Fernando Brandão. ^
Succedeu na casa de seus pae», — casou
com D. Isabel de Brito, filha de André Dias
de Beja, e tiveram differentes filhos, dos
quaes foi o primogénito,
5. " Diogo Lopes Brandão, suecessor dos
precedentes. Casou com D. Joanna de Pai-
va, do legitimo tronco dos Paivas, e tive-
ram, entre outros filhos
6. * Diogo de Paiva Brandão, suecessor
dos precedentes. Casou com uma senhora
cujo nome ignoramos e de quem teve único
filho
7. * João Alvares de Paiva, que casou com
ZUR
D. Gatharioa de Souza. Ficando viuvo, abra-
çou o estado eeclesiastieo e acompanhou
para a cidade de Braga o arcebispo D. Dio-
go de Souza, do qual por sua mulher ainda
era parente e d^elle foi capellão e grande
privado. Foi abbade de S. Pedro e teve ou-
tros benefícios. Foi seu filho único
8. » Filippede Paiva Brandão, F. C. R. etc.
Herdou de seu pae todos os bens que o
mesmo possuía oa cidade de Lisboa e na de
Braga e casou n'esta ultima cidade com D.
Anna Mendes da Fonseca, filha de Joanne
Mendes e de sua mulher D. Gatharina da
Fonseca Coutinho, filha de Luiz Gonçalves
Gayo, vereador em Braga em 4534, e de sua
mulher D. Anna Alvares da Fonseca, filha
de Alvaro da FoDseca Goutinho, escudeiro
fidalgo, que da cidade de Lamego foi para a
de Braga. Tiveram entre outros filhos
9. » Diogo de Paiva Brandão, fidalgo da
casa real, herdeiro da casa de seus paes no
campo de S. Thiago e rua do Alcaide em
Braga, capitão de infanteria e sargento-
mór de Braga. Ga^ou n'esta cidade com
D. Prudência Navio de Barros, filha de Am-
brozio Navio, conde Palatino, natural de
Milão, que d'alli viera para Braga recom-
mendado ao arcebísqo primaz pelo núncio
dtí S. Santidade, e de sua mulher D. Magda -
lena de Barros. Tiveram entre outros filhos
10. * Francisco de Paiva Brandão, succes-
sor de seu pae e como elle fidalgo da casa
real e sargento -mór de Braga. Foi verea-
dor; fazia parte do senado bracarense por
oceasião da restauração de 1640— e tomou
grande parte nos festejos que se fizeram em
Braga ao arcebispo D. Rodrigo da Gunha,
como consta da deseripção que existe d'es-
sas fostas. Gasou com D. Maria de Andrade,
filha de Gonçalo Rodrigues Bouro, institui-
dor do morgado de S. Lazaro, de quem tam-
bém descendem, entre outros, os Noronhas
da Prelada, os Jacomes do Avellar, etc.
Além de duas filhas — D. Angelica, que ca-
sou com Francisco Pereira Marinho, d'onde
vem 03 Paivas Marinhos, e D. Francisca, que
casou com o Dr. Miguel de Goimbra de Ma-
cedo 6 Andrade, fidalgo da casa real e des-
embargador no Porto, de quem descendem
illustres famílias, tiveram
ZUR
226Õ
11. " Alexandre de Paiva Brandão, filho
primogénito dos precedentes e seu sueces-
sor nas casa? do campa de S. Thiago e rua
do Alcaide, senhor da casa da Torre do Tojo
e de outros mais beas. Gasou em S. Marti-
nho de Ferreiros, concelho de Lanhoso, com
D. PetroDÍlha Leite Borges, sua parente, fi-
lha de Salvador Leite Borges, da villa de
Chaves, o qual descendia do tronco dos
Leites de Quebrantões e Gaya Pequena e
era o chefe d'uma das prineipaes famílias de
Traz-os-Montes,— e da sua segunda mulher
D. Margarida de Magalhães Machado, des-
cendente dos senhores da Barca e de Entre
Homem e Cavado. Destes nasceu Luiz de
Paiva Brandão, que lhes succedeu na maior
parte da sua casa e de quem foi filha her-
deira D. Luiza de Paiva Leite, que casou
com Manuel Alvaro Pereira de Castro, fidal-
go da casa real, eapitão-mór de Monsão e
senhor da casa de Pias, bem conhecida co-
mo uma das mais illustres do alto Minho.
Foi também filha do dito Alexandre de Pai-
va D. Angelica, que casou com Francisco
d'01iveira de Barros, da cidade de Braga,
senhor da casa e morgado da Barraza. E
além d'outros filhos e filhas religiosos, foi
filho quinto do mesmo Alexandre de Paiva
o seguinte e de sua mulher
12. » Alexandre de Paiva Brandão.
Nasceu em Braga e herdou de seus paes
a casa da rua do Alcaide. Casou na Povoa
de Lanhoso com D. Joanna Pereira da Gos-
ta, senhora da casa e quinta de Pomar, na
freguezia de Thaide, e herdeira presum ptiva
do morgado dos Costas de Lanhoso, por ser
filha e universal herdeira de Jorge da Gos-
ta de Mesquita e de sua mulher D. Sabina
Peixoto de Araujo Alvarenga. Instituiu este
Alexandre de Paiva um vinculo, tomando*
para cabeça d'elle a dita quinta de Pomar,
por escriptura de 13 d'outubro de 1741, ao
qual fizeram depois elle e seus suceessores
diíTerentes accreseentamentos, impondo aos
administradores d'este vinculo a obrigação
de usarem sempre pelo menos dois dos tres
appellidos Paiva, Leite, Chaves.
Foi sua filha D. Angelica Quitéria de Pai-
va, que casou com Rodrigo de Souza Perei-
ra da Silva, fidalgo da casa real e senhor das
2266 ZOR
ZUR
casas de Sestello e Surribas, de quem des- ;
cendem e foram suecessores os viscondes, i
depois condes da Costa, os Azevedos da Bar- j
ca e outros. I
Foi seu filho primogénito (do n* i2.*)
13. "> João Antonio de Paiva Leite Brandão.
Nasceu em Braga a 15 de outubro de i717
e foi fidalgo da casa real, capitão mór de
Pedralva e Arentim, senhor do morgado dos
Paivas Leites de Thaide e da casa da rua
do Alcaide em Braga. Casou na casa da
Lama, freguezia de Fonteareada, concelho
de Lanhoso, com D. Luiza Maria Vaz Viei-
ra, herdeira da dita casa e da de Picos em
Pedralva, e da quinta do Rio em Gondizal-
ves, filha do capitão Luiz Vaz Vieira e de
sua mulher D. Antónia Maria Ferreira. Sue-
cedeu-lbes
14. " Alexandre de Paiva Leite Brandão,
filho primogénito dos precedentes, senhor
de Ioda a casa de seus paes, fidalgo da ca-
sa real, ete. Casou em 1820 com D. Guio-
mar Carolina de Vaseoncellos Alhayde, sua
parente, filha de Antonio Vicente de Sá
Abreu e Vaseoncellos, senhor da casa de S.
Priz na Ponte da Barca, e de sua mulher D.
Aona Joaquina de Azevedo Athayde Mene-
zes. Tiveram
15.0 João de Paiva da Costa Leite Bran-
dão, filho único e seu sueeessor. Nasceu em
Braga a 13 de dezembro de 1820 e ali fal-
leceu a 3 d'agosto de 1857. Casou no Porto
com D. Miquelina Emilia Bibeiro de Faria,
filha de Bento Bibeiro de Faria, moço fidal-
go com exercício no paço, cavalleiro profes-
so da ordem de Christo, ele. Foram os paes
do sr. conde de Campo Bello e de seus dois
irmãos: — João de Paiva de Faria Leite Bran-
dão, bacharel formado em direito,fldalgo da
casa real, administrador do concelho de Bra-
ga e secretario geral do governo civil do
mesmo districto, que ahi falleceu era 12 de
dezembro de 1884 com successão,— e Alva-
ro de Paiva de Faria Leite Brandão, tam.
bem bacharel formado em direito e moço fi-
dalgo com exercício, actual guarda-mór da
relação do Porto, onde vive, casado com
uma filha do fallecído dr. Alberto Moraes
Pinto d'Almeida, dos Moraes de Coimbra, e
tem também successão. Finalmente
16.» Adriano de Paiva de Faria Leite
Brandão, filho segundo de João de Paiva da
Costa Leite Brandão e de sua mulher D. Mi-
quelina de Faria. É o actual 1.» conde de
Campo Bello, par do reino eleito pelo colle-
gio disirietal do Porto em 1887, fidalgo ca-
valleiro da casa real e moço fidalgo com
exercício no paço (por successão), lente ca-
lhedratico da academia polytechnica do Por-
to (1873), doutor na faculdade de phyloso-
phia e bacharel em mathemalica pela uni-
versidade de Coimbra, onde foi sempre pre-
miado, í;OCÍo correspondente da Academia
real das sciencias de Lisboa (1." classe), só-
cio do instituto de Coimbra, m>cío fundador
e perpetuo da sociedade internacional dos
electricistas, de Paris, eleito presidente de
honra da mesma sociedade para o reino de
Portugal, na sessão de 6 de fevereiro de
1884, auctor de differentes obras, memorias
e artigos scientificos, vice-presidenle da
commissão geral da cultura de tabaco no
Douro e membro de outras commissões de
serviço publico. Nasceu em Braga era 22
de abril de 1847, casou em 1871 na cidade
do Porto e reside com sua familia em Vrfla
Nova de Gaya na sua casa de Campo Bello,
como dissemos a pag. 92 do sexto volume
d'esta obra. Tem dois filhos.
O brazão d'arma8 do actual conde de
Campo Bello, o mesmo dos seus antepassa-
dos, é o seguinte: escudo esquartelado; no
l.« quartel as armas dos Paivas: em campo
azul tres flores de liz de ouro, postas em
banda; no segundo as dos Leites, campo es-
quartelado, no 1." e 4." de verde com tres
flores de liz d'ouro em roqueté e no 2.° e d."
de purpura com uma cruz de prata floreada
e vasia do campo; no 3.» quartel as dos
Brandões: em campo azul cinco brandões
accesos de ouro, postos em santor; no 4."
as dos Costas: em campo vermelho seis cos-
tas de prata aflarmadas nos cabos do escudo
e postas em tres faxas. Timbre, o dos Pai-
vas: uma aspa azul carregada de uma flor
de liz de ouro.
A custo podemos obter tão
interessantes noticias dos vis-
condes ^'Aznrara, do grande
zu^
palácio do Freixo e da antiga
e nobilíssima casa de Campo
Bello.
ZURARA (posteriormente Azurara) da
Beira,— hoje Mangualde, ou Mangualde de
Azurara, villa, freguezia, concelho e . co-
marca no districio de Viseu, pro\incia da
Beira Alta.
V. Azurara da Beira, tomo pag. 300,
col. e Mangualde de Azurara, tomo
5," pag. 49, col. l.^ também.
Seja-nos licito fazer algumas rectificações
e addições áquelles dois artigos do meu be-
nemérito antecessor.^
Principiando pelo artigo Azurara da Bei-
ra, note- se que esta Zurara ou Azurara
nunca foi villa, povoação nem freguezia,
mas simplesmente nome do concelho que
hoje se denomina Mangualde. Denominou-
se Zurara e posteriormente Azurara, sem
ter povoação alguma d'este nome, como in
iilo íempore se denominou terra de Panoias
grande parte da província transmontana,
sem ter povoação alguma denominada Pa-
noias,—e depois que D. Diniz deu áquelle
vasto território por séde Villa Real, per-
deu o antigo nome de Panoias e tomou o
de districto de Villa Real,^— como também
o concelho de que no momen to nos occupa-
mos perdeu o nome de Azurara e tomou o
de Mangualde, porque linha a sua séde na
pequena povoação de Mangualde, hoje uma
das villas mais importantes da Beira, como
logo provaremos.
Ainda hoje também os concelhos de Pe-
nalva do Castello, Satam, Rezende, Bamo,
etc. não teem villas nem povoações com taes
nomes— e o mesmo succede a muitas fre-
guezias nossas, taes são n'esta província da
Beira Alta e n'este districto de Viseu — A/-
cafache, Rezende, Barro, Cambres e Penajoia
1 Eu tomei conta d'este diccionario quan-
do já ia em Vianna do Castello, a pag. 412
• do 10.» vol.
Suum cuiquel . -. .
^ Villa Real de Traz os Montes, tomo H.»
pag. 934, col. l.»,-e 939, col. 2.»
ZUR 2267
sendo estas ultimas 4 freguezias muito po-
pulosas e muito importantes— e a primeira
uma estação lhermal bastante concorrida.
Foraes
Por vezes é diffleií saber a que terras per-
tencem os nossos foraes, principalmente os
foraes velhos, porque temos differentes ter-
ras com 08 mesmos nomes, e os foraes não
indicam as províncias nem os districtos a
que pertencem.
Temos, p. ex., 3 foraes velhos de Aguiar,
que se encontram no Portugaliae Monumen-
ta com o simples titulo de Aguiar, havendo
no nosso paiz Aguiar da Beira, Aguiar da
Pena e Aguiar de Souza, pelo que mal po-
dem distinguir se, excepto de Aguiar da
Beira de !2S8, por ter confrontações muito
claras,! em quanto que os outros dois não
teem confrontações algumas.
Também o meu antecessor, guiado por
Franklin, deu á villa de S. Miguel do Jar-
mello, hoje freguezia do concelho da Guar-
da,2 o foral que D. Affcnso Henriques deu
ao Castello e couto de Germanello (Jarmello,
Jermeilo ou antes Germello) em 1140 a
1146, mas pelas confrontações n'elle mar-
cadas, vê-se quo o dicto Germanello não era
o da Guarda, supra. Estava em um monte,
hoje completamente despovoado e ainda de-
nominado Castello^ que demora entre a fre-
guezia do Rabaçal, concelho de Penella, dis-
tricto de Coimbra, e a do Alvorge, concelho
d*Ancião, districto de Leiria. D'elle já Aze-
mos menção, quando fallámos da intéres-
sânte lenda do Mello e Jerumello.
1 V. Vouzella, Tiheira, tomo II.' ma. 1993
col. 2."
No supplemento rectificaremos também o
que o meu antecessor disse dos foraes d'4-
guiar da Beira, Aguiar da Pena e Aguiar de
Sousa; entretanto diremos que Aguiar de
Sousa teve foral velho, dado por Estevam
Rodrigues em Évora (?) á 19 de junho de
1269. Suppomos ser o que se encontra no
Fortug. Mon. pag. 712-715.
2 V. Jermello, lomo 3.» pag- 408, col. 2.»
2268 ZUR
ZUR
V. Zambujal, freguezia do concelho de
Condeixa, tomo 11 » pag. 2067, col. 2.«, — e
Rabaçal, no 2.» supplemento às Noticias de
Penella do sr. commendador e meu bom
amigo Delfim Jesé d'Oíiveira.
O dicto foral pode ver-se no Portug. Mo-
mm. pag. 432. Não tem data, mas pelas ra-
sòes ali expostas cabe-lhe muito bem a da-
ta supra 1140 a 1146.
Também as nossas duas Zuraras teem
confundido os ehorographos, como os leito-
res vão ver.
Paliando de Azurara de Villa do Conde,
o meu antecessor (vol. 1.» pag. 299, col. 2.«)
disse que o conde D. Henrique lhe deu fora I
em 1102 ou 1107 (?) foral que D. Affonso II
confirmou em 1213 (?)— e que a Poblacion
G. de Espana diz que o conde D. Henrique
lhe deu foral em 1111.
Paliando de Azurara da Beira, o meu
antecessor disse também— que D. Diniz lhe
deu foral em 1298 (?);— que Viterbo lhe
consigna um foral de 1112 (?) dado pelo
conde D. Henrique e pela rainha D. There-
zâ, mas que Pranklin não o menciona, — e
que D. Manoel lhe deu foral novo em Lis-
boa, a 26 de março de 1514.
No artigo Mangualde (tomo 5.» pag. 49,
col. 2.») volvendo a fallar de Azurara da
Beira, diz— que o conde D. Henrique lhe
deu foral em 1102 (?)— e que D. Manoel lhe
deu foral novo em 1514.
Tudo isto demanda rectificação.
Nós, como já dissemos no artigo supra,
não temos noticia de foral velho nem novo,
dado a Zurara de Villa do Conde — e dos
foraes velhos de Zurara conhecemos o de D.
Diniz e o do conde D. Henrique e de sua mu-
lher a rainha D. Thereza, com data 1102 (não
de 1107, nem de lUl ou 1112)— foral que
pertence a Zurara da Beira, como se vê
claramente das confrontações n*elle indica-
das.
Logo o daremos na sua integra.
Claudicou pois Rodrigo Mendes da Silva
na Pobl. G. de Espana, alterando a data do
dicto foral e attribuindo-o a Zurara de Vil-
la do Conde.
Elie cita Brandam, I. 8.» cap. 23, mas
Brandão loc. cit. apenas diz que o conde D.
Henrique deu foral a Zurara. Não diz se
era a da Beira, se a de Villa do Conde — e
não lhe assignou data alguma.
Também estranhamos que Rodrigo Men-
des da Silva apenas fizesse menção de Azu-
rara de Villa do Conde e omittisse Azurara
da Beira, sendo muito mais importante esta
ultima.
O padre Carvalho, fallando de Azurara
da Beira, dà-lhe um foral de D. Diniz —
confirmado por D. Manoel, mas não lhes as-
signou datas nem documentou tal asserto.
O padre Luiz Cardoso dedicou um longo
artigo a Zurara de Villa do Conde, mas
disse muito pouco de Zurara da Beira — e
quanto a foraes, apenas repetiu o que ha-
via dicto Carvalhol . . .
José Avelino d' Almeida dedicou a Man-
gualde de Azurara um bello artigo, que o
meu antecessor extractou, mas quanto a fo-
raes deu lhe apenas o de D. Dinizl . . .
A Chorogr. Moderna, seguindo Carvalho
e Avelino, deu-lhe apenas o dicto foral
de D. Diniz, reformado por D. Manoel.
Viterbo no Elucidário apenas menciona
Azurara da Beira nos art. Maladia e Po-
destades, mas no 1.» falia somente e muito
vagamente de foraes velhos, não indicando
algum de Azurara; no 2.» não falia de fo.
raes velhos nem novosl
Não sabemos pois onde Viterbo menciona
o foral de Azurara da Beira, de 1112, cita-
do pelo meu antecessor,— e no Portug. Mo-
num. não se encontra semelhante foral, mas
só o de 1102, indicado por Pranklin nas
suas Memorias, onde se encontra indicado
também o de 1514, dado por D. Manoel.
Na minha humilde opinião todos os fo-
raes de Azurara da Beira, hoje Mangualde,
se reduzem ao de D. Manoel, com data de
1514,— ao de D. Diniz, citado no de D. Ma-
noel.—e ao seguinte:
ZUR
ZUR 2269
Foral áe Í102 confirmado em 1218
«lo nomine dorniai nosiri jhesu chrisU
amen. Ego Comile Henricus. . . »
Em vulgar:
«Em nome de nosso senhor Jesus Chris-
lo. Amen
«Eu o conde D. Henrique e rainha mulher
D. Thereza, filha do rei D. Affonao, damos
cana de foral aos habitantes de lurara que
demoram entre os rios Dão {adon) e Monde-
go;— e entre Penalva (do Casttllo) e a dieia
Zurara está o rio Ryal}
í Do exposto se vé que este foral é evi-
dentemente o do concelho de Mangualde ou
de Azurara da Beira, poi^ demora entre os
rios Dão e Mondego e confina com o conce-
lho de Penalva do Castello.
Claudicaram pois todos quantos disseram
que este foral pertence a Ztirara ou kiura-
ra de Villa do Conde.
O rio Rial ainda hoje conserva o mesmo
nome, e ainda hoje, como em 1102, divide
a N. E. o concelho de Penalva do de Zurara,
mas suppomos que houve erro de copia no
texto do foral que se encontra no Portug.
Monum , pois, indicando as confrontações do
concelho de Zurara, diz que f^stá — «inter
rybulo adon et moniego et inter Pennalva
et issius Zurara et ribulo Ryal. »
O texto assim confunde, poi.-* em vulgar
diz: — tenlre os rios Dão e Mondego e entre
Penalva e a mesma Zurara e o rio Ryal *
Parece que a mente do doador era indi-
car 08 limites do concelho pelos quadran-
tes:— a N. pelo Dão; a S. pelo Mondego; &
E. ou N. E. por Penalva — e a O. ou S, O.
pelo rio Ryal.
Assim o julgámos a principio, ma?, de-
pois de bem estudarmos a topographia lo-
cal, çonvencemo-nos de que a mento do
doador era indicar os limites do concelho
apeo5i8 a N. e S. pelos rios Dão e Mondego^
que ainda boje limitam pelos deus quadran-
tes o concelho de Mangualde,— excepto des-
de a foz do rio Ryal para cima ou para E.
N. E., pois d'ali para cima o Dão deixa de
ser limite de Zurara — e este concelho é li-
mitado pelo rio Ryal. que vem de Villa Co-
va do Covello; — banha na margem direita a
freguezia de Ryal, concelho de Penalva, di
vidindo a da freguezia de Quintella; conee-
Iho de Mongoalde ; — recebe depois o rio
Lodares ou. Cotai (tem ambos os comes)
VOLUIIK XI
«De cada junla de bois (que empregardes
na lavoura) pagareis um moio de pão terça-
do;i de cada boi dois quarteiros de pão ter-
çado lambera; do vinho a decima parte no
lagar; do linho a decima parte no campo;
do veado (de venato) um lombo; do porco
duas costas (sic) — e dos coelhos um pela
morada do caçador (talvez um por dia).
• Se o cavalleiro perder o seu cavallo,
guardem-lhe durante tres ânuos o fôro de
cavalleiro — e poderá vender as suas pro-
priedades livremente, sem ónus aigura, a
quem lhe aprouver.
«O peào poderá vender tambera as suas
propriedades a quem lhe aprouver e só a
deciiia parte ficará obrigada ao foro.
que vem das Chans de Tavares; — unidos os
dous loraam o nome de rio Lamegal — e
morrem na marge.m esquerda do Dão, ten-
do de, curso qualquer d'aquella3 dois rios
10 a 15 kilometros.
Evidentemente o rio Ryal é o que banha
a freguezia de Ryal, que tomou d'elle o
nome, ou v. v. — e o foral deve ler- se assim:
— «inter .rybulo ndon et mondego; — et in-
ter Pennalva et issius Zurara e^t ribulo
Ryal t
Accrescente se pois um 5 ao ultimo et e
está morta a questão.
Haverá erro da copia no Portug. Monum.l
—Que o diga quem poder ver o próprio fo-
ral na Torre do Tombo._
1 Suppomos que o pao terçado D'aquelle
tempo era centeio, cevada e trigo, ou milho
miúdo, porque a introducção do milho
graúdo é muito posterior.
Note- se. também que o moio e o alqueire
então eram muito differentes dos de hoje.
De passagem diremos também que o al-
mude e o alqueire foram muito tempo syno-
nimos. Empregavam-se iudislinetamente co-
mo medidas de seceo e líquidos. Era trivial
dizer-se um almude de pão, um alqueire de
vinho, ete. Ainda hoje ao sul de Portugal se
diz tantos alqueires de vinho ou de azeite,
mas nas províncias do norte o almude era
medida de líquidos e o alqueire medida de
seccos até o meiado d'e8te século, data em
que se decretou o litro como medida ofiBcial
para seccos e líquidos— e o metro para me-
dida linear, em substituição da vara e do
covado.
V. Almude e Modio.
143
2270
ZUR
ZUR
«o cavalleiro fica por este foral exenopto j
de pagar portagem.^ i
«Metade da cifra das pena* ou multas que j
forem julgadas em juiso, será applleada pela |
alma do eoude D. Henrique e da rainha D.
Thereza, sua mulher.
«Quem comprar terras que não forem jm-
gadeiras não fique por isso obrigado a ser-
viço algum, sem que lh'o paguem.
«E por este foral arbitrou o conde D. j
Henrique a pena do couto, des^e o rio Dão '
até o Mondego, era mil e quinhentos mo-
dios (?)
«Todo o homem que entrar violentamen-
te no dieto couto em perseguição de algum
homicida, ou d'algum escravo, ou por outra
qualquer causa, se prender o fugitivo^, pa-
gue o incoutoon pena supra, oucortem-lhe
as mãos, ou tirem-lhe os olhos ..)•
«Quem violar ou leotar infringir este fo
ral— primeiramente seja excommungado,
analhematisado, privado da communhão de \
Christo, condemnado ao inferno com Judas, I
o traidor, e não use Deus da sua infinita
misericórdia no juiso final para com elle.
Amen.
«E lodos os que habitam desde o rio Dão
até o Mondego paguem às justiças de Zura-
ra (ou em Zura7'a) os serviços e foros de- i
vidos.2
j
«E eu o conde D. Henrique e minha mu-
lher a rainha D. Thereza auctorisamos Egas
Moniz, D. Rabaldo e Gonçalo Peres para em
nosso nome e como se presentes fossemos,
receberem dos habitantes de Zurara o de-
vido juramento,
«Era il40 (anno ii02.)
«Testemunhas Li. Gonçalo, bispo de Coim-
bra, qua este foral escreveu (?l...);Egas
Gosendes, lesl.; Paio Soares, test.; D. Af-
fonso, Infante. Eu o conde D. Fernan-
do,' corroboro e auctoriso esle foral, segun-
do o testo supra. Eu o conde D. Pedro o vi,
outorgo e confirmo. E eu D, Vermudo Pe-
res o outorgo e corroboro lambem. »2
Portugal Monum. 1. Foralia, pag. 353.
Confirmação do foral supra
«Ego Alfonsus. ..>— Em vulgar:
«Eu D. AÍTonso II, por graça de Deus
rei de Portugal, com minha mulher a rai-
nha D. Urraca e nossos filhos os infantes
D. Sancho, D. Afionno e D. Leonor, conce-
do e confirmo a vós, habitantes de Zurara o
foral que vos deu o conde D. Henrique,
meu visavô; e para que esta minha conces-
são e confirmação tenham maior valor, man-
dei passar esta carta e timbral-a com o meu
sello de chumbo, a qual foi feita em Santa-
rém no dia 1 de fevereiro da era de 1256
(anno 1218).
Nós supra nomeados, que esta carta man-
dámos fazfT perante os mdividuos abaixo
assignados, a roboramos e assignamos —
+ + +
Dom Mar. Joannes, alferes mor d'el-rei;
D. Pedro Joannes, mordomo do paço; D.
Lourenço Soares, D. Egídio Vasquss, D. João
Fernandes, D. Fernando Fernandes, D. Go-
mes Soares, D. Rodrigo Mendes, D. Poneio
Affonsim e D. Lopes Aftonsim, que estavam
presentes, confirmam.
Testemunhas; — Vicente Mendes, Marti-
nho Peres^ Pedro Peres.
D. Estevam, arcebispo de Braga; D. Mar-
tinho, bispo do Porto; D. Pedro, bispo de
Coimbra; D. Soeiro, bispo de Lisboa; D.
Soeiro, bispo d'Evora; D. Paio, bispo de La-
mego; D. Barlholomeu, bispo visiense, e D»
Martinho, bispo de Idanha, confirmam.
O mestre Paio^ cantor da Só do Porto,
1 El caballario defendat suo poríadigo
cum foro,— áiz o texto.
Talvez que a minha tradaeção não seja
muito exacta!. . .
2 Respondeant ai zurara cum servido et
cum foro— áiz o texto.
' Suppomos ser D. Fernando Peres de
Trava, conde de Traslamara, cora o qual
(segundo alguém suppôe) a rainha D. The-
reza passou a segundas núpcias.
2 Desculpem os lapsos, pois não é faeil
hoje traduzir o latim bárbaro d'aquelle tem-
I po e dos docnmentos d'e8ta ordem.
ZUR
ZUR 2271
tesl.; Pedro Garcia, teat.; Joaaninho, test.;
GoDçalo MeDdes, chanceler do paço; Lou-
renço Martins a escreveu.»
Mais rectificações e addições
O meu benemérito antecessor disse que
esta Villa hoje se denomina Mangualde ou
Mangualde de Azurara da Beira. Assim se
denominou outr'ora, mas hoje ofiBeialmente
denomina -se Mangualde, sem sobrenome,
pois é tão importante, que não se confunde
com Mangualde da Serra, a freguezia mais
pobre e menos populosa do concelho de
•Gouveia, a qual pf-!o ultimo recenseamento
apenas confava 100 fogos e 390 habitantes,
emquanto que a freguezia de Mangualde
em 1708, segundo se lé na Corogr. Port-
contava 460 fogos e i600 habitantes; em
1768, (diz o Port. S. e Prof.) contava 504 fo-
gos; era 1852 o]Flaviense deu-lhe 754 fogos;
o censo de 1864 deu-lhe 917 fogos e 4255
habitantes;— o de 1878 deu-lhe 993 fogos e
4801 habitantes— e hoje (1889) conta cerca
de 1250 e 5400 habitantes.
A sua população tem augmentado muilo
na segunda metade d'e8te século e continua
augraentando por differentes rasões.
Occorrem nos a a seguintes:
1. *— Porque o seu clima é temperado e
muito saudável, pois demora cm chão gra-
nítico, bastante fértil, muito arborisado e
bem agricultado, abundante de excellente
agua potável e de rega e sem visos de pân-
tanos nem lagoas, na linha divisória dos
rios Dão 8 Mondego, em terreno alto e ae-
cidenlado, mas não escarpado, com penden-
te sobre aquelles 2 rios—abrigado a N. pela
serra do Caramulo — e ao sul pela da Estrella.
2. » — Porque n'esta villa e n'este concelho
as mulheres são muito proliflcas. Não é ra-
ro terem 11 a 15 fllhos— e maisl...
N'este districto e não muito longe d'este
concelhOj a viscondessa actuai de Moimenta
da Beira teve vinte e tantos filhosA
1 É hoje viuva do visconde de Moimenta
da Beira— Julião Sarmento, falleeido emno-
vvembro do anno de 1889,
3. * Porque Mangualde é uma das nossas
vilias mais bem servidas de estradas e vias
de communicação de toda a ordem.
Tem bellas estradas a macadam para Vi-
seu, para a Foz- Dão e Coimbra, para Gou-
veia, para Fornos d' Algodres, Celorico e
Penalva do Castello, alem d'outras conce-
lhias menos importantes, quasi todas servi-
das por diligencias diárias, — e uma estação
própria e muito próxima na linha da Beira
Alta, que atravessa este concelho e esta fre-
guezia de nascente a poente, passando a
2:500 metros da villa de Mangualde, que
lhe fica a montante, lado N.
A mencionada linha foi aberta á circula-
ção em 1881 e dá muita vida e importân-
cia a esta viila e a este concelho, porque os
liga a vapor com os grandes centros de
Portugal, da Hespanha e da Europa.
Ha também n'esta villa uma estação tele-
grapho-postal, que a põe em contacto com
todo o nosso paiz, com toda a Europa e com
o mundo inteiro, já por meio de cartas ede
bilhetes postaes baratíssimos.^ já por meio
de telegrammas, transmittidos pelo telegra-
pho eléctrico, hoje o processo mais rápido
de transmissão.
V. Vias férreas, tomo IO.» pag. 467 a 502.
Também estão projectadas dififerentes li-
nhas férreas de Mangualde ao Porto e á li-
nha férrea do Norte, a entroncar nas esta-
ções de Aveiro, Ovar ou Espinho, as quaes
devem tocar em Viseu e dar muito vida a
Mangualde.
4. "— Porque esta villa demora no centro
de uma larga zona muito povoada, sem so-
lução de continuidade desde a serra da Es-
trella até Viseu, Lamego e Regoa, Porto,
Aveiro, Coimbra, Guarda, etc.
5.«— Porque esta villa tem grandes mer-
cados no 1." e 3.» dommgos de cada mez,
^ 2 Cartas, — por cada 15 grammas de peso
i 25 réis;— bilhetes postaes 10 réis, etc. ete.
2272 ZUR
ZUR
sendo mais importante e correspondente a
uma grande feira o do 1.» domingo de no-
vembro.
Os dictos mercados ou feiras são os prin-
eipaes da província, nomeadamente em ga-
dos, cereaes e lanificios.
Por vezes aii se reúnem mais de duas
mil cabeças de gado bovinol . . .
Em quanto a cereaes são os primeiros
d'esta provincia, depois dos de Celorico da
Beira; - quanto a laniflcios só os excede a
feira franca de Visfu. São muito importan-
tes porque todas as fabricas da Covilhã e de
Gouveia teem depósitos permanentes em
Mangualde e aqui, por occasião dos dictos
mercadosj vêem sortir-se os negociantes do
Porto, Aveiro, Coimbra, Lamego, Viseu, eíc.
Mangualde é o empório dos lanificios da
Covilhã e de Gouveia. Dão-lhe pois muita
vida 03 seus grandes mercados e a elles se
deve era grande parte o augmento da ri-
queza e da população da viila, apesar do
grande numero de pessoas que d 'esta villa
e d'esie concelho costumam emigrar para
outros pontos do nosso paiz e para a Ame-
rica, nomeadamente para o Brazil.
Veja-se o tópico Emigração.
6.^— Porque na 2.» metade d'e8te século
temos gosado paz octaviana, como poucos
paizes do mundo,^ — e liberdade até a li-
cença] . . .
Na l.» metade d'este século soffreu muito
esta vilIa com a passagem da tropa durante
a guerra da península e das guerras civis
posteriores, pelo facto de passar em Man-
gualde uma importante estrada militar.
6.»— Porque lambena na 2.» metade d'este
século não lemos sido visitados por grandes
epidemias. Apenas o cólera nos visitou em
i854 a 1853, mas poucas viciimas fez n'esta
provincia.
8.»— Porque Mangualde,é a séde dc um
1 Desde que terminaram as luetas civis
em 1834, apenas tivemos uma leve altera-
ção da ordem publica em 18i6 a 1847.
V. Porto, vol. 7.» pag. 366, eol. 2.» até
371, — e Gramido.
concelho importante e de uma grande co«
marca que corapreheode mais dois conce-
lhos:—-o de Nellas, e o de Penalva do Cos-
tello.
É também Mangualde séde da S.« região
agronómica, que comprehende grande par-
te dos districlos de Vizeu e da Guarda.
Tndo isto lhe dá muita vida o muita im-
portância.
9.*— Também lhe dá muita vida e muita
importância o formoso santuário de Nossa
Senhora do Castello, do qual adiante falla-
remos. ■>
As duas grandes romarias de 25 de mar-
ço e de 8 de setembro, principalmente esta
ultima, attrahem a Mangualde muitas mil
pessoas que entulham a villa e n'ella fazem
muita despeza.
Também durante o anno concorrem a
Mangualde muitos romeiros e forasteiros
em visita ao santuário da Virgem do Cas-
tello, distante da villa pouco mais de um
kiloraetro e ligado a ella por caminho sua-
víssimo,—passeio muito agradável que dei-
xa sempre saudades.
A este raro conjuueto de círcumsiancias
se deve o grande augmento da formosa vil-
la de Mangualde e mais augmentaria certa-
mente, se vivesse n'ella a opulenta família
Paes, condes de Anadia, como os leitores
vão ver.
A VILLA
Como já dissemos, demora ao longo da
estrada real e militar de Celorico da Beira
a Coimbra por Viseu, Tondella, Bussaco,
Mealhada, etc— estrada que seguiu o gene-
ral Massena em 1810.
Dista 2500 metros da estação de Mangual-
de, na linha da Beira Alta, para N.; 18 kil.
de Viseu para S. E.; 15 da margem direita
I do Mondego para N.; 30 de Gouveia para
N. O.; 80 da Pampilhosa, entroncamento da
linha da Beira Aha na do Norte; 85 da
Guarda; 126 de Villar Formoso; 130 da ci-
dade da Figueira; 185 do Porlo-e 3)2 de
Lisboa.
O itinerário para o Porto deve reduzir-
ae mnlto, logo que se construa a projectada
ZUR
ZUR 2273
iinha férrea entre o Porto e Mangualde por |
Viseu.
A. villa de Mangualde propriamente dieta,
hoje uma das maia populosas e mais impor-
tantes da província (tem 420 fogos e 1750
habitantes) é muito moderna. Pôde dizer-se
^ue data dos princípios d'este século ou des-
de quando a familia Paes mandou fazer o
seu grande palácio e para elie se transferiu
da pequena aldeia de Canedo d'esta paro-
chiâ, onde anteriormente vivia e lera ainda
hoje uma boa quinta e uma casa brazonada.
Mangualde já era villa com este nome no
see. XVI, como se vê do foral de D. Manoel)
•mas villa insigaifleante. Apenas comprehen-
dia os velhos paços do concelho à^AzuraraA
que ainda lá se vôem, e alguns pequenos
casebres contiguos, que desappareceram e
foram substituídos pelas novas editieaçòes,
todas ou quasi todas posteriores ao grande
palácio.
Pôde dizer-se que a villa actual se deve
á opul^íuta familia Paes, porque durante o
longo periodo das obras do seu palácio e da
sua grande cerca chamaram para ali cente-
nares de jornaleiros e de artistas, com os
quaes despenderam sommas fabulosas e ali
muitos d'elles se estabeleceram. O local até
então quasi deserto animou-se com as no-
vas edificações, nomeadamente com o gran-
de palácio, cujos donos o habitavam, viven-
do faustosamente e distribuindo dinheiro a
rodo, pois consumiam ali as suas enormes,
rendas.
Viviam tão faustosamente que, mesmo
nos dias de semana, iam para a mesa sem-
pre com farda ou calção e casaca— e assim
eram obrigados a ir todos os hospedes, sem
excepção de parentes ou amigos intimas.
Quando não se apresentavam assim vesti-
dos, mandavam -nos para outra mesa; — e o
serviço era sempre feito por criados rica-
mente fardados ? ! . . .
Além d'isso fizeram na villa outras edifi-
eações importantes, taes foram a igreja da
Misericórdia, o convento e o esplendido san-
tuário da Senhora do Castello. Tudo isto deu
grande importância e muita vida ao local, e
porque era lindíssimo e se prestava para
toda a sorte de construcções, por ser quasi
plano e muito saudável, servido e atraves-
sado de leste a oeste por uma estrada real
de grande movimento, as edificações puUu-
laram e a villa rapidamente occupou uma
grande area, mesmo porque, sendo todo ou
quasi todo o chão da villa propriedade da
opulenta familia Paes, estes de bom grado
cederam ou emprazaram os chãos para as
novas construcções, mas, por ser o terreno
quasi plano, para que ellas não tolhessem
as vistas do grande palácio, impuzeram a
todos os eraphyteutas a clausula de que as
novas construcções teriam apenas um an-
\dar.
A esta clausula, apparentemente dura, se
deve em grande parte a espaçosa area que
a villa tomou e tem, — ficando muito vistosa
e muito hygienica, porque a população não
está conglobada e amontoada, como em ou-
tras muitas villas da Beira, taes são Linha-
res, Trancoso, Celorico, Ceia, Gouveia, Man-
teigas, etc. cujas condições hygienicas não
sustentam confronto com Mangualde.
Deve pois esta villa múíQ—muitissimo-"
á opulenta familia Paes.
A ella se deve agradecer também os gran-
des largos da villa. iN'este ponto Mangualde
supplanta todas as villas da Beira, — exce-
ptuando Trancoso, que tem um campo im-
menso, mas todo extra muros e muito agres-
te. A mesma villa é uma das mais agrestes
e mais desabrigadas que temos no nosso
paiz. Se não fosse o anteparo dos velhos
muros, sem inhabitavel durante o inver-
no]...
V. Trancoso n'este diecionario e no sup-
plento.
Não sabemos se os largos da villa de Man-
gualde eram terreno baldio, logradouro
commum, ou propriedade dos Paes, mas
embora fossem baldios ou públicos, é para
louvar que não se apropriassem d'elles,
quando eram, como foram, capitães mores
da villa e por assim dizer senhores d'ella.
Outros fidalgos in illo tempore se apropria -
2274
ZUR
Hxn de differentes chãos e largos públicos,
inclusivamente no meio das cidades.^
Nole-se que antigamente os fidalgos eram
muito prepotentes e por vezes o açoute das
terras em que viviam, pelo que em muitos
foraes os nossos reis concederam como gran-
de fineza a differentes cidades e villas nào
poderem viver n'ellas fidalgos nem ricos-
homens?
Bairros
Mangualde tem 2 bairros:— woi;o e velho.
O novo eomprehende a parte leste, toda ou
quasi toda posterior á edificação do grande
palácio dos Paes; o velho, ainda hoje deno-
minado Villa, como no Porto se denominoU(
o velho bairro da Sé — e em Bragança se
denominou e denomina o antigo bairro do
Casíe//o,— demora ao poente de Mangualde,
junto do palácio dos Paes, e foi a sede do
antigo concelho de Zurara da Beira.
Ainda lá se vé a antiga casa da camará,
que é muito pequena, velha, immuuda, e
serve actualmente de cadeia e habitação do
carcereiro. Nào tem merecimento algum ar-
chitecionieo e é um pejamento e uma ver-
gonha para a villa e para o grande palácio
dos Paes, pois defronta com elle e com a
sua linda capella, mettendo-ae de permeio
apenas a rua publica. E offerece um espe-
ctáculo trislissirao, porque ali se acham
amontoados n'aquella immuoda masmorra
todos 08 presos da comarca, — homens e mu-
//iem— clamando, gritando e dando a mais
triste ideia da villa.
É a casa mais velha e mais nojenta de
Mangualde e um grande foco de dessmorali-
sacãOj porque os presos dos dois sexos vi-
vem quasi promiscuamente. Além d'isso não
^ Em Lamego, por ex. a casa do Poço, não
hesitou em chamar seu um poço que era do
publico— e prolongou o seu palácio sobre
um largo também publico, tolhendo o, eer-
ceando-o e afrontando escandalosamente a
própria Sé?I . . .
V. Lamego n'este diceion. e no supple-
mento.
2 V. Nicolau (S.) freguezia do Porto, vol.
6.* pag. 73—8 Pinhel, tomo 7.» pag. 70.
ZUR
comporta os presos da comarca, pelo que os
juizes de direito por vezes degradam para
Bragança c para outras terras do nosso paiz
os réus de crimes a que a lei manda appli-
ear pena de prisão temporária.
É urgente demolir aquella masmorra e
substituil-a por uma cadeia segura e de-
cente, mesmo porque Mangualde já não é o
burgo podre d'outr'ora e—noblesse obiigel...
Acabe tão revoltante espectáculo.
Assim como subâtituiram os velhos paços
do concelho por outros muito amplos e
muito solidoSji substituam a cadeia também
por outra que não envergonhe a villa.
i Torre velha do 7'elogio
Assim se denomina uma torre, que está
em um morro de granito a O. e em frente
do palácio dos Paes—Q ao sul dos antigos
paços do concelho, mettendo-se de permeio
a estrada publica de Mangualde a Viseu.
É muito antiga e muito singela. Não sa-
bemos quando nem por quem foi fundada,
mas suppomoâ datar dos principio» da nos-
sa monarchia e ser obra dos antigos senho-
res de Zurara da Beira,— l&\s&i residência
temporária d'elles, — mesmo porque estava
junto dos velhos paços do concelho.
É a velharia mais interessante de Man-
gualde, depois da Citania recentemente des-
coberta e da qual adiante fallaremos.
Já serviu de cadeia e u'ella estiveram
também o sino da camará e o relógio da
villa, pelo que tomou o nome de torre ve-
lha do relógio, depois qua este foi eollocado
na Misericórdia.
A velha tnrre ainda promette longa dura-
ção, mas está em completo abandono e ser<
vindo actualmente de palheiro] . . .
A camará deve reparai -a, conserval-a e
estimai- a como seu brazão d'armas, pois
1 Estão no bairro novo em um palacete
que foi dos Rebellos, seus fundadores, e ul-
timamente de José Hygino,de Gouveia, men-
cionado no tópico dos õO maiores contri-
buintes.
ZUR
não tem brazão próprio; aléra d'isso a po-
bre torre esià isolada e não iacommoda
ninguém.
A camará deve sollieitar brasão próprio
6 n'elle tomar como emblema Mm castello
encimado por uma torre, eommemorandr» o
antigo Castello de Zurara e a torre velha do
relógio.
Largos da villa
Tem Mangualde oí seguiutes:
1." — Largo do Rocio.
Demora a leste da villa e so fuudo d'elle
(lado sul) so erguem os novoi paços do eon-
eetho.
E' muito espaçoso, bastante regular, qua-
driloDgo e quasi todo revestido de prédios,
sendo alguns muito vistosos, euire os quaes
avultam os novos paços do eoacelh », a easa
da pr." D. Leonor Margarida de Carvalho, a
dos Lobões, de Viseu, a do dr. João Baptis-
ta de Castro e a de José Gíbral Paes de Al-
buquerque, ainda era coastrueção n'esta
data (dezembro de 1889) mas que promelte
ser uma das mais elegantes e mais luxuo-
sas da villa.
Este grande largo foi quasi todo eons-
truido n'esle século; é dividido em 2 por
uma boa easa pertencente a José d' Almeida
Cardoso d'Albuquerque, da Mesquitella,— e
n'elle, por oeeasião dos grandes mercados,
se vendem cereaes e outros artigos,
Este largo prolonga-se de leste a oeste e
por elle corre, junto ao lado sul, a estrada
real a maeadara de Mangualde a Celorico,
Ha também n'elle uma pharmaeia, um ho-
tel, estabelecimentos eommereiaes, etc.
2 » — Largo ou Terreiro dos Carvalhos.
Demora ao sul do grande largo do Rocio;
é também muito espaçoso e n'elle se faz o
mercado dos bois, — mercado muito impor-
tante, pois reúne por vezes mais de duas
mil cabeças de gado bovino.
Também aqui t?em os seus depósitos as
fabricas da Covilhã e de Gouveia, e por oe-
easião dos grandes mercados aqui se fazem
grandes transacções em lanifícios.
Estes dois largos teem miiitos estabeleci-
mentos eommereiaes e representam a maior
e melhor parle da villa,— não eomprehen-
ZUR 2275
, dendo o palácio dos Paes, pois só elle vale
• tanto como metade da villa todal. . .
Z.^—Largo do Pelourinho ou Praça Velha.
Este largo é informe, irregular e o mais
pequeno da villa.
Ddraora no velho largo, — em frente e a
O. do palácio dos Paes,—]\3iXí\.o da Torre ve-
lha do Relógio e dos velhos paços do conce-
lho. N'elle estava o pelourinho, que era hu-
milde e singelo e foi demolido ha poucos
annos, para mais franca passagem da estra-
da real a macadam de Mangualde a Viseu
eque atravessa este largo, ou pequeno ter-
reiro.
4.* — Largo da Matta.
E' maior do que o Rocio; está quasi todo
5 arborisado; demora ao poente da villa e
n'elle se faz o mercado das bestas,
j A S.O. d este largo ha um grande vivei-
ro de planiai, pertencentes ás obras publi-
cas e destinadas para asborisação das es-
tradas.
Largo da Misericórdia.
E' irregular, mas bastante espaçoso, e
demora também no bairro velho, lado N.
juuto da egreja da Misericórdia. N'elle se
erguem também do lado 0. o convento e a
egreja das Almas.
Foi recentemente arborisado.
Edifícios
Além dos mencionados supra, menciona-
remos mais dois:— o do dr. Francisco d'Al-
buquerque Couto, na rua da Calçada, que
liga o bairro velho cora o bairro novo, — e o
palacete do conselheiro Francisco d'Alraei-
da Cardoso de Albuquerque, na estrada de
Gouveia, em continuação da Rua Nova.
E' o 2." edifício particular da villa;— tem
uma grande cerca ou antes quinta, — e tan-
to o palacete como a quinta estão arrenda-
dos pelo governo e n'elie3 montada a 5.*
região agronómica,— estabelecimento muito
importante, dirigido pelo dislincto agróno-
mo JoaquimPedro de Freitas Castel Branco.
V. Vallezim, tomo 10.» pag. 156, col. 2.»
—8 Zêzere, rio da Beira Baixa, tomo 11.»
pag. 2203, col. 2.» também e segg.
' Este ultimo palacete foi dos Guiões, que
2276 ZUR
ZUR
de Mangualde passaram para Lisboa, onde
exerceram altos cargos na magistratura.
E' um bom ediflcio, mas supp!anta-o com-
pletamente—e a todos os d'esia villa e d'es-
te coneeltio e d'esta província o
Palacio dos Paes
Para evitarmos repetições, vejam se os
artigos Mangnalde, torao 5.» pag. 50, col. 2 »,
— e Vtlla Real de Traz os Montes, tomo 11.°
pag. 1029, co!. 1.» e 2.»
Demora no bairro velho, lado sul, e tem
4 fachadas, todas diíferentes, olhando a
principal para O.
E' uma montanha de granito com exeel-
lentes abobadas e paredes d'extraordinaria
espessural . . .
A mobília e a livraria não jcorrespondem
ao palácio, mas tem quadros a oleo de bas-
tante merecimento.
A Capella esiá no angulo O. N. 0.;--é bem
construída e tem um bom retábulo pintada
a oleo, representando o padroeiro — S. Ber-
nardo.^
O palácio tem muitas dependências boas,
avultando entre ellas a tulha, que toma
grande parte da fachada sul.
A K., E. e S. do palácio está a quinta ou
cerca. Tem bons tanques para agua, mas
e8la per vezes escaceia no verão.
Os Jardins e as estufas teem pouca im-
portância actualmente; é porem notável uma
grande magnólia que está no centro do jar-
dim do sul.
A quinta é de pouca produeção; a matta
é grande e boa, mas comprehende apenas
especie.s vulgares.' No centro d'ella ha uma
miniatura e parodia de convento, com difife-
rentes figuras da monges, que se movem
^ E' rauiio superior e custou talvez o
quadrupla {V. ...) ri capella do palácio de
Matheus, ou dos condes de Villa Real.
* Ha também junto da villa uma bella
matta de carvalhos, que foi de José Hygino,
de Gouveia, mencionado supra.
I aulhomatieamente por meio de um enge-
j nhoso machinismo.
Também na matta se vê um obelisco ou
memoria com differentes inscripções em
honra de D. João VI, da família real portu-
gueza, da religião caiholica e da restaura-
ção de 1640.
N'este palácio se hospedou o general Mas-
sena em 1810, quando avançava sobre Lis-
boa e (caso extraordinário) respeitou o pa-
lácio e todas as suas dependências.
Também n'ell8 se hospedaram el-rei o sr.
D. Luiz, a rainha sr.» D. Maria Pia, hoje viu-
va, o príncipe D. Carlos, hoje rei, e seu irmão
o infante D. Affonso, nos dias 1 a 4 d'agt)S-
to de 1882, quando foram inaugurar solem-
nemente a linha férrea da Beira Alta, já en-
tão aberta ao tranzito.
I Templos
A Villa e a* fr^ guezia de Mangualde teem
nada menos de 29 templos.
São os seguintes:
l.*—Egreja matriz.
Está hoje completamente isolada a N. do
bairro velho e distante d'elle cerca de 500
metros.
E' um dos melhores templos do concelho
e muito antiga! Não sabemos quando nem
por quem foi feita, mas suppomos que data
do sec. XVI e que foi mandada fízer pelos
Cabraes, condes de Belmonte, quando eram
i senhores d'esta villa e d'este concelho de
I Mangualde, pois na egreja se vê ainda hoje
o brazão d'elies, — igual ao que se vê na
quinta de S. Cosmado, que foi d'elle3 lam-
bem. Deve pois a egreja ser anterior a 1580,
data em que perderam o mencionado se-
nhorio, por se recusarem a beijar a mão a
Filippe II de Hespanha e 1 de Portugal.'
O isolamento da egreja prova queella foi
anterior á villa e íizeram-na ali talvez por
ser aquelle ponto muito central com rela-
ção á freguezia e povoado in illo tempore,
ou quando se ki a velha matriz, substitui-
' V. Mangualde, loc. cit. pag. 32, col. 1.*
ZUR
ZUR 2277
da pela actual, que devia ser tauito ante-
rior a ella e muito mais humilde, ~ talvez
uma edieola ou ecdesiola, erecta no rnesmo
local em tempos de que não ha memoria.
E' dedicada a S. Julião e tem 7 altares:
— o mór com o sacrário e a imagem do pa-
droeiro;—mais 3 do lado do evangelho : —
Santos Reis, Senhor Crucificado e Menino
JesuSf—e 3 do lado da epistola: — Santo An-
tonio, Senhora do Rosario e Senhora da
(iraça.
Até 1S80 foi abbadia;— depois que passou
para a corôa, âeou sendo vigairaria— e vi-
gário se intitula ainda hoje o seu rev. pa-
rocho.
Também foi commenda da ordem de
Christo e commenda importante, pois em
1708 rendia 700^000 réis, que equivaliam a
mais de dois contos de réis da moeda actual.
Em 1747 o vigário tinha de côngrua, dada
pelo coramendador, apenas 40^^000 réi>% 8
almudes de vinho e 4 alqueires de trigo,
além do pé d'altar. Tinha também um coad-
jutor, que recebia da commenda 40 alquei-
res de trigo e 6í!S00 réis em dinheiro.
O templo é bastante espaçoso, mas já não
corresponde á grande população da viíla e
da freguezia. Está bem tratado e ainda bem
conservado. A frontaria olha para o poente
e tem um pórtico e uma janella superior
ogivaes, cora as esquinas boleadas;— do lado
sul tem uma porta travessa, ogi vai lambem,
com um alpendre e cachorros, tudo archai-
co; as outras portas são rectangulares, — e
na esquina da frente, lado sul, tem um cam-
panário com 2 sinos.
Das suas decorações interiores nada po-
demos dizer, porque duas vezes em um do-
mingo a visitámos, encontrando a semi)re
fechada,— em outubro de 1882.
Tem um bom adro, que ainda revela a
opulência d'outr'ora. Teve também uma boa
residência, muito antiga, que abateu e des-
appareceu no meiado d'este século, por des-
leixo do vigário Antonio de Mello Cabral.
Deus lhe perdoei. . .
Também tinha um bom passal a norte e
sul da egreja a ainda hoje pertence aos pa-
) roehos a parte sul, ou o passal de cima; a
parte norte, ou passal de baixo, foi alienada
e incorporada na quinta da egreja, perten-
cente á sr.» D. Leonor Margarida de Carva-
lho.
Ao nascente da egreja estão a qidnta de
S. Christovam, hoje do sr. Manoel Felix, —
e a residência actual do rev. arcipreste e
parocho— Manoel Marques Monteiro, coUa-
do em 1888 e natural de Abrunhosa do
Matto, d'este concelho. Pertence à familia
Roques e é um parocho muito digno, muito
illustrado, muito bondoso e geralmente bem
quisto.
2.°— Templo e santuário de Nossa Senho-
ra do Castello.
Para evitarmos repetições, veja-se o art.
Mangualde. Apenas accrescentaremos o se-
guinte:
As romarias são duas : — uma a 25 de
março; outra a 8 de setembro, sendo esta
muito mais concorrida.
Também no dia 3 de maio, era cumpri-
mento d'aulig08 VGíos, ali costumavam ir as
camarás de Viseu e de Penalva do Castello,
incorporadas com os seus estandartes e
muito povo, — e clamores das 13 freguezias
seguintes: — Mangualde, Cunha Baixa, Cu-
nha Alta, Senhorim, Piodo, Espinho, Antas
de Penalva, Castello de Penalva, Quintella,
Mesquilella, S. Thiago de Cassurrães, Insua
e Freixiosa.
Tudo isto formava uma romaria imponen-
te, porque os diíttos clamores deviam ser
acompanhados pelos respectivos parochos e
por uma pessoa de cada familia das 13 pa-
rochias, mas a camará de Viseu ha muito
que não concorre;^ a de Penalva do Castel-
lo apenas se faz representar por um ou ou-
tro vereador — e os diíferentes clamores
actualmente, posto que são os mesmos 13,
são acompanhados apenas por alguns devo-
tos.
1 V. Viseu, tomo li.» pag. 1722, eol. 2.*
I in fíne,~o Cramol.
22 78 ZUR
ZUR
Tout fut, tout passei . . .
Í?elo que se deduz do Sant. Marian. tomo
5.» pag. 161-163, o templo actual é pelo
menos o 3,»— e a imagem da Senhora é de
pedra e a mesma que já existia no anoo de
1716.
O templo actual foi construído em 1819 a
1837 e ainda n'esta data (1889) vive era La-
mego o mestre que dirigiu grande parte da
construeção.
Chama-S9 Manoel Domingos: tem mais de
70 annos de idade — e uma fortuaa de cem
contos de réis, talvez?! —
E' casado e natural do Minho, exeellente
pessoa e grande artista, muito conhecido na
Beira pela antonomásia de Mestre dos Re
médios, pois desde a infância tem sido o
mestre das obras do esplendido santuário
de Nossa Senhora dos Remédios, de Lame-
go, que é o 2.o do nosso paiz. Tomou a seu
cargo as dietas obras, sendo ainda novo,
porque succedeu ao pae, que foi muitos an-
nos mestre d'ellas também.^
Ali tem ganhado muito dinheiro e cons-
truído ebras importantes, entre ellas o es-
paçoso adro, dois chafarises lindíssimos e
ultimamente as duas torres do templo, que
são, depois da dos Clérigos do Porto, as
mais ornamentadas e mais lindas que lemos
em todo o nosso paiz, talvez?! . . . E note-se
que sãi de granito, a pedra do norte, que
não se presta a ornamentação como o eal-
careo do sal.^
1 isto nos leva a crer que as obras do
santuário da Senhora do Castello foram aca
badas pelo mestre Manoel Domingos, mas
prlaeipiadâs pelo pae d'elle, como outras
muitas do santuário dos Remédios.
2 Do passagem diremos que a Sé de La-
mego tem 3 pórticos de granito em alto re-
levo, que são os pórticos de granito mais or-
namentados que ha em Portugal! . . .
V. Lamego n'este diceionario e no sup-
plemento.
O palácio da Rolsa no Porto tem na sua
escadaria interior preciosa ornamentação
em granito, que é um primor d'arte de es-
I Tem ganhado muito dinheiro nas obras
i d'aquelle santuário e mais ainda á sombra
i d'ellas, porque são primorosíssimas e lhe
\ deram renome.
O Mestre dos Remédios foi sempre consi-
derado o 1.0 d' esta província e por isso con-
vidado para as construcções mais importan-
tes. E jamais alguém se arrependeu, porque
ó honradisâimoe caprichou sempre em cum-
prir o que tractou, embora perdesse.
Tem só um filho, ainda solteiro.
A leste do santuário de Nossa Senhora do
Castello pompeou um Castello antiquíssimo,
talvez romano, do qual tomou o nome o
santuário,— e na p4anieie do lado O. existiu
uma cidade romana também, que ali jaseu
ignorada e soterrada até agosto do corrente
anno.
Veja-se o tópico infra — Citania de Man-
gualde.
^."—Egreja da Misericórdia, junto do lar-
go do seu nome, a N. do bairro velho supra.
E' um templo regular e muito decente,
com 3 altares;— o môr,e dois lateraes, lodos
1 decorados com ^boa talha dourada, -— bem
! como o púlpito e sanefas. Tem um liodo co-
ro sobre o guarda -vento,— um pequeno ór-
gão—e bons azulejos estampados, revestindo
até meia altura as paredes do corpo da egre-
ja e da capella roór.
O tecto da egreja é abaulado e bem pin-
tado a oleo com vários desenhos da ornato
e de figuras, tendo a imagem da Virgem ao
centro. O tecto da capella mór é apáiuelado
e tem 15 boas telas romanas muito visto-
sas, representando mysierios do Redemptor
6 da Virgem. Note-se porem que as dilas
I pinturas, contra o estylo usado nos tectos
I dos nossos templos, são em tela, não em
I
I
í
I
j mero inexcedivel, mas note-se que é toda
' moderna e quasi toda em baixo relevo,~eín
i quanto que os 3 pórticos supra são em alto
\ relevo e antiquissimosl . . .
ZUii
ZUR 2279
madeira, pelo que algumas se acham em
parte deseolladas e mal tractadas, mas feliz-
mente ainda não restauradas, ou estragadas
pelos resiauradore-!, posto que já aqui tem
estado o sr. Antonio José Pereira, pintor de
Viseu, que restaurou e estragou em ^Viseu
algumas das preciosas pinturas altribuidas
ao Grão VascoA São obra do sr. Antonio
José Pereira 2 quadros que estão no san ^
tuario da Senhora do Castello e um n'esta
egreja da Misericórdia, ao ládo direito do
altar-mòr, representando a Visitação.
Foi este templo todo ou quasi todo man-
dado fazer por Simão Paes do Amaral, se-
nhor do palácio dos Paes, como*provam as
inseripções seguintes. Uma está sobre a
porta principal e diz:
Simão Paes de Amaral,
• mandou fa-
zer esta miseri-
CÓRDIA. Anno 1724.
Na outra foi um pouéo mais modesto.
Encontra-se na parede lateral da capella-
mór, do ládo da epístola, em um escudo en-
cimado por uma águia, e diz:
Simão Pabs do Amaral
Fidalgo de El-Rei, mandou
FAZER a' sua custa ESTA CA-
pella mór, e a dotou, e fez
a maior parte das despe-
sas desta igreja.
Anno de 1724.
Na parede do lado opposto vé-se outro
escudo com as arrifas do benemérito fi-
dalgo.
Tem uma torre com 2 sinos e relógio, e
d'ella se gosam largas vistas sobre a villa e
arrabaldes até grande distancia, vendo-se
perfeitamente a leste o santuário de Nossa
Senhora do Castello.
1 V. Viseu, tomo 11.° pag. 1845, col. 1,»,
-^1851, col. 1.» também, — 1861, col. i.« e
2.*,— 1862, col. 1.',— 1876 e 1877.
Do lado O. tem um pequeno jardim euma
bella escadaria que dá entrada para o côro,
sala do despacho^ ete.
A irmandade da Misericórdia, representan-
te d'este templo, é pobre. Apenas tem 13 al4
contos em dinheiro mutuado, eomtudo ain-
da faz bastantes despezas com as festas da
Semana Santa e com as de S. Simão, S.
Martinho, S. João e S. Bartholomeu na sua
egreja— e com a de 8 de dezembro na egre-
ja das Almas.
Também dá bastantes esmolas, mas não
tem hospital, pelo que no momento e por
iniciativa da camará uma grande commis-
são, formada de cavalheiros respeitabilissi-
mos, tracta de promover a fundação de um
hospital n'esta villa e que tão necessário é,
porque os pobres, quando doentes, teem
de demandar o hospii»! de Viseu, que dis-
ta de Mangualde 18 kilometros?l . . •
í."— Egreja das Almas.
Demora ao poente do largo da Misericór-
dia, junto do convento, e ambos os ediQcios
estão em ruinas, posto que a egreja ainda
se acha aberta ao culto.
O convento, segundo consta, foi mandado
fazer pela familia Paes com dinheiro de um
abbade de Roriz (?) posterior mente á Mise-
ricórdia, mas, por causa de certas desintel-
ligencias entre os Paes e o abbade, não se
concluiu o convento nem chegou a ser ha-
bitado.
5* — Senhora da Conceição;
6. " — Senhora da Encarnação;
7. "— Senhora da Visitação;
8. " — Senhora da Assumpção.
Estas 4 capellãs demoram nas escadas da
Senhora do Castello.
9. " — Senhora do Campo, em Almeidinha.
10. "» — Santo André, na povoação d'e8te
nome.
11. "*— S. Salvador, em Canedo do Chão.
12. » — Santo Antonio, na aldeia de Roda.
13. » — Santo Antonio dos Cabaços, na ser-
ra de Santo Antonio, que tomou o come da
dieta Capella.
14. ° — S. Pedro, na antiquíssima aldeia de
S. Cosmado.
â280 ZUR
ZUR
— S. Domingos, em Ansada.
16."— S. Silvestre e Santa Eufemia, em
Pinheiro de Baixo.
Santa Lusia, em Cae.s de Baixo.
i8.° — Santo Amaro, em Caes de Cima.
Santa Martha, em Cubos.
Estas 15 eapellas são publicas e em qua-
si todas se festejam ancualmente os seu.s
t)ragos.
20. ° — Senhora do Desterro, na casa da ca-
mará.
21. °— S. Bernardo, no grande palácio da
-Anadia.
22. » — em Almeidinha,
na casa dos viscondes d'este litulo.
23. °— em Caes de Ci-
ma, na casa da 8r.*i). Maria Máxima.
Santa íiila, na aldeia de Santo An-
dré e pertencente ao sr. dr. Couto.
25 ° — na povoação de
Darei, pertencetite aos Nápoles do Sarzedo
e com as armas d'elleí'.
Esííaa ulliaias 6 eapellas são parlieula-
res.
27. ° — Um oratório era Darei, na casa dos
Lemoa do Sarzedo.
28. ° Outro oratório na casa da sr.* D.
Leonor Margarida de Carvalho.
29. ° — Outro oratório era Mangualde, na
■casa do dr. Couio.
A freguezia
Tem uma area muito espaçosa a fregue-
zia de Mangualde. Gomprehende cerca de 24
kilometros em quadro, ou de circurnferen-
cia, e as al Jeias seguintes;— Cubos, Caes de
Baixo, Caes de Cima, Pinheiro de Baixo,
Pinheiro de Cima, S. Cosmado, S. Cosmadi-
nho, Ansada, Roda, Canedo do Chão, Cane-
do do Matto, Darei, Oliveira, Paços, Santo
André, — e as quimas de Lodares, Rio Dão, !
Albergaria, Cova!, (]erca, Senhora do Cas- j
tello. Moita, Ribi irinho, Regada, Corrcdou-
Ta oa Gueiredoura, Morgado e Píc//íoI— se-
gundo se lé na tihorographia Moderna.
Também ha n'ella alguns moinhos de pão
e de azeitona, mas a maior parte do pão,
j que se gasta n'e8ta parochia, é moido no
, Mondego,— e parte do seu azeite é fabricado
I nas parochias circunivisinhas.
A aldeia de Canedo do Chão demora a N.
de Mangualde; ali viveu a nobre família
Paes, antes de fazer o grande palácio na vil-
ia— e na dieta aldeia aioda possue uom boa
quinta e uraa casa com o seu brasão d'ar-
mas.
Também consta que foi d'elle8 a capella
de S. Salvador, mencionada supra, hoje do
povo e cora festa no dia de Natal.
Os Paes viveram na mencionada quinta
até 08 princípios u'e8te século.
Na povoação de Oliveira (ou Oliveirinha)
ha uma casa importante da familia Mello
Cabral, e d^ella descende o sr. dr. Bernar-
do de Mello Cabral, juiz de direito em Mon-
te Mór-o-Velho.
Em Darei ha outra casa importante, mui-
to amiga e muito nobre, pertencente ao sr.
José de Lemos de Nápoles Manoel, do Sar-
zedo, juDlo de Muitoenta da Beira, — e em
freme da dieta casa se vé uma capella com
as armas da família.
Pelos annos de 18iO, vivendo n'esta casa
Francisco Ferreira, lio do sr. José de Nápo-
les, n'elia se praticou descaradamente um
dos roubos mais importantes e mais auda-
ciosos de que ha memoria n'est,a província.^
]}felle tomaram parte differ entes auclonda-
des civis e militares e pessoas muito conhe-
cidas n'aquelle tempo, algumas das quaes
ainda hoje tirem?! . . .
Assaltaram a casa ao som de cornetas,
pouco depois de escurecer; — dirigindo-se
ao dono d'ella, que estava doente e na cama,
exigiram lhes déâse t»do o quepossuia —
sob pena de morte — e o fidalgo tudo lhes en-
tregou.
Foi um roubo importantíssimo em dinhei-
1 O mais importante e mais audacioso tal-
vez toi o da quinta do Ferro, junto de Tran-
coso, oa freguezia de Rio de Mel, praticado
poucos annos ames.
V. Rio de Mel n'eí<te diecionario eno sup-
plemeuio,— e Villar Torpim, tomo 11.», pag.
1287, col. 2.«
ZUR
ro, pratas, jóias, colchas da índia e de da ;
masco, roupas brancas e de côr, el6. etc. E [
o descaramento dos laes communistas ehe- !
gou a ponto de u«arera e mostrarem diffe
rentes jóias e pratas com armas da casa de.
Darei— e um d'elles leve a imprudência de
mostrar ao próprio fidalgo um relógio d'ou-
ro que lhe havia roubado?!...*
Na Beira e n'este dislricto hoje ha bas-
tante segurança, mas em tempos não muito
remotos praticaram- se grandes excessos!...
V. Viseu, tópico Segurança publica, tomo j
II.», pag. 1782, col. í." e segg.
A S. E. de Mangualde e a 2 kil. de dis-
tancia, pouco mais ou menos, está a povoa-
ção de Atmeidinha , solar do visconde d'esie
titulo e solar importante, pois ccmprehende
em volta d'aquella povoação muitas pro-
priedades e a quinta da Albergaria, distante
de Mangualde apenas ^ kilometro, muiio
abundante dVxcelluriie agua potável e de
rega, pelo que recentemente o sr. visconde
vendeu por um conto de réis à camará de
Mangualde bons mananciaes da dita agua,
que hoje abastece a villa, depois de ser en-
canada pela camará . — Honra lhes seja! . . .
Está junto de Almeidinha um sitio cha-
mado Valle d' Almeida que, segundo consta
foi outr'ora povoado - e povoação mais im-
portante do que Almeidinha.
Também consta que do Valle d' Almeida
decenderam e provieram os Almeidas — e
que a famiiia do sr. visconde à'Almeidinha
i Em fevereiro de 1870 assallarara tam-
bém a casa de Antonio Saraiva, em Algo-
dres, concelho visinho de Mangualde, ca-
sa muito endinheirada, mas o povo amoti-
nou-se, tocou os sinos a rebate e fez fogo
sobre os taes communistas. pelo que bate-
ram em retirada, ficando alguns d'elles fe-
ridos e um mono.
Os chefes e sub-chefes ainda vivem e são
muito conhecidos na localidade, mas soube-
ram defender-se e apenas foram para a
Africa alguns dos salteadores mais po'
bres?í...
ZUR 2281
é uma das mais nobres e a mais antigas de
Mangualde.
Na quinta da Albergaria e na povoação
i'Almeidinha nasce o rio de Cubos, que
passa entre a povoação d'este nome e a fre-
guezia de Mesquitella,~bAiih& depois a fre-
guezia de Espinho— e, caminhando sempre
de N.E. a S.O., desagua na margem direita
do Mondego, junto de Senhorim, tendo 15
kilometros de curso, talvez.
A S.O. de Mangualde está a povoação de
Cubos, onde loca a linha da Beira e ficou a
estação de Mangualde, a mais importante da
mencionada linha, depois da estação termi-
nus da Figueira.
Eí-tão a S.O. de Mangualde também a&
aldeias de Caes de Cima e Caes de Baixo.
Na 1.' tem uma grande casa e uma boa
quinta a sr. D. Maria Máxima Hometo de
Abranches Brandão, viuva, — e confina por
este lado a freguezia de Mangualde com a
de Espinho.
Ao poente de Mangualde ficam também
as povoações e quintas de S. Cosmado, S.
Cosmadinho, Ansada, Pinheiro de Baixo e
Pinheiro de Cima ou Pinheirinho, — e a no-
roeste Roda.
Ao poente confina a freguezia de Man-
gualde com a de Moimenta do Dão ou dos
Frades; a N O. com a freguezia de Fornos
de Moreira do Dão. Limitam por este lado a
freguezia de Mangualde a serra e capellade
Santo Antonio dos Cabaços, onde a 13 de
junho ha festa e romagem, multo concorri-
das e abriihant^as pelos pastores e lavra-
dores circumvisinhos, pois costumam levar
ali, como em parada agricol a, vbuhos boise
rebanhos de gado lanígero com ioda a louça
e muito enfeitados com fitas e fliores.*
1 Na Beira, quando os rebanhos de gado
levam lodos os chocalhos e campainhas de
j que os seus donos podem dispor, diz-se que
I levam toda a louça.
2282 ZUR
Cemitério parochial
Tem esta freguezia um bom cemitetio
deDominado cemitério novo.
Foi construido no meado d'esle í-ecuio e
demora a S. 0. da matriz, distando d'eiia
apenas 200 metros talvez; dista porém mais
de cinco kilometrvs d'algumas casas d'esia
freguezia.
Avulta n'elle um raauzoleu pertencente á
sr* D. LeoDor Margarida de Carvalho Fon-
seca, e no dito mauzoleu jaz o distincto lis-
bonense oriuQdo da Beira e que á Beira
prestou relevantes serviços — Alberto Oso-
rio de Vasconceltos, — do qual adiante falla-
remos.
O cemitério vcZfto demorava junto da egre-
j a das Almas. Foi substiluido, por ser mui-
to pequeno e estar muito próximo da villa.
Movimento parochial em íS88
Baptisados 158
Casamentos 27
Óbitos.. 100
Do exposto se vê que a cifra dos nasci-
mentos foi muito superior á dos óbitos — e
que a população d'esta freguezia augmenta
sensivelmente.
Concelho de Mangualde, sua população
e pobreza
Este concelho confina a E. com os de For-
nos d'Algodres e Penalva do Castello; a O.
com os de Nellas e Viseujia N. com os rios
Dão e Real e com os concelhos de Viseu e
Penalva; a S. com o Mondego e alem Mon-
dego com o concelho de Gouveia.
Comprehende as mesmas 18 fregueiias
indicadas pelo meu antecessor, mas o censo
de 1864 deu-lhes 4:442 fogos e 19:483 ha-
bitantes; o de 1878 deu-lhes 4846 fogos e
21478 habitantes— e hoje as 18 freguezias
devem ter aproximadamente 3:400 fogos e
25:000 habitantes.
E' muito saudável, bastante fértil, bem
ZUR
agricultado e está bem servido de estradas
a maeadam e d'ouiro3 meio?» de communi-
cação, mas ó muito pobre pelas rasões se-
guintes:
1«— Porque 3 a 4 ea^a», principiando
pela dos condes de Anadia, que é absoluta-
mente a maior de todas, absorvera sem í^xa-
geração a terça parte d'ellfí!~e outrn terça
é de 40 a 50 proprietários, — ficando apenas
uma terça parte para o resto dos seus ha-
bitantes, que são aproximadamente §5:000,
a maior parte dos quaes vive au jour le
jowr, exclusivamente do í<eu trabalho como
jornaleiros^ pojs n'es,te concelho não ha ou-
tra industria altm da agrícola e da algum
commercio na villa.
Tendo grandes mananciaes d'agua no Dão
e no Mondego, é para lamentar que até hoje
ali não montassem fabricas de lanificios, de
^ papel ou de fiação e tecidos d'algodão, ha-
! vendo tantas fabricas nos concelhos visinhos,
nomeadamente nos de Geia e Gouveia
2. "— Porque ha n'este concelho de Man-
gualde muitas terra» foreiras e muitos pro-
prietários emphyteutas, que pagara pesados
foros, laudemios e pensões.
3. » — Porque muitos dos grandes proprie-
tários e senhorios directos, — principiando
pelo conde de Anadia e irmãos, — vivem lon-
ge d'egte concelho e fóra d'elle gastam as
suas rendas, não despendendo cora elle um
eeitil,~em quanto que, se vivessem n'este
concelho, n'el!e fariam girar muito dinheiro,
beneficiando e melhorando as suas proprie-
dades e provendo á sua luxuosa sustenta-
ção, etc.
A ausência dos grandes proprietários é
uma das causas principaes da pobresa do
concelho. Se vivessem n^elle, elle prospe-
raria, como prosperou a villa de Mangual-
de, emquanto n'ella viveu a opulenta famí-
lia Paes. Que sommas não custaram só o
grande palácio, o santuário da Senhora do
Castello, a egreja da Misericórdia e o con-
cewío?— Tudo isto e muito mais se deve a
tão opulenta familia, em quanto aqui viveu;
—depois que se ausentou, a villa não lhe
deve melhoramentos alguns, podendo de-
ver-lhe tantos outros de que necessita.
O mesmo palácio, que foi o 1." fóco da vi-
ZUR
da de Mangualde, hoje parece uma necro-
pole\- .
Tristis estl . . .
4."— Porque n'e3te concelho ha muito di-
nheiro mutuado, — cerca de 300 contos de
* O mesmo suecede ao grande palácio da
Brejoeira, no Minho, e suceedeu ao palácio
do Freixo^ no Porto, que rivalisava cora o
de Mangualde e com os da Brejoeira e de
Matheus.
V. Freixo (quinta do)— tomo 3.° pag.
233, col. 1.", — e Zurara de Villa do Conde,
in fine. Desculpem o não citarmos as pagi-
nas, pois n'este momento ainda está no
prélo aquelle artigo.
ZUR 2283
reisl Uma grande parte da propriedade está
hypothecada e é devorada pela usura.
5.* — Porque as diversas contribuições
que paga ao estado montam aproximada-
mente a 20 contos de réis por anno.
Total —uma miséria que horrorisa e ex-
plica a emigração constante em grande es-
cala, principalmente para o Brazil, compre-
hendendo famílias míí/ras:— homens, mu-
lheres e ereanças.
Como prova de que duas terças partes
d'e8te concelho pertencem a um restricto
numero de proprietários e de que muitos
d'estes vivem distantes, veja-se a nota se-
guinte:
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1
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18
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21
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24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
t ZUR ZUR
lelação dos 50 maiores proprietários do concelho de Mangual
no anno de 1889 e collectas da contribuição predial
Nomes
Residências
Mangualde e Lisboa.
Fornos de Maceira Dão
^Imeidinha de Mang. e Aveiro.
Tibalde e Brazil
Coimbra
Paços da Serra, Gouveia
Cafts de Cima de Mangualde —
Pinheiro de Cima de Mangualde
Conde de Anadia eirmão8 Lisboa e Londres.
D. Leonor Margarida de (Carvalho e vis-
conde da Torre de Moncorvo
Herdeiros de Manoel Cardoso Faria Pinto
e Miguel de Queiroz Pinto
Vi&conde de Aimeidinba e filhos
Lourí:inço do Couto e Sousa e irmãos —
Dr. Julio Cesar Sande Sacadura Bote....
Antonio Cabral Soares
D.Maria Máxima Homem de Abranches
Brandão, viuva de Jeronymo do Couto
Antonio Paes d'Alraeida e tia D. Delfina. .
D. Maria láabel de Moraes Pinto e her.
de José Moraes Pinto
José de Almeida Cardoso de Albuquerque
Viuva 8 filhos de João do< Santos. ....
José de Lemos de Nápoles Manuel
João Cabral Albergaria Alhaide e irmã. .
Herdeiros de José Hygino Cabral
Viuva e filho de A. dp. Pádua Olivt-ira
D. Anna Pae.«t d'Almeida e filho
Manuel Coelho de Albuquerque e irmão.
Herdeiros de Bernardo Madeira
Demente, João da Costa Bulhões
Francisco Marques Correia e filhos
Jo,'é Diogo de Pina Cabral e filho
Alexandre do Amaral Abreu Meneze.s. ...
Herdeiros de Manuel Paes de Carvalho. .
Albino Paes da Cunha
D. Maria Augu-la da Silva Rozado
Dr. F. d'Albuquerque Couto e irmãos. . .
Dr. Jeronymo do Couto e Sousa
Bernardo Rodriguí^s do Amaral e filhos..
Viuva e filhos de Bernando de Almeida..
.Toáo da Fonseca « •
Manuel d'Almeida Delirão de Seabra
Herdeiros d« Joaquim Basilio
D. Maria .losó d'A Brito da Cosia Faro
Jo?é Pereira e filhos
José Maria d'Abrru Albuquerque Júnior.
Antonio Marlios d'Almeida Andrade
Conselh. Francisco d'A. C. Albuquerque.
João Bernardo d'Alraeida e filhos
Barão de Nelias
Manuoel Paes de Almeida.
Dr. Joaquim Paes da Cunha
Herdeiros de Beolo Antonio Gonçalves...
Herdeiros de Nicolau P. Mendonça Falcão
Antonio Lopes da Cunha
Dr». João Baptista de Castro
Herdeiros de Manuel d'Alm8ida
Maria Paes
José Ribeiro Paes Torres
Antonio Ribeiro e filhos
Nellas
Mesquilella
Caes de Baixo de Mangualde. .
Sarzt^do, Moimenta da Beira..
Guimarães, Chans de Tavares..
Lisboa 6 Di)Uro
Quiuti lla d'Azurara
Abrunho.«a Velha
Moimenta do Dão e Viseu
Cannes de Senhorim
Casal Sandiuho^ Alcafache
T.igilile, Fornos de Maceira Dão
(iasaes de S. João da Fresta
Villa Mendo de Abrunhosa Velha
Mesquitella
Cunha Baixa
Ntllas
Mangualde
Viseu
Outeiro do Espinho, Espinho. . .
Cubos de Mangualde
Canedo do Chão, Mangualde. .,.
Casíurvães
Concelho de Anadia
Lobelhe do Matto
Contensas de Baixo, Cassurrães.
Villa Mendo de Abrunhosa Velha
Fundões de Cassurrães
Lisboa
Pinheiro de Cima de Mangualde
Nellas
Canedo do Chão, Mangualde. . .
Santar, Nellas
Mangualde
Viseu e Villa Real
Pinheiro de Tavares.
Mangualde
Mesquilella
Tibaldinho, Alcafache
Quinta de S. Cosmado
Roda, Mangualde
ZUR
ZUR 2285
Estes SO proprietários representam dois
terços— OM mais — de todo o concelho de
Mangualde — e 20 d'elles vivem em terras
estranhas, principiando pelo conde de Ana-
dia e irmãos:— viscondes d' Alverca e d'Al-
ferrarede, que são os maiores proprietá-
rios.' Pôde pois dizer- se que metade das
rendas do concelho são consumidas fôra
d'elle e, deduzindo as contribuições do es-
tado, que vão para Lisboa, no concelho ape-
nas ficará um terço do seu rendimento pa-
ra os seus 25:000 habitantes.
Horresco referensl ...
Templos
As 3 melhores egrejas d'este concelho são
a matriz de Mangualde, a de Cassurões e a
de Alcafache.
1 Alem dos muitos bens que possuem em
diíferentes pontos do nosso paiz, só n'este
concelho as suas propriedades valera não
menos de trezentos contos de réis, sendo a
maior parte do conde de Anadia, Manoel
Paes, primogénito, que vive em Londres,
como addido á nossa embaixada. O irmão
2.° José de Sá Paes, visconde d' Alverca. — e
o irmão mais novo Carlos, visconde d'Alfer-
rarede, vivem em Lisboa. Este ultimo casou
com uma senhora da familia Barros Lima
e tem a sua casa principal em Abrantes. Os
outros dois irmãos ainda estão solteiros.
A casa principal do visconde d'Alverea è
a grande quinta da Várzea, junto de Coim-
bra.
A mãe, ultima condessa de Anadia, — D.
Anna Julianoa Maria de Moraes Sarmento,
— filha do 1." barão e 1." visconde da Torre
de Moncorvo, e viuva do 3." conde da Ana-
dia José Maria de Sá Pereira e Menezes Paes
do Amaral, perdeu o titulo por haver casa-
do sem licença regia em segundas núpcias,
a 15 de fevereiro de 1879, com o dr. Joa-
quim Augusto Ponces de Carvalho, ou Joa-
quim de Carvalho Ponce de Leão.
V. Anadia, Alferrarede, e Alverca na Re-
senha das famílias titulares de Albano da
Silveira, continuada pelo sr. visconde de
Sanches de Baéna.
Veja-se também o tópico infra: — Condes
de Anadia.
VOLUMK XI
Os abbades de Cassurães foram muito
considerados. Entre outros privilégios ti-
nham e teera o de não serem obrigados a
ir á procissão do Corpo de Deus, que an-
nualmente a camará faz na villa de Man-
gualde e a que são obrigados a assistir to-
dos os parochos do concelho.
Instrucção publica
e pessoas notáveis pelas letras
Ha nas 18 freguezias d'este concelho 17
cadeiras publicas de instrucção primaria
elementar para o sexo masculino e 7 para o
sexo feminino,— -mais uma complementar na
villa, para o sexo masculino, mas mal mon-
tada, pois não tem casa própria. Até hoje
tem funecionado {credite posteri) na casinha
dos novos paços do concelho?! . . .
E' urgente acabar com semelhante vergo-
nha e dotar a villa com um bom edificio
próprio para as aulas dos dois sexos.i
Desde tempos muito remotos Mangualde
teve uma cadeira regia de latim, mas foi
supprimida no meiado d'este século e re-
sentiu-se muito a instrucção publica da vil-
la e do concelho, porque representava um
preparatório importante e facilitava o in-
gresso nos cursos superiores.
A suppressão da dieta cadeira foi muito
nociva á instrucção publica d'este concelho.
Actualmente, p. ex. nenhum filho d'este
1 N'este ponto {e em outros) a villa de
Taboaço envergonha e supplanta todas as
villas d'este districto, pois tem uma aula
complementar muito bem montada era um
esplendido edificio próprio, com uma bi-
bliolheea de 5:000 volumes. — tudo á custa
da opulenta e benemérita familia Macedos
Pintos.
Dotaram também a villa com um theatro,
uma caixa de soccorros, uma companhia
edificadora, etc— e a elles se deve também
a formosa estrada a macadam de Viseu á
foz do Távora por Taboaço — e a ponte so-
bre o Douro ná testa da dieta estrada, li-
gando-a com a linha férrea do Douro, etc,
etc.
V. Miragaya, Sendim, Taboaço e Vicente
(S.) sitio, vol. 11," pag. 516, col. 2.»
144
2286
ZUR
ZUR
concelho frequenta os cursos superiores,
exceptuando 2 alam nos da escola do exer-
cito. Também frequentam a Universidade 4
estudantes — 3 um a escola medico-cirurgi-
ca do Porto, — residindo as suas famílias
n'este concelho, mas sendo filhos de conce-
lhos estranhos. O mesmo se nota ha muito,
mas não succedia isto em outro tempo, an-
tes da suppressão da dieta cadeira.
Pelo contrario esta villa e este concelho
produziram muitoa bacharéis formados em
differentes faculdades, pelo meiado d'este
século.
Oecorrem-nos os seguintes:
Dr. Antonio Augusto Cabral, advogado
dlstinetissimo, principalmente no crime,
— Dr. José Ferreira d' Albuquerque e Cas-
tro, distincto advogado no eivei.
— Dr. Bernardo d' Albuquerque Silva e
Amaral, ornamento da nossa magistratura e
juiz de direito em Celorico da Beira actual-
mente.
— Dr. Bernardo de Mello Cabral^ actual-
mente juiz de direito em Monte Mer o Ve-
lho.
— Dr. Miguel Antonio Gonçalves, advoga-
do distinctissimo.
— Dr. Francisco d' Albuquerque Couto.
Exerceu differentes cargos públicos e
advogou muitos annos também.
— Dr. Manuel Bibeiro Paes Torres.
Foi também advogado n'esca villa muitos
annos.
— Dr. Bernardo d' Albuquerque e Amaral.
E' um dos lentes mais distinctos da Uni-
versidade de Coimbra e tem sido deputado
ás cortes em muitas legislaturas, etc.
— Dr. Francisco d' Almeida Cardoso d' Al-
buquerque, irmão do antecedente.
E' director geral das contribuições dire-
ctas, deputado às cortes e a 1.* influencia
eleitoral d'este concelho, ele.
— Dr. Jeronymo do Couto e Sousa.
E' actualmente juiz do tribunal adminis-
trativo em Visfiu.
Dr. José Cabral Pinto.
E' actualmente juiz de direito era Olivei-
ra do Hospital.
Dr. Antonio d' Albuquerque Couto e Brito.
Foi muitos annos advogado em Viseu.
— Dr. Gaspar de Menezes e Athayde.
E' juiz de direito no Ultramar.
Todos os advogados e magistrados supra
foram quasi contemporâneos, bera como os
seguintes:
. — Dr. Antonio Homem de Vaseoncellos,
distincto medico actual do Lazareto.
— Dr. João Pedro de Vasconcellos, irmão
do antecedente.
Foi advogado n'esta villa muitos annos.
~Dr. José Bernardino d'Abreu Gouveia,
e seu irmão
— Dr. Frederico d' Abreu Gouveia, empre-
gado no ministério do reino.
Note-se porém que estes últimos 4, posto
que viviam n'esta villa, quando se forma-
ram, não são fllhos d'ella.
Foram pois muito brilhantes para este
concelho de Mangualde e para a instrueção
o 2.» e 3.» quartéis d'este século.
Também anteriormente este concelho pro
duziu alguns homens notáveis pelas leltras,
avultando entre elles o seguinte:
Gomes Eannas d'Azurara
Suppoz-se durante muito tempo que o
suceessor de Fernão Lopes era natural da
villa do seu appellido, junto de Villa do
Conde, mas já no ultimo século este ponto
era duvidoso e tanto, que o padre Luiz Car-
doso no seu Diccionar io Geographico, dedi-
cando um artigo esplendido á dieta villa de
Azurara e mencionando muitas pessoas no-
táveis que ella produziu desde os tempos
mais remotos, não mencionou Gomes Eannes,
— 6 hoje parece averiguado que o grande
chronista era de Azurara da Beira.^
Foi tão distincto nas letíras, que mereceu
1 V. Diccion. bibl. tomos S.» e 9.° — e o
interessante artigo do sr. dr. A. da C. Viei-
ra de Meirelles, publicado no Instituto de
Coimbra, vol. 9.°, pag. 72 e 107.
Não podemos dispor do tempo nem do
espaço precisos para traetarmos tão melin-
drosa questão.
ZUR
a honra de ser nomeado successor de Fer-
não Lopes nos altos cargos de chronista mór
do reino e gmrda-môr da Torre do Tombo
por nomeação de 6 d'abril de 1434.
Continuou a ehroniea d'el-rei D. João I,
comprehendendo a tomada de Ceuta.
Escreveu também as chronicas de D. Pe-
dro de Menezes, gbvernador de Ceuta, e de
D. Duarte de Menezes, governador de Alcá-
cer, e para isso foi pessoalmente á Africa,
levando instantes recommendações d'el-rei
D. Affonso V, muito honrosas para o grande
historiador.
A sua ehroniea mais importante é segu-
ramente a do-descobrimento e conquista de
Guiné, a qual sb julgou completamente per-
dida, mas foi descoberta por Ferdinand De-
niz na bibliotheca nacional de França e pela
primeira vez impressa e publicada em Pa-
ris, no anno de 1841, por diligencias do vis-
conde da Carreira.
Sabe-se que Azurara foi também desem-
bargador do eivei e que ainda vivia era 1483,
mas ignora-se a data precisa do seu nasci-
mento e falleeimento, ete.
Senhores de Zurara da Beira
Este concelho teve diíTerentes senhorios
particulares desde os tempos mais remo-
tos, taes foram os seguintes:
1. ° — O conde D. Fernando.
Foi um dos confirmantes na doação que
D. AfTonso Henriques fez do couto de Ma-
ceiradão no anno de 1173.
V. Podesíades em Viterbo.
No foral de Zurara do anno i 102, dado
pelo conde D. Henrique, um dos confirman-
tes foi também o conde D. Fernando, mas
talvez não fosse o mesmo conde, porque
n'esse caso devia ser muito novo em 1102 —
e muito velho em 1173. Elie foi também se-
nhor de Viseu no anno de li73, masno an-
no de 1183 já era senhor de Viseu Pedro
Rodrigues, o que prova ter falleeido o tàl
Mathusalem D. Fernando.
Viterbo, loc. cit.
2. » — Pedro Fernandes, rieo- homem no
tempo de D. Affonso Henriques, pelos an-
nos de 1183.
ZUR 2287
Era talvez filho do tal conde D. Fernando,
pois Fernandes é patronomico de Fernando.
V. Maladia II em Viterbo.
Mais tarde foram senhores de Azurara da
Beira, os Cahraes, depois condes e senhores
de Belmonte.
O 1.» d'e3tâ família, que teve o senhorio
de Azurara, foi Alvaro Gonçalves Cabral,
então Vassallo d'el"rei D. João I e alcaide-
mór do castello da Guarda, ete.
D. João I lhe fez a dieta doação por car-
tas de 27 de março, 15 d'abril e 21 d'agosto
de 1422,— doação que el-rei D. Affonso V
confirmou a Fernão Alvares Cabral em 1449
e se conservou na dieta família até 1380,
como já dissemos supra.
Foram também senhores de Valhelhas,
Manteigas, Moimenta (?) e do julgado de Fi-
gueiredo.
I Tiveram casa e residência, pelo menos
i temporária, na quinta de S. Cosmado, fre-
guezia de Mangualde, pois ainda lá se vé
uma casa muito velha com o seu brasão
d'armas, igual ao da egreja matriz, pelo que
alguém suppòe quo é filho d'este concelho e
nasceu na dieta casa o celebre descobridor
do Brazil—Pídro Álvares Cabral.
O dicto casarão ainda hoje pertence aos
condes de Belmonte.
Famílias mais nobres e mais antigas
d'este concelho
I Alguém dá o 1.* logar aos Cabraes de
Belmonte, referindo-se ao tempo em que
viviam na dieta casa de S. Cornado.
A 2.' é talvez a de Almeidinha, hoje re-
presentada pelo visconde d'csle titulo.
A 3." é talvez a de Cassurrães, hoje re-
presentada pelo sr. Lucas de Seabra, da fa-
mília de José de Seabra, ministro de D. Ma-
ria 1.
São também muito nobres e muito anti-
gas a de Guimarães de Tavares, hoje repre-
sentada pelo sr. Antonio Cabral, de Paços
da Serra,— e a de Darei, hoje representada
pelo sr. José de Nápoles, do Sàrzedo.
Todas estas casas são mais antigas do que
a dos Paes, posto que já conta longa serie
d'aYÓ3 com brasão d'armas, subindo de pon-
2288
ZUR
ZUR
to a sua Dobresa pela alliança com a famí-
lia Sás, de Anadia, graade quinta que de-
mora na margem esquerda do Mondego, en-
tre a quinta das Lagrimas e a das Can-
ms, junto de Coimbra.
Também hoje é a família mais opulenta
de Mangualde, mas ainda nos prineipios d'es-
te século eram talvez mais opulentas as de
Cassurrães e Âlmeidinha, sendo esta ultima
então representada por Simeao de Amaral
Osorio, fidalgo da casa real e capitão-mór
d'este concelho, — pae do 1." barão d'Almei-
dinha— José Osorio de Amaral Sarmento e
Vaseoncellos, par do reino, fidalgo da casa
real e valfiíte coronel de cavall-iria n.» 8,
condecorado com a medalha n.° 2 das cam-
panhas de guerra da península e com a da
batalha de Victoria, ete. etc.
Nasceu em 25 de julho de 1786 e morreu
em 21 de janeiro de 1844.
Pessoas notáveis, mas estranhas
Se podessemos haver á mão os annaes
d'este município {nunca se escreveraml)e as
genealogias das suas casas nobres, por cer-
to encontraríamos grande numero de filhos
d'est6 concelho notáveis pela sua virtude^
pelas armas e pelas lettras, mas tem sido
principalmente íllustrado por pessoas estra-
nhas, que o adoptaram como pátria sua,
n-'elle viveram e alguns falleeeram, taes fo-
ram D. Jeronymo Osorio, bispo de Silves,
que foi abbada em Chãs de Tavares, n'este
concelho, — Jacintho Freire d'Andrade, que
occupou a mesma egreja, — o 1." e 2." conde
da Anadia — e Alberto Osorio de Vaseoncel-
los, distincto parlamentar e distincto escri-
ptor publico, etc. Seja-nos licito pois dar
uma ligeira noticia de tão beneméritos ci-
dadãos.
D. Jeronymo Osorio
Nasceu no anno de 1506 em Lisboa, onde
viviam seus paes, posto que eram filhos da
Beira.
Foi seu pae João Osorio da Fonseca — e
não João do Souro, como disseram João de
Barros e o sr. Latino Coelho;— foi sua mãe
Francisca Gil de Gouveia— e tanto o pae co-
mo a mãe pertenciam a duas nobres famí-
lias da Beira, que tiveram jurisconsultos
eminentes.
Seu avô materno— A/fowso Gil de Gouveia
— foi ouvidor das terras do infante D. Fer-
nando, pae d'el-reí D. Manoel; seu pae João
Osorio da Fonseca foi o celebre ouvidor ge-
ral que acompanhou Vasco da Gama na
3.» e ultima viagem á índia e que o susten-
tou com tanta energia contra D. Duarte de
Menezes, que de certo não lhe entregava o
governo da índia, se não fosse o ouvidor ge-
ral. Foi um drama interessantíssimo, que
não podemos aqui desenvolver.
Quando o licenciado João Osorio da Fon-
seca partiu para a índia como ouvidor ge-
ral, deixou na metrópole sua mulher e filhos,
sendo primogénito o futuro bispo de Silves
e, se o chefe da família prestava tão rele-
vantes serviços na índia, sua esposa não os
prestava menores na pátria, dirigindo a
educação de seus filhos, principalmente a
do mais velho.
A historia diz que o ouvidor João Osorio
da Fonseca era pobre quando foi para a
índia e pobre quando voltou, mas sua es-
posa teve meios para educar prímorosa-
! mente os filhos, dando-lhes por mestres os
! homens mais eminentes do seu tempo. An-
I dré de Rezende e Jeronymo Cardoso foram
mestres e amigos do futuro D. Jeronymo
Osorio, que desde os 10 annos mostrou uma
viveza de engenho extraordinária. Aos 13
annos seus mestres deram-no como habili-
tado no latim, íncitando-o a proseguir nos
estudos em Salamanca, para onde foi de tão
tenra idade.
Em Salamanca ainda continuou a estudar
latim e dedícou-se também á língua grega
durante dois ou mais annos. Depois voltou
á pátria, onde encontrou seu pae, tendo re-
gressado da Índia, onde estava era 1524,—
e este o fez voltar para Salamanca, a fim de
estudar direito civil ou cesáreo, para conti-
nuar as tradições da família materna e pa-
terna, mas D. Jeronymo preferiu a carreira
militar e professou na ordem de Malta; vol-
tou porem de novo a Salamanca e ali por
ZUR
obediência estudou effeelivamente o direito,
proseguindo também com o estudo dos his-
toriadores gregos e latinos— e fazendo des-
de então voto de castidade.
Fallecendo o pae, veiu a Portugal; mas
com pequena demora, pois em 1S25, con-
tando apenas 19 annos, foi para Paris es-
tudar dialéctica óu philosophia, tornando-
se peritissimo n'este ramo de seiencia.
Em Paris conheceu Santo Ignacio de
Loyola e os seus companheiros, privando
com alguns d'elles, especialmente com o
padre Fabre, mas nunca pertenceu á com-
panhia de Jesus, como se vô das suas obras
e dos actos mais importantes da sua vida,
especialmente da celebre Carta em que cen-
surou a poderosa Companhia, attribuindo-
Ihe a desgraça de D. Sebastião.
^ A dieta'Caría|póde ver-se nas Obras iné-
ditas de D. Hieronimo^Osorio^'^ubÍ\cà^^
por Antonio Loureaço Caminha em 1819.
E' um pampleto aspessimo contra o jesuí-
ta padre Luiz Gonçalves da Camara, con-
fessor e director de D. Sebastião, e contra
Martim Gonçalves da Camara, irmão do di-
cto padre e valido do mesmo rei.
Custa a crer que D. Jeronymo Osorio,
sendo tão illustrado e tão prudente, escre-
vesse tal pampleto (desculpem o gallicismo);
—não nos consta porém que até hoje fosse
impugnado.
V. D. Jeronymo Osorio no Diccion. Bibi.
de Innocencio, tomos 3.° e 10.»
De Paris voltou a Portugal, para traetar
de negócios seus, mas tal era o desejo de
saber, que pouco se demorou e partiu para
Bolonha, onde estudou " theologia^^é Tíngua
hebraica.
Foi ali que se encontrou com D. Miguel
da Silva, ligando-se ambos por estreita ami-
sade.^
* V. Viseu no supplemento a este diccio-
nario, onde daremos a locga e muito inte-
ressante biographia d'este celebre cardeal e
ZUR 2289
Esiiveram ambos em Venesa, onde traba-
lharam na restauração de Plinio e tanto se
distinguiram, que foram elogiados pelos
maiores sábios da época.
Tinha 30 annos, quando em Bolonha pu-
blicou o celebre tratado De Nobilitate civili
et Christiana, que dedicou ao infante D.
Luiz, a quem era muito affeiçoado. É uma
das obras mais notáveis d'aquella época e
ainda hoje muito interessante e muito di-
gna de ler-se.
Era já então a sua seiencia tão relevante
que D. João III o mandou chamar de Bolo-
nha para ensinar escriptura em Coimbra,
para onde acabava de transferir a Universi-
dade.
Ali explicou o livro de Isaias e a Episto-
la de S. Paulo aos Romanos, mas não quiz
demorar-se em Coimbra.
Por este tempo escreveu o tratado De
Gloria, obra de Cicero, que se havia desen-
caminhado, pelo que imitou o estylo do
grande orador romano a ponto de illudir
os mais competentes?! . . .
I Depois, em contraposição ao tratado De
I Republica, de Cicero, escreveu o celebre
tratado De Régis Institutione e, para substi-
tuir a falia do tractado De Consollatione,
paraphraseou o livro de Job.
Em recompensa a tantos serviços e ga-
lardão de tanto mérito, foram-lhe dadas as
egrejas de Chans de Tavares e de Travan-
ca n'e8te concelho de Mangualde, mas não
poude ir logo paro chiai as, por ser nomea-
do também secretario do infante D. Luiz e
mestre de D. Antonio, depois prior do Cra-
to, que tantos desgostos lhe deu e que tão
infeliz foil...
Escreveu também por esse tempo as obras
De Jmtitia e De Vera Sapientia, que mais
bispo de Viseu, etc. ete. — bem como a bio-
graphia de D. Julio Francisco d'01iveira,
outro prelado visiense muito notável tam-
bém. Deram-nos trabalho insano; mas não
as publicámos no texto, por serem muito
longasl . . .
2290
ZUR
augraentar^m ainda o seu renome como ía-
tinista, como sábio e como jurisconsulto
emineEtte.
Foi muito estimado por D. João III, por
D. Catliarina e pelo cardeal D. Henrique.
Apesar das instancias da corte, por mor-
te do infante D. Luiz foi D. Jeronymo em
1553 parochiar as suas egrejas de Travanca
e Chans de Tavares, onde esteve 5 annos fa-
zendo profundos estudos, por ser o local j
muito solitário e triste. |
Custa a crer como não morreu de nostal- j
gia n'aquelle deserto e o supportou 5 an-
nos, estando habituado a viver em Lisboa e |
nas primeiras cidades do mundo.
D'aquella Thebaida o fez sair o cardeal
D. Henrique, nomeando-o arcediago d'E-
vora.
Tomou posse a 30 de maio de 1560 e foi
então que escreveu a celebre carta à rainha
Isabel da Inglaterra, chamando -a ao catho-
licisrao, e respondeu a outra celebre carta
de Walter Hadden, entrando na questão o
grande Bacon.
Era então muito respeitado e considerado
no paiz e fora d'elle e por isso apenas o dei-
xaram 4 annos em Évora.
Foi eompellido a acceitar a mitra de Sil-
ves, ou do Algarve, em 156i. Já então] estava
transferida a séde para Faro, mas só elle te-
ve força para realisar a transferencia em
1577, arrostando com o despeito dos habi-
tantes de Silves.
Foi ali prelado cerca de 17 annos e pres-
tou valiosos serviços á instrucção e reli-
gião. Estabeleceu varias escolas de latim,
moral e theologia e cora ellas gastou a maior
parte dos seus rendimentos. Também prati-
cou muitas obras de caridade e beneíicen-
eia.
Era accessivel a todos, mas ao mesmo tem-
po severo, talvez em excesso, na manuten-
ção da disciplina e jurisdreção ecclesias-
ticas.
Assistiu ás cortes de 20 de janeiro de
1568 e depois à coroação do cardeal D. Hen-
ZUR
rique em 28 d'agosto de 1578, posto que só
ia á corto muito violentado. O cardeal D.
Henrique instou para que elle fosse um dos
directores de D. Sebastião, mas terminan-
temente se recusou, dizendo que não podia
deixar o governo do seu bispado.
O que elle não queria--era viver em Lis-
boa e aturar as intrigas da corte, que nem
mesmo no Algarve o deixavam em paz. Até
do Algarve quiz fugir para Roma, — não
para obter a transferencia da séde do seu
bispado, como alguém diz, mas por motivos
mais graves, que proraette revelar um meu
amigo na biographia completa de D. Jero-
nymo Osorio, biographia que está escreven-
do e na qual promette desfazer também ou-
tros erros biographicos com relação ao mes-
mo bispo.
Posto que se recusou a ser director de D.
Sebastião, durante a menoridade d^elle es-
creveu o celebre tractado— Régis Insti-
íutione et Disciplina— mmdona.éíÒ supra. É
um dialogo no convento dos Jeronymos en-
tre elle e três individuas dos mais dislinetos
da época e foi propositadamente escripta
esta obra para servir uâ educação do prín-
cipe.
E' a refutação da Republica de Cicero.
Na tremenda lucta entre o cardeal D .
I Henrique e sua cunhada D. Catharina, lu-
I cta de que o nosso biographado evidente-
I mente queria afastar-se, teve de intervir^
escrevendo uma interessantíssima carta á
avó de D. Sebastião, fazendo que não saísse
do reino, como ella pretendia, i
No reinado de D. Sebastião varias vezes
fez ouvir a sua auetorisada voz em díffereií-
tes cartas, ora censurando a direcção que
davam ao joven rei e aos negócios do esta-
do, ora aconselhando a D. Sebastião quft
casasse e depois de ter successão, em oc-
easião opportuna fosse a Africa, cuja con-
quista elle já então sonhava. ^
* Pôde ver-se também a dieta carta nas
Obras inéditas, citadas supra.
* Veja-se o megmo livrinho - Obras ine-
ZUK
ZUR 2291
D. Jeronymo, AffoQso d' Albuquerque e ,
todos os verdadeiros portuguezes não po-
diam deixar de aconselhar a conquista da
Africa, ainda hoje o nosso objectivo e a ra-
são de ser de Portugal, mas a dieta empre*
sa, então como hoje, é um problema gravís-
simo, pelo que D. Jeronymo recommendava
muita prudência e muita energia para o bom
êxito d'aquella. Infelizmente não o atien-
deram e o resultado foi succumbirmos na
desastrosa batalha d'Alcacer. Deus permitia
que hoje sejamos mais felizes, fundando ou
Iro estado na Africa em substituição do que
fundámos e perdemos na America.
Morto D. Sebastião, subiu ao throno o
cardeal D. Henrique, amigo dedicado de
D. Jeronymo, pelo que este, como já disse-
mos, foi assistir à coroação e a pedido do
cardeal-rei escreveu a obra monumental —
De rebus Emmanuelis — que alguém julga
superior a tudo quanto se escreveu em la-
tim desde Cicero. E' talvez depois dos Lu-
síadas o mais luminoso padrão das glorias
de Portugal,— e apesar d'isso leve de escre-
ver a celebre Defemio nominis sufíl . . .
D. Jeronymo e Camões falleceram no
mesmo anno de i580,— aquelle em Tavira,
a 20 d'agosto e este em Lisboa a 10 de ju-
nho. Os dois maiores portnguezes do sec.xvi
suecumbiram com a nação, cuja ruina elles
não poderam evitar, mas vivem e viverão
eternamente na historia.
A biographia de D. Jeronymo ainda está
por fazer. Ahi ficam alguns traços d'ella em
homenagem ao grande vulto, por ter vivido
fizeste concelho de Mangualde cinco annos.
V. Diccim. bibl. de lonoceneio, vol. 3.* e
10.°; — as Obras de D. Francisco Alexandre
Lobo, tomo 1.0 pag. 293 a 301, — as Obras
inéditas de D. Hieronimo Osorio, citadas
supra, — e Silves n'este diccionario, vol. 9.»
pag. 282, col. 2.»
Jacintho Freire d' Andrade
Nasceu em Beja no anno de 1597 e mor-
reu em Lisboa a 14 de maio de 1657;— fo-
ram seus paes Bernardim Freire de Andrade
e D. Luiza de Faria.
Fez brilhantes estudos em Évora e em
Coimbra, onde recebeu o grau de bacharel
na faculdade de cânones em maio de 1618.
Como tinha dois irmãos mais velhos-, or-
denou-se, posto que o seu caracter um pou-
co leviano e a sua tendência para a saiyra
não revelem grande vocação para o estado
ecelesiaslico.
Pouco depois de formâdo e ordenado, se-
guindo as tendências da época, foi para a
côrte de Madrid, então inveja da Europa,
como se vê do formoso livro de D. Francis-
co de Castro — Solo Madrid es côrte, — e ali
mais desenvolveu e cultivou o seu enorme
talento.
Seria hoje um brilhante jornalista ou che-
fe de repartição em qualquer dos ministé-
rios; então foi primeiramente parocho da
opulenta freguezia de Sambade no concelho
d'Alfandega da Fé, e depois abbade das
Chans de Tavares, n'este concelho de Man-
gualde, então abbadiâ muito mais opulenta!
Era a melhor do bispado de Viseu'— e uma
das melhores de Portugal, mas nos fins do
ultimo século e nos princípios d'e9te sup-
plantou-as a Iodas absolutamente a de Lo -
brigos, que chegou a render mais de vint^
contos de réis por anno?l . . . ^
Foi muito tempo abbade das Chans; ali
exerceu actos parochiaes e ali se conservam
i Alguém diz que esta abbadia no tempo
de D. Jeronymo Osorio e de Jacintho Frei-
re rendia. mais do que a própria mitra vi-
siense?! . . .
Credat judeus , non ego.
Em 1611 o bispado de Viseu rendia dosé
mil cruzados, que por certo correspondiam
i a mais de doze contos de réis da nossa
moeda actual, — e em 1674 a 1684 rendia
det^oito mil cruzados, ou 7.2000:000 réis,
I que deviam corresponder a aproximada-
mente a 18 contos da nossa raoeda.
Y. Viseu, tomo 11." pag. 1580, col. 1;«—
1616, col. 2.»— e 1624, col. 1.»
2^ V. Lobrigos, lomo 4.» pag. 421, col. 2.%
— e Viseu, tomo il." pag. 1;.585, col. 2.»
também.
2292 ZUR
ainda hoje (1889) aJguns documentos firma-
dos por elle.i mas, habituado a viver em
Madrid e Dão podendo supportar o isola-
mento das Chans, em Madrid costumava vi-
ver e gastar as suas rendas; estando porem
ali depois da revolução de 1640, teve de fu-
gir, por haver ordem de prisão contra elle,
como aífecto a D. João IV e mais ainda ao
prineipe D. Theodosio, herdeiro presumpti-
vo da corôa, adorado por toda a nação e que
foi intimo amigo do nosso biographado.
Falleeendo D. Theodosio, quiz el-rei no-
mear Jaeinlho Freire preceptor do príncipe
D. Affonso e também o convidou para bispo
de Viseu, mas tudo recusou e foi para a sua
abbadia, por conhecer a indole de D. Affon-
so (o triste rei D. Affonso VIL..) e ler
quasi a certeza de que o papa não o confir-
maria, como effectivamente não confirmou
bispo algum portuguez até 1671,-14 annos
depois da morte de Jaeinlho Freire.
Passados annos voltou para Lisboa, dei-
xando um coadjutor na abbadia das Chans
e seguindo desde então a vida descuidosa de
iitterato rico.
Viveu muito tempo com a sua irmã D.
Maria Coutinho, cercado de livros, na rua
direita das Portas de Santo Antão, — casa
que infelizmente foi toda pasto das chammas
em sua vida, restando por isso do nosso bio-
graphado poucos manuseriptos — e esses
mesmos só foram publicados a instancias
dos seus amigos.
O pequeno opúsculo— Por/w(;a/ restaura-
do—M traduzido d'outro, que publicou em
latim o bispo D. Manoel da Cunha sob o ti-
tulo de Lusitanae vindicatae. Jacintho Frei-
re o traduziu a instancias da rainha D. Lui-
sa^ a quem o dedicou e esta o fez publicar.
A Vida de D. João de Castro foi eseripta
em obesequio e por instancias do bispo in-
quisidor geral D. Francisco de Castro, e
bem assim escreveu também a Origen y
progreso de la casa y Família de Castro.
^ De D. Jeronymo Osorio não existe na
dieta parochia escripto algum,— nem a sim-
ples assignatura.
ZUR
Também escreveu outras obras indicadas
por Innocencio, mas a que lhe deu mais al-
to renome foi a Vida de D. João de Castro,
e com rasão, pois é um primor de lingua-
gem portugueza. Alguém a censura, mas
outros a defendem, entro estes D. José Bar-
bosa. Diz elle: «.. .bem sei que não faltam
génios tão austeramente críticos, que cen-
suram alguns pensamentos que se acham
n'aquella historia. Não me admiro, depois
que li que houve bárbaros, que apedreja-
ram o sol. A critica que se lhe faz não é fi-
lha da rasão, senão de inveja, e não pesa-
ria aos mesmos que o censuram serem rèos
de similhanles delidos »
Com 60 annos de idade finou-se Jacintho
Freire e jaz em Lisboa na egreja de Santa
Justa, em sepultura rasai . . .
È hoje parceho da freguezia das Chans e
parocho muito digno também o reverendo
Antonio Maria da Nave Valente, que se or-
1 gulha de contar entre os seus antecessores
— D. Jeronymo Osorio e Jacinto Freire
d' Andrade. Suecedeu-Ihe na abbadia, mas
não nas rendas, porque essas desappareee-
ram com a exiiueção dos dízimos em 1832.
Também foi extincto em 1852 o antigo
concelho de Tavares e é cada vez maior a
decadência da antiquissima viíla das Chans,
que teve foraes velhos e novos e muita im-
portância n'outroâ teuipos.i Tem decahido
muito, apesar de ser a dieta parochia atra-
vessada pela nova estrada a macadam de
Viseu a Celorico e da ter a pequena dis-
tancia na linha da Beira Alta uma estação
— a de Gouveia, — que tomou o nome da
Villa de Gouveia, hoje muito industrial e
muito importante, alcandorada na serra da
Estrella, cerca de 15 kilomelros para S.O.2
Condes de Anadia
Os dois primeiros condes de Anadia, pela
sua alta posição e pelos serviços de seu pae
* V. Tavares e Chans do Tavares.
* A estação de Gouveia demora na fie-
guezia de Abrunhosa Velha.
zua
ZUR 2293
» sogro— Ayres de Sá e Mello, ministro da
guerra e dos estrangeiros no tempo da rai-
nha D. Maria I,— vieram illustrar a familia
Paes que, tendo vivido no Canedo do Chão,
mudou nos princípios d'e8te século para o
seu palácio de Mangualde.
A nobre familia Sá é muito antiga e tem
produzido muitos homens illustres, sem que
nenhum d'elles attingisse uma posição pro-
eminente. O próprio Ayres de Sá era ape-
nas um homem honesto, mas sem com-
petência para o alto cargo que exer-
ceu.
A familia Paes de Amaral foi durante al-
guma gerações um exemplo de bons admi-
nistradores, pelo que reuniram uma casa
muito importante, mas nenhum d'elles se
tornou eminente pelas lettras, pela sciencia
ou pelas armas. Todavia Mangualde muito
lhes deve, pois, forçoso é confessal-o, crea-
ram a moderna villa ao mesmo tempo que
formaram a sua grande casa.
O seu palácio, quinta e matta são um
verdadeiro monumento, assombro de Man-
gualde e da província. Os tres largos da villa
são obra d'elles. Os edifícios da Senhora do
Castello, da Misericórdia, do convento e das
Almas a elles devem também a maior
parte— e tudo isto representa grandes som-
mas, como já dissemos supra.
O 4.» conde de Anadia teve também
uma celebridade especial, posto que mor-
reu na flor |dos annos, a 10 de julho de
1870.
Era dotado de u ma figura gentil e de mui-
ta bondade, mas sem força para reagir con-
tra o meio deletério em que viveu e gastou
a existência inutilmente.
Gomo já dissemos, casou e teve tres fi-
lhos, seus actuaes representantes: — o sr.
conde de Anadia, residente em Londres,—
o sr. visconde d'Alvercâ e o sr. visconde de
Alferrarede, ambos residentes em Lisboa.
Vivem pois todos Ires longe de Mangualde,
com o que a villa de Mangualde muito sof-
fre, pois gastam longe d'ella as suas avul-
tadas rendas.
Veja-se o tópico supra, immediato á re-
lação dos 50 maiores proprietários de Man-
gualde.
Alberto Osorio de Vasconcellos^
Paliando de Mangualde, não podemos dei-
xar de dizer alguma caisa d'este beneméri-
to extincto, cuja vida foi tão curta e tão
brilhante.
Pelo lado paterno descendia dos antigos
Vasconcellos, representados pelos marque-
zes de Castello Melhor; pelo lado materno
descendia dos Osorios da Costa Cabral d' Al-
buquerque, representados na Beira por tan-
tas famílias illustres, a começar pela das
Lagrimas.
Eram da sua familia Mem Moniz, D. Je-
ronymo Osorio, os Gomides ou Albuquer-
ques, o celebre conde de Castello Melhor,
ete. e todavia era muito democrata.
Alberto Osorio de Vasconcellos pelo lado
de sua mãe descendia de D. Beatriz Osorio,
irmã de D. Jeronymo Osorio, bispo de Sil*
ves, mencionado supra, a qual casou com
Diogo Gonçalves Cabral, eminente juriscon-
sulto, como declarava a sua campa na Ca-
pella mor de Santa Maria de Celorico da
Beira.
Foi seu S.« avô Jeronymo Osorio de Cas-
tro, que hospedou na sua casa da Guarda
el-rei D. Pedro II e o imperador Carlos VI.
Nasceu Alberto Osorio do Vasconcellos a
29 de janeiro de 1842 no Largo do Leão em
Lisboa (Arroios) na casa do seu avô mater-
no, José Osorio de Castro Cabral d*Albu-
querque, tenente general, que foi muitos an-
nos governador de Macau, governando de-
pois a Beira Baixa até que foi eleito sena-
dor. O nosso biographado era pois natural
de Lisboa e não da Beira, como disse toda
a imprensa na occasião da sua morte.
Foi de tenra idade para a Beira com a
maior parte da sua familia, que se estabe-
leceu na freguezia de Muxagata, concelho
de Fornos d' Algodres.
* V. Diccion. Popular, vol. 13, pag. 267 a
269.
2294 ZUR
ZUR
Sua mãe, D. Carlota Osorio, ím uma san-
ta;—seu pae, Alberto Osorio de Vaseoncel-
los Hasse da Cunha, era o typo do fiialgo
de Lisboa nos princípios d'este século.
Foram seus tios maternos o general José
Osorio de Castro Cabra! d'Albuquerque, fal-
lecido em Lisboa a 5 de novembro da 1887,
— Joaquim Osorio, actual recebedor da co-
marca de Fornos d' Algodres,— Antonio Oso-
rio, que falleeeu em Lisboa a 10 de janeiro
de 1883, sendo major do estado maior, —
João Osorio, que falleeeu em 1855, sendo al-
feres,—Jeronymo Osorio, actual comman-
dante d'infanteria n." 2— D. Anna Osorio,
casada com Antonio Pedroso de Sousa Cou-
tinho, residente era Lisboa,— e D. Marianna
Osorio, casada com o dr. João Baptista de
Ga o conservador em Mangualde, mas na-
tural da freguezia de Eucisia, concelho da
Alfandega da Fé, na província de Traz os
Montes.i
Contando apenas 10 annos, foi Alberto
Osorio para o seminário de Viseu, onde es-
teve um anno somente e depois outro anno
em Coimbra com seus tios, que ao tempo
frequentavam a Universidade. Passou depois
1 D'este consorcio tiveram 2 filhos: — D.
Anna, ainda solteira, e Alberto Osorio de
Castro, distineto escríptor publico, poe-
ta, jornalista o alurano do 4.» anno de di-
reito na Universidado de Coimbra, onde tem
obtido varias distmcçòes, poia é wn talento
superior.
E' também proprietário o redactor do
Novo Tempo, jornal que se publica em Man-
gualde.
Nasceu em Coimbra no dia 1 de março de
1868, quando seu pae ali frequentava o 5.*
anno de direito.
Casou em 15 d'agosto de 1888 com D. Ca-
tharina de Sousa Coutinho, senhora muito
interessante, primorosamente educada e
muito illustrada, filha de D. Alexandre de
Sousa Coutinho, neta do 2." conde de Li-
nhares e sobrinha da actual marqueza do
Funchal.
Tem uma filha, — Maria Anna, — ainda
muito nova.
alguns annos em Lamego na casa de sieu
tio Jeronymo Osorio, então oíBeial d'infaan-
teria n.» 9. D'ali foi para o collegio de Nios-
sa Senhora da Conceição, que em Lisbioa
teve o sr. Carreira de Mello, e ali fez c(om
distineção os seus preparatórios.
Em 1859 matriculou-se na Escola Polly-
techniea, terminando em 1863 muito btri-
Ihantemente o seu curso, no qual obteve 2
prémios pecuniários e um louvor.
As?entou praça no 7 d'infanteriae depoois
seguiu o curso de engenharia militar na fes-
cola do exercito, onde se matriculou a, 8
d'outubro de 1863, tendo 21 annos de idla-
de, e concluiu o curso em 3 de dezembro de
1866, sendo classificado com o n." 1.
Foi promovido a tenente de estado maiior
d'engenheiros em 22 de junho de 1875, —
eleito deputado em 1870 e suceessivamemte
até 1879, sempre pelo circulo de Trancoso,
a que pertence o concelho de Fornos d' Al-
godres,—e nas camarás fez brilhantes diis-
eursos.
Foi poeta, foi litterato, foi politico e u:m
dos primeiros jornalistas do seu tempo.
Iniciou a sua carreira jornaliâtica na Ga-
zeta de Portugal, passou depois ao Jornal do
Commercio e collaborou em ouíros muitos
jornaes portuguezes, nomeadamente no Pa-
norama, Archivo Pittoresco e Revista Con-
temporânea. Fundou a Revista do Século e
depois a Democracia em 1872.
Foi o auelor da celebre Carta do Ermi-
tão do Chiado, que tanto barulho causou em
1866.
Escreveu Estudos sobre a defesa do nos-
so paiz e Batalhas dos portuguezes, etc.
Dedieou-se sempre a estudos históricos e
estava ultimamente trabalhando na Historia
da revolução de 1820.
Foi também encarregado de escrever a
historia da engenharia ena Portugal, pelo
ministro da guerra, o sr. João Chrisostomo.
Era muito affeiçoado á província da Bei-
! ra; prestou-lhe relevantes serviços e, quan-
I do viu que a morte se aproximava, n'ella
j quiz expirar, como expirou, junto de seus
; tios— D. Marianna Osorio e João Baptista
de Castro— na vílla de Mangualde, onde fal-
leeeu a 27 de junho de 1881— e ali jaz no
ZUR
ZUR 2295
elegaaante maazoleu da s.« D. Leonor Marga-
rida , de Carvalho Fonseca e Amaral.
Aoo) finado Alberto Oeorio se deve a dire-
ctriz i , da linha da Beira Alta pela margem di-
reitaai do Mondego, atravessaLdo os conce-
lhos < (de Mangualde, Foraos d'Algodres, ete-
Foi umma lucta cruel, pois havia muitos eava-
Iheinrros importantes que pretendiam leval-a
pela i margem esquerda do Mondego, como
por certo devia ir, atravessando os conce-
lhos ? de Ceia e Gouveia, onde ha tantas fa-
bricsaas de lanifícios.
Na'aa campanha ena favor da directriz pel^
marg^em esquerda do Mondego avultou o
granoide industrial Joaquim d' Almeida Rai-
nha, ., de Gouveia, que não só offereseu grátis
as eEJxprcpriaçòôs para passagem das linhas
atraMwez das suas propriedades (note-se que
era o maior proprietário do dicto conce-
lho!.'— ),— mas offereceu lambem grátis as
travereessas ou chulipas para toda a linha den-
tro dedo mesmo concelho, na extensão de 30
kilonnnetros aproximadamente, o que tudo
reprffíesenta muitos contos de réis!. . .
V/.. Villa Nova de Tazem e Gouveia u'este
diceisiionario e nosupplemento.
Vi^iingou a demanda Alberto Osorio, mas
foi umm erro económico e um grande esean-
dalop,, — como levar a linha férrea do Norte
peloo litloral, para servir Aveiro e o sr. José
Eâtee vam Coelho de Magalhães — e ado Dou-
ro f por Paredes, para servir o sr. José Gui-
Ihenrime Pacheco.
DOeus lhes perdoe e aos ministros que or-
denaairam taes eseandalost . . .
Ai^llberto Osorio elevou também Mangual-
de í a comarca de 2.» classe, — creou a de
Formos d'Algodres, — fez com que o governo
déssisie á Villa de Trancoso um bom edifício
pubblico para tribunal e paços do concelho—
e[prr(estou relevantes favores a innumeros fi-
lhoss da Beira.
Viação publica
EEste concelho está todo atravessado por
estriadas a macadam de 2." e 3.» classe, fei-
tas pelo estado, exceptuando uma que foi
^eitaa pelo município. E' a de Alcafache,
quee entronca na de Mangualde a Foz-Dão,a
i.' ' que se construiu e atravessa este conce-
lho ) de nascente a poente.
Depois de feita a dieta estrada da Fo z
Dão, fez-.?e um ramal em Santa Oomba Dão
que a ligou com a de Viseu á Mealhada e
Coimbra, filhando assim a villa de Mangual-
de lambem ligada por ella à Mealhada e
Coimbra.
Prolongou-se depois a dieta estrada até
Celorico, por Fornos d'Algodres, cortando o
concelho de Mangualde quasi a meio, de
nascente a poente.
Seguiu se a de Mangualde a Viseu, en-
troncando n'aqurilla a O. de Mangualde.
Fez se depois a de Mangualde a Casten-
do, atravessando este concelho de sul a nor-
te,—e depois prolongou-se para o sul, de
Mangualde até Gouveia, atravessando o
Mondego na ponte Palhez. Ficou assim
cortado e servido este concelho por duas
i boas estradas: — uma de nascente a poente
— e outra de norte a sul.
Depois fez se outra para Santar, que de-
ve ir a Tondella.
D'esta de Santar é que parte a de J^lca-
fache—a também vaed'ella para Lobelhe um
ramal feito pelo munieipio.
Tariíbera parte da de Gouveia ura peque-
no ramal para a estação de Cubos ou de
Mangualde,~e outro para a freguezia e po-
voação da MesquiteUa. Ambos foram feitos
pela companhia constructora da linha da
Beira Alta.
x\ítíni;ionaremos lambem outro pequeno
ramal frfito pelos condes de Anadia. En-
tronca na estrada de Fornos d'Algodres e
liga Mangualde com o santuário da Senho-
ra do Castello.
A camará principiou lambem um ramal
para Quintella de Azurara, mas ainda não
o acabou— e estão projectados e estudados
outros ramaes.
Estações da linha férrea
Como já dissemos, a linha da Beira Alta
corta este concelho de nascente a poente e
tom n'elle duas estações: — a de Mangualde
na povoação dos Cubos, cerca de 2700 me-
tros ao sul da viila, — e a de Gouveia, junto
da povoação de Villa Mendo, na freguezia
de Abrunhosa Velfia e distante de Mangual-
2296 ZDR
ZUR
de 16 kilomelros para o nascente. Ellaài3- \
ta de Gouveia apenas 15 a 20 kiíometros e j
hoje está ligada áquella importante villa por j
uma boa estrada a macadam, principiada j
em agosto de 1881, mas como a estação de- j
mora em sitio ermo, os industriaes e liabi- |
tantes de Gouveia (exceptuando os da parte
leste do concellio) preferem a de Mangual-
de, embora mais distante quasi o dobro —
cerca de 30 kiíometros. Preferem-na por fi-
car mais próxima da Figueira, de Coimbra,
do Porto e de Lisboa — e junto da villa de
Mangualde, onde teem muitos interesses e
03 seus depósitos de lanifícios para os gran-
des mercados.
E' pois a estação de Cubos a de Mangual-
de e de Gouveia, pelo que tem grande mo-
vimento e é a mais importante da linha da
Bei Alta,— depois da estação terminus da
Figueira.
Quintas
As 3 melhores quintas d'este concelho na
actualidade são a da casa da Anadia, cerca
do grande palacio,~a do visconde d'Almei-
dinha, na povoação d'este nome, — ea dos
Nápoles do Sarzedo, na povoação "de Dam.
Boas egrejas
As 3 egrejas mais rendosas d'este conce-
lho na actualidade são a|de Espinho, a de
Cassurães e a de Alcafache.
Tinham passaes soberbos, que em virtude
da lei vigente foram vendidos, — mas foi
transformado o seu preço em inscripçoes —
6 estas averbadas aos respectivos parochos.
As dietas egrejas rendem mais do que a
das Chans e a própria de Mangualde, ape-
sar de ser a mais populosa de todas as do
concelho.
Presbyteros
Ha n'este concelho actualmente 12 padres
filhos d'elle, e mais 3 ou 4 que vivem a dis-
tancia,— sendo um d'elles o reverendo An-
tonio Loureiro, prior de Nossa Senhora da
Assumpção, A Bella, em S. Thiago de Ca-
cem,— outro, o reverendo Antonio Miguel
d'A]meida, prior de Alcobaça.
A maior parte dos 18 parochos d'este ccon-
celho não são filhos d'elle.
Orçamento
A cifra do orçamento da camará de Mlan-
gualde, relativa ao corrente anno de 18889 ô
de 15:875^307 réis.
Hectares e prédios
Este concelho tem de superficie 22.:740
hectares— e em 1875, segundo se lê na Cho-
rogr. Moderna, tinha 19:512 prédios insícri-
ptos na matriz, mas hoje (1889) deve ter
aproximadamente 30;000,
Não pude obter cifra exacta, porqu© as
matrizes d'e8te concelho são um cahosl . . .
A comarca
Na antiga magistratura o concelho de
Mangualde pertencia á comarca (eorreige-
doria e provedoria) de Viseu.
Pela divisão judicial de 1832 este comce-
Iho ficou pertencendo á comarca de Ton-
delia?! . . .
Por decreto de 28 de dezembro de 1840
foi a villa de Mangualde, séde do concelho,
elevada também a sôde de comarca de 3.»
classe, comprehendendo os concelhos de
Mangualde, Nellas e Penalva do Castello .
Pela ultima divisão judicial foi esta «o-
marca elevada a 2 * classe— e sem favor,
porque rende mais do que algumas de 1."
classe, posto que então Ibe tiraram 7 fre-
guezias para a comarca de Fornos d' Algo-
dres, creada ao mesmo tempo a instancias e
por influencia do benemérito filho adoptivo
da Beira, mencionado surrai— Alberto Oso-
rio de Vasconcello?,, — a quem se deve tam-
bém a elevação da comarca de Mangualde a
2.» classe.
Comprehende pois esta comarca as 14
freguezias seguintes do concelho de Man-
gualde:—Abrunhosa Velha, Alcafache, Gas-
surrães, Cunha Alta, Cunha Baixa, Espinho,
Fornos de Maceira Dão, Freixiosa, Lobelhe
do Mato, Mangualde (séde do concelho e da
comarca), Mesquitella, Moimenta de Macei-
ZUR
ra DDião, Povoa de Gervães e Quintella de
Azura-aira,
Coonuprehende também as 6 freguezias
que ( (constituem o concelho de Nellas : —
Cannams de Senhorim, Carvalhal Redondo,
Nellaasi, Santar, Senhorim e Villar Sêceo,—
mais ! 19 do concelho de Penalva:— Castello
de Peemalva, Esffiolfe, Germil, Insua, Luzin-
de, PiMmdo, Real, Sezures e Traneosello.
Tot2t?dl 29 freguezias.
As ' 7, que passaram d'esla comarca para
a de FFornos d'Algodres, foram as seguintes:
— Chaa.ns ce Tavares, Várzea de Tavares,
Travanmea t S. João da Fresta, pertencentes
ainda l lhoje \o concelho de Mangu2l(le;~Àn-
tas de 9 Penalva, Mareco e Villa Cova do Co-
vello, perteicentes ainda hoje também ao
concelil ho de Penalva do Castello.
dinheiro mutuado
Ha n'esla comarca cerca de seiscentos
contos s de ré» em dinheiro mutuado?! . . .
D'esta V cifra pertencem ao concelho de Man-
gualdáe aproximadamente 300 contos,— i50
contos 3 ao conielho de Nellas— e aproxima-
damennte outroj 150 contos ao concelho de
Penalvva.
Trisístis estl...
Arrcheologia histórica e prehistorica
Chanmamos pira este concelho de Man-
gualdee a attençào dos archeologos, pois foi
oecupaado desde remotíssimos tempos, co-
mo pro-ovam as muitas velharias que n'elle
se encaontram~e mais se encontrarão, logo
que sejBja devidamente explorado. Apontare-
mos al^lgumas.
A vililla de Mangualde é moderna, mas
ainda a assim tem um venerando templo do
sec. xvvi— e uma torre muito mais antiga,
como jíjá dissemos; representa porem a villa
um cãs.stro romano ou pre-romano, que mui-
to provvavelmente foi occupado pelos godos
e pelos s árabes. Pompeou junto do santuário
de Nosssa Senhora do Cassello, como diz a
tradiçãáo, avivada em 1716 pelo Santuário
Mariannno, tomo 5.« pag. 162.
Isto I mesmo provam a onomástica, dando
ZUR
2297
ainda hoje ao local o nome de Castello,— e
as ruínas de fortificações que ainda hoje
também se vêem a leste do santuário.
E que o dieto castello foi romano ou pre-
romano provam também as ruínas da cita-
nia, que o sr. dr. Alberto Osorio de Castro
descobriu a 0. do dicto castro ou monte no
meiado do ultimo anno (1889).^
Demoram na planície contigua; occupam
cerca de 1 kilomelro quadrado e revelam a
existência de uma cidade luso-romana, que
formava um todo com o dicto castro e era
protegida e defendida por elle. Estava com-
pletamente soterrada e d'ella não havia me-
moria. Foi destruída muito provavelmente
na invasão dos bárbaros. Os mouros ape-
nas restauraram o castello e este mesmo foi
destruído e desappareceu antes da fundação
da nossa monarchia, pois não se encontra
menção d'elle no foral de 1102, nem no fo-
ral de D. Diniz,— nem teve alcaides mores
no tempo dos nossos róis.
A Citania de Mangualde
O sr. dr. Alberto Osorio, mencionado su-
pra, residindo em Mangualde e costumando
ir passear até o santuário da Senhora do
Castello, viu em uma proj^riedade contigua
paredes feitas com fragmentos de tijolo e
de telhas de rebordo, claramente romanas, o
que muito o impressionou e levou a estu-
dar a dieta propriedade. Encontrou mais al-
gumas velharias^— depois soube que outros
muitos lá se tinham encontrado— e, como o
nosso governo até hoje nunca se importou
com explorações archeologicas, participou
tudo á benemertia Sociedade Martins Sar-
mento, de Guimarães.
O sr. dr. Francisco Martins Sarmento,
distincto archeologo, explorador da Citania
de Briteiros e presidente da dieta socieda-
1 Estamos escrevendo estas linhas em ja-
neiro de 1890. Não nos foi possível acabar
este diccionario em 1889, como tencionáva-
mos e muito desejavamoal. . .
2298 ZUR ZUR
de,i mandou-lhe 50^000 réis para começo
da exploração, que parou por motivos que
logo exporemos, sendo aliás muito auspi-
ciosa, como se vê do artigo seguinte, publi
cado pelo dieio sr. dr. Alberto Osorio no
seu jornal O Novo Tempo, de 17 d'outuljro
de 1889.
«Nos princípios de setembro de 1889, o
redactor do Novo Tempo participava para
Guimarães ao sr. dr. Francisco Martins Sar-
mento, que no grande valle da encosta
poente do monte da Senhora do Castello a
um kiloraetro de Mangualde, a cada passo
se encontravam fragmentos de telha romana
de rebordo e outros restos de uma velha po-
voação romana ou romanisada. Principal e
caracter isadamente nos sitios da Raposeira
e do Valle das Campas, na direcção W— e
dos quaes se podem mesmo ver dois troços
bem conservados de via romana surgindo e
desappareeendo bruscamente entre as gran-
des lages e pedregulhos d'um maninho. Os
tijolos, as tuiles á rebord e pedras lavradas
de edificações appareciam em tal abundân-
cia, que as propriedades dos dois sitios
eram muradas com esses destroços, arran-
cados sem di£Bcul(iÈide debaixo da terra ará-
vel.
O reconto dos dois proprietários da Ra-
pozeira era notável.
Diziam que desde o esbravamento pouco
remoto (60 anãos) d'esses terrenos, antiga-
mente tojaes maninhos, restos de casas, te-
lhas, uma bilha de bronze, moedas, pedaços
de mármore e um edifício quadrado de gran-
des tijolos haviam sido em segredo desco-
bertos n' essas propriedades, e ou destruídos
ou de novo solterrados para se evitar a in-
vasão da propriedade pelos curiosos.
1 V. Briteiros, Citania de Briteiros e Gui-
marães n'e8te diceionario e no supplemento
— e Zêzere, rio da Beira Baixa, tomo li."
pag. 2218, eol. 2.*, onde loencionamos osr.
dr. Martins Sarmento copjo presidente da
secção de archeologia da Expedição Ácienti-
fica enviada à serra da Estrella em 1881.
«Um entablamento, uma base deco luimna
ainda com signaes de estuque polychirojmio,
e ura capitel da ordem toscana não desixa-
ram a menor duvida no espirito do redaictor
do Novo Tempo, sobre a existência n 'aqiuel-
le valle das roinas d'algama importtainte e
grande povoação, talvez do typo da Cittania
de Briteiros fortemente romanisáda,, ccomo
demonstravam^a via romana, os re tosí dée co-
lumnas rústicas e sobretudo a te ha dee re-
bordo, povoação destruída e an asaidai por
alguma das invasões, e cujos resto se essten-
diam por mais de um kilometrc qaadlrado
de superfície. J
Tudo isto contava ao sr. dr. Martins ; Sar-
mento, perguntando a opinião «o illiustre
sábio sobre a importância da flommurnica-
ção e a vantagem d^um reconhécimentto da
cidade morta. |
Respondeu logo o sr. dr. Bartias Sar-
mento, promptificando-se a copcorrer com
50^000 réis, em nome da Soèiedade Mar-
tins Sarmento, para um simplès reconlheci-
mento das ruínas e nomead^ente dia tal
casa quadrada que eonservavíí os tijoloDS do
tecto ou do pavimento.»
Disse o illustre auctor dos Argonatutas:
«A tradição popular que attribue aos
mouros a fundação do Castro ou CasteHlo, é
com certeza tão falsa como todas ais da
mesma espécie que correm no Minho, on-
de 03 árabes mal pozeram o pé. Eu tcenho
visto que os nossos Castros não são oDutra
coisa mais que velhas povoações do tyR)o da
Citania, remontando á epoeha pre»romaana.
No geral d'elles é visivol a influenciía ro-
mana; porque muitos d*elle8 continuaram a
subsistir ainda depois da conquista. O siignal
mais apparente d'e8ta influencia ó a tíal te-
lha de rebordo que faz o desespero do pro-
prietário de Mangualde e que é quasi imdes-
truetivel. Páreee quo os nossos lusitaaios se
aborreceram por fim de viver nos alltos e
foram mudando para a plauicia. Os Caistros
ficaram desertos; mas nas faldas d'ell8is ap«
ZUR
pareceu mais tarde a egreja chrislã, em cu •
jas paredes se encontram não poucas vezes
inscripções, quer funerárias quer votivas;
inscripções com nomes de deuses tenho
achado tres ou quatro. Antes que a popu-
lação 86 ehristianisasse, tinha já alli o cen-
tro d'um culto pagão. A uma povoação d'e8-
se segundo typo me parece pertencerem as
ruínas de que é senhor o lavrador de Man-
gualde» se é que o sitio é plano, como ima-
gino. A telha com rebordo é romana, as co-
lumnas mais accusam a cultura romana. . .
«...Estas povoações podiam ter-se per-
petuado até hoje, se não fossem as assola-
ções dos bárbaros e depois as dos árabes;
mas é claro que só o alvião e a enchada po-
dem desenterrar do solo a data em que ellas
acabaram, ou na decifração das moedas ou
na dos objectos encontrados.
«Se a informação do proprietário acerca
da casa solterrada, e ainda com o telhado, é
exacta, e se ha mais casas n'essas condições,
a exploração das ruínas deve ser importan-
tíssima, por devermos suppôr que o seu in-
terior nunca foi devassado. S.Thomé deixou
muitos sectários, e n'este caso especial eu
sou do numero. Já me não admiraria que a
pretendida casa fosse a parte inferior d'al-
gum palatum (e a sobrevivência do nome
de Paço seria uma boa indicação) chamada
hypocause. Esta parte era de pouca altura,
com um pavimento de grandes tijolos, e por
ahi circulava uma corrente ealorifera, pro-
veniente d'um forno construído a um dos
lados. Como estes baixos foram ab initio
construídos B'um plano inferior ao nivel do
solo, admira pouco que fossem soUerra-
dos.»
«No dia 25 de setembro, depois d'uma ou-
tra carta do sr. dr. Martins Sarmento, co-
meçaram as escavações. A cada enxadada
se descobre um muro ou uma calçada. As
ruínas são enormes. Está o hypocause qua-
sí descoberto e os muros de uma grande
casa vísinha, onde no desentulho áe 5 de
ZUR 2299
outubro se encontraram dentro de uma pa-
nella 34 moedas romanas: 12 de prata e 20
de bronze, do tempo dos Antoninos a maior
parte. Das de prata ha uma de Nerva, 7 de
Adriano, uma de Aurelio, uma de Domicia-
no, algumas de Trajano, outras de Trajano
e Adriano, uma de Vespasiano e uma des-
conhecida. O hypocause é precisamente co-
mo o havia deseripto o sr. dr. Martins Sar-
mento: a um lado, ao sul, a fornalha; do
nascente um pavimento cheio de pilares,
sobre os quaes assentam os grandes tijolos.
Em frente da fornalha fica um comparti-
mento estreito e ainda meio sotterrado, no
qual se encontraram restos de ossos e uma
pedra azul clara, conservando o signal d'um
engaste e similhante a outras encontradas
na Citania de Guimarães. Parece ler sido
collada a um objecto qualquer, como orna-
to d'elle,— diz-nos o sr. Martins Sarmento.
N'algun8 dias de escavações tera-se deseo-
berio muitíssimos fragmentos detalhas, asas
de ampfaoras, canos de chumbo, mós de pe-
dra, mármores despolidos, moldes de ferro,
cinzas e carvões de fornalha, loiça romana
vermelha e envernisada, vidros coloridos e
cerâmica grosseira indígena. Pedaços de vi-
dro das côres do de Mangualde também ap-
parecem na CJtama de Briteiros. Já a loiça
romana não se encontra em Sabroso.
N'um fragmento de admirável loiça ver-
melha encontra-se a marca e o nome do
oleiro. Chamava-ge o artista de ha dois mil
I nnnos—Sabinus. As ruinas não podem ser
mais importantes, e certamente o governo
deverá adquirir esse monumento da histo-
ria e da palethnologia da Península.»
Suspenderam as escavações, receando que
o dono da quinta as prohibisseou que, ten-
tado pela ganância real ou apparente, qui-
zesse proseguir na exploração por conta pró-
pria, mas vários cavalheiros de Mangualde
erapenham-se com o governo, para que este
compre a dieta propriedade e prosiga na ex-
ploração em devida fórma.
Representa pois Mangualde o castro ro-
mano cu pre romano do monte da Senhora
2300 ZUR
ZUR
do Castello — e a citania soterrada junto
d'elle e da villa.
Ha também no concelho de Mangualde
restos de fortifieaçSes e habitações anti-
quíssimas em Contensas de Baixo, freguezia
de Cassurrães, no sitio da Recha. Ali se en-
contra também telha de rebordo, grandes
muralhas, muitos fragmentos de cerâmica,
etc. — tudo por explorar ainda.
Também no monte da Senhora do Bom
Successo, junto da villa de Chans de Tava-
res, a grande abbadia de D. Jeronymo Oso-
rio e de Jacinto Freire de Andrade, se en-
contram ruinas de uma cwidade importan-
te:—muralhas cyclopicas, vias romanas, te-
lha de rebordo, columnataSj restos de habi-
taçoes, etc, — tudo inexplorado ainda tam-
bém?! . . .
Do exposto se vê que os romanos tive-
ram demorada residência uo concelho de
Mangualde — e foi habitado também muito
anteriormente nos tempos prehistoricos da
idade da pedra, como provam os monumen-
tos megalíticos que ainda hoje se encontram
n'este concelho e nos concelhos circumvisi-
nhos.
Apontaremos alguns.
Monumentos prehistoricos
No jornal O Novo Tempo de 19 de de-
zembro de 1889j se lê o seguinte:
tDe uma interessante e penhorantissima
carta do nosso bom amigo sr. Bernardo Ro-
drigues do Amaral, abastado proprietário do
Outeiro de Espinho, tirámos as seguintes va-
liosas noticias dos dolmens on antas conhe-
cidas por este cavalheiro na comarca de
Mangualde. Chamamos a curiosidade intel-
ligente e sympathiea dos nossos leitores pa-
ra um reconhecimento completo de todas as
riquezas archeologicas da região. Ninguém
ignora hoje em dia a luz que sobre a histo-
ria e o destino da humanidade pôde lançar
o mais insignificante escombro das civilisa-
ções passadas, o minimo vestígio por mais
primitivo e tosco da actividade infatigável
do homem. E' sobre os monumentos da
época neolithica, os dolmens ou antas, tam-
bém chamados orcas, madornas, mamoas e
mamounhas, sobre os grandes penedojs a
prumo, as inseripções e os signaes nos i ro-
chedos que particularmente chamamoss a
attenção dos nossos estimáveis leitores.. E
desde já pedimos ao distinetissimo vereaddor
da camará de Mangualde, o sr. dr. Sebasttião
de Moraes, uma proposta sobre a convenicen-
cia da immediata protecção da camará de
Mangualde a esses restos das civilisaçõesi de
ha quatro mil annos. Seguem as infornma-
ções do sr. Bernardo do Amaral, que ceor-
dealmente agradecemos:
«No limite da Cunha Baixa, concelho» de
Mangualde, existe um dolraen muito boem
conservado junto do rio.
No mesmo limite ha um outro dolmien,
onde chamam os Pedraes,—e ali perto le3m-
bro-me de ter visto um marco de pecdra
muito elevadol Não sei se ainda existe.
No sitio do Salgueiro, limite de Villa Mo-
va, ha uma pedra com uns fojos ou peqiue-
nas covas, e ahi perto teem apparecido te-
lhas de rebordo e pedras de cantaria.
Ha outro dolmen nos Braçaes, limite do
Outeiro (freguezia do Espinho, concelho) de
Mangualde) — e perto d'elle conheço uima
pedra com uma inseripção.
Ha outro dolmen janto do rio, na povcoa-
ção da Fonte do Alcaide, no sitio da Orrca
(freguezia de Senhorim, concelho de Me\-
las.
Lembro -me de outro dolmen no limites da
Povoa de Cima, aldeia da mesma freguezzia>
— e parece-me ter visto ali uma pedra ccom
entalhes.
Existiu outro dolmen no sitio da Carwa-
Ihinha, na mesma parochia de Senhoriim,
msLS despedaçaram-no (?!...) haverá 8 aan-
nos.
Também ha na povoação de Senhorrim,
uma terra onde teem apparecido tijolos — e
dizem que no mesmo sitio ha ruinas de uum
Castello.
Ha também outro castello junto do rio ) na
povoação de Gandufe, termo da parochia i de
Espinho, concelho de Mangualde.»
Eis aqui uma lista de seis dolmens ou aan-
ZUR
ZUR 2301
ias, pertencentes a esta comarca, mas de-
vem ser em maior numero, pois segundo
disse o meu antecessor no artigo Canas de
Senhorim, freguezia do concelho de Nellas.i
— «ha n'esta freguezia muitos dolmens, a que
os d'aqui chamam orcas, e dizem ser obra
dos mouros, e que sobre a lagea superior
queimavam os dizimos.i
Também pela onomástica a freguezia de
Antas de Penalva revela a existência da
-dolmens ou antas na localidade, — e no con.
celho de Gouveia, visinho e limitrophe do
de Mangualde, ainda hoje se encontram 2
dolmens, um penedo baloiçante, uma casa
-aberta a picão dentro d'outro penedo (na
freguezia de Arcozello) e muitas sepulturas
abertas na rocha.
V. Villa Nova de Tazem, tomo 11.° pag.
%87, col. 2.» in fine e segg.,— Villa Ruiva
no mesmo tomo, pag. 1052, col. 2.» também»
~-e Viseu, no mesmo vol., pag. 1699 a 1705
onde se encontra larga noticia dos monu-
mentos prehistorícos e se indicam muitos
doimens nas visinhanças de Mangualde, no-
meadamente na freguezia de Paranhos,
concelho de (leia, limitrophe do concelho de
Jfellas, pertencente a esta comarca.
Do exposto se vé que n'esla8região da
Beira teve demorada residência o|povo con-
«tructor dos dolmens.
Etymologias e mais velharias do concelho
de Mangualde
Zurara ou Azurara, como já dissemos no
«rtigo Zurara de Villa do Conde, pode vir de
Azurá, nome d'ura pahcio e jardim dos reis
de Cordova, — ou de Zurara, nome d'um
mouro, como diz o sabio cónego Berardo.
V. Viseu, tomo 11 pag. 1723, col. 2 •
Mangualde vem de Manualdus, nome go-
do ou musarabe, cujo patroniraico era Ma-
nualdiz,~em portuguez Manualdes ou Ma-
nualde e depois Mangualde.
V. Poriug. Monum. — Diplomata^et Char-
tae, pag. laS, n.» 91, onde se encontra um
documento do anno 1021, no qual figura
Manualdu, como pae do vendedor da villa
de Sanguinhedo}
No mesmo livro, pag. 106, se encontra
também um documento de 991, em que se
menciona a villa Manualdi, — villa de Man-
gualde (talvez granja ou quinta) nas mar-
gens do rio Leça, districto do Porto.
O Manualdi (Mangualde) supra com cer-
teza era patronímico de Manualdu — e de
Manualdi provieram os nomes da villa de
que nos oceupamos, — da freguezia de Man-
gualde da Serra e de duas aldeias do Minho,
— uma pertencente á freguezia de Grimau'
cellos, concelho de Barcellos,— ouira á fre-
guezia de Santa Maria d" Arnoso, concelho
de Villa Nova de Famalicão.
Alcafache, é nome árabe.
Mesquitella é diminutivo de mesquita^
templo dos mouros, — como Qumtella é di-
minutivo de quinta,— Grijó (ecclesiola) di-
minutivo de egreja, — Paçó {palaíiolum) di-
minutivo de palalium — paço, etc.
Mourilhe, aldeia da freguezia de Mesqui-
tella, vem de Maurelle, nome godo ou musa-
rabe, cujo patronimico era Maurelliz—Mou^
rilhes— e Mourilhe.
Maurelle Garcez figura como testemunha
em um doe. de 974.
V. Port. Monum. loc. cit. pag- 75.
Villa Mendo, aldeia da freguezia de Abru-
nhosa Velha, vem de Menendus, nome godo.
Portug, Monum.— passim.
Sandinho, casal da freguezia de Alcafache,
vem de Sandinus, nome godo.
Fresta (S. João da) aldeia, freguezia e
quinta do concelho de Mangualde, vem de
Prestes,— novae de homem no sec. xi, poia
assignou como testemunha um doe. do anno
1036.
V. Portug. Monum. loc. cit. pag. 178.
1 V. Canas de Senhorim, vol. 2.» pag. 78,
col. 2.»
1 Ibidem, pag. 177, se encontra um docu-
mento de 1036, no qual, entre outras teste-
munhas, assignou Froila Manualdiz.
2302 ZUR
ZUR
Gandufe, aldeia da freguezía de Espinho»
é nome godo.
Tibalde e Fagilde, povoação da freguezia
de Maceira Dão, são nomes godos.
Tem muita aífinidade Tagilde, Fagilde,
Cahide e Coide, bera como Tibalde, Balde,
Calde, Mangualde, etc.
Corvo e Corvacho, quintas, — e Corvaceira
povoação, pertencentes á freguezia de Ghans
de Tavares, são nomes também arcaicos.
V. Corvaceira, tomo 2.o pag. 406, eo!. i;«
I —6 Vizella, rio, tomo 11.» pag. 1968, col.
2.», onde indicámos todas as Corvaceiras
que ha no nosso paiz, sendo uma d'ella3 a
minha terra natal, pelo que— posí tot tantos
que labores — fecho esie artigo e esle diccio-
nario com muita satisfação em janeiro de
1890, reeordando-me da mimosa aldeia em
que nasci em 1832, na Casa da Capella,
margem esquerda do Douro, — mesmo em
frente da actua! estação do Molledo.
AO PUBLICO
Post tot tantosque labores terminei este diccionario em janeiro de 1890,
havendo principiado em 1873 e sendo escripto apenas por dois martyres—
Augusto Soares d' Azevedo Barbosa de Pinho Leal, meu benemérito antecessor,
— e Pedro Augusto Ferreira, humilde auctor d'estas linhas.
A publicação durou 17 annos, porque o terreno eslava cru e cheio de
matagaes — e a lavoura foi irapertinentissimal
Appello francamente para quem tenha lavourado terreno em taes condi-
ções ou se proposer lavoural-o de futuro, como nós o lavourámos — sem a
minima protecção do governo.
O Portugal Antigo e Moderno tem lapsos^ defeitos e lacunas, mas não
admira que os lenha uma obra de tanto fôlego, pois não é uma monographia
de qualquer parochia, villa, cidade ou concelho, districto, diocese ou provin-
cia, mas uma larga descripcão de Portugal todol. . .
Talvez que nenhuma outra nação lenha uma chorographia tão vasta.
A tentativa foi um arrojo da parte do meu antecessor. E elle ainda que-
ria ir mais longe, pois prometteu descrever também as nossas colónias (?) e
dar um resumo da historia de Portugal, mas morreu no caminho — e eu
muito receei endoudecer ou morrer também antes de acabar a tarefa.
Gomo as nossas melhores chorographias até hoje eram as do padre
Carvalho, padre Luiz Cardoso (Diccion, Geogr.) José Avelino d'Almeida e a
Chorographia Moderna, todas muito reduzidas e muito superficiaes, excepto
a do padre Luiz Cardoso, que infelizmente não passou da letlra— G— , tive-
mos de ler e rebuscar uma infinidade de livros, folhetos, manuscriptos e jor-
naes e de escrever centos de carias a pessoas conhecidas e desconhecidas,
muitas das quaes responderam, pelo que mais uma vez lhes beijo as mãos
agradecido, mas outras e não poucas, apesar das nossas reiteradas instan-
cias, não enviaram uma letra, pedindo-lhes por vezes coisas bera simples.
Trabalhei cerca de 12 horas por dia durante 6 annos, por ter muito
amor ao diccionario e muita pena dos editores, que estavam anciosos pela
conclusão d'elle— e com razão, pois teem n'elle empatados muitos contos de
réisl
Note-se que a tiragem é de 3:000 exemplares e, tendo a obra, como
tem, 11 volumes, a tiragem monta a 55:000 volumes?! ..
Elles tiveram a principio cerca de *1:500 assignantes, mas com a demo-
ra da publicação uns morreram e outros esmoreceram. Hoje os assignantes
n
serão apenas 1:000. Teem pois empatados cerca de 44:000 volumes e, coma
destinam a maior parte d'esta edição para a nossa colónia do Brazil, vão para
ali mandar um grande navio carregado só com o Portugal Antigo e Moderno^
pois tem de levar cerca de 40:000 volumes?!. . .
Talvez que nunca sulcasse os mares um navio de lotação igual, carre-
gado com uma obra somenlell ...
Os editores confiam na riossa colónia do Brazil, porque é a flor das co-
lónias da America, — muito opulenta, muilo numerosa e muito patriótica.
Comprehende actualmente cerca de 200:000 portup:uezes e não pode baver
para elles obra mais sympathica, pois todos encontrarão no diccionario noti-
cias curiosas das terras onde nasceram e onde teem os seis paes e avós, ir-
mãos e outros parentes e amigos.— E ninguém melhor do que os editores
pode diligenciar a venda do diccionario no Brazil, porque elles são portogue-
zes, naturaes da formosa vil la de Peniche, mas teem no Pará um grande es-
tabelecimento de livros também.*
O meu antecessor trabalhou cerca de vinte annos n'este diccionario, an-
tes de principiar a publicação— e depois mais 11 annos desde 1873 até que
falleceu no dia 2 de janeiro de 1884, quando o Portugal Antigo e Moderno-
já ia no art. Vianna do Castello} Lembraram-se então os editores dfi me en-
carregarem a continuação da tarefa, por verem que eu, apesar da minha com-
pleta nuUidade, linha sido o principal cyreneu do meu benemérito anteces-
sor, como elle próprio tantas vezes declarou no texto.
O meu antecessor trabalhou muito, mas eu não trabalhei menos talvez.
Que o diga quem ler e confrontar o Portugal Antigo e Moderno desde
o seu principio até pag. 412 do 10.° volume— com a parte restante, escripta
por mim e que comprehende 2302 paginas.
Suum cuique.
1 A firma editora d'es!e diccionario é Mattos Moreira S C.\ mas soíTreu modificações..
Primeiramente era formada pelos srs. Henrique d-'Araujo Tavares e J. B. Mattos iVIo-
reira; depois o sócio Araujo Tavares foi substituído por seu sobriolio o fr. Avelino Ta-
vares Cardoso^ que regressara do Pará, onde tialia e tem uma importante livraria, de so-
ciedade cora seu irmão o sr. Eduardo Tavares Cardoso. A nova íirma social ficou sendo
Mattos Moreira «& Cardosos até que, por amigável aecordo entre os sócios, passou para a
actual — Tavares Cardoso & Irmão, pela satiida do sr. Mattos Moreira.
Por ultimo note-se que os beneméritos editores d'esta obra monumental, — tão diS'
pendiosa para elles e tão honrosa para Portvgal, — até hoje não receberam subsidio al-
gum do governo.
^ V. Vianna do Castello; tomo IO.» pag. 161, col. t.» e segg.,-~8 Vimieiro d'Arayol-
los, tomo 11.» pag. 1457, col. 1.* e segg. também, onde se encontram as biographias do
meu antecessor e^^do pae.
Eu não tenho biographia, mas devo á generosidade do meu antecessor alguns apon-
tamentos para ella.
V. Corvaceira, tomo 2." pag. 406. col. 1*.", ~ Miragaya, tomo 5.° pag. 250, col. 1.*
ambem, — e Pemjoia, vol. 6." pag. 559, eol. 2.»
IIÍ
Em meu nome e no do meu antecessor peço desculpa dos lapsos e da
deslocação das matérias. A quem dirigir nova edição cumpre dar-lhes o lo-
gar próprio; entretanto é indispensável um indice para toda a obra,— indiee
que dará um volume — e náo é fácil de organisar, porque demanda ailenia lei-
tura do diccionario todo.
O promeitido supplemenío é muito necessário para as reciificações e ad-
dições, — demanda porem volumes, se quizerem dar aos artigos do meu ante-
cessor o desenvolvimento que dei aos meus.
Alguém me taxa de prolixo, mas quem de futuro se propozer lavourar
o mesmo terreno — erguerá as mãos ao ceu por vel-o decruado tão fundo!...
Os editores. pediam que aligeirasse o texto e reservasse para o supple-
mento a explanação. Bem quisera attendel-os e muito reservei para o sup-
plemenío, mas não tudo, porque era impertinentíssimo o estado dos diversos
artigos e, depois de os estudar para organisação do texto, teria de os estu-
dar de novo para organisar o suppleraento. Faltou me a coragem para tanto.
Além d'isso receei e receio não ter vida para escrever o supplemenío,— fica-
ria escorchado o pobre diccionario— e perdido um trabalho insano.
A perda não seria grande para as boas lettras pátrias, mas era enorme
para mim. Nem eu sei como tive coragem e resignação para trabalhar tanto, e
quasi sempre de noite, expondo-me a perder a vista e a vida,— alem de sa-
crificar os meus commodos, pois durante 6 annos ma! puz o pé fora do Porto,
sendo a minha paixão dominante passear e viajar. Ejá passeei bastante, pois
tenho cruzado em diversas direcções todo o nosso paiz e visitado as nossas
cidades todas, exceptuando unicamente áms— Castello Branco e Covilhã, ci-
dades que espero visitar brevemente. Também já transpuz a raia da Hespa-
Dha muitas vezes — e era '1880 fui até Madrid e Paris.
Também sacrifiquei ao diccionario os meus interesses, porque durante
aquelles 6 annos deleguei nos coadjuctores grande parte do serviço parochial
e supportei boa dose de lucros cessantes e de damnos emergentesl
Por ultimo note-se que eu residia e resido no Porto, no meu humilde
presbytério de Miragaya, e que o diccionario foi publicado em Lisboa, o que
difficultava a revisão e me expoz a lapsos, mesmo porque a publicação foi
feita de afogadilho.
Não herdei do meu antecessor trabalho algum. Tive de organisar os ar-
tigos todos de um dia para o outro— e nunca pude ver nem rever uni artigo
completo, antes de o mandar para a imprensa. Estavam sempre no prélo !á
a 3 fascículos e por vezes luctei com grandes diíficuldades para fazer as ci-
tações e referencias.
Seja tudo em desconto dos meus peccadosl. . .
Se os leitores me vissem durante 6 annos constantemente preso á banca
e aos pulvurulentos alfarrábios até ás 3 e 4 horas da manhã, por certo que
teriam dó de mim.
Porto e Miragaya, 15 de janeiro de 1890.
Pedro Augusto FERREmA.